I - Atendendo ao caráter provisório da avaliação prevista no n.º 1 do art. 870.º do Cód. Proc. Civil, passível de correção ulterior em sede da necessária prestação de contas, a realização da segunda avaliação nenhum efeito assumirá para a fixação do valor do crédito a que o exequente tem direito.
II - Face à natureza extrajudicial da realização da prestação por outrem e à necessidade de prestação de contas para a determinação do crédito do exequente, o crédito pecuniário deste (fixado no incidente de prestação de contas, após a realização da prestação) só é pago ao exequente depois da aprovação das contas (n.º 1 do art. 872.º do Cód. Proc. Civil).
III - Na tramitação da execução para prestação de facto por outrem a resolução dos casos de discrepância entre o valor do custo estimado obtido na avaliação e o valor do custo efetivo da realização da prestação é feita nos termos previstos no n.º 2 do art. 872.º do Cód. Proc. Civil.
IV - Daqui resulta que não é admissível a realização de segunda avaliação, nos termos previstos no art. 487.º do Cód. Proc. Civil, nem é possível afirmar a necessidade e imprescindibilidade da realização de segunda avaliação para a realização coativa do direito do exequente, pressuposto indispensável para se afirmar a existência do dever de realização oficiosa da mesma.
Tribunal a quo Juízo de Execução de Lousada – Juiz 2
Recorrente(s) AA
Recorrido(a/s) BB
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I – Relatório:
Identificação das partes e indicação do objeto do litígio
Em 22-06-2021 o exequente AA instaurou execução de sentença para prestação de facto contra a executada BB, requerendo, nos termos do disposto no art. 874.º do Cód. Proc. Civil, a fixação judicial de prazo para o cumprimento da obrigação em que a ré foi condenada – repor o leito e as condições para se efetuar a passagem pelo caminho (de servidão) nos moldes em que vinha sendo feita, permitindo o acesso do autor ao seu prédio pelo caminho que existia até aos seus portões.
Citada a executada, e não tendo esta deduzida oposição, foi fixado em 20 dias o prazo para a executada realizar as obras exequendas.
Dada a falta de prestação do facto pela executada dentro do prazo fixado, o exequente optou pela prestação de facto por outrem, requerendo a nomeação de perito para avaliação do custo da prestação.
O tribunal a quo determinou a realização da perícia requerida pelo exequente, fixando como objeto da mesma ‘determinar o custo das obras necessárias ao cumprimento da obrigação exequenda’, tendo o tribunal nomeado perito para o efeito.
Efetuada a avaliação pelo Sr. perito nomeado, foi apresentado relatório que avaliou o custo estimado das obras necessárias ao cumprimento da obrigação exequenda em € 18.500,00 acrescido da taxa legal de IVA, sendo que, efetuada em 14-06-2022 (ref. 89121414) a notificação do relatório ao exequente, o mesmo nada disse.
Em 29-09-2022 (ref. 89880381) foi proferido o seguinte despacho: «Nos termos o artº 870 nº 1 do Código de Processo Civil fixo o custo da prestação em 18.500,00 €.».
Subsequentemente, em 17-05-2023 (ref. 92067618), foi proferido despacho que determinou ‘o cumprimento do disposto no n.º 2 do art. 870.º do Cód. Proc. Civil, com a penhora dos bens indicados pelo exequente’.
Efetuada a penhora de saldos bancários à executada no valor de € 18.500,00, conforme auto de penhora junto aos autos em 30-05-2023 (ref. 92197316) foi, em 26-06-2023 (ref. 92445653) proferido o seguinte despacho: «Uma vez que já existe saldo de 18.500,00 € nos autos do produto da penhora, notifique o exequente para mandar prestar o facto por terceiro nos termos do artº 871 nº 1 do Código de Processo Civil prestando contas após nos autos a fim de receber o valor para pagamento do empreiteiro que levar a cabo a obra.».
Em 21-07-2023 (ref. 8948907) o exequente, alegando que não encontrou nenhum empreiteiro que lhe executasse a obra sequer por valor próximo ao da avaliação efetuada, e atentos os valores dos orçamentos para a execução das obras que dois empreiteiros lhe forneceram – um no valor de € 117.300,00 acrescido de IVA à taxa de 23% e outro no valor € 268.280,00 acrescido de IVA à taxa em vigor –, requereu que fosse ouvida a executada sobre os orçamentos por si juntos e que, nada dizendo, o exequente adjudicaria a execução dos trabalhos ao empreiteiro que apresentou o orçamento de menor valor, requerendo ainda se penhorassem bens para completar o preço da obra a realizar.
Notificada, a executada opôs-se ao requerido, tendo sido proferido, em 04-10-2023 (ref. 93144636), despacho que indeferiu o requerido pelo exequente, ‘por já se terem penhorado bens suficientes para o pagamento da quantia da avaliação, nos termos do n.º 2 do art. 870.º do Cód. Proc. Civil.’
O exequente, em 12-10-2023 (ref. 9104034), alegando ‘não vislumbrar qualquer hipótese de realização da obra objeto de prestação de facto’ pelo valor da avaliação, requereu a realização de nova peritagem ‘com vista a obter o valor que se coadune com a realidade da obra’.
Por despacho de 15-11-2023 (ref. 93582422) foi indeferido tal requerimento, por «(…) ser extemporâneo o pedido da exequente de realização da segunda perícia nos termos do art. 478.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil (…)».
Inconformado, o executado apelou desta decisão, apresentando as seguintes conclusões:
I - O Recorrente, não pode conformar-se, com o despacho proferido em 15-11-2023 que indeferiu o pedido de realização de nova perícia.
II – O Tribunal a quo ao indeferir a nova peritagem torna inexequível uma decisão transitada em julgado, que condenou numa prestação de facto a executada incumpridora, e o exequente vê-se impossibilitado de se substituir à executada por o valor da obra atribuído no laudo pericial não se coadunar com o valor real e necessário para executar essa mesma obra.
III – O Tribunal recorrido ao constatar o desfasamento entre o valor da obra que resulta do laudo pericial e o valor que resulta dos orçamentos apresentados pelo recorrente quando procurou construtores para levar a cabo a obra exequenda, devia independentemente do requerido pelo exequente, lançar mão do poder/dever que lhe é conferido pelo nº 2 do artigo 487º do C.P.C. e ordenar oficiosamente uma nova avaliação à obra a realizar.
IV – Ao indeferir o pedido do exequente de uma nova perícia para determinação do custo das obras a realizar, face ao que resulta dos orçamentos o tribunal a quo violou por erro de interpretação e aplicação o preceituado nos artigos 487º nº 2, 7º nº 1, 547º e 411º do C.P.C. e indiretamente o preceituado no artigo 619º nº 1 do mesmo diploma.
Nestes termos e nos melhores de direito deve revogar-se o despacho recorrido e substituir-se o mesmo por outro que ordene a realização da nova perícia de avaliação dos custos das obras exequendas com o que se fará justiça.
Não foi apresentada resposta às alegações.
Após os vistos legais, cumpre decidir.
II – Objeto do recurso:
Atentas as conclusões das alegações de recurso – que, exceto quanto a questões de conhecimento oficioso, delimitam o objeto e âmbito do recurso, nos termos do disposto nos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 e n.º 2, ambos do Cód. Proc. Civil –, cumpre apreciar o mérito do despacho de indeferimento da realização de segunda avaliação.
Acresce ainda a responsabilidade pelas custas.
III – Fundamentação:
Factos processuais provados
A matéria de facto relevante para a apreciação do recurso é a referida no relatório que antecede.
Análise dos factos e aplicação da lei
São as seguintes as questões de direito parcelares a apreciar:
1. Execução para prestação de facto por outrem
2. Tramitação da execução para prestação de facto por outrem
2.1. Avaliação do custo da prestação
2.2. Execução de custeamento
2.3. Realização da prestação por pessoa distinta do devedor
2.4. Fase da prestação de contas
2.5. Fase do pagamento
3. Do mérito da decisão
3.1. Realização de segunda perícia nos termos previstos no art. 487.º do Cód. Proc. Civil
3.2. Violação do princípio do inquisitório e do princípio da cooperação
4. Conclusão
5. Responsabilidade pelas custas
1. Execução para prestação de facto por outrem
Está-se aqui perante uma execução para prestação de facto positivo fungível, fundada em sentença (arts. 703.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil).
O regime processual da execução para prestação de facto positivo fungível encontra-se previsto nos arts. 868.º a 875.º do Cód. Proc. Civil e, no âmbito da lei substantiva, no art. 828.º do Cód. Civil.
A execução para prestação de facto tem, assim, por finalidade, em primeiro lugar, dar ao credor o que ele obteria pelo cumprimento voluntário – execução específica, ou seja, a realização do facto, ainda que seja prestado pelo próprio exequente ou por terceiro, designadamente quando esteja em causa uma obrigação de facto fungível e o credor opte pela execução do facto em espécie.
Com efeito, como resulta do disposto no art. 868.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, o exequente, quando a prestação de facto fungível não é voluntariamente efetuada, pode optar entre a execução em espécie, requerendo a prestação por outrem, e a execução por equivalente, requerendo a indemnização do dano sofrido com a não realização da prestação (indemnização compensatória).
A prestação de facto fungível é aquela que pode ser realizada por pessoas diferentes do devedor, sem que daí resulte prejuízo para o credor – cfr. Professor Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 7.ª Edição, Almedina, pág. 98. Como referido por João Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 4.ª Edição, Almedina, p. 363, pode haver «(…) sub-rogação do devedor por terceiro no cumprimento da obrigação sem lesão do interesse do credor (…)».
No caso em análise, o exequente, face ao não cumprimento da prestação pela executada dentro do prazo fixado pelo tribunal a quo (arts. 874.º e 875.º do Cód. Proc. Civil) requereu, nos termos previstos no art. 868.º, n.º 1, 1.ª parte, do Cód. Proc. Civil, a prestação por outrem.
2. Tramitação da execução para prestação de facto por outrem
Optando o exequente pela prestação de facto por outrem, não havendo oposição da executada (art. 875.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil) – como sucedeu no caso dos autos –, a execução prossegue, observando-se a seguinte tramitação processual:
a) a avaliação do custo da prestação (art. 870.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil);
b) a execução do património do devedor para se obter o dinheiro necessário a pagar o custo da prestação – ‘execução de custeamento’ (art. 870.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil);
c) a realização da prestação por pessoa distinta do devedor – pelo exequente ou por terceiro sob a orientação e vigilância do exequente (art. 871.º do Cód. Proc. Civil);
d) a fase da prestação de contas (art. 871.º e arts. 944.º a 946.º do Cód. Proc. Civil);
e) a fase do pagamento do crédito do exequente (art. 872.º, n.º 1, do Cód. proc. Civil).
2.1. Avaliação do custo da prestação
A avaliação referida no n.º 1 do art. 870.º do Cód. Proc. Civil tem a função de fixar provisoriamente o custo da prestação de facto para o início da execução de custeamento – cfr. Artur Anselmo de Castro, A Acção Executiva, Singular Comum e Especial, 1977, Coimbra Editora, pág. 374 e 375, e João Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 4.ª Edição, pág. 363 e 364 –, que se destina a obter à custa do património do devedor/executado a quantia necessária ao pagamento do custo da execução da prestação por terceiro. Como resulta da leitura conjugada do disposto nos arts. 870.º, 871.º, n.º 1 e 872.º do Cód. Proc. Civil, esta avaliação destina-se a fornecer uma estimativa do custo provável das despesas com a execução da prestação, designadamente, para efeitos da obtenção, através da observância da tramitação da execução para pagamento de quantia certa, de tal valor assim estimado, o qual, no entanto, não é definitivo, por ser suscetível de ser ulteriormente confirmado ou alterado, designadamente, através do incidente próprio de prestação de contas previsto no art. 872.º do Cód. Proc. Civil, uma vez que, como resulta do disposto no n.º 1 do art. 871.º do Cód. Proc. Civil, o exequente que fizer ou mandar fazer as obras ou trabalhos necessários à realização da prestação fica obrigado a prestar contas do custo efetivo suportado com a realização da prestação – cfr. Eurico Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3.ª Edição, Livraria Almedina, p. 692 e 693; Ac. do TRC de 25-01-2022, proc. n.º 4074/18.0T8CBR-B.C1; Ac. do TRL de 27-02-2014, proc. n.º 30/11.7YYLSB-B.L1-8.
2.2. Execução de custeamento
Apurado o custo da prestação, segue-se a chamada ‘execução de custeamento’ – João de Castro Mendes, Direito Processual Civil (Acção Executiva), pág. 241 –, com a penhora de bens do executado e, eventualmente, a sua ulterior venda – execução esta que segue os termos da execução para pagamento de quantia certa, incluindo, por conseguinte, a citação do cônjuge e dos credores a que tenha que haver lugar –, a fim de se obter a quantia em dinheiro necessária ao pagamento do custo da realização da prestação por pessoa distinta do executado/devedor (e ao pagamento das custas, que saem precípuas do produto dos bens penhorados – art. 541.º do Cód. Proc. Civil –, além, eventualmente, do valor necessário ao pagamento de créditos que tenham sido reclamados e graduados), determinada pela avaliação: é o que resulta do disposto no art. 870.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil.
Da leitura conjugadas das normas enunciadas no n.º 1 do art. 871.º e no art. 873.º do Cód. Proc. Civil resulta que a realização da prestação de facto por outrem (pelo exequente ou a seu mando) pode ocorrer após o termo da execução de custeamento, ou seja, após a penhora e (eventual) venda dos bens do executado necessária a obter a quantia em dinheiro estimada pela avaliação, ou ainda antes do termo dessa execução ou mesmo ainda na fase preliminar da avaliação – mas sempre, necessariamente, após ter sido requerida a avaliação do respetivo custo: «(…) o exequente, embora não possa dar início às obras que constituam o facto prestando, antes de requerer a avaliação do respectivo custo, pode começa-las antes de terminada tal avaliação e portanto também antes de concluída a execução subsequente.(…)» – Eurico Lopes Cardoso, op. cit., p. 693.
Na primeira situação – após o termo da execução de custeamento –, o exequente sabe, antes de começar a realização da prestação, qual a quantia que foi obtida, pelo que se encontra na posse de todos elementos necessários para determinar a sua ulterior atuação. Assim, ainda que não tenha logrado obter o valor estimado do custo da prestação, o exequente pode, se assim o pretender, realizar ou mandar realizar a prestação, sabendo que – por se terem excutido todos os bens do executado sem se obter a importância da avaliação – terá, em princípio, que suportar do seu bolso parte do custo da prestação. Mas também pode, neste caso – uma vez que ainda não iniciou a realização da prestação –, desistir da prestação de facto por outrem e requerer, sem mais formalidades, o levantamento da quantia que foi obtida através da execução de custeamento: é o que resulta do disposto no art. 873.º do Cód. Proc. Civil. Deste modo, a opção de apenas começar a realização da prestação após o termo da execução destinada a obter o valor do custo provável das obras e trabalhos necessários à realização do facto a prestar é «(…) a mais prudente e segura, porque permite ao executado desistir da prestação, caso a execução por quantia certa não dê resultado favorável, isto é, caso se não chegue a recolher a importância em que foi avaliado o custo da prestação (…)» – Alberto dos Reis, Processo de Execução, Vol. 2.º, pág. 563.
Já na segunda situação – ou seja, se já tiver iniciado a prestação de facto antes do início ou do termo da execução de custeamento – o exequente não pode desistir da prestação já iniciada, ficando sujeito a ter que suportar, à sua custa, o preço dos trabalhos executados, no todo ou em parte, caso, respetivamente, a execução de custeamento se frustre total ou parcialmente, por o executado não possuir bens penhoráveis ou por a execução sobre estes não ter obtido o valor da avaliação – cfr. João Castro Mendes, op. cit., págs. 241 a 244; Lebre de Freitas, op. cit., pág. 457; Alberto dos Reis, op. cit., págs. 561 a 563.
2.3. Realização da prestação por pessoa distinta do devedor
A realização da prestação por outrem tem sempre natureza extrajudicial, ou seja, é realizada pelo próprio exequente ou por terceiro por si contratado, supervisionado e pago.
Quer seja executada por si ou por terceiro contratado para o efeito, o exequente deverá prestar contas no processo através do competente incidente de prestação de contas, conforme resulta do disposto no art. 871.º do Cód. Proc. Civil.
Como refere Artur Anselmo de Castro, op. cit. pág. 376, «É ao exequente que compete exclusivamente responder pela sua boa execução e prestar pessoalmente as respectivas contas. O contrato que faça com terceiro valerá apenas nas relações internas. (…)». No mesmo sentido, João de Castro Mendes, Direito Processual Civil (Acção Executiva), pág. 241 e 242, João Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 4.ª Edição, pág. 364, nota 658, Lebre de Freitas, A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 6.ª Edição, pág. 457, e Alberto dos Reis, op. cit., pág. 564.
2.4. Fase da prestação de contas
Realizadas as obras e trabalhos necessários para a prestação do facto, o exequente encontra-se obrigado a prestar contas, no processo de execução – como incidente deste, nos termos e com observância do regime do processo especial de prestação de contas (arts. 941.º e ss. do Cód. Proc. Civil), na parte aplicável – das obras e trabalhos realizados, podendo o executado, na contestação, alegar – além de outros fundamentos de oposição – que houve excesso na prestação do facto (art. 871.º, n.º 1, parte final, e n.º 3 do Cód. Proc. Civil).
As contas destinam-se a apurar o crédito do exequente consistente no custo por si suportado com as obras e trabalhos executados para a realização da prestação de facto que o executado se encontrava obrigado a prestar.
Tal coaduna-se com o valor da avaliação como mera estimativa do custo da prestação, passível de correção ulterior, designadamente, através da prestação de contas. Só após a prestação de contas e sua aprovação é que fica determinado o valor do crédito do exequente: o crédito de prestação de facto inicial do exequente, mercê do incumprimento, pelo executado, da correspetiva obrigação, transformou-se em crédito de quantia certa, consistente no valor que o exequente teve que despender com a realização (por si ou por outrem a seu mando) da prestação de facto devida pelo executado: nas palavras do Prof. Alberto dos Reis, op. cit., pág. 561, «o exequente era inicialmente credor de prestação de facto; porque o executado deixou de prestar o facto devido, o crédito do exequente sofre uma transformação: o crédito de prestação de facto converte-se em crédito de quantia certa.
Que quantia?
Ou a quantia em que se liquidar a indemnização de perdas e danos, quando o exequente opte pela indemnização (ou só pode pedir esta), ou a importância que vier a custar a prestação do facto por outrem. Mas esta importância só se determina depois de prestado o facto e aprovadas as contas (art. 937.º). Portanto, se a execução por quantia certa, regulada na 2.ª parte do art. 935.º, findar antes de estar prestado o facto e serem aprovadas as contas, o produto da venda destinado a custear as despesas da prestação fica em depósito até se determinar quanto gastou o exequente com a prestação do facto e, consequentemente, quanto tem direito a receber.». Correspondendo, no essencial, as normas dos arts. 935.º [1] e 937.º [2] do Cód. Proc. Civil de 1961, referidos pelo Prof. Alberto dos Reis, respetivamente, às normas enunciadas nos atuais arts. 870.º e 872.º do Código de Processo Civil vigente, mantêm plena atualidade estes ensinamentos do ilustre Professor.
As contas são apreciadas e julgadas pelo juiz – art. 871.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil –, nos termos do art. 945.º, n.º 5, do Cód. Proc. Civil (o juiz determina a realização das diligências que entender necessárias à boa decisão e decide de acordo com o seu prudente arbítrio e regras de experiência).
Quando, face à aprovação das contas prestadas, o valor do custo da prestação efetuada pelo exequente seja superior ao valor da avaliação e obtido pela execução de custeamento, resulta do disposto no n.º 2 do art. 872.º do Cód. Proc. Civil que podem ter lugar novos atos de penhora e venda de outros bens do executado, seguindo-se novamente os termos do processo de execução para pagamento de quantia certa.
No que diz respeito ao excesso na prestação do facto, este não consiste ‘em a soma das despesas ultrapassar a importância da avaliação’. Ou seja, é errado o entendimento de que ‘tal excesso se verifica sempre que a soma das despesas exceda a avaliação feita’, prevista no art. 870.º do Cód. Proc. Civil. O disposto no n.º 2 do art. 872.º do Cód. Proc. Civil afasta tal entendimento, na medida em que prevê, expressamente, a hipótese de o valor obtido com a execução de custeamento (correspondente ao valor da avaliação, acrescido das custas e, eventualmente, do valor dos créditos reclamados e graduados) não ser suficiente para o pagamento do crédito do exequente, o qual corresponderá à importância apurada (aprovada) nas contas prestadas.
Novamente, nas palavras do Prof. Alberto dos Reis, op. cit., pág. 566, «Por excesso na prestação deve entender-se excesso nas obras e trabalhos efectuado; as obras e trabalhos devem considerar-se excessivos quando o facto que se prestou é superior, em quantidade e qualidade, ou só nalgum destes aspectos, ao que era devido pelo executado.»
Consideramos, assim, que a aprovação da prestação de contas surge sempre como elemento fundamental, sendo por meio da referida aprovação que se jurisdicionaliza a prestação do facto efetuada (extrajudicialmente) pelo exequente, estando inclusive o pagamento do crédito pecuniário do exequente (em que se converteu o originário crédito do exequente à prestação do facto) dependente da aprovação das contas.
Posição diferente é assumida por Rui Pinto, Manual da Execução e Despejo, 1.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 1223, 4. e 5, que distingue entre a realização da prestação por terceiro com custeamento prévio ao início das obras ou trabalhos, e a realização das obras e trabalhos antes da obtenção do valor necessário ao custeamento (custeamento posterior), defendendo que, no caso de obtenção do valor da avaliação – através da execução de custeamento – antes de se dar início aos trabalhos ou obras, sendo a execução da obra ou realização dos trabalhos uma atividade extra processual, a execução deve extinguir-se assim que obtido o valor para a sua realização (sem necessidade, por conseguinte, da prestação de contas). Este autor cita, no sentido por si defendido, o Ac. TRP de 23-11-1995, proc. 9530728 (apenas sumariado, nos seguintes termos, na base de dados do IGFEJ: «I - Em processo de execução para prestação de facto, tendo o exequente optado pela prestação do facto por outrem e feita a competente avaliação do custo da prestação, pode ser julgada extinta a execução, com o consequente levantamento da penhora entretanto efectuada, na hipótese de ter sido depositado o montante correspondente àquele custo e estarem pagas as custas da execução.»)
2.5. Fase do pagamento
Nos termos do disposto no n.º 1 do art. 872.º do Cód. Proc. Civil, só após a aprovação das contas é que pode ser entregue ao exequente o montante em dinheiro obtido através da chamada execução de custeamento, no valor das contas aprovadas, para pagamento ao exequente do seu crédito (o custo dos trabalhos ou obra realizados por si ou a seu mando e custeados pelo mesmo, em substituição do devedor faltoso).
3. Do mérito da decisão
Feita esta breve resenha da tramitação da execução para prestação de facto por outrem, ainda que de forma restrita – ou seja, na parte que assume pertinência para a apreciação da questão submetida a este tribunal ad quem –, passaremos a analisar os fundamentos do recurso.
Defende o apelante que no despacho proferido em 15-11-2023, que indeferiu o pedido de realização de nova perícia, o tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o preceituado nos artigos 487.º, nº 2, 7.º, n.º 1, 547.º e 411.º do Cód. Proc. Civil, uma vez que, face ao desfasamento entre os valores dos orçamentos obtidos pelo exequente para a realização da prestação e o valor da avaliação, se impunha ao tribunal, no cumprimento do poder/dever que lhe é conferido pelo n.º 2 do artigo 487.º do Cód. Proc. Civil, ordenar oficiosamente uma nova avaliação à obra.
E invoca ainda ter ocorrido, indiretamente – porque tal decisão de indeferimento da nova peritagem torna inexequível a decisão dada à execução, transitada em julgada (por o exequente ficar impossibilitado de se substituir a executada em virtude do valor da obra atribuído no laudo pericial não se coadunar com o valor real e necessário para executar essa mesma obra – violação do preceituado no artigo 619.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil.
3.1. Realização de segunda perícia nos termos previstos no art. 487.º do Cód. Proc. Civil
O despacho recorrido indeferiu o requerimento de realização de segunda perícia efetuado pelo apelante, com fundamento na extemporaneidade do requerimento, por apresentado para além do prazo de 10 dias contados do resultado da avaliação a que se refere o n.º 1 do art. 870.º do Cód. Proc. Civil, prazo esse fixado no n.º 1 do art. 487.º do Cód. Proc. Civil.
O apelante não impugna a extemporaneidade do requerimento considerada na decisão recorrida, antes fundamentando o recurso na alegação de que, perante o desfasamento do valor da avaliação e do valor dos orçamentos por si obtidos para a realização da prestação, recaía sobre o tribunal o poder/dever de ordenar tal diligência, por a mesma ser essencial e imprescindível para o exequente poder obter a realização da prestação por outrem.
A procedência do recurso depende, assim, da afirmação da existência do dever do tribunal de ordenar a realização da diligência requerida, por a mesma ser necessária para o prosseguimento da execução destinada a obter a execução da prestação de facto por outrem.
Afigura-se-nos que, atento regime legal da tramitação da execução para prestação de facto por outrem – nos moldes supra referidos em 2. –, não assiste razão ao apelante.
Em primeiro lugar, tendo em consideração que o art. 870.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil não remete expressamente para as normas da produção da prova pericial – arts. 467.º a 489.º do Cód. Proc. Civil –, afigura-se-nos encontrar-se afastada a aplicação de todas as normas daquele regime que contendam com a finalidade da avaliação – função de fixação provisória do custo da prestação de facto –, embora sendo subsidiariamente aplicáveis as que com tal finalidade sejam compatíveis (art. 551.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil).
Consideramos, assim, e no que concerne à aplicação das normas processuais reguladoras da prova pericial (arts. 467.º a 489.º do Cód. Proc. Civil), que:
a) – Será de aplicar o regime do art. 467.º, bem como o disposto nos arts. 469.º, 470.º a 472.º, 478.º, 479.º a 481.º, 483.º e 484.º e 485.º do Cód. Proc. Civil.
b) – Deve ser facultado às partes o contraditório relativamente ao resultado da avaliação, podendo ser deferido pedido de esclarecimentos, se for justificado (art. 3.º, n.º 3, e o já citado art. 485.º, ambos do Cód. Proc. Civil).
c) – Encontra-se expressamente afastada a colegialidade na realização da avaliação: o n.º 1 do art. 870.º do Cód. Proc. Civil [3] prevê expressamente a nomeação de um perito – neste sentido, cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2020, Almedina, p. 306; em sentido contrário, defendendo que a perícia poderá ser colegial, podendo ser requerida a avaliação colegial, se a ação executiva tiver valor superior a metade da alçada da relação, nos termos do disposto no art. 468.º, n.º 1, al. b) e n.º 5, do Cód. Proc. Civil, cfr. Lebre de Freitas, A Ação Executiva, 6.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 457, nota (23).
d) – Não há lugar à aplicação das demais disposições processuais reguladoras da prova pericial que contendam com o objetivo de celeridade na realização da avaliação e com a natureza provisória do custo da prestação fixado na avaliação prevista no n.º 1 do art. 870.º do Cód. Proc. Civil, uma vez que tal avaliação visa o apuramento do custo previsível da prestação, não revestindo caráter definitivo mas antes provisório, sendo suscetível de alteração ulterior no âmbito da prestação de contas a que alude o art. 871.º do Cód. Proc. Civil.
Considerando tal carácter meramente provisório da avaliação prevista no n.º 1 do art. 870.º do Cód. Proc. Civil, que visa a aferição do custo provável das obras e trabalhos a realizar, para efeitos da determinação do valor a considerar no âmbito da execução de custeamento, e que o valor desse custo provável pode ser confirmado ou desmentido pela realização das obras, sendo apenas a final, no âmbito da apresentação e aprovação das contas, que se fixa o efetivo valor do crédito que o exequente tem direito a receber do executado – crédito esse que consiste no que o exequente realmente despendeu com as obras e trabalhos executados para a realização da prestação –, compreende-se a inadmissibilidade da realização de segunda avaliação nos termos previstos no art. 487.º do Cód. Proc. Civil.
Neste sentido de que a celeridade do incidente de conversão da execução e a natureza provisória da avaliação dos custos não se coadunam com a realização de uma segunda perícia, cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ibidem, ibidem.
Este entendimento também tem tido acolhimento na jurisprudência – cfr. Ac. do TRG de 04-10-2007, proc. n.º 1454/07-2; Ac. do TRC de 21-06-2011, proc. n.º 30-D/2002.C1; Ac. do TRL 27-02-2014, proc. n.º 30/11.7YYLSB-B.L1-8; Ac. do TRC de 25-01-2022, proc. 4074/18.0T8CBR-B.C1.
3.2. Violação do princípio do inquisitório e do princípio da cooperação
O art. 411.º do Cód. Proc. Civil dispõe sobre o princípio do inquisitório nos seguintes termos: “Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.”
Esta disposição legal constitui uma das disposições gerais da instrução do processo, integrando o Capítulo I (Disposições Gerais) do Título V (Da instrução do processo) do LIVRO II (Do processo em geral) do Cód. Proc. Civil, tendo, por conseguinte aplicação ao processo executivo.
Este artigo consagra um poder/dever de iniciativa processual do juiz na realização das diligências que se mostrem necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, mas este poder/dever tem que ser compatibilizado com os princípios do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes – sobre o assunto, cfr. Ac. deste TRP de 11-01-2024, proc. n.º 67185/22.0YIPRT.P1; Ac. do TRE de 29-09-2022, proc. n.º 6613/18.7T8STB-C.E1; Ac. do TRC de 26-10-2021, proc. 852/20.8T8FIG-A.C1.
Este poder/dever do tribunal de realização oficiosa de diligencias instrutórias pressupõe a afirmação da necessidade das mesmas para o apuramento da verdade e justa composição do litígio.
Alega o apelante que o indeferimento da segunda avaliação o impede de prosseguir com a execução – fundando-se aí a afirmação da necessidade de realização da segunda avaliação.
Sem razão.
No caso, atendendo ao caráter provisório da avaliação, passível de correção ulterior em sede da necessária prestação de contas – em que, nos termos do disposto no art. 945.º, n.º 5, do Cód. Proc. Civil, expressamente se prevê que podem e devem ser realizadas pelo juiz todas as diligências indispensáveis para o julgamento das contas apresentadas –, a realização da segunda avaliação nenhum efeito assumirá para a fixação do valor do crédito a que o exequente tem direito: tal – repete-se – ocorre com a aprovação das contas, em que se fixa a quantia que o mesmo tem a receber, correspondente ao custo das obras efetuadas.
Esta segunda avaliação não assume, assim, relevância para a fixação do crédito do exequente.
A avaliação releva para a determinação do valor a obter para efeitos da penhora de bens do executado, no âmbito da execução de custeamento.
A afirmação da indispensabilidade de nova aferição do custo provável da prestação – a pretendida segunda avaliação não poderia ser mais que isso – para o prosseguimento da execução não tem sustentação, uma vez que, face à tramitação legal da execução para prestação de facto por outrem, atenta a natureza extrajudicial da realização da prestação por outrem e a necessidade de prestação de contas para a determinação do crédito do exequente, o crédito pecuniário do exequente (que apenas é fixado no incidente de prestação de contas, após a realização da prestação) só é pago ao exequente depois da aprovação das contas, como resulta do disposto no n.º 1 do art. 872.º do Cód. Proc. Civil.
Se, nos termos da tramitação processual legalmente prevista, o pagamento ao exequente do crédito equivalente ao custo com a realização da prestação só ocorre após a realização desta (que, tendo natureza extrajudicial, tem lugar fora do processo, sob a direção e exclusiva responsabilidade do exequente, por terceiro por si contratado, supervisionado e pago) e após a prestação e aprovação das contas – que pressupõe a prévia realização extrajudicial da prestação –, não é o facto do montante obtido pela penhora de bens (até perfazer o valor fixado na avaliação) não ascender ao valor do preço contratado pelo exequente que obsta à realização extrajudicial da prestação. Esta realização extrajudicial da prestação está sempre dependente, única e exclusivamente, das disponibilidades financeiras e/ou termos do contrato efetuado extrajudicialmente pelo exequente com o terceiro. O exequente não pode utilizar o dinheiro obtido no âmbito da execução de custeamento para o pagamento do preço da prestação a não ser após a apresentação e aprovação das contas, que pressupõe a prévia realização da prestação.
A previsão legal da realização de novos atos de penhora e venda de outros bens do executado, após a aprovação das contas prestadas – da qual resulte ser o valor do custo da prestação realizada superior ao valor da avaliação –, para arrecadar o valor necessário ao integral pagamento do crédito exequendo, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 872.º do Cód. Proc. Civil, é a solução legal consagrada para dar resposta aos casos em que o custo efetivo da prestação é superior ao custo estimado fixado na avaliação.
Havendo expressa previsão na tramitação da execução para prestação de facto por outrem para a resolução dos casos de discrepância entre o valor do custo estimado obtido na avaliação e o valor do custo efetivo da realização da prestação, está afastada a realização de segunda avaliação como diligência necessária e imprescindível para a realização coativa do direito do exequente, com o fundamento do desfasamento entre os dois orçamentos que o exequente refere ter obtido – que, de resto, apresentam entre si uma incongruente diferença de mais de € 150.000,00 para a execução dos mesmos trabalhos –, passível de fundamentar a afirmação do dever de realização oficiosa da mesma.
Dos fundamentos expostos resultam igualmente arredadas as invocadas violações do disposto nos arts. 7.º, n.º 1, 547.º e 619.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil.
4. Conclusão
Concluímos, deste modo, pela confirmação, ainda que com fundamentos distintos, da decisão de indeferimento da realização de uma segunda avaliação.
5. Responsabilidade pelas custas
A decisão sobre custas da apelação, quando se mostrem previamente liquidadas as taxas de justiça que sejam devidas, tende a repercutir-se apenas na reclamação de custas de parte (art. 25.º do Reg. Cus. Processuais).
A responsabilidade pelas custas cabe ao apelante, por ter ficado vencido (art. 527.º do Cód. Proc. Civil), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
IV – Dispositivo:
Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão apelada.
Custas a cargo do apelante, por ter ficado vencido (art. 527.º do Cód. Proc. Civil), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.