AUTORIDADE DE CASO JULGADO
RECURSO
Sumário

I - Verificando-se que a decisão impugnada julgou improcedente a autoridade do caso julgado invocada pela recorrente, o recurso tempestivamente interposto daquela decisão é admissível, independentemente do valor da causa e da sucumbência, nos termos do artigo 629.º, n.º 2, al. a), do CPC.
II - Proferida sentença absolutória da Ré com fundamento de que esta não se pode considerar vinculada contratualmente com a Autora e, intentando a mesma Autora nova ação, contra a mesma Ré, com base na mesma relação contratual, ainda que com pedido diverso, ocorre a exceção de autoridade de caso julgado.

(da responsabilidade da Relatora)

Texto Integral

Apelação n.º 82076/23.0YIPRT.P1




Acordam na 3ª secção do Tribunal da Relação do Porto:



RELATÓRIO:

A..., S.A., NIPC ...84, com sede na Rua ..., 1ª ..., intentou ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos contra AA, NIF ...20, com domicílio na Rua ..., ..., ..., Santo Tirso, peticionando a condenação da Ré a pagar a quantia de €97,83 (noventa e sete euros e oitenta e três cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos no montante de €0,94 (noventa e quatro cêntimos) e juros de mora vincendos à taxa legal.
Para o efeito, alegou, sumariamente, que prestou serviços de saneamento à Ré, que a mesma não pagou.
Regularmente citada, a Ré deduziu oposição, arguindo a autoridade de caso julgado e impugnando o contrato e as faturas, concluindo pela sua absolvição da instância ou a improcedência da ação.
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida decisão que, a final, julgou a ação parcialmente procedente.
Antes da decisão final, contudo, em sede de saneamento do processo, o Tribunal a quo apreciou a exceção de caso julgado/autoridade de caso julgado que havia sido invocada pela ré, exceção que indeferiu.

*
Não se conformando com tal decisão, a Ré interpôs o presente recurso, que foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
A apelante formulou as seguintes conclusões:
“A- A douta sentença não se fundamentou correctamente nos factos alegados e dados como provados e não provados, estando arredada do melhor direito aplicável.
B- Resulta claramente dos documentos 1,2,3 juntos pela requerida, e não impugnados, nem contraditados pela requerente de que o objecto da presente acção foi já decidido por sentença transitada em julgado em 17/03/2022 no âmbito de uma injunção/acção especial de cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, a qual correu termos no proc. Nº 93152/21.3 YIPRT do Juizo Local Cível de Santo Tirso-Juiz 1, em que a causa de pedir ali alegada corresponde essencialmente á da presente causa, o suposto contrato de fornecimento de bens ou serviços feito em 25/10/2006.
C- O objecto da presente acção e o do Proc. 93152/21.3YIPRT tem por verificada, além da identidade de sujeitos e da causa de pedir, a coincidência das respectivas pretensões na parte em que versam sobre o alicerçado no mesmo contrato.
D- Atendendo a que a anterior acção foi totalmente julgada improcedente por a R. não ter celebrado qualquer contrato com a A. e que tendo havido cessão da posição contratual a mesma não foi consentida pela recorrente, pelo que consequentemente não está obrigada ao pagamento do serviço, devendo ser considerado o efeito de autoridade de caso julgado por na presente acção o valor peticionado radica precisamente na mesma causa de pedir/facto jurídico a existência e celebração de um eventual contrato de prestação de serviços datado de 25/10/2006.
E- A autoridade de caso julgado tem o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito. Este efeito positivo assenta numa relação de prejucialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial da segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida.
F- No caso em apreço o pedido formulado na presente acção contra a requerida funda-se além do mais também no mesmo facto jurídico/contrato de prestação de serviços, com a mesma data, e dado como não provado na anterior acção. Temos por assente que a decisão absolutória do pedido proferida na acção anterior traduz-se em decisão de questão fundamental que constitui precedente lógico indiscutível da peticionada extensão do serviço de saneamento anteriormente invocado e negado o direito ao seu pagamento.
G- Nessa medida não pode deixar de se considerar o efeito de autoridade de caso julgado material decorrente da decisão absolutória proferida na acção nº 93152/21.3YIPRT, como radical e substantivamente impeditivo da procedência da pretensão deduzida na presente acção, pese embora a não coincidência integral do petitório formulados nas duas acções.
H- Acresce ainda que em parte alguma da sentença ora posta em crise, a referencia ao dito contrato que a A. diz ter celebrado com a R., porque efectivamente ele não existiu, nada dos autos e da sentença resulta qualquer vinculo contratual entre A. E R., e só pela constatação deste facto impunha-se a absolvição da R. do pedido.
I- E mais, não existindo contrato a pretensão da A. não se reporta a uma obrigação pecuniária emergente de contrato, logo não se enquadra nos limites e finalidades legalmente definidos para a providencia de injunção, daí o requerimento inicial ser inepto por força do Artº 186º do C.P.C.
J- Ainda outra nossa discordância quanto á sentença diz respeito ao facto de ter sido dado como não provado que a A. tivesse enviado mensalmente para a R. as facturas e respectiva cobrança, aludidas no requerimento de injunção, e tal impunha-se como obrigatório nos termos do Artº 63º do DL. 194/2009 de 20 de Agosto.
K- Foram assim violados entre outros o Artº 63º do DL 194/2009, ARTºs 186º,580º, 619ºe 621º do C.P.C.”
Pede que o recurso seja julgado procedente e, consequentemente, seja revogada a sentença recorrida, absolvendo a recorrente do pedido.
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A recorrida A..., S.A., veio apresentar as suas contra-alegações, concluindo nos seguintes termos:
“1. Entendeu o Venerando Tribunal a quo reconhecer a legitimidade activa à recorrida, em virtude da sucessão legal nas B..., S.A.
2. Tenciona, agora, a recorrente abalar a decisão proferida, estribando a sua pretensão num único pilar argumentativo, como seja a pretensa violação da autoridade do caso julgado, de molde a poder socorrer-se da recorribilidade ínsita na al. a) do n.º 2 do art. 629.º do CPC.
3. Argumento que, curiosamente, já viu naufragar nos doutos Acórdãos proferidos por este douto Tribunal da Relação, no âmbito dos seguintes processos: Proc. nº 12226/22.1YIPRT.P1, Proc. n.º 72556/22.0YIPRT.P1 e Proc. n.º 13058/23.5YIPRT.P1.
4. Desde logo, cremos que o presente recurso não deve ser, sequer, admitido.
5. Seguindo de perto os ensinamentos de Abrantes Geraldes e as instâncias superiores (vg. Ac. do STJ, de 06/05/2021, Proc. n.º 2218/15.2T8VCT-A.G2-A.S1), propendemos para o entendimento de que perante a inexistência caso julgado violado, a (pretensa) autoridade deste não constitui fundamento de recorribilidade, nos termos e para os efeitos do estatuído na al. a) do n.º 2 do art. 629.º do CPC.
6. De resto, entendimento também já seguido por banda da 2.ª Secção deste mesmo Tribunal Superior, designadamente no Ac. proferido em 16/05/2023, nos autos com o n.º 72556/22.0YIPRT.P1.
7. Ingressando no mérito do recurso propriamente dito, é inquestionável que a análise hermenêutica que culminou na decisão fundamento (Proc. n.º 93152/21.3YIPRT) avançada pela recorrente se pauta por uma interpretação deficitária e deturpada dos diplomas legais conformadores da relação sub judice.
8. É o quanto é clarificado no douto Acórdão proferido na 5ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, em 08/05/2023, no âmbito do Proc. n.º 85462/22.9YIPRT.P1.
9. Sobre a mesma contenda, a 5.ª Secção do Tribunal ad quem já se pronunciou no Acórdão proferido em 17/04/2023, nos autos com o n.º 12226/22.1YIPRT.P1, em que são outrossim partes contrincantes as aqui recorrente e recorrida, e outrossim a 2.ª Secção desta Relação, no Acórdão proferido em 21/11/2023, nos autos com o n.º 90665/22.3YIPRT-A.P1,
10. concluindo não estarmos perante qualquer violação da autoridade de caso julgado, no sentido em que nas acções em confronto, para além da identidade de sujeitos, estão em crise pedidos e causas de pedir distintas.
11. Efectivamente, a decisão “fundamento” obliterou os contratos de parceria e gestão celebrados entre o Estado Português e o Município de Santo Tirso, bem como desconsiderou (ou pior, desvirtuou!) os DL n.º 93/2015, de 29 de Maio, o DL n.º 194/2009, de 20 de Agosto, o Regulamento n.º 594/2018, de 4 de Setembro e o Regulamento n.º 1008/2020, de 13 de Novembro.
12. Incorrendo no que pretende ver apreciado a recorrente, entende a recorrida que também não estamos perante qualquer violação da autoridade do caso julgado.
13. Com efeito, perante uma questão eminentemente jurídica, inserta na liberdade de julgamento do decisor (cfr. n.º 3 do art. 5.º do CPC), no confronto entre acções é patente a diversidade de matéria e normatividade alegadas e dadas como provadas.
14. Quer isto dizer que na decisão fundamento não foi apreciado o que ficou decidido no aresto de que ora se recorre.
15. Assume relevo, uma vez mais, a destrinça entre “ofensa de caso julgado” e “autoridade de caso julgado”, revelando-se paradigmáticas as decisões proferidas – entre outras – nos Ac. da Relação de Coimbra (Proc. n.º 3435/16.3T8VIS-A.C1) e da Relação de Lisboa (Proc. n.º 131/21.3T8PDL.L1-7).
16. De igual modo, por se tratar de matéria que amiúde tem vindo a ser colocada à apreciação do Tribunal a quo, ademais da douta decisão de que se recorre, importa evidenciar o pensamento que vem grassando e que determina que «… para que se verifique esta excepção e independentemente da norma invocada, torna-se necessário que os mesmos factos dados como provados na sentença são os únicos que estão alegados na segunda acção, sendo estes os factos que servem de fundamentação de facto e de direito à acção. (…) Por conseguinte, uma determinada decisão jurídica com base num determinado conjunto de factos poderá validamente ocasionar diferente decisão jurídica numa nova acção com base nos mesmos factos, o que quer significar que a excepção de autoridade de caso julgado apenas se aplica às questões fáctico-jurídicas concretas decidas anteriormente.»
17. Fazer “tábua rasa” dos contratos de parceria e gestão celebrados entre o Estado e o Município de Santo Tirso, bem como o Decreto-Lei n.º 41/2010, de 29 de Abril, o Decreto-Lei n.º 93/2015, de 29 de Maio e o DL n.º 194/2009, de 20 de Agosto, é perpetuar o abuso de que a recorrente consciente e deliberadamente usufrui: saneamento, sem o pagamento do correlativo preço!”.
Termina pedindo que o recurso interposto seja julgado totalmente improcedente por não provado, mantendo-se inalterada a decisão proferida.
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FUNDAMENTAÇÃO:
1. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.
Atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante e pela apelada, cabe apreciar se ocorre violação do caso julgado/autoridade do caso julgado, pelo que deve ser revogada a decisão recorrida e a apelante absolvida do pedido.
Antes disso, contudo, cabe apreciar se o recurso é admissível.
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2. Da admissibilidade do recurso
A recorrida entende que o presente recurso não é admissível, por não se verificarem os pressupostos previstos no artigo 629.º, n.º 2, al. a), do CPC, norma que a recorrente invocou para fundamentar a admissibilidade do seu recurso.
Nos termos do disposto no n.º 1, do referido art. 629.º, o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, pelo que, por este critério, o recurso não seria admissível no caso.
Contudo, de harmonia com o preceituado na al. a), do n.º 2, do mesmo artigo 629.º, independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso com fundamento na ofensa do caso julgado.
E não obsta à admissibilidade do recurso a circunstância de não se estar perante a exceção dilatória de caso julgado (artigo 577.º, al. i), do CPC) mas antes o que se denomina de autoridade de caso julgado, já que não deixa de estar em causa a figura do caso julgado, agora na sua vertente positiva, ou no seu efeito positivo no sentido de impor uma decisão num sentido, ao invés do efeito negativo (exceção dilatória) que impede a prolação da decisão.
Assim, no caso concreto, verificando-se que a decisão impugnada julgou improcedente a autoridade do caso julgado invocada pela recorrente, o recurso tempestivamente interposto daquela decisão é admissível, independentemente do valor da causa e da sucumbência, nos termos do artigo 629.º, n.º 2, al. a), do CPC.
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3. Fundamentação de facto
Foram dados como provados os seguintes factos:
1. Em 2 de novembro de 1999, o Município de Santo Tirso subscreveu um escrito em que declarou conceder à C... Santo Tirso/Trofa, pelo prazo de 35 anos, a gestão e exploração do Sistema Municipal de Abastecimento de Água do Concelho de Santo Tirso, com referência ao “Serviço Público de Abastecimento de Água”, dentro do perímetro territorial do Concelho de Santo Tirso, em zonas inseridas na União de freguesias ..., ... (... e ...) e ..., União de freguesias ..., ..., ... e ..., freguesia ..., freguesia ..., freguesia ..., freguesia ..., freguesia ..., freguesia ..., União de freguesias ... e ..., freguesia ... e freguesia ....
2. A A..., S.A. tem como objeto é a realização de serviços de fornecimento de água e saneamento.
3. Em 5 de julho de 2013, o Estado Português, como primeiro outorgante, e os Municípios de Amarante, Arouca, Baião, Celorico de Basto, Cinfães, Fafe, Santo Tirso e Trofa, na qualidade de segundos outorgantes, subscreveram um escrito com a epígrafe “Contrato de Parceria Pública”, consignando, designadamente, que:
“Cláusula 1.ª
Sistema de Águas da Região do Noroeste
1 – Os Municípios decidem constituir o Sistema de Águas da Região do Noroeste, doravante designado por Sistema, resultante da agregação dos respetivos sistemas municipais de abastecimento de água para consumo público e de saneamento de águas residuais urbanas, que, para este efeito, abrange o conjunto de atividades elencadas na Cláusula 3.ª e com os limites previstos na solução técnica global a que se refere o número seguinte.
2 – A solução técnica global do sistema corresponde ao conjunto de infraestruturas a construir, a renovar e a ceder pelos Municípios, nos termos dos Anexos I e II ao presente contrato, que dele fazem parte integrante.
3 – Os sistemas municipais que integram o Sistema são constituídos pelas infraestruturas, identificadas nos anexos referidos no número anterior, cuja operacionalidade concorre técnica e fisicamente de forna direta para a prestação dos serviços públicos de abastecimento de água para consumo público e saneamento de águas residuais urbanas aos utilizadores finais, nelas se incluindo os equipamentos e mecanismos funcionalmente afetos ao sistema, a construir pela Entidade Gestora da Parceria (doravante designada por EGP), com aextensão e limites que decorrem do referido anexo.
4 – Nos casos em que os Municípios avoquem as competências relativas ao abastecimento de água para consumo público e de saneamento de águas residuais urbanas delegadas em freguesias ou associações de utilizadores, as áreas em causa são, por iniciativa dos Municípios, integradas no Sistema.
5- Os Municípios de Fafe, Santo Tirso e Trofa, enquanto durar a concessão dos seus sistemas municipais de abastecimento de água para consumo público, agregam exclusivamente os sistemas municipais de saneamento de águas residuais urbanas.
(…)
Cláusula 2.ª
Regime e modalidade
1 – A exploração e a gestão do Sistema são realizadas, em regime de parceria pública prevista na alínea c) do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 90/2009, de 9 de abril, e em exclusividade, pelas B..., S.A., na qualidade de Entidade Gestora da Parceria, nos termos da lei, do presente contrato e do contrato de gestão a outorgar.
2- Com a celebração do presente Contrato, nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 90/2009, de 9 de abril, consideram-se delegadas pelos Municípios no Estado as respetivas competências relativas à gestão e exploração dos serviços públicos de abastecimento de água para consumo público e de saneamento de águas residuais urbanas aos utilizadores finais (doravante designados de serviços de águas relativos ao Sistema).
3 – Para efeitos da presente Parceria, os outorgantes obrigam-se a aprovar e realizar o aumento do capital social da B..., S.A., no valor de 13.249.555,00€ (treze milhões, duzentos e quarenta e nove mil, quinhentos e cinquenta euros), através da criação de uma categoria própria de ações, das quais 68,13% serão detidas pela D..., SGPS, S.A., e o remanescente será subscrito pelos Municípios acima identificados.
4 – Nos casos em que, na data de constituição da presente Parceria, a gestão dos sistemas municipais de distribuição de água para consumo público se encontrar concessionada, a EGP, o Município e a concessionária devem celebrar protocolos relativos à faturação e à cobrança dos serviços de saneamento de águas residuais urbanas pela EGP, bem como ao reporte periódico de informação relevante para a execução da Parceria, designadamente em matéria de incumprimentos contratuais, consumos e faturação dos serviços por consumidor.
Cláusula 3.ª
Objeto
1 – A exploração e gestão, em regime de exclusivo, dos serviços de águas relativos ao Sistema compreende a distribuição de água para consumo público e a recolha de águas residuais urbanas aos utilizadores finais, nos termos previstos nos Anexos I e II.
(…)
Cláusula 5.ª
Transmissão de contratos
1 – Durante o período de transição a que se refere a Cláusula 14.ª, os Municípios devem transmitir à EGP toda a informação detalhada respeitante aos contratos por si celebrados com terceiros (…)
3 – Os Municípios comprometem-se a transmitir à EGP a sua posição em todos os contratos em vigor que tenham sido outorgados com terceiros por si ou por intermédio de associações de Municípios e que respeitem e sejam indispensáveis à prossecução das atividades identificadas na Cláusula 3.ª, n.º 1 a 4.
(…)
Cláusula 10ª
Prazo
1 – Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a Parceria cessa no termo de vigência do contrato de concessão de exploração e da gestão do sistema municipal de abastecimento de água e saneamento do Noroeste.
2 – Em caso de substituição do sistema multimunicipal, o Contrato de Parceria mantém-se em vigor por referência ao novo sistema que vier a ser constituído, devendo as Partes acordar nas alterações de adaptação contratual que se mostrem necessárias.
3 – A prossecução das atividades identificadas na Cláusula 3.ª e a assunção de responsabilidades pela EGP apenas tem início no dia seguinte à data em que termine o período de transição previsto na Cláusula 14.ª
(…)
Cláusula 13.ª
Contrato de gestão
1- Os outorgantes devem celebrar com a EGP um contrato de gestão, no prazo máximo de 3 meses após a assinatura do presente contrato.
2 – Sem prejuízo de outros expressamente previstos na lei e no presente contrato, o contrato de gestão deve regular os seguintes aspetos
(…)
e) O modelo de convergência tarifária;
(…)
g) O índice de atualização tarifária;
(…)
Cláusula 22.ª
1 – O contrato de gestão deve prever a existência, durante a vigência da Parceria, de dois períodos tarifários, nos seguintes termos:
a) O primeiro tem a duração de 10 ano se decompõe-se em 2 subperíodos tarifários, cada um de 5 anos, sendo o primeiro subperíodo, que corresponde ao período para a realização do investimento inicial, designado por período de convergência tarifária;
b) O segundo, que decorre entre o termo do primeiro período tarifário e o termo do contrato de gestão, divide-se em subperíodos tarifários, cada um de 5 anos.
2 – Aos períodos tarifários previstos no número anterior correspondem modelos tarifários diferenciados, definidos nos seguintes termos:
a) No primeiro período tarifário, é aplicável um modelo tarifário do tipo “custo de serviço”;
b) No segundo período tarifário, é aplicável um modelo de “incentivos sobre o preço”.
(…)
Cláusula 23.ª
Critérios para a fixação e revisão das tarifas
(…)
5 – Sem prejuízo das tarifas devidas à EGP pela prestação de serviços auxiliares, a estrutura tarifária compreende uma componente fixa e uma componente variável.
6 – A componente fixa a que se refere o número anterior corresponde ao valor necessário para, tendencialmente e em função do número de utilizadores, recuperar, em cada exercício, os gastos da EGP associados à disponibilização dos serviços e que não variam em função do número de utilizadores, designadamente, os gastos com estrutura, recursos humanos ou investimento.
7 – A componente variável a que se refere o n.º 5 corresponde ao valor unitário aplicável em função do nível de utilização do serviço, em cada intervalo temporal, visando recuperar, em cada exercício, os gastos da EGP não recuperados através da componente fixa, para além de assegurar a remuneração devida aos acionistas. (…)”.
4. Em 26 de julho de 2013, o Estado Português, como primeiro outorgante, e os Municípios de Amarante, Arouca, Baião, Celorico de Basto, Cinfães, Fafe, Santo Tirso e Trofa, na qualidade de segundos outorgantes, e a B..., S.A., como terceira outorgante, designada por Entidade Gestora da Parceria ou EGP, subscreveram um escrito com a epígrafe “Contrato de Gestão”, consignando, designadamente, que:
“Cláusula 1.ª
Objeto
O Contrato visa estabelecer os termos e os objetivos da exploração e da gestão dos serviços de águas relativos ao Sistema de Águas da Região do Noroeste, doravante designado Sistema, a realizar pela Entidade Gestora da Parceria (doravante designado EGP).
(…)
Cláusula 3.ª
Prazo
1 – Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o Contrato vigora desde a data da sua celebração e cessa no termo de vigência do contrato de concessão do sistema municipal de água e saneamento do Noroeste.
(…)
Cláusula 8.ª
Sistema de Águas da Região do Noroeste
(…)
8- Os Municípios de Fafe, Santo Tirso e Trofa, enquanto durar a concessão dos seus sistemas municipais de abastecimento de água para consumo público, agregam exclusivamente os sistemas municipais de saneamento de águas residuais urbanas.
9 – Os Municípios a que se refere o n.º 8 devem celebrar com a EGP e as respetivas concessionárias protocolos relativos à faturação e à cobrança dos serviços de saneamento de aguas residuais urbanas pela EGP, bem como ao reporte periódico de informação relevante para a execução da Parceria, designadamente, em matéria de incumprimentos contratuais, consumos e faturação dos serviços por utilizador
(…)
Cláusula 7.ª
1 – Os utilizadores do Sistema são obrigados a ligar-se às redes do Sistema, nos termos do previsto no Decreto-Lei n.º 194/2009, de 20 de agosto, devendo, para o efeito, celebrar contratos de utilização com a EGP, nos termos previstos na cláusula 40.ª, sem prejuízo do disposto na cláusula seguinte a respeito dos utilizadores já ligados aos sistemas municipais à data da celebração do contrato.
(…)
Cláusula 8.ª
Transmissão de contratos relevantes para a execução da Parceria
1 – Durante o período de transição, os Municípios devem colaborar na realização de todas as diligências necessárias para a transmissão da posição contratual (…)
3 – A transmissão da posição contratual é realizada mediante acordo celebrado entre os Municípios e a EGP, com a intervenção de terceiros envolvidos para prestação do consentimento necessário à cessão da posição contratual.
(…)
Cláusula 39.º
Regulamentos municipais de serviços
1 – No prazo de 6 (seis) meses contados do início de vigência do presente Contrato, a EGP deve submeter à CP um projeto de regulamento municipal de serviços tipo, que, com base nos termos do presente contrato, estabeleça os poderes, os direitos e as obrigações da EGP, bem como as obrigações e os direitos dos utilizadores.
2- O projeto de regulamento mencionado no número anterior deve tratar, separadamente, os aspetos relativos à distribuição de água para consumo público e a saneamento de águas residuais
3- O projeto de regulamento deve contemplar, designadamente, as seguintes matérias:
(…)
f) Definição do modo de aplicação das tarifas;
(…)
Cláusula 40.ª
Obrigações de abastecimento e recolha
(…)
4 – A EGP celebra com os utilizadores um contrato de utilização relativo aos serviços de distribuição de água para consumo público e ou de saneamento de águas residuais, salvo se estes não estiveram simultaneamente disponíveis ou o serviço de distribuição de água para consumo público não for prestado pelo EGP no Município.
5- A contratação dos serviços de distribuição de água para consumo público e de saneamento e de saneamento de águas residuais considera-se indissociável, desde que um e outro estejam disponíveis.
(…)
Cláusula 41.ª
Medição e faturação
(…)
6 – A faturação tem periodicidade mensal, salvo consentimento expresso do utilizador, nos termos previstos nos regulamentos municipais, podendo basear-se em estimativa de consumos ou na respetiva comunicação por parte dos utilizadores, nos ternos e condições ali definidos.
(…)
9 – Em caso de mora no pagamento das faturas, estas passam a vencer juros de mora nos termos da legislação aplicável às transações comerciais, desde a data do respetivo vencimento até à data da sua liquidação (…)
10- Em caso de mora no pagamento das faturas por parte de utilizadores que possam ser classificados como consumidores na aceção do n.º 1 do art.º 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de julho, estas passam a vencer juros de mora nos termos da legislação aplicável ao regime das dívidas civis, desde a data do respetivo vencimento até à data da sua liquidação (…)
5. Em data não concretamente apurada anterior a 2015, a Ré AA subscreveu um “contrato de recolha e saneamento de águas residuais” junto do Município de Santo Tirso com referência à habitação sita na Rua ..., ..., ..., Santo Tirso.
6. Desde pelo menos a subscrição indicada em 5), a predita habitação tem um ramal de ligação à rede pública de saneamento de águas residuais de Santo Tirso.
7. Em 26 de maio de 2019, a Comissão da Parceria enunciada em 3) deliberou aprovar a “Proposta de Estrutura Tarifária e de Faturação de Serviços a Praticar no Sistema”, consignando designadamente:
a) A tarifa fixa de recolha de águas residuais, devida em função do intervalo temporal objeto de faturação e expressa em euros por cada 30 dias;
b) A tarifa variável de recolha de águas residuais, devida em função do volume de água residual recolhido ou estimado durante o período objeto de faturação, e expressa por euros por cada m3 de água por cada 30 dias;
c) O volume de águas residuais recolhidas dos utilizadores domésticos, quando não exista medição através de medidor de caudal, corresponde ao produto da aplicação de um coeficiente de recolha de referência no âmbito do sistema igual a 90% ao somatório dos volumes de água faturados em cada escalão, apurado em cada f atura, corrigidos de eventuais acertos.
8. Em 15.1.2020, a A... fixou as seguintes tarifas com referência ao sistema municipal de saneamento de águas residuais urbanas de Santo Tirso mencionado em 4):
a) Tarifa fixa: EUR/30 dias:
- Utilizadores do tipo doméstico 5,2573
- Utilizadores do tipo não doméstico 7,8860
b) Tarifa variável: EUR/1000 litros:
Utilizadores do tipo doméstico
- Escalão 1 a 5 000 litros (0,001 a 5,000m3) 0,6612
- Escalão 5 001 a 15 000 litros (5,001 a 15,000m3) 1,3225
- Escalão 15 001 a 25 000 litros (15,001 a 25,000m3) 2,1292
- Escalão ≥ 25 001 litros (>= 25,001 m3) 3,0873
Utilizadores do tipo não doméstico 2,1292
Autarquias e Instituições sem fins lucrativos (ISFL) 1,3225
9. Na habitação indicada em 5), registou-se o consumo dos seguintes volumes de água no contador da mesma, os quais foram comunicados pela C... Santo Tirso/Trofa à A...:
- 2022.10.20 Leitor 153,000;
- 2022.12.20 Leitor 171,000;
- 2023.02.17 Leitor 192,000;
- 2023.04.20 Leitor 209,000.
10. Em 24 de janeiro de 2023, a Autora emitiu a fatura n.º ...68, com referência ao cliente/local do serviço “AA NIF: ...20 ..., ... (..., ...”, consignando o período de faturação de 2022.12.24 a 2023.01.23, o valor de 13,4255€ de tarifa fixa e variável de saneamento, 9,3354€ atinente a resíduos sólidos urbanos, 0,1339€ de taxas e 0,95€ de IVA, no montante global de 23.84€, com data de limite de pagamento em 16/02/2023.
11. Em 23 de fevereiro de 2023, a Autora emitiu a fatura n.º ...66, com referência ao cliente/local do serviço “AA NIF: ...20 ..., ... (..., ...”, consignando o período de faturação de 2023.01.24 a 2023.02.22, o valor de 17,6938€ de tarifa fixa e variável de saneamento, 9,3306€ atinente a resíduos sólidos urbanos, 0,1901€ de taxas e 1,20€ de IVA, no montante global de 28.41€, com data de limite de pagamento em 20/03/2023.
12. Em 23 de março de 2023, a Autora emitiu a fatura n.º ...51, com referência ao cliente/local do serviço “AA NIF: ...20 ..., ... (..., ...”, consignando o período de faturação de 2023.02.23 a 2023.03.22, o valor de 14,3480€ de tarifa fixa e variável de saneamento, 8,5792€ atinente a resíduos sólidos urbanos, 0,1478€ de taxas e 0,99€ de IVA, no montante global de 24.07€, com data de limite de pagamento em 18/04/2023.
13. Em 27 de abril de 2023, a Autora emitiu a fatura n.º ...74, com referência ao cliente/local do serviço “AA NIF: ...20 ..., ... (..., ...”, consignando o período de faturação de 2023.03.23 a 2023.04.26, o valor de 11,5078€ de tarifa fixa e variável de saneamento, 10,3838€ atinente a resíduos sólidos urbanos, 0,1071€ de taxas e 0,85€ de IVA, no montante global de 22.85€, com data de limite de pagamento em 23/05/2023.
14. Em 24 de maio de 2023, a Autora emitiu a fatura n.º ...68, com referência ao cliente/local do serviço “AA NIF: ...20 ..., ... (..., ...”, consignando o período de faturação de 2023.04.27 a 2023.05.23, o valor de 10,6220€ de tarifa fixa e variável de saneamento, 8,1027€ atinente a resíduos sólidos urbanos, 0,1037€ de taxas e 0,76€ de IVA, no montante global de 19.59€, com data de limite de pagamento em 19/06/2023.
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4. Do mérito do recurso
É o seguinte o teor da decisão proferida sobre a exceção de caso julgado/autoridade de caso julgado:
“Da exceção de caso julgado/autoridade de caso julgado
Em consonância com o preceituado no art.º 619.º/1 do Código de Processo Civil, transitada em julgado a sentença que decida do mérito da causa a decisão sobre o processo fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele, nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º do Código de Processo Civil, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º e 702.º do antedito código.
Em decorrência do estatuído no art.º 621.º do Código de Processo Civil., a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga, sendo que a decisão se considera transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação (art.º 628.º).
O caso julgado prefigura-se, assim, como a insusceptibilidade de impugnação ordinária de uma decisão judicial decorrente do seu trânsito em julgado, sendo uma exigência da boa administração da justiça, e uma expressão da segurança e certeza jurídica, postulados nucleares da ordem jurídica (vd. Guilherme Alves Moreira, Instituições do Direito Civil Português, volume primeiro, Parte Geral, 1907, Coimbra, Imprensa da Universidade, p. 744 e ss., Manuel Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, Reimpressão, 1993, p. 304 e ss., Antunes Varela/J. Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, p. 701 e ss., José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 3.ª edição, reimpressão, 2007, Coimbra Editora, p. 92 e ss., e João de Castro Mendes/Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, vol. I, AAFDL Editora, p. 637 e ss.).
Sublinhe-se que a função da sentença é eminentemente recognitiva, entretecendo uma conexão nuclear com a relação material litigada, produzindo os seus efeitos na mesma, não consubstanciando uma fonte autónoma da antedita (rejeitando-se, assim, os conspectos unidimensionais da teoria material e da teoria processual do caso julgado – vd. Antunes Varela, ob. cit.).
O caso julgado divisa-se em: (i) caso julgado formal, externo ou de simples preclusão, o qual consiste em estar excluída a possibilidade de recurso ordinário, traduzindo a força obrigatória intrínseca no processo, conglobando qualquer decisão de forma ou de fundo, interlocutória ou final; (ii) e o caso julgado material ou interno, que se reconduz no facto da definição judicial da relação controvertida vincular as partes e se impor a todos os tribunais quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal, quer a título prejudicial, incidindo exclusivamente sobre decisões que conhecem do mérito da causa (vd. Manuel Domingues de Andrade, Antunes Varela/J. Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, José Alberto dos Reis e João de Castro Mendes/Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit.).
No âmbito do caso julgado material, o antedito exerce duas funções: (i) uma função positiva, fazendo valer a sua força e autoridade, ao abrigo do princípio da exequibilidade; (ii) e uma função negativa, impedindo que a mesma causa seja novamente apreciada pelo tribunal, configurando a exceção de caso julgado (idem).
Em sede da função negativa do caso julgado, em convergência com o plasmado nos artigos 580.º e 581.º, do Código de Processo Civil, a exceção do caso julgado tem como pressuposto a repetição de uma causa decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, repetindo-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
A exceção do caso julgado tem como objetivo evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (art.º 580.º/2 do Código de Processo Civil).
Densificando as variáveis constitutivas da exceção de caso de julgado, em conformidade com o preceituado no art.º 581.º/2 a 4 do Código de Processo Civil., enuncia-se que (vd. Guilherme Alves Moreira, ob. cit.) “não existe caso julgado senão relativamente às cousas que formaram objeto da sentença” – in tantum judicatum, in quantum litigatum: i) há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (eadem conditio personarum); ii) há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico (idem corpus, quantitas eadem, idem ius); iii) há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico (eadem causa petendi).
Sublinhe-se que, em sede do processo declarativo, a petição inicial constitui o ato nuclear do processo em que o autor formula a sua pretensão material/processual, conformando a instância subjetivamente, com a adstrição das partes, e objetivamente, com a delimitação da causa de pedir e do pedido, os quais são pressupostos substantivos da petição inicial (vd. A. A. Santos Geraldes, Temas da Reforma de Processo Civil, vol. I, 2.ª edição, Almedina, p. 118 e seguintes).
O pedido, como efeito jurídico intentado pelo autor, deve efetivar os seguintes requisitos: (i) existência: deve consubstanciar a manifestação inequívoca de vontade tendente a um determinado resultado, permitindo que o tribunal se possa pronunciar e proferir uma decisão revestida da força emergente de caso julgado, pelo que a petição será inepta se não positivar o efeito jurídico visado pelo autor; (ii) inteligibilidade: não se admitem pedidos confusos, indecifráveis e obscuros; (iii) precisão e determinação: exige-se uma concreção do peticionado; (iv) compatibilidade com a causa de pedir: o pedido deve prefigurar uma conclusão lógica, a nível silogístico, decorrente da premissa ínsita na causa de pedir; (v) compatibilidade substancial entre pedidos; (vi) licitude (vd. António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma de Processo Civil, I vol., 2.ª edição, Almedina, p. 123 e seguintes).
No que tange à causa de pedir, a mesma é entendida como o facto jurídico de que procede a pretensão deduzida, em consonância com o preceituado no art.º 581.º/4, do Código de Processo Civil, preceito que acolhe a denominada teoria da substanciação, segundo a qual o autor carece de articular os factos essenciais que se inserem na previsão abstrata da norma ou normas jurídicas definidoras do direito cuja tutela jurisdicional se visa mediante o processo civil (vd. A. Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma de Processo Civil, I volume, p. 193).
A causa de pedir deve positivar os seguintes pressupostos: a) existência (art.º 186.º/2, al. a) do Código de Processo Civil); b) Inteligibilidade (idem); c) facticidade, revelada fundamentalmente através da alegação de factos da vida real em vez de puros conceitos; d) concretização, evitando a simples afirmação conclusiva ou carregada de um sentido puramente técnico-jurídico; e) compatibilidade com o pedido ou com outras causas de pedir alegadas em termos de acumulação real; f) juridicidade, reportando-se a factos jurídicos; g) licitude, derivada da alegação de um conjunto de factos relativos a uma situação jurídica tutelada pelo direito (vd. A. Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma de Processo Civil, I volume, p. 194-195).
A causa de pedir exerce, assim, uma função de fundamentação e de individualização da acção, entretecendo o objeto do processo e, consequentemente, o caso julgado (vd. Mariana França Gouveia, A Causa de Pedir na Acção Declarativa, Almedina, p. 530 e seguintes).
Enfatize-se, outrossim, que a referência temporal do caso julgado se reconduza à situação existente no momento do encerramento da discussão, nos termos consignados no art.º 611.º/1, do Código de Processo Civil, i.e., o tribunal deve atender aos factos constitutivos, modificativos ou extintivos que se produzam até à antedita subfase da audiência, induzindo a preclusão dos contrafactos pretéritos impeditivos, modificativos e extintivos passíveis de invocação pelo réu (ibidem).
No que tange aos limites objetivos do caso julgado, este entretece, ante omnia, a parte decisória da sentença, conglobando o efeito jurídico da mesma e igualmente o “contrário contraditório” (vd. João de Castro Mendes/Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit).
Em concatenação com o supra referenciado, para efeitos de caso julgado, o mesmo abrange, em primeira instância, as designadas relações de identidade, isto é, a mesma causa de pedir, o mesmo facto jurídico decidendo (idem).
Assinale-se que o caso julgado integra as denominadas relações de concurso aparente, no sentido de que o que releva é a identidade da causa de pedir e não das qualificações jurídicas que podem ser atribuídas a esse fundamento (ibidem).
Ademais, no que se atem às questões incidentais e às exceções perentórias arguidas pelo réu, não adquire força de caso julgado material, exceto de alguma das partes requerer o julgamento com essa amplitude e o tribunal titular competência absoluta para a respetiva apreciação (vd. art.º 91.º/2, do Código de Processo Civil), porém, relativamente às exceções perentórias dirimidas e que se afigurem numa estreita dependência com a decisão, as quais prefiguram lineares questões de prejudicialidade técnica, propugna-se a definitividade do seu julgamento por via da autoridade do caso julgado (vd. António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, 1.ª edição, p. 115-118).
Acresce que, a título excecional, o caso julgado congloba, ainda, os fundamentos de direito e de facto que consubstanciam antecedente lógico incindível do dispositivo, v.g.: (i) as relações de prejudicialidade técnica entre objetos, as quais se verificam quando a apreciação de um objeto (que é o prejudicial) constitui um pressuposto ou condição do julgamento de um outro objeto (que é o dependente), sendo que o tribunal da ação dependente está vinculado à decisão proferida na causa prejudicial; (ii) as relações sinalagmáticas entre prestações; (iii) relações de subsidiariedade legal, em que a lei atribui um feixe de direitos subsidiários (vd. João de Castro Mendes/Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit).
No que tange aos limites subjetivos do caso julgado, vigora o princípio geral da eficácia relativa ou inter partes, i.e., o caso julgado vincula apenas as partes formais da ação, espraiando-se para as partes materiais nas situações de sucessão inter vivos ou mortis causa de pessoas que eram partes (art.º 271.º/3 do Código de Processo Civil) e, igualmente, no que se refere às vicissitudes de substituição processual, nomeadamente, o adquirente da coisa ou do direito litigioso (idem).
No que concerne à extensão do caso julgado a terceiros, a eficácia ultra partes abrange, desde logo, os terceiros juridicamente indiferentes, ou seja, aqueles que não são prejudicados com a sentença, sendo que, quando a ação decorreu entre todos os interessados diretos (ativos e passivos), o caso julgado é absolutamente vinculativo para terceiros (idem).
Relativamente aos terceiros juridicamente interessados, os que sejam titulares de situações jurídicas independentes mas incompatíveis, situações jurídicas concorrentes e paralelas não são afetados pelo efeito jurídico de caso julgado (ibidem).
No que se refere aos terceiros titulares de situações jurídicas dependentes, nas situações de legitimidade concorrente, origina-se um caso julgado in eventum litis, i.e., um caso julgado extensível a todos os titulares do direito quando a decisão seja favorável, sendo que, nas relações obrigacionais plurais, a decisão favorável a um credor é passível de aproveitamento pelos demais, sem prejuízo das exceções pessoais suscetíveis de arguição pelo devedor, e a decisão favorável a um devedor é extensível a todos os sujeitos adstritos à obrigação, e nas relações subordinadas, a decisão favorável ao devedor principal é passível de ser aproveitada pelo devedor-garante e o caso julgado favorável ao antedito estende-se ao devedor principal (ibidem).
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In casu, o Réu invoca a exceção/autoridade de caso julgado com referência à sentença proferida na ação n.º 93152/21.3YIPRT, em que as partes são as mesmas dos autos, porém, a Autora impetrou o pagamento de faturas díspares, sendo que, em matéria de fundamentos de facto, os itens G) e I) dos factos provados afiguram-se marcadamente denegatórios, genéricos e conclusivos, imprestáveis para induzir a autoridade de caso julgado em sede de relações de prejudicialidade.
Pelo supra exposto, indefere-se o requerido.”.
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Antes de mais, cabe referir que, tendo em conta o valor da ação em causa, a única questão que cabe apreciar, apesar das conclusões do recurso apresentado pela apelante, consiste em decidir se ocorre caso julgado, em concreto, caso julgado material ou autoridade de caso julgado, único motivo que permite a apreciação do recurso, ao abrigo do disposto no art. 629.º, nº 2, al. a) do CPC, pelo que não será de apreciar qualquer outra questão, como seja a admissibilidade do processo de injunção.
Posto isto, dispõe o art. 613.º, nº 1 do CPC que “Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa”, sendo tal disposição aplicável aos despachos (nº 3 do mesmo preceito).
Por sua vez, resulta do preceituado no art. 619.º, nº 1 do mesmo diploma legal, que transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º.
Perante estas disposições legais, podemos afirmar que da extinção do poder jurisdicional consequente ao proferimento da decisão decorrem dois efeitos: um positivo, que se traduz na vinculação do tribunal à decisão que proferiu; outro negativo, consistente na insusceptibilidade de o tribunal que proferiu a decisão tomar a iniciativa de a modificar ou revogar.
Contudo, a intangibilidade da decisão proferida é limitada pelo respetivo objeto no sentido de que a extinção do poder jurisdicional só se verifica relativamente às concretas questões sobre que incidiu a decisão (cfr., neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo 120724/15.0YIPRT.1.G1-A, de 02-03-2023).

No caso em discussão, a ré invoca que face ao decidido num outro processo, tem de se considerar que ocorre autoridade de caso julgado.
Para o efeito refere que:
- O objeto da presente ação já foi decidido por sentença transitada em julgado em 17/03/2022 - no âmbito de uma injunção/ação especial de cumprimento de obrigações pecuniárias emergente de contrato, a qual correu termos no proc. nº 93152/21.3YIPRT do Juízo Local Cível de Santo Tirso, Juiz 1, em que a causa de pedir ali alegada corresponde essencialmente à da presente causa, o contrato de fornecimento de bens ou serviços feito em 25-10-2006 celebrado entre A. e R., ou seja, as mesmas partes destes autos;
- A anterior ação foi totalmente julgada improcedente por não ter sido celebrado qualquer contrato entre a autora e a ré, e porque tendo havido cessão da posição contratual a mesma não foi consentida pela Ré, pelo que consequentemente não está obrigada ao pagamento do serviço, devendo ser considerado o efeito de autoridade de caso julgado por na presente ação o valor peticionado radicar precisamente na mesma causa de pedir/facto jurídico, ou seja, a existência e celebração de um eventual contrato de prestação de serviços datado de 25/10/2006.
Ora, na ação que corre sob o n.º ...52/21.3YIPRT do Juízo Local Cível de Santo Tirso, Juiz 1, alega-se que:
- A Requerente A..., S.A. é uma sociedade anónima, prestadora de serviços públicos essenciais de água e saneamento aos utilizadores finais, constituída pelo Decreto-Lei n.º 93/2015, de 29 de Maio, alterado pelo Decreto-lei n.º 72/2016, de 4 de novembro, a qual sucedeu nos direitos e obrigações das sociedades extintas, “B..., S.A.” e “E..., S.A.”, a partir da sua data de entrada em vigor, ou seja, a partir do dia 30 de junho de 2015, nos termos dos n.ºs 3 e 4, do artigo 4.º do referido diploma legal.
- A Requerente é, ainda, responsável pela captação, tratamento e abastecimento de água para consumo público e pela recolha, tratamento e rejeição de efluentes domésticos, urbanos e industriais e de efluentes provenientes de fossas séticas.
- Assume, também, a exploração e gestão do sistema de águas da região do Noroeste, em resultado da celebração de um contrato de Parceria entre o Estado e um conjunto de 8 Municípios, nomeadamente Amarante, Arouca, Baião, Celorico de Basto, Cinfães, Fafe, Santo Tirso e Trofa, que concretiza um processo de verticalização que reuniu, numa única entidade gestora, os serviços (prestados aos Municípios - Alta e munícipes - Baixa), de forma regular, contínua e eficiente, nos termos do Decreto-Lei n.º 90/2009, de 9 de abril.
- A gestão dos serviços municipais é uma atribuição dos municípios, sendo que, por opção destes, é a requerente que, em regime de parceria, gere e explora os serviços públicos de abastecimento de água para o consumo público e saneamento de águas residuais urbanas aos utilizadores finais nos municípios de Amarante, Arouca, Baião, Celorico de Basto e Cinfães.
- No que concerne aos Municípios de Fafe, Santo Tirso e Trofa, estes agregam exclusivamente os sistemas municipais de saneamento de águas residuais, nos termos da Cláusula 1.ª, n.º 5 do Contrato de Parceria e do disposto no n.º 8, da cláusula 4.ª Contrato de Gestão.
- No âmbito da sua atividade, emitiu as faturas constantes dos autos e por referência a cada uma delas, os juros vencidos.

Posto isto, contata-se que no caso dos autos, as partes são as mesmas; a causa de pedir também será a mesma pois está em causa idêntica relação contratual celebrada entre Autora e Ré, em concreto, contrato de fornecimento de serviços de saneamento de águas residuais, originariamente datado de data anterior a 2015, junto do Município de Santo Tirso, com referência à habitação sita na Rua ..., ..., ..., Santo Tirso, e alegando a Autora ter sucedido legalmente nesse contrato.
A diferença entre as duas ações existe, assim, apenas no pedido, já que na presente ação se solicita o pagamento de quantias referentes a faturas de janeiro a maio de 2023, enquanto na ação anterior o pedido se baseava em faturas do ano de 2021.
Por isso, há que afastar a exceção dilatória de caso julgado, já que não ocorre a tríplice identidade que o artigo 581.º do CPC exige.
No entanto, o que está em causa neste recurso é o caso julgado material, em termos de autoridade de caso julgado.
O que importa apurar é a função positiva do caso julgado (que foi o alegado pela Ré), ou seja, saber se há fundamentos que impõem que a nova decisão tem de ser proferida num determinado sentido no que respeita ao mérito.
Sucede que a decisão recorrida, sobre este aspeto, refere que “(…) sendo que, em matéria de fundamentos de facto, os itens G) e I) dos factos provados afiguram-se marcadamente denegatórios, genéricos e conclusivos, imprestáveis para induzir a autoridade de caso julgado em sede de relação de prejudicialidade.”.
Embora o tribunal recorrido refira os apontados fundamentos, não esclarece qual o motivo por que não conduzem à imposição de uma autoridade de caso julgado.
Os fundamentos de facto que o tribunal recorrido refere, dados como provados naquela outra ação, são:
“G) Não obstante se encontrar instado para pagar, o Requerido não procedeu ao pagamento da referida quantia.
(…)
I) O Requerido não foi ouvido, quanto à mencionada cessão da posição contratual à Requerente, não a consentiu, e também não celebrou qualquer contrato com esta.”.
Ora, estes factos, embora não constem expressamente da matéria de facto provada na decisão sob recurso, acabam por se verificar também no presente processo, uma vez que resulta que a ré não procedeu a pagamento das faturas que a autora pretende cobrar, sendo também certo que a Ré não foi ouvida quanto a qualquer cessão da posição contratual à Autora, por isso, não a consentiu, e também não celebrou qualquer contrato diretamente com esta.
Assim, quando a Ré alega que ao se ter decidido, na outra decisão, pela improcedência total do pedido por se ter considerado que não celebrou qualquer contrato com a Autora, em virtude de ter havido cessão da posição contratual não consentida por si, então não pode estar obrigada ao pagamento do serviço, nem naquela ação, nem noutra, como a presente, que se baseia no mesmo contrato e em que as partes são as mesmas, a não ser que algum facto superveniente possa afastar aquela invalidade.
Na apreciação feita, temos vindo a seguir o que foi decidido no recente Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 18-04-2024, desta mesma 3ª Secção, no Processo 100011/23.1YIPRT.P1, Relator: JOÃO VENADE, em que se concluiu que “Tendo sido proferida sentença absolutória do Réu por se entender que o mesmo não se pode considerar vinculado contratualmente com a aí Autora e, intentando a mesma Autora nova ação, contra o mesmo Réu, com base na mesma relação contratual, ainda que com pedido diverso, verifica-se a figura da exceção de autoridade de caso julgado.”.
Nesse mesmo processo, idêntico ao que agora se aprecia, e que, por esse motivo, se continua a seguir, refere-se:
“Dos factos provados neste presente processo resulta que a Autora/recorrida é a entidade gestora das C..., S. A., Autora que é sucessora, em todos os direitos e obrigações, da extinta «F..., S. A.» - n.ºs 2 a 10 do artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 93/2015, de 29/05.
No citado n.º 4, de tal artigo 4.º, menciona-se que a constituição da sociedade e a extinção das concessionárias dos sistemas extintos, bem como a sucessão legal determinada nos números anteriores, não carecem de qualquer formalidade e são plenamente eficazes e oponíveis a terceiros, adquirindo a sociedade personalidade jurídica e existindo como tal a partir da data da entrada em vigor do presente decreto-lei, independentemente do registo.
Na resposta à exceção em causa, apresentada pela Autora em 09/11/2023, a mesma aproveitou para concretizar o modo como surge contratualmente vinculada ao Réu/recorrente, explicitando que, em Santo Tirso, o fornecimento de água está a cargo de uma outra empresa (B...) e que o saneamento está a seu cargo; e para que se contabilizem os valores, aquela empresa fornecedora de água envia-lhe listagens do consumo e depois a Ré calcula o valor do saneamento que fatura aos clientes.
Tal alegação encontra correspondência com o disposto no artigo 63.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 194/2009, de 20/08: «Quando a entidade gestora do serviço de abastecimento de água não seja responsável pelos serviços de saneamento e de gestão de resíduos, deve comunicar às entidades gestoras destes serviços uma listagem mensal dos novos utilizadores do serviço de abastecimento, considerando-se todos os serviços contratados a partir da data do início de fornecimento de água, caso estes não tenham sido objeto de contrato autónomo.».
E também com o disposto nos nºs. 4 a 6, do Regulamento 594/2018, de 04/09:
4 - Quando o serviço de abastecimento de água, o serviço de saneamento de águas residuais urbanas e/ou o serviço de gestão de resíduos urbanos sejam disponibilizados simultaneamente pela mesma entidade gestora, o contrato é único e engloba todos os serviços por essa entidade.
5 - Nas situações em que o serviço de saneamento de águas residuais urbanas ou o serviço de gestão de resíduos urbanos não sejam disponibilizados simultaneamente com o serviço de abastecimento de água, consideram-se contratados desde que haja efetiva utilização do serviço e a entidade gestora remeta por escrito aos utilizadores as condições contratuais da respetiva prestação.
6 - Quando a entidade gestora do serviço de abastecimento de água não seja responsável pelos serviços de saneamento e de gestão de resíduos, deve enviar às entidades gestoras destes serviços uma listagem mensal dos novos utilizadores do serviço de abastecimento, considerando-se todos os serviços contratados a partir da data do início de fornecimento de água, caso estes não tenham sido objeto de contrato autónomo.
Pensamos não ser necessário alongarmo-nos nesta análise de que a Autora pode considerar-se contratualmente ligada ao Réu por força da lei, cumpridos os requisitos aí mencionados, lei que especifica que a sucessão legal da anterior prestadora não necessita de qualquer outra formalidade.
Mas é preciso atender que não é objeto do presente recurso aferir se há ou não contrato vinculativo entre as partes mas antes saber se a anterior decisão judicial que determinou que o Réu não se podia considerar vinculado contratualmente com a Autora impede que a presente ação proceda.”.
No acórdão que vimos seguindo, são enumerados os factos que na primeira ação, aí a considerar, foram dados como provados e que correspondem aos factos dados como provados na ação a ter em conta nestes autos (Processo 93152/21.3YIPRT).
Entre esses factos consta que “I) O Requerido não foi ouvido, quanto à mencionada cessão da posição contratual à Requerente, não a consentiu, e também não celebrou qualquer contrato com esta.», facto que também foi dado como provado na ação que a recorrente refere para considerar que ocorre a autoridade de caso julgado.
E como se diz no acórdão desta secção e Tribunal, que vimos citando “É este último facto o que acaba por ter relevo na análise da indicada autoridade de caso julgado, sendo aquela fundamentação de facto que sustenta o recurso: a assim entendida cessão de posição contratual não foi comunicada ao ora (e ali) Réu e, por isso, não produziu efeitos em relação a si; e como o Réu não celebrou diretamente qualquer contrato com a Autora, não pode ser condenado a pagar-lhe qualquer quantia.
Na verdade, na sentença menciona-se que:
. «não restam dúvidas, que à Requerente lhe foi atribuída a gestão, em exclusividade, pelo Município ..., para a execução da atividade supra mencionada;
. …igualmente, não restam, que dúvidas o Requerido não foi ouvido, quanto à mencionada cessão da posição contratual à Requerente, não a consentiu, e também não celebrou qualquer contrato com esta;
. não obstante, se tratar de um serviço municipal que está a ser gerido em parceria com o Município ..., pela Requerente, não pode a mesma prestar o serviço e cobrar o serviço ao consumidor, sem previamente, ter contratado com aquele;
. «de acordo com o preceituado no artº. 424º. do Código Civil: Nº. 1 – “No contrato com prestações recíprocas, qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente, antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão”;
. «… consagra-se, na Coleção Formação Continua, Direito do Consumo 2015 a 2017, Centro de Estudos Judiciários, “a proibição da cessão da posição contratual sem o acordo do aderente, pretende prevenir que a coberto da transmissão do contrato se venha a limitar a responsabilidade ou a diminuir as garantias do consumidor.»;
. se atentarmos que nunca foi celebrado qualquer contrato entre Requerente e Requerido e que este nunca foi ouvido, ou deu o seu consentimento à cessão da posição contratual à Requerente, concluímos, face ao supra exposto, que o requerido/consumidor não está obrigado ao pagamento de serviços que não tenha previamente e expressamente solicitado nem contratado.».”.
Esta mesma fundamentação é a que consta da decisão proferida no processo 93152/21.3YIPRT, usada pela recorrente para fundamentar a sua pretensão.
Também se menciona que há cláusulas contratuais que não foram comunicadas ao requerente e que por isso não podem ser valoradas em seu desfavor, incluindo o disposto no artigo 18.º, l), do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10 que determina que que é absolutamente proibido a cláusula que consagra a possibilidade de cessão da posição contratual…, sem o acordo da contraparte.
Cabe, então, decidir se ocorre, ou não, o invocado efeito positivo de caso julgado ou autoridade de caso julgado.
Continuando a citar o que foi decidido no processo 100011/23.1YIPRT.P1, desta secção, atenta a sua pertinência para o caso:
“Aqui chegados, pensamos que existem alguns caminhos para concluir sobre se há ou não a ocorrência do indicado efeito positivo de caso julgado:
a). ou se entende que um tribunal judicial definiu que a Autora só poderia ser credora do Réu ou através de uma cessão de posição contratual, ou da celebração de um contrato entre as mesmas partes e que, por ser aquela ineficaz e não ter ocorrido esta celebração, está definido que, pelo contrato invocado pela Autora, o Réu não pode ser responsabilizado.
E se não o pode ser, essa impossibilidade tanto existe para as prestações que foram pedidas na primeira ação (efeito negativo do caso julgado) como para as prestações vincendas peticionadas numa outra ação pois a ineficácia e a falta de celebração de contrato, sem a alegação de factos supervenientes, mantém-se;
b). ou entende-se que a menção à celebração de um contrato de cessão de posição contratual ou a falta de celebração de um contrato autónomo com o Réu são interpretações que tribunal retirou, a nível jurídico de modo a que, para se condenar o Réu, não sendo eficaz aquela cessão, tinha de ter sido celebrado um contrato diretamente entre as partes.
E estando-se ao nível da apreciação jurídica da questão, em que os fundamentos de facto não encontram plena concordância com a conclusão jurídica, aquela apreciação não vincula outro tribunal;
c). ou o objeto da primeira ação não incluía as prestações vincendas, agora pedidas, pelo que o objeto do processo era diverso, não podendo assim assumir uma vinculação positiva para outro tribunal, sob pena de violação do princípio do contraditório.
Pensamos que, pelo menos estas, são alternativas que encontram, de algum modo, apoio na doutrina e jurisprudência.
A segunda, no sentido de a valoração jurídica de um tribunal não deve vincular um outro, está expressa por exemplo no Ac. da R. E. de 07/11/2019, processo n.º 34/09.0TBPVC.E1, www.dgsi.pt, onde se menciona que «Não é de admitir que a interpretação ou aplicação de normas levada a efeito num processo e a conclusão jurídica nele alcançada como pressuposto ou antecedente lógico da decisão aí tomada se imponha acriticamente noutro à sombra da “autoridade do caso julgado.».
Porém, na nossa opinião, será a fundamentação jurídica aquela que poderá ser atendida na outra ação, ou seja, «o caso julgado não se estende à decisão proferida sobre os factos da causa; estende-se …apenas às questões jurídicas prejudiciais que são também pressuposto da nova pretensão» - Ac. do S. T. J. de 28/03/2019, processo n.º 478/08.4TBASL.E1.S1, no mesmo sítio.
Aqui se refere que «…os juízos probatórios positivos ou negativos que consubstanciam a chamada “decisão de facto” não revestem, em si mesmos, a natureza de decisão definidora de efeitos jurídicos, constituindo apenas fundamentos de facto da decisão jurídica em que se integram. (…). Em suma, afigura-se que os juízos probatórios que recaem sobre os factos dados como provados ou não provados numa ação não constituem, em si mesmos, decisão de questão jurídica que possa valer com autoridade de caso julgado material como pressuposto de pretensão deduzida noutra ação.» - nosso sublinhado -.
São as questões jurídicas prejudiciais, as questões de direito, que determinam a analisada autoridade da anterior decisão – alguém que foi declarado proprietário ou a quem esse direito não foi reconhecido e não a prova dos anos que decorreram para que se concluísse pela aquisição da propriedade por usucapião -.
Por isso, se na anterior decisão se entendeu que o Réu não tinha celebrado um contrato com a Autora e que a cessão da posição contratual não era oponível ao mesmo Réu, é essa decisão, com essa mesma apreciação jurídica, que poderá vincular um outro tribunal.
Quanto à terceira hipótese – na primeira ação não se apreciaram as prestações agora em causa -, no caso concreto, entendemos que não é esta visão que impossibilita que se possa concluir que ocorre autoridade de caso julgado.
Se é correto entender que as prestações cujo pagamento agora é peticionado não estavam incluídas no pedido (e por isso é que referimos que os pedidos entre ambas as ações são diferentes), também pensamos que é correto concluir que o objeto da primeira ação continua a ser prejudicial em relação ao novo objeto da também nova ação. Na verdade, se na primeira ação não estavam em causas as prestações que agora se pedem, a base contratual continua a ser a mesma, ou seja, é o mesmo contrato que sustenta o pedido do pagamento destas novas prestações pelo que ainda existe aquela relação de prejudicialidade.
Conhecemos a questão de, entendendo-se que existe a referida autoridade sobre valores que não faziam parte do objeto desse primeiro processo em que houve condenação, poderem resultar feridos os princípios do dispositivo e do contraditório – aquela autoridade de caso julgado vingava sobre valores não pedidos e sobre os quais não tinha havido contraditório -. Mas, no caso concreto, na primeira ação, houve uma absolvição do pedido de pagamento de prestações pelo que, por uma questão de identidade de razões com o disposto no artigo 621.º, do C. P. C.[3], seja ao pedir o pagamento das mesmas prestações, seja de outras futuras, basta que, no caso, a Autora alegue que já foi (supervenientemente ao encerramento da discussão em 1.ª instância) comunicada ao Réu a transmissão da sua posição contratual, assim se tornando eficaz a assim entendida cessão, para que deixe de ser eficaz o caso julgado.
Mas enquanto a condição se mantiver (na situação sub judice, enquanto não se demonstrar a comunicação da cessão da posição contratual num anterior contrato[4]), a primeira decisão impede que a Autora possa pedir o pagamento de prestações de consumos, sejam os contemporâneos aquela decisão, sejam os posteriores, desde que com base no mesmo contrato.[5]
Por isso, concluímos que a primeira hipótese, temperada pela conjugação do artigo 621.º, do C. P. C., é aquela que se nos revela a mais adequada aos autos, ou seja, enquanto a Autora não alegar (e depois demonstrar) na nova ação que a transmissão, para si, enquanto credora, da posição contratual do anterior fornecedor, já é eficaz perante o Réu, a autoridade de caso julgado impede que seja procedente o pedido de pagamento de fornecimentos pois o Réu não pode ser seu devedor atenta a ineficácia da cessão e não existir um contrato celebrado só entre estas partes que sustente tais pedidos.
Este entendimento de que há autoridade de caso julgado já foi adotado por Ac. desta mesma Relação e secção de 29/06/2023, sendo relator Carlos Portela (processo n.º 52169/22.7YIPRT.P1, ao que pensamos, não publicado e a que também acedemos via citius), em que está em causa igual situação à aqui analisada; e pensamos que também terá sido a ideia de que se não há demonstração da eficácia da cessão da posição contratual, tal valerá para todas as prestações que nasçam de tal contrato pois refere-se que: perante tal decisão, transitada já em julgado, resulta para nós evidente que os argumentos que a sustentam e que têm a ver, como claramente se vê, com o cumprimento das regras da cessão da posição contratual, valem para todas as ações que a aqui autora A... S.A., queira propor contra a aqui ré…».
(…)
Daquele Acórdão de 29/06/2023 (relator Carlos Portela) foi interposto recurso para o S. T. J. que, por decisão de 12/10/2023, processo n.º 52169/22.7YIPRT.P1.S1 (no mesmo sítio), confirmou o Acórdão mas só apreciando a eventual violação de caso julgado formal, matéria que já supra analisamos.
Pelo exposto, uma vez que a Autora não alegou, nem resultou demonstrado, que tenha sido comunicado ao Réu a cessão de posição contratual que lhe permite ser sua credora de acordo com a anterior decisão judicial, existe autoridade de caso julgado entre a decisão proferida no processo n.º 2620/19.0YIPRT, do juízo local cível de Santo Tirso, juiz 1, transitada em julgado, e os presentes autos, o que conduz à absolvição do pedido do Réu.”. (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 18-04-2024, Processo 100011/23.1YIPRT.P1, Relator: JOÃO VENADE, disponível em gdsi.pt).
Tudo o que se decidiu no acórdão citado tem plena aplicação à situação dos presentes autos, sendo certo que se está perante uma situação perfeitamente idêntica.
Assim, tendo o Tribunal que proferiu a decisão invocada pela recorrente, definido que a Autora só poderia ser credora da Ré ou através de uma cessão de posição contratual, ou da celebração de um contrato entre as mesmas partes e que, por ser aquela ineficaz e não ter ocorrido esta celebração, está definido que, pelo contrato invocado pela Autora, o Réu não pode ser responsabilizado, essa impossibilidade tanto existe para as prestações que foram pedidas na primeira ação (efeito negativo do caso julgado) como para as prestações vincendas peticionadas numa outra ação, pois a ineficácia e a falta de celebração de contrato, sem a alegação de factos supervenientes, mantém-se.
Perante isso, somos levados a concluir, tal como se fez no acórdão que vimos citando, que enquanto a Autora não alegar e demonstrar, na nova ação, que a transmissão, para si, enquanto credora, da posição contratual do anterior fornecedor, já é eficaz perante a Ré, a autoridade de caso julgado impede que seja procedente o pedido de pagamento de fornecimentos, pois a Ré não pode ser sua devedora atenta a ineficácia da cessão e o facto de não existir um contrato celebrado só entre estas partes que sustente tais pedidos.
*


DECISÃO:
Face ao exposto, acordam os juízes da 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto em julgar a apelação procedente e, consequentemente, absolver a Ré do pedido.

Custas pela Recorrida.




Porto, 2024-09-12

Manuela Machado

Isabel Peixoto Pereira (com a declaração de voto que segue): [Votei a decisão, no sentido da absolvição da instância e por isso que de não provimento do recurso.
De todo o modo, pelas razões melhor expostas no Acórdão proferido no Processo sob o nº 108732/21.7YIPRT.P1, desta mesma secção, não publicado, sufrago verificar-se a excepção mesma do caso julgado, que não uma hipótese de mera autoridade ou efeito reflexo.
Quando se considerem os pedidos e a causa de pedir destes autos, no confronto já com a decisão, transitada, proferida nos autos acima referenciados, tenho por verificada a excepção dilatória ao direito da A., na dimensão da excepção do caso julgado, considerando, para tanto, que a improcedência da precedente acção que julgou o direito de crédito da Autora com base na inexistência e necessidade ou imprescindibilidade de causa contratual para a exigência do preço, implica a indiscutibilidade dessa declaração e, nessa medida, a absolvição da instância, por estar abrangida pelo instituto do caso julgado.
Sendo certo que a determinação do âmbito do caso julgado postula a interpretação prévia da sentença, isto é, a determinação exacta do seu conteúdo, como aliás decorre do art. 673.º, 1.ª parte [«A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga…»], ele deve estender-se às questões preliminares que constituíram um antecedente lógico indispensável ou necessário à emissão da parte dispositiva do julgado. Assim, no caso vertente, a questão da necessidade e inexistência da fonte contratual da obrigação reveste essas características: para responder à questão que lhe foi colocada de saber se o Réu estava obrigado a proceder ao pagamento do preço das facturas naqueles autos exigidas, o julgador teve de apreciar – como apreciou – a questão da fonte da obrigação que constitui, novamente, objecto destes autos.
Estamos, portanto, perante uma questão – a de que não existe e é necessário um contrato como fonte da obrigação de pagar o preço dos serviços prestados, despida do seu reverso – que se insere dentro dos limites do julgamento feito na sentença proferida naquela acção, em relação à qual se formou caso julgado. Na dimensão de excepção.].

Aristides Rodrigues de Almeida