DECLARAÇÕES DE PARTE
VALORAÇÃO
REABERTURA DA AUDIÊNCIA FINAL
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
VONTADE REAL
PROCURAÇÃO
Sumário


I-
1- A propósito da interpretação da declaração negocial – distingue-se, é sabido, a indagação da vontade real (236.º/2 do C. Civil) e a interpretação da declaração negocial segundo critérios normativos (236.º/1 do C. Civil); constituindo matéria de facto e impondo a produção de prova a determinação/indagação da real intenção/vontade dos contraentes, a que alude o art. 236.º/2 do C. Civil, o que, porém, só ocorre se tiverem sido alegados factos (respeitantes a tal vontade real) que possam servir de objeto à incidência de tal prova, ou seja, quando apenas se esgrime a partir e com base no estrito conteúdo da declaração, estar-se-á tão só ainda perante a interpretação da declaração negocial segundo critérios normativos (de harmonia com a teoria da impressão do destinatário, acolhida no 236.º/1 do C. Civil) e não haverá prova a produzir.
2- Como declaração negocial que é a procuração, tem a mesma que ser interpretada de acordo com as regras contidas nos arts 236.º e 238.º do CC, prevalecendo, em regra, na interpretação dos negócios jurídicos, a vontade real do declarante sempre que for conhecida do destinatário, o que ocorreu in casu ( apenas quando faltar tal conhecimento, valerá o sentido que seria apreendido por um destinatário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante).
II-
- A reabertura da audiência final nos termos do art. 607º,nº1 do CPC apenas deverá ser determinada quando o juiz, em sede de elaboração da sentença, se depare com dúvidas sérias sobre a prova produzida quanto a factos essenciais (alegados) integrativos da causa de pedir invocada pelo autor na petição inicial ou das exceções invocadas pelas partes, e quando se lhe prefigure que essa situação de dúvida quanto a esses factos essenciais é suscetível de ser superada mediante a produção de prova suplementar.

Texto Integral


Proc. nº 1713/21.9T8VRL.G1
Tribunal Judicial da Comarca de ...
Juízo Central Cível de ...
Relatora: Anizabel Sousa Pereira
Adjuntas: Conceição Sampaio e Sandra Melo


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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
                                   
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Relatório ( que se transcreve):
AA instaurou ação, na forma de processo comum, contra BB.
Invocou que:
Juntamente com a sua mãe CC, outorgou duas procurações a favor do R., conferindo-lhe poderes para, nomeadamente, vender, pelo preço e condições que entendesse convenientes, vários prédios rústicos do A. e de sua mãe.
O A., a sua mãe e o R., acordaram que, o preço para a venda dos prédios deveria ter por base o valor de mercado dos mesmos e que, o R. não deveria efetuar qualquer venda sem antes obter do A. e da sua mãe, a necessária aprovação, quanto ao preço e condições de venda.
O R. vendeu vários prédios, mas fê-lo por um preço inferior ao de mercado (numa diferença total de € 61.328,23) e sem que houvesse obtido a aprovação do A. e da sua mãe.
Pediu que:
Se condenasse o R., a pagar-lhe, a quantia de € 61.328,23 (sessenta e um mil trezentos e vinte oito euros e vinte e três cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.
Contestou o R.
Invocou a prescrição parcial do direito invocado pelo A.
Impugnou parte da factualidade invocada pelo A. e, invocou que, o acordado foi que, a venda das propriedades se fizesse pelo melhor preço possível/pelo melhor preço oferecido e que, o A. e a sua mãe tiveram conhecimento dos valores pelos quais iriam ser realizadas as vendas, aceitando-os.
Invocou ainda a litigância de mé fé do A.
O A. exerceu o contraditório, pugnando pela improcedência da exceção de prescrição e da sua condenação como litigante de má fé.
Foi admitida a intervenção principal provocada de CC, que o A. requerera na p.i.
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Realizou-se a audiência prévia, no âmbito da qual, designadamente, se identificou o objeto do litígio e se enunciou os temas a prova.
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Após realização da perícia, teve lugar a audiência de julgamento.
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Realizado o julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
“ Julgo a ação improcedente, absolvendo o R. do pedido.
Custas a cargo do A. e Interveniente (sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que goza o A.) - art. 527º, do C.P.C.
Registe - art. 153º, n º 4, do C.P.C. Notifique - art. 220º, n º 1, do C.P.C.”
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O A interpôs recurso, e formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):

“1. Com o presente recurso, pretende o Recorrente a reapreciação da matéria de facto e de direito, que se impugna, nos termos das conclusões que ora se expõem, extraídas da motivação apresentada.
2. Inconformado com a sentença recorrida, vem interposto o presente recurso, versando o mesmo sobre os seguintes aspectos: da reapreciação da matéria de facto: a) Dos concretos pontos da matéria de facto que o Recorrente considera incorrectamente julgados; b) dos concretos meios probatórios que impunham decisão sobre a matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão, que no entender da Recorrente, deve ser decidida sobre as questões de facto impugnadas; e) da reabertura da audiência de julgamento – casos de dúvida. Da reapreciação da matéria de direito: a) da responsabilidade civil contratual; b) da condenação em custas.
3. O Recorrente considera que foram incorrectamente julgados: o facto provado da al. C) e os factos não provados das als. A), B) e C), que se impugnam, devendo ser reapreciados, o que expressamente se requer.
4. Não foram produzidos quaisquer elementos de prova, quer documental, quer testemunhal, que por si só ou entre si conjugados afastassem a credibilidade dos depoimentos em causa, antes pelo contrário, não foi produzida qualquer prova que os infirmasse e ao contrário da sentença recorrida foram produzidos elementos de prova, não relevados na decisão recorrida, que devidamente ponderados em toda a sua globalidade afastam as dúvidas que o julgado a quo teve na análise crítica da prova.
5. Relativamente à essência do litígio, nomeadamente no que se refere aos termos do contrato e às suas condições, a versão apresentada pelo Autor, corroborada pela sua mãe (interveniente principal) e pela testemunha DD, foi descartada pelo Tribunal a quo, alicerçada nas declarações de parte do Réu, que negou os termos e a negociação versão esta que não foi corroborada por qualquer outro meio de prova.
6. As demais testemunhas indicadas, como teremos oportunidade de referir, não assistiram a qualquer reunião entre as partes e muito menos sabem o que entre elas foi estabelecido, referindo quase todas que apenas conhecem o Réu e nunca viram e/ou conhecem o Autor.
7. A esta realidade se assoma o facto (não ponderado na decisão recorrida!) que os valores de mercado das propriedades, constantes do relatório de peritagem junto aos autos serem manifestamente inferiores aos valores pelos quais as mesmas        foram vendidas pelo Réu em representação do Autor, desconsiderando-se gravissimamente as declarações de algumas testemunhas que disseram que pagaram o dobro e até o triplo do que foi escriturado.
8. Nenhuma destas realidades, levou o Tribunal a quo a aquilatar da veracidade das declarações do Autor , tendo-se o mesmo escudado num alegado (mas incompreensível) estado de dúvida, para julgar a causa nesses termos.
9. A decisão recorrida está longe de fazer justiça ao caso concreto.
10.Independentemente do ónus de prova da factualidade em causa nos presentes autos, sempre da audiência de discussão e julgamento não restaram dúvidas da factualidade alegada pelo Autor na sua acção e o Réu não logrou provar nada em sentido contrário que afastasse essa factualidade.
11.Salvo o devido respeito, não foi criada no julgador qualquer dúvida ou hesitação acerca dos depoimentos prestados ou da forma como foram prestados que permitisse criar nele a convicção de que as declarações prestadas não corresponderiam à verdade e/ou não teriam qualquer sentido segundo as regras da experiência comum.
12.Entendeu o Tribunal a quo que se provou que a venda dos prédios se fizesse pelo melhor preço possível/pelo melhor preço oferecido e não se provou que o preço para a venda dos prédios deveria ter por base o valor de mercado dos mesmos.
13.Desde logo, a motivação apresentada é contraditória entre si e estriba-se maioritariamente em juízos subjectivos e considerações/conclusões, que não têm qualquer respaldo na prova produzida,pois que,o Tribunal aquo qualifica de subjectivo o valor de mercado, para colocar em crise o acordo havido entre as partes neste particular.
14.Contudo, o valor de mercado, não é subjectivo, antes objectivo e essa afirmação é contraditória com o relatório pericial, contra o qual o Tribunal nada ofertou e até considerou merecedor de total credibilidade, já que da matéria de facto elencada em E) foi dado por provado que, à data das respectivas vendas, as propriedades possuíam aquele valor de mercado.
15.A análise dos valores de mercado não mereceu a devida ponderação do Tribunal, pois que, se as diferenças entre o valor das vendas e o valor de mercado fosse ínfima, talvez a censura efectuada pelo Autor ao Réu não merecesse melhor ponderação, mas no caso concreto essa diferença é substancial, superior a € 50.000,00, o que, só por si, demandaria cuidado acrescido na ponderação de todos os elementos de prova.
16.Compulsada a matéria de facto provada da al. E) e os valores de mercado constantes do relatório de peritagem, constata-se, ainda que, de forma sumária, que nenhuma das vendas efectuadas pelo Réu se aproximou do valor de mercado das propriedades em causa.
17.Todas as propriedades, sem excepção, foram vendidas por valor inferior ao valor de mercado, sendo ainda notório que em quatro delas, o valor de venda corresponde a cerca de 1/5 ou menos do valor de mercado das mesmas.
18.É também evidente que, no seu conjunto, o valor das vendas corresponde a 1/3 do valor de mercado das referidas propriedades, pelo que, esta diferença abismal de valores não foi tida em consideração pelo Tribunal a quo.
19.Sem prejuízo do que diremos de seguida, em especial os depoimentos prestados, a análise crítica da prova deveria pautar-se e iniciar-se pela diferença mais do que provada dos valores em causa, da qual se infere, sem margem para qualquer dúvida que alguém, no seu perfeito juízo, mesmo que, para pagar dívidas e obter liquidez, aceitasse ou permitisse que grande parte do seu património imobiliário, na sua totalidade e com mais de seis hectares, na região demarcada do Douro, fosse “despachado” por pouco mais de € 25.000,00, sendo que, esta diferença de valores, demandaria, à cabeça um maior cuidado na análise e ponderação da prova produzida, que não foi tida na sentença sob censura.
20.No que diz respeito às condições de outorga da segunda procuração, alicerça bases o Tribunal a quo no facto de, a essa data, já terem sido pelo menos vendidas duas propriedades e que o Autor e Interveniente já teriam conhecimento desses valores, sendo que, tal conclusão é manifestamente contrária e mesmo contraditória com a matéria de facto dada por não provada em D), pois que, não se provou que o Autor e a Interveniente tiveram conhecimento dos valores pelos quais iriam ser realizadas as vendas aceitando-os, pois se acaso assim tivesse sido, como pode motivar-se a decisão da matéria de facto com uma conclusão contrária e contraditória com a matéria de facto dada por não provada, ou seja, se não se prova que tiveram conhecimento dos valores pelos quais se iriam realizar as vendas, como se pode dizer que “já então o A. e Interveniente tivessem conhecimento das duas vendas que este já havia realizado…”.
21.As duas vendas a que o Tribunal se refere (uma em 08/01/2001 e outra em 31/01/2001) dizem respeito a primeira ao prédio denominado “...”, cujos contornos da venda sempre foram assumidos pelo Autor e a segunda ao prédio denominado “...”, prédio esse que foi vendido à testemunha CC e que hoje pertence ao Réu, pois que, nem volvidos 6 meses da sua venda àquela, foi comprado a esta pelo Réu, propriedade sobre a qual já correu acção judicial de simulação, que só não obteve provimento, porquanto, o relatório de peritagem nesses autos junto atribuiu um valor de mercado igual ao valor da venda (totalmente disforme, como do relatório elaborado no presente consta), tudo como se pode aquilatar pelo depoimento da testemunha EE, que foi o perito nomeado naqueles autos.
22.Questionado o Autor acerca do valor pelo qual as propriedades deviam ser vendidas, ou seja, o acordo que efectuou com Réu nesse sentido, asseverou que o acordado desde a primeira hora foi que as propriedades fossem vendidas por um valor, ainda que, superior ao valor de mercado, pois que, era grande a procura e existiam diversas pessoas e entidades à procura de terrenos para reestruturar, sem nunca perder de vista os benefícios que as mesmas possuíam e que foi o Réu a motivar essas vendas, com base nessas circunstâncias, cfr. gravação efectuada no dia 27/02/2024, entre as 10:39eas 11:22, aos minutos 00:00 a 04:17.
23.Apesar de o Tribunal a quo ter questionado o acordo encetado entre as partes, o Autor declarou expressamente que o mesmo ocorreu no final do ano de 99/2000, por altura do Natal, que tinha vindo passar a casa a ... com a sua namorada e que apareceu o Réu lá em casa, com o objectivo de os ajudar a resolver a situação, uma vez que, ele sabia bem o que se passava, conhecia as propriedades e assegurou-lhes que através da venda das propriedades poderiam realizar capital para liquidar a dívida que tinham e obterem liquidez financeira que não tinham, tendo o Tribunal a quo interferido na instância que estava ser efectuada a esse respeito, dizendo que se estaria “muito aquém daquilo que importa conquistar…” (o que afinal e pela leitura da sentença recorrida, não parece ocorrer…), cfr. gravação efectuada no dia 27/02/2024, entre as 10:39 e as 11:22, aos minutos 11:40 a 14:08.
24.A instâncias da Ilustre Mandatária do Réu o Autor instado a concretizar a questão do valor de mercado, asseverou que quando foram procurados pelo Réu, a vendas das propriedades, que mais tarde figuraram nas procurações rondava os 25 a 30 mil contos e que não teve dúvidas, que entre as partes ficou bem assente que elas valessem essa quantia, já que o próprio Réu disse que a maior parte delas tinha uma área significativa e de serem propriedades que tinham produção, cfr. gravação efectuada no dia 27/02/2024, entre as 10:39 e as 11:22, aos minutos 14:22 a 16:30.
25.Esta declaração, desconsiderada pelo Tribunal a quo, sai corroborada pelo relatório pericial junto aos autos, pois que, basta efectuar uma operação aritmética, para se concluir que afinal o preço de mercado daquelas propriedades, ronda aquilo que foi acordado entre as partes, e fazendo parte das procurações um total de 10 prédios, sendo que, dos 8 (oito) em discussão nos presentes autos o valor de mercado dos mesmos ascende à quantia de € 81.478,00, a que terá de se somar o valor de € 18.954,32, pela venda da propriedade ... e a quantia de € 5.000,00 pela venda da propriedade ..., tudo num total de € 105.432,32, quantia que em escudos equivalerá a mais de 21 mil contos, valor muito próximo daquele que foi acordado com o Réu, como correspondendo ao valor total das propriedades que constam do mandato conferido.
26.Não se percebe que o Tribunal a quo na motivação da decisão da matéria de facto teça considerações quanto às acções pretéritas entre as partes, quanto ao longo da discussão da causa limitou a discussão às vendas que foram feitas, aos preços e às condições da venda, cfr. gravação efectuada no dia 27/02/2024, entre as 10:39 e as 11:22, aos minutos 25:08 a 25:33.
27.No que à presente matéria diz respeito, o Autor foi peremptório em repisar as circunstâncias em que ocorreram as negociações, asseverando que na reunião já referida estava ele, a sua mãe (interveniente), a sua namorada (testemunha DD) e o Réu e ainda que, nessa reunião acordaram que o Réu lhes venderia as propriedades, que posteriormente vieram a figurar nas procurações e que as mesmas rondariam os 25/30 mil contos, valores estes que até foram adiantados pelo Réu, mais esclarecendo que só teve conhecimento das condições dos negócios realizados pelo Réu em sua representação e dos valores da venda quando foi a ... buscar as certidões das escrituras, que foram juntas aos autos, cfr. gravação efectuada no dia 27/02/2024, entre as 10:39 e as 11:22, aos minutos 38:15 a 41:35.
28.As declarações do Autor foram em parte corroboradas pela Interveniente Principal – CC – sua mãe, que além de ser outorgante das procurações, participou na reunião e aceitou os termos da negociação encetada pelas partes, sendo que, no seu depoimento a Interveniente asseverou ao Tribunal a quo que o acordo com o Réu foi o de ele vender as propriedades pelo preço de mercado e se possível mais acima porque havia muita procura pelos jovens agricultores e os prédios estavam em alta, cfr. gravaçãoefectuadano dia 27/02/2024, entre as 14:11eas 14:30, aosminutos04:38 a 08:14.
29.A Interveniente instada a concretizar a reunião havida entre as partes, declarou que a conversação foi entre ela, o seu filho (aqui Autor) a minha nora (a testemunha DD) e o Réu e que foi mais ou menos pelo ano de 1999/2000, num domingo à tarde e por volta do Natal, já que o seu filho estava cá a passar essa quadra festiva, mais garantindo que foi o Réu que os procurou na sua casa, em ..., uma vez que sabia da situação porque estavam a passar com o Banco 1... e teve conhecimento dessa situação através da família, cfr. gravação efectuada no dia 27/02/2024, entre as 14:11 e as 14:30, aos minutos 08:50 a 09:31.
30.Ademais, a Interveniente, depois de descrever as circunstâncias de tempo, modo e lugar da mesma, até ao ponto de esclarecer o início da relação entre o Autor e a sua actual companheira, declarou que o Réu tinha conhecimento dos problemas que eles tinham com o Banco 1... e que para resolverem esse problema o mesmo lhes disse que: “olhe eu posso-vos ajudar a vender e até por um bom preço porque as coisas agora estão em alta, há muita procura por causa dos jovens agricultores e vocês sempre vendem, fazem os pagamentos ao Banco e ainda ficam com liquidez porque eu consigo bem isso por 25/30milcontos”,concretizando que esse valor dizia respeito apenas e só aos prédios que faziam parte das procurações e não a todo o património que detinham e instada a concretizar esse património a vender a mesma declarou que inicialmente acordaram vender determinados prédios e depois vender outros, devido à procura e pelo facto de determinados prédios não fazerem sentido uns sem os outros e também para obterem liquidez financeira, que não tinham, cfr. gravação efectuada no dia 27/02/2024, entre as 14:11 e as 14:30, aos minutos 11:05 a 16:57.
31.Declarou ainda a Interveniente que na reunião inicial foram definidas as condições da venda, nomeadamente o preço e que antes da venda fosse dado o devido conhecimento aos mandantes e só depois é que as propriedades em concreto foram colocadas nas procurações e ainda que havia muita procura pelos prédios, pois que, chegaram a ser procurados por pessoas interessadas na compra e eles encaminharam a situação para o Réu, que era quem estava responsável pelas vendas, cfr. gravação efectuada no dia 27/02/2024, entre as 14:30 e as 14:45, aos minutos 01:18 a 06:28.
32.A Interveniente diversamente instada a concretizar se os 25/30 mil contos diziam respeito a todo ou pate do património repisou que esse valor dizia respeito aos prédios que vieram a fazer parte das procurações e não à totalidade do património que detinham e no que tange àquilo que foi combinado em relação ao preço, a mesma continuou a declarar que foi acordada a venda pelo melhor preço de mercado que existia à data das vendas e apesar de ser tentada a sua confusão para eventualmente entrar em contradição, asseverou que o melhor preço que conseguisse obter de mercado e se possível um pouco mais acima, devido à procura e que na época se vendia um palmo de terra por muito bom valor e por essa razão é que lhe devia ser comunicada a oferta antecipadamente para os mesmos darem a sua aceitação ou não, cfr. gravação efectuada no dia 27/02/2024, entre as 14:30 e as 14:45, aos minutos 07:42 a 11:20.
33.A testemunha DD, que apesar de ser companheira do Autor, no seu depoimento, ao contrário das reservas apontadas pelo Tribunal a quo, depôs de forma isenta, desinteressada e com a particularidade de ser a única testemunha presencial dos factos em discussão na causa, sendo que, apesar da sua ainda curta relação, a essa data, com o Autor, a testemunha em causa esclareceu o Tribunal que conheceu o Autor AA nos inícios do ano de 1999 (data que recorda, por ser do início do namoro) e que pouco tempo após se conhecerem foram viver juntos.
34.Declarou a testemunha que ia ouvindo conversas paralelas em casa e quando vinham a ... a casa da família, sabia que eles viviam desafogadamente, mas que depois surgiu um problema com a Banco 1... e na altura eles não tinham liquidez para resolver a situação e andavam bastantes abalados com o sucedido e, por essa ocasião, vieram passar o Natal a ... e recorda-se que apareceu lá em casa um senhor, que não conhecia de lado algum, num domingo à tarde a dizer que conhecia os terrenos, que sabia dos problemas que eles tinham, que eram conhecidos na aldeia e que se ofereceu para vender uns terrenos, sendo que esse senhor é a pessoa do Réu, declarando que o mesmo asseverou que os terrenos eram muito valorizados e que a venda seria fácil de concretizar, uma vez que, havia muitos interessados para projectos agrícolas e que a zona era muito rica, por se tratar da região demarcada do Douro e que os terrenos eram muito valorizados.
35.Mais declarou a referida testemunha que participou nessa reunião e ouviu toda a conversa, na qual foram acordadas as condições da venda, concretizando que entre as partes foi acordado que a venda se fizesse pelo melhor preço de mercado, esclarecendo ainda que o companheiro (Autor) disse ao Réu que não efectuasse nenhuma venda sem antes lhe comunicar as condições e o preço, por causa dos problemas de saúde da mãe e porque já tinham problemas que chegassem e não queiram mais nenhum, asseverando que não tem dúvidas dessas circunstâncias da negociação e das condições acordadas entre as partes, e da sua identidade, tanto mais que, passados alguns anos o Réu apareceu no seu local de trabalho no ... a questioná-la se estava casada com o Autor, qual o regime de bens e os bens que tinha e a intimidá-la, dizendo que iria ficar sem nada, tudo cfr. gravação efectuada no dia 27/02/2024, entre as 11:23 e as 11:57, aos minutos 01:22 a 10:32.
36.A testemunha questionada da reação do seu companheiro quando soube das vendas das propriedades e do respectivo preço, declarou que o mesmo “quase desmaiou” ao saber que os prédios estavam todos vendidos e que tinham sido vendidos por uma bagatela, cfr. gravação efectuada no dia 27/02/2024, entre as 11:23 e as 11:57, aos minutos 11:21 a 13:00.
37.Se dúvidas suscitasse o seu depoimento, as mesmas foram esclarecidas na contra instância, na qual, a testemunha declarou com rigor e precisão as circunstâncias que rodearam a reunião havida entre as partes e na qual foram traçados os termos do contrato e do acordo, tendo asseverado ao Tribunal a quo que estando todos em casa chegou o Réu, que batendo à porta pediu para falar com o Autor e com a Interveniente, por causa do problema que tinham no Banco 1... e que apesar de serem assuntos que não lhe dissessem respeito, por insistência do companheiro e da mãe, acabou por acompanhar a conversação, na qual o Réu deu a conhecer que sabia do problema porque estavam a passar e que se eles estivessem dispostos a vender terrenos da aldeia, porque o mesmo tinha lá muitos conhecimentos, poderiam solucionar esse problema que tinham.
38.Declarou ainda que o Réu disse que “tinha muitos conhecimentos de pessoas que estavam interessadas nos terrenos e que podia perfeitamente ajudar e que os terrenos tinham muito boa cotação, que podiam ser bem vendidos, que dava perfeitamente para pagar a dívida lá que eles tinham ao Banco e que ainda ficavam com dinheiro para fazer face e para começar a vida porque o meu companheiro tinha ficado sem pai, ainda estava na altura”, já que demonstrou ser conhecedor desses terrenos e instada a concretizar da urgência da realização das vendas, a testemunha declarou que num primeiro momento havia essa urgência para resolver o problema do Banco 1..., mas a partir do momento em que esse problema ficou sanado, deixou de haver pressa, porque o objectivo era também o de obter liquidez financeira, que os mesmos não tinham, cfr. gravação efectuada no dia 27/02/2024, entre as 11:23 e as 11:57, aos minutos 14:26 a 22:38.
39.Novamente confrontada com a questão do valor de vendas das propriedades, a testemunha declarou que as partes falaram – na aludida reunião – que o património seria vendido pelo melhor valor de mercado, sendo que esse valor seria do conhecimento do Autor, mas mesmo que não fosse também foi acordado que o Réu nada venderia, sem antes comunicar ao Réu essa sua intenção e obter deles a respectiva autorização, cfr. gravação efectuada no dia 27/02/2024, entre as 11:23 e as 11:57, aos minutos 11:21 a 13:00.
40.Conjugados os depoimentos em causa, temos por certo que os mesmos se mostram coincidentes entre si, o que é normal – dizemos nós – já que, por um lado a tudo assistiram e por outro, embora interessados na causa, com excepção da testemunha DD, não depuseram de forma tal que se lhe possa assacar a parcialidade que ressuma da decisão recorrida.
41.Não vemos qualquer dissonância entre as expressões de melhor preço de mercado merecedora de reparo, como o foi pelo Tribunal a quo, nem muito menos qualquer desacerto com o alegado no art. 15.º da PI, que foi descontextualizado.
42.É errónea a conclusão de que as partes, nomeadamente o Autor e a Intervenientes não soubessem qual o preço de mercado das propriedades e que subordinassem as vendas a esse preço, já que, como amplamente referido, os mesmos estimaram que as propriedades que faziam parte do mandado seriam facilmente vendidas por 25/30 mil contos, o que, se compagina, isso sim, com o valor de mercado das mesmas à data da respectiva venda, sendo que, tudo isto aponta no sentido de que ocorreu erro de julgamento quanto à matéria de facto impugnada.
43.O Réu, admitido a prestar declarações de parte, começa por negar a reunião havida com o Autor e Interveniente, deslocando a sua realização para um Hotel na ... e apenas com o Autor, o que não só é falso, mas inverosímil, já que, a testemunha FF, e o Autor e a Interveniente declararam que o Autor residia a essa data habitualmente na zona do ... e por outro que, como adiante se verá, dizendo o assunto respeito ao Autor e à Interveniente, nessa reunião apenas tenha intervindo o Autor…
44.Depois o Réu – tal efabulação – arrogou-se credor do Autor e por isso asseverou ao Mmo. Juiz a quo que nas vendas que ia realizando não procedia ao depósito das quantias recebidas, porque “se era credor, eu era credor não é, eu ia gerindo o recebimento das vendas com saldos em débito”…, sendo que, uma tal conduta, não foi ponderada pelo Tribunal a quo e confessada pelo Réu mostra a forma de actuação do mesmo ao longo de todo o mandato, o que conjugado com as regras da experiência comum torna mais provável a existência do acordo nos termos expostos pelo Autor, do que o contrário, cfr. gravação efectuada no dia 27/02/2024, entre as 15:00 e as 15:31, aos minutos 07:19 a 11:34.
45.O Réu no seu depoimento efabulando sobre as circunstâncias da negociação declarou que sabia que o Autor e a sua mãe tinham propriedades (em ...) e havia uma boa relação entre a sua irmã mais velha e a sogra dele que é de ..., cfr. gravação efectuada no dia 27/02/2024, entre as 15:00 e as 15:31, aos minutos 12:24 a 15:09, GG es que questionado se o Autor tinha alguma namorada e se a mesma tinha estado presente em alguma reunião, o mesmo declarou que não sabia se ele tem/tinha alguma namorada, nunca lhe conheceu nenhuma, cfr. gravação efectuada no dia 27/02/2024, entre as 15:00 e as 15:31, aos minutos 19:23 a 19:58.
46.Mas as divergências no depoimento do Réu, que tornam verosímil a versão do Autor, continuam, desde logo, qual confusão do Réu, quando o mesmo traz à liça a questão da propriedade ..., alegando fantasiosamente que tinha o negócio apalavrado por € 60.000,00, mas que o Autor vendeu a referida propriedade por€30.000,00,mais declarando que essa propriedade fazia parte das procurações, quando primeiramente nada consta dos autos acerca desse prédio e secundo esse prédio não consta das procurações, logo quanto a ele – erradamente – o Réu nada podia expectar, cfr. gravação efectuada no dia 27/02/2024, entre as 15:00 e as 15:31, aos minutos 26:55 a 28:22.
47.A relevância do expendido, visa infirmar a conclusão a que chegou o Tribunal a quo quando diz que o valor de mercado não era relevante para o Autor, porque até teria vendido o citado prédio por € 30.000,00, quando estaria negociado pelo Réu por € 60.000,00, quando das declarações do Réu resulta que esse prédio nem sequer fazia parte das procurações e muito menos se apurou se foi vendido e qual o valor da respectiva venda.
48.Aqui chegados, concluiremos que das declarações de parte do Réu, resultou que o mesmo se arrogava credor do Autor e por isso não lhe depositava os valores que ia recebendo das propriedades que ia vendendo, como contradiz o conhecimento da companheira do Autor, mas declara que tomou conhecimento do problema do Autor e Chamada pela sua irmã mais velha que é amiga da sogra do Autor e qual feito, quer tomar as rédeas de uma negociação sobre determinado prédio, quando o mesmo nunca fez ou fazia parte das procurações que lhe foram outorgadas, sendo que, todas estas incongruências são de molde a tornar duvidosa a sua versão dos factos e de contrário a conferirem credibilidade à versão apresentada pelo Autor.
49.O Tribunal a quo nem uma palavra teceu ao depoimento da testemunha HH, pessoa que comprou a propriedade denominada ... e que declarou que apenas conhece o Réu e que foi a ele que lhe comprou uma propriedade, tendo inicialmente oferecido a quantia de cinco mil euros, mas que teve de dar mais e instado a concretizar o preço, o mesmo declarou que pagou pela propriedade a quantia de € 6.500,00, mediante a emissão e entrega ao Réu de dois cheques no valor de € 3.250,00 cada, cfr. gravação efectuada no dia 27/02/2024, entre as 16:16 e as 16:27, aos minutos 00:30 a 05:11 e 05:34 a 06:16.
50.Compulsada a escritura junta sob o Doc. N.º 7 da petição inicial, e o facto provado da al. D), n.º 3, temos por certo que a propriedade foi vendida pelo preço de € 2.493,98, mas o preço de venda não foi esse, antes o valor de € 6.500,00,pelo que, o Réu recebeu dessa venda o valor de€4.006,02, que nunca entregou ao Autor e à Interveniente.
51.Uma tal discrepância de valores, apenas demonstra que o Réu fez sua a quantia que recebeu, sem dela dar conhecimento ao Autor e Interveniente, e o preço final por que vendeu a propriedade, esse sim, compadece-se com o valor acordado com as partes de que as propriedades seriam vendidas pelo melhor preço de mercado e se possível mais um pouco, não sendo despiciendo referir que a perícia atribuiu a essa propriedade o valor de € 3.851,00, o que é sintomático de que as propriedades valeriam, em alguns casos, muito mais do que o valor de mercado.
52.A testemunha II, declarando a exemplo da anterior que apenas conhece a pessoa do Réu, asseverou que comprou a propriedade ... ou ... pelo preço de dez mil euros, e formamos convicção nessa declaração inicial e espontânea da referida testemunha, apesar de apercebendo-se da desconformidade com o valor constante na escritura ter tentado, mas quanto a nós sem sucesso, desdizer que afinal o preço que pagou foi o da escritura, cfr. gravação efectuada no dia 27/02/2024, entre as 16:42 e as 16:56, aos minutos 00:15 a 00:39, 00:57 a 04:35 e 11:19 a 13:09.
53.Corridos os meios de prova elencados e que foram descartados pelo Tribunal recorrido, ficamos convictos, por um lado que o acordo entre o Autor, Interveniente e Réu foi celebrado, ainda que, informalmente, e que uma das condições do contrato de mandato era a venda das propriedades pelo melhor preço de mercado e não pela melhor oferta que o Réu conseguisse obter, pelo que, deve merecer provimento a presente impugnação e ser dado por provado o facto da al. A) da matéria de facto não provada e ser dado por não provado o facto da al. C) da matéria de facto provada.
54.No que se reporta ao facto não provado da al. B), para a impugnação deste facto, o Recorrente dá por integralmente reproduzido tudo quanto consta da impugnação efectuada nos factos anteriores, pois que, o Autor, Interveniente e testemunha DD, quando inquiridas acerca do acordo alcançado entre as parte e as suas condições, foram descrevendo que, para além do valor base por que foi acordado o mandato, o Autor sempre pediu ao Réu e este se comprometeu a não efectuar nenhuma venda sem antes obter deles a necessária aprovação quanto ao preço e às condições da venda.
55.Não obstante, o Autor instado a concretizar se acordaram mais alguma coisa em relação ao mandato em discussão nos autos, asseverou que pediu insistentemente ao Réu que independentemente de vender ao mais alto possível as propriedades, que os fosse pondo ao corrente da situação, nomeadamente os valores que fosse obtendo para eles decidirem se aceitavam ou não a venda nessas condições.
56.Declarou o Autor que as vendas que o Réu deveria fazer em sua representação ficaram condicionadas à aceitação, por estes, do valor que lhes fosse comunicado pelo Réu, pois que, embora o mesmo estivesse mandatado para o efeito, eles teriam sempre a última palavra sobre o assunto, mais asseverando que, apesar de assim ter sido acordado o Réu nada disto ter feito e pese embora tenha efectuado pagamentos parcelares, sempre que era questionado da sua proveniência, a resposta era sempre a mesma, que não se preocupassem, que depois ele lhes explicava e lhes prestava contas, cfr. gravação efectuada no dia 27/02/2024, entre as 10:39 e as 11:22, aos minutos 04:18 a 11:39.
57.Em arrimo destas declarações, a Interveniente principal, declarou que o Réu se comprometeu a comunicar as ofertas que ia recebendo, para os mesmos manifestarem ou não o seu assentimento à realização da respectiva venda, tendo esclarecido que nada lhe foi comunicado e que nunca aprovou qualquer venda efectuada pelo Réu em seu nome, para o efeito, declarou ao Tribunal que nunca foi consultada para nada, como de nada teve conhecimento e que apenas tomou conhecimento das vendas efectuadas, quando o Réu intentou uma acção executiva relativa a um chequee que foi nessa ocasião que tomaram conhecimento das escrituras e do que lá constava, que coincide coma data que constam dos documentos juntos com a petição inicial (17/09/2010) sendo que, até essa data de nada sabia, muito menos a identidade dos compradores, cfr. gravação efectuada no dia 27/02/2024, entre as 14:30 e as 14:45, aos minutos 13:13 a 15:11.
58.A testemunha DD, declarou que na reunião que existiu entre as partes, na qual foramtraçadas condições davenda das propriedades, foi falado que o Réu se comprometeu a não vender sem dar conhecimento ao Autor e Interveniente, coisa que o mesmo nunca fez, cfr. gravação efectuada no dia 27/02/2024, entre as 11:23 e as 11:57, aos minutos 28:30 a 30:05.
59.Mais declarou a referida testemunha que o Réu foi diversas vezes interpelado pelo Autor, seja de modo próprio ou a pedido da sua mãe, sobre o estado das vendas, ao que o mesmo lhe respondia que não estava a ser fácil vender, mas que não se preocupasse coma situação,asseverando ainda que quando o Autor tomou conhecimento das vendas efectuadas e das suas condições, ficou estupefacto, pois constatou que estava tudo vendido, cfr. gravação efectuada no dia 27/02/2024, entre as 11:23 e as 11:57, aos minutos 31:22 a 32:31.
60.Venerandos, conjugados os meios de prova produzidos em audiência e apesar de a factualidade em causa ter sido confirmada pelas partes é notório que a urgência na realização de liquidez não é elemento suficiente para se equacionar a inveracidade do acordado,tanto mais que, aspropriedades foram vendidas em momento temporais distintos, como dos documentos emana e logo que a dívida ao Banco 1... foi paga, essa necessidade de liquidez já não era premente.
61.Também não é consentâneo com a prova produzida que o Autor, ao longo do tempo não tivesse reacção alguma, quando foi diversamente declarado por si, pela Interveniente e pela testemunha DD que o mesmo ligava frequentemente ao Réu e este dizia-lhe que não se preocupasse que a situação estava devidamente encaminhada.
62.Como é falacioso concluir-se que tendo ocorrido vários depósitos ao longo dos anos, não fosse interpelado o Réu da sua proveniência, pois que, demonstrou-se que esses contactos existiam e sempre que o mesmo era questionado dizia que se tratava de pagamentos por conta e que não se preocupassem que depois era-lhes esclarecido tudo.
63.No que tange à revogação das procurações, a mesma ocorreu, mas quando o Autor e Interveniente souberam dos concretos negócios encetados, o que ocorreu, como se disse em Setembro de 2010, quando se deslocaram ao Cartório Notarial e ... e ficaram estupefactos com as vendas realizadas.
64.Por tudo isto, cremos que não ficaram quaisquer dúvidas que entre as partes foi acordado que o Autor, Interveniente e o Réu não devia efectuar qualquer venda dos prédios, sem antes obter dos mesmos a necessária aprovação, quanto ao preço e às condições de venda, pelo que, se impunha dar como provada a factualidade constante da al. B) dos factos não provados.
65.A convicção do Tribunal a quo para a resposta à matéria de facto não provada da al. C) estribou-se em três grandes pontos: declarações das testemunhas CC e JJ e nas declarações de parte do Autor, contudo, tal convicção assenta em pés de barro.
66.Desde logo, as declarações do Autor em relação ao prédio ... foram desvirtuadas, dando-se aqui por reproduzido tudo quanto supra se alegou em sede de impugnação à matéria de facto do facto provado da al. C) e não provado da al. A), primeiramente porque esse prédio nunca esteve em discussão nos autos, segundo, como flui do depoimento do Autor e do Réu, que aqui damos por reproduzido nas passagens indicadas supra (que não curaremos de transcrever por economia processual), foi a venda desse prédio (adquirido por KK – também ouvido nos autos e que relata essa realidade) que permitiu liquidar parte da dívida ao Banco 1... e sobretudo suspender as acções executivas em curso e obstar à venda do património do Autor e Interveniente em hasta pública.
67.Apenas e só naquele contexto, o Autor foi sabedor da venda e do valor e como o valor já havia sido adiantado antes da escritura pois como referido pela testemunha KK e pelas partes a menção desse prédio na procuração era para permitir ao Réu formalizar em nome do Autor e da sua mãe a respectiva escritura, pois que, ao tempo em que foi outorgada a procuraçãoesse valor já tinha sido entregue ao Banco 1... parapagamento da dívida aí existente, pelo que, nesse contexto que o foi e bem explicitado no julgamento é inverídico que o Autor por saber deste concreto negócio, soubesse dos outros, quando este o prédio ... foram os únicos em que o mesmo teve intervenção, embora que, em situações distintas.
68.Desde logo, o depoimento da testemunha CC, não é merecedor da credibilidade que lhe conferiu o Julgador a quo, pois que, convenientemente não foi referido que a testemunha em causa já havia sido Ré em acção pretérita movida pelo aqui Autor e Interveniente por simulação na compra e venda do prédio denominado ..., conforme esta declarou em sede de julgamento, cfr. gravação efectuada no dia 27/02/2024, entre as 12:37 a 12:53, aos minutos 10:33 a 12:35, sendo que, a mesma também omitiria ao Tribunal que depois de comprar a propriedade a vendeu ao Réu, cfr. gravação efectuada no dia 27/02/2024, entre as 12:37 a 12:53, aos minutos 14:06 a 14:40.
69.Não fosse essa propriedade aquela que o perito determinou que valia, à data a venda, cerca de € 20.000,00 e que foi vendida por cerca de € 1.500,00 e em última instância ficou a pertencer ao Réu, o sobredito é de molde a colocar em crise a credibilidade da referida testemunha, a que se assoma o facto de em concreto a mesma nunca ter presenciado qualquer conversa entre o Autor e Interveniente e o Réu,inclusivese lhe foitransmitido o preçoqueela ofereceu, cfr. gravação efectuada no dia 27/02/2024, entre as 12:37 a 12:53, aos minutos 14:50 a 15:30.
70.Por seu turno, a testemunha JJ, não é merecedora de qualquer credibilidade, desde logo, a testemunha em causa laborando em algum rancor por ter sido chamada ao Tribunal pelo Autor, quando foi indicada pelo Réu, asseverou que terá sido a Interveniente a assinar a escritura, quando de facto o foi o Réu em representação do Autor e da Interveniente, cfr. gravação efectuada no dia 27/02/2024, entre as 16:27 e as 16:42, aos minutos 08:24 a 09:31 e escritura junta aos autos.
71.Por outro lado, instado a esclarecer a razão de a dita senhora estar na escritura, não foi capaz de concretizar e descrever qualquer razão válida para o efeito, cfr. gravação efectuada no dia 27/02/2024, entre as 12:37 a 12:53, aos minutos 10:55 a 14:03.
72.Em conclusão dir-se-á que osdepoimentos em que o Tribunal a quo fazfé para dar como não provada a matéria em causa, não têm qualquer razão válida para o efeito, seja por não terem assistido a essa comunicação do Réu ao Autor ou à Interveniente, seja por no seu depoimento descreverem situações inverídicas (como seja a assinatura da escritura pela Interveniente – que é falso) como se nota que as relações com o Autor e a sua mãe não são as melhores, fruto de acção judiciais pretéritas, para não se falar, como no caso da testemunha CC,quecomprauma propriedade aoRéu (este enquanto procurador do Autor e da sua mãe), para sensivelmente meio ano mais tarde a vender ao Réu….
73.Ademais, nos moldes já enunciados supra, a matéria de facto não provada da al. C) está em contradição com a matéria de facto não provada da al. D) e não se tendo provado que o Réu informou o Autor e Interveniente das vendas que ia efectuando, dando-se aqui por reproduzidos todos os depoimentos constantes da impugnação ao facto não provado da al. A), ocorreu erro na apreciação do facto colocado em crise, pelo que, o mesmo deve ser reapreciado e ser dado por provado.
74.Devidamente reapreciada a matéria de facto impugnada, a mesma deve ser alterada no seguinte sentido, pugnado pelo Autor/Recorrente:
a. O facto provado da al. C), deve ser dado por não provado; b. O facto não provado da al. A), deve ser dado por provado; c. O facto não provado da al. B), deve ser dado por provado; d. O facto não provado da al. C), deve ser dado por provado.
75.Pode ler-se na sentença recorrida que o Tribunal a quo finda a audiência “não se logrou produzir prova que nos permitisse ter uma certeza, praticamente absoluta, quanto a qual das versões é a verdadeira, se a do A. ou a do R….”.
76.Estabelece o art. 607.º, n.º 1 do Cód. de Proc. Civ., que encerrada a audiência final, o processo é concluso ao juiz, para ser proferida sentença no prazo de 30 dias; se não se julgar suficientemente esclarecido, o juiz pode ordenar a reabertura da audiência, ouvindo as pessoas que entender e ordenando as demais diligências necessárias.
77.Não obstante a fase da instrução da causa termine com o início das alegações orais (art. 604º, n.º 3, al. e) do CPC), se, aquando da elaboração da sentença, o juiz não se julgar suficientemente esclarecido quanto à matéria de facto que lhe incumbe julgar, assiste-lhe o poder de determinar oficiosamente a reabertura da audiência final e determinar as diligências instrutórias que entenda necessárias para completar a prova antes produzida e assim, afastar essas suas dúvidas, fazendo com que o processo retroaja à fase da instrução, sem que daqui decorra qualquer prejuízo para as partes, uma vez que reaberta a audiência, o processo retorna à fase instrutória, onde a prova suplementar que venha a ser produzida se encontra sujeita a audiência contraditória, com a produção de novas alegações orais, salvo se as partes prescindirem deste seu direito de produzir novas alegações orais.
78.Consente assim expressamente a lei adjetiva nacional actualmente, e desde ../../2013, em vigor, que terminada a fase de instrução, o juiz, por sua iniciativa, já na fase da sentença, reabra oficiosamente a audiência final, sempre que tenha dúvidas quantoà matériade facto que tenha de julgar, com vista a completar a prova antes produzida, ouvindo quem entender e ordenando  as demais diligências necessárias ao seu esclarecimento, incluindo a realização de novas diligências probatórias.
79.Ora, descendo ao caso dos autos, temos que, lida a sentença recorrida, a mesma estribou-se nas dúvidas que assaltaram o Julgador, quanto à matéria que lhe foi presente e foi ao abrigo dessa dúvida que julgou a acção nos termos que o fez.
80.Cremos, no entanto, que encontrando-se o Julgador a quo em dúvida acerca da factualidade que lhe é presente (seja a do Autor, seja a do Réu), devia ter feito uso do comando legal constante da 2.ª parte do n.º 1 do art. 607.º do Cód. de Proc. Civ. e ordenar a realização das diligências instrutórias necessárias
81.Ao não o ter efectuado, cremos que ocorreu ilegalidade e violação de um poder-dever, cuja preterição influi no exame e na boa decisão da causa.
82.Assim, sem prejuízo da reapreciação da matéria de facto supra requerida, atento o teor da sentença proferida, em especial a motivação da matéria de facto, deve ser revogada a decisão recorrida, em ordem a ser dado cumprimento ao disposto na 2.ª parte do n.º 1 do art. 607.º do Cód. de Proc. Civ.
83.Na reapreciação da sentença recorrida, no que concerne à matéria de Direito, cremos, salvo o devido respeito que merecendo provimento a alteração da matéria de facto, nos moldes atrás enunciados, é evidente que a acção terá de ser julgada parcialmente procedente e condenar-se o Réu no pedido formulado, pedido este que deve ser reduzido para o valor que foi dado por provado e constante do relatório de peritagem junto aos autos.
84.O contrato de mandato é aquele segundo o qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais negócios jurídicos por conta de outrem, conforme dispõe o art. 1157.º do Cód. Civ.
85.O mandato sem representação é o contrato pelo qual uma pessoa (mandante) confia a outra (mandatário) a realização, em nome desta, mas no interesse e por conta daquela, de um acto jurídico relativo a interesses pertencentes à primeira, assumindo a segunda a obrigação de praticar esse acto (art. 1180.º do Cód. Civ), opõe-se ao mandato com representação, sendo que neste o mandante conferiu poderes de representação ao mandatário, pelo que este tem o dever de agir, não só por conta, mas também em nome do mandante, a não ser que outra coisa tenha sido estipulada (art. 1178.º do Cód. Civ.).

86.Descendo ao caso aqui em referência, salvo melhor opinião, estamos na presença de um mandato com representação, porquanto o Réu obrigou-se a praticar um ou mais actos jurídicos em nome do Autor e chamada, segundo as ordens e instruções recebidas e acordadas, mandato esse corporizado nas procurações (representação voluntária) que o Autor e chamada outorgaram ao Réu.
87.Assim, cabia ao Réu, para o cumprimento integral da sua prestação cumprir os termos e condições do mandato celebrado, como dispõe a al. a) do art. 1161.º do Cód. Civ. em que o mandatário é obrigado a praticar os actos compreendidos no mandato, segundo as instruções do mandante.
88.Conforme se sumariou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07/06/2011, proferido no processo n.º 346/08.0TBLSA.C1.S1, que teve por Relator o Juiz Conselheiro Hélder Roque, disponível in. www.dgsi.pt “A expressão ‘pelo preço, condições e cláusulas que achar por convenientes’, constante do teor da procuração que está subjacente ao negócio consigo próprio, deve ser interpretada no sentido em que o faria um declaratário normal, isto é, de ‘um preço equilibrado e justo’, pelo preço real de mercado que garante a lealdade de comportamento que o representante deve assumir, para poder, de boa fé, gerir a conflitualidade dos interesses em presença, de forma a estabelecer o necessário equilíbrio, sob pena de uma alienação por um valordesfasadoda realidade ser um índice objectivo e seguro do abuso de representação” (negrito e sublinhado nosso).
89.Não tendo o Réu, na qualidade de mandatário e procurador do Autor e chamada cumprido a sua obrigação que era a da venda das propriedades supra referidas pelo melhor preço e tendo sempre presente o preço base acordado, fixado segundo as regras de mercado e os demais indicadores referidos na presente petição inicial, violou o contrato celebrado e constitui-se no dever de indemnizar fundado na responsabilidade civil contratual.
90.Está-se perante responsabilidade contratual sempre que por erro ou omissão de quem é parte num contrato se verifique incumprimento do mesmo.
91.Na situação em análise, o ilícito contratual invocado é constituído pelo incumprimento do Réu das condições acordadas e fixadas para a determinação do preço base dos bens a vender e do dever de informação prévia que sobre o mesmo impendia antes da celebração da escritura definitiva em nome do Autor e chamada, o qual originou danos de natureza patrimonial, já que o Autor e chamada viram-se delapidados no seu património, que foi vendido a preço manifestamente inferior ao seu valor de mercado e ao preço base acordado, compulsando-se esse dano no valor que os mesmos deixaram de receber por conta da venda das aludidas propriedades e que se cifra em € 53.794,73, existindo nexo de causalidade entre o facto e o dano, pois que, esse empobrecimento do Autor e chamada não teria ocorrido se o Réu não tivesse outorgado as escrituras de compra e venda nos termos exarados e/ou se as mesmas não tivessem ocorrido.
92.Coma acção/incumprimento do Réu o Autor e chamada viram reduzido o seu património imobiliário, sem que, em medida equivalente fossem reintegrados pelo valor monetário correspondente ao valor real, de mercado e base acordado com o Réu.
93.Assim, concorrendo in casu todos os pressupostos do dever de indemnizar fundado em responsabilidade civil contratual, deverá o Réu ser condenado a pagar ao Autor e chamada a quantia supra referida, traduzida no dano que o ilícito contratual que se lhe assaca lhes causou.
94.A sentença recorrida condenou em custas o Autor e Interveniente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que goza o Autor.
95.Contudo, no caso concreto, a condenação nessas custas abrangeu a Interveniente Principal, que apenas foi admita nessa qualidade nos autos, mediante incidente de intervenção principal provocada, por forma a assegurar o litisconsórcio necessário activo da lide.
96.Depois de ser admitida a referida Interveniente não apresentou articulado autónomo, nem constitui mandatário judicial, pelo que, sem prejuízo do resultado da demanda, a mesma não deve ser taxada em custas.
97.A responsabilidade por custas é em partes iguais, pelo que, não tendo a Interveniente apresentado articulado próprio, nem constituído mandatário judicial as custas ficam a cargo da parte a que se associa, no caso o Autor.
98.Nesta conformidade, deve a decisão recorrida, ser também ela alterada nesse conspecto e na procedência do recurso também nesta parte as custas devem ficar a cargo dos litigantes e não da Interveniente Principal, que como se disse não contestou nem constituiu mandatário, estando no processo, para assegurar a legitimidade activa da lide, o que expressamente se requer.
99.Por tudo isto e mais que V. Exas. sábia e doutamente suprirão, deve ser revogada a sentençarecorrida e substituída por outra que julgue parcialmente procedente, por parcialmente provada a acção e em consequência condene o Réu a pagar ao Autor e Interveniente a quantia de € 53.794,73, a título de danos patrimoniais resultantes do incumprimento do contrato de mandato celebrado entre as partes, a que acrescem juros de mora à taxa de juro legal aplicável, desde a citação e até efectivo e integral pagamento.
100.     Ocorreu incorrecta interpretação e aplicação dos comandos legais, entre outros, dos arts. 414.º, 527.º, 528.º e 60.º todos do Cód. de Proc. Civ. e arts. 262.º, 798.º, 799.º, 1155.º, 1157.º, 1161.º, 1178.º e 1180.º todos do Cód. Civ.

TERMOS EM QUE DEVE SER JULGADA PROCEDENTE A PRESENTE APELAÇÃO  E REVOGANDO-SE A  SENTENÇA RECORRIDA SER A MESMA SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE JULGANDO PARCIALMENTE PROCEDENTE, POR PARCIALMENTE PROVADA A PRESENTE ACÇÃO, CONDENE O RÉU A PAGAR AO AUTOR E INTERVENIENTE A QUANTIA DE € 53.794,73, A TÍTULO DE DANOS PATRIMONIAIS RESULTANTES DO INCUMPRIMENTO DO   CONTRATO DE MANDATO CELEBRADO ENTRE AS PARTES, A QUE ACRESCEM JUROS DE MORA À TAXA DE JURO LEGAL APLICÁVEL, DESDE A CITAÇÃO E ATÉ EFECTIVO E INTEGRAL PAGAMENTO..”
*
O R apresentou contra-alegações e pugnou pela manutenção da sentença.
*
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
*
O recurso foi recebido nesta Relação, considerando-se devidamente admitido, no efeito legalmente previsto.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em:

1- Apreciar a decisão da matéria de facto ( ponto C) factos provados e ponto A) dos factos dos factos não provados e ainda dos pontos B) e C) dos factos não provados), apurando se ela deve ou não ser alterada;
2- E, como consequência, se deve ou não ser mantida a decisão recorrida.
*
III. Fundamentação de facto.

Os factos que foram dados como provados na sentença sob recurso são os seguintes:
“A) - No dia 22-12-2000, no Cartório Notarial ..., o A. e a Interveniente, outorgaram uma procuração, a favor do R., a quem incumbiram, dos seguintes atos, que este aceitou: “- poderes para vender pelo preço e condições que entender convenientes os seguintes prédios rústicos sitos na freguesia ..., concelho ...:
1) - Prédio rústico denominado “...”, com a área de dezasseis mil e quinhentos metros quadrados, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ... de catorze de Outubro de noventa e quatro;
2) - Prédio rústico denominado “...”, com a área de oitocentos e noventa metros quadrados, descrito na dita Conservatória sob o número duzentos e quarenta e três de catorze de Outubro de noventa e quatro:
3) - Prédio rústico denominado “...”, com a área de onze mil e quatrocentos metros quadrados, descrito na mesma Conservatória sob o número duzentos e quarenta e quatro, de catorze de Outubro de noventa e quatro e
4) - Prédio rústico denominado “...”, com a área de seis mil e novecentos e sessenta metros quadrados, descrito na referida Conservatória sob o número ... de catorze de Outubro de noventa e quatro.
- Podendo para tal outorgar e assinar as respectivas escrituras.”
B) - Posteriormente, no dia 16-03-2001, e no mesmo Cartório Notarial ..., o A. e a chamada, outorgaram nova procuração, a favor do R., a quem incumbiram, da prática dos seguintes atos, que este aceitou: “- os necessários poderes para prometer vender e/ou vender, pelo preço e condições que entender convenientes os seguintes prédios rústicos sitos na freguesia ..., concelho ...:
1) - Prédio rústico, denominado por “...”, com a área de seis mil metros quadrados, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ... de catorze de Outubro de noventa e quatro;
2) - Prédio rústico, denominado por “... ou ...”, com a área de quatro mil duzentos e quarenta metros quadrados, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ... de catorze de Outubro de noventa e quatro;
3) - Prédio rústico, denominado por “...”, com a área de catorze mil quatrocentos e quarenta metros quadrados, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ... de catorze de Outubro de noventa e quatro;
4) - Prédio rústico, denominado por “...”, com a área de três mil novecentos e vinte metros quadrados, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ... de catorze de Outubro de noventa e quatro;
5) - Prédio rústico, denominado por “...”, com a área de doze mil e seiscentos metros quadrados, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ... de catorze de Outubro de noventa e quatro e
6) - Prédio rústico, denominado por “...”, com a área de mil oitocentos e setenta metros quadrados, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ... de catorze de Outubro de noventa e quatro.
- Mais lhe conferem poderes para assinar os necessários contratos promessa de compra e venda ou as respectivas escrituras públicas e para junto da competente Conservatória do Registo Predial requerer quaisquer actos de registo, provisórios, definitivos, averbamentos, cancelamentos e prestar declarações complementares e para junto da competente Câmara Municipal e Repartição de Finanças requerer e assinar o que necessário for aos indicados fins.”
C - Foi acordado que, a venda dos prédios se fizesse pelo melhor preço possível/pelo melhor preço oferecido.
D - O R., no uso dos poderes consagrados nas procurações supra referidas, vendeu em nome do A. e da Interveniente, os seguintes prédios “propriedade” daqueles:
1) Na data de 31/01/2001 e no Cartório Notarial ..., um prédio rústico sito no lugar do “...”, descrito na C.R.P. ... sob o número ...44 e inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ... sob o artigo ...84, pelo preço de € 1.496,39;
2) Na data de 19/03/2002 e no Cartório Notarial ..., dois prédios rústicos, ambos sitos em “...”, descritos na C.R.P. ... sob os números ...41 e ...53 e inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ... sob os artigos ...36 e ...47, o primeiro pelo valor de € 10.000,00 e o segundo pelo preço de € 1.959,13;
3) Na data de 15/05/2002 e no Cartório Notarial ..., um prédio rústico denominado “...”, descrito na C.R.P. ... sob o número ...47 e inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ... sob o artigo ...9, pelo preço de € 2.493,98;
4) Na data de 25/09/2002 e no Cartório Notarial ..., um prédio rústico sito no lugar de “...”, descrito na C.R.P. ... sob o número ...48 e inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ... sob o artigo ...5, pelo preço de € 2.992,79;
5) Na data de 09/12/2002 e no Cartório Notarial ..., um prédio rústico sito no lugar de “...”, descrito na C.R.P. ... sob o número ...49 e inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ... sob o artigo ...0, pelo preço de € 3.740,98;
6) Na data de 28/03/2003 e no Cartório Notarial ..., um prédio rústico sito no lugar do “... ou ...”, descrito na C.R.P. ... sob o número ...45 e inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ... sob o artigo ...02, pelo preço de € 2.500,00;
7) Na data de 05/12/2006 e no Cartório Notarial ..., um prédio rústico sito no lugar do “...”, descrito na C.R.P. ... sob o número ...46 e inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ... sob o artigo ...69, pelo preço de € 2.500,00.
E - O valor de mercado dos prédios referidos em D, eram os seguintes: 1) O do prédio mencionado em 1) era de € 19.535,00;
2) O dos prédios referidos em 2) era de € 16.535,00; 3) O do prédio referido em 3), era de € 3.851,00;
4) O do prédio mencionado 4), era de € 12.378,00; 5) O do prédio referido em 5), era de € 7.505,00;
6) O do prédio mencionado em 6), era de € 4.165,00; 7) O do prédio referido em 7), era de € 17.509,00.

Factos não provados:

A - O A., a Interveniente e o R. acordaram que, o preço para a venda dos prédios deveria ter por base o valor de mercado dos mesmos.
B - O A., a Interveniente e o R. acordaram que, o R. não deveria efetuar qualquer venda dos prédios, sem antes obter do A. e Interveniente, a necessária aprovação, quanto ao preço e condições de venda.
C - O R. não informou o A. e a Interveniente das vendas que ia efetuando e seus valores.
D - O A. e a Interveniente tiveram conhecimento dos valores pelos quais iriam ser realizadas as vendas, aceitando-os.”
*
IV. Do objeto do recurso.
*
- Da impugnação de facto:
Sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, preceitua o art. 662.º, n.º 1, do CPC, que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Aí se abrangem, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente.
O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se, de acordo com os seguintes parâmetros a que alude resumidamente o recente AC desta RG de 29-10-2020 ( relator: Alcides Rodrigues):
- só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente;
- sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento;
- nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, de acordo com o princípio da livre apreciação das provas, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não apenas os indicados pelas partes).
- a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância.
- a intervenção da Relação não se pode limitar à correção de erros manifestos de reapreciação da matéria de facto, sendo também insuficiente a menção a eventuais dificuldades decorrentes dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas.
- ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que está também sujeita, se conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão.
- se a decisão factual do tribunal da 1ª instância se basear numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível onde se optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção - obtida com benefício da imediação e oralidade - apenas poderá ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.
Resulta das conclusões de recurso do A/apelante que este entende que ponto C) factos provados e ponto A) dos factos não provados e ainda dos pontos B) e C) dos factos não provados), foram incorretamente julgados, devendo aqueles pontos não provados ser dados como provados e o ponto C) dos factos provados deverá ser dado como não provado, atenta a prova produzida nos autos (documental junta aos autos, depoimento de parte do autor, réu e interveniente sua mãe- CC, e depoimento das testemunhas DD, companheira do autor, HH, comprador do prédio “ ...” e testemunha II, comprador do prédio “ ...” e ainda a perícia.).
*
Cumpre, pois, verificar se a prova obtida se apresenta de molde a alterar a factualidade impugnada, nos termos pretendidos pelo apelante, a respeito daqueles factos impugnados.
Desde já se deixa consignado que analisámos toda a prova pericial, testemunhal, depoimentos de parte e aludidos pelo recorrente e recorrido e ainda documental dos autos.

Vejamos então, cada uma das situações a conhecer:
No ponto C) foi dado como provado que:
“ C - Foi acordado que, a venda dos prédios se fizesse pelo melhor preço possível/pelo melhor preço oferecido.”
(E o A/apelante pretende que se dê como  Não provado)
 
E pretende que se dê como Provado o ponto A) dos factos não provados, ou seja, o seguinte:
“A - O A., a Interveniente e o R. acordaram que, o preço para a venda dos prédios deveria ter por base o valor de mercado dos mesmos.”

No ponto B) foi dado como Não provado que:
“B - O A., a Interveniente e o R. acordaram que, o R. não deveria efetuar qualquer venda dos prédios, sem antes obter do A. e Interveniente, a necessária aprovação, quanto ao preço e condições de venda.”.
(E o A/apelante pretende que se dê como provado.)
*
No ponto C) foi dado como não provado que:
“ C - O R. não informou o A. e a Interveniente das vendas que ia efetuando e seus valores.”
(E o A/apelante pretende que se dê como provado.)
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No que respeita ao ponto C) dos factos provados e que pretende seja dado como não provado e provado o ponto A) dos factos não provados, o recorrente aponta o seguinte: as declarações de parte do autor, corroboradas pelo relatório pericial e pelas declarações da interveniente sua mãe CC e ainda depoimento da testemunha DD, companheira do autor, e ainda a não dissonância nos depoimentos que contêm a versão do autor: numa reunião ocorrida entre os três, A e sua mãe acordaram com o Réu este vender os prédios daqueles pelo valor base de mercado e deveria dar-lhe conhecimento dos valores oferecidos antes da venda. Também não ponderou o tribunal os depoimentos das testemunhas HH, comprador do prédio “ ...” e que afirmou que pagou muito mais- 6.500 euros do que o preço constante na escritura de € 2.493,98 e o mesmo ocorrendo com o depoimento da testemunha II que afirmou, numa primeira instância, ter pago mais pelo prédio “ ...” para depois afirmar que pagou o preço da escritura.
O tribunal fundamentou a sua convicção nos seguintes termos:
Para proferirmos a decisão de facto supra, fundámos a nossa convicção na prova por confissão, documental, pericial, esclarecimentos prestados pelo sr. perito, depoimentos das testemunhas e depoimentos e declarações de parte prestados.
Dito isto, faremos agora uma breve referência quanto aos depoimentos do A., Interveniente e companheira do A., para dizermos parecer-nos terem sido parecidos relativamente aos factos essenciais em discussão - como seja o acordado em vender pelo preço de mercado e em antes de o R. vender, dever dar conhecimento ao A. e Interveniente e de nada lhes ter dado conhecimento prévio - , indo, inclusivamente, a aspetos de pormenor (como o facto de terem tido a primeira reunião com o R. a um domingo à tarde - reunião esta ocorrida há mais de 20 anos - ); mas já não terem sido tão parecidos, relativamente a factos “secundários” - como seja o facto de saber se o R. se dispôs a adiantar dinheiro seu ao A. ou se o R. transferiu quantias monetárias para o A. - deixando-nos, por isso, a dúvida sobre se os depoimentos em causa não terão sido concertados relativamente aos factos essenciais e, por isso, terem sido parecidos e, se já não terão sido concertados relativamente aos factos “secundários” e, por isso, já não terem sido parecidos.
Ficaram-nos inclusive dúvidas sobre se terá havido a reunião (com o R.) relatada por A., Interveniente e companheira do A., onde terá sido acordada a essência do que constitui a matéria essencial objeto de litígio.
Desde logo, porque o R. negou a existência dessa reunião.
Depois, porque não é o mais normal que, fosse o R. a ir a casa do A. e Interveniente oferecer os seus préstimos, mas antes que fossem o A. e/ou a Interveniente que procurassem o R., porquanto, eram aqueles que precisavam da ajuda deste e não o contrário.
Também não é o mais normal que, a companheira do A. (de há pouco tempo) tivesse participado numa reunião na qual não teria interesse e que dizia respeito apenas ao A. e Interveniente.
É também pouco normal que, as pessoas se lembrem (como o A., Interveniente e companheira do A. se lembravam) dos exatos termos de uma reunião ocorrida há mais de 20 anos, inclusive que, a mesma se tenha realizado a um domingo à tarde.
Tudo isto para dizermos que, os seus depoimentos não nos mereceram grande credibilidade (conforme abaixo também melhor especificaremos).
A isto acresce o facto de a generalidade dos factos cujo ónus da prova impendia sobre o A., apenas terem sido relatados pelo A., Interveniente e companheira do A., sem que houvessem sido corroborados por outros meios de prova e, ainda assim, terem sido produzidos meios de prova que, analisados à luz da normalidade das coisas, segundo as regras da experiência comum, ajudaram a tornar duvidosa a veracidade de tais factos.
Avancemos agora para uma apreciação crítica das razões da nossa convicção quanto a cada facto ou grupo de factos.
A matéria de A, B e D, dos factos provados, decorre da prova documental (procurações e escrituras de compra e venda) junta aos autos.
A factualidade de C, dos factos provados e de A, dos factos não provados, decorre, essencialmente, dos depoimentos e declarações de parte prestados, conjuntamente com o depoimento da testemunha DD, analisados à luz da normalidade das coisas, segundo as regras da experiência comum.
As declarações do A. apontam no sentido de ter havido o acordo considerado não provado em A) dos factos não provados, pois afirmou ter sido acordado que a venda se realizasse por um valor maior do que o de mercado.
Porém, o A. é interessado em dar tal versão dos factos, porque o favorecem, pelo que, as suas declarações têm que ser tidas com alguma reserva, quanto à sua veracidade.
Já DD, companheira do A. há mais de 20 anos (e por isso, também com algum interesse em dar uma versão dos factos favorável ao A. e, por essa razão, a ser tido também com alguma reserva, quanto à sua veracidade) disse ter o R. afirmado que iria vender os prédios pelo “melhor preço de mercado” (sem que tivesse explicado o que é que isso significava exatamente).
A Interveniente CC (pessoa também interessada na causa e cujo depoimento, por essa razão, também tem de ser tido com alguma reserva, quanto à sua fidedignidade), disse que, o R. se comprometeu a vender os prédios pelo “melhor preço de mercado”.
Verifica-se que, as expressões usadas pela companheira do A. e pela Interveniente coincidem, mas já não estão em total consonância com a expressão usada pelo A.
A Interveniente, instada a explicar o que era “o melhor preço de mercado”, afirmou que, era o melhor preço que o R. conseguisse obter no mercado, o melhor preço que fosse oferecido ao R.
Já no art. 15º, da p.i., o próprio A. invocara que: “a venda das propriedades se pudesse fazer pelo melhor preço possível”, o que vai de encontro ao referido/explicado pela Interveniente.
Só o supra referido, já permite formar convicção de que, o acordado não terá sido a venda ser feita tendo por base o valor de mercado (na perspetiva de ser obtido um valor que ultrapassasse o de mercado), mas antes, pelo melhor preço que fosse possível ao R. obter, dentro das propostas que lhe fossem apresentadas.
Acresce haver outros elementos que permitem reforçar esta nossa convicção.
Desde logo, nas procurações outorgadas ao R., não se fez constar que as vendas deveriam ser realizadas tendo por base o preço de mercado, mas antes pelo preço e condições que o R. entendesse por convenientes. Se era aquilo que fora acordado (as vendas deverem ser feitas pelo valor de mercado), o que teria mais lógica era que, em vez de terem consignado nas procurações que o R. poderia vender pelo preço que entendesse ser conveniente, se consignasse antes que, o R. poderia vender pelo preço de mercado. O facto de assim não ter sucedido, torna provável não ter ocorrido tal acordo, mas antes que tenha sido acordado o que ficou a constar da procuração.
Depois, resultou da prova produzida que, nem o A., nem a Interveniente, nem o R.(que era bancário), saberiam quais fossem os valores de mercado dos prédios (o R. nem sequer conheceria alguns dos prédios, mais não sabendo do que a zona onde se situavam -como disse - ). Neste contexto, seria pouco provável que, tivessem subordinado a realização das vendas aos valores de mercado, que desconheceriam quais fossem.
Também se tivessem acordado que as vendas teriam de ser realizadas por um preço base de mercado, o que faria mais sentido é que o A. ou o R. (não sabendo o preço de mercado) mandassem fazer uma avaliação desse mesmo preço de mercado. A não realização dessa avaliação é mais consentânea com o acordado de que, a venda se realizasse pela melhor oferta obtida pelo R.
Acresce que, o próprio conceito de valor de mercado se mostra, claramente, subjetivo. Qual seria esse valor de mercado? O que resulta da avaliação mandada fazer pelo A.? O que resulta da avaliação feita pela testemunha EE? O que resulta da perícia realizada nestes autos?
Tal diversidade/subjetividade de valores é, também, de molde a ajudar a pôr em crise ter havido um acordo de venda pelo preço de mercado.
E, se acaso é verdade o referido pelo R. de que, estava a negociar a venda de um prédio (“...”) por € 60.000,00 e que só não concluiu o negócio porque o interessado na compra quis suspender o negócio, devido à conjuntura de incerteza que então se iniciou e que o A. acabou por vender posteriormente esse prédio por € 30.000,00; também tal é indiciador da “menor relevância” que para o A. teria que, a venda se realizasse pelo preço de mercado. E tal também ajuda a reforçar a ideia de que, o A. terá acordado com o R. que, este vendesse pelo melhor preço que conseguisse obter.
O A. e a Interveniente passavam por um período de “grande aperto financeiro”, tendo que honrar obrigações e não conseguindo honrá-las, por falta de liquidez para o fazerem.
Este contexto financeiro/económico e a consequente necessidade de venda dos bens, não era o mais consentâneo com a exigência de que a venda dos bens se fizesse pelo preço de mercado e não se fizesse antes pela melhor oferta que fosse obtida (até porque, da prova produzida - nomeadamente, dos depoimentos prestados por alguns compradores - ficámos convictos de que, o R. não teria conseguido vender os prédios pelo preço que a perícia avaliou como sendo os de mercado e, mesmo vendidos por valores significativamente abaixo daquele que a perícia entendeu serem os valores de mercado, ainda assim o R. demorou anos a vender os prédios que tinha sido incumbido de vender).
O R., por sua vez (também interessado no desfecho dos autos e, por isso, suscitando também o seu depoimento, a este nível, as mesmas reservas de credibilidade que suscitaram os depoimentos do A., da Interveniente e da companheira do A.) negou que houvesse alguma vez sido falado que as vendas teriam de ser realizadas pelo preço de mercado, antes tendo afirmado que, o falado/acordado foi ele vender pelo melhor preço que conseguisse obter, nas suas palavras, pela “melhor oferta”.
Também o facto de as vendas terem sido realizadas em 2001, 2002, 2003 e 2006 e de só em 2021, o A. ter interposto a presente ação, ajuda a sedimentar a nossa convicção quanto ao que fora acordado, pois que, o normal era que, se acaso tivesse sido acordado que as vendas devessem ser realizadas pelo valor base de mercado e percebendo o A. e a Interveniente (nessa altura ou, na melhor das hipóteses em 2010) que o R. vendera os prédios por valores muito inferiores aos de mercado, o A. tivesse acionado “logo” o R. e não apenas em 2021 (com a propositura da presente ação).
Antes, à luz da normalidade das coisas, tal demora do A. em propor a presente ação e de a ter proposto só depois de o R. contra ele haver instaurado uma execução para pagamento de quantia certa, se mostra mais consentânea com o facto de ter sido acordado que as vendas fossem realizadas pelo melhor preço que o R. conseguisse obter.
Acresce que, quando o A. e a Interveniente outorgaram a segunda procuração ao R., já este tinha realizado duas vendas e, o mais natural era que, para que o A. e Interveniente outorgassem segunda procuração ao R., para que este lhes vendesse outros prédios, para além dos que constavam da primeira procuração, já então o A. e Interveniente tivessem conhecimento das duas vendas que este já havia realizado e, tendo ao menos uma delas sido feita por preço inferior ao de mercado, o A. e Interveniente não quisessem que o R. lhes vendesse mais prédios, pois que não respeitara o acordado quanto ao preço pelo qual houvera vendido 1 ou 2 prédios anteriormente.
Também não vislumbramos qual pudesse ser o interesse/benefício do R. em vender os prédios a um preço inferior ao de mercado (quando houvesse sido acordado que a venda teria de ser pelo preço base de mercado), muito menos se, como referiu o R., tivesse acordado com o A. em que este lhe pagasse uma comissão de 5% nas vendas que realizasse (pois, neste caso, o seu interesse seria em vender pelo preço de mercado ou superior, uma vez que, quanto mais alto fosse o preço pelo qual vendesse, mais ganharia de comissão).
Antes, o referido no parágrafo anterior se mostra mais consentâneo com o acordo de venda pelo melhor preço que o R. conseguisse obter.
Formámos assim convicção da veracidade da matéria de C dos factos provados e da inveracidade da constante de A dos factos não provados.”
Vejamos.
No que respeita às duas procurações celebradas notarialmente, estão em causa documentos autênticos.
Ora, nos termos do art. 371º do CC “ o documento autêntico faz prova plena sobre as seguintes vertentes: a sua proveniência, a identidade dos declarantes se feita com base no conhecimento pessoal do notário ( cfr. art. 48º,nº1, al. a) do CN); as declarações proferidas pelas partes e rececionadas pelo oficial público; os atos realizados pelo documentador a que o mesmo assistiu; a data e lugar da outorga. Na sua essência, a força probatória plena reporta-se aos factos ocorridos na presença do oficial público/notário e aos atos que o mesmo declarou praticar, ou seja, aquilo que o mesmo atesta conhecer de visu et de auditur ex propriis sensibus…”[1]
A sentença seguiu a orientação admitida pela doutrina e jurisprudência, nos termos da qual é possível demostrar por via da prova produzida ( testemunhal e por declarações ou outra) a interpretação da vontade real do que significa a declaração emitida pelo autor e interveniente perante o Notário e constante das duas procurações juntas aos autos quando ali se lê que A e sua mãe atribuem ao réu poderes para vender os prédios ali identificados “pelo preço e condições que entender por conveniente”.
Com efeito, desde já se diga que é pois claro e resulta duma leitura medianamente atenta dos articulados que a divergência essencial entre as partes se situa apenas e só no preço pelo qual se deveriam vender os prédios identificados nas duas procurações.
E tal divergência decorre de as duas procurações notariais celebradas não terem uma cláusula que quantifique o preço da venda dos imóveis, mas apenas uma declaração – em que se autoriza o Réu a vender os imóveis “pelo preço e condições que entender mais conveniente”.
E é na interpretação e aplicação de tal declaração/critério que as partes estão a divergir.
O A. entende que a autorização da venda dos imóveis contida naquelas procurações foi pelo preço base de mercado ou melhor preço possível dentro do preço base de mercado ( vide art. 15º da p.i.), pois “não deu carta branca ao réu para vender os seus prédios” e tendo em conta os preços pelos quais foram vendidos e os preços de mercado respetivos e constantes da perícia, resulta que o réu incumpriu o acordado, resultando prejuízo para o A e sua mãe.
O R. sustenta que aquela declaração deverá ser entendida como autorização de venda pelo melhor preço possível oferecido e que foi o acolhido quando vendeu por aqueles preços, todos superiores ao valor patrimonial dos mesmos, e aproximados ao valor de mercado e adequados ao estado de conservação dos prédios e, atenta a procura, à data existente e, respetiva urgência do autor e sua mãe na venda para solver dívidas da herança.
Enfim, divergem as partes na interpretação e aplicação da declaração negocial que estabelece o critério para a quantificação do preço pelo qual deveriam ser vendidos os imóveis ( prédios rústicos).
Diga-se ainda, a propósito da interpretação da declaração negocial – que é o que, no fundo, está em causa – distingue-se, é sabido, a indagação da vontade real (236.º/2 do C. Civil) e a interpretação da declaração negocial segundo critérios normativos (236.º/1 do C. Civil); constituindo matéria de facto e impondo a produção de prova a determinação/indagação da real intenção/vontade dos contraentes, a que alude o art. 236.º/2 do C. Civil, o que, porém, só ocorre se tiverem sido alegados factos (respeitantes a tal vontade real) que possam servir de objeto à incidência de tal prova, ou seja, quando apenas se esgrime a partir e com base no estrito conteúdo da declaração, estar-se-á tão só ainda perante a interpretação da declaração negocial segundo critérios normativos (de harmonia com a teoria da impressão do destinatário, acolhida no 236.º/1 do C. Civil) e não haverá prova a produzir.
Ora, no caso, atenta a alegação de ambas as partes, resulta, a nosso ver, que o alegado “entra” na interpretação da vontade real das partes, pelo que constitui matéria de facto e impõe a produção de prova, a qual foi produzida a respeito.
E se o art. 393.º/2 do C. Civil preceitua que não é admitida prova testemunhal se o facto estiver plenamente provado por documento, o certo é também que, ainda segundo o art. 393.º/3 do C. Civil, tal regra não é aplicável à simples interpretação do documento.
Sem prejuízo – como observava o Prof. Pires de Lima[2]– de “esta última regra não afetar o princípio sobre os negócios formais expresso no art. 238.º do C. Civil, segundo o qual não pode, nesses negócios, a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso”.
Ou seja, ao contrário do que se dá a entender nas contra-alegações ( art. 17º), não está em causa (não sendo aplicável o art. 394.º do C. Civil) a prova duma convenção contra o conteúdo das procurações celebradas ou para além delas – hipóteses em que, quando ocorrem, até se coloca, previamente, um problema de validade e eficácia nos termos dos arts. 221.º e 222.º do C. Civil – mas sim e apenas a simples interpretação dos documentos (em que não se pretende chegar a uma interpretação que contenda com o disposto no art. 238.º do C. Civil).
Aqui chegados, desde já, dir-se-á que, analisada e conjugada toda a prova, tendemos a concordar no essencial com a convicção do tribunal a quo.
Com efeito, da reapreciação efetuada por este Tribunal, considerada a prova em causa no seu conjunto, não há razões para nos afastarmos do entendimento tido na 1.ª instância, pois que não se vislumbra qualquer desconformidade entre a dita prova e a respetiva decisão, muito menos notória, em violação dos princípios e regras do direito probatório.
Da análise crítica dos depoimentos prestados e dos documentos juntos aos autos, em especial das procurações, não pode ficar-se com outra convicção que não seja a do tribunal recorrido.
E é esta análise crítica e integrada dos depoimentos com os outros meios de prova que os juízes devem fazer, pois a sua atividade, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, recetores de depoimentos, muito menos truncados, interessados e parciais.
A fundamentação da matéria de facto mostra-se criteriosa, com uma apreciação cuidada e desenvolvida e tem suporte na gravação da prova e nos demais elementos constantes dos autos.
Por isso, e porque não foi apresentado qualquer documento novo superveniente suscetível de destruir a prova em que aquela decisão assentou, não pode este Tribunal alterar a matéria de facto impugnada, pelo que se mantém.
Ainda assim, vejamos concretamente as razões de discórdia do autor/recorrente e cada um dos seus argumentos:
- entendeu que o tribunal não deu credibilidade às declarações de parte do autor e que foram corroboradas pelas declarações da interveniente CC, sua mãe e pela testemunha DD, sua companheira, depoimentos que não foram dissonantes e ainda foram corroboradas pelo teor do relatório pericial quanto aos valores de mercado e que na sua tese foram os valores acordados de venda base de mercado, pois tudo somado dá um total de 21 mil contos ( 105.432€) e, segundo a versão do autor, o réu disse-lhes que todos os prédios para venda valeriam cerca de 25 a 30 mil contos.
O réu negou, em declarações tal tese, e ainda pormenores adiantados por aqueles depoentes tal como a reunião ocorrida na presença de todos ( afirmou ter sido apenas entre o réu e autor), na casa de ... do autor e mãe ( afirmou ter ocorrido num Hotel ...).
Vejamos.
Nos termos do Artigo 466º, nº3 do Código de Processo Civil, o tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão.
Esta liberdade de valoração, todavia, nada nos diz sobre os concretos parâmetros de valoração das declarações de parte nem sobre a função da mesma como meio de prova no processo.
Assim, a doutrina e a jurisprudência vêm assumindo várias posições no que tange à função e valoração das declarações de partes.
O Ac. do TRL n.º 18591/15.0T8SNT.L1-7, de 26-04-2017 ( Relator Luís Filipe Pires de Sousa) pronunciando aprofundadamente sobre a questão, expõe três teses essenciais:
i.-Tese do caráter supletivo e vinculado à esfera restrita de conhecimento dos factos;
ii.-Tese do princípio de prova;
iii.-Tese da autossuficiência das declarações de parte.
Neste acórdão pugna-se abertamente pelo carácter autónomo da prova por declarações de parte, transcrevendo o Relator as posições doutrinárias que já antes havia expressado nas suas publicações.
Sem embargo da existência das indicadas divergências doutrinais e jurisprudenciais, pela nossa parte, aderimos à doutrina e jurisprudência que admite a prova por declarações de parte como sendo uma prova autónoma, que vale plenamente para a formação da convicção do juiz, ainda que não se apresente acompanhada de mais elementos de prova.
Tal entendimento, para além de mais consentâneo com os (amplos) termos em que a prova por declarações de parte é admitida no CPC ( em face da revisão de 2013), parece também ser o único que cumpre as exigências da garantia de uma tutela plena e efetiva.
Para este último efeito, basta pensar naquelas situações em que inexistam outros meios que sejam idóneos à comprovação da factualidade que se alegou.
Conforme se lê no citado acórdão “Num sistema processual civil cuja bússola é a procura da verdade material dos enunciados fáticos trazidos a juízo, a aferição de uma prova sujeita a livre apreciação não pode estar condicionada a máximas abstratas pré-assumidas quanto à sua (pouca ou muita) credibilidade mesmo que se trate das declarações de parte. Se alguma pré-assunção há a fazer é a de que as declarações de parte estão, ab initio, no mesmo nível que os demais meios de prova livremente valoráveis. A aferição da credibilidade final de cada meio de prova é única, irrepetível, e deve ser construída pelo juiz segundo as particularidades de cada caso segundo critérios de racionalidade.”
Porém, correspondendo a prova por declarações de parte a uma “prova interessada”, a maior valoração que possa ser atribuída a este meio de prova terá também de estar, sempre, alicerçada na exteriorização de um depoimento que se afigure imparcial e isento, por que a parte depoente se mostre relativamente desapegada da realidade que a envolve e narre os factos sobre os quais depõe com aparente serenidade e correção.
Igualmente, para essa maior valoração será essencial que aquele depoimento se faça sem contradições ou hesitações ou confusões.
Igualmente, se no caso concreto existirem outros meios de prova “mais fortes” que possam ser apresentados pela parte, o recurso à prova por declaração de parte deve ser valorado nessa mesma medida ou tomando em atenção a existência daquela possibilidade.
Ou seja, a maior valoração que deva ser dada à prova por declaração de parte, ou a sua autonomia, há de ser apreciada à luz do caso concreto e da necessidade da parte de lançar mão àquele meio de prova para poder fazer valer o seu direito.
Se assim é, no mais, importa não olvidar, como supra referimos, que os art.ºs 640.º e 662.º do CPC permitem a reapreciação e a modificabilidade da decisão de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância apenas nas situações em que o tribunal recorrido apresente um julgamento errado, porque fixou factos de forma contrária às regras da prova, porque os fixou de forma inexata, ou porque os valorou erroneamente.
Aqui vale o princípio da livre apreciação da prova, remetendo-se para uma íntima convicção do julgador, formada no confronto dos vários meios de prova, que uma vez exteriorizada através de uma fundamentação coerente, razoável, plausível, que obedeça às regras da lógica, da ciência e da experiência comum, torna-se uma convicção inatacável, salvo para os casos em que a prova deva ser feita através de certos meios de prova, que apresentem uma determinada força probatória.
Ora, no caso em apreço – apesar de pugnarmos pela tese mais permissiva à relevância das declarações de parte - cremos que as declarações de parte destes autos constituem um exemplo acabado de declarações que de per si teriam de ser feitas sem contradições ou hesitações ou confusões, e necessitavam de ser corroboradas por outro meio de prova  também ele credível para terem credibilidade.
Senão vejamos.
A aludida não dissonância dos depoimentos da interveniente CC e da testemunha DD em relação às declarações de parte do autor não ocorrem de modo notório, como faz crer o A/recorrente, bem pelo contrário: ambas afirmam que a venda dos imóveis deveria ser feita pelo “melhor preço de mercado” e instadas para esclarecerem o que significaria tal expressão, a testemunha DD não soube explicar exatamente o que tal significava e já a interveniente CC afirmou que seria o melhor preço possível que o réu conseguisse obter no mercado, mais concretamente o melhor preço que fosse oferecido ao réu.
Aliás, conforme é realçado na convicção e não é descontextualizado, como faz crer o recorrente, o autor na p.i., no art. 15º, alega “ venda pelo melhor preço possível”, mas na sua tese seria melhor preço possível dentro de um valor base de mercado e na tese do réu seria melhor preço possível oferecido e, nessa medida, possível.
Sem embargo, as testemunhas que o autor entende corroborarem as suas declarações, afinal não o fazem in totum, bem pelo contrário: adensam a dúvida acerca da vontade real daquela declaração de autorização de “venda pelo preço que o réu entendesse conveniente” ser a de “o preço da venda ter um valor base de mercado”.
E, as dúvidas acerca da tese do autor ainda se adensam mais se verificarmos que acaso fosse essa a vontade do autor e sua mãe, então dizem-nos as regras da experiência comum e comportamentos normais que existiria uma avaliação concreta dos imóveis em causa, quando- e isto não é controvertido- não foi feita qualquer avaliação dos imóveis, aliás circunstância igualmente realçada na convicção do juiz a quo.
O que muito se estranha não ter ocorrido se era essa a vontade real das partes, e para o que deveria estar atento o autor, atenta a sua formação académica: engenheiro civil.
Diga-se, ainda, que contraria igualmente as regras da experiência comum e dos comportamentos normais, a tese do autor no sentido de não saber o valor pelo qual foram vendidos os prédios em questão e apenas quando foi obter as certidões para propor ação judicial é que soube, ou seja, passados mais de 9 anos ( revogou a procuração em 2010 de negócios ocorridos em 2001, 2002, 2003, 2006 e instaurou a presente ação em 2021), desde logo, quando também por si foi referido ter havido transferências de dinheiros. Então, não sabia de que se tratava, nomeadamente numa altura em que existiam dívidas para pagar, pelo que o dinheiro não existiria em abundância para não ser notória tal transferência?!
- E o que dizer dos valores de mercado dos imóveis em causa e consignados no relatório pericial e que são notoriamente inferiores aos valores da venda de cada um deles, no que se traduz em outro dos argumentos do recorrente para impugnar os factos em causa?
Desde já se diga que a alínea E) dos factos provados não foi impugnada e a resposta foi baseada nos valores consignados no relatório pericial.
Por outro lado e tal como ressuma do relatório foram os valores ali consignados na base de um método de rendimento, quando é consabido que existem outros métodos, como alertou a testemunha Engenheiro EE, como seja o por si utilizado no âmbito de um outro processo em que foram intervenientes as partes: o método comparativo e que, no caso do prédio da “ ...”, o ali perito chegou à conclusão que afinal o preço pelo qual foi vendido situava-se muito próximo do valor de mercado ( que valorou em € 1.500), quando o perito destes autos fixou o preço de mercado do mesmo prédio em 19.535€ (!), concluindo-se, assim, pela disparidade de valores de mercado (!) e afinal pela falta da tão propalada objetividade dos ditos valores de mercado, quando deparamo-nos com diferentes valores consoante os critérios de avaliação.
Assim sendo, a dita objetividade apenas eventualmente se verificaria caso se utilizasse sempre o mesmo critério de avaliação.
Por conseguinte, entendemos que não se verifica qualquer contradição entre a motivação quando diz que é subjetivo o valor de mercado e os valores constantes da al. E) dos factos provados e baseados no relatório pericial.
Daqui se conclui que, afinal, os valores de mercado dependem das diferentes perspetivas, ou melhor, dos métodos de análise, pelo que a análise dos valores de per si e consignados naquele relatório pericial e constantes da al. E) dos factos provados em nada reforçam a tese do autor.
Por outro lado, cremos que esta questão do concreto valor de mercado apenas relevaria no caso de não se provar a vontade real do declaratário e o julgador necessitasse de recorrer ao critério previsto no art. 236º do CC, da interpretação de um declaratário normal, o que já nos lançaria para o âmbito da análise jurídica da questão e já não na análise da matéria de facto.
E no caso provou-se a vontade real do declaratário: de que a venda fosse pelo melhor preço oferecido e possível, como vimos e atenta a conjugação da restante prova produzida.
Acresce dizer que reforçou esta convicção do Tribunal a quo e agora a deste Tribunal ad quem, além do que supra se referiu, ainda o contexto em que ocorreu a outorga das procurações e este contexto foi relatado por todos os depoentes em uníssono: a necessidade urgente que o Autor e a Interveniente tinham de vender os bens atentas as dívidas da herança do pai, nomeadamente com o banco ( Banco 1...).
Também se diga que todos foram unânimes em afirmar o estado de abandono em que os imóveis se encontravam, fator absolutamente notório de desvalorização de qualquer prédio rústico.
Ou seja, tudo factos que adensam as dúvidas sobre a tese do autor e reforçam a convicção de que afinal o acordado foi vender pela melhor oferta possível, conforme tese do réu, a qual ainda saiu reforçada pelos depoimentos de algumas das testemunhas compradores dos prédios- os quais não teriam comprado pelos valores de mercado constante da perícia, sendo certo que não é despiciendo ponderar que as vendas de alguns prédios ainda que com preços abaixo daqueles ali consignados demoraram anos a realizarem-se.
E o que dizer do depoimento das testemunhas HH, comprador do prédio “...” e II, comprador do prédio “ ...” e que o recorrente afirma não terem sido ponderados?
Ora, na verdade, trata-se de depoimentos de testemunhas que não resultaram ser elucidativos:- no caso da testemunha II foi um depoimento titubeante pois inicialmente disse um preço para depois finalizar dizendo que comprou pelo preço da escritura; e no caso da testemunha HH disse que deu dois cheques no valor total de 6.500€ para uma compra constante da escritura no valor de € 2.493,98, quando então estaríamos perante factos suscetíveis de simples prova documental, e na verdade, nenhuma prova documental se fez a este respeito.
Cremos que a ponderação constante da convicção da sentença a respeito do benefício/interesse do réu  em vender a um preço muito inferior com uma comissão menor nas vendas também reforça aquela convicção.
O mesmo se diga a respeito do lapso temporal entre as vendas ocorridas em 2001,2002, 2003 e 2006 e a interposição da presente ação ( em 2021), pois conforme se lê na sentença “ à luz da normalidade das coisas, tal demora do A. em propor a presente ação e de a ter proposto só depois de o R. contra ele haver instaurado uma execução para pagamento de quantia certa, se mostra mais consentânea com o facto de ter sido acordado que as vendas fossem realizadas pelo melhor preço que o R. conseguisse obter.”.
Acresce dizer que não vislumbramos qualquer contradição, conforme sustenta o autor/recorrente, entre a convicção plasmada pelo tribunal quando diz que na data da 2ª procuração o autor e mãe já tinham conhecimento do valor da venda dos prédios “...” e “...” e o facto não provado da al. D).
Com efeito, aquela afirmação constante da convicção do tribunal refere-se às condições da outorga da segunda procuração ( e não conhecimento do preço dos prédios em causa antes da sua venda) e o facto não provado da al. d) respeita ao conhecimento prévio pelo A e mãe do preço dos prédios antes das vendas respetivas.
Assim sendo não existe qualquer contradição, conforme sustenta o recorrente.
Por outro lado, tendo por base aquele raciocínio a respeito do conhecimento dos valores em causa da venda de, pelo menos, aqueles dois prédios, inclusive do prédio “ ...” pelo valor de € 1.496,39 ( valor esse muito abaixo do que segundo o relatório pericial  dos presentes autos o seu valor de mercado de 19.535,00€) e na verdade, e ainda assim, outorgaram uma segunda procuração a conceder poderes para vender mais prédios pelo preço que entendesse conveniente, então apenas uma hipótese se perfilaria, dentro das regras da normalidade: A e sua mãe estavam satisfeitos com o trabalho anterior do reu com a venda do “ ...” e a “...” e pelos preços respetivos. Assim sendo, como retirar a conclusão de que apenas concederam autorização para vender pelo preço de mercado, nomeadamente o constante do relatório pericial destes autos, quando afinal teria sido aquele prédio vendido por preço abaixo do valor de mercado ( segundo a tese do autor) e, ainda assim, e após a sua venda, autor e sua mãe outorgaram uma segunda procuração nos mesmos moldes?
Daí concordamos na íntegra com a sentença quando na mesma se refere que toda a prova produzida “ se mostra mais consentânea com o acordo de venda pelo melhor preço que o R. conseguisse obter”.
Por tudo o exposto, improcede a pretendida impugnação.
*
Quanto aos pontos B) e C) dos factos não provados invoca também o Recorrente novamente as declarações por si prestadas, e as da interveniente e da testemunha DD, “dando por reproduzido tudo quanto consta da impugnação efectuada nos factos anteriores”,e ainda alude à falta de credibilidade do depoimento das testemunhas CC e JJ, tudo para fundamentar a sua pretensão de ver julgado provado que:
“ - B - O A., a Interveniente e o R. acordaram que, o R. não deveria efetuar qualquer venda dos prédios, sem antes obter do A. e Interveniente, a necessária aprovação, quanto ao preço e condições de venda.”
“C - O R. não informou o A. e a Interveniente das vendas que ia efetuando e seus valores.
A este propósito lê-se na convicção do tribunal a quo o seguinte:
A eventual veracidade da factualidade de B e C dos factos não provados, decorre apenas dos depoimentos do A. e Interveniente e do depoimento de DD (sem que tenham sido corroborados por qualquer outro meio de prova), antes havendo outros elementos de prova que permitem tornar duvidosa a veracidade de tal matéria.
A factualidade de B dos factos não provados, foi relatada pelo A., pela Interveniente e pela companheira do A.. E o R., negou a sua veracidade.
E ficaram-nos dúvidas quanto à veracidade de tal matéria.
Porque, por um lado, apenas foi relatada pelos interessados no desfecho dos autos e, consequentemente, interessados em relatarem-na.
Por outro lado, no contexto em causa, de urgência na realização de liquidez, o grande interesse estaria na celeridade da realização das vendas.
Acresce que, no seu depoimento, a propósito do assunto em questão, o A. referiu ter dito ao R. para o ir pondo ao corrente, para o ir informando dos valores que fosse recebendo para decidir se vendia. Isto (de o R. dever informar os valores que fosse recebendo para depois o A. decidir se vendia) não só não parece ser lógico, como ajuda a pôr de alguma forma em causa a veracidade de que as partes hajam acordado que, o R. não devia efetuar qualquer venda dos prédios sem antes obter do A. e chamada, a necessária aprovação, quanto ao preço e condições de venda.
Aquilo que o A., a Interveniente e a companheira do A. relataram ter ocorrido posteriormente, também não é muito consentâneo com o facto de ter havido o tal acordo.
Não faz grande sentido que, tivesse havido o tal acordo e, ao longo do tempo, não indo o R. informando o A. acerca das propostas que ia tendo, o A. não tivesse tido reação alguma, ao longo de anos, o R. lhe fosse dizendo que estava tudo a ser tratado e ele não exigisse que o informasse especificamente sobre o que é que estava em concreto a ser tratado (quando, segundo a companheira do A., o seu companheiro até se queixava de que o R. não o informava de nada).
Tal como não faz grande sentido que, tivesse havido o tal acordo, o R. fosse fazendo depósitos de quantias ao A. ao longo dos anos e este (engenheiro) não o interpelasse para ser informado a que título é que lhe estava a fazer tais depósitos, que prédios tinha vendido ou prometido vender e por que preços, quando combinara com ele que antes de realizar os negócios teria de o (ao A.) informar sobre os mesmos.
E não o informando o R. de tal (e andando até o A. incomodado com essa falta de informação/de prestação de contas) não lhe revogassem (o A. e a sua mãe) simplesmente as procurações que lhe haviam outorgado (o que só terão feito em 2010, quando souberam que o R. havia contra eles instaurado uma ação - como dito pelo A. - ).
Quanto ao constante de C, desde logo, CC (que até é prima do A.), relatou ter feito uma proposta de compra de um prédio, ao R., ao que este respondeu que ia falar com o proprietário do mesmo e, passado algum tempo, o R. disse-lhe, então, que aceitava a proposta que a testemunha lhe havia apresentado.
Este depoimento, analisado à luz do que é normal acontecer, segundo as regras da experiência comum, indicia que, o R., antes de realizar este negócio, terá dado conta ao A., do preço que a testemunha lhe ofereceu e só terá aceitado o preço oferecido quando terá obtido do A. o respetivo consentimento para realização da venda por esse valor.
Também JJ (embora não nos merecesse a mesma credibilidade que a testemunha CC) deu conta de ter oferecido 300 contos ao R., pela compra que pretendia fazer de um dos prédios do A. e Interveniente e que, o R. lhe disse que ia falar com a senhora e que, passados alguns dias, o R. lhe disse que a senhora queria 350 contos pelo prédio, acabando por fechar então o negócio pelos 350 contos.
Também este depoimento indicia que, o R. poderá ter falado com a Interveniente ou com o A., antes de ter fechado o negócio e poderá ter obtido deles a indicação do preço que pretendiam pela venda do prédio em causa.
E o próprio A. admitiu que, quando foi realizada a venda de um prédio designado por “...” o R., antes de realizar o negócio, lhe deu conta do valor que fora proposto para a venda, valor este que o A. aceitou.
Neste contexto - em que o R. terá informado previamente o A. ou a Interveniente de algumas propostas que lhe foram apresentadas e, terá obtido deles a anuência para realizar a venda pelos valores das propostas ou por um valor superior ao que lhe fora proposto - o normal é que o R. possa ter feito o mesmo relativamente aos demais negócios que realizou. Não vemos razão para que procedesse daquela forma em alguns negócios e já o não fizesse noutros.
Também o facto de o A. alegadamente apenas ter sabido das vendas que o A. realizara e dos baixos preços pelos quais as tinha realizado, em 2010 e, de só ter instaurado a presente ação em 2021, não é muito consentâneo com o facto de o A. e Interveniente tudo desconhecerem e só em 2010 terem tido conhecimento de tudo.”.
Vejamos.
Desde já, dir-se-á que igualmente este tribunal ad quem dá por reproduzidas todas as considerações que foram efetuadas a respeito da análise supra da impugnação dos factos anteriores respondendo-se assim a todos os argumentos aduzidos pelo recorrente e que o mesmo igualmente deu agora por reproduzidos.
Assim, analisados os depoimentos do Autor, interveniente, e réu, as declarações das referidas testemunhas, e das demais ouvidas em audiência, bem como a prova documental junta aos autos, inexiste fundamento para que seja alterada a matéria de facto no sentido pretendido pelo Recorrente, aliás conforme análise supra e que se dá por reproduzida por serem os mesmos os argumentos invocados.
Neste particular – sobre o acordo para que réu não efetuasse nenhuma das vendas sem a aceitação do autor e mãe quanto ao preço e condições de venda- apenas o autor , mãe e sua companheira afirmaram tal factualidade, e como vimos, estes depoimentos estão feridos de parcialidade, atento o interesse no desfecho da causa, para além de que atenta a restante prova produzida adensam-se as dúvidas sobre a veracidade da mesma, pelas mesmas razões analisadas supra a respeito da impugnação dos anteriores factos e que o tribunal a quo enumerou, pelo que o tribunal seguiu as regras do non liquet e reverteu contra quem teria o ónus da prova: o autor.
Por tudo o exposto, inexiste fundamento para que seja alterada a matéria de facto no sentido pretendido pelo Recorrente.
Mutatis mudandis, dir-se-á, no que respeita concretamente ao facto de não se ter provado que o réu não informou A e interveniente das vendas que ia efetuando e seus valores, adensando-se as dúvidas acerca de tal facto seja pela análise dos depoimentos das testemunhas enumeradas na sentença- CC e JJ-, seja pela análise das declarações do próprio autor, quando afirmou que soube do preço do “ ...” e aceitou, pelo que não se vislumbra razão para não ocorrer o mesmo em relação aos restantes prédios, mais a mais quando se trata de vendas autorizadas por uma segunda procuração outorgada posteriormente à venda do tal prédio “ ...”, tudo ainda que com tal venda tenha sido solvida a dívida para com o banco, conforme o autor declarou.
 O recorrente alega que os aludidos depoimentos das testemunhas CC e JJ não têm a credibilidade suficiente para serem ponderados pelo tribunal.
Com efeito e ainda que não se pondere tais depoimentos, por se considerar não serem imparciais, na verdade da restante prova produzida, nomeadamente das próprias declarações do autor aliada à conjugação das regras da normalidade e experiência, as dúvidas adensam-se conforme vimos, de tal forma que o non liquet reverteu contra quem tem o ónus de prova: o autor.
E não se diga que as declarações do autor e ponderadas na sentença foram desvirtuadas. Tendemos a concordar com a sentença quando lança mão das regras do normal acontecer  e refere que “ Neste contexto - em que o R. terá informado previamente o A. ou a Interveniente de algumas propostas que lhe foram apresentadas e, terá obtido deles a anuência para realizar a venda pelos valores das propostas ou por um valor superior ao que lhe fora proposto - o normal é que o R. possa ter feito o mesmo relativamente aos demais negócios que realizou. Não vemos razão para que procedesse daquela forma em alguns negócios e já o não fizesse noutros.”
Acresce que – com o que igualmente concordamos- “Também o facto de o A. alegadamente apenas ter sabido das vendas que o R. realizara e dos baixos preços pelos quais as tinha realizado, em 2010 e, de só ter instaurado a presente ação em 2021, não é muito consentâneo com o facto de o A. e Interveniente tudo desconhecerem e só em 2010 terem tido conhecimento de tudo.”.
Pelo exposto, por nenhuma censura merecer a decisão a esse respeito proferida pela 1ª Instância, conforme com a prova constante dos autos, mantem-se inalterada a matéria de facto fixada, não se vislumbrando, como vimos, qualquer contradição entre as respostas à matéria de facto dada como não provada na al. C)e D).
*
O apelante invoca a violação do disposto no art. 607º nº1 do CPC por não ter sido lançado mão da reabertura da audiência de julgamento.
Vejamos.
Estabelece o art. 607º, n.º 1 do CPC, que encerrada a audiência final, o processo é concluso ao juiz, para ser proferida sentença no prazo de 30 dias; se não se julgar suficientemente esclarecido, o juiz pode ordenar a reabertura da audiência, ouvindo as pessoas que entender e ordenando as demais diligências necessárias.
Refira-se que no domínio do CPC de 1961, admitia-se que depois de encerrada a discussão sobre a matéria de facto, o tribunal voltasse à sala da audiência final para obter algum esclarecimento ou novas provas (art. 653º, n.º 1 do CPC de 1961).
Acontece que com a revisão operada pela Lei n.º 41/2013 ao CPC, que integrou o julgamento da matéria de facto na própria sentença (cfr. n.ºs 3 a 5 do art. 607º do CPC atualmente vigente), compreende-se que tendo deixado de existir a cisão antes verificada entre julgamento da matéria de facto e sentença propriamente dita, a qual, no anterior direito adjetivo, apenas versava sobre matéria de direito, passando agora, na sequência daquela revisão, a sentença a incluir quer o julgamento da matéria de facto, quer o de direito, a reabertura da audiência final ocorra atualmente na fase da sentença, o que implica que essa reabertura e a consequente aplicabilidade do disposto nos n.ºs 3 a 8 do art. 604º e, bem assim dos arts. 605º e 606º, todos do CPC, tenha lugar já na fase da sentença.

Deste modo, não obstante a fase da instrução da causa termine com o início das alegações orais (art. 604º, n.º 3, al. e) do CPC), se, aquando da elaboração da sentença, o juiz não se julgar suficientemente esclarecido quanto à matéria de facto que lhe incumbe julgar, “assiste-lhe o poder de determinar oficiosamente a reabertura da audiência final e determinar as diligências instrutórias que entenda necessárias para completar a prova antes produzida, quando tenha dúvidas na decisão(…)
Por outro lado, uma vez reaberta a audiência final, o juiz pode realizar todas as diligências instrutórias que se mostram necessárias ao esclarecimento das dúvidas com que se deparou e que o princípio do inquisitório lhe consente, nomeadamente, pode “tomar o depoimento de terceiros que não tenham sido ouvidos como testemunhas (art. 526º), ordenar acareações (art. 523º), fazer às testemunhas ouvidas, aos peritos ou às próprias partes as perguntas necessárias ao apuramento da verdade (arts. 452º-1, 486º e 516-4), mas também requisitar informações, pareceres ou documentos (art. 426º), ordenar primeira ou segunda perícia (arts. 467º-1 e 487-2) e, duma maneira geral, tomar a iniciativa da produção de novos meios de prova ou do complemento de atos de produção realizados, com a amplitude que lhe é consentida pelo art. 411º. Pode também o juiz mandar repetir atos do procedimento para garantir a observância do princípio da audiência contraditória, relativamente à produção de qualquer prova (v.g., a junção de documento por alguma das partes) em que o princípio não tenha sido devidamente respeitado”[3].
Aliás como já referimos a propósito da temática do princípio do inquisitório no AC deste TRG de 15-02-2024, relatado pela ora relatora, proc. 12555/22.0T8SNT-A.G1, publicado in dgsi: “ Como salienta Lopes do Rego : “O exercício dos poderes de investigação oficiosa do tribunal pressupõe que as partes cumpriram minimamente o ónus que sobre elas prioritariamente recai de indicarem tempestivamente as provas de que pretendem socorrer-se para demonstrarem os factos cujo ónus probatório lhes assiste - não podendo naturalmente configurar-se como uma forma de suprimento oficioso de comportamentos grosseira ou indesculpavelmente negligentes das partes”.
E neste sentido se tem também pronunciado a esmagadora maioria da jurisprudência.
(…)
A este respeito, Abrantes Geraldes, referindo-se aos poderes inquisitoriais conferidos pelo art. 662º do CPC à Relação ( e dizemos nós agora: mas cujos argumentos são integralmente transponíveis para a 1ª Instância em sede de cumprimento do princípio do inquisitório a que se encontra adstrita em sede de instrução da causa), refere o seguinte: “Trata-se de uma diligência que não está circunscrita a depoimentos, podendo incidir sobre quaisquer meios de prova, desde que se revele a existência de dúvida fundada sobre a prova realizada que seja suscetível de sanação mediante a produção de novos meios de prova. (…) não estamos perante um direito potestativo de natureza processual que seja conferido às partes e que à Relação apenas cumpra corresponder, antes deve ser encarado como um poder/dever atribuído à Relação e que esta usará de acordo com critérios de objetividade, quando percecione que determinadas dúvidas sobre a prova ou falta de prova de factos essenciais poderão ser superados mediante a realização de diligências probatórias suplementares. Afinal, a alteração legislativa não modificou as regras de distribuição do ónus da prova que se colhem do direito material, nem aboliu os efeitos que emanam de um sistema em que ainda predomina o princípio do dispositivo (e também o da aquisição processual, nos termos do art. 413º). Igualmente não poderá deixar de ser ponderado que o ónus de proposição de meios de prova se deve materializar também através da sua apresentação em momentos processualmente ajustados, com previsão de efeitos preclusivos que não podem ser ultrapassados só pela livre iniciativa da parte. (…), como critério orientador, pode servir a apreciação critica da atuação que o juiz de 1ª instância teve ou deveria ter tido aquando da realização da audiência final, ponderando casuisticamente a amplitude dos poderes de averiguação que a lei lhe confere (art. 411º) e que podem ser transpostos naqueles circunstâncias para a Relação quando esta se depare com as aludidas dúvidas sérias suscetíveis de serem dirimidas”, trata-se de “uma medida paliativa destinada a resolver situações patológicas que emergem simplesmente de uma nebulosa que envolva a prova que foi produzida e que não foi convenientemente resolvida (devendo sê-lo) segundo o juízo crítico da Relação” .
Decorre do que se vem dizendo que em sede de reabertura da audiência final, o juiz apenas pode determinar essa reabertura quando, na elaboração da sentença, se depare com fundadas/sérias dúvidas quanto a factos essenciais que tenham sido alegados e que, por isso, lhe incumbe julgar como provados ou não provados e quando se lhe afigure que essas suas dúvidas são suscetíveis de serem superadas mediante a produção de prova suplementar, tendo, no entanto, sempre presente o necessário equilíbrio que tem de existir entre os princípios do inquisitório, do dispositivo, do contraditório, da autorresponsabilidade e da igualdade das partes, da preclusão dos direitos processuais das partes e o princípio da imparcialidade que tem de nortear a sua atividade instrutória, equilíbrio esse do qual decorre que, em sede instrutória, o seu papel é sempre complementar em relação ao das partes.
Ora, volvendo ao caso sub judicio, e sobre a questão suscitada da reabertura da audiência ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 607º do CPC, referiremos apenas que o Tribunal a quo não sentiu que as dúvidas suscitadas e resolvidas pelas regras da distribuição do ónus de prova fossem suscetíveis de serem superadas mediante a produção de prova suplementar quanto a qualquer dos factos em discussão, repetindo-se aqui que não compete ao Tribunal substituir-se às partes em matéria de desenho factual dos factos e meios de prova que os suportam, sem prejuízo naturalmente de oficiosamente ou a requerimento de qualquer das partes providenciar pela requisição de qualquer elemento de prova ou pela sua realização.
Assim sendo, não violou o tribunal qualquer norma legal ao não ordenado a reabertura da audiência de julgamento nos termos do art. 607º do CPC.
*
V. Reapreciação de direito.

Cabe agora verificar se deve a sentença apelada ser revogada/alterada, em razão da alteração da decisão relativa à matéria de facto proferida pelo tribunal a quo – no seguimento da impugnação da A/apelante - decidindo-se pela total improcedência da ação.
Como resulta das conclusões do recurso do A/apelante, é manifesto que a pretendida alteração da decisão, na parte da matéria de direito, dependia integralmente da modificação/alteração da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo.
Com efeito, não suscitou o A/apelante quaisquer outras questões relacionadas com uma eventual e pretensa interpretação e aplicação erradas das regras de direito pertinentes à matéria de facto tal como a mesma foi fixada pelo tribunal a quo.
Contudo, como já se viu, considerou este tribunal da Relação ser de improceder o recurso na parte referente à decisão da matéria de facto, razão pela qual não se introduziram modificações nas respostas que foram dadas pela primeira instância aos concretos pontos de facto impugnados pelo A/apelante.
Com efeito, o raciocínio plasmado no AC do STJ citado em alegações apenas faz sentido se estivéssemos perante uma interpretação da declaração negocial segundo critérios normativos e aí sim fazia sentido dizer-se conforme se lê no sumário daquele aresto : Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07/06/2011, proferido no processo n.º 346/08.0TBLSA.C1.S1, que teve por Relator o Juiz Conselheiro Hélder Roque, disponível in. www.dgsi.pt “A expressão ‘pelo preço, condições e cláusulas que achar por convenientes’, constante do teor da procuração que está subjacente ao negócio consigo próprio, deve ser interpretada no sentido em que o faria um declaratário normal, isto é, de ‘um preço equilibrado e justo’, pelo preço real de mercado que garante a lealdade de comportamento que o representante deve assumir, para poder, de boa fé, gerir a conflitualidade dos interesses em presença, de forma a estabelecer o necessário equilíbrio, sob pena de uma alienação por um valor desfasado da realidade ser um índice objectivo e seguro do abuso de representação”.
Sem embargo, e na verdade, no caso sub judicio, atenta a matéria de facto alegada, tratou-se da indagação da vontade real, matéria tratada em sede de facto, não tendo o autor logrado provar a matéria de facto por si alegada ( “acordaram vender pelo preço base de mercado”), mas sim provou-se que as partes acordaram vender pelo preço possível oferecido, pelo que não resultou provado o alegado incumprimento contratual por parte do réu.
Assim, considerando o disposto pelo artº 608º nº2 aplicável ex vi do nº2, do artº 663º, ambos do Código de Processo Civil, e não se nos impondo tecer quaisquer considerações quanto à bondade e acerto da decisão da primeira instância no âmbito da subsunção dos factos às normas legais correspondentes, temos que a apelação terá de inevitavelmente improceder, mantendo-se e confirmando-se a sentença recorrida.
Nestes termos, também neste segmento, improcede o recurso do autor.
*
Quanto à decisão sobre a condenação em custas da interveniente principal, dir-se-á apenas que a mesma com tal posição processual é considerada parte principal ( art. 312º do CPC), associada ao autor, pelo que pelo princípio da causalidade, atento o desfecho da ação, é parte vencida da causa principal, parte vencida da decisão nuclear e final do processo ( cfr. art. 527º do CPC).
Pelo exposto, está correta a condenação em custas do autor e interveniente.
*
VI. Decisão.

Por tudo o exposto, acordam as Juízes que constituem esta 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo A/recorrente.
*
Guimarães, 19 de setembro de 2024

Assinado eletronicamente por:
Anizabel Sousa Pereira ( relatora)
Conceição Sampaio
Sandra Melo


[1] Luís Pires de Sousa, in Direito Probatório Material, 2021, 2ªed,  p.142.
[2] In RLJ, ano 99, pág 295.
[3] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 4ª ed., pág. 703.