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INVENTÁRIO
RECLAMAÇÃO
RELAÇÃO DE BENS
TEMPESTIVIDADE
Sumário
I - Embora seja sempre exigível um substrato mínimo de enquadramento factual e jurídico, o dever de fundamentação de um despacho não reveste a mesma complexidade e grau de exigência que o de uma sentença. II - O artigo 1104º do CPC, na redação introduzida pela Lei nº 117/2019, de 13 de setembro, prevê, no seu nº1, um prazo único e preclusivo de 30 dias, para cada interessado direto na partilha deduzir todos os meios de defesa ao inventário, impugnar os créditos e as dívidas da herança ou deduzir reclamação à relação de bens apresentada. III - O decurso deste prazo não obsta a que o interessado possa vir ainda requerer o aditamento de novas verbas ou impugnar as verbas constantes da relação de bens, com fundamento em superveniência objetiva ou subjetiva, nos termos e com os limites previstos no artigo 588º do CPC. IV - No caso de superveniência subjetiva, aquele que a invoca tem o ónus de alegar e provar a sua falta de culpa na invocação fora de tempo, sob pena de rejeição do requerimento feito nesse sentido. V - Agir sem culpa significa atuar em termos tais que a conduta, nas circunstâncias concretas em que se desenvolve, não é passível de qualquer censura ou reprovação pessoal ao seu autor. VI - A mera invocação de um princípio constitucional ou de um direito fundamental não configura uma suscitação processualmente adequada de uma questão de inconstitucionalidade normativa. (Sumário elaborado pelo relator)
Texto Integral
Proc. nº 2072/21.5T8STR-A.E1
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I - RELATÓRIO
Nestes autos de inventário por óbito de AA e BB, em que é cabeça de casal CC e interessado, entre outros, AA, veio este último, por requerimento de 02.04.2024, requerer a notificação da cabeça de casal «para retificar a Relação de Bens apresentada, adicionando os artigos que ainda se encontram em nome do Inventariado, DD, visto que os mesmo fazem parte integrante dos Bens da Herança.»
Na conferência de interessados que teve lugar no dia 03.04.2024, o Sr. Juiz a quo proferiu o seguinte despacho:
«Em relação ao requerimento apresentado pelo interessado AA no dia 02-04-2024, decide-se o seguinte: - Salvo o devido respeito, o requerimento em causa, apresentado pelo interessado AA, em que solicita o aditamento de outros bens a partilhar nos presentes é extemporâneo, na medida em que foi apresentado depois do prazo legalmente previsto, nomeadamente nos termos do disposto no artigo 1104º, do C.P.Civil. Em conformidade tal reclamação não poderá ser agora admitida. Se o interessado AA reclama outros bens que fazem parte da herança a partilhar nos pressentes autos, esta situação deverá ser suscitada num incidente de partilha adicional a deduzir posteriormente à partilha nos presentes autos. Em qualquer dos casos sempre se dirá da análise na diagonal da questão, consideramos que está em causa uma decisão complexa que não poderá ser resolvida no âmbito dos presentes autos de inventário, mas apenas nos meios comuns. Indefere-se assim liminarmente a nova reclamação apresentada pelo interessado AA no seu requerimento de 02-04-2024.»
Inconformado, o interessado/requerente interpôs recurso desta decisão, pugnando pela sua revogação, finalizando as alegações com as conclusões que se transcrevem:
«1) Foi apresentado pelo Requerente o Inventário, o que deu causa aos presentes autos;
2) Foi nomeado o Cabeça-de-Casal, e apresentada a Relação de Bens que consta junta aos autos;
3) O aqui Requerente apresentou reclamação à Relação de Bens apresentada;
4) Posteriormente, antes da Conferência de Interessados, o Requerente apresentou o aditamento à Relação de Bens, conforme requerimento acima transcrito;
5) Por Despacho de fls., o Meritíssimo Juiz decidiu o que acima se transcreveu;
6) Com a entrada em vigor da Lei nº 117/2019, ficou definido no nº 1, do artigo 1104º do CPC, um prazo único de 30 dias para os interessados diretos na partilha deduzirem todos os meios de defesa ao inventário;
7) A preclusão do direito de apresentar reclamação de bens, não impede a possibilidade de vir ainda a ser apresentada o aditamento/reclamação à relação de bens, com fundamento na superveniência objetiva ou subjetiva, nos termos do 588 do CPC, quer porque os factos que fundamentam essa reclamação são supervenientes, quer porque não o sendo, o interessado apenas teve conhecimento destes factos depois de decorrido o prazo para apresentar reclamação à relação de bens;
8) O Requerente apenas teve conhecimento da existência de mais três prédios que se encontram inscritos a favor dos inventariados já posteriormente à preclusão do prazo de reclamação;
9) O Requerente desconhecia a existência dos referidos prédios, bem como o artigo matricial onde foi construída/implantada a casa de habitação de habitação da Cabeça-de-Casal;
10) Até porque, quando foi apresentado o Imposto Selo, aquando do óbito dos Inventariados, o Cabeça de Casal não fez constar no mesmo, os prédios ora aditados pelo Requerente;
11) Quando o Requerente teve conhecimento da existência dos referidos prédios e, antes da Conferência de Interessados, apresentou requerimento ao processo com o aditamento dos referidos bens, alegando o conhecimento superveniente;
12) Tendo o requerimento de aditamento/reclamação à relação de bens sido apresentada pelo Requerente antes da realização da Conferência de Interessados, não se verifica nenhum dos obstáculos à invocação de factos supervenientes;
13) O que ocorreu nos presentes autos;
14) Não se vislumbra qualquer impedimento para que o aditamento/reclamação à Relação de Bens, atendendo à superveniência do conhecimento, pelo Requerente, da existência de mais três prédios do acervo patrimonial da herança dos inventariados, requerido pelo Requerente não fosse e não seja admitido;
15) Com fundamento nas razões supra aduzidas entende o recorrente que deve ser revogado o Despacho recorrido, quanto ao indeferimento da aditamento/reclamação à relação de bens, substituindo-o, nessa parte por decisão que reconheça a inclusão de tais verbas/prédio na Relação de Bens, com todas as consequências legais daí resultantes;
16) Por erro de interpretação e aplicação, violou a decisão recorrida os preceitos legais supracitadas e demais disposições legais citadas no presente recurso;
17) Não estamos perante uma decisão complexa que não poderá ser resolvida nos presentes autos, visto que está em causa é a partilha dos bens que eram do acervo patrimonial do De cujus;
18) Também quanto a esta parte deve ser revogado o Despacho recorrido, com todas as consequências legais daí resultantes, o que, desde já e aqui, se requer;
19) Lendo, atentamente, o Despacho, na parte de que se recorre, verifica-se que não se indica nela factos concretos suscetíveis de revelar, informar, e fundamentar, a real e efetiva situação, do verdadeiro motivo da não procedência da pretensão do Recorrente;
20) O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo não fundamentou de facto e de direito a sua decisão e a Lei proíbe tal comportamento;
21) O Meritíssimo Juiz “a quo” na decisão sob recurso, viola o disposto nas alíneas b), c) e d) do artigo 615º do Código do Processo Civil, uma vez que não interpretou corretamente a lei aplicável ao caso em concreto;
22) Tanto mais, que o direito do Recorrente é um direito legal e constitucional;
23) Segundo se encontra claramente patente nos termos supra invocados, o Despacho, na parte de que se recorre padece das nulidades acima transcritas, pelo que deverá ser revogado, com todas as consequências legais daí resultantes;
24) A decisão recorrida não é de mero expediente, daí ter de ser suficientemente fundamentada;
25) O Tribunal com a decisão recorrida não assegurou a defesa dos direitos do Recorrente ao não fundamentar exaustivamente a sua decisão, e nem se quer aplicar a as normas legais aplicáveis ao caso em concreto.;
26) Deixando o Meritíssimo Juiz a quo de se pronunciar sobre algumas questões que são essenciais à boa decisão da causa, nomeadamente as acima expostas;
27) O Meritíssimo Juiz não fundamentou de facto e de direito a sua decisão, cometendo, assim, uma nulidade;
28) Pelo que se impõe a Revogação do Despacho, na parte de que se recorre, com todas as consequências legais daí resultantes
29) O Despacho, na parte de que se recorre, viola:
a) O disposto no nº 1 do artigo 154º, nº 1 do 588º, alíneas b), c) e d) do artigo 615º, 1104º, do Código do Processo Civil;
b) O disposto nos Artigos 13º, 20, 202º, 204º e 205º da CRP.»
O Ministério Público, em representação do interessado menor EE, apresentou contra-alegações, defendendo a inadmissibilidade do recurso[1] e pugnando pela confirmação do julgado, por entender que a decisão recorrida «não padece de qualquer vício, não tendo violado quaisquer normas legais ou princípios constitucionais».
Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), as questões essenciais a decidir consubstanciam-se em saber.
- se a decisão recorrida enferma de nulidade;
- se o requerimento para aditamento de novas verbas apresentado pelo interessado/ recorrente deve ser admitido por superveniência nos termos gerais previstos no art. 588 º do CPC.
III – FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS
Os factos que relevam para o conhecimento do mérito do recurso são os que constam do relatório supra, sendo que a demais tramitação processual relevante será indicada na oportunidade, para evitar repetição inútil.
O DIREITO Da nulidade da decisão recorrida
Diz o recorrente que a decisão recorrida não se encontra fundamentada de facto e de direito, violando dessa forma «o disposto nas alíneas b), c) e d) do artigo 615º do Código do Processo Civil, uma vez que não interpretou corretamente a lei aplicável ao caso em concreto» [conclusões 20 e 21].
Mas não tem razão.
Na verdade, basta uma leitura atenta da decisão recorrida para se ver que a mesma se encontra devidamente fundamentada de facto e de direito: « o requerimento em causa, apresentado pelo interessado AA, em que solicita o aditamento de outros bens a partilhar nos presentes é extemporâneo, na medida em que foi apresentado depois do prazo legalmente previsto, nomeadamente nos termos do disposto no artigo 1104º, do C.P.Civil.»
Também se afigura de meridiana clareza que o ónus de fundamentação não se impõe em todos os casos da mesma maneira. A fundamentação das decisões judiciais, além de ser expressa, clara, coerente e suficiente, deve também ser adequada à importância e circunstância da decisão. Quer isto dizer que as decisões judiciais, ainda que tenham que ser sempre fundamentadas, podem sê-lo de forma mais ou menos exigente (de acordo com critérios de razoabilidade) consoante a função dessa mesma decisão, perspetivada nas vertentes endoprocessual e extraprocessual[2].
Com efeito, embora seja sempre exigível um substrato mínimo de enquadramento factual e jurídico, o dever de fundamentação de um despacho não reveste a mesma complexidade e grau de exigência que o de uma sentença.
O recorrente confunde nulidade da decisão com um eventual erro de julgamento, como denuncia a sua própria alegação: «(…), uma vez que não interpretou corretamente a lei aplicável ao caso em concreto».
A nulidade de uma decisão judicial é um vício intrínseco da mesma e não se confunde com um hipotético erro de julgamento, de facto ou de direito, que é aquilo que verdadeiramente é questionado pelo recorrente.
Em suma, a decisão recorrida não enferma da nulidade invocada pelo recorrente.
Da admissibilidade do requerimento apresentado pelo interessado para aditamento de novas verbas à relação de bens
Resulta do disposto no art. 1104º do CPC - na redação introduzido pela Lei n.º 117/2019 de 13/09, aqui aplicável – que os interessados diretos na partilha podem, no prazo de 30 dias a contar da sua citação, opor-se ao inventário, impugnar a legitimidade dos interessados ou a competência do cabeça-de-casal e apresentar reclamação à relação de bens.
Prevê-se neste preceito legal, ao contrário do que sucedia no âmbito do anterior Regime Jurídico do Processo de Inventário (art. 30) e nos arts. 1343º e 1348º do anterior CPC - até à alteração introduzida pela Lei nº 23/2013 de 05/03 - um prazo único de 30 dias para os interessados diretos na partilha, deduzirem todos os meios de defesa ao inventário, impugnarem os créditos e as dívidas da herança ou deduzirem reclamação à relação de bens apresentada.
O decurso deste prazo que, ao contrário do previsto na ação declarativa (cfr. art. 569º, nº2, do CPC) corre autonomamente para cada interessado, preclude este direito de oposição e conduz à estabilização no processo dos elementos elencados na fase dos articulados. Preclude, ainda, o direito de qualquer interessado apresentar reclamação à relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal ou impugnar os créditos a as dívidas da herança.
Como se refere no acórdão da Relação de Coimbra de 03.05.2023[3], «[t]rata-se de alteração relevante introduzida pela Lei nº 117/2019 ao anterior regime de inventário. Ao definir fases perfeitamente delimitadas no processo de inventário visou evitar que, à semelhança do que ocorria no âmbito do artº 1048 do anterior C.P.C., se pudessem dissociar as fases de oposição ao inventário da fase de reclamação da relação de bens, dissociação que permitia a possibilidade que resultava do nº 6 deste preceito legal de a reclamação de bens poder ser apresentada findo o prazo concedido aos interessados (10 dias após a notificação da relação de bens, cfr. resultava do seu nº1), a qualquer altura e ainda que já proferido despacho determinativo da forma de partilha, com a única cominação de o interessado ser sujeito a multa, “excepto se demonstrar que a não pôde oferecer no momento próprio, por facto que não lhe é imputável».
De tal alteração, o primeiro olhar da doutrina maioritária vai no sentido de que o recurso de tal prazo perentório faz precludir o direito de apresentar reclamação à relação de bens.
Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa[4] referem, a este propósito: «[c]ontrariando a solução prevista no artigo 1348º CPC 1961, a reclamação relativa à relação de bens não suporta o diferimento que tal regime permitia. Uma vez que os bens são relacionados pelo cabeça de casal e só depois se procede à citação dos interessados, facilmente se compreende que também tenha sido marcado um prazo perentório para o exercício do direito de defesa mediante reclamação, de modo que, uma vez exercido o direito do contraditório e produzidas as provas pertinentes, as questões atinentes ao ativo e passivo da herança estejam definitivamente decididas quando for convocada a conferência de interessados».
Também Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres[5], sustentam que, no atual sistema, o momento das reclamações é necessariamente o previsto no nº 1, sob pena de preclusão do direito de reclamar, ainda que, naturalmente, sem prejuízo da invocação de uma situação de superveniência (cfr. artigo 588º, nº 2, do CPC.
Assim, a preclusão do direito de apresentar reclamação à relação de bens, não impede a possibilidade de vir ainda a ser apresentada esta reclamação, com fundamento em superveniência objetiva ou subjetiva, nos termos previstos no art. 588º do CPC, quer porque os factos que fundamentam essa reclamação são supervenientes, quer porque não o sendo, o interessado apenas teve conhecimento destes factos depois de decorrido o prazo para apresentar reclamação à relação de bens, mas sempre tendo como limite temporal o do encerramento da discussão, no caso em apreço o da sentença homologatória da partilha[6].
Ora, um dos requisitos essenciais para ser admitido um articulado superveniente, quando seja alegado o conhecimento de novo acervo patrimonial a partilhar, é que seja alegada e provada essa superveniência (artigo 588º, nº 2, do CPC).
Se assim não for e o juiz concluir que a arguição da falta de bens relacionáveis foi feita fora de prazo, por culpa do arguente, deve rejeitar liminarmente essa arguição. É o que decorre do disposto no artigo 588º, nº 4, 1ª parte, do CPC.
Segundo José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[7], «o que o preceito significa, em harmonia com o regime geral do art. 140-1 (justo impedimento), é que o autor do articulado superveniente terá, (…), de alegar e provar (ainda que por admissão da parte contrária) que tal não lhe é imputável».
Daí que sobre o interessado, ora recorrente, impendesse o ónus de alegação e prova da sua falta de culpa na ausência de oportuna reclamação com vista à inclusão de novas verbas na relação de bens.
Ora, «agir sem culpa significa atuar em termos tais que a conduta, nas circunstâncias concretas em que se desenvolve, não é passível de qualquer censura ou reprovação pessoal ao seu autor»[8].
No caso de superveniência subjetiva, só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade do apresentante, num quadro normal de diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação.
Ora, aceitando estas considerações como pressupostos e o requerimentos de 02.04.2024 sobre o qual recaiu a decisão recorrida, fácil é concluir que no caso em análise, não estamos perante nenhuma situação em que o recorrente se possa considerar isento de culpa pela falta oportuna de reclamação de bens, considerando, ademais, que em momento algum alegou desconhecimento dos factos invocados, nem tão pouco apresentou qualquer prova nesse sentido.
Bem andou, pois, o Sr. Juiz a quo ao indeferir liminarmente o requerido pelo interessado/recorrente.
Da (in)constitucionalidade da decisão recorrida
Sustenta o recorrente que a decisão recorrida viola os princípios consignados na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente consignados nos artigos 13º e 20º, isto porque, no seu entendimento, «não assegurou a defesa dos direitos do Recorrente ao não fundamentar exaustivamente a sua decisão, e nem se quer aplicar a as normas legais aplicáveis ao caso em concreto», limitando-se o Sr. Juiz «a emitir uma Sentença “economicista”, isto é, uma decisão onde apenas de uma forma simples e sintética foi indeferida a pretensão do Requerente», deixando o mesmo «de se pronunciar sobre algumas questões que são essenciais à boa decisão da causa, nomeadamente as acima expostas».
É patente que tal alegação não tem qualquer viabilidade jurídica. Por um lado, a questão colocada nada tem a ver com uma hipotética violação da Constituição, respeitando antes à alegada nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação, que como vimos supra é inexistente e, por outro lado, no nosso sistema constitucional, por força do artigo 204º da Constituição da República Portuguesa, a fiscalização concreta da inconstitucionalidade reporta-se a normas jurídicas tidas por inconstitucionais e não a decisões judiciais.
Nos termos deste preceito constitucional, compete, em primeira linha, ao tribunal no qual se encontra pendente determinada causa, pronunciar-se no sentido da (des)conformidade com a Constituição das normas aplicadas ou aplicáveis à resolução do litígio, podendo recusar a sua aplicação com fundamento em inconstitucionalidade.
A recorrente invoca a inconstitucionalidade da decisão e não da norma ou normas em que a mesma se alicerçou, pelo que a referida alegação não se enquadra nos pressupostos do artigo 204.º da CRP[9].
Com efeito, a mera invocação de um princípio constitucional ou de um direito fundamental não configura uma suscitação processualmente adequada de uma questão de inconstitucionalidade normativa[10].
Por conseguinte, o recurso improcede, não se mostrando violadas as normas jurídicas invocadas ou quaisquer outras.
Vencido no recurso, suportará o interessado/recorrente as respetivas custas – art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC.
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
*
Évora, 12 de setembro de 2024
Manuel Bargado (Relator)
Maria João Sousa e Faro
Mário Branco Coelho
(documento com assinaturas eletrónicas)
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[1] O que não foi atendido pelo Tribunal a quo, que considerou o requerimento apresentado pelo recorrente como incidente de reclamação contra a relação de bens, o que mereceu a concordância do relator no despacho onde se mandou inscrever o processo em tabela.
[2] Cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra, 2007, pp. 72 e 73.
[3] Proc. 773/17.1T8LMG-E.C1, in www.dgsi.pt.
[4] In Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, p. 570.
[5] In O Novo Regime do processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, 2020, p. 81.
[6] Neste sentido, vide o citado acórdão da Relação de Coimbra de 03.05.223, e o acórdão da mesma Relação de 10.01.2023, proc. 1001/21.0T8PBL.C1, no mesmo sítio.
[7] Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 3ª edição, Almedina, p. 616.
[8] Acórdão da Relação do Porto de 14.12.2022, proc. 224/17.1T8GDM-B.P1, in www.dgsi.pt. No mesmo sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13.03.2023, proc. 541/21.6T8CNT-A.C1, no mesmo sítio.
[9] Cfr., inter alia, o acórdão desta Relação de 28.09.2023, proc. 1533/20.8T8STB.E1, in www.dgsi.pt.
[10] Acórdão do STJ de 02.02.2022, proc. 1734/11.0TBVIS-A.S1, in www.dgsi.pt.