REVISÃO DA INCAPACIDADE
INCAPACIDADE ABSOLUTA PARA O TRABALHO HABITUAL
CASO JULGADO
Sumário


I – Não há violação do caso julgado material, quando, em sede de incidente de revisão de incapacidade por acidente de trabalho, se mantém o mesmo grau de IPP, mas se fixa uma situação de IPATH, desde que tenha existido alteração do quadro factual entre a primeira decisão, já transitada, e a nova decisão proferida no âmbito do referido incidente.
II – Nos termos do art. 70.º, n.º 1, da LAT, a prestação anteriormente fixada pode ser alterada desde que tenha havido uma modificação da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e que essa modificação tenha origem nas causas determinadas no n.º 1 do referido artigo.
III – A modificação da capacidade de trabalho ou de ganho que tenha resultado daquelas causas reflete-se na atribuição das incapacidades, sejam elas incapacidades permanentes parciais (IPP) ou incapacidades permanentes absolutas para o trabalho habitual (IPATH).
IV – É de aplicar ao sinistrado uma IPATH, quando o mesmo sofreu uma recaída, por artropia da coifa, que o sujeitou a uma artroplastia total do ombro direito, com a colocação de uma prótese, prótese essa que, apesar de lhe ter permitido restabelecer o seu estado funcional prévio, tal restabelecimento funcional é instável, limitado e progressivamente limitativo, para o qual não é indiferente a intensidade dos esforços praticados pelo membro com prótese.
(Sumário elaborado pela relatora)

Texto Integral



Proc. n.º 649/17.2T8TMR.2.E2
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
Em 16-07-2021, o sinistrado AA[2] veio, nos termos dos arts. 145.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, e 70.º da LAT, requerer a revisão da incapacidade anteriormente fixada, com reconhecimento de uma situação de IPATH, em virtude de se terem agravado as lesões/sequelas de que é portador.
Formulou ainda os seguintes quesitos:

Qual a IPP que actualmente compete ao sinistrado?

Essa IPP é absoluta para a profissão habitual do sinistrado de motorista de pesados dos Transportes Internacionais de Mercadorias?
Realizada perícia médica ao sinistrado AA, concluiu a mesma, em parecer datado de 15-01-2022, o seguinte:
- Não existe agravamento das sequelas sofridas após a recaída de 17-10-2020 na sequência do evento traumático em apreço.
- A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 14-05-2021.
- Os períodos de incapacidade temporária absoluta são fixáveis conforme definido no Capítulo Discussão. - Incapacidade permanente parcial fixável em 19,9500%.
- É atribuído fator de bonificação 1,5.
O sinistrado veio solicitar a resposta pelo perito médico ao quesito 2.º por si formulado.
Foi determinado, por despacho judicial de 28-02-2022, que o perito médico procedesse à resposta ao quesito referido.
O perito médico procedeu, em 15-03-2022, à seguinte resposta:
- Tendo eu avaliado o sinistrado em Exame Singular realizado a 28-06-2019 e tendo considerado uma IPP fixável em 19,95% e a atribuição de IPATH, em Junta Médica posterior de 22-01-2020 foi considerado manter a IPP de 19,95% sem atribuir IPATH.
- Em Exame Singular de revisão que realizei ao sinistrado a 26-10-2021, considero não haver agravamento das sequelas após recaída em que foi submetido a tratamento cirúrgico, atribuindo nova data de consolidação médico-legal das lesões a 14-05-2021.
- Em concordância com a minha avaliação prévia de 28-06-2019, continuo a considerar ser de atribuir IPATH atendendo às sequelas descritas e à profissão do sinistrado, mas uma vez que considero não haver agravamento deve ser a Junta Médica a pronunciar-se novamente quanto à atribuição de IPATH.
Por determinação judicial foi ordenada a realização de perícia médica, de forma a responder aos quesitos formulados pelo sinistrado.
No auto de exame por junta médica, realizado em 28-10-2022, foram dadas as seguintes respostas aos quesitos formulados:
1. IPP de 19,95%.[3]
2. Sim. Apesar de se verificar a manutenção da IPP atribuída anteriormente, justifica-se a atribuição de IPATH porque a prótese do ombro tem uma durabilidade limitada e limitação funcional progressivamente agravada ao longo do tempo, incompatível com a continuação das tarefas habituais.
Realizado o parecer do IEFP, em 19-01-2023, o mesmo concluiu que:
IX. A análise conjugada dos elementos disponíveis, essencialmente os apurados através da análise da entrevista ao trabalhador sinistrado, consulta de informação clínica e do conhecimento das exigências da profissão em causa, permite observar as seguintes evidências:
1. A capacidade de mobilidade e força dinâmica do membro superior direito apresenta consideráveis limitação ao nível do ombro;
2. Das principais tarefas, e suas exigências, do posto de trabalho que o sinistrado desempenhava à data do acidente, destacam-se as seguintes por considerarmos serem as mais relevantes para a avaliação da capacidade para o trabalho habitual:
• É requerida para o desempenho das tarefas de condução profissional de veículos pesados de mercadorias (grupo 2) ampla mobilidade de ambos os membros superiores que permita a realização de manobras de condução com o volante de forma segura e precisa, assim como a manutenção persistente da postura de ambos os membros superiores na mobilização do volante (mobilidade conjugada das articulações do ombro e cotovelo; a elevação dos braços e a manipulação do volante podem exigir a amplitude de ângulo de flexão e abdução igual ou superior a 90º e a ampla flexão-extensão dos cotovelos);
• É exigido frequentes torsões laterais do pescoço que permita em estrada a visualização permanente de ambos os retrovisores, e a persistente visualização alternada de ambos os retrovisores nas manobras de parqueamento e de manobras de marcha-atrás com reboque;
• É exigido força dinâmica ao nível de ambos os membros superiores que permita manipular o equipamento porta paletes e deslocar cargas que podem atingir os 1.000 Kg.
3. Atendendo às principais exigências para o desempenho das tarefas de motorista profissional de veículos pesados de mercadorias, designadamente a persistente mobilização e força estática e dinâmica de ambos os membros superiores, entendemos que as limitações funcionais que o trabalhador revela parecem ser incompatíveis com os requisitos de habilitação de condução de veículos pesados de mercadorias (grupo 2).
4. Consideramos ainda que o desconforto experimentado pelo sinistrado ao nível do membro superior direito, designadamente fenómenos dolorosos e alterações sensitivas ao nível da cintura escapular quando mantém durante algum tempo a postura de preensão e mobilização do volante, podem comprometer as capacidades cognitivas na condução, designadamente ao nível da atenção dirigida e distribuída.
5. Concluindo, somos de parecer da impossibilidade de reconversão do Sr. AA em relação ao posto de trabalho que ocupava à data do acidente, corroborando as conclusões dos relatórios de perícia médico-legal do INMLCF e do auto de exame por junta médica de ortopedia de 28.10.2022: “…o sinistrado apresenta sequelas a nível do ombro direito incompatíveis com a sua profissão de motorista de pesados.”
Em 17-03-2023 foi proferida a seguinte decisão final:
Nesta conformidade e em face de tudo o exposto, decido:
1.- Julgar totalmente procedente a revisão da incapacidade do sinistrado AA, sendo o mesmo atualmente portador de uma incapacidade permanente parcial com 19,95%, com IPATH, condenando, em consequência, Companhia de Seguros Allianz Portugal, SA., a pagar àquele a pensão anual e vitalícia de € 10.320,80, devida desde 16/07/2021, data da entrada do pedido de revisão nos autos, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, contados desde 16/07/2021e até integral pagamento e a quantia de € 4.226,78, a título de subsídio por elevada incapacidade permanente, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, contados desde 16/07/2021e até integral pagamento;
2.- Custas a cargo de Companhia de Seguros Allianz Portugal, SA. que se fixam em 3 UCs.
Registe (artigos 152.º, n.º 2 e 153.º, n.º 4, ambos do CPC).
Notifique.
No prazo de 30 dias, deverá a seguradora documentar os pagamentos devidos ao Sinistrado, inclusive, as pensões devidas em 2022 e 2023, com as atualizações.
Não se conformando com tal decisão, veio a requerida “Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A.” interpor recurso de Apelação, tendo o requerente/sinistrado AA apresentado as respetivas contra-alegações, vindo a 1.ª instância a admitir tal recurso e, posteriormente, a fixar o valor do incidente no montante de €117.817,51.
Por acórdão desta Relação, proferido em 23-11-2023, foi anulada a decisão recorrida nos seguintes termos:
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em anular a decisão recorrida, nos termos da al. c) do n.º 2 do art. 662.º do Código de Processo Civil, por insuficiência factual, devolvendo-se o processo à 1.ª instância, a fim de que seja proferida nova decisão, onde se processa à indispensável fixação da matéria de facto que se considerou provada em sede de apenso de revisão da incapacidade, de forma a que posteriormente sobre tais factos seja aplicado o direito.
Custas a final pela parte vencida.
Notifique.
Em 15-01-2024, o tribunal a quo proferiu nova decisão com o seguinte teor decisório:
Nesta conformidade e em face de tudo o exposto, decido:
1.- Julgar totalmente procedente a revisão da incapacidade do sinistrado AA, sendo o mesmo atualmente portador de uma incapacidade permanente parcial com 19,95%, com IPATH, condenando, em consequência, Companhia de Seguros Allianz Portugal, SA., a pagar àquele a pensão anual e vitalícia de € 10.320,80, devida desde 16/07/2021, data da entrada do pedido de revisão nos autos, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, contados desde 16/07/2021e até integral pagamento e a quantia de € 4.226,78, a título de subsídio por elevada incapacidade permanente, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, contados desde 16/07/2021e até integral pagamento;
2.- Custas a cargo de Companhia de Seguros Allianz Portugal, SA. que se fixam em 3 UCs.
Registe (artigos 152.º, n.º 2 e 153.º, n.º 4, ambos do CPC).
Notifique.
Inconformada com tal decisão, veio a requerida “Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A.” interpor recurso de Apelação, terminando com as seguintes conclusões:
1. Vem a presente apelação interposta da douta sentença de fls. , que, em cumprimento do decidido no douto Acórdão proferido no recurso interposto da anterior sentença, veio ampliar a matéria de facto, consignando expressamente os factos que a Mtª Juiz a quo considerou provados no presente incidente de revisão, mas manteve integralmente a decisão que, apesar de manter em 19,95% o coeficiente de incapacidade parcial permanente (IPP) do sinistrado, o considerou agora afectado de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), desde a data do pedido de revisão formulado no presente incidente, a que corresponde a pensão anual e vitalícia de 13.366,71 €, sendo apenas devido ao sinistrado o pagamento da pensão anual no montante de 9.909,29 € (actualizada para 10.320,80 €) por já ter sido remida a pensão de 3.457,42 €, acrescida de subsídio de elevada incapacidade permanente no montante de 4.226,78 €.
2. Salvo o devido respeito, esta decisão deve ser revogada, por enfermar de erro de interpretação e aplicação da lei aos factos e por violação de caso julgado material, ao considerar que o sinistrado se encontra agora afectado de uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual apesar de não ter existido qualquer agravamento das lesões que deram origem à reparação e de manter a IPP de 19,95%.
3. Com efeito, na sequência de acidente de trabalho sofrido pelo sinistrado em 03/01/2017 foi instaurado o processo emergente de acidente de trabalho, a que o presente se encontra apensado, cuja sentença fixou em 19,95% a IPP de que ficou afectado o sinistrado AA, a partir de 03/04/2017 e sem IPATH.
4. Em 18 de Março de 2019, o sinistrado apresentou um requerimento de revisão da sua pensão, que deu início ao primeiro apenso de revisão de incapacidade, cuja sentença – acolhendo inteiramente o laudo da Junta Médica de Ortopedia aí realizada – julgou totalmente improcedente a revisão da incapacidade do sinistrado AA, mantendo a incapacidade permanente parcial de 19,95% desde 03/04/2017, sem IPATH, que lhe fora fixada na sentença proferida no processo principal.
5. Alegando agravamento das sequelas resultantes do acidente, o sinistrado veio apresentar, em 16 de Julho de 2021, o requerimento de revisão da sua incapacidade que deu início ao presente apenso de revisão e ao qual se seguiu o necessário exame médico singular de revisão, que concluiu que o sinistrado mantinha a IPP de 19,95%, mas entendeu estar este afectado de IPATH,
6. Entendimento este mantido na Junta Médica de Ortopedia, oficiosamente ordenada e no parecer elaborado por técnico do IEFP, em estudo ordenado também oficiosamente.
7. A Mtª Juíza recorrida aderiu integralmente a estes laudos, considerando não ter havido agravamento das lesões nem um aumento da IPP fixada desde a data da alta inicial, fixando em 19,95% o coeficiente global de incapacidade do sinistrado, mas considerando-o afectado de IPATH,
8. Nos termos do art. 70º-1 da Lei 28/2009, de 4 de Setembro – aplicável ao caso dos autos, uma vez que o acidente a que se reportam ocorreu em 3 de Janeiro de 2017 – “1- Quando se verifique uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais ou ainda de reabilitação e reintegração profissional e readaptação ao trabalho, a prestação pode ser alterada ou extinta, de harmonia com a modificação verificada.”
9. Ou seja, as prestações pecuniárias por incapacidade para o trabalho só podem ser revistas e aumentadas quando se verifique uma modificação actual na capacidade de trabalho ou de ganho devida a agravamento da lesão do sinistrado que originou a reparação do acidente de trabalho.
10. Ora, quer a decisão final proferida no processo principal, quer a decisão final proferida no incidente de revisão imediatamente anterior ao presente, consideraram o sinistrado afectado de uma IPP de 19,95%, a partir de 3 de Abril de 2017, em consequência das lesões sofridas no acidente de trabalho em causa nos autos e descritas nos autos de exame por junta médica então realizados (e em que foi expressamente questionada e discutida a existência de IPATH), não lhe atribuindo IPATH.
11. Não se apurando neste apenso de revisão qualquer alteração (por agravamento, recidiva ou recaída) das lesões, e respectivas sequelas, sofridas pelo sinistrado no acidente dos autos e reconhecidas na douta decisão final proferida no incidente de revisão de incapacidade imediatamente anterior ao presente e que confirmou que a IPP que afecta o sinistrado é de 19,95%, mas que este não está afectado de IPATH, não pode haver lugar neste incidente de revisão à atribuição dessa IPATH decorrente dessas mesmas lesões e sequelas que se não agravaram,
12. Sob pena de se estar a reapreciar a mesma questão já apreciada naquela decisão e, em consequência, a violar o caso julgado material formado por essa sentença transitada em julgado (neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-03-2017, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-02-2021, Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 12-09-2016 e 21-10-2020 e Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 03-03-2016, deb17-12-2017, de 20-09-2018, de 05-12-2019 e de 17-02-2022, todos in www.dgsi.pt).
13. A douta sentença recorrida defendeu que a decisão de atribuir IPATH ao sinistrado, apesar da inexistência de agravamento das suas lesões, não ofendia o caso julgado formado pelas referidas anteriores decisões por entender “que a atribuição ao Sinistrado de IPATH, conquanto que mantenha a anterior IPP, não viola o caso julgado pois, conforme indicado pelos Exmos. Peritos na junta médica de 28/10/2022, a sua atribuição radica no facto de a prótese do ombro colocada ao sinistrado ter uma duração limitada e limitação progressivamente agravada ao longo do tempo, incompatível com a continuação das tarefas habituais, sendo de salientar-se que a cirurgia ao ombro ocorreu em 24/11/2020, porquanto após a JM de ortopedia realizada em 22/01/2020, no âmbito do anterior processo de revisão e da decisão de 06/02/2020 proferida nesse incidente”.
14. Mas esta justificação não colhe, porque, além do mais, não se baseia numa efectiva e actual alteração das lesões, ou respectivas sequelas, resultantes do acidente de trabalho em causa nos autos, mas sim numa futura e hipotética alteração, alegadamente resultante da duração limitada da prótese implantada no ombro do sinistrado,
15. Sendo certo que essa hipotética alteração poderá ser impedida por uma atempada substituição dessa prótese – que a ora recorrente está legalmente obrigada a efectuar – e que, actualmente, não se sabe qual a evolução futura dessas próteses e se a sua substituição, quando for caso disso, não proporcionará até uma melhoria das lesões e sequelas do sinistrado.
16. Não podendo também ser estabelecido qualquer nexo de causalidade entre a colocação da prótese ao sinistrado e o facto de o sinistrado não ser já portador de CAM válido, uma vez que este caducou em 31/12/2017, altura em que ainda não tinha sido colocada a prótese ao sinistrado e que este podia ter pedido a renovação do CAM, se assim o entendesse.
17. Assim, ao decidir que o sinistrado está afectado pela mesma incapacidade permanente parcial de 19,95% que lhe fora fixada no processo principal e mantida no último incidente de revisão, sem que se verificasse qualquer agravamento das lesões/sequelas que originaram aquela IPP, mas decidindo que essas mesmas lesões/sequelas conferem ao sinistrado uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), desde 16 de Julho de 2021, data do presente pedido de revisão, e ao decidir, consequentemente, que o sinistrado tem direito a uma pensão anual e vitalícia de 13.366,71 €, sendo apenas devido ao sinistrado o pagamento da pensão anual no montante de 9.909,29 € (actualizada para 10.320,80 €) por já ter sido remida a pensão de 3.457,42 €, acrescida de subsídio de elevada incapacidade permanente no montante de 4.226,78 €, a douta sentença recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 70º-1 da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, e, por violação de caso julgado formado pelas anteriores decisões proferidas no processo principal e no incidente de revisão imediatamente anterior ao presente, os arts. 619º-1 e 625º-1 do Código de Processo Civil,
18. Pelo que essas decisões devem ser revogadas e substituídas por outra que julgue improcedente o presente pedido de revisão, mantendo a incapacidade parcial permanente do sinistrado de 19,95%, desde 3 de Abril de 2017, sem IPATH, conforme fixado nas decisões finais proferidas no processo principal e no incidente de revisão imediatamente anterior ao presente.
Assim se fazendo J U S T I Ç A !
O requerente/sinistrado AA apresentou contra-alegações, terminando com as seguintes conclusões:
A decisão recorrida está irrepreensivelmente fundamentada, quer nos factos, quer no direito, não merecendo, por isso, censura e sendo de sufragar.
As conclusões que se impõem são, aliás, as seguintes:
1º - Improcedem as conclusões do recorrente
2º - A factualidade provada impõe a solução de direito plasmada na, aliás, douta sentença
3º - Não foram violadas as normas legais invocadas pela recorrente
Termos em que deve negar-se provimento ao presente recurso, confirmando-se a decisão recorrida como, aliás, é de direito e de J U S T I Ç A
No processo principal de acidente de trabalho[4] foi proferida, em 26-10-2018, sentença com o seguinte teor decisório:
Nesta conformidade e em face de tudo o exposto, decido:
1.- Condenar Companhia de Seguros ALLIANZ PORTUGAL, SA., a pagar ao sinistrado AA, o capital de remição de uma pensão anual e obrigatoriamente remível de € 3.457,42, devida desde 04/04/2017, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, contados desde essa data e até integral pagamento, na obrigação de tratamento cirúrgico ao sinistrado se esse se revelar benéfico à melhoria da sequela de que padece, no pagamento da quantia de € 40,00 a título de indemnização por deslocações obrigatórias, acrescida de juros legais desde 17/02/2018 até integral pagamento e no pagamento da quantia de € 462,94 a título de indemnização por incapacidade temporária, acrescida de juros legais contados desde 04/04/2017 e até integral pagamento.
2.- Condenar Companhia de Seguros ALLIANZ PORTUGAL, SA. no pagamento das custas.
Registe e notifique.
Fixo à ação o valor de € 42.047,30 (artigo 120.º, n.º 1 do CPT e Portaria n.º 11/2000, de 13/01).
Oportunamente proceda-se ao cálculo do capital de remição e, após, proceda-se à entrega do mesmo, por termo nos autos, sob a presidência do Ministério Público (artigo 148.º, n.ºs 3 e 4 ex vi artigo 149.º e artigo 150.º, todos do CPT, artigo 76.º da Lei n.º 98/2009, de 04/09 e Portaria n.º 11/2000, de 13/01).
Nesse processo principal foram dados como provados os seguintes factos:
Factos assentes e não discutidos na fase contenciosa (artigo 135.º, n.º 1, 1.ª parte do CPT)
1.- AA nasceu em ../../1960.
2.- No dia 03/01/2017, pelas 07h00, no Reino Unido, ..., foi vítima de um acidente de trabalho quando trabalhava, como motorista de pesados, por conta da firma “Barrinho Transportes, SA”.
3.- O acidente ocorreu quando o sinistrado, ao descer do camião, escorregou, tendo-se apoiado com os membros superiores nos apoios do camião, sofrendo estiramento cervical e do ombro direito.
4.- À data do acidente o sinistrado auferia a remuneração média anual ilíquida de € 24.757,76.
5.- A entidade patronal do sinistrado havia transferido a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho para Companhia de Seguros ALLIANZ PORTUGAL, SA., através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...50.
6.- A seguradora pagou ao sinistrado a título de indemnização por incapacidades temporárias a quantia de € 3.810,32.
7.- Com diligências obrigatórias para as quais foi convocado, o sinistrado despendeu a quantia de € 40,00.
*
Factos assentes na sequência da decisão que fixou a incapacidade permanente parcial ao sinistrado pela valoração do parecer por unanimidade dos Exmos. Peritos, a fls. 100 a 102:
8.- Em consequência do acidente resultaram para o sinistrado, como sequela de lesão do estiramento do ombro direito, o estado atual de ombro pseudo-paralítico.
9.- O sinistrado esteve com ITA desde 04/01/2017 até 03/04/2017, data da alta.
10.- Por despacho supra referido, o sinistrado foi considerado afetado com 19,95% de incapacidade permanente parcial, como consequência do acidente referido em 2) e 3), desde 03/04/2017.
Em 18-03-2019, no âmbito do apenso n.º 649/17.2T8TMR.1, o requerente/sinistrado AA veio, nos termos dos arts. 145.º do Código de Processo do Trabalho, e 70.º da LAT, requerer a revisão da incapacidade anteriormente fixada, através da realização do respetivo exame, para o qual formulou os competentes quesitos, tendo, após a realização de exame singular e exame por junta médica, sido proferida decisão final, em 06-02-2020, com o seguinte teor decisório:
Nesta conformidade e em face de tudo o exposto, decido:
1.- Julgar totalmente improcedente a revisão da incapacidade do sinistrado AA, mantendo-se a incapacidade permanente parcial com 19,95%, de desvalorização, desde 03/04/2017, que lhe foi fixada na sentença proferida a fls. 105 a 115 dos autos, absolvendo, em consequência, Companhia de Seguros ALLIANZ PORTUGAL, SA. do pedido contra a mesma deduzido neste incidente.
Encargos a cargo Companhia de Seguros ALLIANZ PORTUGAL, SA., nos termos do artigo 17.º, n.º 8 do RCP.
Custas do incidente a cargo do sinistrado, AA, que fixo no mínimo legal.
Registe e Notifique.
O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Após a subida dos autos ao Tribunal da Relação, foi dado cumprimento ao preceituado no n.º 3 do art. 87.º do Código de Processo do Trabalho, pugnando a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta, no seu parecer, pela improcedência do recurso.
Não houve respostas a tal parecer.
Recebido o recurso nos seus precisos termos, foram colhidos os vistos, pelo que cumpre agora apreciar e decidir.
II – Objeto do Recurso
Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
No caso em apreço, as questões que importa decidir são:
1) Violação do caso julgado material; e
2) Errada interpretação do art. 70.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 04-07.
III – Matéria de Facto
O tribunal da 1.ª instância deu como provados os seguintes factos:
1.- AA nasceu em ../../1960.
2.- No dia 03/01/2017, pelas 07h00, no Reino Unido, foi vítima de um acidente de trabalho quando trabalhava, como motorista de pesados, por conta da firma “Barrinho Transportes, SA”.
3.- À data do acidente o sinistrado auferia a remuneração média anual ilíquida de € 24.757,76.
4.- A entidade patronal do sinistrado havia transferido a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho para Companhia de Seguros ALLIANZ PORTUGAL, SA., através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...50.
5.- Por decisão proferida em 27/10/2018, foi a Seguradora condenada a pagar ao Sinistrado, além do mais, o capital de remição de uma pensão anual e obrigatoriamente remível de € 3.457,42, devida desde 04/04/2017, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, contados desde essa data e até integral pagamento, sendo o mesmo portador de uma IPP de 19,95% desde 03/04/2017, data da alta, por padecer em resultado de lesão de estiramento do ombro direito de sequela de ombro pseudo-paralítico.
6.- Em 16/07/2021 o Sinistrado requereu incidente de revisão da sua incapacidade para o trabalho.
7.- Em 24/11/2020 o Sinistrado, através dos serviços clínicos da Seguradora, foi sujeito a artroplastia total do ombro direito, tendo-lhe sido colocada uma prótese. (alterado conforme fundamentação infra)
8.- Não teve complicações no período pós-operatório, tendo feito tratamentos de fisioterapia, com alta em 15/05/2021, mantendo a mesma IPP.
9.- A prótese tem uma duração limitada e limitação progressivamente agravada ao longo do tempo, o que impossibilita o Sinistrado de continuar a realizar as tarefas habituais inerentes à sua profissão de motorista de pesados, mormente a condução por longos períodos.
10.- O Sinistrado já não é portador de CAM válido, por este ter caducados em 31/12/2017, não tendo sido pedida a sua renovação.
11.- O Sinistrado é portador de uma IPP de 19,95% com IPATH.
(Acrescentados os factos 12 e 13, conforme fundamentação infra)
IV – Enquadramento jurídico
Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso são as questões supra elencadas.
Questão prévia
Compulsados os autos, constata-se que consta do relatório do exame médico singular, realizado em 15-01-2022, pelo Dr. BB, o seguinte, no que ao item Discussão diz respeito:
1. Os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano, tendo como sequelas rotura da coifa do ombro direito, com limitação conjugada da mobilidade do membro superior direito, avaliado em Auto de Exame por Junta Médica no Tribunal de Trabalho ..., realizado a 22-01-2020, onde foi confirmada uma IPP de 19,95%. Não se considera haver agravamento das sequelas sofridas após o evento traumático em apreço com tradução na Tabela Nacional de Incapacidades. Teve recaída por artropatia da coifa, a 17-10-2020, tendo sido submetido a tratamento cirúrgico com artroplastia do ombro direito, com alta a 14-05-2021, com restabelecimento do seu estado funcional prévio……………………………………………………………………………………………………….

Consta, assim, deste relatório médico, que não é contraditado por nenhum outro, que a razão pela qual o sinistrado foi submetido a tratamento cirúrgico com artroplastia do ombro direito, com alta a 14-05-2021, resultou de uma recaída por artropatia da coifa em 17-10-2020, sendo que, após a referida cirurgia, o sinistrado restabeleceu o seu estado funcional prévio.
Afigura-se-nos que, para além da cirurgia realizada, também a causa que levou à cirurgia, é matéria factual relevante que deveria ter ficado a constar do acervo dos factos provados.
Consta ainda nesse relatório médico as atuais sequelas do sinistrado, na parte referente ao exame objetivo, nos seguintes termos:
2. Lesões e/ou sequelas relacionáveis com o evento
O examinando apresenta as seguintes sequelas: .......................................................................................
- Membro superior direito: cicatriz de abordagem deltopeitoral com 11 cm, não dolorosa à palpação. Rigidez do ombro direito com abdução limitada a 90º e antepulsão de 120º, com mobilidades passivas de 140 e 160º respetivamente. Não consegue levar a mão à região lombar, mas leva à nuca e ao ombro oposto. Dor moderada à palpação da região anterior do ombro. Atrofia da fossa supra e infra-espinhosa. Mobilidades cervicais completas, sem ponto hiperálgico à palpação das apófises espinhosas cervicais...............................................................................
Na realidade, estando em causa a apreciação da atual capacidade do sinistrado para o seu trabalho habitual, afigura-se-nos essencial que na matéria factual dada como assente fiquem a constar as atuais lesões de que o sinistrado padece.
Por sua vez, consta do parecer do IEFP, realizado em 19-01-2023, que:
2. Das principais tarefas, e suas exigências, do posto de trabalho que o sinistrado desempenhava à data do acidente, destacam-se as seguintes por considerarmos serem as mais relevantes para a avaliação da capacidade para o trabalho habitual:
• É requerida para o desempenho das tarefas de condução profissional de veículos pesados de mercadorias (grupo 2) ampla mobilidade de ambos os membros superiores que permita a realização de manobras de condução com o volante de forma segura e precisa, assim como a manutenção persistente da postura de ambos os membros superiores na mobilização do volante (mobilidade conjugada das articulações do ombro e cotovelo; a elevação dos braços e a manipulação do volante podem exigir a amplitude de ângulo de flexão e abdução igual ou superior a 90º e a ampla flexão-extensão dos cotovelos);
• É exigido frequentes torsões laterais do pescoço que permita em estrada a visualização permanente de ambos os retrovisores, e a persistente visualização alternada de ambos os retrovisores nas manobras de parqueamento e de manobras de marcha-atrás com reboque;
• É exigido força dinâmica ao nível de ambos os membros superiores que permita manipular o equipamento porta paletes e deslocar cargas que podem atingir os 1.000 Kg.

Ora, afigura-se-nos essencial para a apreciação de uma eventual atribuição de IPATH ao sinistrado, fazer constar, na matéria de facto, as exigências físicas necessárias para o cabal cumprimento do núcleo essencial das tarefas realizadas no posto de trabalho do sinistrado enquanto motorista de pesados.
É, deste modo, manifesta a insuficiência da matéria factual que consta da decisão recorrida, quer quanto à situação clínica do requerente AA, quer quanto às funções concretas a efetuar por um motorista de pesados, o que poderia levar a uma nova anulação da decisão final, para ampliação da matéria de facto, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Civil (aplicável por força do art. 1.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo do Trabalho). Porém, por se considerar existirem no processo todos os elementos que permitem proceder a tal alteração, e tal artigo a isso o permitir (pois apenas haverá anulação se tais elementos não constarem do processo), em face do que consta quer do relatório de exame médico singular, quer do parecer do IEFP, nos termos do referido art. 662.º do Código de Processo Civil, proceder-se-á oficiosamente às seguintes alterações da matéria factual:
- Procede-se a uma nova redação do facto provado 7, o qual passará a ter o seguinte teor:
7.- Em 24-11-2020, o Sinistrado, por ter tido, em 17-10-2020, recaída por artropatia da coifa, foi sujeito a artroplastia total do ombro direito, através dos serviços clínicos da Seguradora, tendo-lhe sido colocada uma prótese, que permitiu o restabelecimento do seu estado funcional prévio.

- E acrescentam-se dois novos factos, que passarão a ser o facto 12 e o facto 13, com a seguinte redação:
12.- O sinistrado apresenta atualmente as seguintes sequelas:
- Membro superior direito: cicatriz de abordagem deltopeitoral com 11 cm, não dolorosa à palpação. Rigidez do ombro direito com abdução limitada a 90º e antepulsão de 120º, com mobilidades passivas de 140 e 160º respetivamente. Não consegue levar a mão à região lombar, mas leva à nuca e ao ombro oposto. Dor moderada à palpação da região anterior do ombro. Atrofia da fossa supra e infra-espinhosa. Mobilidades cervicais completas, sem ponto hiperálgico à palpação das apófises espinhosas cervicais.
13.- Exige-se ao sinistrado para efetuar o núcleo essencial das tarefas que lhe são atribuídas, enquanto motorista de pesados, o seguinte:
- para o desempenho das tarefas de condução profissional de veículos pesados de mercadorias (grupo 2) necessita de ampla mobilidade de ambos os membros superiores que permita a realização de manobras de condução com o volante de forma segura e precisa, assim como a manutenção persistente da postura de ambos os membros superiores na mobilização do volante (mobilidade conjugada das articulações do ombro e cotovelo; a elevação dos braços e a manipulação do volante podem exigir a amplitude de ângulo de flexão e abdução igual ou superior a 90º e a ampla flexão-extensão dos cotovelos); e de efetuar frequentes torsões laterais do pescoço, que permita, em estrada, a visualização permanente de ambos os retrovisores, e a persistente visualização alternada de ambos os retrovisores nas manobras de parqueamento e de manobras de marcha-atrás com reboque;
- para o desempenho das tarefas de manipulação do equipamento transportado necessita força dinâmica ao nível de ambos os membros superiores, que permita manipular o equipamento referente a porta paletes e deslocar cargas que podem atingir os 1.000 Kg.

1 – Violação do caso julgado material
Considera a Apelante que o tribunal a quo violou o caso julgado material formado pela sentença proferida no processo principal, já transitada em julgado, uma vez que, apesar de manter o mesmo grau de IPP ao sinistrado, considerou, porém, e diversamente do anteriormente decidido, que o sinistrado passou a padecer de IPATH, apesar de no apenso de revisão não se ter apurado qualquer alteração.
Apreciemos.
Estatui o art. 619.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que:
1 - Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º.

Por sua vez, dispõe o art. 621.º, n.º 1, do mesmo Diploma Legal, que:
A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique.

Determina ainda o art. 70.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 04-09 (LAT), que:
1 - Quando se verifique uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais ou ainda de reabilitação e reintegração profissional e readaptação ao trabalho, a prestação pode ser alterada ou extinta, de harmonia com a modificação verificada.

Não sendo controverso que, no caso das incapacidades atribuídas em processo de acidente de trabalho ao sinistrado por decisão transitada em julgado, apesar desse trânsito, podem as mesmas ser alteradas a pedido, quer do sinistrado quer da entidade responsável, nos termos dos arts. 145.º do Código de Processo do Trabalho e 70.º da LAT; é relevante apurar em que situações e dentro de que limites é possível proceder a tais alterações sem que seja violado o caso julgado material.
Em primeiro lugar, terá de ser respeitado o disposto no referido art. 70.º da LAT; e, em segundo lugar, terá de se atender aos precisos limites e termos em que a primeira decisão, transitada em julgado, proferiu decisão de mérito.
No caso em apreço, e sem se proceder de imediato à análise do primeiro requisito (que se apreciará na questão seguinte), dir-se-á que é manifesto que o segundo requisito não se mostra cumprido.
Efetivamente apesar de quer na decisão proferida em 26-10-2018 no processo principal (que se manteve na íntegra na decisão proferida em 06-02-2020 no âmbito do primeiro apenso de revisão de incapacidade), quer na decisão final, proferida em 15-01-2024, no âmbito deste apenso de revisão de incapacidade (segundo apenso), ter sido atribuído ao sinistrado o mesmo grau de incapacidade – em ambas foi atribuída uma IPP de 19,95% –, os factos que determinaram a atribuição desse mesmo grau de incapacidade são diversos, ainda que ambos decorram do acidente de trabalho sofrido.
Assim, aquando da primeira decisão é reportada como lesão resultante do acidente de trabalho o estiramento cervical e do ombro direito, tendo resultado para o sinistrado, como sequela, a lesão do estiramento do ombro direito, com estado atual de ombro pseudo-paralítico.
Já aquando da decisão proferida nestes autos, por o sinistrado ter sido sujeito a uma artroplastia total do ombro direito, foi-lhe colocada uma prótese, possuindo como sequelas no membro superior direito, para além da prótese, uma cicatriz de abordagem deltopeitoral com 11 cm, não dolorosa à palpação; rigidez do ombro direito com abdução limitada a 90º e antepulsão de 120º, com mobilidades passivas de 140º e 160º respetivamente, não conseguindo levar a mão à região lombar, levando, porém, à nuca e ao ombro oposto; dor moderada à palpação da região anterior do ombro; e atrofia da fossa supra e infra-espinhosa.
Verifica-se, assim, que o simples facto de entre a primeira e a última decisão ter sido realizada uma cirurgia determinou alterações no plano factual quanto à situação física do sinistrado.
Atente-se que o caso julgado se reporta não apenas à decisão proferida, mas também aos pressupostos que determinaram tal decisão, ou seja, à causa de pedir que levou à prolação daquela exata decisão, assentando essa causa de pedir nos factos que foram dados como provados. Alterando-se a realidade fáctica, já não é possível considerar-se que a segunda decisão julga nos precisos termos da anterior decisão.
Essa é, aliás, a razão pela qual expressamente se refere no acórdão do TRG, proferido em 17-02-2022, no âmbito do processo n.º 1794/16.7T8LSB.1.G1,[5] que “Não se tendo provado os pressupostos legais de que dependia a procedência do incidente de revisão, não havendo assim modificação da capacidade de ganho do sinistrado proveniente do agravamento da lesão que deu lugar à reparação, não é de lhe atribuir IPATH, com base em idêntico quadro factual, sob pena de violação do caso julgado, razão pela qual o juiz a quo não podia ter valorizado neste segmento o exame singular de revisão”.[6]
Nesta conformidade, quanto à invocada exceção do caso julgado, improcede a pretensão da recorrente.

2 – Errada interpretação do art. 70.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 04-07
Considera a recorrente que, nos termos do art. 70.º, n.º 1, da LAT, as prestações pecuniárias por incapacidade para o trabalho só podem ser revistas e aumentadas quando se verifique uma modificação atual na capacidade de trabalho ou de ganho devida a agravamento da lesão do sinistrado que originou a reparação do acidente de trabalho, porém, no caso concreto, inexistiu qualquer alteração das lesões e respetivas sequelas, sendo reconhecido, na decisão final proferida no presente incidente, que se mantém a IPP de 19,95% ao sinistrado.
Mais referiu que a invocada limitação futura resultante da utilização da prótese, reportada pelos peritos médicos, não se baseia numa efetiva e atual alteração das lesões ou respetivas sequelas, mas sim, numa futura e hipotética alteração, alegadamente resultante da duração limitada da prótese implantada no ombro do sinistrado, sendo que, para além de se desconhecer quando é que tal limitação irá ocorrer, sempre é possível procede à substituição dessa prótese.
Apreciemos.
Nos termos do já citado art. 70.º, n.º 1, da LAT, a prestação pode ser alterada ou extinta, se houver modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, modificação essa que tem de resultar de:
- agravamento,
- recidiva,
-recaída ou
- melhoria
da lesão ou doença que deu origem à reparação;
- ou de intervenção clínica ou aplicação de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais;
- ou ainda de reabilitação e reintegração profissional e readaptação ao trabalho.
Assim, e desde logo, o agravamento é apenas uma das causas da modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado.
Acresce que a modificação da capacidade de trabalho ou de ganho que tenha resultado daquelas causas reflete-se na atribuição das incapacidades, sejam elas incapacidades permanentes parciais (IPP) ou incapacidades permanentes absolutas para o trabalho habitual (IPATH). Daí que o que revela é apurar se (i) houve uma modificação da capacidade de trabalho ou de ganho e se (ii) essa modificação teve origem nas causas determinadas no n.º 1 do referido art. 70.º
Deste modo, a atribuição de uma IPATH num incidente de revisão de incapacidade não depende da alteração do grau de IPP que é atribuída ao sinistrado, antes sim, da causa que determinou essa modificação da capacidade de trabalho. Dito de outro modo, só pode ser atribuída uma IPATH em incidente de revisão de incapacidade, ainda que o grau de IPP seja o mesmo, se tiver ocorrido agravamento, recidiva ou recaída da lesão ou doença que deu origem à reparação, o que necessariamente implica a ocorrência de factos supervenientes relativamente aos factos ocorridos à data da última atribuição de incapacidade.
Ora, no caso em apreço, resulta da matéria factual apurada que o sinistrado por ter tido uma recaída por artropia da coifa, foi sujeito a artroplastia total do ombro direito, através dos serviços clínicos da Seguradora, tendo-lhe sido colocada uma prótese, que permitiu o restabelecimento do seu estado funcional prévio (facto provado 7), porém, a duração limitada da prótese, bem como a sua limitação progressivamente agravada ao longo do tempo, impossibilita o sinistrado de realizar as tarefas habituais inerentes à sua profissão de motorista de pesados, mormente a condução por longos períodos (facto provado 9). Daqui resulta que a situação física a avaliar do sinistrado resultou de uma recaída (causa identificada no art. 70.º, n.º 1, da LAT), a qual determinou o recurso à cirurgia (artroplastia) e à colocação de uma prótese, sendo que tal prótese, apesar de ter permitido o restabelecimento funcional que o sinistrado tinha antes da recaída, tratou-se de um restabelecimento precário, de duração limitada e com limitação progressivamente agravada com o passar do tempo, pelo que estamos perante um restabelecimento funcional instável, limitado e progressivamente limitativo, para o qual não é indiferente a intensidade dos esforços praticados pelo membro com prótese.
Acresce que as lesões descritas no facto provado 12 e as limitações já mencionadas da prótese permitem inferir da impossibilidade de o sinistrado praticar as tarefas essenciais da sua atividade como motorista de pesados, designadamente (facto provado 13):
- (i) a condução por longos períodos de veículos pesados, tarefa para a qual necessita de ampla mobilidade de ambos os membros superiores, de forma a permitir a realização de manobras de condução, com o volante de maneira segura e precisa, assim como a manutenção persistente da postura de ambos os membros superiores na mobilização do volante (mobilidade conjugada das articulações do ombro e cotovelo; a elevação dos braços e a manipulação do volante podem exigir a amplitude de ângulo de flexão e abdução igual ou superior a 90º e a ampla flexão-extensão dos cotovelos), e de efetuar frequentes torsões laterais do pescoço, que permita, em estrada, a visualização permanente de ambos os retrovisores, e a persistente visualização alternada de ambos os retrovisores nas manobras de parqueamento e de manobras de marcha-atrás com reboque; e
- (ii) a manipulação do equipamento transportado, para a qual necessita de força dinâmica ao nível de ambos os membros superiores, de forma a permitir manipular o equipamento referente a porta paletes e deslocar cargas que podem atingir os 1.000 Kg.
Deste modo, bem andou o tribunal a quo, ao atribuir ao sinistrado IPATH, apesar de ter sido mantido o grau de IPP, ainda que relativamente a diversa circunstância fáctica, improcedendo, deste modo, também nesta parte, a pretensão da recorrente.
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar totalmente improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente (art. 527.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Notifique.
Évora, 12 de setembro de 2024
Emília Ramos Costa (relatora)
Paula do Paço
Mário Branco Coelho
__________________________________________________
[1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.ª Adjunta: Paula do Paço; 2.º Adjunto: Mário Branco Coelho.
[2] Doravante AA.
[3] Retificado por despacho judicial proferido em 18-11-2022.
[4] Processo n.º 649/17.2T8TMR.
[5] Consultável em www.dgsi.pt.
[6] Sublinhado nosso.