1. Para se aferir se as partes celebraram um único contrato de empreitada ou vários contratos de empreitada é preciso atender aos termos da contratação e sobretudo à identificação da obra encomendada pelo dono da obra ao empreiteiro, porquanto o traço distintivo do contrato de empreitada de outros contratos de prestação de serviço igualmente sinalagmáticos e onerosos, é a existência da «obra» por ser esta a causa típica ou a função económica da empreitada e que se refere ao ato que o empreiteiro se obrigou a realizar.
2. Resultando provado que, apesar das partes serem as mesmas, em momentos temporais diferentes foram encomendadas diferentes obras à Ré (empreiteira), mediante o pagamento de um determinado preço em relação a cada uma delas, o que foi precedido da apresentação de orçamentos próprios e aceitação (adjudicação) individualizada pela dona da obra (Autora), é de concluir que foram realizados diversos contratos de empreitada.
3. A conclusão de uma obra com defeitos, aceite pelo dono da obra que pagou o respetivo preço, concede-lhe os direitos enunciados nos artigos 1221.º a 1223.º do Código Civil, e pela ordem aí estabelecida.
4. O abandono da obra inacabada pelo empreiteiro evidencia incumprimento definitivo suscetível de determinar a resolução do contrato por parte do dono da obra, conferindo-lhe o direito a ver restituída a parte do preço já pago, assistindo ao empreiteiro o direito de levantar os equipamentos implementados.
(Sumário elaborado pela relatora)
Causa de pedir
Mediante orçamentos apresentados pela Ré à Autora esta incumbiu-a de fornecer e proceder à instalação de painéis fotovoltaicos com baterias e bomba de calor, fornecimento e montagem de oito aparelhos de ar condicionado.
A Ré procedeu à realização de tais trabalhos de forma deficiente, nomeadamente os painéis fotovoltaicos não correspondem ao acordado; não entregou nem instalou os inversores, controlador e baterias; instalou uma bomba de calor inferior ao acordado que funciona deficientemente; só instalou sete aparelhos de ar condicionado que também funcionam deficientemente.
Contestação
A Ré contestou por exceção e por impugnação, apenas admitindo ter celebrado com a Autora os contratos descritos nos artigos 5° a 11°, 13°, 16° e 23° da petição inicial.
Por exceção invocou a exceção de não cumprimento e alegou que suspendeu os trabalhos (não colocação das baterias dos painéis solares) por a Autora não lhe ter entregue uma viatura que correspondia ao pagamento de parte do preço.
Por impugnação, em suma, defendeu que cumpriu o acordado com a Autora e que a realização dos trabalhos não apresenta vícios/defeitos.
Deduziu pedido reconvencional pedindo a condenação da Autora a pagar-lhe €2.760,00 devidos a título de IVA referentes aos pagamentos das quantias de €750,00, €6.000,00 e €5.250,00 pelo fornecimento e montagem do automatismo do portão, ar condicionado e bomba de calor.
Réplica
A Autora replicou defendendo a improcedência do pedido reconvencional.
A Réplica foi aceite apenas parcialmente (despacho 04-05-2020, ref.ª ...82).
Audiência Prévia
Para além do mais, e no que releva para a apreciação do recurso, foi admitida a reconvenção e a realização de prova pericial, cujo relatório foi posteriormente junto aos autos.
Sentença
Julgou a ação improcedente, absolvendo a Ré do pedido.
Julgou o pedido reconvencional procedente condenando a Autora/Reconvinda a pagar à Ré/Reconvinte a quantia de € 2.750,00.
Recurso
Apelou a Autora, pugnando pela revogação da sentença, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
A) O presente recurso vem interposto da Sentença de fls. dos autos, que, por um lado, decidiu julgar a ação interposta pelo Recorrente improcedente absolvendo a R. do pedido e por outro lado, decidiu julgar procedente, por provado, o pedido reconvencional do Recorrido condenando o A. a pagar à R. a quantia de 2.750,00€.
B) Na esteira do invocado nos pontos 16 a 21 das presentes alegações, o Tribunal a quo deveria ter dado ao facto n.° 25 uma redação distinta daquela que lhe foi dada “25. Dos oito aparelhos de ar condicionado, constantes do orçamento, apenas foram colocados sete aparelhos, (sala jantar, sala de estar, quarto R/C nascente, quarto rés do chão poente, quarto escritório R/C, quarto 1° piso nascente,) 3 já foram reparados (sala de jantar, quarto R/C poente e quarto 1° piso poente) e os restantes 4 funcionam de forma deficiente."., pois considerando o teor do Relatório Pericial elaborado pelo perito, Sr. Eng. AA, resulta terem sido reparados os aparelhos de ar condicionado na sala de jantar, quarto R/C poente e quarto 1.° piso nascente tendo sido escrito "4- Dos oito aparelhos de ar condicionado orçamentados só foram instalados 7 aparelhos (sala jantar, sala estar, quarto R/C nascente, quarto R/C poente, quarto/escritório R/C, quarto 1° piso nascente e quarto 1° piso poente. Neste momento desses 7 equipamentos, 3 já foram reparados (sala de jantar, quarto R/C poente e quarto 1° piso nascente) e os restantes 4 funcionam de forma deficiente." — cfr. Relatório Pericial de 04/06/2021 com a ref.- citius ...49 (por lapso na sentença mencionou-se a data como sendo 24/06/2021), pelo que, deverá revogar-se a decisão que deu como provado o facto n.° 25 da sentença, e substituída por uma outra que substitua a referência "quarto 1° piso poente" para "quarto 1° piso nascente".
C) Quanto ao facto dado como não provado n.° 56, entendeu o Tribunal a quo não ter ficado provado que: "56. Os equipamentos do quarto r/c nascente, quarto escritório r/c não indicam refrigeração insuficiente."- resultando do Relatório Pericial que "Os equipamentos do quarto R/C nascente, quarto/escritório R/C e quarto 1° piso poente apesar de não apresentarem erro de funcionamento no comando, apenas fazem ventilação e tudo indicada que seja gás refrigerante insuficiente, já que nas unidades exteriores os compressores encontravam-se a funcionar. Em relação ao equipamento instalado na sala de estar, o mesmo apresenta o erro 'U0' que significa refrigerante insuficiente”. - cfr. Relatório Pericial de 04/06/2021 com a ref.- citius ...49 (por lapso na sentença mencionou-se a data como sendo 24/06/2021) e tendo o mesmo sido confirmado em audiência pelo Perito - os esclarecimentos ao relatório encontram-se gravados através do sistema integrado de gravação em uso no Tribunal com inicio pelas 15 horas e 18 minutos e termo pelas 15 horas e 58 minutos - , no qual se baseou a decisão sobre este ponto da matéria de facto, permite-nos concluir, exata e justamente, que esse facto deveria ter sido dado como provado, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por uma outra que inclua tal facto no elenco dos factos dados como provados.
D) Relativamente ao facto dado como provado n.° 33 "33. Para que os vários sistemas
sejam colocados a funcionar de acordo com as várias propostas é necessário o seguinte:
. Fornecimento e substituição da bomba de calor 194L por uma bomba de calor de 300L com serpentina solar e resistência de apoio conforme proposto e isolamento da tubagem de água quente e retorno dentro da casa da piscina; (4500€+IVA)
. Fornecimento e substituição da tubagem de retorno AQS existente entre o barbecue e a bomba de calor por tubagem multicamada 16 devidamente isolada; (390€+IVA)
. Relocalização dos painéis solares térmicos para junto da casa da piscina onde se encontra a bomba de calor; (350€+IVA)
. Fornecimento e passagem nova tubagem de cobre devidamente isolada entre a bomba de calor e os painéis solares térmicos; (250€+IVA)
. Fornecimento e montagem de baterias de 9,6kWh, controlador/inversor e respectiva ligação ao quadro AC conforme proposto; (11.400€+IVA)
. Fornecimento e montagem de unidade mono-split 12000btu na cozinha; (750€+IVA)." não se dá por provado tudo o que ficou a constar nesse Relatório Pericial e confirmado em audiência de julgamento pelo Perito que o elaborou, pelo que, como defendemos nos pontos 28 a 33 da Alegações, a decisão recorrida referente ao facto em apreço deverá ser revogada e substituída por uma outra, que inclua na sua redação para além do que nele já consta ainda que: ".Nas unidades de ar condicionado da sala de estar, quarto/escritório R/C, quarto nascente R/C e quarto poente 1°andar será necessário recolher (com filtro secador) o gás refrigerante que ainda consta nas várias unidades. De seguida, é necessário fazer limpeza às tubagens de cobre entre as unidades interiores e exteriores com produto para o efeito em simultâneo com azoto.
Antes de fazer o vácuo a cada sistema, será necessário colocar à carga com 40bar de azoto durante pelo menos 24 horas. Por fim, se não houver fugas no sistema, será o procedimento normal de vácuo e colocação do gás refrigerante (recolhido e adição se necessário). Só desta forma será possível garantir que a instalação fica bem executada. (800€+IVA)
.Fornecimento e substituição da tampa em PVC 60x60 partida na caixa de passagem entre os painéis e a casa da piscina por nova tampa em ferro 60x60; (145€+IVA)". Passando tal facto a ter a seguinte redação: "33. Para que os vários sistemas sejam colocados a funcionar de acordo com as várias propostas é necessário o seguinte:
. Fornecimento e substituição da bomba de calor 194L por uma bomba de calor de 300L com serpentina solar e resistência de apoio conforme proposto e isolamento da tubagem de água quente e retorno dentro da casa da piscina; (4500€+IVA) . Fornecimento e substituição da tubagem de retorno AQS existente entre o barbecue e a bomba de calor por tubagem multicamada 16 devidamente isolada; (390€+IVA)
. Relocalização dos painéis solares térmicos para junto da casa da piscina onde se encontra a bomba de calor; (350€+IVA)
. Fornecimento e passagem nova tubagem de cobre devidamente isolada entre a bomba de calor e os painéis solares térmicos; (250€+IVA)
. Fornecimento e montagem de baterias de 9,6kWh, controlador/inversor e respectiva ligação ao quadro AC conforme proposto; (11.400€+IVA)
. Fornecimento e montagem de unidade mono-split 12000btu na cozinha; (750€+IVA).
.Nas unidades de ar condicionado da sala de estar, quarto/escritório R/C, quarto nascente R/C e quarto poente 1°andar será necessário recolher (com filtro secador) o gás refrigerante que ainda consta nas várias unidades. De seguida, é necessário fazer limpeza às tubagens de cobre entre as unidades interiores e exteriores com produto para o efeito em simultâneo com azoto.
Antes de fazer o vácuo a cada sistema, será necessário colocar à carga com 40bar de azoto durante pelo menos 24 horas. Por fim, se não houver fugas no sistema, será o procedimento normal de vácuo e colocação do gás refrigerante (recolhido e adição se necessário). Só desta forma será possível garantir que a instalação fica bem executada. (800€+IVA)
.Fornecimento e substituição da tampa em PVC 60x60 partida na caixa de passagem entre os painéis e a casa da piscina por nova tampa em ferro 60x60; (145€+IVA)"
E) Quanto ao facto dado como provado n.° 42 -"A Ré viu-se impossibilitada de emitir a fatura em nome da Autora, uma vez que o sistema da Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada por ATA) não reconhece o NIF da sociedade Autora.", resulta dos factos provados n.°s 1 e 2, estar inscrito a favor do Recorrente na Conservatória do Registo Predial ... o prédio misto por compra que efetuou a BB, desse facto - compra - extraímos a conclusão de que o Recorrente teve de liquidar IMT e IS e pagou também os emolumentos notariais dos quais foi emitida a competente fatura que se juntou sob Doc. 3 aos autos através do requerimento eletrónico com a ref.- citius ...22 de 23/09/2022, para, além disso consta igualmente dos autos a fls. 78 uma fatura emitida em 29-07-2019 pela firma N..., Lda. e constam também no documento n.° 17 da petição inicial várias mensagens SMS trocadas entre a Autora e o Réu, numa das quais, datada de 31-03-2019
(documento 17 da petição inicial) em que é pedida a emissão das faturas com a indicação do número fiscal e da morada da empresa para fins de faturação.
F) NOTE-SE QUE as faturas emitidas pela Recorrida tem a data de 11-02-2020, emitidas após a entrada da ação em juízo (entrou em 25/11/2019, autuada em 28/11/2019). Consta da ata de audiência de julgamento de 13/09/2022 (Referência: ...20) "Consigna-se que de imediato foi feita a pesquisa da certidão comercial da autora e dado conhecimento às partes do resultado da pesquisa efetuada, nomeadamente que "A Firma com o NIF: ...46 não é sujeita a registo comercial".
G) A ora recorrente como entidade estrangeira que é pretendendo adquirir o imóvel identificado em 1 dos factos provados viu ser-lhe atribuída a sua identificação no ficheiro Central de Pessoas Coletivas (FCPC) conforme doc. 1 que juntou aos autos através do requerimento eletrónico com a ref.- citius ...22 de 23/09/2022.
H) A recorrente através do seu requerimento eletrónico com a ref.- citius ...93 de 07/11/2022 juntou uma certidão emitida pelo Serviço de Finanças de Lisboa-3 a certificar que até 25/10/2022 a SCI Algarve com o NIF: ...46 não constava com qualquer atividade aberta em Portugal.
I) O facto da recorrente não ter atividade aberta em Portugal, mas que tem NIF, não impede a emissão de faturas, tanto assim é que o notário emitiu logo no ato da compra e venda (factos provados em 1 e 2 e documento 3 junto ao requerimento eletrónico com a ref.- citius ...22 de 23/09/2022).
J) Curioso é que a situação que decorre do teor do doc. 1 da contestação que o Tribunal se socorreu para dar como provado o facto 42, manteve-se inalterada até 25/10/2022 data em que o Serviço de Finanças de Lisboa-3 emitiu a Certidão junta com o requerimento eletrónico com a ref.- citius ...93 de 07/11/2022, e isso não impediu a R. de emitir as faturas.
K) Em face da informação fiscal supramencionada e considerando a fatura emitida pelo notário no ato da celebração da escritura pública de compra e venda, inalcansável se apresenta a afirmação produzida pelo Tribunal a quo em jeito de conclusão "Assim sendo, e uma vez que a situação fiscal da Autora já permite a faturação, terá a pretensão da Ré de merecer um juízo de procedência." (vide 2° § da penúltima página da sentença recorrida). Antes não se permitia? Como é que o Notário conseguiu emitir a fatura à recorrente e a R. não conseguiu?
L) Assim, atento o exposto, deverá ser revogada a decisão que deu como provado o facto n.° 42 da Sentença, e substituída por uma outra que exclua tal facto do elenco de factos dados como provados.
M) Face à prova produzida resultaram provados os factos n.°s 12, 14, 16, 17, 18, 21, 24, 42 que mencionam os pagamentos faseados realizados pelo Recorrente em execução dos contratos, no período que mediou entre 13/10/2017 a 17/05/2019 que totalizaram 27.000,00€ (factos provados em 12, 14, 16, 17, 18, 21 e 24), entende-se que os factos n.°s 50 e 51 - "50. Não obstante, apesar de ter pago as quantias de 750,00€, 6.000,00€ e 5.250,00€, a Autora nunca procedeu à entrega do imposto devido por aquelas quantias, respetivamente 172,50€, 1.380,00€ e 1.207,50€" e "51. Perfazendo um total de 2.760,00€", foi incorretamente julgado, apresentando- se incongruente e enfermando de obscuridade e ambiguidade quando confrontado com os pontos 12, 14, 16, 17, 18, 21 e 24, em que não consta nenhum pagamento de 750,00€, 6.000,00€ e 5.250,00€.
N) Sob o facto n.° 52, o Tribunal a quo deu como provado que, "A Ré suspendeu os trabalhos como referido porque o representante legal da Autora nada fez para que a carrinha IVECO fosse entregue à Ré.", retira-se do confronto dos factos dados como provados em pontos 12, 14, 16, 17, 18, 21 e 24 com os factos provados em 8., 9 e 10 que os pagamentos realizados pelo Recorrente atingiram o valor de 27.000,00€ e que os fornecimentos e montagens dos equipamentos foram orçamentados em 22.332,00 acrescido de IVA no valor de 5.136,36€ num total de 27.468,36€, alcançamos que o valor pago e o orçamentado estar por pagar 468,36€, no entanto, provou-se em facto n.° 40, que o Recorrido não concluiu os trabalhos nem reparou os defeitos, salvo o devido respeito, não faz sentido a R. vir falar de uma carrinha cujo valor e legalização excede em muito o valor que falta pagar pelo ora Recorrente.
O) Ao invés, se a R. tivesse terminado a obra, faria sentido falar-se em suspensão dos trabalhos, mas não é o caso, basta ter em consideração o que ficou provado em 39 e 40 dos factos provados.
P) Face à prova produzida entende-se que o ponto 52 dos factos provados foi incorretamente julgado, apresentando-se incongruente e enfermando de obscuridade e ambiguidade quando confrontado com os pontos 8, 9, 10, 12, 14, 16, 17, 18, 21, 24, 39 e 40.
Q) Relativa mente ao facto não provado em n.° 58 - "58. Apesar de saber que três dos sete aparelhos de ar condicionado que instalou não funcionavam, a R. foi prometendo à A. que trataria da situação e até hoje nunca corrigiu essa situação." — há que atender que se provou que os restantes 4 aparelhos de ar condicionado funcionam de forma deficiente (facto provado n.° 25), que a partir de 17 de maio de 2019 a R. deixou de comparecer na obra (facto provado em 39) e que a R. não procedeu à sua conclusão, nem à reparação dos defeitos (facto provado em 40) não se percebe como é que se dá como não provado que a R. até hoje nunca corrigiu essa situação (facto dado como não provado em 58), para além da contradição entre a matéria de facto provada nos artigos 25, 39 e 40 com a matéria não provada em 58 é notória a sua ambiguidade e obscuridade.
R) Face à prova pericial [Relatório Pericial de 04/06/2021 com a ref.- citius ...49], perante a contradição existente com os factos provados n.°s 25, 39 e 40, a matéria considerada não provada no ponto 58 deverá considerar-se como provada.
S) Quanto ao direito, os factos descritos nos pontos 4 a 24 dos factos provados revelam a existência de um acordo de vontades firmado entre a A. e a R. pelo qual aquela se obrigou ao fornecimento e montagem de painéis solares mediante o pagamento do preço 10.452,00€ sem IVA, fornecimento e instalação de uma bomba de calor mediante o pagamento do preço de 5.380,00€ sem IVA, fornecimento e montagem de um automatismo do portão de acesso à propriedade mediante o pagamento do preço de 675,00€ sem IVA e fornecimento e montagem de aparelhos de ar condicionado mediante o pagamento do preço de 6.500,00€ sem IVA no imóvel referido em 1. dos factos provados.
T) Foram celebrados entre A. e Ré 3 contratos de empreitada, o primeiro em 06/11/2016 para fornecimento e montagem de painéis solares e de uma bomba de calor (facto provado em ponto 5), o segundo em 05/08/2017 para fornecimento e montagem de aparelhos de ar condicionado, remontando a última empreitada a 19/09/2019 (facto provado em 41), tendo tais trabalhos sido adjudicados e a ora recorrente realizado diversos pagamentos em execução dos contratos, faseados no período que mediou entre 13/10/2017 a 17/05/2019 que totalizaram 27.000,00€ (factos provados em 12, 14, 16, 17, 18, 21 e 24), e tendo a Ré orçamentado tais fornecimentos e montagens no montante total de 22.332,00€ a que acresce o IVA no valor de 5.136,36€ num total de 27.468,36€ (factos provados em 8. e 9.) e a partir de 17 de maio de 2019 deixado de fazer qualquer trabalho (facto provado em 39), não pode deixar de se concluir que a Ré se constituiu em mora.
U) Mais se provou que os trabalhos executados padecem de defeitos ou não correspondem aos contratados (factos provados em 25 a 35 e 53) e provado que está em 40 que a R. não procedeu à conclusão dos trabalhos, nem à reparação dos defeitos, que aliás, foram solicitados através de mensagens sms e pelas cartas de 12/07/2019 remetidas sob registo postal e com aviso de receção para a sede e filial da R. (facto provado em 40, consta por lapso A.)
V) Ao não reiniciar os trabalhos interrompidos e ao não corrigir os defeitos, apesar de intimada a tanto pelo aqui Recorrente pelas sucessivas comunicações acima referidas, a omissão da Ré revela que não pretendia conclui-los, sendo irrelevante o facto de ainda não ter emitido as faturas e recibos referentes aos pagamentos efetuados.
W) O comportamento da R. terá de ser entendido como abandono da empreitada constitui incumprimento definitivo, assistindo ao Autor o direito a resolver o contrato, não podendo qualificar-se a sua atuação, ao comunicar à Ré por carta que considerava o contrato rescindido, como desistência (art. 1229.° do CC).
X) Está provado, por cartas de 12.07.2019, remetidas para a sede da R. e para a ..., moradas essas constantes dos cantos superiores esquerdos dos orçamentos juntos à p.i. sob docs. 6 a 9, o legal representante da ora recorrente declarou rescindir o contrato de empreitada em causa, com os fundamentos que ali descreveu (cf. pontos 36 e 37 dos factos provados);
Y) Este ato extrajudicial de resolução, invocado na p.i (artigo 50.°) , apesar de não ter sido submetido a apreciação judicial nesta ação, na nossa humilde opinião, apesar das cartas não terem sido rececionadas (facto provado em 38) são eficazes, na medida em que só por devido a culpa da R. é que não foram rececionadas (n.° 2 do artigo 224.° do CC).
Z) A resolução tem como consequência a restituição do que tiver sido prestado, mas a retroatividade da resolução só faz sentido em relação ao que foi prestado sem contrapartida, pois deverá ser pago o valor da utilidade que adveio do aproveitamento dos trabalhos prestados e dos materiais aplicados e, nessa perspetiva ficou provado em n.° 33 que para que os vários sistemas sejam colocados a funcionar de acordo com as várias propostas é necessário o seguinte:
- Fornecimento e substituição da bomba de calor 194L por uma bomba de calor de 300L com serpentina solar e resistência de apoio conforme proposto e isolamento da tubagem de água quente e retorno dentro da casa da piscina; (4500€+IVA)
- Fornecimento e substituição da tubagem de retorno AQS existente entre o barbecue e a bomba de calor por tubagem multicamada 16 devidamente isolada; (390€+IVA)
- Relocalização dos painéis solares térmicos para junto da casa da piscina onde se encontra a bomba de calor; (350€+IVA)
- Fornecimento e passagem nova tubagem de cobre devidamente isolada entre a bomba de calor e os painéis solares térmicos; (250€+IVA)
- Fornecimento e montagem de baterias de 9,6kWh, controlador/inversor e respectiva ligação ao quadro AC conforme proposto; (11.400€+IVA)
- Fornecimento e montagem de unidade mono-split 12000btu na cozinha; (750€+IVA)
AA) Do somatório dos valores acima mencionados resulta ser necessário gastar a módica quantia de 17.640,00€ a que acresce o IVA no valor de 4.057,00€ que perfaz um valor total de 21.697,20€ para que os sistemas instalados pela R. possam funcionar.
BB) E é esse valor que o Recorrente tem direito a título de indemnização em razão da ocorrência de defeitos que afetaram os aparelhos e trabalhos fornecidos pela R. à A. - sistema de autoconsumo de painéis fotovoltaicos, com baterias e bomba de calor de 300 litros com painéis AQS, incluindo trabalhos de montagem; fornecimento e montagem de 7 aparelhos de ar condicionado - em razão dos painéis fotovoltaicos não corresponderem aos acordados (marca Kioto de 270 WP); falta de entrega e instalação dos inversores, controlador de baterias; capacidade da bomba de calor inferior à acordada (300 litros enquanto terá sido instalada de apenas 194 litros) logo mais barata, instalação de apenas 7 aparelhos dos oito aparelhos de ar condicionado acordado para além de outros alegados defeitos, nomeadamente, deficiente funcionamento da bomba de calor, deficiente funcionamento de alguns dos aparelhos de ar condicionado.
CC) Salvo o devido por opinião contrária, é ainda fundamento do recurso a nulidade da sentença com fundamento em ambiguidade e/ou obscuridade (cfr. Artigo 615.°, n.° 1, alíneas c) e d) do CPC e a errada fundamentação da decisão, reclamando-se a sua revogação/alteração.
DD) Com efeito, mostra-se totalmente incompreensível a decisão proferida pelo Tribunal a quo em face dos factos dados como provados, designadamente, quando afirma que "... só relativamente ao fornecimento da bomba de calor e dos painéis solares se pode falar em eventuais defeitos ou desconformidades."
EE) Mas se ficou provado em 25 que os restantes 4 aparelhos de ar condicionado funcionam de forma deficiente, apresenta-se tal afirmação obscura e ambígua.
FF) Note-se que de acordo com o provado em 8 o fornecimento da bomba de calor e sistema de autoconsumo de painéis fotovoltaicos representa mais de 50% do orçamentado.
GG) Para fundamentar a sua decisão argumenta ainda o Tribunal a quo "E ainda que assim não se entendesse sempre teria decorrido o prazo de 30 dias da denúncia dos defeitos - o que sempre inviabilizaria o direito à eliminação dos defeitos." e conclui ainda o Tribunal, não se sabe como, "Assim sendo, sempre ficou inviabilizado o direito à eliminação dos alegados defeitos...", acrescentando "... a R. só estará obrigada a continuar a realizar os trabalhos quando a A. realizar integralmente a prestação a que se obrigou, no caso, o pagamento do remanescente do preço através da entrega da carrinha IVECO à R. devidamente legalizada.".
HH) Desvalorizou a Mma. Juiz do Tribunal a quo o facto provado de que a R. foi insistentemente interpelada para cumprir a partir da data de 19 de março de 2019 e para eliminar os defeitos da obra e nunca o fez, perante tal situação, com uma obra inacabada e uma quantia elevada despendida a Autora por diversas vezes apelou à Ré para continuar a obra e o resultado foi o que consta em 39 e 40 dos factos provados, o comportamento da R. terá de ser entendido como se tratando de abandono da obra, e isso implicou um agravamento significativo dos custos da sua conclusão, custos esses que atingem o valor de 21.697,20€ com IVA (facto provado em 33).
II) Certo é que, a ré abandonou a obra e não procedeu à sua conclusão, nem à reparação dos defeitos, conclusão e reparação que foram solicitadas através de mensagens sms (DOCS. 15 a 19) e pelas cartas de 12-07-2019 remetidas sob registo postal e com aviso de receção para a sede e filial da A. e que não foram recebidas por culpa desta, sendo que tal comunicação se tornou eficaz nos termos do artigo 224.°, n° 2, do C.C..
JJ) Havendo abandono, equivalente a incumprimento definitivo, não é exigível ao dono da obra que interpele o empreiteiro para eliminar os defeitos, nos termos do artigo 1220.°, n.° 1, do C.C.
KK) Nessa hipótese de abandono definitivo de obra inacabada, como é o caso, por ocorrer incumprimento definitivo, deve ser considerado legítimo que o dono da obra conclua os trabalhos em falta e corrija os defeitos, por sua iniciativa, justificando-se a concessão da indemnização, correspondente ao interesse contratual positivo, mediante a colocação do dono da obra na situação em que estaria se esta tivesse sido concluída e o contrato pontual e exatamente cumprido ( Ac. S.T.J. de 21-10-03, Sumários de Acórdãos do S.T.J., n° 74, pág. 71).
LL) Do referido em 67, resulta uma conclusão inesperada e adversa à linha de raciocínio que deveria ter sido adotada na decisão em face dos factos provados, os fundamentos invocados pelo Tribunal deviam logicamente conduzir ao resultado oposto ao que veio expresso no dispositivo da dita decisão.
MM) Cremos que a sentença recorrida pretende cindir duas realidades que não podem ser dissociadas uma da outra e, ao tentar fazê-lo, entrou em clara contradição na sua fundamentação.
NN) Ou seja, uma situação em que, seguindo o fio condutor do raciocínio lógico do julgador, os factos julgados como provados colidem inconciliavelmente com a fundamentação da decisão e a própria decisão.
OO) A sustentação consignada na decisão recorrida na parte que nos importa, é incongruente, importando reconhecer existir erro lógico na argumentação jurídica, levando que a R. ficasse totalmente surpreendida com a consignada decisão.
PP) Perante isto há que concluir que ocorre a nulidade da sentença prevista na alínea c) do n.° 1, do art°. 615°, do Código de Processo Civil.
QQ) Deverá ser revogada a decisão que julgou a ação improcedente e absolveu a R. do pedido.
RR) De igual modo deverá revogar-se a decisão que julgou o pedido reconvencional procedente e, em consequência condenou a ora recorrente a pagar à A. a quantia de 2.750,00€.
Resposta ao recurso
A recorrida defendeu a rejeição da impugnação da decisão de facto e, de qualquer modo, a improcedência da apelação e a confirmação da sentença.
II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A 1.ª instância proferiu a seguinte decisão de facto:
FACTOS PROVADOS
1. A A. é dona e legítima proprietária do prédio misto, composto de cultura arvense, amendoeiras, figueiras e oliveiras, e casas térreas, para habitação, sito em ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ... / ... (...) ali registada a aquisição a seu favor pela ... de 2016/02/22, inscrito na matriz sob o ... Secção O, e sob o ... da freguesia ..., concelho ....
2. Esse imóvel adveio à posse da Autora por compra que realizou em 22/02/2016 através de escritura pública.
3. A Ré sociedade tem como objeto social, instalações elétricas, canalizações e outras instalações em construções.
4. O legal representante da Autora, CC, estabeleceu contacto com o representante legal da Ré, na ... da sociedade Ré sita em Quinta ..., Lote ... no sentido do fornecimento e montagem de painéis solares, fornecimento e instalação de uma bomba de calor, fornecimento e montagem de um automatismo do portão de acesso à propriedade e fornecimento e montagem de aparelhos de ar condicionado no imóvel referido em 1.
5. Nessa conformidade a Ré por intermédio do seu gerente, DD, no dia 06/11/2016 entregou ao legal representante da Autora o documento a que chamou “Orçamento n.º ...57” com o teor manuscrito seguinte:
“Proposta de fornecimento e montagem de sistema de autoconsumo de painéis fotovoltaicos e bomba de calor 300 litros com painéis de AQS.
Autoconsumo
Para este serviço propomos a montagem de 18 painéis de 250Wts com inversor com potência acima dos valores de geração para no futuro em caso de necessidade, se possam montar mais painéis ou outros no género por insuficiência dos existentes.
O inversor será colocado ou montado na cabine das bombas da piscina, onde terá lugar um quadro de alimentação e proteção de todo o equipamento.
Estes painéis terão a sua localização em muro de suporte de terras, junto à casa das bombas e terá estrutura feita no local de acordo com a necessidade e orientação dos mesmos, toda a estrutura terá proteção à terra com os elétrodos necessários para fazer uma boa terra e caixa de medição.
Todo o sistema terá ligações em trifásico e terá acesso a leitura de geração de energia. Valor 10.452,00€
6. E entregou ao legal representante da Autora o documento a que chamou “Orçamento n.º ...58” que constitui uma continuação do anterior com o teor manuscrito seguinte:
“NB: A estrutura extra além da que o sistema traz, ou seja, o que for necessário de serralheiro será faturado de acordo com o que for feito pelo mesmo.
Os trabalhos de pedreiro ou pintura será por vossa conta.
Iva não incluído à taxa em vigor.
Bomba de calor e painéis AQS
Para estes serviços os equipamentos serão entre várias marcas de qualidade acima da média a que tivermos para entrega sempre com a mesma garantia e qualidade.
A bomba de calor terá capacidade de 300 litros e terá apoio de dois painéis de AQS a instalar junto aos fotovoltaicos, ou seja, os que ficam mais próximos da casa das máquinas, onde a bomba vai ficar, assim como o quadro de proteção e o sistema de circulação do fluido entre a bomba e os painéis.
Esta bomba terá também resistência elétrica 230 Volts para alguma falha ou avaria.
O sistema será na parte de águas protegido por um filtro anticalcário e outro anti impurezas com baipasse.
A este sistema será feito um outro que será retorno das águas quentes desde a casa de”
7. E entregou ao legal representante da A. o documento a que chamou “Orçamento n.° 1159” que constitui uma continuação do anterior com o teor manuscrito seguinte:
“habitação até à máquina com Kit de circulação e termostato de maneira que as águas se mantenham sempre quentes até a casa para chegar mais rápido às torneiras.
As tubagens desde a casa às máquinas na casa das máquinas serão feitas em tubo multifex de 20 mm protegido por manga térmica de boa qualidade e será feito a 60 cm abaixo do solo com marcação em fita própria.
Terá o vosso canalizador que nos deixar pontos de entrega de águas frias e quentes dentro ou fora de casa de habitação, mas preparado em conjunto entre a minha firma e ele.
NB: Todos os trabalhos de abertura e tapamento de vala, bem como serviço de pedreiro e pinturas será por vossa conta.
Valor 5.380,00
IVA não incluído à taxa legal em vigor
Sistema de pagamento a combinar, mas sempre com adjudicação.
8. Para o fornecimento e montagem de sistema de autoconsumo de painéis fotovoltaicos a Ré Sociedade orçamentou o valor de 10.452,00€ e para o fornecimento e montagem da Bomba de Calor de 300 litros com painéis de AQS orçamentou o valor de 5.380,00€, valores a que acresceria o IVA à taxa legal.
9. No dia 05/08/2017 a Ré por Intermédio do seu gerente, DD, entregou ao legal representante da Autora o documento a que chamou “Orçamento n.º ...75” com o teor manuscrito seguinte:
Proposta de fornecimento e montagem de oito aparelhos de ar Condicionado na sua habitação.
5 quartos 1 sala e 1 cozinha.
Para 4 quartos dois no r/c e dois no andar proponho que sejam de 9000 BTUS.
Para o quarto maior no R/C proponho 12000BTUS.
Na sala o indicado será de 18.000 BTUS x 2 aparelhos.
Na cozinha 12000 BTUS
A marca que vou propor será UP LIVE mas dentro destes valores tenho várias marcas com a mesma qualidade e garantia.
A garantia dos aparelhos e serviços será de 2 anos em que a fatura serve de garantia aos mesmos.
Nas máquinas exteriores no telhado por causa de não se verem e por causa das intempéries proponho que sejam individuais.
Orçamento total 6500,00€ euros IVA não incluído à taxa legal em vigor Sistema de pagamento a combinar.
NB: Serviços de pedreiro ou pinturas não incluídos e só em caso de necessidade.”
10. E nesse mesmo dia, a Ré dirigiu e entregou ao legal representante da Autora o documento a que chamou “G. Remessa n.° 1276”, que se junta sob DOC. 8, com o teor manuscrito seguinte:
Montagem com materiais e mão de obra de automatismo para portão de braços da marca V2 675,00 euros
Reforço do portão com tubo retangular em ferro zincado 75,00 euros IVA não incluído a taxa legal em vigor
11. A Autora adjudicou esse serviço à Ré e esta executou a montagem do automatismo do portão.
12. A Autora no dia 13/10/2017, ainda no decurso dos trabalhos de montagem do automatismo do seu portão, acordou com o legal representante da Ré sociedade a adjudicação da empreitada relativa ao ar condicionado ficando estabelecido que os aparelhos a instalar seriam económicos e silenciosos e da marca Daikin, tendo-lhe entregue nesse mesmo dia em numerário a importância de 2.000,00€.
13. Após receber essa importância a Ré iniciou a instalação dos aparelhos de ar condicionado.
14. No decurso da referida obra a Autora entregou-lhe ainda a importância de €4.000,00 em numerário de que também não foi emitida fatura/recibo e acordou com o legal representante da Ré sociedade a adjudicação da empreitada relativa à Bomba de calor e painéis AQS cujo orçamento havia sido apresentado em 06/11/2016 e a que se refere fls. 2 e 3 “Orçamentos n.ºs ...58 e ...59”
15. Nessa conformidade, a Ré durante o mês de março de 2018, numa altura em que a instalação dos aparelhos de ar condicionado ainda não estava concluída, informou pretender iniciar os trabalhos de montagem da bomba de calor, solicitando à Autora um pagamento no valor de 5000,00€ (cinco mil euros).
16. Em 31 de março de 2018 a Autora, encontrando-se ausente do país, por intermédio de EE - pessoa através da qual o legal representante da A. conheceu o legal representante da R. - entregou a DD, em numerário, a importância de 5.000,00€ (cinco mil euros).
17. Na sequência desse pagamento, DD, entregou o Documento que aqui se junta sob DOC. 10 com o teor seguinte:
“31 Março 2018
RECEBI DO EE A QUANTIA DE 5 MIL EUROS (...)"
18. No dia 10 de agosto de 2018 a Autora a solicitação do legal representante da Ré entregou-lhe em numerário a importância de €1.000,00
19. Uma vez que a Autora não tinha aceitado a proposta de fornecimento e montagem de sistema de autoconsumo de painéis fotovoltaicos e bomba de calor 300 litros com painéis de AQS apresentada em 06/11/2016 e referida em 5.° da pi., o legal representante da R. sociedade no decurso das empreitadas apresentou à Autora em 19/02/2019 o documento a que chamou “com o número ...93” com o teor manuscrito seguinte:
(-)
Fornecimento e montagem de Kit Hibrido de painéis fotovoltaicos com baterias.
Para este serviço os módulos fotovoltaicos são da marca “KIOTO” de 270 WP numa quantidade de 24 (vinte quatro) com baterias com capacidade de 9,6 KWh da marca alemã RCT com inversor e controlador da mesma marca.
Todos os cabos e estrutura bem como a proteção e cortes ficam incluídos.
A estrutura referida acima será a própria para os painéis e será em alumínio fundido sendo que todos os adaptadores e parafusos são em inox.
Este sistema está previsto ser montado no canil existente e para isso será feita estrutura em ferro por serralheiro de madeira a que a sua inclinação será de 40% máximo podendo ficar menos.
NB: Esta estrutura não tem nada a ver com telhado e será por minha conta.
Preço total 17.600 euros
IVA 4.048 euros
Preço final 21.648 euros
Sistema de pagamento 10.000 euros adjudicação
Resto dividido em 3 frações iguais. (...)”
20. Para a adjudicação desses trabalhos a Autora propôs à Ré que aceitaria pagar o valor de 15.000,00€ e para pagamento do restante entregaria uma carrinha da marca ... o que o legal representante da Ré aceitou.
21. Nessa conformidade, a Autora no dia 14 de Março de 2019 transferiu para a Ré Sociedade a importância de 10.000,00€
22. A Ré deu início aos trabalhos e após montar os 24 painéis solares suspendeu os trabalhos, não tendo colocado as baterias.
23. A Ré exigiu à Autora que lhe fosse pago o valor de 5.000,00€
24. A Autora no dia 17 de Maio de 2019 transferiu para a Ré Sociedade a importância de 5.000,00€.
25. Dos oito aparelhos de ar condicionado, constantes do orçamento, apenas foram colocados sete aparelhos, (sala jantar, sala de estar, quarto R/C nascente, quarto rés-do-chão poente, quarto escritório R/C, quarto 1° piso nascente e quarto do 1.º piso poente) 3 já foram reparados (sala de jantar, quarto R/C poente e quarto 1° piso nascente) e os restantes 4 funcionam de forma deficiente.». [Redação após reapreciação da decisão de facto]
26. Os equipamentos do quarto 1°piso poente apesar de não apresentar erro de funcionamento no comando, apenas faz ventilação e tudo indicada que seja gás refrigerante insuficiente, já que nas unidades exteriores os compressores encontravam-se a funcionar.
27. Em relação ao equipamento instalado na sala de estar, o mesmo apresenta o erro ‘U0’ que significa ‘refrigerante insuficiente’.
28. Os aparelhos instalados da marca Daikin (marca com renome no mercado) são de qualidade superior aos inicialmente propostos da marca UPlive (marca branca).
29. Os 24 módulos fotovoltaicos que a Ré montou não têm nenhuma correspondência aos orçamentados - Kit Híbrido de 24 módulos fotovoltaicos da marca Kioto de 270 WP com baterias com capacidade de 9,6 KWh da marca alemã RCT com inversor e controlador da mesma marca.
30. Para além disso, esses módulos fotovoltaicos ficaram incompletos, faltam as baterias, o inversor e controlador, que são os componentes mais caros, e sem eles o sistema não funciona, e a Autora entregou por esta empreitada a quantia de 15.000,00€.
31. Os painéis instalados da marca Ulica de 275Wp tem mais 5Wp do que os painéis inicialmente acordados da marca Kioto de 270Wp.
32. O local onde se encontra instalada a bomba de calor tem uma altura de pé direito de 2,06m e a bomba de calor de 300L para esta marca Therca tem uma altura de 1,9m. Como é necessário colocar 2 curvas 90° da tubagem de admissão e exaustão de ar com um diâmetro de 150mm, devido aos raios de curvatura necessários para a tubagem, não é possível a colocação da bomba de calor de 300L da mesma marca neste local.
33. Para que os vários sistemas sejam colocados a funcionar de acordo com as várias propostas é necessário o seguinte:
. Fornecimento e substituição da bomba de calor 194L por uma bomba de calor de 300L com serpentina solar e resistência de apoio conforme proposto e isolamento da tubagem de água quente e retorno dentro da casa da piscina; (4500€+IVA)
. Fornecimento e substituição da tubagem de retorno AQS existente entre o barbecue e a bomba de calor por tubagem multicamada 16 devidamente isolada; (390€+IVA)
. Relocalização dos painéis solares térmicos para junto da casa da piscina onde se encontra a bomba de calor; (350€+IVA)
. Fornecimento e passagem nova tubagem de cobre devidamente isolada entre a bomba de calor e os painéis solares térmicos; (250€+IVA)
. Fornecimento e montagem de baterias de 9,6kWh, controlador/inversor e respectiva ligação ao quadro AC conforme proposto; (11.400€+IVA)
. Fornecimento e montagem de unidade mono-split 12000btu na cozinha; (750€+IVA).
. Fornecimento e substituição da tampa em PVC 60x60 partida na caixa de passagem entre os painéis e a casa da piscina por nova tampa em ferro 60x60; (145€+IVA). [Aditamento introduzido após reapreciação da decisão de facto]
34. No dia 23/07/2019 a pedido da Autora foi elaborado por “N..., Lda.” Relatório de avaria nos equipamentos Daikin instalados pela Ré no Imóvel da A., tendo sido referido o seguinte: “Após visita do técnico à moradia sita ... Cx. Postal ...52-C, ... ..., foram detetadas as seguintes anomalias nos equipamentos DAIKIN existentes:
. Sala - existe humidade no equipamento;
. 2 quartos 1.° andar - existe fuga na tubagem;
35. A Autora pagou a importância de 861,00€.
36. No dia 12 de Julho de 2019 o legal representante da Autora decidiu remeter para a sede da Ré, a carta registada com aviso de receção que aqui se junta sob DOC. 21 com o teor seguinte:
“(...) Ex.mo Sr. DD,
Acordou V. Exa. no dia 19/02/2019 a execução de uma empreitada de fornecimento e montagem de Kit Híbrido de 24 módulos fotovoltaicos da marca Kioto de 270 WP com baterias com capacidade de 9,6 Kwh da marca alemã RCT com inversor e controlador da mesma marca no meu prédio, pelo valor total de 21.648,00€.
Acontece que os 24 módulos fotovoltaicos montados por V. Exa. como já tive oportunidade de referir não são da marca Kioto de 270 WP, sendo certo que V. Exa. na qualidade de empreiteiro deveria executar a obra em conformidade com o que foi convencionado e não o fez, mostrando-se a obra inacabada. Em 14/03/2019 procedi ao pagamento por transferência da quantia de 10.000,00€, da qual V. Exa. ainda não entregou qualquer Fatura ou recibo e no intuito de V. Exa. terminar os trabalhos no dia 17/05/2019 atendi ao seu pedido de pagar a quantia de 5.000,00€, o que realizei por transferência bancário para o IBAN que me forneceu , quantia essa de que não disponho de Fatura ou recibo não obstante lhe ter enviado o NIF da m/ empresa em 31/03/20019 (NIF: ...46)
Nos termos do artigo 1221.° do Código Civil venho exigir a Exa. mais uma vez, a substituição dos módulos fotovoltaicos que instalou devendo proceder à colocação dos 24 módulos fotovoltaicos da marca Kioto de 270 WP que ficou entre nós convencionado que instalaria.
Atendendo a que tenho necessidade premente de ver concluída a instalação dos painéis solares, venho pela presente solicitar a substituição dos módulos colocados e a colocação dos módulos que ficou convencionado que seriam colocados e o seu acabamento, para o que entendo razoável o prazo máximo de 15 dias contados da assinatura do aviso de receção desta carta para dar inicio aos trabalhos.
Findo este prazo sem que V. Exa. dê cumprimento ao solicitado, informo que considero rescindido o contrato, por incumprimento da vossa parte, adjudicando os trabalhos a outrem e debitando a V. Exas. o que for devido, pela desmontagem dos módulos deficientemente colocados.
Sem outro assunto de momento, resta-me aguardar me informem o que tiverem por conveniente sobre este assunto.”
37. Nessa mesma data remeteu para a ... da Ré que se localizava em Quinta ..., Lote ..., ... ..., a carta registada com aviso de receção que aqui se junta sob DOC. 20, a qual tem o mesmo teor da transcrita no ponto anterior.
38. Nem a R. nem o seu legal representante reclamaram a carta que foi remetida para a sua sede e a carta remetida para a sua filial veio devolvida com a indicação de que o endereço era insuficiente.
39. A partir de 17 de maio de 2019 a Ré deixou de comparecer na obra.
40. A Ré não procedeu à sua conclusão, nem à reparação dos defeitos, conclusão e reparação que foram solicitadas através de mensagens sms e pelas cartas de 12-07-2019 remetidas sob registo postal e com aviso de receção para a sede e filial da A.
41. A primeira empreitada remonta à data de 6/11/2016 e a última a 19/02/2019.
42. A Ré viu-se impossibilitada de emitir a fatura em nome da Autora, uma vez que o sistema da Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada por ATA) não reconhece o NIF da sociedade Autora. [Impugnação improcedente após reapreciação da decisão de facto]
43. A pedido da Autora a Ré instalou no local aparelhos da marca Daikin, foi o próprio Representante Legal da Autora, que prescindiu da instalação de um aparelho na cozinha do imóvel, solicitando a instalação de apenas 7.
44. Tendo o mesmo apenas pago a aquisição e instalação de 7 equipamentos, no valor de 6.000,00€.
45. A pré-instalação dos aparelhos de ar condicionado, ou seja, as instalações/trabalhos efetuados dentro das paredes, foi executada por terceiros, estranhos à Ré.
46. Quando deu por terminados os serviços relativamente aos aparelhos de ar condicionado, estes funcionavam sem qualquer defeito, sendo que ainda decorriam obras de pedreiro no imóvel, no 1° andar.
47. Em 11/02/2019, após estar instalada a bomba de calor, foi efetuada uma intervenção por técnico da marca da bomba instalada BESUN, que veio a verificar o seguinte: “Verificou-se que a bomba de calor não tinha rendimento, quando se fechou a entrada de água a mesma começou a responder (aquecendo)”.
48. Sucede, porém, que à ré apenas foi adjudicada a implementação da bomba, não tendo sido a Ré responsável pela ligação deste equipamento às torneiras de água quente.
49. A Ré nos orçamentos que entregou à Autora, deixou sempre explicito que o valor do IVA não estava incluído nos preços apresentados, e que, portanto, os mesmos deviam ser calculados à parte de acordo com a taxa em vigor.
50. Não obstante, apesar de ter pago as quantias de 750,00€, 6.000,00€ e 5.250,00€, a Autora nunca procedeu à entrega do imposto devido por aquelas quantias, respetivamente 172,50€, 1.380,00€ e 1.207,50€. [Impugnação improcedente após reapreciação da decisão de facto]
51. Perfazendo um total de 2.760,00€. [Impugnação improcedente após reapreciação da decisão de facto]
52. A Ré suspendeu os trabalhos como referido porque o representante legal da Autora nada fez para que a carrinha IVECO fosse entregue à Ré. [Factualidade eliminada dos factos provados, passando para os factos não provados por procedência da impugnação da decisão de facto]
53. A bomba de calor orçamentada tinha uma capacidade de 300 litros, a Ré instalou uma bomba com capacidade de 194 litros.
FACTOS NÃO PROVADOS
54. A Autora tomou posteriormente conhecimento que a R. instalou os aparelhos de ar condicionado sem verificar se a tubagem de pré-instalação do ar condicionado apresentava alguma fuga ou humidade.
55. Existe humidade no equipamento de ar condicionado de marca Daikin instalado na sala de estar.
56. Os equipamentos do quarto r/c nascente, quarto escritório r/c não indicam refrigeração insuficiente.
57. A R.é antes de instalar os aparelhos de ar condicionado deveria ter lavado com líquido de limpeza e soprado toda a tubagem do ar condicionado com azoto para eliminar toda a humidade existente.
58. Apesar de saber que três dos sete aparelhos de ar condicionado que instalou não funcionavam, a R. foi prometendo à A. que trataria da situação e até hoje nunca corrigiu essa situação. [Improcedente a impugnação da decisão de facto]
59. A necessidade de substituição integral do equipamento de ar condicionado da sala de estar.
60. A bomba de calor nunca funcionou normalmente, o motor está sempre ligado consumindo cerca de 1Kw de eletricidade hora devido ao facto de os painéis solares estarem a cerca de 30 metros de distância e os tubos de cobre não estarem isolados o que implica que a bomba não aqueça suficientemente.
61. O problema não residia na bomba de calor, uma vez que a mesma apenas não apresentava rendimento quando estavam abertas as entradas de água, ou seja, nas ligações de água quente da referida bomba às torneiras.
62. O que impossibilitava uma resposta satisfatória da bomba de calor eram as ligações deste equipamento às torneiras de água quente, as quais estavam feitas de forma deficiente e em consequência apresentavam fugas que levavam a que a bomba estivesse sempre em funcionamento.
63. O local de implementação da referida bomba de calor foi escolhido e indicado pelo representante legal da Autora.
III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), consubstancia-se nas seguintes questões:
- Nulidade da sentença
- Impugnação da decisão de facto
- Se a sentença incorreu em erro de direito devendo a Ré ser condenada no pedido e a Autora/Reconvinda, por sua vez, absolvida do pedido.
2. Nulidades da sentença
Na Conclusão CC) a Recorrente vem arguir a «nulidade da sentença com fundamento em ambiguidade e/ou obscuridade (cfr. Artigo 615.°, n.° 1, alíneas c) e d) do CPC e a errada fundamentação da decisão, reclamando-se a sua revogação/alteração» e nas Conclusão OO) e PP) alega, respetivamente, que «A sustentação consignada na decisão recorrida na parte que nos importa, é incongruente, importando reconhecer existir erro lógico na argumentação jurídica, levando que a R. ficasse totalmente surpreendida com a consignada decisão.» e «Perante isto há que concluir que ocorre a nulidade da sentença prevista na alínea c) do n.° 1, do art°. 615°, do Código de Processo Civil.»
De acordo com a fundamentação que sustenta esta alegação, as arguidas nulidades decorrem, na visão da Recorrente, na incompreensão que decorre da concatenação dos factos provados com a decisão proferida por se terem dado como provados defeitos/desconformidades nos equipamentos e/ou na execução da instalação e, ainda assim, e apesar das interpelações para a Ré corrigir os defeitos, sem que tivesse dado cumprimento a esses pedidos, acabando por abandonar a obra, a Ré foi absolvida do pedido.
O que, também na interpretação da Recorrente, se trata de uma conclusão «inesperada e adversa à linha de raciocínio que deveria ter sido adotada na decisão em face dos factos provados», os quais «colidem irremediavelmente com a fundamentação da decisão», e que acaba por redundar na existência de «erro lógico na argumentação jurídica, levando a que a R. ficasse totalmente surpreendida com a consignada decisão.»
Apreciando.
As causas de nulidade da sentença encontram-se taxativamente elencadas nas várias alíneas do no n.º 1 do artigo 615.º do CPC e correspondem a vícios formais que afetam a decisão em si mesma, mas não se confundem com erros de julgamento de facto ou de direito, suscetíveis de determinar a alteração total ou parcial da decisão proferida.
No que ora releva, a sentença é nula quando:
«c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;».
Apesar da Recorrente referenciar na Conclusão CC) também a alínea d) do preceito, que se reporta à omissão ou excesso de pronúncia, não descortinamos na fundamentação da arguição das nulidades qualquer menção que se enquadre nessa previsão normativa, pelo que nada há a apreciar em relação essa alínea do referido artigo 615.º do CPC.
Quanto à alínea c) do n.º 1, do citado artigo 615.º, a previsão abrange duas situações diferentes, sendo que ambas são visadas pela Recorrente.
A primeira parte da norma estipula que a decisão é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão. Já a segunda parte prescreve que a sentença é nula quando for ambígua ou obscura de tal modo que a torne ininteligível.
Conforme é comumente aceite, a nulidade prevista na primeira parte da alínea c), verifica-se quando haja uma contradição lógica no processo de decisão, ou seja, quando os fundamentos invocados devam conduzir logicamente ao resultado oposto ao que veio a ser expresso na decisão.[1]
Este vício formal não se reporta a situações em que se parte de pressupostos errados (por exemplo, apreciação e interpretação dos factos ou do direito), caso em que existe um vício de conteúdo (error in judicando), mas não nulidade da decisão.[2]
Já a ambiguidade ou obscuridade da sentença reporta-se à sua parte decisória e apenas ocorre quando um gera ininteligibilidade, ou seja, quando um declaratário normal, nos termos do artigo 236.º, n.º 1 e 238.º, n.º 1 do Código Civil (CC), não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar.[3]
No caso, nenhuma das duas situações ocorre.
Não se verifica a primeira situação, porquanto da leitura integral da sentença não descortinamos qualquer erro de raciocínio lógico entre as premissas de facto ou de direito em que assente a decisão. Aliás, basta atentar na alegação da Recorrente para se perceber que o alegado vício radica, no fundo, numa discordância quanto ao modo como a 1.ª instância interpretou os factos e/ou aplicou o direito aos factos provados. No fundo, o que é invoca é a existência de um error in judicando que, a existir, exorbita a previsão normativa em aplicação.
Quanto à segunda parte do preceito, é perfeitamente claro o sentido da decisão (improcedência da ação e procedência da reconvenção), o que não deixa qualquer dúvida a qualquer interprete que leia o ali escrito.
Nestes termos, improcedem as arguidas nulidades.
3. Impugnação da decisão de facto
A Apelante impugna parcialmente a decisão de facto.
A Apelada defende a rejeição da impugnação por entender que se encontram incumpridos os ónus previstos no artigo 640.º, n.º 1, do CPC.
Todavia, lendo a resposta ao recurso verifica-se que a argumentação da Apelada não é concreta, nem direcionada ao modo como a Apelante impugnou a decisão de facto.
Por outro lado, analisada a impugnação não se pode concordar com a Apelada.
Efetivamente, a Apelante indica e concretiza os pontos de facto impugnados, a prova documental que suporta a impugnação, a decisão que deveria ter sido proferida, o que satisfaz minimamente os requisitos do artigo 640.º do CPC, pelo que não existe fundamento para a rejeição in limine da impugnação.
Passamos, então, à apreciação da impugnação da decisão de facto posta em crise no recurso considerando que, preenchidos os requisitos do artigo 640.º do CPC, compete à Relação no âmbitos dos poderes conferidos pelo artigo 662.º do CPC, reapreciar a decisão de facto, em ordem a formar uma convicção própria com base na análise global e crítica da prova carreada para os autos, aferindo da correta valoração dos meios de prova produzidos e dos respetivos ónus de prova, tendo em conta a fundamentação da decisão de facto, bem como as razões da discordância invocadas pela impugnante.
Facto provado 25 («Dos oito aparelhos de ar condicionado, constantes do orçamento, apenas foram colocados sete aparelhos, (sala jantar, sala de estar, quarto R/C nascente, quarto rés-do-chão poente, quarto escritório R/C, quarto 1° piso nascente,) 3 já foram reparados (sala de jantar, quarto R/C poente e quarto 1° piso poente) e os restantes 4 funcionam de forma deficiente.»).
Pretende a impugnante que fique a constar que a reparação foi do aparelho do 1.º piso nascente em vez de poente, com base no Relatório Pericial de 04-06-2021.
Nesse Relatório Pericial em reposta ao quesito 4.º («Dos oito aparelhos de ar condicionado, constantes do orçamento, apenas foram colocados sete, dos quais apenas sete? Destes sete aparelhos, apenas quatro funcionam e de forma deficiente (esclarecer quais as deficiências)? [artigo 57.º da PI]), consta o seguinte:
«Dos oito aparelhos de ar condicionado orçamentados só foram instalados 7 aparelhos (sala jantar, sala estar, quarto R/C nascente, quarto R/C poente, quarto/escritório R/C, quarto 1º piso nascente e quarto 1º piso poente).»
«Neste momento desses 7 equipamentos, 3 já foram reparados (sala jantar, quarto R/C poente e quarto 1º piso nascente) e os restantes 4 funcionam de forma deficiente.»
Da análise comparativa do que ficou dado como provado e do que consta do Relatório Pericial resulta que na redação do ponto 25 falta a menção à instalação do equipamento no quarto do 1.º piso poente (só é referido o quarto do 1.º piso nascente) e, por outro lado, a reparação ocorreu no quarto do 1.º piso nascente e não no poente, segundo a peritagem (que deve ser atendida considerando tratar-se de prova mais fiável neste tipo de matéria).
Assim sendo, importa corrigir a omissão (artigo 614.º, n.º 1, do CPC) e alterar a redação do ponto 25 dos factos provados que passa a ser a seguinte (a negrito assinala-se a alteração):
«25. Dos oito aparelhos de ar condicionado, constantes do orçamento, apenas foram colocados sete aparelhos, (sala jantar, sala de estar, quarto R/C nascente, quarto rés-do-chão poente, quarto escritório R/C, quarto 1° piso nascente e quarto do 1.º piso poente) 3 já foram reparados (sala de jantar, quarto R/C poente e quarto 1° piso nascente) e os restantes 4 funcionam de forma deficiente.».
Facto não provado 56 («Os equipamentos do quarto r/c nascente, quarto escritório r/c não indicam refrigeração insuficiente.»).
Pretende a impugnante que esta factualidade seja dada como provada com base no Relatório Pericial e esclarecimentos do Sr. Perito.
Nesse Relatório Pericial consta da resposta ao referido quesito 4.º:
«Os equipamentos do quarto R/C nascente, quarto/escritório R/C e quarto 1ºpiso poente apesar de não apresentarem erro de funcionamento no comando, apenas fazem ventilação e tudo indicada que seja gás refrigerante insuficiente, já que nas unidades exteriores o compressores encontravam-se a funcionar.
Em relação ao equipamento instalado na sala de estar, o mesmo apresenta o erro ‘U0’ que significa ‘refrigerante insuficiente’».
A impugnação improcede, porquanto o Relatório Pericial não menciona de forma clara e assertiva que os equipamentos em causa não indicam refrigeração insuficiente, sendo esse o teor do referido ponto e não o inverso como aparenta ser a pretensão impugnatória.
Facto Provado 33 («Para que os vários sistemas sejam colocados a funcionar de acordo com as várias propostas é necessário o seguinte:
. Fornecimento e substituição da bomba de calor 194L por uma bomba de calor de 300L com serpentina solar e resistência de apoio conforme proposto e isolamento da tubagem de água quente e retorno dentro da casa da piscina; (4500€+IVA)
. Fornecimento e substituição da tubagem de retorno AQS existente entre o barbecue e a bomba de calor por tubagem multicamada 16 devidamente isolada; (390€+IVA)
. Relocalização dos painéis solares térmicos para junto da casa da piscina onde se encontra a bomba de calor; (350€+IVA)
. Fornecimento e passagem nova tubagem de cobre devidamente isolada entre a bomba de calor e os painéis solares térmicos; (250€+IVA)
. Fornecimento e montagem de baterias de 9,6kWh, controlador/inversor e respectiva ligação ao quadro AC conforme proposto; (11.400€+IVA)
. Fornecimento e montagem de unidade mono-split 12000btu na cozinha; (750€+IVA).»
Pretende a impugnante que seja aditado toda a resposta que foi dada ao quesito 13.º do Relatório Pericial.
Neste quesito 13.º era perguntado:
«Caso existam defeitos nos trabalhos/execução defeituosa dos trabalhos por parte da Ré, tendo por base o valor acordado pelas partes para a empreitada [vide petição inicial e orçamentos – documentos 6 a 9 da PI – a autora alega ter pago a quantia de € 27 000,00] e os preços correntes, deve o senhor Perito esclarecer: Qual o valor dos trabalhos executados corretamente pela autora? Qual o valor dos custos de reparação dos defeitos/trabalhos executados de modo defeituoso?»
Ora, o que ficou a constar do facto provado 56 corresponde à resposta sobre o que é necessário fornecer e substituir e respetivo custo, tendo apenas sido omitida a parte referente ao «Fornecimento e substituição da tampa em PVC 60x60 partida na caixa de passagem entre os painéis e a casa da piscina por nova tampa em ferro 60x60; (145€+IVA)», que deve ser acrescentada. Mas já não assim o segmento em que o Sr. Perito refere o modo como deve ser feita a reparação das unidades de condicionado, matéria que o quesito não contempla.
Nestes termos, decide-se aditar à redação do ponto 56 dos factos provados, a seguinte factualidade:
«Fornecimento e substituição da tampa em PVC 60x60 partida na caixa de passagem entre os painéis e a casa da piscina por nova tampa em ferro 60x60; (145€+IVA)»
Facto Provado 42 («A Ré viu-se impossibilitada de emitir a fatura em nome da Autora, uma vez que o sistema da Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada por ATA) não reconhece o NIF da sociedade Autora.»).
Pretende a Apelante que tal factualidade seja dada como provada, alegando, em suma, que a Autora apesar de ser uma sociedade estrangeira tem NIF atribuído e que outras entidades (notário e uma sociedade comercial) emitiram faturas em seu nome, pelo que a junção da certidão emitida pelo Serviço de Finanças de Lisboa- 3 a certificar que até 25-10-2022 a Autora não constava como tendo qualquer atividade em Portugal não impedia a emissão da faturação.
Na fundamentação deste ponto de facto o tribunal a quo mencionou o seguinte que o «(…) doc. 1 que conjugado com as declarações de parte do representante legal da Ré permitiram a resposta do ponto 42. e das declarações de parte do representante legal da Autora e da Ré.» e mais adiante: «(…) como resulta do doc. 1 da contestação, a sociedade Autora embora tivesse número de contribuinte fiscal atribuído, não tinha qualquer actividade registada.»
Vejamos, então.
Analisados os documentos juntos aos autos sobre esta questão (cfr. docs. 1 e 25 da p.i., docs. 1 a 3 juntos com o requerimento de 23-09-2022; consulta do registo comercial realizada na audiência de julgamento de 13-09-2022; documento dos Serviços de Finanças de Lisboa-3 junto aos autos em 07-11-2022) verifica-se que está comprovado que à Autora, com sede em França, foi atribuído um NIF em Portugal e que a mesma não tinha até 25-10-2022 registado a abertura de atividade em Portugal.
Efetivamente, decorre da certidão das Finanças (doc.1) junta aos autos em 23-09-2022 que a Autora requereu a atribuição de NIPC, constando do Ficheiro Central de Pessoas Coletivas com o NIF: ...46 (criado em 08-01-2016), mas para efeitos de «Prática de ato isolado em Portugal», sendo o ato em causa identificado como «Compra de imóvel em Portugal».
E também consta da certidão da Finanças emitida em 25-10-2022, junta aos autos em 07-11-2022, que na data da emissão da certidão «(…) não consta com qualquer atividade aberta em Portugal».
Decorre, assim, da documentação junta aos autos que, para a compra de um imóvel em Portugal (ato isolado), foi atribuída à Autora um NIF, o qual também foi usado para efeitos de pagamentos dos serviços do notário e para pagamento dos impostos devidos por essa aquisição.
Mas o ato isolado esgotou-se com a compra do imóvel, encontrando-se a sua aquisição registada no registo predial pela ... de 22/02/2016 (doc. 1 da p.i.).
Por conseguinte, não tendo a Autora atividade comercial aberta em Portugal não pode ser emitida faturação relacionada com outros atos praticados em Portugal sujeitos a tributação, mormente aqueles que estão em discussão nestes autos.
E tal conclusão não fica obstaculizada pelo facto de ter sido emitida uma fatura em seu nome por parte de uma sociedade comercial portuguesa em 29-07-2019 (doc. 25 da p.i.), uma vez que não se encontra demonstrada a tramitação subsequente dessa faturação junto do fisco português.
Por conseguinte, improcede a impugnação, mantendo-se o facto provado 42.
Factos provados 50 e 51 («50. Não obstante, apesar de ter pago as quantias de 750,00€, 6.000,00€ e 5.250,00€, a Autora nunca procedeu à entrega do imposto devido por aquelas quantias, respetivamente 172,50€, 1.380,00€ e 1.207,50€.»; «51. Perfazendo um total de 2.760,00€.»).
A Apelante pretende que estes factos sejam dados como não provados por se encontrarem em oposição com os factos dados como provados nos pontos, 12, 14, 16, 17, 18, 21, 24 e 42 nos quais não consta qualquer pagamento das quantias mencionados no ponto 50 dos factos provados.
Analisando.
Dos pontos 12, 14, 16, 17, 18, 21 e 24 (o ponto 42 não se reporta a qualquer pagamento e o ponto 44 reporta-se ao valor somado dos pontos 12 e 14), a Autora pagou à Ré pelos serviços prestados e ali referidos, as seguintes quantias: €2.000,00, €4.000,00, €5.000,00, €1.000,00,€10.000,00 e €5.000,00, no total de €27.000,00.
As quantias referidas no ponto de facto 50 somam €12.000,00 (tendo a Ré confessado o pagamento pela Autora, mas sem IVA).
Vistas as faturas juntas pela Autora com a réplica, verifica-se que se encontram faturados €750,00, mais IVA, referente ao pagamento do automatismo do portão (não se encontrando controvertido o pagamento desse valor e o não pagamento do IVA); €6.000,00 mais IVA referente a aparelhos de ar condicionado (o que corresponde aos valores pagos e dados como provados nos pontos 12 e 14, sem IVA); €5.250,00 mais IVA referente à aquisição e instalação da bomba de calor (o que corresponde aos valores pagos e dados como provados nos pontos 16 e 17, sem IVA), e €12.195,12 mais IVA referente a fornecimento e montagem de painéis fotovoltaicos (o que corresponde, em parte, aos valores pagos e dados como provados nos pontos 21 e 24, sem IVA).
Por conseguinte, não existe a assinalada contradição, improcedendo a impugnação em relação aos pontos 50 e 51 dos factos provados.
Facto Provado 52 («A Ré suspendeu os trabalhos como referido porque o representante legal da Autora nada fez para que a carrinha IVECO fosse entregue à Ré.»).
A Apelante pretende que este facto seja dado como não provado por a factualidade em causa se encontrar em contradição com os pontos provados 8, 9, 10, 12, 14, 16, 17, 18, 21 e 14, alegando, em suma, que do valor orçamentado pelo fornecimento e equipamentos só está por pagar €468,36, pelo que «não faz sentido a R. falar de uma carrinha cujo valor e legalização excede em muito o valor que falta pagar», acrescentando, ainda, que decorre dos factos provados 39 e 40 que a Ré abandonou sem a concluir e sem corrigir os defeitos.
Vejamos, então.
O que está em causa neste ponto não são os pagamentos que a Autora fez à Ré por conta dos trabalhos e equipamentos instalados referente aos painéis fotovoltaicos e se esse valor cobre quase totalmente o valor global acordado.
O que está em causa é saber se se provou que a Ré suspendeu os trabalhos pela razão referida, ou seja, porque o legal representante da Autora nada fez para que a carrinha IVECO lhe fosse entregue.
Ora, o que ficou provado em relação ao pagamento do fornecimento e montagem de Kit Híbrido de painéis fotovoltaicos com bateiras (ponto 19, 2.º parágrafo, dos factos provados) é que o valor orçamentado (€17.600,00 mais €4.048 de IVA, no total de €21.648,00 – parte final do facto provado 19), por proposta da Autora e aceite pela Ré, seria pago nos termos que constam do ponto 20 dos factos provados, ou seja, €15.000,00 no momento da adjudicação e a restante quantia seria paga pela entrega de uma carrinha da marca ... (facto provado 20).
E em cumprimento desse acordo, o que se provou é que a Autora só entregou à Ré €15.000,00 (€10.000,00 mais €5.000,00, em 14-03-2019 e 17-05-2019 - factos provados 21, 23 e 24), tendo a Ré a partir de 17-05-2019 deixado de comparecer na obra.
Apesar desta factualidade provada, da mesma não resulta a razão pela qual a Ré suspendeu os trabalhos referentes à instalação dos painéis solares, sendo que não foi produzida prova donde se possa concluir com a necessária segurança que a Ré suspendeu os trabalhos pela razão referida neste ponto 52.
Lida a fundamentação da decisão de facto percebe-se que o tribunal a quo teve em conta as declarações do legal representante da Autora quando refere «relativamente aos 24 painéis solares não conseguiu explicar com clareza as condições de pagamento acordadas relativamente ao ultimo orçamento apresentado (o mencionado em 11. com o número ...93 e data de 19-02-2019), nomeadamente no que respeita à carrinha da marca ...» e do legal representante da Ré quando ao referir que o mesmo declarou «que não terminou a obra porque não lhe foi entregue em pagamento a carrinha IVECO conforme ficara acordado, acrescentando que o representante da sociedade Autora o impediu de voltar à obra.».
Ou seja, a única prova sobre a razão da suspensão dos trabalhos reside nas declarações do legal representante da Ré.
Afigura-se-nos que se trata de prova indiciária, mas insuficiente, por não estar coadjuvada por outro meio de prova que não provenha de quem tem interesse direto na causa. Por outro lado, a Autora questiona que tenha sido essa a razão do abandono da obra, sendo que as partes não apresentaram outro meio de prova donde se possa confirmar o facto em apuramento. E sendo assim, em face do critério previsto no artigo 414.º do CPC, a dúvida resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita, ou seja, no caso, a factualidade deve ser dada como não provada.
Acresce que não resulta dos factos provados em que momento do cumprimento do contrato celebrado entre as partes, a Autora teria de cumprir a prestação de entrega da carrinha.
Não estando provado qual fosse o prazo de cumprimento dessa prestação e tendo a Ré suspendido os trabalhos antes de concluir a instalação de todos os equipamentos necessários ao funcionamento dos painéis solares (cfr. factos provados 39, 40, 22 e 30) não se pode concluir que a Ré suspendeu os trabalhos porque o legal representante da Autora nada fez para a carrinha IVECO lhe fosse entregue.
Esclarecendo-se que a redação do ponto 52 parece reportar-se a todos os trabalhos, o que também não pode ser considerado, porquanto a questão do pagamento por via da entrega da referida carrinha apenas se encontra mencionada na decisão de facto em relação aos trabalhos referentes ao fornecimento e montagem completa dos painéis fotovoltaicos como acima referido.
Nestes termos, procede a impugnação quanto ao ponto 52 dos factos provados que passa a constar dos factos não provados.
Facto não Provado 58 («Apesar de saber que três dos sete aparelhos de ar condicionado que instalou não funcionavam, a R. foi prometendo à A. que trataria da situação e até hoje nunca corrigiu essa situação.»).
A Apelante pretende que esta factualidade seja dada como provada porque considera que, a não ser assim, existe contradição com os factos provados 25, 39 e 40.
Vejamos, então.
O facto provado 25 refere-se aos aparelhos de ar condicionado instalados, os que foram reparados e os que funcionam de forma deficiente.
O facto provado 39 reporta-se ao momento em que a Ré deixou de comparecer na obra (17-05-2019).
O facto provado 40 reporta-se a circunstância da Ré não ter concluído a obra, nem reparado os defeitos, o que lhe foi solicitado por sms e pelas cartas de 12-07-2019.
A matéria do ponto impugnado tem um âmbito mais limitado e concreto estando apenas em causa saber se ficou provado que a Ré sabia da existência dos defeitos dos aparelhos do ar condicionado, prometeu corrigi-los, nunca o tendo feito.
Ora, dessa promessa não existe qualquer prova e a Ré até nega na contestação que existam tais defeitos.
Sendo que dos factos provados 39 e 40 também não decorre essa prova. Desde logo, porque o teor dos sms não se encontra concretizado nos factos provados (nem sequer por remissão para o seu teor) e as cartas referem-se apenas aos defeitos dos painéis fotovoltaicos e não dos aparelhos do ar condicionado.
Assim, independentemente da existência dos defeitos cuja prova decorreu de outros meios de prova, mormente da perícia, o certo é que não se provou que a Ré tenha prometido reparar os defeitos relacionados com o fornecimento e instalação do ar condicionado.
Nestes termos, improcede a impugnação do ponto 58 dos factos não provados.
4. Se a sentença incorreu em erro de direito devendo a Ré ser condenada no pedido e a Autora/Reconvinda, por sua vez, absolvida do pedido.
4.1. A Apelante discorda em toda a linha da sentença recorrida, defendendo a sua revogação por ter ficado provado que a Ré entrou em incumprimento definitivo ao abandonar a obra sem corrigir os defeitos e sem completar todos os trabalhos, pedindo que a Ré seja condenada a restituir-lhe a quantia de €28.361,00, que corresponde ao valor que já pagou em execução do contrato (€27.000,00) e valor de uma reparação que já suportou (€861,00), acrescida de juros de mora comerciais desde a citação até integral pagamento.
Pede, ainda, que seja absolvida do pedido reconvencional.
A sentença, por sua vez, absolveu a Ré de todos os pedidos e condenou-a no pedido reconvencional.
Vejamos, então, se assiste razão à Apelante.
Para o efeito é preciso, antes de mais, aferir dos termos da negociação entre as partes.
Na sentença recorrida escreveu-se que os factos provados revelam que entre as partes foram celebrados «um ou mais contratos de empreitada» que se traduziram no «fornecimento e montagem de painéis solares, fornecimento e instalação de uma bomba de calor, nos termos e condições descritas nos pontos 5. a 9. e 19 dos factos provados, no fornecimento e montagem de um automatismo do portão de acesso à propriedade conforme ponto 10. dos factos provados e fornecimento e montagem de aparelhos de ar condicionado no imóvel referido em 1. nos termos e condições descritas em 12. dos factos provados (artigos 1154° e 1207°, todos do Código Civil).»
A Apelante, por sua vez, embora não questione esta asserção, entende que a resolução contratual que fez operar se reporta a uma obra inacabada que a Ré abandonou incorrendo em incumprimento definitivo, abarcando, assim, na construção jurídica que apresenta todo o fornecimento de equipamento e trabalhos realizados como se apenas tivesse sido celebrado um contrato de empreitada.
Não estando em causa que o acordo negocial das partes tem as caraterísticas de uma prestação de serviço, na modalidade de empreitada, regido especificamente pelos artigos 1154.º, 1155.º e 1207.º a 1230.º do CC e pelas regras gerais relativas ao cumprimento e incumprimento das obrigações que com as primeiras não se revelem incompatíveis, a questão que se coloca é se apenas foi celebrado um contrato de empreitada ou vários contratos de empreitada, independentes entre si, embora conexionados desde logo por as partes serem as mesmas, e se sendo vários, quais e em que termos ocorreu o seu (in)cumprimento, mormente se foram todos resolvidos pelas cartas de 12-07-2019 referidas no ponto 40 dos factos provados.
Como estipula o artigo 1207.º do CC, a «Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.»
São, pois, três os elementos do contrato de empreitada: os sujeitos, a realização de uma obra e o pagamento do preço.
Mas, na verdade, por comparação com outros contratos igualmente sinalagmáticos e onerosos, o traço distintivo do contrato de empreitada é a existência da «obra» que é a causa típica ou a função económica da empreitada e que se refere ao ato que o empreiteiro se obrigou a realizar.[4]
O conceito normativo de obra pressupõe sempre uma obrigação de resultado,[5] ainda que possa ser obtido mediante uma série de prestações duradouras que se podem prolongar no tempo, estando apenas concluído com a entrega da obra ao dono da obra.[6]
Ou seja, para aferir da existência de um único contrato de empreitada ou de vários contratos de empreitada é preciso atender aos termos da contratação e sobretudo à identificação da obra encomendada pelo dono da obra ao empreiteiro.
Dos factos provados resulta, a nosso ver, a celebração de vários contratos de empreitada distintos entre si, porque apesar das partes serem as mesmas, em momentos temporais diferentes foram encomendadas diferentes obras à Ré (empreiteira), mediante o pagamento de um determinado preço em relação a cada uma delas, o que foi precedido da apresentação de orçamentos próprios e aceitação (adjudicação) individualizada pela dona da obra (Autora).
Assim, podemos identificar os seguintes contratos de empreitada:
1- Fornecimento e montagem de bomba de calor com painéis de AQS (orçamentos n.ºs ...57, ...58 e ...59, com data de 06-11-2016), pelo valor de €5.380,00 sem IVA, tendo a Autora pago o valor de €6.000,00 (Factos provados 5 a 7, 15 a 18), que a Ré executou, mas nos termos referidos nos factos provados 15, 32, 33 e 47, 48 e 53.
2- Montagem de materiais e mão de obra do automatismo do portão de braços e reforço do portão com tubo retangular em ferro zincado (orçamento com data de 05-08-2017 denominado «G. Remessa n.º 1276» pelo valor, respetivamente, de €675,00 e €75,00 sem IVA), que a Ré executou, (Factos provados 10 e 11), tendo a Autora pago o valor orçamentado (acordo das partes).
3- Fornecimento e montagem de aparelhos de ar condicionado conforme acordo das partes de 13-10-2017, que a Ré começou a executar após essa data e após receber o valor de €2.000,00 e, posteriormente, mais €4.000,00, tendo concluído a execução em data não apurada, mas depois de março de 2018 e antes de 23-07-2019 (a última data corresponde à do relatório de avaria elaborado pelo N..., Ld.ª que vistoriou os equipamentos instalados pela Ré), nos moldes dos factos provados 12, 15, 25 a 28, 34, 43, 44, 45 e 46.
4- Fornecimento e montagem de Kit Híbrido de painéis fotovoltaicos com baterias conforme com o número ...93, de 19-02-2019 (a Autora não tinha aceite o orçamento de 06-11-2016 nessa parte) no valor total de €21.648,00 com IVA, tendo a Autora pago €15.000,00.
A Ré iniciou a montagem dos painéis fotovoltaicos após 14-03-2019; montou 24 painéis e suspendeu os trabalhos não tendo colocado as baterias e a partir de 17-05-2019 deixou de comparecer na obra (Factos provados 19 a 24, 28 a 31 e 33).
Identificados os contratos de empreitada celebrados pelas partes, verifica-se que a Ré conclui as obras adjudicadas em relação aos contratos de empreitada referidos em 1 a 3, mas não em relação ao contrato de empreitada referido em 4.
Resulta também que em relação aos contratos de empreitada concluídos (referidos em 1 a 3), o cumprimento foi defeituoso.
Por força da relação contratual que liga o empreiteiro ao dono da obra, aquele deve executar a obra em conformidade com o convencionado e sem vícios que lhe reduzam ou excluam o valor ou a aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato (artigos 1207.º e 1208.º do CC).
Se o empreiteiro deixa de efetuar a sua prestação em termos adequados, dá-se o inadimplemento da obrigação com a sua consequente responsabilidade.
No caso, atento os factos provados supra mencionados em relação ao modo como a empreiteira executou estas obras é de concluir que, para além do não cumprimento integral da prestação a cargo da empreiteira, a execução não se encontra nas condições convencionadas, apresentando anomalias, defeitos e desconformidades, conferindo a lei à dona da obra vários direitos como previsto nos artigos 1221.º, 1222.º e 1223.º do CC.
Sendo que os mesmos têm de ser exercidos pela ordem prevista nestes normativos, ou seja, pedir a eliminação dos defeitos; se não puderem ser eliminados, pode exigir nova construção; se tal não se verificar, pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina (artigo 1222.º, n.º 1, do CC), tudo isto sem prejuízo do direito a ser indemnizado nos termos gerais (artigo 1223.º do CC).
Como a jurisprudência e doutrina tem assinalado de forma consensual os direitos que assistem ao dono da obra concluída mas com defeitos são os referidos nestes normativos pela ordem ali referida, ressalvando-se, contudo, as situações de urgência de realização da obra, admitidas ao abrigo do artigo 336.º do CC[7] (urgência que, no caso, não vem invocada).
Ademais, estes direitos encontram-se sujeitos à denúncia dos defeitos e instauração da correspondente ação, sob pena de caducidade (artigos 2019.º a 1220.º do CC).
A caducidade do direito de denunciar os defeitos e de exigir a sua eliminação é uma exceção perentória, não suscetível de conhecimento oficioso porque estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes (artigos 333.º, n.º 2, e 303.º do CC).[8]
No caso em apreço, a Autora defende que resolveu os ditos contratos por a Ré não ter eliminado os defeitos, apesar de tal lhe ter solicitado como consta do ponto 40 dos factos provados.
Mas não se pode concordar com tal interpretação.
Já aquando da apreciação da impugnação da decisão de facto se mencionou que as cartas referidas neste facto provado apenas se referem aos painéis fotovoltaicos, o que resulta de forma cristalina do seu teor, a que acresce o facto de não sido dado como provado o teor das mensagens de sms.
Diga-se, ademais, que da leitura destas mensagens também não se extrai que a Autora tenha pedido de forma concreta e concludente a eliminação dos defeitos em relação aos contratos de empreitada supra referidos em 1 a 3, limitando-se a mencionar de forma apenas genérica a má execução das obras, sem nunca mencionar concretamente quais os defeitos e o prazo em que deveriam ser eliminados.
Por conseguinte, não estando provado que a Autora deu cumprimento ao disposto no artigo 1221.º e 1222.º do CC, não lhe assiste o direito de pugnar pela devolução dos valores pagos à Ré a pretexto de invocar a resolução contratual de um outro contrato de empreitada.
Assim, o pedido formulado em relação aos valores pagos relativamente aos contratos de empreitada supra identificados em 1 a 3, não pode proceder.
Não por não se ter provado o cumprimento defeituoso, que se provou, nem por se concluir que já tinha decorrido o prazo de denúncia e de instauração da correspondente ação, como referido na sentença, já que a caducidade não se pode ser conhecida oficiosamente (e a Ré não a invocou), mas porque não ficou provado que a Autora tenha dado cumprimento ao disposto nos artigos 1221.º a 1222.º do CC antes de instaurar a presente ação, invocando, desde logo, uma resolução contratual em relação a estes contratos de empreitada que, afinal, nem sequer provou.
Tem a jurisprudência entendido que o abandono antes da obra concluída, evidencia o propósito firme e definitivo de não cumprir a prestação a que se acha o empreiteiro vinculado, e, por conseguinte, coloca-o numa situação equivalente à de incumprimento definitivo. Nesse caso, o dono da obra pode resolver o contrato sem necessidade da interpelação admonitória prevista no artigo 808.º, n.º 1, do CC.
No caso em apreço, e em relação aos contratos de empreitada identificado supra sob os n.ºs 1 a 3, o incumprimento definitivo associado ao abandono da obra, não opera, porquanto a Ré executou e terminou estas obras antes de suspender e abandonar a obra que estava a executar referente aos painéis fotovoltaicos.
Em conclusão, ainda que com fundamento diferente do acolhido na sentença recorrida, a Ré tem de ser absolvida do pedido em relação ao peticionado quanto aos contratos de empreitada supra identificados sob os n.ºs 1 3.
4.2. Resta, agora, apreciar os factos provados em relação ao contrato supra identificado em 4, ou seja, a instalação dos painéis fotovoltaicos.
Esta obra não foi concluída como ficou provado. A Autora resolveu o contrato de empreitada e como consta do teor da comunicação resolutiva, fê-lo após interpelar a Ré para eliminar os defeitos e retomar a obra que suspendeu e abandonou, deixando por montar as baterias.
Como já referido, o abandono da obra traduz o propósito firme e definitivo de não cumprir a prestação, ficando o empreiteiro a partir desse momento numa situação equivalente à de incumprimento definitivo, sendo legítimo que o dono da obra resolva o contrato.
A sentença recorrida considerando que, apesar da Autora ter entregue à Ré a quantia de €15.000,00, não lhe entregou a carrinha IVECO devidamente legalizada como acordado, fazendo, assim operar a exceção de não cumprimento (artigo 428.º do CC), e, consequentemente, concluiu: «(…) a Ré só estará obrigada a continuar a realizar os trabalhos quando a Autora realizar integralmente a prestação a que se obrigou, no caso, o pagamento do remanescente do preço através da entrega da carrinha IVECO à Ré devidamente legalizada.», pelo que absolveu a Ré do pedido correspondente.
O assim decidido não pode ser corroborado porque foi eliminado dos factos provados o ponto 52 que corporizava a invocação da exceção de não cumprimento, tendo apenas ficado provado o acordo em relação à entrega da carrinha para pagamento do restante preço da empreitada.
Porém, não tendo resultado provado que foi acordado qualquer prazo para pagamento do remanescente do preço, e estando esta obrigação correlacionada com a realização da obra, na falta de convenção em contrário quanto ao prazo de pagamento, o preço (ou o remanescente, conforme o caso) apenas é devido após a realização, entrega e aceitação da obra (artigo 1210.º, n.º 2, do CC), cabendo ao empreiteiro o ónus de prova da realização e entrega (artigo 342.º, n.º 1, do CC).[9]
Na situação sub judice, a Ré não cumpriu esse ónus e, bem pelo contrário, o que se provou foi que suspendou os trabalhos, abandonou a obra deixando-a inacabada.
O que determinou o incumprimento definitivo do contrato por facto imputável ao empreiteiro e o direito da dona da obra resolver o contrato (artigos 798.º, 799.º e 801.º do CC).
A resolução contratual prevista no artigo 432.º e ss do CC tem os efeitos previstos no artigo 433.º sendo equiparada, na falta de disposição especial, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, tendo, em regra, efeito retroativo (artigo 434, n.º 1, do CC).
Assim, a resolução do contrato de empreitada determina para o dono da obra o direito de reaver o valor já pago pedindo a sua restituição e para o empreiteiro o direito a que lhe seja pago o valor dos materiais já adquiridos e incorporados (se for possível o seu levantamento sem deteiroração da coisa onde foram incorporados), mais o valor do trabalho efetuado ou, tal não sendo viável, mantendo-se a incorporação, admite-se que seja apurado esse valor e descontado no valor já pago pelo dono da obra, obtido eventualmente com recurso à equidade (cfr. artigos 1211.º, n.º 1, e 883.º, n.º 1, parte final, do CC), considerando as caraterísticas do caso concreto, por exemplo, substraindo ao valor da empreitada o valor já pago.[10]
Neste sentido, veja-se também o Ac. STJ, de 12-03-2009, lendo-se no seu sumário[11]:
«IV - A resolução tem como consequência a restituição do que tiver sido prestado, mas a retroactividade da resolução só faz sentido em relação ao que foi prestado sem contrapartida, pois deverá ser pago o valor da utilidade que adveio do aproveitamento dos trabalhos prestados e dos materiais aplicados.»
E na fundamentação a este propósito:
«No caso de resolução a lei não impõe a retroactividade se outra for a vontade das partes ou se a retroactividade não se harmonizar com a finalidade da resolução (2º segmento do Art.º 434º nº1 do C.C.).
(…)
A retroactividade só se faz sentir em relação ao que prestaram sem contrapartida…
Como ensina Vaz Serra – R.L.J- 102-168, “no caso de resolução por não cumprimento, baseada na lei, a eficácia retroactiva resulta de que, não cumprida a obrigação de uma das partes, fica sem razão de ser obrigação da outra, devendo, por isso, ser restituído o que esta tenha já prestado e podendo também o contraente faltoso recusar a sua prestação ou o equivalente e exigir a restituição do que tenha prestado, pois, havendo, nos contratos bilaterais, reciprocidade de prestações, dar-se-ia, de contrário, um locupletamento da outra parte.
Não pode, porém, exagerar-se o alcance da retroactividade; A retroactividade da resolução só tem lugar até onde a finalidade desta a justificar: as coisas não podem passar-se inteiramente como se nunca tivesse existido o contrato, pois este existiu de facto e dele podem ter surgido obrigações, direitos e situações não abrangidos pela razão de ser da resolução, e que esta, portanto, não elimina, subsistindo não obstante ela.”».
Sucede que na situação em apreciação, a Autora nada disse sobre a impossibilidade de levantamento do trabalho executado e do pagamento da sua execução. Também nada disse quanto ao seu interesse em manter os painéis solares colocados.
Aliás, percebe-se que não será essa a sua vontade por os painéis não corresponderem à marca que constava do orçamento.
Donde a possibilidade de condenar a Ré a pagar a diferença entre o valor recebido e o custo dos materiais e da execução parcial da obra, no caso, não é viável sob pena de excesso de pronúncia (artigo 608.º, n.º 2, do CPC).
Por outro lado, afigurando-se que não existe impossibilidade de levantamento dos equipamentos (painéis solares) colocados, a Ré tem de ser condenada a devolver o valor recebido a título de pagamento, assistindo-lhe o direito de levantar os painéis.
No que concerne ao custo do trabalho executado, não deve ser descontado no valor a restituir à Autora, porquanto a execução foi deficientemente realizada e, por isso, ficou afetado de forma negativa o valor intrínseco dessa prestação[12], aliás sem qualquer préstimo para a Autora e por isso não o deve pagar, pelo que essa circunstância não pode descurada na procura de uma situação justa e equilibrada no diz respeito ao efeitos da resolução no caso em apreço.
Assim sendo, procede o pedido formulado quanto à devolução do valor pago relativamente ao contrato de empreitada identificado supra sob o n.º 5, no montante de €15.000,00, assistindo à Ré o direito de proceder à sua custa ao levantamentos dos equipamentos (painéis solares) instalados.
De referir ainda que nas Conclusões KK) do recurso, citando um aresto do STJ, a Apelante invoca que, em caso de incumprimento definitivo mormente por abandono da obra, assiste a dono da obra o direito a ser indemnizado pelo interesse contratual positivo.
Como é sabido, em caso de resolução do contrato por incumprimento definitivo tem vindo a jurisprudência a admitir, com algumas reservas e sempre tendo em conta o caso concreto, a indemnização cumulada pelo interesse contratual negativo (compensação do credor pelas perdas conexionadas com a mera celebração do contrato) com a indemnização pelo interesse contratual positivo (ressarcimento do prejuízo que o contraente fiel não sofreria se o negócio houvesse sido integralmente cumprido pela contraparte), sem deixar de evidenciar a incoerência e contradição que resulta da eficácia resolutiva da resolução e correspondente destruição do contrato com uma indemnização pelo interesse contratual positivo que visa tornar indemne os danos que decorrem do incumprimento ou cumprimento defeituoso e que, naturalmente, pressupõe a existência e eficácia da relação contratual incumprida.[13]
Neste sentido, veja-se o decidido pelo STJ no Acórdão de 18-01-2022[14]:
«VI. No quadro dos desenvolvimentos mais recentes da doutrina e da jurisprudência, é de considerar, em tese, admissível a cumulação da resolução do contrato com a indemnização dos danos por violação do interesse contratual positivo, não alcançados pelo valor económico das prestações retroativamente aniquiladas por via resolutiva, sem prejuízo da ponderação casuística a fazer, à luz do princípio da boa fé, no concreto contexto dos interesses em jogo, mormente em função do tipo de contrato em causa, de modo a evitar situações de grave desequilíbrio na relação de liquidação ou de benefício injustificado por parte do credor lesado.»
Todavia, mesmo perfilhando-se que esta construção jurídica tem apoio legal no artigo 801.º, n.º 2, do CC, o princípio do dispositivo e do pedido sempre impõem que a parte formule pedido de indemnização pelo interesse contratual positivo e alegue a correspondente causa de pedir.
No caso sub judice, a causa de pedir e o pedido formulado assenta apenas na condenação da Ré numa indemnização pelo interesse contratual negativo visando a Autora ser ressarcida pelos prejuízos sofridos com a celebração do contrato, colocando-a na situação em que estaria se não tivesse negociado e ajustado o contrato incumprido.
Daí que a Autora formule pedido de devolução do preço já pago por conta desta empreitada em consequência da resolução desse contrato. Sendo que o valor da reparação referido no pedido (€861,00) reporta-se ao Relatório encomendado sobre as avarias do ar condicionado (factos provados 34 e 35) e não em relação ao contrato de empreitada referente aos painéis fotovoltaicos.
Em conclusão, não operando a exceptio non adimpleti contractus procede a apelação, com a consequente revogação da sentença, em relação ao pedido de condenação da Ré a devolver ao Autor o preço já pago referente ao contrato de empreitada identificado supra sob o n.º 5 (€15.000,00), assistindo à Ré o direito de retirar o equipamento implantado no imóvel da Autora.
4.3. Finalmente, cabe analisar o decidido quanto ao pedido reconvencional.
Na sentença recorrida a procedência do pedido reconvencional[15] assentou no seguinte:
«Conforme se provou, a Ré nos orçamentos que entregou à Autora deixou sempre explicito que o valor do IVA não estava incluído nos preços apresentados.
Não obstante, apesar de ter pago as quantias de 750,00€, 6.000,00€ e 5250,00€, a Autora nunca procedeu à entrega do imposto devido por aquelas quantias, respectivamente, de €172,50, €1.380,00 e €1207,50, no valor total de €2.760,00 - falta de entrega que se justifica se tivermos em conta que encontrando-se a Ré impedida de facturar à Autora não poderia declarar o recebimento de tais quantias como lhe competia.
Assim sendo, e uma vez que a situação fiscal da Autora já permite a facturação, terá a pretensão da Ré de merecer um juízo de procedência.»
A Apelante insurge-se contra o assim decidido, impugnando a decisão de facto quanto ao ponto 42 dos factos provados (que foi julgada improcedente) e que a Ré não emitiu a faturação porque não quis, mais referindo que o valor que pagou cobre quase na totalidade os valor dos orçamentos incluindo o valor do IVA.
Vejamos, então, se lhe assiste razão.
Como decorre dos factos provados, a Autora não pagou o IVA referente aos valores faturados referidos no ponto 50 dos factos provados.
Resultando do ponto no ponto 42 dos factos provados que a Ré se viu impossibilitada de emitir faturas em nome da Autora, uma vez que o sistema da Autoridade Tributária e Aduaneira não reconhece o NIF da sociedade Autora.
Como se refere na sentença, sem que a Apelante o desminta, essa impossibilidade encontra-se ultrapassada.
Sendo assim, a Autora encontra-se sujeita ao pagamento do IVA referido nas faturas que se reportam a trabalhos executados pela Ré e já pago pela Autora, pelo que tem de ser condenada a proceder ao pagamento do correspondente IVA.
Apenas com a seguinte retificação: a fatura referente ao valor da aquisição e instalação da bomba de calor corresponde a €5.250,00 de capital e €1.207,50 de IVA, no total de €6.457,50. Porém, a Autora em relação a este equipamento e instalação já pagou €6.000,00 (factos provados 15 a 18), pelo que o valor em dívida corresponde a €457,50, procedendo, assim, o pedido reconvencional no valor total de €2.010,00 (€172,50 + €1.380,00 + €457,50).
Nestes termos, procede em parte a apelação em relação ao pedido reconvencional.
5. Dado o recíproco decaimento, as custas do recurso ficam a cargo da Apelante e Apelada na proporção do vencimento (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.
IV- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente:
a)- Revogam a sentença recorrida na parte em absolveu a Ré do pedido em relação ao contrato de empreitada dos painéis fotovoltaicos, condenando-a a pagar à Autora a quantia de €15.000,00 (quinze mil euros), sem prejuízo da Ré proceder ao levantamento dos referidos painéis, e, ainda, condenam a Ré a pagar juros de mora vencidos e vincendos deste a citação até integral pagamento, à taxa aplicável às obrigações comerciais;
b)- Alteram a sentença em relação ao valor da condenação do pedido reconvencional, condenando a Autora a pagar à Ré reconvinte a quantia de €2.010,00 (dois mil e dez euros), absolvendo-a do valor restante, incidindo sobre o valor da condenação juros de mora vencidos e vincendos deste a notificação da contestação até integral pagamento, à taxa aplicável às obrigações comerciais;
c) – No mais confirmam a sentença recorrida.
Custas nos termos sobreditos.
Évora, 12-09-2024
Maria Adelaide Domingos (Relatora)
Maria José Cortes (1.ª Adjunta)
Manuel Bargado (2.º Adjunto)
__________________________________________________
[1] Cfr. Ac. STJ, de 09/03/2022, proc. nº 4345/12.9TCLRS-A.L1.S1 (Isaías Pádua), em www.dgsi.pt.
[2] Cfr. Ac. STJ, de 03/03/2021, proc. n.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1 (Leonor Cruz Rodrigues), em www.dgsi.pt.
[3] LEBRE DE FREITAS et al., Código de Processo Civil Anotado, Almedina, 3.ª ed., 2017, Vol. 2.º, p. 735 (2).
[4] Cfr. ANTUNES VARELA, RLJ, 121.º, p. 185.
[5] Cfr. JORGE DE BRITO PEREIRA, Do conceito de Obra no Contrato de Empreitada, p. 576, disponível em https://www.oa.pt/upl/%7B0085283a-052f-4821-9c94-e42b9e06fa08%7D.pdf.
[6] ROMANO MARTINEZ, Contrato de Empreitada, Almedina, 1994, pp. 67 ss.
[7] Cfr. Ac. RG, de 01-06-2023, proc. n.º 300/21.6T8AMR.G1 (Paulo Reis), em www.dgsi.pt.
[8] Cfr., entre outros, Ac. STJ, de 04-12-2003, proc. n.º 9333/2006-3 (Granja da Fonseca); Ac. RP, de 03-04-2017, proc. n.º 306/14.1T8MTS.P1 (Carlos Gil), em www.dgsi.pt.
[9] Neste sentido, cfr. AC. RE, de 25-02-2021, proc. n.º 331/18.3T8TVR.E1(Emília Ramos Costa), em www.dgsi.pt.
[10] Neste sentido, cfr. Ac. RG 15-09-2022, proc. 140/19.2T8VRM.G1 (Margarida Almeida Fernandes), em www.dgsi.pt.
[11] Ac. STJ 12-03-2009, proc. 08A4071 (Moreira Alves), em www.dgsi.pt.
[12] Cfr. Ac. STJ de 28-11-2013, proc. n.º 268/03.0TBVPA.P2.S1 (Lopes do Rego), em www.dgsi.pt.
[13] Cfr., entre outos, o Ac. STJ referido na nota anterior e a doutrina ali citada.
[14] Proferido no proc. n.º 3609/17.0T8AVR.P1.S1(Pedro Lima Gonçalves), em www.dgsip.pt.