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REVOGAÇÃO DA LIBERDADE CONDICIONAL
Sumário
I - Na fase da execução da pena exige-se colaboração e a adoção de uma postura proativa do libertado, como um verdadeiro ónus, não sendo tolerável uma posição desinteressada, distendida ou passiva como sucede, por exemplo, no caso do estatuto processual de arguido. II - Ao desligar-se do processo de acompanhamento por parte da DGRSP o libertado violou, de forma grosseira, as obrigações que sobre si impendiam – não oferecendo qualquer justificação ou prova, designadamente que permitisse aferir que, não obstante, o seu processo de ressocialização obteve êxito – inviabilizando, pela base, a possibilidade de, a final, aferir do sucesso da medida em curso nas demais componentes e justificando a revogação da liberdade condicional.
(da responsabilidade do Relator)
Texto Integral
Proc. n.º 618/17.2TXPRT-Q.P1
Acordam em conferência na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
I.
Nos autos de incidente de incumprimento n.º 618/17.2TXPRT-Q, a correr termos no Juízo de Execução de Penas do Porto – Juiz 5, do Tribunal de Execução de Penas do Porto, por decisão de 26.01.2024 (Ref.ª 6173512), foi determinada a revogação da liberdade condicional preteritamente concedida a AA e, consequentemente, a execução do remanescente da pena que cumpria à ordem do Proc. n.º 908/22.2T8GMR, do Juízo Central Criminal de Guimarães – Juiz 2.
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I.2
Inconformado, veio o requerido interpor o recurso ora em apreciação (Ref.ª 1133837), referindo, em síntese, que (transcrição): 1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida a fls., que decidiu revogar a liberdade condicional aplicada em 17/02/2023 ao condenado AA, determinando a execução da pena de prisão ainda não cumprida no processo nº 908/22.2T8GMR do Juiz 2 do Juízo Central Criminal de Guimarães. 2. Salvo o devido respeito, que é muito, que o Meritíssimo Juiz “a quo” nos merece, o recorrente não se pode conformar com a decisão supra. 3. O Tribunal deu por provado os seguintes factos: “A. Quando se encontrava no EP ..., a cumprir a pena de 6 anos e 5 meses de prisão, aplicada no processo n.º 908/22.2T8GMR do juiz 2 do Juízo central criminal de Guimarães, que cumulou as penas aplicadas nos processos n.ºs 846/18.3PBGMR, 735/19.4T9GMR, 163/19.1JABRG, 848/18.0PBGMR e 131/19.3GCGMR, pela prática de 9 crimes de roubo, 1 crime de roubo, na forma tentada, 2 crimes de evasão e 2 crimes de abuso sexual de criança (consubstanciados estes em ter sujeitado uma menor, de 12 anos de idade e que conheceu através de uma rede social, a cópula vaginal completa) o condenado foi colocado em liberdade condicional, em sede de 5/6 do cumprimento da pena, a partir de 17.02.2023, cujo período se estenderia até 12.03.2024. B. Na decisão que concedeu a liberdade condicional, foram impostos ao condenado os seguintes deveres: - fixar residência na Rua ..., ... ..., a qual não poderá abandonar por prazo superior a 5 (cinco) dias, sem prévia autorização do tribunal de execução das penas; - apresentar-se na equipa de reinserção social ..., sedeada na Av. ..., ..., ... ..., no prazo de 3 (três) dias após a sua libertação, e aceitar a respetiva tutela, bem como cumprir as ordens legais e recomendações que lhe sejam pela mesma transmitidas; - procurar ativamente ocupação laboral e, obtendo-a, dedicar-se à mesma de forma regular, assídua e empenhada, demonstrando-o à equipa de acompanhamento; - comunicar ao tribunal de execução das penas o seu domicílio profissional no prazo de 15 (quinze) dias a contar da data da colocação em liberdade ou, caso a sua colocação profissional ocorra mais de 15 dias após a colocação em liberdade, comunicar o seu domicílio profissional no prazo de 15 (quinze) dias após a sua colocação laboral; - confirmar perante o tribunal de execução de penas o seu local de residência e o seu domicílio profissional com periodicidade anual; - não se aproximar das vítimas, nem contactá-las por qualquer forma; - não estar desacompanhado junto de menores; - com auxílio da reinserção social, inscrever-se no serviço de saúde especializado para a área de comportamentos aditivos, da sua zona residencial, e seguir o plano de acompanhamento delineado; - não consumir estupefacientes; - não cometer crimes; - manter conduta social adequada. C. Em, 27 de Julho de 2023 o condenado apresentou nos autos pedido de alteração da sua residência para a Rua ..., ..., ..., ..., tendo-lhe sido deferida a alteração da residência nos termos requeridos, por despacho de 16/08/2023, devidamente notificado ao condenado em 26/08/2023. D. Desde 3 de Agosto de 2023 não mais o condenado estabeleceu qualquer contacto com a equipa de reinserção social, faltando à entrevista agendada para 5/09/2023, tendo abandonado a residência fixada nos autos, desde o final de Agosto de 2023, passando a ser desconhecido o seu paradeiro, situação que se mantém. E. Resultou infrutífera uma tentativa para o ouvir em declarações, neste Tribunal, em 21/11/2023.” 4. O presente recurso vem interposto no que se reporta à revogação da liberdade condicional e seus fundamentos. 5. A Meritíssima Juiz que a conduta do condenado esplanada na fundamentação a que infra nos reportaremos, “configura violação grosseira e repetida das condições impostas na decisão que o colocou em liberdade condicional, inviabilizando, de forma total, o seu acompanhamento. Com efeito, o comportamento daquele, faltando à entrevista marcada pelos serviços de Reinserção Social, abandonando a residência fixada nos autos, sem autorização do Tribunal e sem comunicar o seu paradeiro e ausentando-se em parte incerta há vários meses, é revelador de uma total indiferença e desrespeita, grosseiro e repetido, para com a as aludidas imposições, cuja observância se afigura essencial à sua reintegração na sociedade (…) tornando-se desnecessárias outras considerações.” 6. Para sustentar esta decisão, a Meritíssima Juiz apresente a seguinte fundamentação: “Da decisão que determinou a colocação do recluso em liberdade condicional, resulta a sujeição do mesmo, por elementar, à obrigação de cumprimento de deveres e condutas, sem infração grosseira ou reiterada da mesma, comando efetivo que mais não é do que o cumprimento da imposição legal resultante do art. 64º, nº1 do Cód. Penal, por reporte ao art. 56º, nº1, al. a) do mesmo diploma legal. De facto, resulta do disposto no art. 56º, nº1 do Cód. Penal, que a suspensão de execução da pena de prisão é revogada, leia-se aqui a liberdade condicional face ao teor do art. 64º, nº1 do Cód. Penal, sempre que, no seu decurso, o libertado condicionalmente infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social, ou cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da liberdade condicional não puderam, por meio dela, ser alcançadas. Acrescenta o art. 64º, nº2 do Cód. Penal, que a revogação da liberdade condicional determina o cumprimento da pena de prisão ainda não cumprida. O postulado de política criminal subjacente à liberdade condicional sempre contendeu com a asserção de que, de forma consolidada, seja de esperar, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e a compatibilidade da libertação com a defesa da ordem e da paz social (se se estiver em fase de reporte a ½ de pena). Fixadas regras de conduta e deveres em sede de decisão de liberdade condicional, incumpridas as mesmas há que aferir se tal comportamento é suscetível de configurar uma efetiva e válida causa de revogação da liberdade condicional, o mesmo é dizer, há que averiguar do valor e gravidade de tal incumprimento. Com efeito, “só mediante a ponderação das particularidades de cada caso concreto, o juiz poderá decidir se alguma sanção deve ser aplicada e, em caso positivo, qual a que melhor se molda à situação” (Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, 14.ª Edição, 2001, Almedina, 203, ainda que com reporte à revogação da suspensão da pena de prisão, mas aqui aplicável em pleno face ao teor do art. 64º, nº1 do Cód. Penal). Donde, se mostra legítimo afirmar que a aludida revogação constitui uma medida de ultima ratio, a aplicar unicamente quando as restantes alternativas plasmadas no art. 55º, als. a), b) e c) do Cód. Penal CP (por remissão do art. 64º, nº1 do Cód. Penal) se revelem ineficazes. Ou seja, da leitura do citado preceito legal resulta que não basta, tão somente, que o libertado condicional falte ao cumprimento dos deveres que lhe foram impostos para que a liberdade condicional seja, imediatamente, revogada. Tal incumprimento deve demonstrar absolutamente que não foram alcançadas as finalidades que motivaram a aplicação de tal instituto. Concluindo, pressuposto material da aplicação da liberdade condicional em concreto é, desta forma, a conclusão de um prognóstico favorável com respeito ao ulterior comportamento do libertado condicionalmente, ou seja, o convencimento, por parte do Tribunal, de que, com a liberdade condicional operará a finalidade de prevenção especial positiva ou de socialização. Defraudada tal expectativa, resulta para o libertado condicional a revogação desse estatuto, com a consequência de cumprimento de pena.” 7. A decisão proferida não faz uma correta ponderação dos factos apurados, limitando-se a revogar a liberdade condicional do condenado apoiada apenas e só num relatório que não é esclarecedor sobre as diligências levadas a cabo para encontrar o condenado. 8. Desconsiderou por completo na sua fundamentação o Tribunal, que o arguido em data anterior à que consta do relatório da Reinserção Social forneceu e pediu ao Tribunal que considerasse e concedesse uma alteração à residência onde iria permanecer. 9. a sequência dessa concessão, o condenado deixou de partilhar a residência com a Senhora referida no relatório e começou a coabitar com a sua avó de nome BB. 10. Em nenhum momento do relatório é possível perceber a que morada foram procurar o arguido, aliás, nenhuma técnica da Segurança social refere ter falado com esta senhora, com quem o arguido convive após alteração da morada nos autos, nem mesmo se sabe se o vizinho a que se refere o relatório é vizinho da casa que corresponde à nova morada, ou um qualquer vizinho da primitiva morada que estava comunicada nos autos. 11. Na verdade, até o Tribunal aquando da notificação para audição do condenado procedeu à primeira notificação para a morada anterior do arguido. 12. E os factos relatados no relatório coincidem temporalmente com a data em que estava a operar a mudança de residência por parte do condenado nos autos. 13. Esta situação que se descreve é, em nosso modesto entendimento, demasiada importante para que com tanta leveza seja revogada a liberdade condicional ao condenado. 14. O condenado notificado para a morada em vigor recebeu a notificação e contactou no dia designado para a sua audição o Tribunal dando conta de que não conseguia estar presente. 15. Conforme se verifica da acta da diligência, a defensora tentando justificar a falta do condenado solicitou que a diligencia fosse reagendada, facto que não foi concedido pela Meritíssima Juiz que indeferiu o requerido e concluiu que a falta do arguido correspondia à sua audição. 16. De tudo quanto se expõe será possível concluir que o condenado/arguido incumpriu com as injunções que lhe estavam impostas de forma a demonstrar que não foram alcançadas as finalidades que motivaram a aplicação do instituto da liberdade condicional? A resposta a esta questão terá indubitavelmente de ser no sentido negativo. 17. O arguido/condenado teve o cuidado de comunicar a sua nova morada ao Tribunal, mas parece-nos que os serviços de reinserção social não articularam com o Tribunal esta alteração e terão continuado a procurar o condenado na sua morada anterior. 18. Não há aqui por parte do arguido um desinteresse até porque comunicou a nova morada ao Tribunal. 19. É verdade que o arguido deveria ter procurado os serviços de reinserção social para cumprir com as suas injunções, porém será o facto d enão ter contactado os serviços de reintegração social suficiente para revogar a liberdade condicional, considerando que são sempre os serviços quem toma a iniciativa de procura do condenado. 20. Mas será que, só porque não encontraram o arguido num domicílio que já não era o seu, depois do próprio condenado ter informado que iria alterar a sua residência e essa alteração ter sido concedido pelo Tribunal pode ser considerado uma infracção grosseira ou repetida dos deveres ou regras de conduta impostas. 21. Pois, entendemos que não. 22. Mal andou o Tribunal “a quo” ao decidir revogar a liberdade condicional do arguido/condenado nos presentes autos. 23. Sempre deveria o Tribunal ter-se inteirado de que o arguido foi procurado no domicílio contante dos autos, através, designadamente, da audição da técnica responsável pela elaboração do relatório, o que nem sequer foi equacionado pelo Tribunal, por forma a apurar que as pessoas questionadas eram as que com ele conviviam, que os vizinhos eram efetivamente os vizinhos à data do relatório. 24. A falta destas diligências torna a decisão deste Tribunal ténue e em ultima ratio nula, pois, na verdade nenhuns factos concretos com certeza e segurança podem ser imputados ao arguido no incumprimento, por forma a concluir-se pela gravidade e culpa que a Lei exige. 25. Está em causa a liberdade de uma pessoa, que apesar de se tratar de um condenado pode vir a ser privado da sua liberdade, a ponderação e fundamentação da decisão nestes casos, como o dos autos de revogação da liberdade condicional deve ter sustento sólido, com factos apurados certos e convenientemente comprovados. 26. O que in casu não sucedeu. 27. O arguido queria ser ouvido e ligou para o Tribunal quando efetivamente recebeu a comunicação, mostrou-se preocupado e interessado. 28. A decisão dos autos não está devidamente e suficientemente fundamentada. 29. Não tendo as diligencias sido levadas a cabo entendemos que mal andou o Tribunal ao revogar a liberdade condicional ao arguido. 30. Veja-se no sentido do entendimento supra explanado, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29.06.2023, em www.dgsi.pt cujo sumário refere: I – A decisão de revogação, ou não, da suspensão da execução de uma pena de prisão não é automática. Não basta uma qualquer falta de cumprimento dos deveres ou regras de conduta impostas ao condenado e/ou não basta uma qualquer infracção do plano de reinserção social do condenado e/ou o cometimento de um crime, durante o período de suspensão, pelo qual venha a ser novamente condenado; É sempre necessário o Tribunal aferir, concretamente, o sucedido durante o período de suspensão de execução, a respectiva razão ou razões para o sucedido – colhendo a respectiva prova actualizada e necessária para o efeito, oficiosamente e/ou promovida pelo Ministério Público e/ou requerida pelo arguido; E só se houver um incumprimento culposo (com dolo ou negligência) dos deveres ou regras de conduta ou do plano de reinserção e/ou se houver uma infracção grosseira (com dolo ou negligência) ou repetida (reveladora de menosprezo reiterado por dolo ou negligência) dos deveres ou regras de conduta ou plano de reinserção e/ou se houver cometimento de novo crime (doloso ou negligente), durante esse período, pelo qual venha a ser condenado e que revele que a suspensão da execução não foi de molde a cumprir as respectivas finalidades, só então, o Tribunal tomará a respectiva decisão; E a decisão respectiva tem sempre de assentar em informações actualizadas (reportadas o mais próximo possível do momento da decisão a tomar) e em critérios preventivos reportados ao momento desta apreciação (não ao momento em que o agente cometeu o crime cuja execução da pena ficara suspensa);. II – Por isso, a tomada de decisão judicial sobre a revogação, ou não, da suspensão da execução de pena de prisão sujeita a regime de prova, pressupõe que, depois de recolhida a respectiva prova, haja a audição do condenado na presença do técnico que fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão. Esta presença (legalmente exigida pela lei penal) acentua a necessidade de ser respeitado o contraditório não só ouvindo o condenado, mas também a pessoa que, tendo apreciado o comportamento do arguido, fez um diagnóstico e um prognóstico (negativo ou positivo) relativamente ao cumprimento dos deveres impostos ao mesmo. Sendo esta uma forma de garantir que a decisão que venha a ser tomada seja a mais acertada perante cada caso concreto. III – Não podemos olvidar que, aquando de uma revogação da suspensão da execução de uma pena de prisão, com determinação do cumprimento efectivo desta, está em jogo a liberdade do arguido condenado. Como tal, a limitação da liberdade humana, mesmo sendo de um arguido condenado, é sempre uma restrição a um direito fundamental desse ser humano e cuja dignidade também merece tutela enquanto direito fundamental de todo e qualquer ser humano. IV – Neste caso concreto, quando foi designada data para audição do arguido condenado, nem sequer foi equacionada pelo Tribunal a quo a necessidade de audição de técnico da DGRSP que elaborou o relatório junto aos autos. Por isso, esta falta constitui uma irregularidade. E a qual, apesar de não ter sido invocada, tempestivamente, pelo arguido (parte a quem a mesma aproveita) – aquando da diligência com a presença deste, só o tendo feito aquando do recurso em apreço –, oficiosamente, este Tribunal ad quem não a considera como sanada. Isto porque não é uma falta inócua ou irrelevante. Antes pelo contrário, afigura-se-nos que a mesma afectou o valor do respectivo acto praticado pela Exmª Juiz do Tribunal de 1ª instância e o qual põe em causa direitos fundamentais do condenado arguido. Por isso mesmo, impõe-se a sua reparação, através da repetição dessa diligência e com a obrigatória presença do respectivo técnico de reinserção social. V – Para além disso, também se reputa como essencial para a boa decisão do caso concreto que tal diligência seja precedida de prévia solicitação, quer de um relatório social actualizado, quer de um relatório clínico actualizado e de quaisquer outras informações e/ou diligências que o mesmo Tribunal venha a considerar como necessárias e que lhe permitirão vir a tomar a decisão mais acertada perante este o caso concreto .” (itálico nosso) 31. O Tribunal não podia, nem devia ter tomado a decisão de revogar a liberdade condicional do arguido. 32. Deve a decisão de revogação da liberdade condicional de que se recorre ser anulada e substituída por outra após audição do arguido, na presença da técnica de reinserção social que chefiou a equipa de acompanhamento a fim de se apurar as concretas circunstancias que em termos de tempo e lugar sucederam. 33. O arguido não deixou pura e simplesmente de aparecer no Tribunal mas tentou justificar a sua falta e conseguir que fosse agendada nova data para a sua audição. 34. Contactou de imediato o Tribunal quando notificado para a sua residência actualizada. 35. Ao logo da liberdade condicional contactou por diversas vezes a técnica responsável dando conta da sua situação socio económica, factos que foram desconsiderados na decisão proferida. 36. Concluindo deve a decisão de revogação da liberdade condicional de que se recorre ser anulada e a liberdade condicional do arguido ser mantida. Nestes termos e nos melhores de direito a suprir por Vossas Exas., Venerandos Desembargadores, deve o presente recurso ser julgado procedente, anulando-se a douta decisão de revogação da liberdade condicional de que se recorre. Tudo com as legais consequências. E, assim decidindo, farão V. Exas. Venerandos Desembargadores, a costumada, JUSTIÇA
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I.3
Admitido o recurso, o Ministério Público apresentou articulado de resposta (Ref.ª 1141037) referindo, em conclusões, o que a seguir se transcreve: 1.- o recurso visa a decisão que, a 26/01/2024, revogou a liberdade condicional que lhe fora concedida ao condenado; 2.- o condenado cumpria a pena única de 6 anos e 5 meses de prisão à ordem do proc. 908/22.2T8GMR; 3.- alcançados os cinco sextos do cumprimento da pena, nos termos do disposto no nº 4, do artº 61º, do Cód. Penal, a 17/02/2023 e a vigorar até 12/03/2024, foi o mesmo colocado em liberdade condicional; 4.- a liberdade condicional foi concedida mediante a injunção do cumprimento das obrigações, entre outras, de fixar residência na Rua ..., ... ..., não a abandonando por prazo superior a 5 dias, sem prévia autorização do tribunal de execução das penas; apresentar-se na equipa de reinserção social ...,(…) no prazo de 3 (três) dias após a sua libertação, e aceitar a respetiva tutela, bem como cumprir as ordens legais e recomendações que lhe sejam pela mesma transmitidas; procurar ativamente ocupação laboral e, obtendo-a, dedicar-se à mesma de forma regular, assídua e empenhada, demonstrando-o à equipa de acompanhamento; com auxílio da reinserção social, inscrever-se no serviço de saúde especializado para a área de comportamentos aditivos, da sua zona residencial, e seguir o plano de acompanhamento delineado e manter conduta social adequada; 5.- aquando da elaboração, a 17/05/2023, do Plano de Execução da Liberdade Condicional, o condenado já não se encontrava já a residir na morada jurisdicionalmente fixada, sem que tenha comunicado e requerido alteração para a mudança ao TEP; 6.- advertido pela Técnica Superior de Reinserção Social da necessidade da obtenção dessa autorização e referindo o referido Plano, enviado para homologação ao Tribunal, inexistir constrangimento à verificada alteração de morada, junto requerimento do condenado a solicitar essa autorização, foi o mesmo deferida, a 20 de junho seguinte. 7.- a 16/06 o condenado deslocou-se à equipa da DGRSP onde comunicou ter sido expulso da casa da avó, pelo que foi encaminhado para as estruturas de apoio sociais, o que recusou; 8.- a avó do condenado já havia reportado ao Serviços de Reinserção Social que o mesmo passara a adotar comportamentos desadequados; 9.- perante a expulsão do condenado da casa da avó, a Técnica o acompanhava em LC, contactou a progenitora e novamente a avó materna no sentido de o acolher e apoiar, o que foi recusado por ambas; 10.- a 26 de junho/2023, o condenado faltou à entrevista na Reinserção Social; 11.- a 27/07 seguinte o condenado comparece na Reinserção Social, acompanhado pela mulher do ex padrasto, informando que passara a ser apoiado por estes e a residir num quarto em habitação contígua à dos mesmos, o que foi devida e atempadamente confirmado pelos Serviços de Reinserção Social, pelo que 12.- o pedido de autorização de nova alteração de morada, desta feita para a Rua ..., ..., ..., o mesmo foi deferido, por despacho de 16/08; 13.- no relatório, datado de 11/08/2023, no qual se apresenta toda esta situação o Tribunal tomou conhecimento que o condenado faltou à consulta de avaliação do CRI e que foi advertido para agendar nova consulta; 14.- sem concretizar e identificar entidade empregadora, o condenado afirmou ter estado duas semanas laboralmente ativo; 15.- decorre do Relatório de Acompanhamento da LC, datado de 04/10/2023, que desde a entrevista de 11 de agosto anterior, o condenado não mais compareceu às entrevistas na DGRSP e ter deixado, ainda nesse mesmo mês, de residir na morada a Rua ..., ..., ...; 16.- os vários contactos telefónicos ensaiados para o mesmo foram todos gorados, pois nem atendeu as chamadas nem devolveu o chamamento; 17.- desde 11 de agosto o condenado passou a ter paradeiro desconhecido, inviabilizando o seu acompanhamento em liberdade condicional; 18.- o reiterado e definitivo incumprimento de obrigações impostas aquando da concessão de liberdade condicional determinou, a instauração do presente, nos termos do disposto no artº 185º, nº 1, do CEPMPL; 19.- dado cumprimento ao disposto no nº 2 da referida disposição, foi designado o dia 06/12/2023, pelas 14h30, para audição do condenado, com notificação enviada para a morada em que o mesmo estava autorizado a permanecer, a Rua ..., ..., ... 20.- na manhã desse dia indivíduo que se identificou com o nome do condenado contactou telefonicamente o Tribunal informando não poder comparecer à diligência, por estar “fora”. 21.- iniciada a diligência, sem presença do condenado, a Ilustre Defensora Oficiosa, e como melhor resulta da ata, informou ter sido contactada pelo mesmo informando estar ausente por quatro dias, o que não lhe permitia estar presente e solicitava a designação de nova data para ser ouvido em declarações, pugnado o Ministério Público por não atendimento desta justificação da falta; 22.- os motivos invocados no telefonema e já, também, no decurso da audiência, por não preencherem os requisitos legais previstos no artº117º, nºs 2 e 3 do Cód. Proc. Penal, e também porque o condenado não indicava o local onde se encontrava, nem juntou comprovativo do impediente de comparência esse impedimento, foram rejeitados pela Mmª Juíza que injustificou a falta e, consequentemente, nos termos o disposto no nº 4, do artº 185º, CEPMPL, a mesma valeu como sua efetiva audição do condenado; 23.- da leitura dos relatórios de acompanhamento da liberdade condicional de 26 de junho/2023, de 11/08/2023 e de 04/10/2023 ressalta a inverdade do alegado nos itens 7 a 10, inclusive, das conclusões. 24.- no decurso da liberdade condicional, obrigatória, o condenado manifestou comportamento e incumpridor das obrigações que lhe foram impostas, e tão pouco soube aproveitar as oportunidades que o Tribunal lhe deu, autorizando alterações de morada requeridas já depois de ocorridas e, como tal, indevidas e eximiu-se ao cumprimento das demais obrigações, mormente colocando-se em parte incerta e pretendendo iludir o Tribunal quanto à sua vontade em ser ouvido em declarações, não indicando nenhum local onde pudesse ser encontrado. 25.- bem andou a decisão a quo ao revogar a concessão de liberdade condicional, por ser esse o imperativo que legalmente se impunha; 26.- o recurso não merece provimento, devendo manter-se a decisão recorrida. Nestes termos e nos demais de Direito que V. Ex.ªs doutamente suprirão, o recurso deve ser não provido mantendo-se a decisão recorrida que não concedeu a liberdade condicional ao recorrente, assim se fazendo Justiça.
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I.4
Neste Tribunal o Digno Procurador-Geral Adjunto teve vista nos autos, tendo emitido parecer (Ref.ª 18044801) no sentido do não provimento do recurso interposto, aderindo à fundamentação constante da resposta apresentada em primeira instância, concluindo que: - a prova foi devidamente apreciada e valorada; - a decisão de revogação de suspensão de execução da pena está devida e acertadamente fundamentada, e não padece de qualquer erro ou vício; - o recurso deve ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão de revogação de suspensão da execução da pena nos seus precisos termos.
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Deu-se cumprimento ao disposto no art.º 417.º n.º 2 do C.P.P., não tendo sido exercido o contraditório.
Foram os autos aos vistos e procedeu-se à conferência, importando, pois, apreciar e decidir.
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II.
Questões a decidir:
Conforme jurisprudência recorrente e pacífica, o âmbito de qualquer recurso é delimitado pelas conclusões que sobrevêm às alegações do recorrente (cfr. art.ºs 119.º, n.º 1, 123.º, n.º 2 e 410.º, n.º 2, als. a) a c) do C.P.P. e Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, de 19.10).
No caso, vistas as conclusões apresentadas em sede recursória, constitui objeto do presente recurso saber:
a) Da existência de vícios na decisão recorrida;
b) Se deve ser revogada a liberdade condicional ou mantida a sua execução.
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III. III.1
Por facilidade de exposição, retenha-se o teor da decisão recorrida, na parte relevante:
(…)
II. Fundamentação Matéria de facto assente Com base nos elementos documentais constantes deste apenso e do processo principal, dão-se como assentes os seguintes factos com interesse para a decisão a proferir: A. Quando se encontrava no EP ..., a cumprir a pena de 6 anos e 5 meses de prisão, aplicada no processo n.º 908/22.2T8GMR do juiz 2 do Juízo central criminal de Guimarães, que cumulou as penas aplicadas nos processos n.ºs 846/18.3PBGMR, 735/19.4T9GMR, 163/19.1JABRG, 848/18.0PBGMR e 131/19.3GCGMR, pela prática de 9 crimes de roubo, 1 crime de roubo, na forma tentada, 2 crimes de evasão e 2 crimes de abuso sexual de criança (consubstanciados estes em ter sujeitado uma menor, de 12 anos de idade e que conheceu através de uma rede social, a cópula vaginal completa) o condenado foi colocado em liberdade condicional, em sede de 5/6 do cumprimento da pena, a partir de 17.02.2023, cujo período se estenderia até 12.03.2024. B. Na decisão que concedeu a liberdade condicional, foram impostos ao condenado os seguintes deveres: - fixar residência na Rua ..., ... ..., a qual não poderá abandonar por prazo superior a 5 (cinco) dias, sem prévia autorização do tribunal de execução das penas; - apresentar-se na equipa de reinserção social ..., sedeada na Av. ..., ..., ... ..., no prazo de 3 (três) dias após a sua libertação, e aceitar a respetiva tutela, bem como cumprir as ordens legais e recomendações que lhe sejam pela mesma transmitidas; - procurar ativamente ocupação laboral e, obtendo-a, dedicar-se à mesma de forma regular, assídua e empenhada, demonstrando-o à equipa de acompanhamento; _ comunicar ao tribunal de execução das penas o seu domicílio profissional no prazo de 15 (quinze) dias a contar da data da colocação em liberdade ou, caso a sua colocação profissional ocorra mais de 15 dias após a colocação em liberdade, comunicar o seu domicílio profissional no prazo de 15 (quinze) dias após a sua colocação laboral; - confirmar perante o tribunal de execução de penas o seu local de residência e o seu domicílio profissional com periodicidade anual; - não se aproximar das vítimas, nem contactá-las por qualquer forma; - não estar desacompanhado junto de menores; - com auxílio da reinserção social, inscrever-se no serviço de saúde especializado para a área de comportamentos aditivos, da sua zona residencial, e seguir o plano de acompanhamento delineado; - não consumir estupefacientes; - não cometer crimes; - manter conduta social adequada. C. Em, 27 de Julho de 2023 o condenado apresentou nos autos pedido de alteração da sua residência para a Rua ..., ..., ..., ..., tendo-lhe sido deferida a alteração da residência nos termos requeridos, por despacho de 16/08/2023, devidamente notificado ao condenado em 26/08/2023. D. Desde 3 de Agosto de 2023 não mais o condenado estabeleceu qualquer contacto com a equipa de reinserção social, faltando à entrevista agendada para 5/09/2023, tendo abandonado a residência fixada nos autos, desde o final de Agosto de 2023, passando a ser desconhecido o seu paradeiro, situação que se mantém. E. Resultou infrutífera uma tentativa para o ouvir em declarações, neste Tribunal, em 21/11/2023. 2. Fundamentação jurídica Da decisão que determinou a colocação do recluso em liberdade condicional, resulta a sujeição do mesmo, por elementar, à obrigação de cumprimento de deveres e condutas, sem infração grosseira ou reiterada da mesma, comando efetivo que mais não é do que o cumprimento da imposição legal resultante do art. 64º, nº1 do Cód. Penal, por reporte ao art. 56º, nº1, al. a) do mesmo diploma legal. De facto, resulta do disposto no art. 56º, nº1 do Cód. Penal, que a suspensão de execução da pena de prisão é revogada, leia-se aqui a liberdade condicional face ao teor do art. 64º, nº1 do Cód. Penal, sempre que, no seu decurso, o libertado condicionalmente infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social, ou cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da liberdade condicional não puderam, por meio dela, ser alcançadas. Acrescenta o art. 64º, nº2 do Cód. Penal, que a revogação da liberdade condicional determina o cumprimento da pena de prisão ainda não cumprida. O postulado de política criminal subjacente à liberdade condicional sempre contendeu com a asserção de que, de forma consolidada, seja de esperar, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e a compatibilidade da libertação com a defesa da ordem e da paz social (se se estiver em fase de reporte a ½ de pena). Fixadas regras de conduta e deveres em sede de decisão de liberdade condicional, incumpridas as mesmas há que aferir se tal comportamento é suscetível de configurar uma efetiva e válida causa de revogação da liberdade condicional, o mesmo é dizer, há que averiguar do valor e gravidade de tal incumprimento. Com efeito, “só mediante a ponderação das particularidades de cada caso concreto, o juiz poderá decidir se alguma sanção deve ser aplicada e, em caso positivo, qual a que melhor se molda à situação” (Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, 14.ª Edição, 2001, Almedina, 203, ainda que com reporte à revogação da suspensão da pena de prisão, mas aqui aplicável em pleno face ao teor do art. 64º, nº1 do Cód. Penal). Donde, se mostra legítimo afirmar que a aludida revogação constitui uma medida de ultima ratio, a aplicar unicamente quando as restantes alternativas plasmadas no art. 55º, als. a), b) e c) do Cód. Penal CP (por remissão do art. 64º, nº1 do Cód. Penal) se revelem ineficazes. Ou seja, da leitura do citado preceito legal resulta que não basta, tão somente, que o libertado condicional falte ao cumprimento dos deveres que lhe foram impostos para que a liberdade condicional seja, imediatamente, revogada. Tal incumprimento deve demonstrar absolutamente que não foram alcançadas as finalidades que motivaram a aplicação de tal instituto. Concluindo, pressuposto material da aplicação da liberdade condicional em concreto é, desta forma, a conclusão de um prognóstico favorável com respeito ao ulterior comportamento do libertado condicionalmente, ou seja, o convencimento, por parte do Tribunal, de que, com a liberdade condicional operará a finalidade de prevenção especial positiva ou de socialização. Defraudada tal expectativa, resulta para o libertado condicional a revogação desse estatuto, com a consequência de cumprimento de pena.
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No caso em apreço, não há dúvida de que a conduta do condenado acima descrita configura violação grosseira e repetida das condições impostas na decisão que o colocou em liberdade condicional, inviabilizando, de forma total, o seu acompanhamento. Com efeito, o comportamento daquele, faltando à entrevista marcada pelos serviços da Reinserção Social, abandonando a residência fixada nos autos, sem autorização do tribunal e sem comunicar o seu paradeiro e ausentando-se em parte incerta há vários meses, é revelador de uma total indiferença e desrespeito, grosseiro e repetido, para com as aludidas imposições1, cuja observância se afigurava essencial à sua reintegração na sociedade (cf. os artigos 40.º, n.º 1, 42.º, n.º 1, e 61.º, n.º 2, todos do Código Penal), tornando-se desnecessárias outras considerações. 1 Na decisão do Tribunal da Relação do Porto proferida em 26/10/2017 no processo n.º 850/14.0TXPRT-F.P1 considerou-se que “tendo o arguido incumprido grosseiramente s seus deveres para com o tribunal recorrido, é (…) manifestamente infundada a sua pretensão de que o tribunal teria de adivinhar a sua actual morada para o ouvir”. E no acórdão do mesmo tribunal superior, proferido em 18/12/2018, entendeu-se que “o recorrente não foi ouvido porque se ausentou, isto é, deixou de viver na residência que valia como morada jurisdicional e que não podia ser alterada, sem prévia autorização do TEP, em flagrante violação dos deveres que lhe foram impostos”. Em conformidade com o exposto, ponderando o estabelecido nos artigos 56.º, n.º 1, alínea a), e 64.º, n.º 1 e n.º 2, ambos do Código Penal, decido revogar a liberdade condicional aplicada em 17/02/2023 ao condenado AA, com os demais sinais dos autos, pelo que determino a execução da pena de prisão ainda não cumprida no processo n.º 908/22.2T8GMR do Juiz 2 do Juízo Central Criminal de Guimarães, Condeno-o ainda no pagamento da taxa de justiça de 2 (duas) UC. Notifique o Ministério Público, o IDO e o condenado (este, mediante carta simples com prova de depósito, a enviar para a morada fixada nos autos ); Comunique, remetendo, após trânsito em julgado, boletim ao registo criminal. Após trânsito, comunique ao processo da condenação. Após trânsito comunique à DGRSP Após trânsito, abra vista no processo de liberdade condicional.
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III.2
Apreciando III.2.1
Dos vícios da decisão recorrida
Alega o recorrente que a decisão recorrida não se encontra suficientemente fundamentada, acrescentando que o Tribunal deveria ter confirmado se o recorrente foi procurado no domicílio constante dos autos, ouvindo para o efeito a técnica responsável pela elaboração do relatório, o que foi preterido, devendo, por isso, anular-se a decisão recorrida.
Apreciando.
Dispõe o art.º 205.º da C.R.P. que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei, cumprindo-se, por esta via e em regra, duas funções [cfr. acórdão do Tribunal Constitucional 55/85, disponível em www. tribunalconstitucional.pt]: - Uma, de ordem endoprocessual, que visa impor ao juiz um momento de verificação e controlo crítico da lógica da sua própria decisão, permitindo ulteriormente às partes – face à decisão assim proferida - exercitar o direito ao recurso, designadamente no questionamento do raciocínio expresso pelo julgador e facilitando, ao Tribunal de recurso, na sua atividade sindicante, a construção de um juízo concordante ou divergente.
A outra função, já de ordem extraprocessual, possibilita o controlo externo e geral sobre a fundamentação lógica e jurídica da decisão visando, nas palavras de Michele Taruffo, garantir a transparência do processo e da decisão [vd. Note sulla garantizia constituzionale della motivazione, in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, vol. LV (1979), pág. 29 e ss.].
Também o art.º 20.º, n.º 4, da Lei Fundamental, ao proclamar que todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo pressupõe, quanto à equitatividade, um efetivo direito à motivação das decisões judiciais em ordem a garantir a proibição do arbítrio, a interdição da discriminação e a obrigação de diferenciação que o princípio da igualdade, decorrente dos art.ºs 13.º da C.R.P. e 14.º da C.E.D.H. também impõem.
A jurisprudência do T.E.D.H. valoriza o direito à motivação, como decorrência do direito a um processo justo e equitativo que o art.º 6.º da C.E.D.H. afirma.
O dever de fundamentação é, pois, uma garantia integrante do conceito de Estado de Direito Democrático e um instrumento, pela sua probidade, de legitimação da decisão judicial e potenciador de um efetivo direito ao recurso.
Em poucas palavras e trabalhando sobre a ideia expressa por André Teixeira dos Santos [A imparcialidade do juiz de julgamento, Revista do Centro de Estudos Judiciários, 2021-I] o juiz, depois de convencido, terá, por via da fundamentação, que convencer.
Revertendo ao caso em apreço a decisão de revogação da liberdade condicional, apesar de ser formalmente um despacho, deve conter, na medida do necessário, os requisitos das sentenças exigindo, pelos seus efeitos e no encerramento do competente incidente de revogação, uma fundamentação adequada que se aproxima à das sentenças, porquanto só este tipo de fundamentação permite que a decisão seja verdadeiramente sindicável em sede de recurso.
Em qualquer dos casos e independentemente da posição jurisprudencial que se adote quanto à questão – despacho, strictu sensu, complacente com uma fundamentação mais reduzida ou, no plano mais garantístico, equivalente a uma sentença, com aplicação do estatuído no art.º 374.º do C.P.P. – mesmo na interpretação mais favorável aos interesses do recorrente, em momento algum se alcança, como verificado, o vício indicado e que defluiria na correspondente invalidade (nulidade). É que a decisão proferida pelo Tribunal a quo enuncia os factos provados – a matéria factual sobre a qual incidiu o Direito aplicável – com indicação das provas que a sustentam (os elementos documentais), dando a conhecer os fundamentos de facto e permitindo, por essa via, a correspondente sindicância.
Efetivamente o recorrente pôde perceber as razões pelas quais a liberdade condicional foi revogada, razões que assim contesta, sendo percetível o raciocínio seguido pelo Tribunal recorrido e os pressupostos factuais em que assentou estando, nesta medida, a decisão fundamentada.
Paralelamente afirma o recorrente que o Tribunal preteriu a audição da técnica responsável pelo acompanhamento (maxime preterição de diligência essencial à descoberta da verdade), não se percebendo do teor do relatório elaborado se o condenado foi procurado na sua atual residência, ou na morada primitivamente comunicada aos autos.
Vejamos.
Em primeiro lugar – não obstante a aproximação de regimes a que se aludirá infra – o estatuído no disposto no art.º 495.º, n.º 2, do C.P.P., cuja preterição poderia conduzir à nulidade insanável prevista no art.º 119.º, al. c) do C.P.P., reporta-se à execução da pena de prisão suspensa na sua execução e não, como aqui sucede, à liberdade condicional, cujos preceitos outrora constantes daquele diploma (art.ºs 484.º a 486.º do C.P.P.) foram revogados pela Lei n.º 115/2009, de 12.10 (C.E.P.M.P.L.).
Sobre a matéria rege o estatuído nos art.ºs 185.º e ss. do C.E.P.M.P.L., sendo a execução da liberdade condicional alvo de acompanhamento pelos serviços de reinserção social (ou outros comprometidos no caso particular) que, em caso de incumprimento do plano de reinserção social ou das regras de conduta impostas comunicam imediatamente o facto ao T.E.P., dando origem à instauração de um incidente de incumprimento.
Iniciado o procedimento, o condenado é ouvido nos 10 dias posteriores (aplicando-se aqui as regras previstas para a audição de recluso em processo de concessão de liberdade condicional), sendo que a falta injustificada do condenado equivale à sua audição.
Após a audição (ou considerando-se esta efetuada) o juiz determina a realização das diligências que repute de necessárias e, emitido parecer, decide.
Revisitadas as normas que específica e especialmente regulam o procedimento de incumprimento e revertendo ao caso concreto, compulsados os autos, verifica-se que:
(i) – os autos de incumprimento tiveram início com a comunicação da D.G.R.S.P. ..., consubstanciada no relatório de 4 de outubro de 2023, ali se identificando claramente (ao contrário do que sugere o recorrente) que a morada considerada no acompanhado (e, naturalmente, dos contatos entabulados) foi a Rua ..., ..., ... ..., precisamente aquela onde, após solicitação, foi autorizado que o recorrente aí residisse, sendo indicado, como procedimento metodológico, a deslocação à mencionada morada e contatos presenciais com vizinho e coabitante;
(ii) – na sequência da predita comunicação foi instaurado o correspetivo incidente de incumprimento e proferido o seguinte despacho (Ref.ª 6052178:
(…)
Proceda-se à nomeação de defensor ao arguido, via SINOA.
*
Cumpra as comunicações de reporte ao art. 185º, nº2 do CEP, com a indicação que estando AA no decurso de liberdade condicional (concedida em 17.02.2023 e para operar até 12.03.2024) no âmbito da pena aplicada no Processo nº 908/22.2T8GMR, o condenado abandonou a residência fixada pelo Tribunal de Execução de Penas, sem disso dar conhecimento, desconhecendo-se o seu paradeiro, faltando à entrevista marcada pelos técnicos da DGRSP para 5/09/2023, mantendo-se incontactável e inviabilizando o acompanhamento da liberdade condicional.
*
Para audição do condenado, designo o próximo dia 21 de Novembro de 2023, pelas 14:30 neste Tribunal. Notifique o Ministério Público, o recluso e o defensor que vier a ser nomeado. Oficie ao Processo nº 908/22.2T8GMR, dando conta que corre termos o presente processo de incumprimento (art. 185.ºCEP). DN
*
(iii) – na data estipulada (21 de novembro de 2023) não se procedeu à audição do libertado e ora recorrente porquanto se constou, ante a sua ausência, que a notificação havia sido expedida para a morada originalmente fixada, prévia à alteração autorizada, designando-se, em substituição, o dia 6 de dezembro de 2023, pelas 14.20 (cfr. ata Ref.ª 6081623);
(iv) – foi então expedida notificação ao arguido, para a Rua ..., ..., ... ... (Ref.ª 6087502), depositada no recetáculo a 24 de novembro de 2023 (Ref.ª 1113408);
(v) – na data agendada para a audição foi lavrado termo no processo (Ref.ª 6108494) com o seguinte teor: TERMO Consigno que nesta data, pelas 10.00 horas, ligou um individuo que se identificou como o arguido dos presentes autos, comunicando que não estaria presente na diligência agendada para o dia de hoje em virtude de estar fora. Porto, 06-12-2023. O Escrivão Adjunto,
(…)
(vi) – nesse mesmo dia, pelas 14.30h, no âmbito da audição agendada, ante a falta do recorrente, a Ilustre defensora, no uso da palavra, referiu “O condenado comunicou-me via telefone que se encontra fora pelo período estimado de 4 dias, não podendo comparecer na data de hoje. Contudo comunicou querer ser ouvido no âmbito do presente processo, pelo que solicita lhe seja relevada a falta e agendada nova data para a audição no âmbito dos presentes autos.”, pronunciando-se o Ministério Público nos seguintes termos “Não obstante o ora requerido pela ilustre Defensora Oficiosa certo é que o condenado não se encontra presente por motivo imprevisto e, como tal, não comunicável atempadamente, como decorre do alegado pela ilustre Defensora Oficiosa, pelo que se promove se indefira a pretensão de ser designada nova data para a audição do mesmo por ser a sua falta legalmente injustificada.”, tendo, a final, sido proferido o seguinte despacho: “A comunicação constante do termo de fls. 26, bem como a ora efetuada pela Ilustre defensora oficiosa do condenado não preenchem os requisitos legais previstos no art.117º, n.º2 e 3 do CPP, desde logo, a indicação do motivo porque se encontra faltoso, limitando-se a afirmar "que está fora", sem indicar o local onde possa ser encontrado, assim como não foi junto qualquer comprovativo do referido impedimento, pelo que se considera a falta injustificada. A falta injustificada do condenado vale como a sua efetiva audição nos termos previstos nos art. 185.º, n.º 4 do CEP. Notifique.”.
(vii) – o sobredito despacho não foi alvo de impugnação, tendo sido dada a palavra à Digna Magistrada do Ministério Público e à Ilustre Defensora Oficiosa, que declararam nada ter a requerer, tendo, em sequência, sido proferido o seguinte despacho: “Por não se afigurar necessária a realização de qualquer outra diligência determino que vão os autos com vista à Digna Magistrada do Ministério Público, para emissão de parecer. Notifique.”.
Tendo em conta o iter processual referido e ante a falta, julgada injustificada, do recorrente, mostra-se observado o consignado no art.º 185.º do C.E.P.M.P.L., inexistindo qualquer vício que, a montante, afete a validade do despacho recorrido improcedendo, nesta parte, o recurso.
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III.2.2
Da revogação da liberdade condicional
Apreciando substancialmente a pretensão.
Conforme decorre do disposto no art.º 186.º, n.º 2 do C.E.P.M.P.L., em contexto de incidente de incumprimento, o recurso interposto é limitado à questão da revogação (ou não) da liberdade condicional. Rege-se pelas normas que regulam os recursos em processo penal (cfr. art.º 239.º do C.E.P.M.P.L.) e, em substância, na falta de regulamentação específica e ante a remissão operada pelo art.º 64.º, n.º 1, do C.P., os fundamentos para uma eventual revogação devem buscar-se no regime instituído para o do incumprimento das condições da suspensão da execução da pena de prisão (art.º 55.º, als. a) a c) e 56.º, n.º 1, do C.P. não sendo, contudo, mesmo considerada a identidade de regimes, admitida a possibilidade de prorrogação da liberdade condicional, tendo a revogação desta, como única consequência, a execução do remanescente da pena).
Verificado o incumprimento, para além da consequência mais gravosa da revogação, com a sobredita defluência única do cumprimento do remanescente da pena, as incidências negativas que influenciem a execução do período da liberdade condicional podem, em modulação mais restrita, ter, como consequência, a formulação de uma solene advertência ao libertado, a exigência de garantias de cumprimento das condições impostas à liberdade, a imposição de novas regras de conduta, ou a introdução de exigências acrescidas no plano de reinserção social [cfr. Joaquim Boavida, A Flexibilização da Prisão – Da Reclusão à Liberdade, Almedina, 2108, pág. 193].
No plano consequencial do incumprimento, a montante deverá ter-se presente que aquele pressupõe uma ação culposa do condenado, não bastando, pois, a verificação objetiva do inadimplemento, sendo necessário que “(…) a atuação do condenado, ao deixar de cumprir o dever, seja censurável. Só o incumprimento culposo, enquanto pressuposto material comum, é suscetível de acarretar uma das consequências jurídicas legalmente previstas” e, para tanto, isolada uma situação desconforme ao previsto e expetável, imputável ao condenado, deverá o juiz “(…) começar por averiguar qual o significado que o incumprimento assume para o juízo de prognose que foi feito no momento da concessão da liberdade condicional; trata-se de determinar se o incumprimento, mais do que pôr meramente em dúvida, infirma o juízo de prognose favorável que esteve na base da concessão da liberdade condicional”[Joaquim Boavida, op. e loc. cit.].
Em resumo, perante a remissão operada pelo art.º 64.º do C.P., haverá lugar à revogação da liberdade condicional quando o libertado infrinja de forma grosseira ou repetida os deveres ou regras de conduta impostos aquando da concessão, ou quando cometa crime pelo qual venha a ser condenado, revelando que as finalidades que estiveram na base da libertação antecipada, não puderam, por meio dela, ser alcançadas. Para tanto e como trajeto a percorrer para uma tal conclusão, impõe-se uma avaliação global e integral das circunstâncias do caso por forma a concluir-se (ou não) que o juízo de prognose favorável que fundamentou a libertação antecipada foi postergado e se tornou insubsistente.
Revertendo ao caso em apreço.
O instituto da liberdade condicional assume “um carácter de última fase de execução da pena a que o delinquente foi condenado e, assim, a natureza jurídica – que ainda hoje continua a ser-lhe predominantemente assinalada – de um incidente (ou de uma medida) de execução da pena privativa de liberdade. O agente, uma vez cumprida parte da pena de prisão a que foi condenado (pelo menos metade em certos casos, dois terços noutros casos) vê recair sobre ele um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro em liberdade, eventualmente condicionado pelo cumprimento de determinadas condições – substancialmente análogas aos deveres e regras de conduta que vimos fazerem parte das penas de substituição da suspensão da execução da prisão e do regime de prova – que lhe são aplicadas. Foi, desta forma, uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização que conformou a intenção político-criminal básica da liberdade condicional desde o seu surgimento” [Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 528.].
Em síntese apertada e nas palavras de Simas Santos e Leal Henriques [Noções elementares de Direito Penal, 2009, pág. 207 e 208] “… em qualquer das modalidades que reveste – a de uma liberdade condicional facultativa (ope judicis) e a de uma liberdade condicional necessária (ope legis) – configura um período de transição gradual para a vida livre, com vantagens do ponto de vista da ressocialização dos delinquentes e da defesa da colectividade”.
Sendo a concessão de liberdade condicional alicerçada num juízo de prognose favorável, dispõe o art.º 64.º do C. P. que lhe é aplicável, como vimos, o disposto no art.º 52.º, nos n.ºs 1 e 2 do art.º 53.º, no art.º 54.º, nas als. a) a c) do art.º 55.º, no n.º 1 do art.º 56.º e no art.º 57.º, todos do mesmo diploma legal, sendo que a sua revogação determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida.
Assim, para o caso que nos ocupa, a liberdade condicional poderá ser revogada se o libertado violar de forma grosseira ou reiterada os deveres inerentes à sua libertação antecipada revelando, por esta via, que as finalidades do período de liberdade condicional não puderam ser alcançadas.
Nos termos do art.º 56.º n.º 1 als. a) e b) do C.P. “A suspensão da execução da pena é revogada sempre que, no seu decurso o condenado (...) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas (…)”.
Ora a finalidade essencial subjacente à concessão da liberdade condicional foi a de permitir que o libertado se reinserisse e abandonasse comportamentos de risco, com o acompanhamento instituído em seu benefício.
No caso em apreço e quanto aos elementos vertidos nos factos considerados em A) na decisão recorrida, temos que o recorrente, quando se encontrava no EP ..., a cumprir a pena de 6 anos e 5 meses de prisão, aplicada no processo n.º 908/22.2T8GMR do juiz 2 do Juízo central criminal de Guimarães, que cumulou as penas aplicadas nos processos n.ºs 846/18.3PBGMR, 735/19.4T9GMR, 163/19.1JABRG, 848/18.0PBGMR e 131/19.3GCGMR, pela prática de 9 crimes de roubo, 1 crime de roubo, na forma tentada, 2 crimes de evasão e 2 crimes de abuso sexual de criança (consubstanciados estes em ter sujeitado uma menor, de 12 anos de idade e que conheceu através de uma rede social, a cópula vaginal completa), foi colocado em liberdade condicional, em sede de 5/6 do cumprimento da pena, a partir de 17.02.2023, cujo período se estenderia até 12.03.2024.
A concessão da liberdade condicional ficou sujeita às seguintes injunções e regras:
- fixar residência, a qual não poderia abandonar por prazo superior a 5 (cinco) dias, sem prévia autorização do tribunal de execução das penas;
- apresentar-se na equipa de reinserção social, sedeada na Av. ..., ..., ... ..., aceitando a respetiva tutela, cumprindo as ordens legais e recomendações que lhe fossem, pela mesma, transmitidas;
- procurar ativamente ocupação laboral e, obtendo-a, dedicar-se à mesma de forma regular, assídua e empenhada, demonstrando-o à equipa de acompanhamento;
- comunicar ao tribunal de execução das penas o seu domicílio profissional no prazo de 15 (quinze) dias a contar da data da colocação em liberdade ou, caso a sua colocação profissional ocorra mais de 15 dias após a colocação em liberdade, comunicar o seu domicílio profissional no prazo de 15 (quinze) dias após a sua colocação laboral;
- confirmar perante o tribunal de execução de penas o seu local de residência e o seu domicílio profissional com periodicidade anual;
- não se aproximar das vítimas, nem contactá-las por qualquer forma;
- não estar desacompanhado junto de menores;
- com auxílio da reinserção social, inscrever-se no serviço de saúde especializado para a área de comportamentos aditivos, da sua zona residencial, e seguir o plano de acompanhamento delineado;
- não consumir estupefacientes;
- não cometer crimes;
- manter conduta social adequada.
Tendo em conta o sobredito entorno condicionante, em 27 de Julho de 2023 o condenado apresentou nos autos pedido de alteração da sua residência para a Rua ..., ..., ..., ..., tendo-lhe sido deferida a alteração da residência nos termos requeridos, por despacho de 16/08/2023, devidamente notificado ao condenado em 26/08/2023. Não obstante, desde 3 de Agosto de 2023 não mais o condenado estabeleceu qualquer contacto com a equipa de reinserção social, faltando à entrevista agendada para 5/09/2023, tendo abandonado a residência fixada nos autos, desde o final de Agosto de 2023, passando a ser desconhecido o seu paradeiro.
A convocada frustração da audição agendada para o dia 21 de novembro de 2023, reportada sob o ponto E) dos factos considerados na decisão recorrida é, quanto a nós a para os fins que nos ocupam, irrelevante. A ausência do condenado na diligência não merece qualquer censura já que a notificação fora expedida para a anterior morada.
Perante estes factos entendeu o Tribunal a quo revogar a liberdade condicional concedida referindo, para tanto (o que o recorrente contesta) que “No caso em apreço, não há dúvida de que a conduta do condenado acima descrita configura violação grosseira e repetida das condições impostas na decisão que o colocou em liberdade condicional, inviabilizando, de forma total, o seu acompanhamento. (…) Com efeito, o comportamento daquele, faltando à entrevista marcada pelos serviços da Reinserção Social, abandonando a residência fixada nos autos, sem autorização do tribunal e sem comunicar o seu paradeiro e ausentando-se em parte incerta há vários meses, é revelador de uma total indiferença e desrespeito, grosseiro e repetido, para com as aludidas imposições, cuja observância se afigurava essencial à sua reintegração na sociedade (cf. os artigos 40.º, n.º 1, 42.º, n.º 1, e 61.º, n.º 2, todos do Código Penal), tornando-se desnecessárias outras considerações”.
Apreciando a validade do raciocínio, tendo em conta o enquadramento legal analisado e as objeções do recorrente, numa perspetiva maximalista de gravidade, não estamos perante um caso de comissão de novo crime no período de liberdade condicional, não sendo neste aspeto conhecida qualquer nova prática criminal.
Porém, a liberdade condicional pode ser revogada se, no período, o libertado violar de forma grosseira ou reiterada os deveres que condicionaram a sua libertação.
No caso, tratando-se de um período de acompanhamento relativamente reduzido, atenta a duração do remanescente até ao termo da pena, era essencial que o libertado, no período, observasse escrupulosamente os deveres que condicionaram a sua libertação antecipada, designadamente a fixação de residência, por forma a poder ser contactado e avaliado, assim como relevava (tendo em conta as caraterísticas específicas do seu passado criminal) avaliar da existência de uma procura ativa de ocupação laboral, a inscrição no serviço de saúde especializado para a área de comportamentos aditivos, seguindo o plano que aí fosse delineado, a manutenção da abstinência e o afastamento e ausência de contatos com menores.
Ora, o condenado, consciente das obrigações que sobre si impendiam, deixou de comparecer às convocatórias da D.G.R.S.P., ausentou-se, sem autorização ou comunicação, da residência fixada, passando o seu paradeiro a ser desconhecido, desta forma inviabilizando, completamente, o acompanhamento instituído.
Com a sua postura – e lembre-se que a concessão de liberdade condicional não equivale à libertação em termo de pena, ela constitui ainda uma fase da execução da pena – violando de forma reiterada e grosseira os seus deveres, o condenado pôs irremediavelmente em causa as expectativas inerentes à concessão de liberdade condicional.
Note-se que a concessão da liberdade condicional, sendo ainda uma fase da execução da pena, não corresponde a um período de liberdade plena em que ao libertado seja permitido retomar a sua vida sem quaisquer obrigações para com os serviços que superintendem esta fase.
É certo que não há notícia de que o condenado tenha praticado crimes ou que tenha recaído nos consumos ou mantido contatos/aproximação a menores. No entanto o postergar do juízo de prognose que esteve na base da concessão da liberdade condicional, mesmo no caso em que esta foi concedida ope legis, não impõe a prática de crimes, sendo esta circunstância apenas um dos fundamentos potencialmente conducentes à revogação. Também a violação reiterada ou grosseira das obrigações permitirão concluir pela frustração daquelas finalidades, sendo dever primacial do condenado manter uma postura proativa e colaborante para com os técnicos da D.G.R.S., obrigação que conhece e que, não sendo cumprida, desde logo impede que o Tribunal possa avaliar se todas as outras obrigações estão a ser cumpridas.
A relativizar-se o dever básico de colaboração e de disponibilidade e a considerar-se que só a violação efetiva de outras obrigações poderia legitimar a revogação da medida, então o período de observação e controlo que subjaz à medida em causa ficaria completamente vazio de sentido e seriam postergadas as suas finalidades ressocializadoras e de estabilização comportamental porquanto, não sendo praticados crimes pelos quais o libertado fosse condenado (cuja indagação seria possível através do C.R.C.), teria o Tribunal, a final, de louvar-se na palavra do condenado ou estritamente na ausência de registo da prática de crimes para concluir pelo sucesso da medida, dado que, no essencial e quanto aos deveres cujo cumprimento permite/facilita o sucesso do processo inclusivo e de reinserção, estaria o Tribunal privado de qualquer fonte de informação técnica que lhe permitisse avaliar do sucesso do processo de reinserção e da comprovação do juízo de prognose favorável (que obviamente impõe a interação do condenado com o técnico e o seguimento preconizado) que, como se compreende, vai muito para além da ausência, no período, da comissão de crimes.
O comprometimento do libertado com o técnico da D.G.R.S.P., a sua disponibilidade e colaboração, são os elementos estruturais para aferir do sucesso da medida e são essenciais para que a liberdade condicional não se transmute num período de “roda livre” e possa cumprir as suas finalidades ressocializadoras. Sem esta ligação umbilical torna-se inviável avaliar o cumprimento do demais e a adequação comportamental do libertado, impedindo, inclusivamente, que possam modelar-se alterações de acordo com o percurso, ou obviar a incumprimentos mais gravosos.
No caso e pelo que se expôs, o libertado manteve apenas contato com a supervisão por escassos 6 meses, passando o seu paradeiro a ser desconhecido, ignorando contatos e convocatórias o que, a nosso ver e como se decidiu na decisão recorrida, constitui violação grosseira (e também, pelas suas componentes individuais, reiterada) dos deveres impostos, imputável ao libertado e que defluem no comprometimento inexorável das finalidades da liberdade condicional, conducente à revogação.
Nesta fase da execução da pena exige-se colaboração e a adoção de uma postura proativa do libertado, como um verdadeiro ónus, não sendo tolerável uma posição desinteressada, distendida ou passiva como sucede, por exemplo, no caso do estatuto processual de arguido. Ao desligar-se do processo de acompanhamento o libertado violou, de forma grosseira, as obrigações que sobre si impendiam – não oferecendo qualquer justificação ou prova, designadamente que permitisse aferir que, não obstante, o seu processo de ressocialização obteve êxito – inviabilizando, pela base, a possibilidade de aferir o sucesso da medida em curso nas demais componentes.
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IV.
Decisão:
Por todo o exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso interposto pelo requerido AA, mantendo na íntegra a decisão recorrida.
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Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 UC (art.º 515.º, n.º 1, al. b) do C.P.P. e art.º 8.º, n.º 9, do R.C.P., com referência à Tabela III).
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Porto, 19 de junho de 2024
José Quaresma (Relator)
Pedro Vaz Pato (1.º Adjunto)
Lígia Figueiredo (2.ª Adjunta)