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RESPONSABILIDADE CIVIL
CONDOMÍNIO
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
PRESUNÇÃO DE CULPA
CULPA DO LESADO
Sumário
I- Na norma do nº 1 do artigo 493º do Código Civil estabelece-se uma presunção de culpa por parte de quem tem a seu cargo a vigilância de coisas ou de animais, constituindo uma excepção à regra do n.º 1 do artigo 487º do Código Civil, mas não se altera o princípio do artigo 483º de que a responsabilidade depende de culpa. II- Resultando dos factos provados que o autor se desequilibrou ao subir a escada de acesso à sua fracção, tendo caído de uma altura de 8 metros, e que para a produção do evento danoso com a dimensão verificada, concorreram as deficiências no corrimão da escada, imputáveis ao réu a título de culpa presumida, mas também a conduta culposa, efectiva, do lesado, pois subia a escada, de noite, com uma taxa de alcoolemia de 3,09 g/i, sabendo que tinha que subir ao 3º andar, com os consequentes riscos do seu estado de embriaguez, que conhecia, a culpa do lesado mostra-se de maior gravidade. III- Concluindo-se pela verificação dos pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, em aplicação das disposições conjugadas dos artigos 483º, nº 1, e 493º, nº 1, do Código Civil, havendo concorrência de culpas, em face da culpa presumida do réu, e estando provada a culpa efectiva do lesado autor, mostra-se excluído o direito de indemnização, nos termos do n.º 2 do artigo 570º do Código Civil. (Sumário elaborado pelo relator)
Texto Integral
Recurso de Apelação n.º 2679/17.5T8PTM.E1
Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I – Relatório
1.AA propôs a presente acção declarativa, com processo comum, contra Condomínio ..., cuja administração é exercida por R..., Unipessoal, Lda., e Victória – Seguros, SA., pedindo a condenação dos RR. no pagamento da quantia de €239.653,61, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, assim como juros de mora vencidos e os vincendos até efectivo e integral pagamento.
2. Para tanto, alegou, em síntese, que, sendo dono de um apartamento no prédio supra citado e deslocando-se ao mesmo, no dia 2 de Fevereiro de 2013, quando se encontrava a subir as escadas, desequilibrou-se e caiu de uma altura de 8 metros devido aos degraus e ao corrimão que não respeitam as regras legais, sofrendo os danos, cuja indemnização peticiona.
3. O “Condomínio”, demandado antes como “Administração do Condomínio” contestou, invocando a ilegitimidade passiva da Administração do Condomínio, arguiu a prescrição e defendeu-se por impugnação.
A R. “Victória” também contestou, invocando não estar o acidente em causa coberto pela apólice e impugnou a factualidade alegada.
4. Foi dispensada a realização da audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, no âmbito do qual foi indeferida a excepção de ilegitimidade e da prescrição arguidas pelo 1º R., procedeu-se à identificação do objecto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.
5. Instruído o processo, teve lugar a audiência de discussão e julgamento, após o que veio a ser proferida sentença, na qual se decidiu: “julgo a acção improcedente e, em consequência, decido absolver Condomínio ... e VICTORIA – SEGUROS S.A. do pedido formulado pelo autor AA.”
6. Inconformada com a decisão veio BB, habilitada nos autos, na sequência do falecimento do A., como única herdeira do falecido, para prosseguir os ulteriores trâmites do processo – cf. sentença de fls. 933 –, interpor recurso, pedindo a revogação da sentença e a condenação das RR. no pedido, nos termos e com os fundamentos seguintes:
1.ª Foi a violação de normas de segurança relativas à construção e montagem de guarda corpos e corrimões que determinou a queda do autor AA no vão da escada.
2.ª Caso diferença de altura, que é significativa, não existisse muito provavelmente, ao tropeçar nos degraus irregularmente dispostos, o corpo do Autor AA não teria galgado o guarda corpos e corrimão da escada caindo para o vão da escada, teria antes caído para o lanço de escadas dando, consequentemente, este autor uma queda nas escadas provavelmente quase sem consequências.
3.ª Assim, o estado em que o autor AA se encontrava no momento não contribuiu em nada para queda para o vão das escadas e suas graves consequências, para mais considerando que o acidente se deu no último lanço de escadas pelo que este tinha já subido dois andares sem problemas de tropeções que pudessem se associados ao seu estado, ou seja, não subiu as escadas “aos tombos” como soe dizer-se.
4.ª Foi outrossim a irregularidade das medidas dos degraus o que deu origem à queda, não o estado a influência do grau de álcool no sangue do autor AA, ou não teria subido até ao terceiro andar sem cair antes.
5.ª No que toca à responsabilidade das Rés decorre da lei que esta é uma responsabilidade independente de culpa prevista e regulada pelo artigo 493.º do código civil pelo que sempre o condomínio e a sua seguradora terão que ser responsabilizados pelos danos sofridos pelo Autor AA, dado que não foi a responsabilidade da administração do condomínio afastada, demonstrando-se que o acidente teria sempre ocorrido por culpa exclusiva do autor AA ou que o acidente sempre teria ocorrido mesmo independentemente de qualquer conduta omissiva da administração do condomínio.
6.ª Proferindo sentença contendo a decisão de que ora se apela e que determinou a absolvição das rés do pedido, violou o tribunal a quo o disposto nos artigos 483.º e 493.º n.º1 e 505.º do código civil.
7. Contra-alegaram os RR./recorridos, pugnando pela confirmação da sentença absolutória.
8. O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
* II – Objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Considerando o teor das conclusões apresentadas, a questão essencial a decidir, consiste em saber se as RR. devem ser responsabilizadas pelo ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo A., e em que medida.
* III – Fundamentação
A) - Os Factos
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
Do autor
1. O autor, nascido a ../../1954, era cidadão irlandês. No dia 16 de Dezembro de 2021 veio a falecer – fls. 239 v.816 v. (art. 1.º da petição inicial e art. 5.º do Código de Processo Civil)
2. O autor adquirira o apartamento sito em ..., figurando no registo como dono desde 2 de Novembro de 2004. Para ter acesso ao apartamento, o autor e a família (mulher e filhos), quando se deslocavam a Portugal, tinham de utilizar uma escada exterior ao edifício que conheciam bem – fls. 273 v. (arts. 15.º e 16.º da contestação da Seguradora e art. 5.º do Código de Processo Civil) e alienou o apartamento figurando agora no registo como dona, desde 7 de Março de 2017, CC – fls. 254 v./256 (art. 5.º do Código de Processo Civil)
3. Antes do acidente, o autor ou a mulher, que chegou a escorregar uma vez na zona, nunca comunicaram ou denunciaram junto do Condomínio ou de outra entidade, os erros de construção ou diligenciaram no sentido da correcção dos mesmos junto do construtor (arts. 21.º, 22.º e 49.º da contestação da Seguradora e art. 5.º do Código de Processo Civil)
4. À data do acidente objecto dos autos, o autor não trabalhava por conta de outrem. Tinha sido proprietário e gerente da sua própria empresa de carpintaria/marcenaria. Contudo, esse negócio foi dissolvido em virtude da recessão económica em 2010 – fls. 128 v. (art. 83.º da contestação da Seguradora)
5. Furniture Repair.IE emitiu declaração comunicando que o autor iria começar a trabalhar na empresa no dia 18 de Fevereiro de 2013 – fls. 765/780 (art. 5.º do Código de Processo Civil)
Do edifício
6. O referido edifício ..., sito no Caminho ... ... D, ..., ..., foi construído ao abrigo do Alvará de Licença de Construção nº ...1 e, após a conclusão da obra, foi emitido, em ../../2003, pela Câmara Municipal ..., o Alvará de Licença de Utilização nº ...06 – fls. 13 v./359 (art. 13.º da contestação da Seguradora)
7. O Eng. Técnico Civil DD, inscrito na Câmara Municipal ... com o nº 508, foi o autor do projecto de arquitectura e o Eng. Técnico Civil EE, inscrito na Câmara Municipal ... com o nº ...24, foi o responsável pela execução da obra – fls. 13 v./593/594 (art. 14.º da contestação da Seguradora)
8. O edifício não possui elevador pelo que o acesso às fracções é efectuado através das escadas exteriores e varanda existente em cada um dos pisos (art. 12.º da contestação da Seguradora)
9. Trata-se de um edifício com três pisos elevados, com 10 fogos, destinados na sua totalidade a habitação, e um piso enterrado destinado a estacionamento e arrumos. As escadas localizam-se no alçado posterior do edifício e permitem o acesso do primeiro ao segundo piso e depois do segundo ao terceiro piso e respectivos apartamentos, através de cinco degraus – fls. 13 v.
10. A escada de acesso ao terceiro piso “apresenta erros construtivos que violam algumas exigências regulamentares e as boas práticas de construção de edifícios”, em “dois aspectos:” “a altura do corrimão na zona dos degraus, medida na vertical entre o topo do focinho dos degraus e o bordo superior do elemento preensível, é muito reduzida, cerca de 0,65 m, quando o projecto de arquitectura (…) previa um valor de 0,90 m, que usualmente é utilizado neste elemento construtivo, e preconizado em algumas legislação actual, como é o caso do Decreto-Lei n.º 163/2006”. “O material utilizado no pavimento dos degraus e varandas, granito polido, não apresenta as características de aderência adequadas, não tendo, sequer, sido executadas faixas antiderrapantes junto ao focinho dos degraus, como é habitual quando as superfícies são mais escorregadias. Esta situação é mais gravosa pelo facto de se tratar de uma escada exterior, e portanto sujeita a que o pavimento fique molhado com bastante frequência, por acção da humidade do ar e baixas temperaturas, humidade nocturna, chuva ou mesmo operações de limpeza”. O pavimento que estava previsto em projecto era de tijoleira cerâmica regional para varandas e terraços e para as cantarias, calcário rijo, pedra da região devidamente bujardada a pico fino. Qualquer desses revestimentos seria adequado para permitir a aderência nos degraus – fls. 13 v. (arts. 8.º a 10.º da petição inicial)
11. Existe também uma descontinuidade de cerca de 10 cm entre a face superior do corrimão na zona da varanda e na zona dos degraus que não estava prevista no projecto. O prumo vertical do corrimão que em projecto estava previsto ser colocado em cima de um murete com cerca de 15 cm, executado sob o corrimão, foi colocado ao nível do pavimento, razão por que o corrimão na zona da varanda ficou com 90 cm em vez dos 105 cm do projecto – fls. 17 (art. 5.º do Código de Processo Civil)
12. No acesso ao terceiro piso, existem disparidades entre a altura do corrimão em certas zonas do degrau (69 cm, em alguns pontos; 71 cm, noutros) – fls. 192 (art. 5.º do Código de Processo Civil), ao nível dos degraus (uns com 15,5 cm, outros com 19 cm e outros com 20 cm
13. Nenhuma alteração foi proposta pela actual Administração, em funções desde 2014, aos condóminos em relação a esta situação que põe em perigo a segurança das pessoas (art. 5.º do Código de Processo Civil)
Do contrato de seguro
14. Nos termos do contrato de seguro Multirriscos Habitação- VICTORIA Condomínio +, celebrado entre o Condomínio e a “Victoria”, aquela, na qualidade de tomadora do seguro com a apólice número ...25, transferiu para a Seguradora a sua responsabilidade de indemnizar terceiros pelos danos que viesse a causar até um limite de € 250 000, com franquia de € 50 (risco 24), ficando cobertos os seguintes riscos causados pelo edifício ou partes dele – fls. 30 v./167 v. (art. 90.º da petição inicial)
15. O autor accionou a referida apólice de seguro através de Notificação Judicial Avulsa feita à Seguradora e concretizada a 3 de Fevereiro de 2016, conforme fls. 37 v. (art. 91.º da petição inicial)
16. Da mesma forma, o autor interpelou igualmente o Condomínio através de Notificação Judicial Avulsa concretizada a 4 de Março de 2016, conforme fls. 52 v. (art. 92.º da petição inicial)
17. A Notificação Judicial Avulsa feita à Seguradora foi concretizada a 3 de Fevereiro de 2016, tendo a Notificação Judicial Avulsa feita ao Condomínio sido concretizada a 4 de Março de 2016, conforme certidões de cumprimento de fls. 120 a 122 (art. 93.º da petição inicial)
18. Destes factos já antes o autor havia dado conhecimento à Seguradora, por carta datada de 30 de Abril de 2015, que foi por esta recebida a 7 de maiô de 2015 – fls. 37 v. (art. 95.º da petição inicial)
19. Até à presente data, não recebeu o autor qualquer resposta nem à carta acima mencionada, nem à Notificação Judicial Avulsa realizada ao Condomínio (art. 96.º da petição inicial)
20. A Seguradora enviou uma carta datada de 9 de Março de 2016 onde esta informa que se encontraria “a desenvolver as averiguações e peritagens necessárias ao apuramento dos fatos que ocorreram aquando do sinistro participado”, solicitando que o autor apresentasse declaração “a autorizar a VICTORIA a obter todo o processos clínico junto” do Hospital ... – fls. 124 (art. 97.º da petição inicial)
21. A tal carta respondeu o autor por intermédio dos seus mandatários, juntando procuração a favor da Seguradora para os efeitos supra mencionados, conforme documentação por esta recebida a 31 de Março de 2016 conforme fls. 124 v. (art. 98.º da petição inicial)
22. Na sequência da participação do sinistro, a Seguradora contratou uma empresa de peritagens e procedeu a outras diligências, solicitando a colaboração da “Realperitos” com os resultados a que alude fls. 188 v.: a) o edifício não tem elevador pelo que o acesso às fracções é efectuado através de escadas exteriores; b) após a conclusão dos trabalhos de construção o edifício foi licenciado pela Câmara Municipal; c) as alegadas irregularidades / anomalias ao nível das escadas não foram reportadas à empresa construtora do edifício dentro do prazo de garantia do imóvel; d) as alegadas irregularidades / anomalias nas escadas não eram do conhecimento da administração do condomínio; e) tais irregularidades / anomalias não foram comunicadas / reportadas pelos condóminos não havendo qualquer referência à existência das mesmas nas actas das reuniões do condomínio f) nunca ocorreu um acidente do mesmo género daquele que sofreu o Autor (arts. 24.º, 50.º e 53.º da contestação da Seguradora)
23. Desde tal data, não recebeu o autor qualquer outra resposta por parte da Seguradora (art. 99.º da petição inicial)
Do acidente
24. No dia 2 de Fevereiro de 2013, o autor encontrava-se a gozar um período de férias em ..., com a mulher, permanecendo no apartamento de que era proprietário, como habitualmente (art. 2.º da petição inicial e art. 5.º do Código de Processo Civil)
25. Tinha saído de casa com a mulher pelas 16H00, depois de jantar, para ir às compras, passear e pelas 20H30 entraram num bar onde permaneceram até cerca das 23H30. Aí ingeriu bebidas alcoólicas, como cerveja e irish cofee, tendo regressado a casa de autocarro (art. 5.º do Código de Processo Civil)
26. Quando, depois das 23H30 e antes das 3H00, se dirigia ao apartamento, o autor, ao subir um lance de escadas, desequilibrou-se (arts. 3.º da petição e 38.º da contestação da Seguradora), tendo, em consequência, galgado o corrimão e sofrido uma queda de 8 metros de altura, pois o mesmo, também em virtude da respectiva altura, não contribuiu para amparar a queda – fls. 185 v. (arts. 4.º a 6.º da petição inicial)
27. Na origem do desequilíbrio esteve também a taxa de alcoolemia que o autor apresentava, na altura, uma alcoolemia de 309 mg/dl, que corresponde a 3,09 g/l - fls- 541 (arts. 30.º e 37.º da contestação da Seguradora). Os sintomas da intoxicação aguda por álcool são dose-dependentes, portanto, relacionados com o valor da concentração de etanol no sangue, sendo que existe variabilidade individual quanto aos efeitos associados, nomeadamente, devido a eventual tolerância desenvolvida e decorrente dos hábitos de consumo. Em abstracto, considerando uma concentração de álcool no sangue (TAS) de 309 mg/dl (3g/l), os sintomas mais comuns serão: alterações do humor ou do comportamento, fala arrastada, alterações da coordenação motora, marcha instável e cambaleante, alteração do equilíbrio, nistagmo, deficit na atenção, alteração da acuidade visual e visão periférica – fls. 373 (art. 5.º do Código de Processo Civil)
Das consequências do acidente
28. Na sequência do referido acidente, o autor sofreu um traumatismo crânio-encefálico grave, que causou grandes mudanças na sua personalidade e no seu quotidiano: TCE com lesões frontais e sequelas cognitivas e funcionais importantes com desvalorização fixada em 50 pontos. E dano estético fixado em 5 de 7 – fls. 21 v./524 (art. 11.º da petição inicial). O autor sofreu de politrauma, tendo apresentado uma grave contusão hemorrágica cerebral frontal, uma hemorragia subaracnoídea e ainda fracturado vários ossos da face – fls. 185 (art. 13.º da petição inicial)
29. O autor foi assistido de imediato no Hospital ..., onde deu entrada pelas 3H09 do dia 3 de Fevereiro e no qual permaneceu internado durante 19 dias – fls. 185 (arts. 12.º da petição inicial e 30.º da contestação da Seguradora)
30. No momento de admissão no referido hospital, o autor não se encontrava plenamente consciente, apresentando o valor de 7 em 15 na Escala de Glasglow, tendo de imediato sido entubado e ventilado e posteriormente transferido para a Unidade dos Cuidados Intensivos – fls. 185/187 v. (art. 15.º da petição inicial)
31. Em resultado dos traumatismos, o autor desenvolveu risco de convulsões, e convulsões, razão pela qual esteve submetido a uma terapêutica anticonvulsiva – fls. 29 (art. 14.º da petição inicial)
32. O autor sofreu ainda actividade convulsiva no Hospital ..., para a qual foi medicado – fls. (art. 19.º da petição inicial)
33. O autor foi submetido a vários exames médicos, entre os quais análises e uma Tomografia Axial Computadorizada (TAC), repetida no dia 8 de Fevereiro, que depois foi outra vez repetida no dia 20 de Fevereiro – fls. 183 v./186/187 (art. 16.º da petição inicial)
34. O autor foi também observado por uma equipa de médicos neurologistas, que decidiu inserir um sensor ICP (Integrated circuit piezoelectric sensor), que foi posteriormente removido a 11 de Fevereiro de 2013 (art. 17.º da petição inicial). Nessa altura, foi o autor então extubado
35. (art. 18.º da petição inicial)
36. No dia 21 de Fevereiro de 2013, o autor foi transferido por meio de ambulância aérea para o ... (...), em ..., na
37. Já neste hospital, o autor repetiu a TAC, a qual revelou uma melhoria parcial das anomalias apresentadas inicialmente (art. 21.º da petição inicial)
38. A 6 de Março de 2013, o autor foi novamente transferido, desta vez para o ... (...), em ... na República ..., onde permaneceu até 17 de maiô de 2013 – fls. 21 v. (art. 22.º da petição inicial)
39. Durante essa mesma transferência o autor, não obstante já apresentar mobilidade física, encontrava-se muito confuso – fls. 21 v. (art. 23.º da petição inicial)
40. No momento de admissão ao ..., o autor apresentava vários sintomas, tais como: défice visual; amnésia pós-traumática; lentidão de processamento de informação; desorientação geográfica; anosognosia; fadiga; disfagia e; fraqueza em geral – fls. 21 v. (art. 24.º da petição inicial)
41. O autor ficou sujeito a uma dose de medicação (fenitoína, levetiracetam e risperidona), que foi reduzida ao longo da sua estadia no ..., mantendo levetiracetam; e ramipril, furosemida, almodipina, losartan e bisoprolol, tendo suspendido todos. À data da alta a medicação era a seguinte: levetiracetam, forticreme e esomeprazol – fls. 21 v. (art. 25.º da petição inicial)
42. Durante o período de internamento neste estabelecimento, o autor estava sob medicação de anti-hipertensivos, a qual foi retirada durante a sua estadia no hospital, tendo-se mantido um bom controlo da pressão arterial – fls. 21 v. (arts. 26.º e 27.º da petição inicial)
43. O autor continuou a fazer medicação de Bisoprolol (tratamento da hipertensão) que interrompeu a 10 dias de receber alta, momento em que se descobriu ser bradicardíaco – fls. 21 v. (art. 28.º da petição inicial)
44. No que concerne aos danos maxilares e faciais, o autor foi acompanhado pelo Dr. FF no ... que, na sua última consulta a 26 de Abril de 2013, relatou que as fracturas do lesado estavam a sarar em boas condições – fls. 21 v. (art. 29.º da petição inicial)
45. O autor foi então aconselhado a permanecer numa dieta de alimentos moles durante pelo menos um mês, de modo a facilitar a recuperação dos ossos da face – fls. 21 v. (art. 30.º da petição inicial). Nesse sentido, foi o autor posteriormente observado por um terapeuta da fala do ..., que confirmou que o lesado não apresentava quaisquer problemas de deglutição – fls. 21 v. (art. 31.º da petição inicial)
46. Relativamente à sua independência para as actividades básicas da sua vida diária, e no momento de admissão no ..., o autor apresentou uma pontuação de 83 (moderada dependência) no índice de GG – que avalia o nível de independência do sujeito para a realização de dez actividades básicas de vida diária-, tendo passado para a pontuação máxima de 100 (independência) no momento da saída do hospital – fls. 21 v. (art. 32.º a 34.º da petição inicial)
47. No respeitante à sua mobilidade e capacidades físicas, o Autor apresentou desequilíbrio nos movimentos, fraqueza no membro inferior esquerdo e ainda fraqueza e restrições nos movimentos do ombro esquerdo – fls. 21 v. (art. 35.º da petição inicial)
48. O autor também revelou muitas restrições nos movimentos do pescoço, tendo-se mostrado muito relutante em deitar-se sem o apoio de pelo menos duas ou três almofadas – fls. 21 v. (art. 36.º da petição inicial)
49. Ao longo do período de internamento no ... mostrou o autor várias melhorias relativamente ao seu equilíbrio, mobilidade e destreza, capacidades essas que se encontravam debilitadas – fls. 21 v. (art. 37.º da petição inicial)
50. Tais melhorias foram comprovadas através de vários testes de medição de resultados, realizados no início do internamento e repetidos no momento em que o lesado teve alta, tendo os respectivos resultados sido os seguintes: Quanto à medida DGI (Dynamic Gait Index), que visa demonstrar a probabilidade de queda durante o movimento, revelou uma pontuação de 16 em 24, tendo evoluído para a pontuação máxima no segundo teste; relativamente à medida BBS (Berg Balance Scale), que consiste em medir o equilíbrio em pé e que é usada para prever quedas, apresentou o Autor uma pontuação de 43 em 56; quanto à terceira medida, na qual teria de percorrer 10 metros a pé, fê-lo o autor em 11,5 segundos, tendo, no momento em que teve alta, percorrido a mesma distância em apenas 7,3 segundos; em termos de cadência, foi registada uma diminuição destes valores, uma vez que, no momento da admissão, o autor percorria cerca de 115 passos num minuto, percorrendo apenas 78 passos no mesmo período de tempo, no momento em que teve alta; para testar a sua destreza com as mãos, foi sugerido ao autor a realização de um teste no qual teria de encaixar nove pinos nos respectivos buracos numa caixa: com a mão direita, o autor evoluiu de uma pontuação de 31,75 para 21,03, sendo que o valor normal seria de 20,9; e com a mão esquerda, evoluiu o autor de uma pontuação de 27,98 para 21,85, sendo que o valor normal seria de 21,64 – fls. 21 v. (arts. 38.º a 43.º da petição inicial)
51. Apesar das melhorias, tanto a coluna cervical como a cintura escapular do autor continuam afectadas e com movimentos restritos – fls. 21 v. (art. 44.º da petição inicial). Consequentemente, foi o autor aconselhado a fazer sessões de fisioterapia, tendo sido indicado para o ..., para dar continuidade ao tratamento do pescoço – fls. 21 v. (art. 45.º da petição inicial)
52. Relativamente ao seu contexto familiar, o autor vivia com a sua esposa e um filho e tinha marceneiro/estofador, tendo gerido o seu próprio negócio até 2010 – fls. 21 v. (art. 46.º da petição inicial)
53. Em consequência do acidente, o autor ficou incapacitado para trabalhar – fls. 29/524 (art. 47.º da petição inicial)
54. No seu quotidiano, demonstrou o autor ter capacidade para desempenhar as suas tarefas diárias, ainda que com algum esforço e tempo extra e necessidade de ajuda de terceiro – fls. 29/524 (art. 48.º da petição inicial)
55. No entanto, e no que concerne às tarefas domésticas mais complexas, tais como gerir as contas domésticas, mostrou o autor ter dificuldades com as mesmas, pelo que necessitava de assistência – fls. 524 (art. 49.º da petição inicial)
56. Devido às fracturas sofridas, o autor frequentou também várias sessões de terapia do discurso e da fala – fls. 21 v. (art. 50.º da petição inicial)
57. No dia 14 de Março de 2013, foi administrado ao autor a Cedars’ Information Processing & Complex Auditory Battery. Em resultado, revelou o autor uma pontuação inferior aos parâmetros normais relativamente à sua orientação, atenção auditiva, capacidade de organização, processamento auditivo, memória de histórias, período de digitação, associação na aprendizagem e compreensão de textos – fls. 21 v. (art. 51.º e 52.º da petição inicial)
58. Como tal, esteve o autor sujeito a uma terapia focada em melhorar o processamento de informação – fls. 21 v. (art. 53.º da petição inicial). Tais sessões basearam-se no uso de estratégias internas e externas para facilitar a retenção e memória de informação escrita ou oral – fls. 21 v. (art. 54.º da petição inicial)
59. Em resultado, durante o período em que esteve internado, demonstrou o autor melhorias significativas, tanto na memória mais recente, como na tardia – fls. 21 v. (art. 55.º da petição inicial)
60. Relativamente à deglutição, o autor esteve sujeito a uma dieta especial de alimentos moles e fluídos de 1º grau de espessura – fls. 21 v. (art. 56.º da petição inicial). Durante um mês, foi o autor aconselhado pelos médicos especialistas em maxilares a permanecer na referida dieta, devido às fracturas sofridas – fls. 21 v. (art. 57.º da petição inicial)
61. No momento em que teve alta, o autor recebeu autorização médica para fazer uma dieta normal e ingerir líquidos sem quaisquer limitações relativamente à espessura – fls. 21 v. (art. 58.º da petição inicial)
62. Da avaliação feita ao raciocínio cognitivo do autor, apuraram-se algumas dificuldades – fls. 21 v. (art. 59.º da petição inicial)
63. No momento de entrada no ..., o autor sofria de Amnésia Pós-Traumática que durou, aproximadamente, seis semanas – fls. 21 v. (art. 60.º da petição inicial)
64. Foram feitos vários testes para avaliar as capacidades cognitivas do autor, cujos resultados revelaram que este exprimia dificuldades em resolver problemas, mostrando-se também relutante em pedir ajuda espontaneamente – fls. 21 v. (art. 61.º da petição inicial)
65. O autor apresentou igualmente um nível alarmante de consciência em relação ao impacto do acidente, relativamente às dificuldades sentidas nas suas funções cognitivas – fls. 21 v. (art. 62.º da petição inicial). O autor, porém, demonstrou habilidade em transmitir as suas dificuldades, mostrando igualmente habilidade nas estratégias que usa para as poder compensar – fls. 21 v. (art. 63.º da petição inicial)
66. Relativamente à sua visão, o autor já usava lentes para corrigir o seu défice visual, tendo actualmente mais dificuldade em ver as irregularidades existentes ao nível do solo – fls. 21 v. (art. 64.º da petição inicial)
67. Com o traumatismo sofrido, a visão do autor encontrava-se desfocada, chegando este a ver em duplicado. No entanto, os sintomas acima indicados acabaram por desaparecer ao longo do tratamento – fls. 21 v. (arts. 65.º e 66.º da petição inicial). Para combater as dificuldades referidas, foi inicialmente realizada uma intervenção, focada numa abordagem de aprendizagem sem erros para orientação do lesado – fls. 21 v. (arts. 66.º e 67.º da petição inicial)
68. O autor também frequentou várias sessões educativas individuais no ..., para que pudesse reconstruir a sua visão sobre a sua força cognitiva e ultrapassar os desafios que enfrenta e o impacto dos mesmos no funcionamento das ditas funções, passando o seu treino também por várias estratégias direccionadas para a sua memória – fls. 21 v. (art. 68.º da petição inicial)
69. Uma vez que o processamento de informação foi uma das funções afectadas pelo acidente, continuou o autor no processo de treino, consistindo este em actividades que visavam, acima de tudo, melhorar o dito processamento – fls. 21 v. (art. 69.º da petição inicial)
70. Considerando as limitações sofridas, o médico fez várias recomendações para dar continuidade à recuperação do autor, passando as mesmas pela transmissão a este de pequenas quantidades de informação de cada vez, assim como pela concessão de tempo extra para que este processe a informação e responda – fls. 21 v. (art. 70.º da petição inicial).
71. Foi também recomendado que apenas uma pessoa de cada vez falasse com o autor e com o mínimo número possível de distracções – fls. 21 v. (art. 71.º da petição inicial)
72. O autor deveria também fazer tantas pausas quanto as que necessitasse ao longo do dia, uma vez que a fadiga que enfrenta é uma das consequências das lesões cerebrais e afecta as suas capacidades cognitivas – fls. 21 v. (art. 72.º da petição inicial)
73. No respeitante ao humor e comportamento, durante o tempo em que esteve internado, o autor frequentou cerca de três sessões de grupo que revelaram sintomas de ansiedade e depressão – fls. 21 v. (art. 73.º da petição inicial)
74. O autor teve a oportunidade de ir a casa aos fins-de-semana, durante o período em que esteve internado – fls. 21 v. (art. 74.º da petição inicial)
75. Nesse período, o próprio e a família tiveram a oportunidade de observar de perto não só a fraca velocidade de processamento de informação do autor, bem como os efeitos da fadiga – fls. 21 v. (art. 75.º da petição inicial)
76. O autor foi também alertado pelo médico para se abster do consumo de álcool, uma vez que o mesmo não só punha em risco a sua recuperação, como promovia o risco de convulsões – fls. 21 v. (art. 76.º da petição inicial)
77. Durante o seu tratamento, o autor saiu duas vezes, de modo a ser testada a sua segurança ao atravessar uma estrada, tendo revelado várias dificuldades uma vez que evidenciou uma velocidade, percepção e processamento da informação muito reduzidos – fls. 21 v. (art. 77.º da petição inicial)
78. Ao desempenhar outras tarefas, o autor também mostrou dificuldades na resolução de problemas, tais como ao encontrar um objecto numa prateleira ou ao lhe ser pedido para encontrar um banco numa rua, tendo subido e descido a mesma rua sete vezes, ao invés de ter perguntado a alguém – fls. 21 v. (art. 78.º da petição inicial)
79. Na condução, foi feita uma avaliação física ao autor, fora da estrada, a fim de se verificar a sua aptidão, com base na força das pernas e mobilidade em geral, flexibilidade da cabeça e pescoço, acuidade visual de alto e baixo contraste, memória visual, visualização de informação em falta e pesquisa visual – fls. 21 v. (art. 79.º da petição inicial). O resultado da avaliação acima referida traduziu-se numa leve deficiência relativamente à percepção visual, mas numa grave deficiência quanto à flexibilidade da cabeça e pescoço – fls. 21 v. (art. 80.º da petição inicial). Por conseguinte, o autor não obteve autorização médica para fazer outra avaliação, desta vez na estrada – fls. 21 v. (art. 81.º da petição inicial)
80. No momento em que o relatório médico foi realizado, o autor não tinha autorização para conduzir, sendo que essa possibilidade apenas poderia ser revista passados quatro meses – fls. 21 v. (art. 82.º da petição inicial)
81. O autor sofreu dores intensas durante um largo período, dores essas que lhe causaram um enorme mal-estar e um estado de agonia, e que consequentemente se traduziram num estado psicológico debilitado e num quantum doloris de 5 em 7 – fls. 524 (art. 86.º da petição inicial)
82. O autor deixou de poder exercer actividades práticas da vida quotidiana, tais como conduzir. A incapacidade total foi de 105 dias e a parcial de 462 dias. Foi fixado o grau 3 em 7 no que se refere à repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer – fls. 524 (art. 88.º da petição inicial)
83. Em maiô de 2017, o autor “não se encontra apto para regressar ao emprego remunerado”, nem “voltará a trabalhar de novo” (fls. 128 v.), o que sucedeu (arts. 87.º e 99.º da petição inicial e art. 5.º do Código de Processo Civil)
84. A data da consolidação médico-legal das lesões ocorreu em 22 de Agosto de 2014. – fls. 526 v.
85. Foi calculado o valor do capital da perda de rendimentos do autor, ponderando que trabalharia e auferiria € 506/semana, a sua idade, a idade de reforma, a jurisprudência irlandesa relevante mais recente, as taxas de juro atuariais aplicáveis e as Estatísticas de Mortalidade da População Irlandesa mais recentes e disponíveis, ascende a um máximo de € 188.540, Valor esse correspondente à soma do montante de € 115.676, relativo a perda de rendimentos passados, e do montante de € 72.864, relativo à perda de rendimentos futuros – fls. 128 v. (arts. 116.º e 117.º da petição inicial)
86. A mulher do autor incorreu em despesas no período em que o marido esteve no hospital em Portugal, e o autor pagou montante não apurado de despesas hospitalares do ... – fls. 32 v. e ss. /251 v./260 (art. 119.º da petição inicial)
87. No ano de 2013 o autor recebeu um subsídio por incapacidade do Estado irlandês de € 6613,60; no ano de 2014, € 10 343; no ano de 2015, € 10 347; no ano de 2016, € 10 520,80; no ano de 2017, € 10 735,10. A mulher beneficiou de subsídio de desemprego entre 8 de Março de 2011 e 9 de Abril de 2013, passando a receber um subsídio pessoal e um subsídio por adulto dependente de € 312,80/semana – fls. 298/299/300/301/302 (art. 84.º da contestação da Seguradora)
*
B) – O Direito 1. Com a presente acção pretendia o A. ser indemnizado pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos na sequência da queda na escada de acesso à fracção de que era proprietário, no 3º andar do prédio identificado nos autos, assacando tal responsabilidade ao condomínio do prédio, pela falta de segurança na dita escada, por erros construtivos, e à seguradora, esta, por via do contrato de seguro celebrado com a 1ª R., invocando os pressupostos da responsabilidade civil previstos no artigo 483º do Código Civil e, bem assim, a aplicação da norma do n.º 1 do artigo 493º do mesmo código.
Na sentença julgou-se a acção improcedente, porquanto se entendeu, em síntese, que os erros de construção verificados nos degraus e corrimão da escada exterior de acesso ao 3º andar não eram da responsabilidade do condomínio, mas sim do construtor e do Município ... (não demandados), em face da licença de construção e de utilização concedidas, que não foram antes reportadas ao condomínio quaisquer queixas relativas à segurança do edifício, sendo que o A. era proprietário do apartamento (adquirido em 02/11/2004), ao qual acedia há mais de oito anos, “deslocando-se a Portugal e aqui ficando alojado com a família, conhecendo, pois, o local muito bem”, e que ocorreu também culpa do lesado na produção do evento danoso, pelo facto de se ter provado que o lesado estava embriagado, com uma TAS de 3g/l, “e subia as escadas de acesso ao seu apartamento, de noite, sabendo que a alcoolemia provoca dificuldades de coordenação e de reacção …”, sendo de excluir a responsabilidade do condomínio (cf. artigo 570º do Código Civil).
A recorrente (o cônjuge habilitado do entretanto falecido A.) discorda do decidido, pois entende que o que determinou a queda do A. no vão das escadas foi a violação das normas de segurança relativas à construção e montagem dos guarda corpos e corrimões, não tendo contribuído em nada o estado de embriaguez em que se encontrava o A., que a responsabilidade do condomínio, nos termos do artigo 493º do Código Civil, é uma “responsabilidade independentemente de culpa” e que nem o condomínio nem a seguradora demonstraram que o acidente teria sempre ocorrido por culpa exclusiva do autor ou que o mesmo teria ocorrido independentemente de qualquer conduta omissiva da administração do condomínio.
Vejamos:
2. No artigo 483º, n.º 1, do Código Civil indicam-se os princípios gerias da responsabilidade civil por factos ilícitos, estabelecendo-se que “[a]quele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Assim, são pressupostos de que depende o direito de indemnização assente nesta modalidade da responsabilidade civil: o facto voluntário do agente; a ilicitude; a culpa; o dano; e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (cf. Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 12.ª edição, Almedina, pág. 557, e Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 10.ª edição, Vol. I, pág. 526).
Como se diz no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 23/11/2017 (processo n.º 1777/15.4T8LLE.E1), disponível como os demais citados, sem outra referência, em www.dgsi.pt: «O primeiro dos enunciados pressupostos é a existência de um comportamento - que não tem de consistir necessariamente numa acção, podendo traduzir-se numa omissão - posto que seja dominável pela vontade. Todavia, no caso das omissões, e como resulta do disposto no art.º 486.º, a imputação ao agente da conduta omissiva exige que sobre ele recaia o dever de praticar o acto omitido, uma vez que inexiste um dever genérico de evitar a ocorrência de danos. [ Menezes Leitão, “Direito das obrigações”, vol. I, 9.ª ed., pág. 296, e também Carneiro da Frada, “Contrato e deveres de protecção”, Coimbra 1994, págs. 163-165. Segundo este autor estão em causa situações em que a violação da propriedade ou da integridade pessoal não resultou de um ataque directo ou imediato a esses bens, ainda que negligente, e sim de uma conduta que só mediatamente a produziu, ou que se traduziu então na não observância de um dever de cuidado que a teria certamente evitado. E foi a propósito destas hipóteses, em que o dano se produziu já para além do quadro do decurso da acção que o originou, ou então por virtude de uma omissão, que se desenvolveram os chamados deveres de segurança no tráfico. Estes deveres cumprem dogmaticamente duas funções: a de assinalar os termos da equiparação à acção no campo da violação dos direitos de outrem, preenchendo assim a previsão delitual, por um lado; e a de proporcionar os quadros de tratamento das chamadas ofensas mediatas dos bens delitualmente protegidos, sobretudo do ponto de vista da fixação do juízo de ilicitude, por outro. Materialmente eles exprimem, quanto a este último aspecto, a reprovação de fazer perigar certas posições jurídicas, impondo àquele que cria ou mantém uma situação especial de perigo a adopção de providências adequadas a prevenir os danos que ela pode ocasionar].
E, como se acrescenta no mesmo aresto, tal específico dever pode resultar de contrato ou ser imposto por lei, como ocorre na previsão dos artigos 491.º, 492.º e 493.º, havendo que ter em consideração, neste domínio, os denominados deveres de prevenção do perigo (ou, noutra terminologia, deveres de segurança no tráfico), cujo acolhimento permite estender a responsabilidade delitual por omissão a todo aquele que, exercendo o domínio de facto sobre uma coisa, móvel ou imóvel, ou determinada actividade, sendo aquela e esta susceptíveis de causar danos a terceiro, não tome as providências destinadas a evitá-los [Menezes Leitão, ob. cit., pág. 297].
A existência de um dever genérico de prevenção impõe assim ao criador ou mantenedor de uma situação especial de perigo que proceda à sua remoção, sob pena de responder pelos danos provenientes da omissão. Os deveres em causa têm a ver com a prevenção dos perigos em locais privados ou públicos (estradas, edifícios), relacionados com coisas ou actividades perigosas, deles sendo projecção, entre outras, as citadas disposições legais – artigos 492.º e 493.º -, nelas surgindo a posição do lesante agravada pela presunção de culpa [cf. Antunes Varela, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 114.°, págs. 77-79].
Como se concluiu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02/06/2009 (proc. n.º 560/2001.S1): «I- O dever genérico de prevenção do perigo ou dever de segurança no tráfico existe relativamente aos donos de coisas privadas, ainda que imóveis, devendo aferir-se o grau de exigência do obrigado à prevenção do perigo, [na tomada de medidas aptas a evitar o maior ou menor risco de acidente que a coisa representa] pela maior ou menor probabilidade do risco de acidente; II- Quanto mais intenso for o perigo mais intensa é a obrigação de o prevenir adequadamente, e, em caso de omissão, mais exigente deve ser o juízo de censura.» [com referência à violação do dever genérico de prevenção do perigo, veja-se ainda, os acórdãos, do Supremo Tribunal de Justiça de 11/7/2013 (proc. n.º 95/08.9TBAMM.P1.S1), e de 6/2/2009 (proc. n.º 560/2001.S1), e da Relação do Porto, de 14/11/2011 (proc. n.º 5632/07.3TBMAI.P1), este versando sobre queda em piso escorregadio à saída de um restaurante].
3. Para resolução do caso concreto, importa ainda reter que o acidente ocorreu nas escadas de acesso do prédio, portanto na zona comum integrante do condomínio, pelo que há que ponderar a aplicação da norma do nº 1 do artigo 493º do Código Civil, onde se estipula que: “Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.”
Neste preceito estabelece-se uma presunção de culpa por parte de quem tem a seu cargo a vigilância de coisas ou de animais, constituindo mais uma excepção à regra do n.º 1 do artigo 487º do Código Civil, mas não se altera o princípio do artigo 483º de que a responsabilidade depende de culpa. Trata-se, portanto, de responsabilidade delitual e não de responsabilidade pelo risco ou objectiva (cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição revista e actualizada, pág. 495).
Por conseguinte, não se mostra correcta a conclusão do A./Recorrente quando afirma que a responsabilidade prevista e regulada no artigo 493º do Código Civil é independente de culpa.
Não obstante na norma em causa estar ínsita uma presunção de culpa, para responsabilização do obrigado aos deveres de vigilância, como não podia deixar de ser, não se prescinde da verificação dos demais pressupostos da responsabilidade civil, acima enumerados, previstos no artigo 483º do Código Civil.
Efectivamente, como se diz no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13/04/2023 (proc. n.º 23707/19.4T8LSB.L1.S1):
«I - O artigo 493º, nº1, do CCivil, consagra uma presunção de culpa quanto aos danos causados por coisas, móveis ou imóveis, que recai sobre quem tem o dever de vigiar o seu estado, de forma que não causem danos a terceiros;
II - No entanto, é ao autor que cabe provar a ocorrência do dano e o nexo causal entre o mesmo e a coisa sujeita a vigilância»
4. Não subsistem dúvidas nos autos de que a queda do A. ocorreu nas escadas, que constituem parte comum do prédio constituído em propriedade horizontal, assim pertencendo, em regime de compropriedade, a todos os condóminos, cabendo todavia a sua administração à assembleia de condóminos e a um administrador (cf. artigos 1420º, nº 1, e 1430º, n.º1, do Código Civil). Neste complexo de poderes incluem-se naturalmente os deveres de vigilância e conservação destas partes comuns.
Alega a recorrente que foi a violação das normas se segurança relativas à construção e montagem dos corpos e corrimões que determinou a queda do A. no vão da escada, nada tendo contribuído para o efeito o estado (de embriaguez) do A..
No caso em apreço, apurou-se que o edifício em causa foi construído ao abrigo do Alvará de Licença de Construção nº ...1 e que, após a conclusão da obra, foi emitido, em ../../2003, pela Câmara Municipal ..., o Alvará de Licença de Utilização nº ...06, e que Eng. Técnico Civil DD, inscrito na Câmara Municipal ... com o nº 508, foi o autor do projecto de arquitectura e o Eng. Técnico Civil EE, inscrito na Câmara Municipal ... com o nº ...24, foi o responsável pela execução da obra.
Mais se provou que o edifício não possui elevador, pelo que o acesso às fracções é efectuado através das escadas exteriores e varanda existente em cada um dos pisos, sendo que a escada de acesso ao terceiro piso “apresenta erros construtivos que violam algumas exigências regulamentares e as boas práticas de construção de edifícios”, designadamente, quanto à altura do corrimão e ao nível dos degraus, como consta dos pontos 10 a 12 dos factos provados.
É certo que, como se diz na sentença, tais deficiências construtivas não só violam o projecto de construção e as boas práticas de construção de edifícios, como infringem regras regulamentares relativas à segurança das edificações.
Mas os factos provados não permitem concluir que tenham sido as deficiências nos degraus que originaram o desequilíbrio do A. na escada, nem que a queda do A., com as consequências verificadas, se deveu unicamente às deficiências apontadas ao corrimão, que não contribuiu para aparar a queda.
Senão vejamos:
O A., que era proprietário do apartamento situado no imóvel em causa desde há cerca de 8 anos, conhecia o edifício e as escadas que utilizava no acesso à sua fracção no 3º andar, estando igualmente provado que no dia 2 de Fevereiro de 2013, tinha saído de casa com a mulher pelas 16H00, depois de jantar, para ir às compras, passear, e pelas 20H30 entraram num bar onde permaneceram até cerca das 23H30. Aí ingeriu bebidas alcoólicas, como cerveja e irish cofee, tendo regressado a casa de autocarro. Quando, depois das 23H30 e antes das 3H00, se dirigia ao apartamento, o autor, ao subir um lance de escadas, desequilibrou-se, tendo, em consequência, galgado o corrimão e sofrido uma queda de 8 metros de altura, pois o mesmo, também em virtude da respectiva altura, não contribuiu para amparar a queda.
E provou-se ainda que “na origem do desequilíbrio esteve também a taxa de alcoolemia que o autor apresentava, na altura, uma alcoolemia de 309 mg/dl, que corresponde a 3,09 g/l …” (ponto 27 dos factos provados).
Desta factualidade resulta, pois, que o A. desequilibrou-se ao subir a escada e sofreu uma queda de 8 metros, tendo galgado o corrimão pois o mesmo, em virtude da sua altura, não contribuiu para amparar a queda, e que na origem do desequilíbrio esteve também o estado de alcoolémia do A..
Em face desta factualidade, não se pode concluir que ficou provado que o desequilíbrio do A., que está na origem da queda da escada, foi provocado pelas deficiências de construção da mesma, designadamente ao nível dos degraus, sendo lícita a conclusão que tal ocorreu devido ao elevado estado de embriaguez do A..
Note-se que o A. acusou uma TAS de 3g/l, e, neste estado, subia as escadas de acesso ao seu apartamento, de noite, sabendo que a alcoolemia provoca dificuldades de coordenação e de reacção e, como se consignou na sentença: «Os sintomas da intoxicação aguda por álcool são dose-dependentes, portanto, relacionados com o valor da concentração de etanol no sangue, sendo que existe variabilidade individual quanto aos efeitos associados, nomeadamente, devido a eventual tolerância desenvolvida e decorrente dos hábitos de consumo. Em abstracto, considerando uma concentração de álcool no sangue (TAS) de 309 mg/dl (3g/l), os sintomas mais comuns serão: alterações do humor ou do comportamento, fala arrastada, alterações da coordenação motora, marcha instável e cambaleante, alteração do equilíbrio, nistagmo, deficit na atenção, alteração da acuidade visual e visão periférica»
E são tão graves as consequências do álcool na capacidade de coordenação e reacção que o legislador proíbe a condução com taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,5 g/l (cf. artigo 81º do Código da Estrada na redacção em vigor à data do evento), constituindo crime a condução com taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, sendo punível com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal, nos termos do artigo 292º do Código Penal [Com a redacção dada pela Lei n.º 72/2013, de 3 de Setembro, passou a ser proibido conduzir com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,2 g/l para novos condutores (durante os 3 primeiros anos de validade da carta de condução), condutor de veículo de socorro, ou de serviço urgente, de transporte colectivo de crianças e jovens até aos 16 anos, de táxi, de automóvel pesado de passageiros ou mercadorias, ou de transporte de mercadorias perigosas – art. 81.º, n.º 7, do Código da Estrada]
Assim, sabendo-se que o A. conhecia bem o local, e, bem assim, a escada de acesso à sua fracção, e não resultando apurado que o desequilíbrio ocorreu pelas deficiências dos degraus da escada, nem havendo notícia de situações idênticas, a não ser a escorregadela que a mulher do A. diz ter sofrido, mas que não reportou, nem se sabe como ocorreu, outra conclusão se não retira, senão a de que na origem do desequilíbrio do A. esteve o elevado estado de embriaguez em que o mesmo se encontrava.
E não se diga que o estado de embriaguez não foi causal, visto o A. ter subido os primeiros lances de escada sem cair, pois, é natural que as dificuldades de equilíbrio e reacção se tenham manifestado, com maior incidência, após o esforço que o A. teve que fazer para subir até ao 3º andar, atento o estado em que se encontrava.
Foi, pois, esta conduta gravemente negligente do A. a causa que despoletou o evento danoso.
Porém, está provado que, ao subir o lanço de escadas, o A. desequilibrou-se, “tendo, em consequência, galgado o corrimão e sofrido uma queda de 8 metros de altura, pois o mesmo, também em virtude da respectiva altura, não contribui para amparar a queda”, pelo que se entende que tais deficiências, embora não tenham sido a causa imediata do evento, contribuíram, pelo menos, para o agravamento dos danos sofridos pelo A..
É certo que o edifício tinha licença de utilização, que atesta a conformidade da construção, e que não está provado que o condomínio conhecesse os erros construção, não lhe tendo sido comunicado qualquer falta de segurança do edifício, mas sobre o R. impende o dever de vigilância da coisa, e não se mostra ilidida a presunção de culpa que sobre o mesmo recai, nos termos previstos no artigo 493º, nº 1, do Código Civil.
Assim, para a produção do evento danoso com a dimensão verificada, em face dos factos provados, concorreram as deficiências no corrimão da escada, imputáveis ao R. Condomínio a título de culpa presumida, e a conduta culposa, efectiva, do lesado, ao subir a escada, de noite, com uma taxa de alcoolemia de 3,09 g/i, sabendo que tinha que subir ao 3º andar, com os consequentes riscos do seu estado de embriaguez, que conhecia, a qual, nas circunstâncias dos autos, assume foros de maior gravidade.
5. Como se prescreve no artigo 570º do Código Civil: «1. Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída. 2. Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar.»
Assim, concluindo-se pela verificação dos pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, em aplicação das disposições conjugadas dos artigos 483º, nº 1, e 493º, nº 1, do Código Civil, havendo concorrência de culpas, em face da culpa presumida do R., e estando provada a culpa do lesado, como é o caso, mostra-se excluído o direito de indemnização, nos termos do n.º 2 do artigo 570º do Código Civil.
6. Em face do exposto, improcede a apelação, com a consequente confirmação da sentença recorrida.
* IV – Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo da apelante.
*
Évora, 12 de Setembro de 2024
Francisco Xavier
Maria Adelaide Domingos
Manuel Bargado
(documento com assinatura electrónica)