CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
Sumário


I – Em processo de contraordenação laboral a decisão da autoridade administrativa que aplica a coima e ou as sanções acessórias deve conter a descrição dos factos imputados com indicação das provas obtidas e as normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão:
II – Esta pode consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas de decisão elaboradas no âmbito do respetivo processo.
III – O que importa é que a decisão administrativa contenha as razões, ainda que sumárias, de facto e de direito, que conduziram à condenação da arguida, de forma a que esta, lendo a mesma, se aperceba, dentro dos critérios da normalidade de entendimento, das razões por que foi condenada e possa aferir da oportunidade de impugnar judicialmente a decisão.
IV – Mas essa decisão não tem que ter o rigor de uma sentença penal, ou até de uma sentença civil no que à matéria de facto diz respeito.
(Sumário elaborado pelo relator)

Texto Integral


Proc. n.º 1375/21.3T8FAR.E1
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]:

I. Relatório
A arguida 2045 – Empresa de Segurança, S.A., impugnou judicialmente a decisão de 6 de abril de 2021 da ACT - Autoridade para as Condições do Trabalho (Unidade Local ...) que lhe aplicou uma coima de € 15.000,00 pela prática de um contraordenação muito grave, p. e p. pelo artigo 285.º, n.º 10, alínea b) do Código do Trabalho.

Por sentença de 10-04-2024, do Juízo do Trabalho ... - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., foi negado provimento à impugnação judicial e confirmada a decisão recorrida.

Inconformada com o assim decidido, a arguida interpôs recurso para este tribunal, tendo na motivação de recurso apresentado as seguintes conclusões:
«A) Vem o presente Recurso interposto da douta sentença que negou provimento ao recurso e em consequência manteve a decisão administrativa recorrida,
B) Nos termos do disposto no art. 51º, nº 1, da Lei 107/2009, de 14 de Setembro, o recurso nas contra-ordenações em segunda instância é restrito à matéria de direito, salvo se se verificar a existência dos vícios no julgamento da matéria de facto, previstos no art. 410º, n.º 2, do CPP, o que nos presentes autos ocorre, devendo ser alterada a matéria de facto.
C) A Sentença contem vícios no julgamento da matéria de facto, previstos na alínea b) do nº 3 do artº 283º do C.P.P, aplicável ex vi o artº 41º RGCO e alínea a) do nº 2 do artº 410º do C.P.P, devendo ser considerada NULA.
D) Foi imputado à Recorrente a prática de uma infração ao disposto no nº 10, alínea b) do artº 285º do Código do Trabalho.
E) Nos termos do disposto no nº 1 do artº 285º do Código do Trabalho, em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores.
F) O nº 5 do referido dispositivo legal define o que se deve entender por unidade económica, como sendo o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha identidade própria, com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória.
G) O que resulta da Decisão da ACT não configura eventual transferência de quaisquer elementos ou meios organizados suscetíveis de configurarem uma unidade económica nos termos legalmente definidos no nº 5 do artº 285º do Código do Trabalho, mas apenas uma situação de mera sucessão na atividade de prestadores de serviços e à qual não corresponde uma qualquer transmissão de uma entidade económica.
H) Como tem sido entendido pela Jurisprudência do TJUE a mera sucessão na atividade de prestadores de serviços não é suficiente para configurar uma transmissão de unidade económica: Uma entidade não pode ser reduzida à atividade de que está encarregada. A sua identidade resulta também de outros elementos, como o pessoal que a compõe, todo o seu enquadramento, a organização do seu trabalho, os seus métodos de exploração ou, ainda os meios de exploração à sua disposição.
I) Para que se conclua pela transmissão de contrato de trabalho ao abrigo do artº 285º do Código do Trabalho, importa avaliar se a unidade económica mantém a sua identidade e se se mostra dotada de autonomia técnico-organizativa própria, constituindo uma unidade produtiva autónoma, com organização específica, e com identidade própria o que não foi devidamente ponderado na Decisão da ACT.
J) Deveria a Decisão da ACT ter ponderado e avaliado globalmente a existência de determinados elementos indiciários, sendo frequentemente enunciados pelo TJUE como relevantes, a título não exaustivo, os seguintes: O tipo de empresa/atividade ou estabelecimento; Apurar se houve transferência ou não de bens corpóreos, tais como edifícios, bens móveis e imóveis, bem como o valor dos elementos incorpóreos existentes no momento da transmissão; Verificar se se operou a reintegração ou não, por parte do novo empresário, do essencial dos efetivos, no domínio dos recursos humanos; confirmar se ocorreu a transmissão, entendida enquanto continuidade da clientela; comprovar o grau de similitude entre as atividades exercidas antes e depois da transmissão e eventual suspensão dessas atividades.
K) Em face dos factos provados na Decisão e devidamente valorados tais elementos indiciários é impossível concluir-se no caso “sub judice” pela existência de uma unidade económica, como sendo o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha identidade própria, que se houvesse transmitido,
L) A ACT não apurou devidamente os factos para concluir como simplesmente concluiu e/ou utilizando expressões vagas e genéricas nos pontos 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20 e 21 do que apelida Factos Provados, devendo os mesmos considerarem-se não escritos. A palavra “transmitido(s)” que consta dos pontos 10, 11, 12 e 13, por se reportar diretamente ao “thema decidendum deverá ser suprimida.
M) Pelos mesmos motivos também as mesmas expressões que constam das alíneas S) e U) dos Factos assentes como provados na Sentença devem ser eliminadas e eliminadas as alíneas X) e Z) que apenas contem expressões vagas, genéricas e de conteúdo conclusivo.
N) É na decisão administrativa que se delimitam os factos imputados à acoimada e, portanto, é com essa decisão que se estabelece o objeto submetido a julgamento, não sendo licito ao tribunal adicionar factos não contemplados na decisão administrativa, ou seja, não contemplado no universo de factos em discussão submetidos a julgamento, por tal violar o princípio da vinculação temática também aplicável em sede contraordenacional.
O) A falta de factos na decisão administrativa torna-a nula nos termos do artº 283º nº 3 al. b) do Código de Processo Penal, aplicável ex vi o artº 41º RGCO.
P) A Sentença procurou colmatar a insuficiência da matéria de facto da Decisão Administrativa para a condenação da Recorrente, adicionando e alterando factos que da mesma náo constavam, como é que caso do que consta das alíneas ), H), I), J), K), L), M), N), O), P), Q), R), X), Y), Z), AA), BB), FF), GG), HH), II), JJ), KK), MM) dos ,factos assentes como provados, em violação ao disposto no artº 283º nº 3 al. b) do Código de Processo Penal, aplicável ex vi o artº 41º RGCO, o que acarreta a sua NULIDADE nos termos do disposto no artº 379º nº 1 al. b) do CPP.
Q) O que corresponde na Sentença à matéria que consta da Decisão Administrativa é apenas o que consta das alíneas A), B), C), E ), F), S), T), U) e W) da Sentença e tal matéria é inteiramente insuficiente a que se conclua pela existência de transmissão de uma unidade económica.
R) Tal como tem sido orientação Jurisprudencial, a mais relevante e recente no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/09/2023, Procº nº 11821/21.0T8LSB.L1.S1, Relator Mário Belo Morgado, acessível em www.dgsi.pt., continua a exigir-se a prévia interpretação dos indicadores para saber se ocorreu a transferência de um estabelecimento ou unidade económica, pelo
S) Consequentemente mesmo com a aplicação do nº 10 do artº 285º do Código do Trabalho, importava aferir se é ou não a situação a que se reportam os autos e, como resulta do atrás exposto, não existe matéria de facto suficiente na Decisão Administrativa que pudesse levar a tal conclusão,
Termos em que
Deverá ser concedido provimento ao presente recurso, devendo a Sentença ser considerada NULA e substituída por douto Acórdão que absolva a ora Recorrente e em qualquer cado deverá a Recorrente ser absolvida por insuficiência da matéria de facto constante da decisão administrativa».

O recurso foi admitido na 1.ª instância, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo:
Todavia, tendo a recorrente prestado caução, o recurso tem efeito suspensivo, como, de resto, se afirmou no despacho proferido pelo relator aquando da admissão do recurso (cfr. artigo 35.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09).

Ainda na 1.ª instância, o Ministério Público respondeu ao recurso, a sustentar, em síntese, que no recurso não são invocados quaisquer concretos vícios a que alude o artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, nem sequer eles existem, e que se verifica a prática dos elementos objetivos e subjetivos da contraordenação, pelo que deve negar-se provimento ao recurso.

Recebidos os autos nesta Relação, neles a exma. procuradora-geral adjunta emitiu douto parecer, no qual se pronunciou pela improcedência do recurso.

Ao referido parecer respondeu a recorrente, a reafirmar o constante das conclusões da motivação de recurso, maxime que a autoridade administrativa (ACT) não apurou devidamente os factos e que a decisão recorrida violou o princípio da vinculação temática, ao dar como provados factos que aquela não apurou.

Elaborado projeto de acórdão e colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Objeto do recurso
Como é sabido, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, que aqui não se detetam – artigos 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, ex vi do artigo 41.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (Regime Geral das Contraordenações e Coimas) e do artigo 50.º, n.º 4, da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro (Regime processual aplicável às contraordenações laborais e de segurança social).
Assim, tendo em conta as conclusões da motivação de recurso, são as seguintes as questões essenciais a decidir:
1. se a “sentença” contém vícios no julgamento da matéria de facto que a tornam nula;
2. se a recorrente praticou a contraordenação por que foi condenada.

III. Factos provados
A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos:
A) A arguida/recorrente tem o NIF ...05, sede em Rua ..., ..., ... ... e local de trabalho lote ..., A..., em F...;
B) É presidente do conselho de administração da arguida/recorrente AA, NIF ...19, com residência na Rua ..., ... Lisboa;
C) A arguida/recorrente dedica-se à atividade de segurança privada, CAE 74600 e com o Alvará nº. ...6..., B e C;
D) A 2045 – Empresa de Segurança, S.A. é associada da AERSIF – Associação Nacional de Empresas de Segurança desde 2006;
E) Em 2018, a arguida/recorrente tinha ao seu serviço cerca de 2701 trabalhadores e um volume de negócios no valor de € 33.849.366,00;
F) A arguida/recorrente foi condenada no processo nº. ...56 da Unidade Local ..., pela prática de contraordenação muito grave, em 09 de 2016;
G) No dia 11 de Agosto de 2014, a ANA – Aeroportos de Portugal, S.A. e a Securitas Transport Aviation Security, Lda. celebraram o acordo “Contrato de Prestação de Serviços de Segurança – Vigilância na área G...” por força do qual, mediante o pagamento da quantia de € 1.367.676,00 a que acrescia o IVA, e por três anos, esta se comprometeu a prestar àquela serviços de segurança – vigilância no A... (Lote ...), de acordo com o estabelecido no Caderno de encargos;
H) Em 11 de Março de 2019 a ANA – Aeroportos de Portugal, S.A. e a Securitas Transport Aviation Security, Lda. celebraram a 1ª, Adenda ao contrato de prestação de serviços com o seguinte teor: “Adenda ao Contrato de Prestação de Serviços de Segurança/Vigilância na área G..., celebrado em 11-08-2014”, “A presente adenda tem por objecto a prorrogação do contrato celebrado entre ambas as outorgantes em 11 de agosto de 2014, nos termos da respetiva Cláusula Quinta, alcançando o seu termo a 30 de abril de 2019 (…) A primeira outorgante pagará à segunda Outorgante, nos meses de março e abril de 2019, € 46 850,34 (…)”;
I) No dia 18 de Abril de 2019 a ANA – Aeroportos de Portugal, S.A. e a Securitas Transport Aviation Security, Lda. celebraram a 2ª. Adenda ao contrato de prestação de serviços com o seguinte teor: “Adenda ao contrato de prestação de serviços de segurança vigilância na área G..., celebrado em 11-08-2014”, “A presente adenda tem por objecto a prorrogação do contrato celebrado entre ambas as outorgantes em 11 de agosto de 2014, por um período de 06 ( seis) meses, com início em 01 de maio de 2019 e termo a 31 de outubro de 2019 (…)”;
J) No dia 31 de Dezembro de 2019 a Ana – aeroportos de Portugal, S.A. e a Securitas Transport Aviation Security, Lda. celebraram a 4ª. Adenda ao contrato de prestação de serviços com o seguinte teor: “Adenda ao contrato de prestação de serviços de segurança vigilância na área G..., celebrado em 11-08-2014”, “(…) Encontrando-se em curso uma consulta ao mercado realizado pela Primeira Outorgante para seleção de outro prestador de serviços (…) pela presente adenda as partes acordam na prorrogação do Contrato pelo período de quatro meses com início em 01 de Novembro de 2019 e termo em 29 de fevereiro de 2020 (…) acordam igualmente, na presente adenda, na inclusão no Contrato dos serviços de chamadas do Centro de incidências de F..., a partir de 15 de dezembro de 2019 (…)”;
K) No dia 28 de Maio de 2020 a ANA – Aeroportos de Portugal, S.A. e a Securitas Transport Aviation Security, Lda. Celebraram a 5ª. Adenda ao contrato de prestação de serviços com o seguinte teor: “Adenda ao contrato de prestação de serviços de segurança vigilância na área G..., celebrado em 11-08-2014”, “(…)Pela presente adenda as partes acordam na prorrogação do Contrato pelo período de quatro meses com início em 01 de março de 2020 e termo em 30 de junho de 2020 (…);
L) A ANA – Aeroportos de Portugal, S.A. e a Securitas Transport Aviation Security, Lda., no dia 22 de Setembro de 2020, celebraram a 6ª. Adenda ao contrato de prestação de serviços com o seguinte teor: “Adenda ao contrato de prestação de serviços de segurança vigilância na área G..., celebrado em 11-08-2014”, “(…) Pela presente adenda as partes acordam na prorrogação do Contrato pelo período de um mês com início em 01 de julho de 2020 e termo em 31 de julho de 2020 (…);
M) No dia 08 de julho de 2020 a ANA – Aeroportos de Portugal, S.A. informou a Securitas Transport Aviation, Lda que a prestação de serviços de vigilância tinha sido adjudicada a outro concorrente;
N) Em 09 e 13 de Julho de 2020 a Securitas Transport Aviation, Lda. solicitou à ANA – Aeroportos de Portugal, S.A. a identificação do adjudicatário e data de inicio da prestação do serviço pelo adjudicatário do Lote ...;
O) Em 14 de Julho de 2020 a ANA – Aeroportos de Portugal, S.A. informou a Securitas Transport Aviation, Lda. que o adjudicatário era a 2045 - Empresa de Segurança, S.A. e a data do inicio da prestação de serviço pela mesma era 01.08.2020;
P) No dia 22 de setembro de 2020 a ANA – Aeroportos de Portugal, S.A. e a 2045 - Empresa de Segurança, S.A. celebraram o “Contrato de Prestação de Serviços de segurança – Vigilância na área G... (Lote ...)” por força do qual, mediante o pagamento da quantia de € 1.319.953,00 a que acresce o IVA, e por três anos “com inicio a 01.08.2020 e(…) termo em 31.07.2023“, esta se comprometeu a prestar àquela “a prestação de serviços de segurança – vigilância o A... (Lote ...), de acordo com o estabelecido no Caderno de encargos e na lista de preços unitários(…)”;
Q) Consta do caderno de encargos que os serviços contratados no A... eram “4º (…) Chefe de grupo; ...; ... de acesso à cave nascente; Central SADI; Acesso aos gabinetes das companhias; Acesso á área reservada das chegadas; Saída da sala de recolha de bagagens; Rent-a-car”; (…) 5º (…) de acordo com os postos de vigilância e respetivas funções definidos (…) constantes do Anexo (…)I das cláusulas técnicas(…)”;
R) E do anexo I, consta que Chefe de grupo: TDA: 00h/24h00:Garantir que os vigilantes, nas suas posições, cumprem com as normas estabelecidas, coordenar o acesso de empresas de manutenção de exterior ( entrada e saída de pessoas e equipamentos) em áreas a definir; proceder a rondas constantes em toda a aerogare, de acordo com os planos previamente estabelecidos; controlar o chaveiro geral da aerogare; elaborar relatórios de turno, coordenar diariamente a operação com o gestor do contrato da ANA, S.A.; atender solicitações pontuais do supervisor operacional da ANA, S.A.; Guarita da …: TDA:00h00-24h00:Controlar e registar em impresso próprio a entrada e saída de pessoas e bens; proceder a rondas na área envolvente, de acordo com os planos previamente definidos; ... no acesso à cave nascente: TODA:00h00-24h00: Controlar e registar em impresso próprio a entrada e saída de pessoas e bens; Efetuar rondas na área envolvente, de acordo com os planos previamente definidos; Central SADI:TDA:00h00-24h00: monitorizar em permanência os sistemas automáticos de detecção de incêndios (SADI) e agir de acordo com as regras estipuladas; monitorizar o CCTV e garantir a actuação proactiva em caso de anomalia; Acesso aos gabinetes das companhias: TDA:00h00-24h00: Controlar e registar em impresso próprio a entrada e saída de pessoas e bens; controlar o chaveiro geral da área, bem como a abertura e encerramento das respetivas instalações; Acesso à área reservada de chegadas:TDA:08h-20h00: Controlar entrada e circulação de pessoas na área reservada; proceder a rondas na área, de acordo com os planos previamente estabelecidos;Saída da Sala de recolha de bagagem:TDA:00h00-24h00: Controlar o fluxo de passageiros que saem da sala de recolha de bagagem para a área reservada de chegadas; controlar a circulação de pessoas na área reservada e a organização das filas nos balcões das agências de viagens; Proceder a rondas na área, de acordo com os planos previamente definidos; Rent-a-car: TDA:00h00-24h00: Controlar e registar em impresso próprio a entrada e saída de pessoas e bens; Proceder a rondas na área, de acordo com os planos previamente estabelecidos; Controlar e fazer cumprir o disposto no Regulamento Operacional das instalações de Rent-a-car e áreas suplementares afetas à atividade que será entregue no início da prestação de serviços, controlar o chaveiro da área”;
S) Em 04 e 07 de Agosto de 2020, foram a arguida/recorrente e a Securitas, S.A. para apresentarem à Autoridade para as Condições de Trabalho, Unidade Local ..., diversa documentação com indicação dos trabalhadores transmitidos e respectivo vínculo;
T) A Securitas Transport Aviation Security, Ldª. enviou à arguida/recorrente carta datada de 20 de julho de 2020, com o seguinte teor: “(…)Assunto: Transmissão de estabelecimento em 01/08/2020 – lote ... A... (…) Informamos que o serviço prestado pela nossa empresa no estabelecimento do Cliente A... foi adjudicado à vossa empresa, através da Consulta 0001_DCOMP_2019 para a Prestação de serviços de segurança – vigilância no A... – lote .... Notificação de adjudicação. Considerando que estamos perante uma unidade económica em que a gestão dos serviços estão subordinados ao cliente A..., trabsmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho (…) ao abrigo do regime de transmissão de estabelecimento previsto no art. 285º do Código de Trabalho. Com base nestes fundamentos, comunicamos formalmente que o serviço a prestar por V.Exas no âmbito do contrato com o A..., deverá ser feito com os vigilantes cuja reação discriminada (…) se anexa à presente carta (…)”;
U) Em anexo a tal carta constava a lista de trabalhadores transmitidos, com indicação das categorias profissionais, retribuição, subsídio de alimentação, subsídio de férias já liquidado e férias gozadas até 31.07, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, KK, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, WW, XX, YY, ZZ, AAA;
V) A arguida/recorrente enviou à Securitas Transport Aviation Security, Ldª., em 23 de Julho de 2020, um email com o sguinte teor: “(…) esclarecemos que não ocorreu transmissão dos contratos de trabalho dos trabalhadores indicados na vossa comunicação (…)”;
W) Em 18 de Agosto de 2020, a arguida/recorrente mantinha ao seu serviço no local de trabalho A..., os trabalhadores BBB, CCC, PP, EE, CC, ZZ, MM, BB, SS, XX, KK, HH, KK, YY, LL, AAA, RR, WW, DDD, EEE, FFF, GGG;
X) Em 31 de Julho de 2020, prestavam serviço de vigilantes no A... 27 trabalhadores e os seguintes, a partir de 01 de agosto de 2020, passaram a trabalhar para a 2045 - Empresa de Segurança, S.A. nos mesmos termos em que eram utilizados pela Securitas Transport Aviation Security, Ldª., tendo procedido à entrega a esta última de carta de demissão a partir de 31 de julho de 2020: KK, KK, SS ( chefe de Grupo), ZZ, AAA, HH, MM, YY, EE, CC, RR, PP (chefe de Grupo), WW ( chefe de grupo), BB, XX (chefe de grupo) e LL;
Y) Estes entregaram à 2045 – Empresa de Segurança, S.A. os documentos individuais que esta lhe solicitou com vista à sua admissão, nomeadamente fotocópia do BI/CC, certificado de habilitações e certificado de registo criminal, IBAN;
Z) Estes e LL, a partir de 01 de Agosto de 2020, passaram a exercer as funções de vigilantes no A..., adotando os mesmos procedimentos, desta feita sob as ordens e direção da arguida/recorrente 2045;
AA) A quem tinha férias agendadas pela Securitas Transport Aviation Security, Lda., a 2045 – Empresa de Segurança, S.A. permitiu o gozo nas datas já marcadas;
BB) Estes vigilantes não foram submetidos a nova formação profissional;
CC) A 2045- Empresa de Segurança, S.A. procedeu à devida comunicação da admissão de vigilantes aos serviços da Segurança Social e ao Departamento ...;
DD) A 2045 - Empresa de segurança, Lda., no posto da ANA, A..., colocou, além dos vigilantes referidos, BBB que já pertencia aos quadros da R. desde 16/07/2020 e outros cinco vigilantes admitidos em 01 de Agosto de 2020;
EE) Os vigilantes referidos foram integrados na 2045 – Empresa de Segurança, S.A. com antiguidade reportada à data em que foram admitidos ao serviço da R. Securitas Transport Aviation Security, Lda. e com exclusão do período experimental;
FF) Os 27 vigilantes que, em 31 de Julho de 2020 prestavam serviço no A... faziam o controlo de acessos de pessoas e viaturas às instalações, prestavam informações e davam orientação aos utentes que demandavam aqueles serviços, e prestavam toda a segurança para que quer o pessoal que trabalhava nas instalações adjudicadas quer visitantes e outros utentes em geral, pudessem estar seguros e tranquilos naquelas instalações;
GG) As instalações, cadeiras, secretárias, armários, telefones fixos existentes nas portarias pertenciam à ANA, S.A., bem como o mobiliário, sistema de CCTV, computador, monitores, central telefónica existentes na portaria central de alarme e de incidência, os cartões de acesso de visitantes da portaria da cave e as chaves existentes na portaria das companhias aéreas;
HH) Cada empresa que presta serviços de vigilância tem um diretor de segurança, seguros, alvará e licença própria, modelo de uniforme, bem como distintivos, símbolos e marcas os quais não podem ser utilizados pelas outras empresas;
II) Os trabalhadores usavam farda da Securitas Transport Aviation Security Lda. com placa identificativa, canetas e impressos em papel para registos com o timbre da mesma;
JJ) Os modelos de uniformes são aprovados pelo Ministério da Administração Interna e são parte integrante do alvará ou licença;
KK) A Securitas Transport Aviation Security, Lda e a 2045 – Empresa de Segurança, S.A. tinham notas de comunicação internas, registo de entradas e saídas de pessoas, relatório de turnos, escalas de turno próprios;
LL) Os vigilantes da 2045 - Empresa de Segurança, S.A. usam bastões de ronda pertencentes a esta empresa;
MM) Os chefes de grupo tinham telemóvel, computador na sala que lhes era destinada, ambos entregues aos mesmos pela Securitas Transport Aviation Security, Lda. até 31 de Julho e pela 2045 – Empresa de Segurança, S.A., a partir de 01 de Agosto de 2020;
NN) Nos Processos nº. 1999/20.6T8FAR, 2000/20.5T8FAR e 2001/20.3T8FAR, em que a aqui recorrente arguida era R., entre outras partes, foi declarado que, no dia 01 de agosto de 2020, os contratos que uniam os ali AA. à Securitas Transport Aviation Security, S.A. se transmitiram para a 2045- empresa de segurança, S.A.

IV. Fundamentação
1. Quanto a saber se a “sentença” contém vícios no julgamento da matéria de facto que a tornam nula
Na conclusão C) da motivação de recurso, a recorrente afirma que a «(…) Sentença contem vícios no julgamento da matéria de facto, previstos na alínea b) do nº 3 do artº 283º do C.P.P, aplicável ex vi o artº 41º RGCO e alínea a) do nº 2 do artº 410º do C.P.P, devendo ser considerada NULA».
Todavia, logo nas alíneas seguintes alude à decisão da ACT, para concluir que esta não apurou devidamente os factos, e que utilizou conceitos vagos, genéricos, que devem ser eliminados e, por consequência, «([a] falta de factos na decisão administrativa torna-a nula nos termos do artº 283º, nº 3 al. B do Código de Processo Penal, aplicável ex vi o artº 41º do RGCO» [conclusão O)].
Nas alíneas seguintes afirma que a decisão recorrida procurou colmatar a insuficiência da matéria de facto da decisão da autoridade administrativa, pelo que é nula nos termos do disposto no artigo 379, n.º 1, alínea b) [ conclusões P)], para concluir que a matéria de facto que consta da decisão da autoridade administrativa é insuficiente para se afirmar a existência de transmissão de uma unidade económica, rectius, da prática da contraordenação por que foi condenada.
Pese embora a recorrente aluda a “sentença”, dado o enquadramento que apresenta afigura-se que pretenderá referir-se à decisão da autoridade administrativa (ACT).
Vejamos.

Importa antes de mais fazer uma referência, necessariamente breve, à tramitação dos presentes autos.
Como já se referiu, por decisão da autoridade administrativa (ACT) foi a arguida, aqui recorrente, condenada pela prática de uma contraordenação prevista no artigo 285.º, n.º 10, alínea b), do Código do Trabalho, em conjugação com o disposto na alínea e) do n.º 4 do artigo 554 e artigo 561.º, ambos do Código do Trabalho.
Consta da matéria de facto, além do mais, o seguinte:
«6 – No dia 22 de Julho tiveram estes serviços da ACT conhecimento, por carta enviada pela empresa Securitas Transport Aviation Security, Lda, que o seu cliente “A...” iria cessar o contrato de prestação de serviço de segurança-vigilância do lote ... do A... que com esta detinha a partir de 31.07.2020.
7 – Entre a ANA. e a Securitas vigorou um contrato de prestação de serviços de vigilância para o lote ... do A... – doc. 29, o qual cessou em 31.07.2020.
8 – Em 01.08.2020, a 2045 assumiu a prestação de serviços de vigilância do lote ... do A... adjudicada pela ANA SA – Doc. 30
9 – Em 04.08.2020 e 07.08.2020 foram as empresas 2045 e Securitas SA, notificadas para apresentar diversa documentação com identificação dos trabalhadores transmitidos e respetivo vinculo laboral.
10 – Em 30.07.2020 a empresa Securitas comunicou à arguida 2045 a lista dos trabalhadores transmitidos com indicação das categorias profissionais, retribuição, subsidio de alimentação, subsidio de férias já liquidado e férias gozadas até 31.07, e a seguir identificados: - BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, KK, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, WW, XX, YY, ZZ, AAA;
11 – A arguida 2045 comunicou a Sra. Inspetora em 18.08.2020, que possuía ao seu serviço no local de trabalho transmitido os seguintes trabalhadores (doc.7):
- BBB, CCC, PP, EE, CC, ZZ, MM, BB, SS, XX, KK, HH, KK, YY, LL, AAA, RR, WW, DDD, EEE, FFF, GGG;
12 – Todos os trabalhadores identificados nessa comunicação já exerciam as suas funções no local de trabalho transmitido e possuíam vinculo contratual com a empresa Securitas SA, e celebraram novo contrato de trabalho com a arguida (docs 12 a 27)
13 – Os trabalhadores GG; UU; NN; TT; FF; JJ; DD, HHH; QQ; OO
E que constavam da listagem como também exercendo funções no local de trabalho transmitido não foram assumidos pela arguida nem pela mesma qualificados como trabalhadores por conta de outrem.
14 – Para o exercício das funções em causa (atividades de segurança privada a ser desenvolvida no lote ... do A...) quer a Securitas, Lda quer a arguida dispõe do mesmo espaço físico, instalações, mobiliário utilizado, mesmos postos de trabalho e os mesmos recursos logísticos, como confirma o cliente ANA SA, através de email enviado à ACT, acerca das prestações de serviços de ambas.
15 – A arguida utiliza as mesmas instalações e mobiliário pertencentes ao seu cliente ANA… tal como a Securitas, com as mesmas condições, no que toca à prestação de serviços de vigilância, sendo o mesmo objeto.
16 – Em 01.08.2020, a arguida manteve as mesmas condições de prestação de serviços que a empresa anterior (desde 2014, até 31.07.2020) nomeadamente os mesmos postos de trabalho os mesmos recursos logísticos, para assumir a exploração e utilização do equipamento, bens dispositivos existentes no local afeto ao desempenho do serviço contratado, cadeiras, secretárias, recursos esses que foram utilizados pela anterior prestadora deste tipo de serviço, ou seja a Securitas até 31.07.2020.
17 – O equipamento destinado a controlar o acesso, permanência a saída das instalações de pessoas e bens, afeto ao exercício da atividade de segurança nas instalações usado pela arguida é exatamente o mesmo o pertence à ANA.;
18 – A atividade exercida no lote ... do A... pela arguida a partir de 01/08/2020 é a mesma atividade de vigilância e segurança de pessoas e bens, que efetuava a anterior empresa de segurança, a Securitas, Lda.
19 – Para além da transmissão da atividade exercida de vigilância, a arguida é uma empresa similar à transmitente, no sentido que presta um serviço igual, a saber, a vigilância à mesma cliente, a ANA, no mesmo local de trabalho, lote ..., A..., o mesmo tripo de equipamento, as mesmas instalações e afetando para o efeito os mesmos recursos humanos (de facto dezasseis dos vinte e dois trabalhadores ao seu serviço e afetos àquele local de trabalho a partir de 01.08.2020, eram já afetos ao mesmos anteriormente, tendo perdido as respetivas antiguidades.
20 – Resulta que houve uma continuidade de cliente, de espaço e de atividade exercida, pelo que estamos perante a mesma unidade económica, em consequência os trabalhadores afetos à mesma deveriam ter sido transmitidos ao abrigo do artº 285º do Código do Trabalho.
21 – Face à transmissão, o adquirente fica investido na posição de entidade empregadora, relativamente aos contratos de trabalho dos trabalhadores afetos ao estabelecimento transmitido, na data da transmissão subsistindo assim os contrato de trabalho com os mesmos direitos ou seja, mantendo-se os mesmos como se não tivesse ocorrido qualquer alteração do lado da entidade empregadora.
A arguida não usou a diligência devida;
A arguida com atividade comercial, com trabalhadores ao seu serviço em 2018 (2777), possui uma estrutura organizativa que teria que lhe permitir cumprir e conhecer a legislação laboral em vigor, nomeadamente em perceber que existiu uma transmissão de estabelecimento e que os trabalhadores deveriam (…) ter assinado contratos com a nova adquirente não perdendo antiguidade nem direitos».
E mais adiante, em sede de fundamentação jurídica, consta, entre o mais:
Está em causa no presente processo saber se a adjudicação à arguida da prestação de serviços de vigilância do lote ... do A..., sucedendo a outra empresa de vigilância, sem interrupções, reveste a transmissão de uma unidade económica nos termos e para os efeitos do artº 285º do CT.
Remetendo para a análise do preceito legal então efetuada, resulta consagrada no mesmo uma noção de unidade económica que se traduz na existência de um conjunto de meios que se encontram estruturados e organizados para prosseguir e garantir o exercício de uma atividade económica.
De acordo com os factos dados como provados verifica-se que a partir de 31-08-2020, a arguida passou a explorar, organizar e gerir os serviços de vigilância e segurança privada no lote ... do A.... Para tanto, utilizava meios humanos (trabalhadores9 e meios corpóreos (secretárias, cadeiras, balcão, etc) pertencentes ao cliente, sucedendo sem interrupção à empresa Securitas e recrutando inclusivamente alguns dos trabalhadores que já ali exerciam as mesmas funções para prestar o mesmo serviço conforme resulta até dos idênticos contratos de adjudicação.
(…)
Da confrontação dos dados como provados às normas supra referidas, dúvidas não restam de que se encontram preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo de ilícitos e de que as disposições legais suprareferidas foram violadas».

A arguida impugnou judicialmente a referida decisão da autoridade administrativa, sustentado, em síntese, não ter praticado a contraordenação; todavia, nada referiu quanto à nulidade dessa decisão, designadamente por conter matéria conclusiva e por não ter apurado (todos) os factos.

Já em sede de audiência de julgamento da impugnação judicial, em 11-02-2022 foi pela exma. julgadora a quo proferido despacho que, considerando que naquele Tribunal do Trabalho se encontravam pendentes 3 ações de processo comum em que a arguida era ré e que o objeto do litígio consistia em saber se se verificou transmissão do estabelecimento para aquela, determinou a suspensão das instância até que fosse proferida decisão, como trânsito em julgado, nas referidas ações.

Transitadas em julgado as decisões proferidas nas ações – que decidiram ter-se verificada a transmissão do estabelecimento para a aqui recorrente – prosseguiu o julgamento da impugnação judicial, vindo, a final, decidir-se que houve «(…) transmissão da unidade económica da Securitas para a 2025 (…), julgando-se, consequentemente, improcedente a impugnação.
E nesta, como se disse, não havia sido suscitada qualquer questão em torno da insuficiência ou natureza conclusiva da matéria de facto da decisão da autoridade administrativa, nem o tribunal a quo se pronunciou sobre a mesma.

Por isso, não deixa de ser algo surpreendente que apenas perante o insucesso da impugnação judicial, venha agora a recorrente, só em sede de recurso, a suscitar as questões em torno da matéria de facto da decisão da autoridade administrativa.
Avancemos.

Feita esta referência genérica quanto à concreta tramitação dos autos, importa também fazer uma referência breve quanto às regras, processuais e substantivas, dos presentes autos, tendo sempre presente que se trata de um processo de contraordenação.
Assim, e desde logo, haverá que fazer uma advertência, no sentido de que não se podem aplicar tout court, as regras do direito penal no direito contraordenacional, pois, como é sabido, o direito contraordenacional ou direito de mera ordenação social encontra-se no nosso ordenamento jurídico autonomizado em relação ao direito penal: o Decreto-Lei n.º 433/82, de 27-10, com as alterações sucessivamente introduzidas, regula tal ramo do direito e, especificamente em relação a contraordenações laborais e da segurança social, a Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro.
Não obstante, assinalam Oliveira Mendes e Santos Cabral (Notas ao Regime Geral das Contraordenações e Coimas, 3.ª Edição, Almedina, pág. 27), face às alterações operadas no Direito de mera ordenação social pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, as bases normativas deste regime e as soluções da Parte Geral do Código Penal acentuaram-se, «(…) recorrendo agora o legislador na maior parte dos casos à importação pura e simples das soluções do Direito penal».
Tal aproximação ou “importação” verifica-se, designadamente, na vertente adjetiva, através de um reforço do garantismo.
Todavia, tal não pode significar que se desprezem por completo as regras existentes no Direito de mera ordenação social, maxime tendo presente a simplicidade da tramitação processual, seja na fase administrativa, seja, até, na fase de impugnação judicial.
Como tem assinalado o Tribunal Constitucional (vide, designadamente o acórdão n.º 336/2008, de 19-06-2008, disponível em www.tribunalconstitucional.pt), «[n]o plano infraconstitucional, à semelhança do que sucede em direito penal, o direito de mera ordenação social português também repudia a responsabilidade objectiva, pois, segundo o disposto no n.º 1, do artigo 1.º, do regime geral das contra-ordenações, aprovado pelo Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (RGCO), na redacção do Decreto-lei n.º 244/95, “constitui contra-ordenação todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima”.
Todavia, não obstante este ponto de contacto, existem, desde sempre, razões de ordem substancial que impõem a distinção entre crimes e contra-ordenações, entre as quais avulta a natureza do ilícito e da sanção (vide FIGUEIREDO DIAS, em “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 144-152, da ed. de 2001, da Coimbra Editora).
A diferente natureza do ilícito condiciona, desde logo, a eventual incidência dos princípios da culpa, da proporcionalidade e da sociabilidade.
É que “no caso dos crimes estamos perante condutas cujos elementos constitutivos, no seu conjunto, suportam imediatamente uma valoração – social, moral, cultural – na qual se contém já a valoração da ilicitude. No caso das contra-ordenações, pelo contrário, não se verifica uma correspondência imediata da conduta a uma valoração mais ampla daquele tipo; pelo que, se, não obstante ser assim, se verifica que o direito valora algumas destas condutas como ilícitas, tal só pode acontecer porque o substrato da valoração jurídica não é aqui constituído apenas pela conduta como tal, antes por esta acrescida de um elemento novo: a proibição legal.” (FIGUEIREDO DIAS, na ob. cit., pág. 146).
Não se trata aqui “de uma culpa, como a jurídico-penal, baseada numa censura ética, dirigida à pessoa do agente e à sua atitude interna, mas apenas de uma imputação do facto à responsabilidade social do seu autor; dito de outra forma, da adscrição social de uma responsabilidade que se reconhece exercer ainda uma função positiva e adjuvante das finali­dades admonitórias da coima” (FIGUEIREDO DIAS em “O movimento da descriminalização e o ilícito de mera ordenação social”, in “Jornadas de Direito Criminal: O Novo Código Penal Português e Legislação Complementar”, I, pág. 331, da ed. de 1983, do Centro de Estudos Judiciários).
E por isso, se o direito das contra-ordenações não deixa de ser um direito sancionatório de carácter punitivo, a verdade é que a sua sanção típica “se diferencia, na sua essência e nas suas finalidades, da pena criminal, mesmo da pena de multa criminal (…) A coima não se liga, ao contrário da pena criminal, à personalidade do agente e à sua atitude interna (consequência da diferente natureza e da diferente função da culpa na responsabilidade pela contra-ordenação), antes serve como mera admoestação, como especial advertência ou reprimenda relacionada com a observância de certas proibições ou imposições legislativas; e o que esta circunstância representa em termos de medida concreta da sanção é da mais evidente importância. Deste ponto de vista se pode afirmar que as finalidades da coima são em larga medida estranhas a sentidos positivos de prevenção especial ou de (re)socialização.” (FIGUEIREDO DIAS, em “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 150-151, da ed. de 2001, da Coimbra Editora).
Daí que, em sede de direito de mera ordenação social, nunca há sanções privativas da liberdade. E mesmo o efeito da falta de pagamento da coima só pode ser a execução da soma devida, nos termos do artigo 89.º, do Decreto-lei n.º 433/82, e nunca a da sua conversão em prisão subsidiária, como normalmente sucede com a pena criminal de multa.
Por outro lado, para garantir a eficácia preventiva das coimas e a ordenação da vida económica em sectores em que as vantagens económicas proporcionadas aos agentes são elevadíssimas, o artigo 18.º, n.º 2, do Decreto-lei n.º 433/82 (na redacção dada pelo Decreto-lei n.º 244/95), permite que o limite máximo da coima seja elevado até ao montante do benefício económico retirado da infracção pelo agente, ainda que essa elevação não possa exceder um terço do limite máximo legalmente estabelecido, erigindo, assim, a compensação do benefício económico como fim específico das coimas.
Estas diferenças não são nada despiciendas e deverão obstar a qualquer tentação de exportação imponderada dos princípios constitucionais penais em matéria de penas criminais para a área do ilícito de mera ordenação social» (em idêntico sentido, quanto à não verificação do regime garantístico coincidente entre os procedimentos criminal e contraordenacional, vejam-se, entre outros, os acórdãos do mesmo tribunal n.º 659/2006 e n.º 487/2009).
Aliás, ainda neste sentido, veja-se, por exemplo, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 141/2019, de 12 de março de 2019, retificado pelo acórdão n.º 226/19, que julgou não inconstitucional a norma que permite o agravamento da coima decorrente da contraordenação laboral em sede de impugnação judicial interposta pelo arguido em sua defesa, interpretativamente extraída do artigo 39.º, n.º 3, da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro.

Ainda a propósito do regime geral das contraordenações e da decisão condenatória nela proferida pela autoridade administrativa, também advertem Oliveira Mendes e Santos Cabral (obra citada, pág. 194), que encontramo-nos «(…) no domínio de uma fase administrativa, sujeita às características da celeridade e simplicidade processual, pelo que o dever de fundamentação deverá assumir uma dimensão qualitativamente menos intensa em relação à sentença penal. O que de qualquer forma deverá ser patente para o arguido são as razões de facto e de direito que levaram à sua condenação, possibilitando ao arguido um juízo de oportunidade sobre a conveniência da impugnação judicial e, simultaneamente, e já em sede de impugnação judicial permitir ao tribunal conhecer o processo lógico de formação da decisão administrativa. Tal percepção poderá resultar do teor da própria decisão ou da remissão por esta elaborada».
Ou seja, mister é que a decisão contenha as razões, ainda que sumárias, de facto e de direito, que conduziram à condenação da arguida, de forma a que, lendo a mesma, se aperceba, dentro dos critérios da normalidade de entendimento, das razões por que foi condenado e possa aferir da oportunidade de impugnar judicialmente a decisão; porém, (a decisão) não tem que ter o rigor de uma sentença penal.
Dito ainda de outro modo: tendo em conta um destinatário comum, importa que a decisão da autoridade administrativa contenha, além do mais, uma descrição sucinta dos factos que são imputados à arguida, a respetiva subsunção jurídica e a indicação das circunstâncias que justificam a aplicação da concreta coima, de modo a que sejam compreensíveis as razões da condenação; ou, como se escreveu no acórdão da secção criminal deste tribunal de 07-02-2017 (Proc. n.º 277/15.7T8TVR.E1), «a fundamentação da decisão administrativa será (…) suficiente desde que justifique as razões pelas quais, de acordo com os critérios da normalidade, é aplicada esta ou aquela sanção ao recorrente, de modo a que, lendo a decisão, este possa compreender as razões pelas quais é condenado e, consequentemente, impugnar tais fundamentos».
Daí que a decisão administrativa não tenha que obedecer, em toda a sua extensão, ao disposto, por exemplo, nos 358.º e 359.º do Código de Processo Penal, ou nos artigos 374.º e 379.º, do mesmo compêndio legal.
Ainda em relação à decisão condenatória da autoridade administrativa, estipulam as alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 25.º da Lei n.º 107/2009 – que correspondem às alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 58.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27-10 – que a decisão que aplica a coima e ou as sanções acessórias deve conter a descrição dos factos imputados com indicação das provas obtidas e as normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão.
E o n.º 5 do mesmo preceito legal prescreve que «[a] fundamentação da decisão pode consistir em mera declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas de decisão elaborados no âmbito do processo de contra-ordenação».
Como assinala João Soares Ribeiro (Contra-Ordenações Laborais, Regime Jurídico, 1011-3.ª Edição, Almedina, pág. 58), esta norma é a «(…) tradução da aplicabilidade na fase administrativa do processo por contra-ordenação da norma do art. 125.º do CPA [atualmente artigo 153.º do CPA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, com a alterações posteriores, que, de acordo com o seu n.º 1, a «fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato»], tornada imprescindível devido à circunstância de a instrução e decisão serem da competência de agentes trabalhadores em funções públicas, ou funcionários, integrados em pirâmide hierárquica».

E quanto à fase de impugnação judicial, escreve António Leones Dantas (Regime Geral das Contra-Ordenações, E-BOOK do Centro de Estudos Judiciários, Setembro de 2015, pág. 18) que «(…) no processo das contra-ordenações, se não for necessária a produção complementar de meios de prova, o tribunal decide o recurso com base na prova recolhida pela autoridade administrativa que se mostre documentada no processo, fora do espaço judiciário e sem necessidade de a sujeitar a debate contraditório em audiência.
Contudo, o tribunal quando decide, mesmo que tenha havido audiência, não poderá deixar de ponderar a prova produzida na fase administrativa e discutir as razões pelas quais se afasta do juízo de prova feito pela autoridade administrativa».
E um pouco adiante (pág. 20), afirma do modo assertivo o mesmo autor:
«Ao contrário do processo penal, onde a audiência visa a prova de um conjunto de factos imputados ao arguido, em ordem a saber se os mesmos integram a prática de um crime e a determinar a sanção correspondente e uma decisão em primeira instância do processo, no recurso de impugnação do processo das contra-ordenações já houve um procedimento perante a autoridade administrativa que culminou na aplicação de uma sanção e o processo só chega ao Tribunal porque o condenado pretende pôr em causa a condenação de que foi objeto.
Aquela condenação, se não for impugnada, torna-se definitiva e exequível, com todas as consequências que daí advém em termos de intervenção dos poderes públicos sobre o património do condenado.
Enquanto no processo penal incumbe ao Ministério Público a demonstração perante o Tribunal dos factos imputados ao arguido, no caso do recurso de impugnação é sobre o recorrente que recai o interesse processual em pôr em causa a decisão da autoridade administrativa, pelo que lhe incumbe demonstrar a falta de fundamento da mesma, podendo, nomeadamente, pôr termo ao recurso por si interposto, através da desistência do recurso, nos termos do artigo 71.º, do Regime Geral, com a consequente exequibilidade daquela decisão.
A decisão administrativa objeto do recurso de impugnação é proferida no termo de um processo onde já foram assegurados ao condenado os direitos de audição e de defesa, a um contraditório muito vasto, como forma de intervenção deste na formação da decisão.
Daí que a interposição de recurso exija a demonstração de um fundamento objetivo para o mesmo sobre pena de se transformar numa mera forma de bloqueamento da execução da decisão condenatória e da realização do interesse público subjacente ao processo.».
Na mesma linha interpretativa se move João Soares Ribeiro (obra citada, págs. 79-80), quando escreve que nos casos em que o juiz decide mediante audiência, isso significa que não fica vinculado à prova produzida na instrução que decorreu na fase administrativa: «[s]implesmente, em termos de prova, há aqui normalmente que ter em conta um documento importantíssimo que tem tanto valor na fase administrativa quanto na fase judicial: o auto de notícia. No respeitante à matéria de facto, quer na que fundamenta o elemento objectivo quer daquela de que se pode extrair o próprio elemento subjectivo da infracção, o especial valor probatório do “flagrante delito” presenciado por um agente dotado de especial fé pública, quando a tem [], não pode deixar de ser tida em devida conta pelos tribunais.
Perante a prova oferecida pela defesa o juiz, enquanto deve obediência à lei, nunca pode deixar de considerar provados os factos materiais constantes do auto de notícia enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postos em causa.

Daqui decorre que não podem transpor-se, sem mais, para os presentes autos, maxime em matéria de factos imputados e de fundamentação de direito, as regras do processo penal, ou até do processo civil, como parece pretender a recorrente quanto a factos que alega serem conclusivos e, por isso, sustenta que devem ser eliminados.

Estipula o artigo 51.º, n.º 1, da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro – que, recorde-se, estabelece o regime processual aplicável às contraordenações laborais e de segurança social –, que os Tribunais da Relação apenas conhecem da matéria de direito, salvo as questões de conhecimento oficioso que decorrem do artigo 410.º do Código de Processo Penal.
A recorrente, reconhecendo embora que este tribunal apenas conhece de direito, invoca, todavia, a insuficiência da matéria de facto para a decisão.
Vejamos.
Dispõe o artigo 410.º, n.º 1 e 2, alínea a), do Código de Processo Penal:
«1 – Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só e conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
(…)».

A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada consiste em não bastarem os factos provados para justificarem a decisão proferida, pois, havendo factos nos autos que o tribunal não investigou, embora o pudesse ter feito e sendo ainda possível apurá-los, tornam-se necessários para a decisão a proferir.
Este vício, da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, só ocorre quando houver factos relevantes para a decisão, cobertos pelo objeto do processo - mas não necessariamente enunciados em pormenor na peça acusatória - que foram indevidamente descurados na investigação do tribunal, que, assim, se não apetrechou com a base de facto indispensável, seja para condenar, seja para absolver, ou para determinação da espécie ou medida da pena.
Ou, como afirmam Simas Santos e Leal Henriques (Recursos em Processo Penal, 7.ª Edição, 2008, Rei dos Livros, págs. 72-73), a insuficiência para a decisão da matéria de facto traduz-se numa «lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, isto é, quando se chega à conclusão de que com os factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato nessa matéria que é preciso preencher (…) [;] só se poderá falar em tal vício quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito e quando o tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final».
Assinalam ainda os mesmos autores, citando o que de modo impressivo se escreveu no acórdão do STJ de 13-01-1999 (Processo n.º 1126/98), que a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada só existe quando se faz a «formulação incorrecta de um juízo» em que a «conclusão extravasa as premissas» ou quando há «omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão».
Como também se afirmou em acórdão do STJ de 1 de Junho de 2006 (disponível em www.dgsi.pt, sob Proc. n.º 06P1614), «o vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão não tem a ver, e não se confunde, com as provas que suportam ou devam suportar a matéria de facto, antes, com o elenco desta, que poderá ser insuficiente, não por assentar em provas nulas ou deficientes, antes, por não encerrar o imprescindível núcleo de factos que o concreto objecto do processo reclama face à equação jurídica a resolver no caso»; ou ainda, como se escreveu no sumário do acórdão do mesmo tribunal de 4 de Outubro de 2006 (disponível em www.dgsi.pt sob Proc. n.º 06P2678), «(…) [o] vício de «insuficiência para a decisão» relevante para integração do normativo do art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP não pode ser confundido, como frequentemente sucede, com erro de julgamento, que resultaria de errada apreciação da prova ou insuficiência desta para fundamentar a decisão recorrida. (…) É um dado adquirido em termos dogmáticos que o conceito de insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem - absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. - e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, visto a sua importância para a decisão, por exemplo para a escolha ou determinação da pena».
A referida insuficiência da matéria de facto não se confunde com a eventual insuficiência da prova para a decisão de facto proferida, pois, como se deixou referido, para que se verifique aquele vício é necessário que a matéria de facto se apresente insuficiente para a decisão proferida, por se verificar uma lacuna no apuramento da matéria necessária para uma decisão de direito: daí que se o tribunal investigou tudo o que podia e devia investigar não se poderá assacar o aludido vício à decisão.
Diversamente, se não foi feita prova bastante de um facto, ele não pode ser dado como provado, hipótese que haverá, eventualmente, um erro na apreciação da prova, questão a tratar em sede de impugnação da matéria de facto.
No dizer de Pinto de Albuquerque (Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª Edição, Universidade Católica, págs. 1051-1052), «(…) não se pode invocar a insuficiência da matéria de facto para uma decisão de facto diferente da que foi proferida, uma vez que aquela insuficiência tem de ser apreciada em função da solução adoptada para o caso na decisão recorrida. Isto é, a insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito não se confunde com a insuficiência da prova para a decisão de facto proferida. Esta é uma questão que respeita ao recurso da matéria de facto».
Como resulta expressamente do artigo 410.º, do Código de Processo Penal, tratando-se de vícios da sentença (ou acórdão), os mesmos terão de resultar do texto da própria sentença, apreciada na sua globalidade, sem o recurso a elementos que lhe sejam externos, ainda que integrando o processo e para eles remeta a sentença.

Ora, importa desde já afirmá-lo, entende-se ser manifesto que não se verifica tal vício quer na decisão da autoridade administrativa quer na decisão judicial.
Com efeito, atente-se, no essencial, nos seguintes factos constantes da decisão da autoridade administrativa:
«14 – Para o exercício das funções em causa (atividades de segurança privada a ser desenvolvida no lote ... do A...) quer a Securitas, Lda quer a arguida dispõe do mesmo espaço físico, instalações, mobiliário utilizado, mesmos postos de trabalho e os mesmos recursos logísticos, como confirma o cliente ANA SA, através de email enviado à ACT, acerca das prestações de serviços de ambas.
15 – A arguida utiliza as mesmas instalações e mobiliário pertencentes ao seu cliente ANA tal como a Securitas, com as mesmas condições, no que toca à prestação de serviços de vigilância, sendo o mesmo objeto.
16 – Em 01.08.2020, a arguida manteve as mesmas condições de prestação de serviços que a empresa anterior (desde 2014, até 31.07.2020) nomeadamente os mesmos postos de trabalho os mesmos recursos logísticos, para assumir a exploração e utilização do equipamento, bens dispositivos existentes no local afeto ao desempenho do serviço contratado, cadeiras, secretárias, recursos esses que foram utilizados pela anterior prestadora deste tipo de serviço, ou seja a Securitas até 31.07.2020.
17 – O equipamento destinado a controlar o acesso, permanência a saída das instalações de pessoas e bens, afeto ao exercício da atividade de segurança nas instalações usado pela arguida é exatamente o mesmo o pertence à ANA;
18 – A atividade exercida no lote ... do A... pela arguida a partir de 01/08/2020 é a mesma atividade de vigilância e segurança de pessoas e bens, que efetuava a anterior empresa de segurança, a Securitas, Lda.
19 – Para além da transmissão da atividade exercida de vigilância, a arguida é uma empresa similar à transmitente, no sentido que presta um serviço igual, a saber, a vigilância à mesma cliente, a ANA, no mesmo local de trabalho, lote ..., A..., o mesmo tripo de equipamento, as mesmas instalações e afetando para o efeito os mesmos recursos humanos (de facto dezasseis dos vinte e dois trabalhadores ao seu serviço e afetos àquele local de trabalho a partir de 01.08.2020, eram já afetos ao mesmos anteriormente, tendo perdido as respetivas antiguidades.
20 – Resulta que houve uma continuidade de cliente, de espaço e de atividade exercida, pelo que estamos perante a mesma unidade económica, em consequência os trabalhadores afetos à mesma deveriam ter sido transmitidos ao abrigo do artº 285º do Código do Trabalho.
21 – Face à transmissão, o adquirente fica investido na posição de entidade empregadora, relativamente aos contratos de trabalho dos trabalhadores afetos ao estabelecimento transmitido, na data da transmissão subsistindo assim os contrato de trabalho com os mesmos direitos ou seja, mantendo-se os mesmos como se não tivesse ocorrido qualquer alteração do lado da entidade empregadora.
A arguida não usou a diligência devida;
A arguida com atividade comercial, com trabalhadores ao seu serviço em 2018 (2777), possui uma estrutura organizativa que teria que lhe permitir cumprir e conhecer a legislação laboral em vigor, nomeadamente em perceber que existiu uma transmissão de estabelecimento e que os trabalhadores deveriam (…) ter assinado contratos com a nova adquirente não perdendo antiguidade nem direitos».

A arguida foi condenada pela infração ao disposto no artigo 285.º, n.º 10, alínea b) do Código do Trabalho, que considera contraordenação muito grave «[a] conduta do transmitente ou do adquirente que não reconheça ter havido transmissão da posição daquele nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores quando se verifique a transmissão da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, ou a transmissão».
Nos termos do n.º 5 do mesmo artigo «[c]onsidera-se unidade económica o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha identidade própria, com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória».
O elemento objeto da infração consiste(iu), pois, na conduta da arguida/recorrente ao não ter reconhecido terem sido transmitidos para si os contratos de trabalho que vigoravam anteriormente com a Securitas, Lda, referentes à atividade de segurança privada desenvolvida no lote ... do A..., e uma vez que houve transmissão desse estabelecimento/lote para si.
Ora, os factos que constam dos n.ºs 14 a 21 suportam claramente essa imputação, designadamente quanto à unidade económica: para tal conclusão, não pode olvidar-se, reafirmando o que já se escreveu, que o que importa é que a decisão administrativa contenha as razões, ainda que sumárias, de facto e de direito, que conduziram à condenação da arguida, de forma a que esta, lendo a mesma, se aperceba, dentro dos critérios da normalidade de entendimento, das razões por que foi condenada e possa aferir da oportunidade de impugnar judicialmente a decisão; mas essa decisão não tem que ter o rigor de uma sentença penal, ou até de uma sentença civil no que à matéria de facto diz respeito.
Pois bem: tanto a arguida compreendeu a imputação que lhe foi feita na decisão administrativa, que na impugnação judicial não arguiu qualquer incompreensão, insuficiência ou nulidade da mesma, designadamente no que à matéria de facto diz respeito, tendo-se “limitado” a sustentar que não cometeu a infração.
E a sentença proferida em sede de impugnação judicial o que fez foi desenvolver/precisar alguns dos factos, ou conclusões fácticas daquela: mas isso não torna a decisão da autoridade administrativa, ou até a decisão judicial, inválidas, irregulares, ou até nulas no entendimento da recorrente.

E quanto ao elemento subjetivo da infração, ele mostra-se também presente na decisão da autoridade administrativa, quando nela se afirma, entre o mais:
«A arguida não usou a diligência devida;
A arguida com atividade comercial, com trabalhadores ao seu serviço em 2018 (2777), possui uma estrutura organizativa que teria que lhe permitir cumprir e conhecer a legislação laboral em vigor, nomeadamente em perceber que existiu uma transmissão de estabelecimento e que os trabalhadores deveriam (…) ter assinado contratos com a nova adquirente não perdendo antiguidade nem direitos».
Aqui chegados, só nos resta concluir, nesta parte, pela improcedência das concussões da motivação de recurso.

2. Quanto a saber se a arguida/recorrente praticou a contraordenação por que foi condenada
Esta questão era tributária da pretendida insuficiência e/ou nulidade da decisão da autoridade administrativa ou de impugnação judicial.
Não tendo a recorrente obtido êxito nessa pretensão, forçosamente que quanto a esta questão o recurso terá também que improceder.
Mas seja como seja, a fim de evitarmos ser tautológicos, remete-se para a extensa e adequada fundamentação que, quanto a esta matéria, consta da decisão de impugnação judicial.
Igualmente os acórdãos proferidos por este tribunal, nos processos n.º 1999/20.6T8FAR.E1, 2000/20.5T8FAR.E1 e 2001/20.3T8FAR.E1, aquele de 20-04-2023 e estes de 12-10-2023, em que aqui arguida/recorrente ali era ré, e que declararam que em 1 de agosto de 2020 os contratos que uniam os ali autores à Securitas Transport Aviation Security, S.A. se transmitiram para a aqui arguida/recorrente.
Como se escreveu no sumário daquele primeiro acórdão:
«(…) 4. A realização dos serviços de vigilância e segurança em instalações de um cliente implica, necessariamente, um conjunto de meios organizados que constitui uma unidade produtiva autónoma, com identidade própria, e com o objectivo de prosseguir uma actividade económica.
5. Ocorre a transmissão dessa unidade, se a nova prestadora desses serviços mantém a actividade com 16 dos 27 vigilantes que a antecessora ali havia colocado, admitindo-os com a antiguidade que tinham ao serviço da anterior prestadora, prescindindo do período experimental e não os submetendo a nova formação profissional».
Ou como se escreveu no sumário do segundo e terceiro acórdãos referidos:
«I– A noção ampla de transmissão de estabelecimento, constante do art. 285.º, nºs. 1 e 5, do Código do Trabalho, não impõe a obrigatoriedade de relações contratuais diretas entre a empresa que anteriormente prestava o serviço e a que passou a prestá-lo, visto que aquilo que importa é apurar se aquela atividade, em si mesma, possui autonomia técnica organizativa, com identidade própria e valor de mercado.
II – Se, apesar da mudança do prestador de serviços, a execução do serviço se manteve nas mesmas condições essenciais, com o mesmo tipo de instrumentos de trabalho e com o conjunto fundamental dos mesmos trabalhadores, estamos perante uma transmissão de estabelecimento.
III – Se a nova prestadora de serviços manteve ao seu serviço, ainda que através de novos contratos de trabalho, a maioria dos trabalhadores que exerciam a sua atividade profissional para a anterior prestadora de serviços, exatamente naquele local de trabalho, e concretamente manteve ao seu serviço os quatro chefes de grupo, é incontornável concluir que se aproveitou do conhecimento e formação desses trabalhadores no exercício da sua nova prestação de serviços, bem como da capacidade organizativa e hierárquica já existente».
Dada a abundante fundamentação que consta dos acórdãos, maxime em torno da noção, ampla, de transmissão de estabelecimento, remete-se para a mesma e, por consequência, reafirma-se que se verificam os elementos objetivo e subjetivo da contraordenação.
Nesta sequência, sem necessidade de mais considerandos, e sem desdouro pela argumentação da recorrente, o recurso não pode proceder, pelo que deve confirmar-se a decisão recorrida.

3. Vencida no recurso, a arguida/recorrente deverá suportar o pagamento das custas respetivas, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC (artigo 59.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, e artigo 8.º, n.ºs 7 e 9, do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, e respetiva tabela III anexa).

V. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso, e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pela arguida/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.
(Documento elaborado e integralmente revisto pelo relator).

Évora, 12 de setembro de 2024
João Luís Nunes (relator)
Paula do Paço
Emília Ramos Costa
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[1] Relator: João Nunes; Adjuntas: (1) Paula do Paço, (2) Emília Ramos Costa.