CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
RELAÇÃO DE PROXIMIDADE EXISTENCIAL
INCRIMINAÇÃO
CONDUTAS INTEGRADORAS DO TIPO
EXCLUSÃO DA ILICITUDE
INVIABILIDADE
Sumário

I - O que dá cor ao bem jurídico ou bens jurídicos protegidos pela incriminação do artigo 152º, n.º 1 do Código Penal é a relação de proximidade existencial entre o agressor e a vítima.
II - Constituindo a relação de proximidade existencial sadia o meio ideal para o livre desenvolvimento, proteção e realização digna da pessoa, existe um interesse individual e da comunidade na sua manutenção, sendo juridicamente reconhecida como valiosa e protegida.
III - Essa relação de proximidade existencial impõe ao agressor um especial dever de respeito que ao ser violado importa um desvalor próprio, uma maior danosidade social, que justifica a incriminação autónoma da violência doméstica relativamente a outros tipos incriminadores que com ela concorrem ou com outros comportamentos que até poderiam ser atípicos não fora esta incriminação.
IV - De cada vez que nessas condições de proximidade existencial se mostre preenchido um tipo incriminador do Código Penal relacionado com a saúde e integridade pessoal, nomeadamente as ofensas à integridade física, injúrias, sequestro ou ameaças, forçosamente preenchido estará também o tipo de ilícito da violência doméstica.
V - Assim, comete o crime de violência doméstica quem como o arguido que, tendo sido casado com a ofendida, já depois de divorciado, lhe dirige oralmente ou por mensagens expressões injuriosas e ameaçadoras, agindo livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal, sendo irrelevante para a exclusão da ilicitude ou culpa a reciprocidade de condutas, ou seja que a ofendida tenha tido para com o arguido tratamento de igual ou próxima natureza, insultando-o e agredindo-o fisicamente com chutos, como consta dos factos provados.

(Da Responsabilidade do Relator)

Texto Integral

Processo nº 819/22.1GAVCD.P1



Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:


*




1-RELATÓRIO

No processo comum nº 819/22.1GAVCD do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Criminal de Vila do Conde - Juiz 2, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento AA, sendo-lhe imputado o cometimento, em autoria material, de um crime de violência doméstica agravada, previsto e punido pelo artigo 152º, nº1, alíneas a) e c) e n° 2 al a), 4, 5, e 6 do Código Penal.
A assistente formulou pedido de indemnização civil pedindo a condenação do arguido no pagamento da quantia de €5.000,00, acrescida de juros de mora desde a notificação.
O arguido contestou a acusação e o pedido de indemnização civil.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, o Tribunal decide julgar a acusação improcedente por não provada e, em consequência, absolver o arguido AA da imputada prática, como autor material, de um crime de violência doméstica, previsto e punido, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 152º, nº1, alíneas a) e c) e n° 2 al a), 4, 5, e 6 do Código Penal sob a pessoa da ofendida BB assim como absolver o arguido do pedido de indemnização deduzido por esta contra o arguido.
Sem custas.
* »
*

Não se conformando com esta sentença, a Assistente recorreu para este Tribunal da Relação, concluindo na sua motivação o seguinte (transcrição):
«CONCLUSÕES
I. O arguido vinha acusado da prática em autoria material de um crime de violência doméstica agravada, pº e pº pelos artigos 152.º, n. º1 alíneas a) e c) e n.º 2 alínea a) e nº 4,5 e 6.

II. Foram dados como provados, da acusação publica, os factos elencados na sentença sob os números 1 a 20,
III. No entanto, e embora a recorrente fosse a ofendida/assistente, vítima de violência doméstica, o Tribunal a quo dá como provados os factos elencados de 21 a 23, quando não era a assistente que estava a ser julgada!
IV. O tribunal a quo dá como provado que as discussões entre ofendida e arguido eram não só recíprocas como era o comportamento da ofendida que provocava as “reações” violentas do arguido descaracterizando assim os factos imputados ao arguido e culminando na absolvição do mesmo.
V. Não pode de todo a ofendida concordar com esta visão distorcida do Tribunal a quo.
VI. Na verdade, o Tribunal distorce completamente o conceito e os comportamentos altamente reprováveis do arguido, que são violentes e não são de somenos, para justificar tais comportamentos com atitudes “provocatórias” da assistente.
VII. Quanto muito poderíamos estar perante uma situação recíproca em que ambos eram simultaneamente vítima e ofendido (o que por mera hipótese académica se admite) pois que nada, repita-se absolutamente nada justifica os comportamentos do arguido.
VIII. Veja-se a este propósito o decidido no Acórdão de 13.09.2023 do Tribunal da Relação de Coimbra no processo 31/22.0GGCBR.C1 onde é clara a circunstância de que o crime de violência doméstica pode ser praticado reciprocamente por ambos os sujeitos, quando os autos são cometidos na mesma ocasião e não apenas em momentos divergentes, porque o elemento literal o não exclui.
IX. Como se perfilha no acórdão do STJ, de 11.03.2021, disponível in www.dgsi.pt, “no ilícito de violência doméstica é objectivo da lei assegurar uma “tutela especial e reforçada “da vítima perante situações de violência desenvolvida no seio da vida familiar ou doméstica que, pelo seu carácter violento ou pela sua configuração global de desrespeito pela pessoa da vítima ou de desejo de prevalência de dominação sobre a mesma, evidenciem um estado de degradação, enfraquecimento ou aviltamento da dignidade pessoal quanto de perigo ou de ameaça de prejuízo sério para a saúde e para o bem-estar físico e psíquico da vítima.
X. E, como ainda se deixou expresso no Ac. do Tribunal da Rel. de Coimbra, de 22-09-2021, disponível in www.dgsi.pt., “A opção do legislador na tipificação do ilícito actualmente constante do art. 152º do Código Penal terá decorrido essencialmente da generalização da percepção de que as condutas hoje integradas naquele tipo legal constituíam um grave problema social e familiar, transversal à generalidade das ordens jurídicas, carecido de urgente atenção legislativa. Não terá sido alheio ao pensamento legislativo o reconhecimento de que o tipo de relações em causa tem a potencialidade de gerar situações de dominação e de sujeição ou dependência, criando uma vulnerabilidade que pode propiciar um tratamento humilhante, de amesquinhamento, ou mesmo degradante. Porventura por força dessa constatação sectores consideráveis da doutrina, como da jurisprudência, acentuaram a relação de domínio ou de dependência e as vulnerabilidades daí resultantes. A evolução doutrinal e jurisprudencial veio apontar novos caminhos, afastando a necessidade de verificação de qualquer relação de dependência, esgrimindo, entre outros argumentos, a ausência de referência, na formulação legal, de semelhante requisito”.
XI. Durante o depoimento da assistente, várias vezes a Mmª Juiz lhe foi dizendo que apenas estavam em causa factos após do divórcio. Veja-se, a título de exemplo:
XII. Ora, salvo o devido respeito o crime de violência doméstica é um crime que se prolonga no tempo, não interessa se o arguido praticou os factos antes ou depois da acusação.
XIII. A existência das mensagens enviadas pelo arguido, constantes dos factos dados como provados, são suficientemente agressivas, graves, desrespeitosas, para que este comportamento seja permitido, ou desculpado ou justificado de qualquer forma.
XIV. Veja-se que inclusive já tinha existido outro processo de violência doméstica, tal como consta dos autos, alvo de suspensão provisoria, que correu termos sob o número 418/18.2GAVCD e que consta na consulta feita nos autos a 04.11.2022, demonstrativo de que esta situação não foi um comportamento isolado do arguido mas que se reiterou no tempo.
XV. Curiosamente os factos dados como provados “contra a assistente” ocorreram durante o casamento, tendo a assistente explicado o contexto em que ocorreram, mas o tribunal servisse dos mesmos para considerar que os comportamentos violentos eram recíprocos.
XVI. Na motivação do Tribunal, há, no modesto entender da assistente uma excessiva importância dada ao facto da mesma não se conseguir recordar, com exatidão, quando é que lhe foi atribuída a casa de morada de família e quando é que o arguido deixou definitivamente a casa.
XVII. Este facto pode naturalmente ter importância na agravação do crime, com o consequente agravar da moldura penal, mas não deixa de existir crime de violência doméstica pelo facto de o arguido já não estar permanentemente em casa da assistente.
XVIII. Na verdade, a assistente explica bem que mesmo depois do divórcio o arguido não abandonou a casa de morada de família, nem a deixou abandonar a mesma, que entrava e saia quando queria e que fazia o que queria.
XIX. Ao longo de toda a sentença ressalta uma descrença total no depoimento da assistente e na veracidade do seu depoimento.
XX. Por exemplo, não se entende porque se considera que o facto de a assistente mostrar as colegas de trabalho as mensagens que recebia do arguido “não é um comportamento muito curial com o comportamento de uma vítima”.
XXI. O tribunal a quo dá uma importância fulcral ao depoimento do filho menor do casal.
XXII. Não se transcreve o depoimento do menor, uma vez que mais do que o que ele diz, é o tom em que o diz.
XXIII. Um jovem de 16 anos, e mais nos tempos que correm, não tem a maturidade suficiente para ser isento, nem isso lhe pode ser pedido.
XXIV. Muito menos numa situação de violência doméstica e quando as relações com um dos progenitores não estão num bom momento, como é o caso dos autos.
XXV. O CC vive com o pai (aqui arguido) e não tem uma boa relação com a mãe
XXVI. O facto de estar “zangado” com a mãe e residir com o pai, ainda que de forma não consciente naturalmente que condiciona o depoimento do menor.
XXVII. Ainda assim, quando o próprio filho corrobora que a mãe lhe mostrou um perfil falso de Facebook que o arguido fez da mãe, com fotos da mesma nua, o tribunal refere que tal não afasta a reciprocidade da atuação de ambos os elementos deste ex casal. (!!!)
XXVIII. Muito mal andou o Tribunal a quo em absolver o arguido da prática do crime pelo qual vinha acusado.
XXIX. Face a todo o exposto deverá a sentença proferida ser revogada e substituída por outra que condene o arguido nos precisos termos em que vinha acusado.
Princípios e disposições legais violadas ou incorretamente aplicadas:
*artigo 152º, nº 1, al. b) e nº 2, al. a) do Código Penal
* Artigo 410º, n.º 2 alínea c) do CPP
* artigo 127.º do CPP
Nestes termos e nos mais de direito, que V. Exas. Doutamente melhor suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, ser alterada a decisão recorrida, substituindo-a por outra que contemple as conclusões atrás aduzidas, tudo com as legais consequências.
Decidindo deste modo, farão V. Exas., aliás como sempre um ato de INTEIRA E SÃ JUSTIÇA.»
*

O Ministério Público, nas suas alegações de resposta, entendeu ser de julgar improcedente o recurso e manter a decisão recorrida.
*

O Arguido nas suas alegações de resposta apresentou as seguintes conclusões:
«I - A norma do art. 412.º n.º 3 al. a) do CPP determina que: “[q]uando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados.”
II - Ora, analisadas as conclusões do recurso interposto pela Recorrente, facilmente se denota que esta não logrou, tal como se encontrava onerada, indicar os concretos pontos de facto que, na sua ótica, foram indevidamente julgados.
III - A imposição de tal ónus tem, também, como princípio não dificultar a resposta da parte recorrida, o que, in casu, manifestamente acontece.
IV - Reza o n.º 2 do art. 412.º do CPP que versando o recursos matéria de direito, as conclusões indicam ainda: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; e c) Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada.
V - Após considerações vagas e genéricas, a Recorrente apenas indica no final das conclusões (e sem qual numeração a anteceder), “princípios e disposições legais violadas ou incorretamente aplicadas: art. 152.º n.º 1 al. b) e n.º 2 al. a) do CP, art. 410.º n.º 2 al. c) do CPP e art. 127.º do CPP”.
Sempre salvo douta e melhor opinião em sentido invés, também aqui a Recorrente não logrou cumprir de forma cabal com os ónus recursivos que lhe eram impostos. Pelo que o recurso, neste segmento, deverá ser rejeitado.
VI - De qualquer das formas, o Tribunal a quo fez uma adequada e correta subsunção dos factos dados como demonstrados ao Direito. É que, se por um lado, se provou que a Recorrente não era uma vítima nos termos consignados no art. 152.º do CP; por outro lado, saiu demonstrado que também o Recorrido era alvo de ofensas das mais variadas formas.
VII - Como muito bem assinalou a Exma. Sra. Procuradora do Tribunal recorrido, esta sentença respeita as verdadeiras vítimas do crime de violência doméstica, pois, de facto, neste tipo de ilícito não pode existir qualquer tipo de reciprocidade.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXAS. MUI SABIAMENTE SUPRIRÃO, DEVERÁ O RECURSO SER REJEITADO. SUBSIDIARIAMENTE, DEVERÁ O RECURSO IMPROCEDER. ASSIM FARÃO V. EXAS. A TÃO PROCURADA JUSTIÇA!»
*

Nesta instância o Ministério Público, no seu parecer, pronunciou-se no sentido de que deverá ser declarada a nulidade da sentença, por ocorrência de falta de fundamentação da decisão quanto à matéria de facto não provada, em obediência aos artigos 374.º, n.º 3 e 379.º, n.º 1, a) do CPP, determinando-se que os autos baixem à 1.ª instância, a fim de tal omissão ser corrigida.
*
Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP.

Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.
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2-FUNDAMENTAÇÃO

2.1 - QUESTÕES A DECIDIR
Conforme jurisprudência constante e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
Assim, face às conclusões extraídas pela recorrente da motivação apresentada, bem como quanto às questões de conhecimento oficioso, designadamente da nulidade da sentença apontada pelo Ministério Público nesta Relação ou do vício do erro notório do artigo 410º, n.º 2, al. c) do CPP apontado pela recorrente, são as seguintes as questões a apreciar e decidir:
- Nulidade da sentença: falta de fundamentação - 379º, n.º 1, al. a) e 374º n.º 2 do CPP.
- Impugnação da matéria de facto por erro de julgamento – artigo 412º do CPP.
- Vícios da decisão: artigo 410º, n.º 2 do CPP.
- Preenchimento do tipo de ilícito e condenação.
Ainda dentro das questões a apreciar temos a questão da rejeição do recurso, aventada pelo recorrido, com base na falta de cumprimento dos ónus recursivos. Quanto à matéria do erro de direito é evidente, face à leitura do recurso, que o recorrido não tem razão, pois que estão indicadas as normas violadas, designadamente o artigo 152º do Código Penal, bem como o sentido em que deveria ter sido interpretado (no sentido de que a reciprocidade de maus tratos não impede o preenchimento do tipo legal, devendo o arguido ser condenado nos precisos termos em que vinha acusado), bem como do erro na apreciação da prova e o artigo 410º, n.º 2 alínea c) do CPP. Quanto à impugnação ‘ampla’ da matéria de facto, artigo 412º do CPP, abaixo na fundamentação nos pronunciaremos sobre a manifesta improcedência ou não dessa pretensão recursiva.
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2.2- A DECISÃO RECORRIDA:
Tendo em conta as questões objeto do recurso, da decisão recorrida importa evidenciar a fundamentação da matéria de facto, que é a seguinte (transcrição):
«II – Fundamentação de facto:
1.- Factos Provados:
Produzida a prova e discutida a causa, resultaram provados, com relevância para a decisão da causa, os seguintes factos:
Da acusação publica
1) O arguido AA e a ofendida BB contraíram casamento no dia ../../2006.
2) Desse casamento nasceram, em ../../2007, CC e em 27/02/2015, DD e EE.
3) O referido casamento foi dissolvido por divórcio decretado por sentença judicial proferida em 30 de setembro de 2019, transitada em julgado em 30 de outubro de 2019.
4) Desde o ano de 2020, de modo frequente e reiterado, no interior da residência comum, na presença dos filhos de ambos acima identificados, o arguido dirigiu à ofendida as expressões “gorda”, “baleia” e “Não vales merda nenhuma”, “Se não fores minha não és de mais ninguém”, “Prefiro ver-te morta do que com outro homem”, “Até o teu cheiro a vaca me incomoda”.
5) Em dia não concretamente determinado do mês de fevereiro de 2020, no interior da habitação, o arguido apelidou a ofendida de “gorda” e “baleia”.
6) No dia 27 de outubro de 2022, o arguido enviou para a ofendida, via telemóvel, as mensagens com o seguinte teor: “És uma puta, não vales nada como mulher, até a FF é melhor que tu, até o teu cheiro me incomoda, devia vir um camião e matar-te, o teu filho vai saber a merda de mãe que tem, as tuas amigas são todas umas putas e vacas como tu”.
7) No período compreendido entre 29/10/2022 e 02/11/2022, o arguido enviou à ofendida várias mensagens escritas de telemóvel, nomeadamente as seguintes: - “Sua filha da puta, esqueceste-te que compramos esta casa à minha custa! Quando nem emprego efetivo tinhas, eu é que tive de dar entrada para a casa, tu foste sempre um encosto! E agora queres pagar as dívidas à custa da casa?”; - “És uma pessoa cheia de maldade no coração… Vim trabalhar para o frio de metro com uma gripe pesada…. O que achas que eu e o meu irmão achamos que fizeste a minha mãe? Mete-la porta fora ao frio e à chuva?? Depois de seres tu a insistir para ela ir para la!!” - “Desumano mesmo… De uma pessoa sem caracter”; - “Já te tinha avisado que qnd não se tem nada a perder, um homem é capaz de tudo.”
8) No período compreendido entre 03/11/2022 e 21/11/2022, o arguido enviou à ofendida várias mensagens escritas de telemóvel, nomeadamente as seguintes:
- “Queres guerra vamos lá”;
- “Até amanhã eu avisei”;
- “Não quiseste a bem vai a mal”;
- “Até o vídeo porno nosso vai ir parar aos sites porno”;
- “E o link será enviado para os teus amigos do Facebook todos”;
- “Tens noção do que eu vou-me revoltar qnd acontecer alguma coisa à minha mae? Já me conheces”;
- “Não cortei a água, tu já a ligaste que já vi, já foste la baixo”;
- “Mas te juro que se não falas comigo não pagarei a agua nem a luz este mês nem nunca mais”; - “Ele chora mas é da mãe que tem”;
- “Conversa comigo e as coisas voltam ao normal”;
- “Senão não aguentares a pressão que eu vou fazer…”;
- “A próxima coisa é a luz”;
- “Sabes muito bem que eu vou-me revoltar contra tudo e todos qnd algo acontecer não sabes?”; - “Quero que converses comigo caralho, eu tu e o CC”;
- “Deixa a puta das amizades”;
- “O filho tem que ouvir a nossa conversa, ele já tem idade suficiente”;
- “Preferir essa merda toda do que o pai e a avo dos filhos… Fodass, és inacreditável… Tu não existes mesmo”
- “És cão que não conhece o dono”;
- “Já vi que tens o carro todo esmurrado de um lado e de outro nas rodas da frente”;
- “Deus não bate mas castiga”;
- “Até o CC disse avo não devias ter saído da minha casa”;
- “E depois meteste-a porta fora! Por causa das influencias”;
- “Vomita de remorsos sua filha da puta”;
- “Ele já vai fazer 15 anos, ta na hora de saber a verdade toda, vou ter uma longa conversa com ele, contar tudo do início… Tenho msg, vídeos e muito mais para provar tudo… Apesar de ele gostar de ti, que és mãe dele, mas tem que saber o que fizeste ao pai dele… Um dia mais tarde, ele que faça o que entender, mas a verdade saberá agora… Ele saberá que preferiste as amizades do que o bem estar da família…”;
- “Vai acabar muito mal isto, qnd começar as mexer com o dinheiro deles vai ser um problema… E depois veras quem ta ao teu lado… A tu mãe??? Essa toda a vida te xulou… Quer que vás para a beira dela para te chupar e controlar o teu dinheiro… Aquilo é a maior falsa que existe”;
- “E eu não roubei ninguém, pelo contrario eu é que fui roubado, a minha casa, as minhas coisas, os meus filhos, tu tiraste-me tudo… Mas vais pagar por isso, alias já tas a pagar”;
- “Não vales nada mesmo”;
- “Um esqueleto andante que anda pelos cantos a vomitar a maldade e os remorsos”;
- “Até por 125 € é capaz de foder numa casa de banho do ginásio”.
9) No período compreendido entre 25/11/2022 e 28/11/2022, o arguido enviou à ofendida várias mensagens escritas de telemóvel, nomeadamente as seguintes:
- “Tu ficaste iludida com os valores que a GG te disse… Depois aparece os xulos a tua volta e tu ficas tesa novamente”;
- “Andas iludida com os amigos do Facebook”;
- “Vais já arranjar la o homem da tua vida”;
- “Tem vergonha na cara”;
- “Tu não precisas do meu dinheiro, vais ficar rica com a indemnização do processo da violação”;
- “Vergonha de mulher”;
- “Sinceramente não consigo entender o porquê de não quereres conversar elevares as coisas a bem… Algo te está a impedir! Ou é pressão de alguém ou já andas atrás de macho”;
- “Nunca te vou perdoar teres destruído a minha vida, tudo aquilo que eu demorei anos a construir”;
- “Dei-te tudo que podia dar ao meu alcance… E no final tiras-me tudo… espero que um dia pagues por tudo que fizeste”;
- “Pq fizeste sexo comigo a pouco tempo se disseste que não me amavas? Só sentias nojo que dizias… Então és grande falsa”;
- “Então se fizeste é pq ainda sentes amor pelo pai dos teus filhos… Passa aqui logo na minha casa e eu trato de ti bem tratadinha… Lambo-te a pita toda”;
- “A tua mama tb vai-se acabar de tar aí no bem bom…”;
- “Depois só desejo é que apareça uns xulos para te sugar o dinheiro todo que tiveres”
- “Na tua mão não há-de durar muito o dinheiro… Só em prendinhas”;
- “Tenho pena é das crianças que vao perder tudo que têm por causa da estupidez e ignorância da mãe que têm”; “Que só quer Facebook e passeio, anda iludia com os likes… Coitada”;
- “Tu és mesmo uma filha da puta, sabes que erraste daquela merda do iban e mesmo assim não tens humildade para reconhecer e pedir desculpa”;
- “Espeta com sopa e douradinhos no pão as crianças para não ter trabalho de fazer comer”;
10) No dia 17 de fevereiro de 2023, pelas 15.30 h., o arguido, verificando que o namorado da ofendida, HH, estava a entrar no prédio onde aquela residia, dirigiu-se até junto do mesmo e disse-lhe “Faz o favor de sair já do apartamento”, o que o mesmo fez.
11) Nesse instante, o arguido dirigiu a HH a expressão “Tu não sabes a pessoa com quem te estás a meter”.
12) No período compreendido entre 24/02/2023 e 06/03/2023, o arguido enviou para a ofendida as várias mensagens de telemóvel com o seguinte teor: “És uma xula, és uma má mãe, badalhoca, só estás bem a foder nos motéis”.
13) Durantes os meses de fevereiro e até 13/03/2023 o arguido enviou à ofendida, entre outras, as seguintes mensagens de telemóvel:
- “Ouve lá uma coisa, a tua família não vale nada mas isso não é nada que eu não saiba… Porque neste momento se tivesses uma mãe em condições, ela dizia para a tua irmã sair agora pq já teve la muito tempo a mamar, agora era a tua vez de ir para la com os meninos pq tas atrapalhada”;
- “És tu que provocas as guerras… Com essa cara de cínica, mas a mim não me enganas, podes convencer a polícia com o teu choro como costumas”;
- “Sua falsa, segue a tua vida??? Qnd tas a sempre a foder-me?? Agora foi o sinal que ficaste com ele! A semana passada armaste circo com a G NR para me enterrar-se mais e protegeres o anao??;
- “Tu tas sempre a ver onde me fodes.. Mas a partir de amanha vai ser ao contrario”;
- “És uma criatura com muitos problemas, com muitas frustrações… Já te disse que há nada que possas fazer para me impedir de tar com os meus filhos. E sim agora sou feliz, so falta mesmo os meninos. Mas Deus existe e sei que eles voltarão para mim pq é onde esta o verdadeiro amor…”; “E não metas os filhos no meio pq se isto tudo aconteceu foi por tua causa”;
- “Meteste-me no fundo do poço, destruíste a minha vida… Mas eu não vou sozinho isso te garanto”;
- “E ficas a saber que a minha mãe gostava mais da FF do que de ti… Tivemos mais do que uma vez juntos os 3”;
- “Ela sabia que tu não prestavas como mulher, eras ma para mim”;
- “Dava-te 20 a zero ela”
- “Andas a proibir o CC de falar comigo?”;
- “Se pensas que o CC vai para a gorda da tua irmã tas muito enganada. Andas a fazer-lhe a cabeça contra mim, ele ta ficar um mentiroso igualzinho a ti”;
14) Durantes os meses de fevereiro e até 13/03/2023 o arguido enviou ao filho CC, entre outras, as seguintes mensagens de telemóvel:
- “Que se passa CC?”;
- “Andas estranho, não falas comigo a tanto tempo, não ligas, não atendes… É a tua mãe que te proíbe de falar comigo?”;
- “Achas que a avó ia gostar de tu abandonares o teu pai?”;
- “A tua mãe fez muito mal ao pai. Deixou-me sem dinheiro para comer, eu estou sem comer desde manhã. Ela destruiu a minha vida, o pai está sem forças nenhumas, tem a avó no hospital que não vai viver muito tempo e a mãe só quer vingança a mim, não tem respeito pela avó.”
15) Em dia não concretamente apurado, dia em que a ofendida ia ao tribunal de Matosinhos, a ofendida deslocou-se para junto da casa do arguido, sita na Rua ..., em ..., para lhe entregar as filhas.
16) O arguido dirigiu-se ao carro da ofendida, abriu a porta, colocou a mão no braço esquerdo da ofendida e disse-lhe “Espero que não prestes declarações no dia 18, se prestares já sabes o que te faço e o que tenho lé em cima à tua espera… Tens que tirar a penhora do meu ordenado”.
17) No dia 22 de abril de 2023, pelas 14.30 h., a ofendida foi juntamente com o companheiro levar os filhos à catequese, na Igreja ..., e quando estavam no interior do veículo automóvel e matrícula ..-VP-.., o arguido encaminhou-se para junto deles e dirigiu-lhes e disse para a assistente tirar a penhora como prometera na escritura.
18) No dia 4 de maio de 2023, pelas 06.55 h., o arguido enviou para o telemóvel da ofendida duas fotografias desta, em nudez integral.
19) No dia 12 de maio de 2023 a ofendida passou pelo arguido e este enviou-lhe um email com a matrícula do veículo em que a mesma circulava, do seu atual companheiro.
20) Após seguiu-se uma troca de emails, dos quais se destaca o seguinte, enviado pelo arguido à ofendida: “A última vez que a minha mãe falou em ti foi no hospital a perguntar-me se tu me andavas a tratar bem… Eu menti a ela dizendo que sim, que me tratavas bem… Mas juro-te por ela que nunca terás sossego enquanto eu respirar, só por seres falsa e judas, não tens palavra nem carácter, és um lixo de mulher”.

Mais se provou que:
21) A ofendida ateava as discussões e começava a insultar o arguido e a agredi-lo fisicamente com chutos o que conduzia o arguido a tentar defender-se segurando a mãe pelos braços, sendo certo que, as discussões eram iniciadas quer por um quer por outro.
22) A relação entre ofendida e arguido foi sempre uma relação de conflito, pois que “discutiram, faziam as pazes e voltavam a discutir e a fazer as pazes e era sempre assim”. e mesmo depois do divorcio continuavam.
23) Nessas discussões a ofendida é quem se exaltava e elevava o tom de voz e insultava o arguido aos gritos e o arguido mantinha sempre a calma, um comportamento normal e se insultava a mãe fazia-o sempre em tom calmo e baixo e tentava a acalmar a ofendida.
24) A ofendida respondia as mensagens que o arguido lhe enviava e também enviava mensagens ao arguido a insultá-lo de cabrão e filho da puta.
25) A assistente, em datas não concretamente apuradas mas referida como no inicio após o divórcio, respondia às mensagens do arguido e só quando foi aconselhada a não responder, deixou de o fazer.
26) Porém, mês de Maio de 2023 (fase final), remeteu os emails datados de 11.05.2023, 12.05.2023, de 14.05.,2023, 17.05.2023, de 29.05.2023 e 30.05.2023 em que diz:
- “vamos ver cabrão… espera ta Kuase s machadada final, beijinhos demente”,
“Doente és tu seu cabrão… vai à vontade…sua merda tu e ele dois lixos”,
“tu pdes ter a certeza ke vais pagar seu Mrdas, adeus”,
“Ladra cão”,
“Adeus cão”,
“Ahhh temos pena então, pk a mim nada veem buscar se acabou pra ti para mim tb… vai gozar com o caralho pá ke eu nada tenho em meu nome… não tenho nada a perder…. Paga tu ke foste ke mamaste o dinheiro cabrão… para mim acabou tudo podes ter a certeza”,
- “não tenho boi.. podes ter a certeza… não manda foder não isso kerias tu… mas vais acabar ma adeus boi”, “oh puta que te pariu???Oh menos uma tipa ke nem a aguarda da filha tem, uma ke anda a ser sustentada por um boi??? Oh poupem m falem de gente seria”,
-“vai para a grande puta ke te pariu”,
-“como tu seu animal”,
-“Vai pro o caralho urso… ele ontem não atendeu burro tenho falado todos os dias”,
-“A II é um exemplo sem duvida??? Cmg vais falar em tribunal podes ter a certeza disso… o teu filho falou comigo calma ke o melhor está para vir… ele não quer vir por tua causa seu cabrao ke fazes uma pressão em cima dele… E a tua II que olhe por ela abaixo primeiro… uma mãe kenão em a filha com ela??? Hummm.. ke não gosta de trablhar hummm…complicado…aguarda noticias abre o champanhe agora pk depois irei eu festejar calma”,
- “está a acabar o eu reinado”.
27) Até data não concretamente apurada, a assistente sempre respondeu às mensagens do arguido, proferindo ameaças ao arguido e expressões igualmente insultuosas como sejam filho da puta e cabrão, tendo deixado de responder em altura não concretamente apurada por ter sido aconselhada pela GNR a não o fazer, tendo
28) Tanto o arguido como a ofendida criaram perfis falsos um para o outro quando estavam separados para cuscarem a vida um do outro, se ofenderem mutuamente e publicarem conteúdos que denegrissem um e outro.
29) A ofendida, quer durante a pendencia do casamento quer depois do divorcio enquanto o arguido viveu na casa sita na Rua ..., ..., em frente aos filhos do casal fechava o arguido à chave no quarto impedindo o mesmo de sair do quarto, ao mesmo tempo que, insultava e ameaçava o arguido, sobremaneiramente exaltada.
30) A assistente exalta-se com facilidade, e tal acontece de um momento para o outro e tal ocorre, designadamente, se a situação não lhe agradar, caso que muda para esse estado de exaltação e nesse estado de exaltação ofende verbalmente por meio de insultos, como filha da puta, cabrão.
31) Das condições socioeconómicas do arguido
32) O arguido é operador de armazém auferindo a remuneração mensal liquida de €820,00.
33) Reside com o seu filho CC em casa arrendada pela qual paga a renda mensal de €218,00.
34) O seu filho está a seu cargo e pese ter sido acordado em tribunal, em Dezembro passado, o pagamento pela assistente de uma pensão de alimentos a este filho, ainda não está receber.
35) possui de habilitações literárias o 9º ano de escolaridade.
36) O arguido não tem registados antecedentes criminais.
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2. Factos não provados:
Da discussão da causa resultaram como não provados os seguintes factos:
a) Apesar do divórcio, o arguido e a ofendida continuaram a residir na mesma habitação, sita na Rua ..., ..., ..., até 28/10/2022.
b) A ofendida empurrou-o e o arguido empurrou-a com a mão aberta no centro da cara daquela.
c) No dia 28 de outubro de 2022, pelas 07.20 h., após chegar a casa e enquanto a ofendida estava a arranjar as filhas para as levar para a escola, o arguido dirigiu-lhe novamente as expressões acima mencionadas, na presença das filhas.
d) As filhas começaram a chorar e pediram ao pai que não batesse na mãe.
e) A ofendida levou os filhos à escola, regressando depois a casa por estar de férias.
f) Assim que a ofendida chegou a casa, o arguido dirigiu-lhe as expressões “Já que o JJ te violou, eu também tenho direito, e antes que o argolas te venha comer, vou comer-te também, depois vai para tribunal dizer que foste violada”.
g) A ofendida permaneceu com os filhos em casa de pessoa amiga, nos dois dias seguintes, período durante o qual diligenciou pela mudança da fechadura da porta e informou o arguido que deveria sair de casa.
h) No dia 30 de outubro de 2022, a ofendida regressou a casa com os filhos e enquanto estava a arrumar a casa o arguido dirigiu-se a esse local e enviou à ofendida várias mensagens a pedir-lhe para lhe abrir a porta, ao que a ofendida não acedeu.
i) No dia 1 de novembro de 2022, pelas 11.32 h, o arguido telefonou à ofendida, que não atendeu; em seguida o arguido deslocou-se a casa da ofendida e tocou à campainha, pedindo à ofendida para falar com ela e estar com os filhos, tendo a ofendida permitido que os filhos estivessem com o pai no exterior do prédio.
j) No dia 20 de novembro de 2022 pelas 13.00 h. o arguido dirigiu-se à casa da ofendida, tocou à campainha cerca de 10 vezes. Inócuo - Verbal depende de prova da ofendida
k) Nesse dia à noite, o arguido deslocou-se novamente ao prédio da habitação da ofendida e desligou a água do apartamento desta no quadro.
l) No dia 5 de dezembro de 2022, pelas 13.10 h., o arguido dirigiu-se a casa da ofendida e, aproveitando o facto de o filho estar a sair de casa para ir para a escola, desligou e levou consigo a câmara de videovigilância e as chaves da porta da habitação, da caixa do correio e da arrecadação.
m) No dia 7 de janeiro de 2023, pelas 07.00 h., o arguido dirigiu-se à residência da ofendida, onde ficou, à porta, até às 10.30 h..
n) O arguido disse à ofendida que a tinha ouvido a falar ao telemóvel e perguntou-lhe como é que ela tinha tido coragem de lhe fazer o que lhe estava a fazer, dirigindo-lhe em seguida as seguintes palavras: “Tenho pena de ti, pois os homens só te querem comer e deitar fora. Sua puta, sua vaca, não te vou deixar em paz, vou-te fazer a vida negra”.
o) A ofendida fechou a porta de casa e nesse instante o arguido disse-lhe “Esconde o teu carro”.
p) Momentos mais tarde, o arguido dirigiu-se ao veículo automóvel da ofendida e, fazendo uso de um objeto cortante não concretamente apurado, cortou o pneu daquela viatura, causando o rebentamento do pneu, que ficou estragado.
q) Em data não concretamente apurada do início do ano de 2023, no inverno, numa sexta-feira, pelas 14.30 h., quando a ofendida estava a chegar a casa do trabalho, o arguido dirigiu-se à residência da ofendida, entrou na garagem e dirigiu à ofendida as seguintes palavras: “Eu só não te mando um balázio aqui e agora porque estamos no sítio onde estamos. Se não, era aqui e agora. Acabava tudo.”.
r) Em data não concretamente apurada, o arguido enviou mensagens à ofendida a dizer que os matava aos cinco e os enterrava, referindo-se à ofendida e aos três filhos, e a ele próprio.
s) O arguido ainda disse à ofendida, referindo-se ao namorado desta: “Foi por esta merda que me trocaste? Por este anão?! Quando eu o apanhar vou-lhe dar um murro na cabeça, vou matá-lo. Ele não sabe com quem se meteu. Já sei quem ele é, está fodido agora.”.
t) O arguido disse ao namorado da ofendida, referindo-se à mesma: “És o próximo a ir a tribunal. Não sabes a quilometragem que ela já tem”.
u) Também no referido período temporal, em dia não determinado, o arguido telefonou para o filho CC e disse-lhe que “a mãe anda com outros homens”.
v) Nas circunstancias referidas em 17) dos fatos provados, o arguido tenha dirigido a seguinte expressão: “Vou fazer-vos a vida negra enquanto não retirarem a penhora do meu ordenado”.
w) Em data anterior, o arguido criou um perfil falso na rede social Facebook, com o nome de perfil “KK”, com uma fotografia de perfil da ofendida, e com indicação do número de telemóvel da mesma.
x) Nessa sequência, a ofendida começou a receber vários telefonemas de diversos números que desconhecia, nacionais e estrangeiros.
y) Em data anterior a 12/05/2023, o arguido criou um perfil falso na rede social Facebook, com o nome de perfil “BB”, com fotografias da ofendida, sendo que a fotografia de perfil é uma fotografia ou montagem da ofendida a beijar na boca um indivíduo, contra quem a ofendida apresentou queixa pelo crime de violação.
z) Na sequência do referido no fato 20) dado como provado, a ofendida começou a receber vários telefonemas de diversos números que desconhecia, nacionais e estrangeiros.
aa) O arguido sabia que ao comportar-se da forma descrita relativamente à ofendida, seu ex-cônjuge e mãe dos seus filhos, a submetia a sofrimento físico, a dores e a lesões corporais, bem como a humilhação e a tratamento degradante e atentatório da sua dignidade e autoestima, e que afetava a sua liberdade, criando nela sentimentos de insegurança, medo e inquietação, fazendo-a recear pela sua vida e integridade física, afetando o seu equilíbrio psicológico e emocional, não se coibindo de assim agir na residência da ofendida, espaço que deveria estar associado a sentimentos de segurança e conforto e na presença dos filhos de ambos, menores de idade, o que quis.
bb) O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
Com interesse para a decisão da causa não resultaram provados ou não provados quaisquer outros factos.
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3. Motivação
Como dispõe o artigo 127.º, do Código de Processo Penal, a prova é apreciada “segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. Significa este princípio que o julgador tem a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos submetidos a julgamento com base no juízo que se fundamenta no mérito objetivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, tal como ele foi exposto e adquirido representativamente no processo.
A convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica e conjugada da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento e da prova documental junta aos autos.
Assim, em obediência ao disposto no artigo 374º, nº 2 do Código de Processo Penal, importa indicar as provas que serviram para fundamentar a convicção do tribunal.
Primeiramente importa referir não ter sido possível obter a versão do arguido por este se ter remetido legitimamente ao silencio.
Por sua vez, a Assistente, prestando declarações, confirmou a data e do divorcio do seu casamento com o arguido, fatos que sempre se dariam como provados por força da certidão de casamento junta aos autos a fls. 17 e certidões de nacimento da assistente e do arguido juntas a fls. 18 e verso e 22 e verso - fato provado em 1) a 3). Com base nas certidões de nascimento dos menores, filhos do casal, juntas aos autos a fls. 19 e 20 o tribunal deu como provados o fato em 2).
A assistente confirmou ainda que o casal, durante a constância do casamento, residia na Rua ..., ..., ..., e que, a casa de morada comum, não obstante lhe ter sido a si atribuída no Processo de Regulação das Responsabilidades Parentais, o arguido recusou sair da casa justificando que, porque trabalhava à noite, e cada um podia fazer a sua vida sem interferir na vida um do outro.
Mas não soube dizer em que data ocorreu essa atribuição da casa de morada de família e nem soube dizer de forma direta e sem rodeios perante as várias perguntas sobre o assunto quando é que efetivamente o arguido deixara de residir na casa de morada de família após o divorcio. Na normalidade dos casos, a casa de morada de família não é atribuída num processo de Regulação das Responsabilidades Parentais, aliás como resulta do averbamento constante nas certidões de nascimento dos menores do qual resulta que ocorreu acordo das responsabilidades parentais homologado por sentença de 03.10.2018 e que apenas ficou registada a guarda e cuidados dos menores com a assistente, com quem os menores residiriam habitualmente, desse averbamento não constando que se fixou a residência dos menores na Rua ..., ..., ... – cfr. fls. 21 verso e 22 verso. De qualquer modo, a ter havido algum acordo sobre a atribuição da casa de morada de família à assistente, aquando o processo de regulação das responsabilidades parentais, este só pode ter sido por acordo entre a assistente e o arguido e teria sido ou vigoraria após a 03.10.2018 (data da homologação do acordo das responsabilidades parentais, o que significaria que o arguido residiu na casa de morada de família depois desse acordo e antes do divórcio. No entanto, a assistente, também disse que, a atribuição da casa de morada de família à sua pessoa, ocorreu quando foi ao Tribunal de Matosinhos no âmbito de processo de violência doméstica, sendo que, se referia a processo de violência doméstica que não os presentes autos, designadamente o processo de violência doméstica que correu termos sob o nº 418/18.2GAVCD, no qual também não pode ter havido qualquer acordo de atribuição da morada de família, atendendo a que, nesses autos, ocorreu a suspensão provisoria do processo com a qual a assistente concordou –cfr. fls. 60 a 63 dos presentes autos. De qualquer modo, parece-nos que, a única possibilidade de tal acordo ter sido legalmente feito, é no âmbito do processo de divorcio que correu termos no juiz 2 do Juízo de Família e Menores de Vila do Conde e cuja sentença foi proferida a 30.09.2019 e transitou em julgado a 30.10.2019 –cfr. averbamento na certidão de nascimento da assistente e do arguido. E a ser assim, importava que tivesse a assistente esclarecido, na ausência de certidão da sentença do divorcio (que se verificou em sede de sentença não constar dos autos), se ficou atribuída a si até às partilhas/venda do imóvel que, segundo se apurou pelas declarações da assistente e do contexto de todas as mensagens juntas aos autos, ou se ficou atribuída a ambos os elementos do casal em comum – que a ter sido, teria o arguido que deixar a casa a 30.10.2019 e não o fazendo entraria em incumprimento do acordado e tal teria relevância em sede de inquérito do presente processo-, e justificaria a razão pelo qual o arguido, como referido pela assistente, insistentemente, pese ter ido morar para a casa da sua mãe, cerca de dois a três meses após o divorcio, continuava a deslocar-se à casa de morada de família, para tomar banho, cozinhar ou lavar a roupa e igualmente, sempre que a assistente mudava a fechadura, mudar novamente a fechadura. A verdade é que, o pagamento da água e da luz continuou a ser debitado na conta do arguido, como aliás foi referido pela assistente. Na verdade, o apuramento desse fato - se e quando foi atribuída a casa de morada de família à ofendida - é da maior importância para a analise dos demais fatos e apreciação critica das declarações da arguida.
Como já dissemos, a assistente declarou que o arguido, depois do divorcio viveu 2 a 3 meses na casa de morada de família do casal, e depois passou a fazer a sua vida na casa da mãe mas continuava a vir à casa de morada de família “quando bem queria e lhe apetecia”, “de forma intermitente” e sobretudo durante o dia quando sabia que ela não estava lá, apercebendo-se que este ali estivera pelos vestígios que este deixava da sua presença. Disse ainda que, quando saía para trabalhar a vizinha da pastelaria dizia-lhe que ele se metia dentro de casa. A assistente esteve preocupada em realçar que o arguido entrava na casa a que não tinha direito, fazia o que queria, perturbava-a na paz do seu lar, vigiava- a e incomodava-a. Refere, por isso, que o arguido era uma pessoa muito inconstante.
Do contexto das mensagens resulta como dissemos que o mesmo cozinhava para os filhos, deixando-lhes lasanha no forno feita pelo mesmo, ia lá lavar a sua roupa porque não tinha maquina de lavar na casa da mãe, fazendo-o na ausência da assistente, ou seja, e como a própria disse, quando esta estava a trabalhar até porque, até determinada altura, o arguido trabalhava durante a noite e resultando ainda das mensagens que a determinada altura passou a trabalhar também de dia, aliás conforme confirmado pela testemunha LL, colega de trabalho do arguido, e inclusive que o arguido poucas semanas antes das mensagens do período de 25.11.2022 a 28.11.2022 (cfr. fls. 112 dos autos, foto 20) fez sexo com a ofendida. E como também já dissemos, não fez a arguida prova suficiente de que o arguido não tinha direito a entrar em casa por lhe ter sido apenas a si adjudicada a casa de morada de família.
A assistente, indagada insistentemente sobre se só viveram dos dois na casa até 28 de outubro 2022 e sobre quando é que o arguido saiu definitivamente da casa respondeu à primeira das situações negativamente e á segunda respondeu que este nunca saiu definitivamente, pois estava uma semana sem ir e depois ia lá e tomava banho na casa. Ela mudava as fechaduras e ele mudava novamente e entrava em casa para tomar banho. Face à insistência para que dissesse em que data o arguido deixou definitivamente a casa, lá acabou por responder que foi no Verão de 2022, referindo que ela saiu da casa cerca de 4 meses depois, em Agosto de 2022. Mais tarde, porém, já disse que o arguido só deixou verdadeiramente de entrar no apartamento em 2023 quando venderam a casa.
Não podemos deixar de dar conta da contradição do depoimento da assistente, designadamente com o fato de o arguido mudar as fechaduras e entrar quando bem queria, pois, que referiu também que, o arguido, quando largava o trabalho, metia-se na porta de cima encostado a ver os seus passos todos e depois enjoado de ali estar a espiar, tocava a campainha para ela abrir a porta.
Assim, da apreciação critica das declarações da assistente, na falta de corroboração de outros meios de prova, o tribunal entende não ter sido feita prova suficiente de que o arguido e a ofendida continuaram a residir na mesma habitação, sita na Rua ..., ..., ..., desde o divorcio até 28/10/2022 por apenas se ter logrado que o arguido, depois do divórcio, continuou a residir na casa de morada de família a titulo permanente apenas por 2 a 3 meses, sendo que, após essa data, continuou a frequentar a casa que foi morada de família, e que tinha sido adquirida pelo casal na pendencia do casamento, ali entrando apenas quando a assistente estava a trabalhar, designadamente para tomar banho e outras situações que precisasse, em razão do qual se deu com não provado o fato 4 da acusação publica em a) dos fatos não provados.
Ainda, sem circunstanciar no tempo, relatou que o arguido sempre a ofendeu de tudo e mais qualquer coisa, chamava-a de filha da puta, vaca, badalhoca, gorda, baleia e dizia-lhe que “como mulher não valia nada”, que a FF, pessoa que tinha sido companheira do arguido e do qual num Natal veio a saber o arguido tinha uma filha daquela, de nome MM, é que era uma mulher em condições. Dizia-lhe ainda que ela cheirava mal da boca, cheirava a bosta de vaca da boca e que a mãe dele gostava mais da FF do que dela. Disse que este chamava-lhe badalhoca, filha da puta e cabra em frente aos filhos e ainda, em frente dos filhos lhe disse que, que ela ia para motéis com os homens.
A respeito das injurias que o arguido verbalmente dirigia à assistente, estas não tendo sido corroboradas por nenhuma testemunha, foram-no quanto a algumas das expressões injuriosas, pelo filho do casal, a testemunha CC nas declarações de memoria futura e em julgamento.
Antes, porém de analisar o depoimento desse filho a propósito, importa referir que este, disse em ambas as situações que, por residir com o pai, o seu depoimento não deixaria de se pautar pela sinceridade e, em sede de declarações por memoria futura disse ainda que o pai não tentou influenciar a sua decisão de prestar depoimento ou de dizer algo que o favorecesse e prejudicasse a sua mãe ou o seu pai. E na verdade, o tribunal entendeu que esse filho, pese a sua juventude, conseguiu ser objetivo e imparcial, pautando a suas declarações e depoimento pela verdade e sinceridade, e mereceu por isso a credibilidade do tribunal.
Nas declarações de memoria futura disse que não tinha nada contra a sua mãe sendo que, em audiência de julgamento disse que não tem, nesse momento, uma relação com a mãe, por esta situação e por outras situações e designadamente porque discutiam muito, sendo certo que decidiu ir viver para casa do pai porque na casa da mãe não tinha condições, sendo certo que, o seu depoimento em ambas as situações se mostrou credível, pela sua simplicidade, apenas prestando declarações sobre o que se recordava desde o tempo em que se recordava, ou seja desde os seus 12 a 13 anos e não existindo divergências ou contradições entre o que disse nas suas declarações de memoria futura e em julgamento, merecendo a credibilidade do tribunal, para além de que, sendo alguém que assistia à dinâmica do casal e das suas discussões e envolvência, mostrou-se relevante, em conjugação com as declarações e comportamento/postura da assistente em tribunal e ainda em conjugação com o depoimento da testemunha HH, atual marido da assistente (mas em processo de divorcio e a reproduzir infra) e com os vídeos e emails juntos com a contestação do arguido, para concluirmos que o relacionamento entre a ofendida e o arguido era conflituoso desde o inicio do casamento e continuou a sê-lo após a separação e divorcio, mas o conflito era bilateral, ou seja, as agressões, quer físicas, quer verbais, ocorriam de parte a parte, mas que tudo terminava e era esquecido, acabando, mas retomando logo depois em sucessivas discussões, discussões que, como referiu este filho, quer em julgamento quer em declarações de memoria futura, ocorriam em qualquer altura e em qualquer parte da casa sem resguardarem os filhos dessas discussões, ao fim de semana ou á semana, sendo ambos responsáveis pelas discussões e em que se ofendiam verbalmente e reciprocamente. Este filho, referiu em sede de julgamento não saber o motivo das discussões, sendo que mais tarde, feita a pergunta de forma mais clara e já disse que era por causa de dinheiro e pelo pai fumar muito.
E indagado sobre quem tinha a iniciativa da discussão referiu inicialmente que era a mãe a atear a discussão e a insultar o seu pai e a agredi-lo fisicamente com chutos o que conduzia o seu pai a tentar defender-se segurando a mãe pelos braços (referiu isso em declarações de memoria futura), tendo depois referido que, tanto era o pai como a mãe, umas vezes um outras vezes o outro. Relatou em julgamento que a relação entre ambos foi sempre uma relação de conflito, pois que “discutiram, faziam as pazes e voltavam a discutir e a fazer as pazes e era sempre assim”. E mesmo depois do divorcio continuavam assim tendo o contato entre os pais cessado quando o pai foi para casa da avó e a mãe ficou no apartamento e ele com a mãe. Nessas discussões a mãe é quem se exaltava e elevava o tom de voz e insultava o pai aos gritos e o pai mantinha sempre a calma, um comportamento normal e se insultava a mãe fazia-o sempre em tom calmo e baixo. Confrontado com a mãe ter dito que era o seu pai que falava alto e só quando os filhos apareciam baixava o tom de voz respondeu que não era verdade, que o pai falava sempre baixo e tentava a acalmar a mãe e a sua mãe falava demasiado alto ao ponto de se ouvir lá fora.
No que respeita a ameaças, a assistente disse, sem qualquer referencia a datas, que o arguido lhe disse que: “se ela não fosse dele não era de mais ninguém” e “se não ficasse com ele não ia ficar com mais ninguém”, “que ia fazer-lhe a vida num inferno”, “que lhe ia arrebentar a cara”, “que ela ia ver quem ele era, que ele revoltado, ela ia ver porque ele era uma pessoa agressiva”. E desde que tem o atual marido não mais a deixou em paz, sendo o que o arguido faz interfere na sua vida. Explicou que, conheceu o atual marido em dezembro de 2022 e casou com este no dia 26 de Abril 2023.
A esse respeito, e indagado o filho do casal, em audiência de julgamento se se recordava de o pai fazer ameaças de morte á mãe, disse que, não se recordar de mensagens dessa natureza. De referir que, em sede de declarações de memoria futura, a testemunha confirmou que o pai usou o seu telemóvel para ligar à mãe por duas vezes porque a mãe não respondia ao seu pai quando ele lhe ligava do telemóvel dele. E disse recordar-se de um fim de semana que era fim de semana de visita ao seu pai, depois de ter passado 3 semanas sem o ver, a mãe decidiu que ele não ia, tendo tido que ser ele a comunicar isso ao pai que ficou chateado e começou a discutir com a mãe e, confirmou que, na sequencia dessa conversa e discussão, estando o telemóvel em voz alta, o pai no meio da discussão disse que a mãe ia para motéis com homens. Em razão de que se deu como provado os fatos em 21), 22) e 23).
Sobre atos de violência física do arguido sobre a sua pessoa, a assistente referiu também genericamente e não de forma circunstanciada que que este lhe deu pontapés, murros e puxões de cabelo, referindo que tinha fotos do seu casamento evidenciavam isso. Porém, pedido que circunstanciasse ao período após o divorcio, referiu que, quando foi ao tribunal de Matosinhos, foi levar os filhos a casa do arguido, e nessa ocasião, o arguido disse-lhe para não falar em tribunal e puxou-lhe os braços tendo ficado pisada. Indagada ainda especificamente e de forma induzida sobre se foi alguma vez agredida no rosto, referiu que sim, que foi por causa do dinheiro e foi à entrada e no patamar do prédio, mas não soube dizer quando, designadamente se no período após o divorcio, período a que se refere a acusação publica e nem concretizar a razão subjacente. E indagada induzidamente sobre se para além dos puxões de braço e das chapadas houve mais a agressões físicas e se os filhos pediram ao pai para não lhe bater e se sim quantas vezes, respondeu à primeira das perguntas genericamente que só os braços e puxões de cabelo e depois de dizer que sim à segunda pergunta, respondeu terem sido várias vezes, acrescentando que os filhos até diziam na escola e aos avós que o pai batiam na mãe (também o disse a mãe da arguida a testemunha NN).
De fazer notar que, para além dessas respostas induzidas e pouco espontâneas, não circunstanciadas em termos de tempo, lugar e modo, a arguida no conjunto do auto de noticia de 29.10.2022 –fls. 4 a 5-v.º, e inúmeras outras queixas- cfr. aditamentos de fls. 117 a 118, 125 a 126, 160 a 161, 166 a 167, 178 a 180, 211 a 212, 214 a 215, 224 a 227 e 252 a 253 e auto de notícia de fls. 4 a 5 do apenso A, apenas se queixou de agressões na constância do matrimonio e nunca se queixou de quaisquer agressões físicas por parte do arguido após o divorcio, designadamente as que referiu forçadamente em audiência de julgamento, sendo que, por esse motivo, falta de credibilidade da arguida e não serem corroboradas por qualquer outro meio de prova, o tribunal não considerou e valorou as referidas agressões físicas designadamente tendo em vista uma qualquer alteração não substancial dos fatos. E em razão de total ausência de prova quanto à única agressão imputada o ponto 7) da acusação publica não foi feita qualquer prova, pelo que se deu como não provada em b).
Tais agressões físicas não foram assistidas pela testemunha NN, mãe da arguida, cujo depoimento não se mostrou credível pela sua evidente parcialidade referiu que a arguida lhe mandou fotos dela toda pisada e só chorava. A verdade é que estas fotos não foram juntas aos autos pela ofendida, e nem foi referido pela testemunha a data em que as fotos lhe foram remetidas. A testemunha OO, colega da assistente na empresa têxtil onde esta trabalha, aí exercendo as funções de encarregada geral, conhece a assistente de data anterior ao divórcio da mesma com o arguido, disse recordar-se de uma vez, a assistente ter chegado atrasada ao trabalho tendo-lhe dito que foi porque o do tribunal, pelas imputações genéricas e não circunstanciadas, mas sobretudo por denotar que esta fazia um esforço para assumir um papel de vitima, falando em voz aparentemente embargada, calma e demasiado baixa, mas que, pelo comportamento assumido e observado enquanto assistia ao resto do julgamento e também pelo depoimento do seu filho, se desmontou, tais expressões que a mesma referiu terem sido proferidas verbalmente, não corroboradas por outros meios de prova, testemunhais ou por escritos, conduziram o tribunal a dar as mesmas como não provadas.
A assistente explicou que o número de telemóvel do arguido está gravado no seu telemóvel como “pai dos meninos” e era através desse número que identificou como sendo o nº ...04, que o arguido lhe as mensagens de ameaças tendo-lhe enviado uma foto sua em que estava nua e que nunca se apercebeu de ser tirada por ele ou autorizou que fosse tirada, tendo sido tirada provavelmente quando saia da casa de banho. Depois, o arguido disse-lhe que o seu namorado é que tinha enviado as fotos e disse-lhe ainda que as mamas dela nessa foto estavam nas no cu e o cu nas costas. Tal foi confirmado pelo seu filho, a testemunha CC, na medida em que viu essa mensagem que lhe foi mostrada pela sua mãe, nos termos que se referirão infra, razão pela qual demos aa mesmas como provadas.
Referiu ainda que o arguido lhe enviou de perfis falsos que criou muitas mensagens para o telemóvel com ameaças designadamente com o perfil KK em que colocou uma foto de perfil dela e onde deu o seu número de telefone antigo a vários homens, tendo recebido muitos telefonemas de homens desconhecidos. O arguido criou ainda outro perfil “BB” com fotos suas com o atual companheiro e a foto de capa com a testemunha JJ, pessoa que a violou e que o arguido arrolou como testemunha apenas para a humilhar. E muitos homens ligavam desse perfil sendo que foi com esse perfil que pediu a amizade à sua família e amigas. Ativava e desativava esses perfis do facebook e ainda a semana passada ativou este perfil e colocou fotos dela de biquíni. Este perfil só apareceu quando o arguido andava revoltado pela penhora do seu salário por causa da pensão de alimentos e como estava a correr mal queria-a injuriar, fazendo-o por aí. Refere que, na altura da penhora quando ele pediu para ela tirar a penhora, lhe disse que tirava se ele tirasse os perfis falsos e o arguido disse que o fazia. Em data que não se recorda, mas já estava com este atual marido, enviou um vídeo porno. De referir que da mensagem enviada pelo arguido a 26 de setembro -cfr folhas 73 - apenas consta a ameaça do arguido de remeter o link desse vídeo.
Confirmou as mensagens de folhas 105 referindo que logo que recebia as mensagens do Arguido ia à polícia que as fotografava. De notar que as mensagens respeitam apenas ao período de 29.10.2022 a 02.11.2022, 3.11.2022 a 21.11.2022, 25.11.2022 e 28.11.2022, 24.02.2023 a 06.03.2023 e de fevereiro a 13.03.2023 e alguns dias de Maio de 2023 (dois e três anos após o divorcio), sendo certo que, relativamente às mensagens que a assistente enviava ao arguido, foi referido pela própria assistente que, no inicio respondia às mensagens do arguido e só quando foi aconselhada a não responder, deixou de o fazer, sendo que o arguido juntou emails do mês de Maio de 2023, que analisaremos infra, em que a assistente, responde às mensagens do arguido por email e/ou apenas envia mensagens por email e nestes também insulta e ameaça o arguido, em razão pela qual demos como provado o fato em 24).
Adiantamos desde já que todas as testemunhas, designadamente a já referida testemunha OO e as testemunhas PP, colega de trabalho da assistente durante um ano e meio, de 2022 a 2023, e a QQ, colega de trabalho da assistente tendo trabalhado com esta desde Agosto de 2022, a nada assistiram, tendo tido conhecimento das mensagens enviadas pelo numero gravado no telemóvel da assistente como “pai do arguido” porque a assistente lhes mostrava ou então, lhes enviava prints, ou lhes contava o seu teor. Ou seja, a assistente apresenta-se a divulgar pelas suas colegas de trabalho e superior hierárquica as mensagens do arguido, no sentido da sua vitimização, o que não é um comportamento muito curial com o comportamento de uma vitima.
Estas testemunhas, colegas de trabalho da assistente, apenas souberam relatar uma situação após divorcio, que era um fim de semana seguido de feriado, em Novembro, em que a assistente não ligou para a testemunha QQ e/ou PP e também não atendia as chamadas destas e depois de telefonarem à mãe da assistente, esta não atendia também a mãe. Tendo a assistente, entretanto colocado na sua pagina do facebook uma publicação de luto, tal, conjugadamente com a informação da vizinha de que vira o arguido a entrar em casa, criou alvoroço suficiente para as testemunhas PP e QQ irem a casa da assistente, no sentido de verificaram se a mesma precisava de ajuda, tendo tocado á campainha. E quando o arguido apareceu à janela semi-nu e não lhes quis abrir a porta, depois de confirmarem que aquele era o ex-cônjuge da assistente, supuseram que a mesma estava prisioneira do arguido e tentaram resgatá-la indo á policia, tendo levado esta para casa da QQ tendo os filhos da assistente ido para a casa da testemunha OO. Perguntado à testemunha QQ o que a assistente lhe tinha contado, disse apenas que esta lhe disse que foi maltratada.
O filho do casal, perguntado se recordava-se de ter saído de casa com a mãe e irem para casa de uma amiga da mãe respondeu que sim mas não se lembra de quem era a casa, confirmando que saiu ele e a irmã com a mãe e não faz ideia porquê.
Ora esta situação não foi denunciada pela assistente e não consta qualquer denuncia ou registo de ocorrência dessa situação junta aos autos pela GNR, sendo por isso que esse fato não consta da acusação publica, e nem assume qualquer relevância criminal nos presentes autos considerando o crime em causa e por não terem sido especificados que maus tratos a assistente sofreu e porque razão.
O filho do casal, a respeito do seu conhecimento das mensagens que o seu pai enviava á sua mãe, disse que, porque andava a responder de forma mal educada à sua mãe, esta decidiu mostrar-lhe as mensagens envidas pelo pai, para provar que ela não era a má da fita. Por ter visto essas mensagens que a sua mãe lhe mostrou, confirmou que o pai enviava mensagens a insultar a mãe de filha da puta e baleia, mas não mensagens a ameaçar a mãe de morte. Indagado respondeu ainda que das respostas que via, a mãe também enviava mensagens ao pai, a insultá-lo de cabrão e filho da puta. Ou seja, tal como no caso dos insultos verbais, ocorria reciprocidade nas mensagens com insultos que eram enviadas do arguido para a assistente e desta para o arguido. Em razão de que se deu como provado o fato em
De adiantar desde já que quer a assistente quer a testemunha HH, que foi casado com a assistente de janeiro 2023 até setembro 2023, e conheceu a assistente através das redes sociais mais concretamente em 24 de dezembro 2022 e depois da passagem ano, começou a namorar com esta, declararam que, inicialmente a assistente respondia às mensagens do arguido mas depois foi aconselhada a não o fazer.
No entanto, os emails juntos pelo arguido com a sua contestação, confirmados pela assistente como tendo sido enviados por si (com exceção de um desses emails pelas razões que explica e que abaixo se pormenorizará) contrariam as declarações da assistente e depoimento desta testemunha, pois que, em Maio de 2023 (que não era o que se pode designar pelo inicio das mensagens ou do período das mensagens juntas aos autos e reproduzidas na acusação publica), a assistente, remetia ao arguido, mensagens, não por sms mas por emails, tendo este caráter insultuoso da pessoa do arguido e a este dirigido em resposta a prováveis mensagens do arguido, ou seja, decorriam tais envios de forma mútua, e sem se demonstrou uma predominância de um dos elementos do casal relativamente ao outro.
A respeito dos perfis falsos criados pelo seu pai para remeter mensagens á mãe, respondeu que os dois criaram perfis falsos um para o outro quando estavam separados para cuscarem a vida um do outro, admitindo que, também o tivessem feito para se ofenderem mutuamente e publicarem conteúdos que denegrissem um e outro, como o que lhe mostrou a mãe.
Ou seja, a propósito da criação de perfis falsos, também pelo depoimento isento do filho do casal, resulta provada a reciprocidade de tal atuação. Sendo certo que não resulta provado a criação dos concretos perfis falsos referidos na acusação publica, em razão do que referiu a testemunha CC demos como provado o fato em 26) e como não provados os fatos em w) a y).
Acrescentou o filho do casal que no referido perfil falso que o pai tinha criado e que a mãe lhe mostrou tinha fotos nuas dela, sendo que se via que as fotos tinham sido tiradas em sua casa. Mas tal não afast a reciprocidade de atuações de ambos os elementos deste ex-casal.
A testemunha RR disse ainda que, a assistente recebia telefonemas do arguido depois de almoçarem e quando conviviam mas ainda na hora de almoço, que punha em voz alta para elas ouvirem e por isso ter ouvido o arguido chamar à assistente vaca, gorda e puta. Disse ainda que a assistente andava sempre triste e abalada no trabalho, e andava ainda sempre com medo do marido por causa das ameaças, da perseguição, deste a espiar e da importunação, referindo uma situação em que a assistente e filhos foi no seu carro, um ..., a um concerto de musica e este através de uma mensagem deu nota de a ter visto num ... tendo tal indiciado que a estava a espiar, deixando tal fato a assistente aflita.
A testemunha OO disse que, a assistente estava sempre com medo porque o marido estava sempre a persegui-la no fim de semana e de forma contraditória com a testemunha RR disse que, o arguido ligava á assistente na hora do almoço e quando almoçavam juntas e conseguia ouvir as conversas e ouvia uma voz de homem pressupondo que era o arguido mas sem poder dizer que era o arguido. Ora, para além da referida contradição, não se percebe porque atendia a arguida as chamadas do arguido, podendo não o fazer e menos compreensível é que atenda para colocar em voz alta para a colega de trabalho ouvir e/ou para se vitimizar e poder queixar-se da perseguição e ofensas verbais de que era alvo por parte do arguido, comportamento pouco compatível com o de alguém que se sente vitima, perseguida, ofendida e humilhada pelo ex-marido.
A testemunha QQ, disse que de todas as vezes que foi a casa da assistente porque esta lhe pediu ajuda, sempre à noite, o arguido nunca estava em casa, referindo que a primeira vez que a assistente lhe pediu ajuda foi numa altura, já estava separada do arguido, que o vizinho disse á assistente que viu o arguido entrar em casa, em Novembro de 2022. Sobre a possibilidade de o arguido entrar e poder entrar em casa do casal já nos debruçamos amplamente supra, pelo que se dá aqui por reproduzido.
Acresce que a comprovar quer a dinâmica do casal quer a reciprocidade de comportamentos disruptivos de uma salutar vivencia comum, foram juntos pelo arguido 3 vídeos. Confrontada a assistente com os vídeos juntos pelo arguido com a contestação, confirmou o conteúdo dos vídeos, e disse que, as mesmas retratam situações que ocorreram quando ainda eram casados. Quanto ao primeiro vídeo em que vê-se que trancou o arguido no quarto, disse que o fez na sequência de o arguido lhe ter batido, agredido e lhe chamado filha da puta, vaca e dito que estava gordinha, era baleia e cheirava mal da boca. Confessa que era mal-educada e dizia palavrões mas trancou o arguido no quarto para ele parar de lhe bater. E disse ainda foi porque o arguido lhe tirou os cartões e não tinha dinheiro para a gasolina e precisava de gasolina para ir trabalhar, depois mandou a mãe deixar na caixa do correio 15 € e por isso trancou o arguido no quarto com a chave para se defender.
A propósito do 2º vídeo visionado disse que, quando está a dizer “diz a verdade CC, quem começou encontra a dizer a verdade porque quem começou foi o arguido que, quando estava deitada no sofá na noiteanterior a dormir para ela acordar, o arguido tinha-lhe atirado com a peça que tinha na mão que partiu em cima de si tendo ainda a insultado de gorda, baleia e vaca e ainda lhe bateu. Confessou que falava com o arguido em tom de voz elevada porque já estava saturada sendo que porque os miúdos apareceram, o arguido passou a falar no tom de voz que aprece a falar no vídeo. de referir que a assistente sabia que o arguido estava a filmar tanto que diz bela cena, ele prova a capacidade maléfica para filmar”
Negou a assistente que o terceiro vídeo seja verdadeiro, pois nunca teve acesso ao telemóvel do arguido que estava sempre fechado e sete chaves por causa das coisas dele.
Esclareceu que, no vídeo os filhos tinham 3 anos e disse ainda ter bastante receio do arguido.
O filho do casal, CC, igualmente confrontado com esses vídeos, e indagado se os comportamentos que viu no vídeo se verificavam depois de 2020 respondeu que sim que aconteceu. Ou seja, tais vídeos podem retratar comportamento de conflitualidade durante a pendencia do casamento como
uma situação de patente conflito entre duas pessoas que, tendo sido casados durante vários anos (tendo filhos em conjunto) depois se divorciam, ficando ambos forçados a conviver na mesmo casa, num ambiente de tensão e de conflitualidade. Em razão das decalvações da assistente conjugadas com o depoimento do seu filho e do visionamento dos vídeos, demos como provados em 29).
De referir que o elevado estado de exaltação da arguida, conjugadamente com as palavras que vai proferindo, com as duas peças (que compõe um único objeto decorativo da casa conforme explicou a assistente), na mão e com ar ameaçador, impedindo o arguido de sair do quarto onde confessou ter trancado o mesmo e fechou o quarto à chave, é perturbador. E mesmo perante a justificação da assistente de ter assim atuado, em retaliação do que o arguido lhe fizera antes ou seja, na noite anterior, é uma situação em que não se denota que a assistente se encaixa no papel de vítima em que o arguido tem um tratamento incompatível com a dignidade e liberdade da assistente no seio da sociedade conjugal, ou que assuma uma posição dominante em relação à assistente. Aliás em consonância com o afirmado pelo filho do casal, nos depoimentos que prestou.
De referir ainda, que num dos referidos vídeos, a assistente prossegue naquele elevado estado de exaltação mesmo com o aparecimento da filha que referiu ter 3 anos. Verificamos ainda que, a filha ali permanece indiferente ao estado de exaltação da mãe, e ao que se passava, como se fosse uma situação normal, mas que na verdade nada tem de normal. Tal situação confirma o que o filho do casal, a testemunha CC, disse a propósito da dinâmica relacional e disfuncional do casal em que as discussões do casal eram o dia a dia e que o estado de exaltação, o tom elevado da mãe ocorria em contraponto com o posicionamento do pai de tentar acalmar sempre a mãe e falar sempre em voz baixa e calma.
De referir que a mãe da arguida, a testemunha NN fez referencia a esses vídeos que a sua filha lhe terá enviado mas foi possível concluir que esses vídeos foram enviados pela arguida à sua mãe quando a estes, a assistente teve acesso designadamente quando os mesmos foram juntos aos autos com a contestação, não se valorizando o seu depoimento nesse circunspecto e apenas que a assistente e o arguido conheceram-se aos 16 anos.
De dar nota, que aquando do depoimento da mãe da assistente, o tribunal pode observar que a assistente que assistia ao julgamento, já não aparentava ser a pessoa frágil e a parecer chorosa que se apresentou a prestar declarações. Na verdade, observou esta durante alguns minutos, tendo-a visto a olhar primeiro para o arguido e depois o mandatário do arguido, com um olhar e postura não só desafiadora como ameaçadora e intimidatória, que surpreendeu e impressionou o tribunal ao ponto de ver até que ponto manteria essa postura e olhar dirigido a estes. Tal observação, foi, entretanto quebrada pelo mandatário do arguido, que perante tal, decidiu queixar-se ao tribunal da assistente, situação que sedimenta a convicção que, ao longo do julgamento e das provas que se iam produzindo, se foi formando no tribunal de que a assistente demonstra uma personalidade algo temperamental, descontrolada, sendo fácil e por qualquer motivo fútil ou quando contrariada, passar a um estado de exaltação exacerbada em que os insultos, as ameaças surgem com facilidade, apresentando-se destemida perante o arguido, e sem qualquer medo deste, pelo que se conclui que não existe no caso dos autos, a chamada polaridade agressor-vítima, ou supremacia ou domínio do arguido sobre a ofendida.
No que respeita a esse estado de exaltação, não podemos deixar de dar nota que a testemunha OO referiu que a arguida chegava ao trabalho um bocadinho exaltada sem descansar e que o estado mental era muito psicológico.
O marido da assistente, HH, disse que o arguido o abordou a primeira vez, em 17 de fevereiro 2023, porque estava em casa dele e ele disse-lhe para ele sair porque a casa era dele e tinha razão.
Disse ainda que a segunda vez, foi quando foram levar os miúdos à catequese e o arguido abordou a assistente para lhe dizer para tirar a penhora do ordenado por divida respeitante à pensão de alimentos conforme tinha prometido. Refere que efetivamente, na venda da casa a assistente tinha sido prometido ao arguido que atirava a penhora mas não cumpriu o prometido. Prometeu ao arguido que iria falar com a assistente para ela cumprir aquilo que prometeu aquando da escritura. Referiu que o arguido não preferiu quaisquer acusações da assistente ou lhe dirigiu quaisquer ofensas, tendo apenas lhe referido que a mesma tomava medicação psiquiátrica para acalmar. Em razão desse depoimento, demos como provado quanto ao fato da acusação publica apenas o que ficou a constar em 6), dando-se o demais como não provado em gg).
Não presenciou nada e sobre as ameaças que o arguido fazia á assistente apenas sabe das mesmas porque a assistente lhe contava. Os emails e as mensagens que viu são os que a assistente lhe mostrava recordando-se apenas que o arguido ameaçava a assistente que lhe ia fazer a vida negra, sendo que apenas refere ter visto tal ameaça nas mensagens que a arguida lhe mostrava e não porque este tivesse dito tal ameaça na sua presença, do que resultou como não provado o fato em v).
Esclareceu que esta tanto lhe mostrava as mensagens logo que as recebia como depois e quando as rececionava, no início, respondia logo às mesmas, mas depois foi aconselhada a não o fazer e deixou de o fazer. Depois de ela deixar de responder houve uma fase que era só o arguido a enviar mensagens mas depois passou a ser esporádico e os únicos telefonemas que ele ouviu era sobre os filhos. Como vimos, esse depoimento é contrariado pelos emails juntos pelo arguido com a contestação, confirmados o seu envio teor pela assistente.
Esta testemunha, indagado, disse que esteve assim a par da dinâmica do casal apenas pelas mensagens que leu. Referiu que a arguida a nível temperamental era impulsiva e reativa, o que originou o termo do seu casamento, tendo notado essa impulsividade apenas a partir de março de 2023. E quanto ao ex-marido da assistente e ora arguido, só teve essa perceção a 17 de fevereiro de 2023, referindo ter sido sobre isso alertado pelo arguido naquela vez que foi a casa deste, mas não acreditou no arguido até conhecer melhor a assistente e confirmar isso.
Indagado se a dinâmica do casal era a de agressor e vitima respondeu apenas haver pessoas que funcionam assim.
Disse ainda, com relevo para o que dizíamos e para prova do fato 30), quando perguntado se a assistente era impulsiva e também pouco precisa quanto á verdade, que pensa que sim, no que se refere à sua pessoa, porque esta contava-lhe situações que depois descobria que não correspondiam à verdade, designadamente assistente referiu-lhe que tinha provas contra o arguido designadamente uma carta que este lhe tinha deixado na caixa de correio mas se fosse verdade não deitava a carta ao lixo como veio depois a dizer-lhe que fez. Quanto a possíveis agressões referiu que esta não lhe mentiria.
Explicou, com pertinência para a avaliação da personalidade da assistente, que, na pendencia do casamento pôde verificar que a assistente se exalta com facilidade, e tal acontece de um momento para o outro e tal ocorre, designadamente, se a situação não lhe agradar, caso que muda para esse estado de exaltação e nesse estado de exaltação ofende verbalmente.
De referir que o filho do casal, confirmou que a assistente porque é impulsiva e perde a calma com facilidade assim com uma paciência, toma medicação pelo menos há 3 anos. De tudo resultando provado o fato em 30)
No confronto com o declarado pela arguida e pela testemunha HH, de que, inicialmente assistente respondia às mensagens do arguido mas depois foi aconselhada a não o fazer, foi arguida confrontada com as mensagens enviadas ao arguido pelos emails que o arguido juntou com a sua contestação. A assistente, primeiro confirmou o teor de alguns emails e negou outros, todos enviados do mesmo endereço de email que referiu ser o seu endereço de email, referindo, no entanto, que o arguido teria a password do seu email e poderia ter enviado um ou dois desses emails cujas expressões usadas não eram por si habitualmente usados mas sim pelo arguido, como a expressão “adeus paixão até à prisão remetida com data de 14.05.2023. Confirmou assim que tinha sido ela a enviar os demais emails datados de 11.05.2023, 12.05.2023, e os emails de 14.05.2023 (designadamente o que chama o arguido de cabeça de cão, cabrão, refere estar quase a machadada final e despede-se do arguido chamando-o de demente e explicou o email que fala de uma II, dizendo que o arguido andava com uma senhora chamada II e dizia que era uma mãe melhor mãe do que ela para os seus filhos e isso tirava-a do sério e por isso enviou o e-mail. Confirmou o email de 17.05.2023 e o email datado de 29.05.2023 com o teor “Doente és tu seu cabrão …. vais à vontade… sua merda tu e ele dois lixos”, explicando o que significa a referencia que fez a dois lixos, e confirmou ainda um outro email de 29.05.2023 cujo teor diz “está a acabar o eu reinado” referindo que, com essa expressão queria dizer tanta coisa; confirmou ainda os demais emails de 29.05.2023 e os de 30.05.2023.
De tudo o exposto, caraterizou o relacionamento vivido entre a assistente e o arguido como conflituoso mas o conflito era bilateral, ou seja, as agressões, quer físicas, quer verbais, as ameaças ou ofensas verbais ou feitas em mensagens, emails, paginas de facebook de perfis próprios ou falsos, criados pelos dois para o efeito de cuscarem a vida um do outro após o divorcio e de se ofenderem ou colocarem conteúdos vexatórios ou ofensivos um do outro, ocorriam de parte a parte, mas se, na pendência do casamento, tudo terminava e era esquecido num momento acabando, por regra, a voltar a acontecer, numa normalidade e dinâmica recorrente do casal, após o divorcio, com as habituais guerras das guardas dos filhos, da divisão e venda do património e adjudicação da casa de morada de família a que não era alheia a intervenção de familiares e terceiros – veja-se o contexto das mensagens, a situação de má convivência e de ofensas e ameaças mutuas sobe de tom. E no caso, os seus comportamentos são equivalentes do ponto de vista da censurabilidade, não se alcançando qualquer posição de domínio de um sobre o outro, não se identificando, nem distinguindo um como vítima e o outro como agressor.
Em razão de todo o exposto, o tribunal deu como provados os fatos de 1) a 20), sem prejuízo prova da supra referida reciprocidade de ofensas e ameaças verbais e escritas, de criação de falsos perfis dadas como provadas de 21) a 30), e como não provados por ausência de prova ou produção de prova que a contraria, os fatos da acusação publica descritos em 9) a 15), 17) a18), 21) a 26), 30) a 31), 35)37), 40 a 42), 45) 46) 47) 20), 21) a 25), 29) e 30), 39) a 41), em c) a i), j) a k), l) a q), s) a t), v), w) a y), a.a) a bb), sendo que os demais fatos não provados ocorrem por insuficiência de prova quanto aos mesmos.
Quanto às condições económicas e pessoais do arguido, o tribunal teve em as declarações do arguido que se mostraram credíveis.
Pela análise do Certificado do Registo Criminal junto aos autos se considerou provada a inexistência de antecedentes criminais que se enunciou nos fatos provados.»
*

2.3- APRECIAÇÃO DO RECURSO.
2.3.1- Nulidade da sentença: falta de fundamentação - 379º, n.º 1, al. a) e 374º n.º 2 do CPP.
Começando pelo artigo 374º, n.º 2 do CPP, relativo ao dever de fundamentação da sentença, cuja omissão pode levar à nulidade da sentença, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. a) do CPP, o seu teor é o seguinte:
«Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.»
Resulta desta norma que o tribunal, para além de indicar as provas que serviram para formar a sua convicção do tribunal, tem também ainda de efetuar o exame crítico daquelas, explicitando o processo lógico e racional que foi seguido na apreciação dessas provas.
É que, com a leitura da fundamentação da sentença, deve ser possível perceber como é que, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, se formou a convicção do tribunal, no sentido de considerar provados e não provados os factos objeto do processo.
O objetivo dessa fundamentação é o de permitir a sindicância da legalidade do ato, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, atuando, por isso como meio de autodisciplina.
Mas, como é evidente, a lei não exige que em relação a cada facto se autonomize e substancie a razão de decidir, como também não exige que em relação a cada fonte de prova se descreva como a sua dinamização se desenvolveu em audiência, sob pena de se transformar o ato de decidir numa tarefa impossível.
O que importa é que o exame crítico das provas, explicitado na sentença, permita avaliar racionalmente o fundamento da decisão e o processo lógico seguido.
Descendo ao caso dos autos, verificamos que o Tribunal recorrido, após enumerar os factos provados e não provados, passou a expor a motivação da decisão de facto, num longo texto, elencando e analisando criticamente as provas que serviram para formar a respetiva convicção, conjugando as provas pessoais umas com as outras e referindo a prova documental. E de seguida procedeu à apreciação jurídica da questão aplicando o direito aos factos, culminando na absolvição.
É certo que a análise crítica da prova poderia ter explicado de maneira mais clara os factos não provados relativos ao elemento subjetivo, que são na essência aqueles que o Ministério Público junto desta Relação entende não terem sido fundamentados. Mas a verdade é que a explicação está lá na motivação da matéria de facto, se não de forma explícita pelo menos de forma implícita ou que se compreende lendo o texto no seu todo. Além da insuficiência de prova que o tribunal recorrido entendeu explicitamente não haver quanto aos factos não provados, haveremos de ter em conta que o tribunal fez realçar na motivação de facto da sentença que retirou e realçou da prova produzida não haver uma relação de domínio/subordinação entre arguida e assistente, que se insultavam um ao outro, que se ofendiam mutuamente e publicaram conteúdos que denegriam um e outro, que os seus comportamentos são equivalentes do ponto de vista da censurabilidade, não se alcançando qualquer posição de domínio de um sobre o outro, não se identificando, nem distinguindo um como vítima e o outro como agressor.
Ora, se agora tivermos em conta o que se entende na sentença recorrida em termos de direito para o preenchimento do tipo de ilícito de violência doméstica, vemos que se considera ter de haver uma posição de domínio e prevalência do agressor sobre a vítima:
«Ou seja, por este conceito sobressai o essencial para a caraterização do crime de violência doméstica, que se evidencia da sua génese e evolução; a existência de uma vítima e de um vitimador, este numa posição de evidente dominação e prevalência sobre a pessoa daquela.(…)
No caso dos autos, pudemos depararmo-nos com situação em que duas pessoas ligadas por particulares relações interpessoais, discutem, se insultam e agridem, reações resultantes de uma concreta e determinada situação vivencial de tensão e conflito, sendo os seus comportamentos equivalentes do ponto de vista da censurabilidade, não se alcançando qualquer posição de domínio de um sobre o outro, não se identificando, nem distinguindo um como vítima e o outro como agressor.
Seguindo de perto o citado acórdão, é assim primeiro de questionar se será que pode haver crime de violência doméstica quando da factualidade dada como provada, resulta que é este crime cometido por ambos os cônjuges reciprocamente?
E conclui esse Acórdão, poder assentar que, no que concerne ao crime de violência doméstica da previsão do artigo 152.° do Código Penal, este não pode ser cometido com reciprocidade, ou seja, quando, como no presente caso, duas pessoas ligadas por particulares relações interpessoais, discutem, se insultam e agridem, reações resultantes de uma concreta e determinada situação vivencial de tensão e conflito, sendo os seus comportamentos equivalentes do ponto de vista da censurabilidade, não se alcançando qualquer posição de domínio de um sobre o outro, não se identificando, nem distinguindo um como vítima e o outro como agressor.
(…)
Assim à luz do bem jurídico protegido os factos devem apresentar-se perante a vítima como dotados de um especial desvalor (pondo em causa a dignidade da pessoa enquanto tal, nomeadamente pelo desejo de domínio da relação familiar existente), sob pena de não se verificar o ilícito de violência doméstica.
Ora, no caso dos autos, da factualidade dada como provada, ficou demonstrado que as agressões físicas (no caso está imputada apenas a agressão do fato 7 da acusação publica que não se provou), as agressões verbais e as ameaças verbais ou escrita, decorriam num especifico contexto e decorrente de um contexto conjugal anterior e posterior á cessação do casamento, de forma mútua, e não se demonstrou, sobretudo, uma predominância de um dos intervenientes relativamente ao outro. Na verdade, provou-se sem qualquer duvida, estarmos perante atos agressivos recíprocos na mesma ocasião e com igual ou idêntica gravidade, e por serem recíprocos, por estar em confronto com o outro, com igual gravidade, e não se poder, assim, considerar estar a ser afetada a dignidade humana de um perante o outro, ambos capazes e portadores da mesma (in)dignidade, o fundamento do ilícito penal (o bem jurídico) protegido com tal crime não está afetado.
E, por essa via, não vemos que o direito deva nesse confronto proteger qualquer dignidade, não se manifestando por esse comportamento uma qualquer subjugação ou sujeição ou submissão eivada de medo resultado da aflição de um mal.
Na verdade, resulta dos factos provados agressões reciprocas (no caso apenas está imputada a ofensa à integridade física do ponto 7 da acusação publica, que não se provou), pela ofendida, com igual intensidade ofensiva à dos fatos provados contra o arguido, sendo a fundamentação de fato supra, muito expressiva sobre o modo de relacionamento entre o arguido e a ofendida, sem que dai resulte qualquer tentativa de domínio ou de subjugação, ou uma vivencia de medo ou de tensão por parte da assistente.
Face ao supra exposto, as situações provadas que constam dos pontos 1) a 20) dos factos provados, por força dos fatos provados de 21) a 30) não se enquadram na previsão na previsão do artigo 152º do Código Penal, ou seja, no tipo legal de violência doméstica.
É neste sentido, que cremos que os factos não preenchem o ilícito em causa, por não ter sido atingido o bem jurídico lesado, não tendo ocorrido uma relação de domínio ou subjugação e submissão da assistente, suscetível de provocar medo à assistente ou ao arguido, atingindo a dignidade da pessoa humana, de um agente sobre o outro, como aliás salienta o já citado Ac RP 9/01/2013.»
Se considerarmos que já na motivação da matéria de facto se considerava haver reciprocidade de maus tratos e que tendo em conta este entendimento jurídico de que em caso de reciprocidade não havia violência doméstica, ‘lógico’ (apenas na aparência) se tornava que não integrando os factos objetivos qualquer tipo criminoso não teria agido o arguido (entendendo a expressão em bloco) como referido em bb) dos factos provados: «bb) O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.»
Na lógica simplista de que não sendo o comportamento criminoso, não se verificaria necessariamente qualquer dos factos descritos em bb) ou em aa) dos factos não provados.
Como veremos à frente esta visão das coisas está errada, mas tal não impede que a sentença recorrida tenha cumprido com o seu dever de fundamentação da matéria de facto, pelo que ainda que se argumente que não será a melhor das fundamentações, a verdade é que não se verifica a falta total de fundamentação nem se trata de uma fundamentação que não permita perceber a razão pela qual o tribunal deu como provados e não provados os factos em causa.
Assim, não se verifica a referida nulidade.

2.3.2- Impugnação da matéria de facto por erro de julgamento.
A recorrente no seu requerimento de recurso vem dizer que interpõe de recurso da matéria de facto e nas conclusões e na motivação do seu recurso parece querer impugnar a matéria de facto por erro de julgamento, discutindo a apreciação da prova pelo tribunal recorrido.
Nos termos do artigo 428.º, n.º 1 do Código Processo Penal, as Relações conhecem de facto e de direito e de acordo com o artigo 431.º “Sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do n.º 3, do artigo 412.º; ou c) Se tiver havido renovação da prova.”
Por outro lado, dispõe o artigo 412.º, n.º 3 do CPP que “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.”.
E, no seu n.º 4 que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”
A recorrente não cumpriu com estes ónus da impugnação da matéria de facto, designadamente não especificou os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e não indicou especificando relativamente a cada um deles ou grupo deles quais as concretas provas relevantes e o modo como as interpreta.
Como a recorrente não cumpriu com os ónus impostos pelo artigo 412º, mostra-se inviável a reapreciação da matéria de facto nos termos da ‘impugnação ampla’ por erro de julgamento.
Assim, nesta parte da denominada ‘impugnação ampla da matéria de facto’ é manifestamente improcedente o recurso.
Relativamente à matéria de facto restará apreciar os vícios da decisão, em especial, o vício do erro notório da apreciação da prova do artigo 410º, n.º 2 do Código Penal, o que faremos de seguida.

2.3.3- Vícios da decisão - artigo 410º, n.º 2 do CPP.
Entende a recorrente que a sentença padece do vício do erro notório na apreciação da prova - artigo 410º, n.º 2, al. c), do CPP.
Vejamos.
De acordo com o artigo 410º, n.º 2 do CPP, mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova.
O vício que estiver em causa, tal como resulta da norma, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos estranhos à decisão.
O vício do erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, ocorre quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum. Existe erro notório na apreciação da prova quando o tribunal a valoriza contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, dando como provado o que não pode ter acontecido ou como não provado o que terá forçosamente acontecido e aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de pela simples leitura da decisão não passar o erro despercebido ao cidadão comum.
Lida a sentença recorrida, em especial os factos provados e não provados, ressalta logo a uma primeira análise a quantidade de factos objetivos que resultaram provados suscetíveis de integrar vários tipos incriminadores previstos no nosso Código Penal, designadamente, injúrias, ameaças e violência doméstica, neste último caso para quem considerar, como nós, que a reciprocidade de tratamento não exclui a ilicitude do comportamento face ao tipo incriminador da violência doméstica.
Mas, deixando agora de parte a questão da violência doméstica, concentrando-nos apenas nas injúrias e nas ameaças, constatamos o seguinte:
- Relativamente às injúrias, o arguido nas circunstâncias descritas nos factos provados dirigiu à ofendida oralmente ou por mensagens de telemóvel, entre outras as seguintes palavras e expressões: gorda; baleia; não vales merda nenhuma; até o teu cheiro a vaca me incomoda; és uma puta, não vales nada como mulher; devia vir um camião e matar-te; o teu filho vai saber a merda de mãe que tem; as tuas amigas são todas umas putas e vacas como tu; és cão que não conhece o dono; vomita de remorsos sua filha da puta; vergonha de mulher.
- Relativamente às ameaças temos as seguintes condutas e expressões dirigidas à ofendida: Se não fores minha não és de mais ninguém; Prefiro ver-te morta do que com outro homem; devia vir um camião e matar-te, o teu filho vai saber a merda de mãe que que tem; Já te tinha avisado que quando não se tem nada a perder, um homem é capaz de tudo; Não quiseste a bem vai a mal; Até o vídeo porno nosso vai ir parar aos sites porno; E o link será enviado para os teus amigos do Facebook todos; tu tiraste-me tudo… Mas vais pagar por isso, alias já tas a pagar; “Meteste-me no fundo do poço, destruíste a minha vida… Mas eu não vou sozinho isso te garanto”; O arguido dirigiu-se ao carro da ofendida, abriu a porta, colocou a mão no braço esquerdo da ofendida e disse-lhe “Espero que não prestes declarações no dia 18, se prestares já sabes o que te faço e o que tenho lé em cima à tua espera… Tens que tirar a penhora do meu ordenado”. No dia 4 de maio de 2023, pelas 06.55 h., o arguido enviou para o telemóvel da ofendida duas fotografias desta, em nudez integral. No dia 12 de maio de 2023 a ofendida passou pelo arguido e este enviou-lhe um email com a matrícula do veículo em que a mesma circulava, do seu atual companheiro. A última vez que a minha mãe falou em ti foi no hospital a perguntar-me se tu me andavas a tratar bem… Eu menti a ela dizendo que sim, que me tratavas bem… Mas juro-te por ela que nunca terás sossego enquanto eu respirar, só por seres falsa e judas, não tens palavra nem carácter, és um lixo de mulher.
Com estes factos objetivos, os quais integram, pelo menos, os tipos objetivos dos crimes de injúria e ameaça e em nosso ver também, como veremos mais à frente, o tipo objetivo da violência doméstica, não é possível, face à lógica do normal suceder das coisas da vida, dar-se como não provado que «O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.»
Questão diversa é a qualificação jurídica dos factos, nem o arguido tem de ser um especialista em direito penal para saber qual dos exatos crimes cometeu, quantos, se estão em concurso efetivo, aparente ou em continuação criminosa ou quaisquer outras especiais questões jurídicas, mas agora que o elemento subjetivo dos tipos de ilícito em causa tem de estar presente no caso dos autos e nos seus factos provados tem, pois a isso obrigam as regras da experiência ou da normalidade do suceder das coisas da vida que implicam que se retire daqueles factos objetivos a prova do elemento subjetivo.
Este elemento subjetivo, o dolo, como definido no artigo 14º do Código Penal, consiste no conhecimento – elemento intelectual – e vontade – elemento volitivo – do agente em realizar o facto, com consciência da sua censurabilidade – consciência da ilicitude.
Nada temos contra a forma simples, mas usualmente utilizada e que consiste em descrever o elemento subjetivo do crime tal como na expressão «O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.», a qual embora sintética se mostra suficiente para preencher os elementos dos tipos de crime em causa nos autos.
Com efeito e como refere o Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 1/2015 Diário da República, 1.ª série — N.º 18 — 27 de janeiro de 2015, a propósito do elemento subjetivo do crime:
«Tudo isso, que tradicionalmente se engloba nos elementos subjectivos do crime, costuma ser expresso na acusação por uma fórmula em que se imputa ao agente o ter actuado de forma livre (isto é, podendo ele agir de modo diverso, em conformidade com o direito ou o dever-ser jurídico), voluntária ou deliberadamente (querendo a realização do facto), conscientemente (isto é, tendo representado na sua consciência todas as circunstâncias do facto) e sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei (consciência da proibição como sinónimo de consciência da ilicitude).»
De tudo o que dissemos resulta pois que o tribunal ao dar como não provado que «O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.» incorreu em erro notório na apreciação da prova, vício da decisão que importa corrigir, passando a expressão em causa dos factos não provados para os factos provados.
E é certo que tanto bastava para que se tivesse por perfeito o elemento subjetivo dos tipos de crime em causa nos autos, sejam as injúrias, as ameaças ou a violência doméstica. Relativamente às ofensas à integridade física os factos objetivos relativos a estas não resultaram provados pelo que não as mencionamos neste momento.
Mas na acusação e por remissão na pronúncia até se tinha ido mais longe quanto ao elemento subjetivo, não se quedando pela forma tradicional, mas suficiente, de o descrever.
De facto, da acusação/pronúncia por remissão consta ainda o seguinte:
«46. O arguido sabia que ao comportar-se da forma descrita relativamente à ofendida, seu ex-cônjuge e mãe dos seus filhos, a submetia a sofrimento físico, a dores e a lesões corporais, bem como a humilhação e a tratamento degradante e atentatório da sua dignidade e autoestima, e que afetava a sua liberdade, criando nela sentimentos de insegurança, medo e inquietação, fazendo-a recear pela sua vida e integridade física, afetando o seu equilíbrio psicológico e emocional, não se coibindo de assim agir na residência da ofendida, espaço que deveria estar associado a sentimentos de segurança e conforto e na presença dos filhos de ambos, menores de idade, o que quis.»
Cremos que a forma tradicional é suficiente pelo que as achegas constantes deste parágrafo acabam por ser mera especificação ou repetição desnecessária dos factos já descritos ou, ainda, simples acrescento de factos desnecessários já cobertos pela forma tradicional de narração do elemento subjetivo. Tanto mais assim é que nenhum dos tipos de ilícito em causa nos autos impõe quanto ao elemento subjetivo mais do que o dolo genérico.
Mas a verdade é que a amálgama ou mistura de factos objetivos e subjetivos, repetidos, irrelevantes, desnecessários ou meras conclusões constantes do ponto 46 da acusação, essa espécie de narrativa onde consta tudo o que se consiga imaginar possa eventualmente vir a faltar para preenchimento do tipo de ilícito da violência doméstica, passou para os factos não provados da sentença sobre a alínea aa).
Por uma questão de mera cautela em ordem a evitar quaisquer longínquas hipóteses de contradição insanável dos factos, sempre diremos que, obedecendo ao raciocínio que já fizemos a propósito do erro notório quanto ao facto relativo ao elemento subjetivo dos factos não provados constantes da alínea bb), face à lógica do normal suceder das coisas da vida, os fatos objetivos impõem ainda que se considerem provados os seguintes factos: «O arguido sabia que ao comportar-se da forma descrita relativamente à ofendida, seu ex-cônjuge e mãe dos seus filhos, a submetia a humilhação e a tratamento degradante e atentatório da sua dignidade e autoestima, não se coibindo de assim agir na residência da ofendida e na presença dos filhos de ambos, menores de idade, o que quis.»
Nestes termos e ao abrigo do disposto nos artigos 410º, n.º 2, al. c) e 431º, al. a), do CPP modifica-se a matéria de facto dada como provada, acrescentando-se à mesma o seguinte facto:
«O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.»
«O arguido sabia que ao comportar-se da forma descrita relativamente à ofendida, seu ex-cônjuge e mãe dos seus filhos, a submetia a humilhação e a tratamento degradante e atentatório da sua dignidade e autoestima, não se coibindo de assim agir na residência da ofendida e na presença dos filhos de ambos, menores de idade, o que quis.»
Nos factos não provados manter-se-á que «O arguido sabia que ao comportar-se da forma descrita relativamente à ofendida a submetia a sofrimento físico, a dores e a lesões corporais e que afetava a sua liberdade, criando nela sentimentos de insegurança, medo e inquietação, fazendo-a recear pela sua vida e integridade física, afetando o seu equilíbrio psicológico e emocional.»
*

Entretanto e também da mera leitura do texto da sentença recorrida ressaltam dois lapsos de escrita (pontos 21 e 23 dos factos provados), que consistem na aposição da palavra «mãe», quando se quis claramente dizer «ofendida». Esses lapsos são manifestos e evidentes, sendo até percetível o que os provocou: o facto de terem origem no relato da testemunha CC, filho do casal, como se pode ver da motivação de facto a fls. 16, segundo parágrafo da sentença, sendo que os factos 21 e 23 constituem praticamente uma transcrição do relato desse depoimento.
Nos termos do artigo 380.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do Código de Processo Penal cabe proceder de imediato à correção do lapso, determinando-se a substituição nos pontos 21 e 23 da matéria de facto da palavra «mãe» pela palavra «ofendida».

2.3.3- Preenchimento do tipo de ilícito e condenação.
Considerando a matéria de facto provado, olhemos ao direito.
Sob a epígrafe ‘Violência doméstica’, dispõe o artigo 152º, n.º 1 do Código Penal o seguinte:
«1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns:
a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
c) A progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou
d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite;
e) A menor que seja seu descendente ou de uma das pessoas referidas nas alíneas a), b) e c), ainda que com ele não coabite;
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.»

É este o tipo incriminador da violência doméstica e dele, como de todos os tipos incriminadores, deve ser possível extrair «quem pode ser autor do respetivo tipo de crime; qual a conduta em que este se consubstancia; e, na medida do possível, dar indicação, explícita ou implícita, mas sempre clara, do(s) bem(ns) jurídico(s) tutelado(s)[1]»
O bem jurídico no seu núcleo essencial constitui a expressão de um interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção de um certo estado, objeto ou bem em si mesmo socialmente relevante e por isso juridicamente reconhecido como valioso[2].
Embora em qualquer tipo de ilícito objetivo deva ser possível identificar qual o bem jurídico protegido pela incriminação, a verdade é que quanto a esta questão na violência doméstica a doutrina e a jurisprudência têm-se dividido, indo em variadas combinações desde a saúde física e psíquica até à dignidade da pessoa humana, passando pela integridade da pessoa e pelo direito ao livre desenvolvimento da personalidade, ou até pela pluralidade de bens jurídicos[3].
Lendo o artigo 152º, n.º 1 do Código Penal, com a sua referência a maus tratos físicos ou psíquicos, temos um conceito indeterminado que pode incluir uma multiplicidade de comportamentos agressivos, pois que, para além das óbvias ofensas à integridade física, à honra ou as ameaças, há uma quase infinidade de formas de tratar mal o outro física ou psicologicamente. Por isso, o legislador, depois daquela primeira referência a maus tratos físicos ou psíquicos, vai precisando e estendendo o conceito, indicando de modo exemplificativo com «incluindo castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns».
Mas da norma, partindo do conceito indeterminado «maus tratos físicos e psíquicos» e ponderando os exemplos nela dados e ainda a sua posição sistemática, nos crimes contra a pessoa e dentro destes nos crimes contra a integridade física, poderemos afirmar que o bem jurídico protegido no crime de violência doméstica é plural e complexo.
Acresce que se poderá sempre reconduzir o bem jurídico em causa na violência doméstica num degrau mais acima ao direito à integridade pessoal e ao direito de livre desenvolvimento da personalidade, artigos 25º e 26º, n.º1 da Constituição[4].
Com efeito, são uma pluralidade os bens jurídicos protegidos pela violência doméstica, desde a saúde, a integridade física e psíquica, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual, a honra, a privacidade, a paz e o sossego, o direito à palavra e à imagem, o acesso ou fruição do património próprio ou comum, em suma trata-se de proteger reforçadamente uma série de bens jurídicos de natureza pessoal, em contexto de relação de proximidade existencial, seja de natureza familiar ou parafamiliar, de coabitação conjugal ou análoga ou de namoro e mesmo após cessar aquela coabitação ou namoro, ou de coabitação com pessoa particularmente indefesa.
É certo que a maioria das condutas suscetíveis de violar os bens jurídicos indicados já se encontram previstas noutros tipos legais, mas outras há que dificilmente se poderiam considerar típicas face aos outros tipos incriminadores e que vêm cair no tipo de ilícito da violência doméstica, designadamente a chamada microviolência[5] continuada exercida através de repetidos atos de violência física ou psíquica de baixa intensidade.
Assim, comportamentos de microviolência física ou psíquica como empurrões, arrastões, puxões e apertões de braços, insultos, críticas e comentários destrutivos ou vexatórios, sujeição a situações de humilhação, ameaças, privações injustificadas de comida, de medicamentos ou de bens e serviços de primeira necessidade, restrições arbitrárias à entrada e saída da habitação ou de partes da habitação comum, privações da liberdade, perseguições, esperas inopinadas e não consentidas, telefonemas a desoras, etc., em modalidades que poderão não ter relevância típica para outros tipos incriminadores (v.g., ofensa à integridade física, injúria, ameaça, coação, sequestro, perturbação da vida privada) já a poderão ter para ser qualificados como maus tratos físicos ou psíquicos e integrar o tipo incriminador da violência doméstica[6].
E assim é porque, além do mais, o tipo incriminador descrito no artigo 152º, n.º 1 do Código Penal, «inflição de maus tratos físicos ou psíquicos», não exige na sua letra que se verifiquem, efetivamente, lesões da integridade física ou perturbações da saúde psíquica da vítima. Nem exige nem deveria exigir, pois a intenção político- criminal do legislador não poderia ser outra ao deparar-se com a realidade criminológica da violência doméstica, a qual muitas vezes pode começar com pequenas microviolências físicas ou psíquicas, não apreensíveis até por pessoas próximas da vítima, mas que depois acabam em graves ataques à integridade física e psíquica das pessoas, chegando a suceder a morte das vítimas. Face a esta realidade e com aquela letra da lei, conclui-se que o legislador pretendeu antecipar a proteção do bem jurídico plural e complexo - saúde e integridade pessoal em relação de proximidade existencial - dado o perigo para aquele dos comportamentos maltratantes, embora não se tenham comprovado efetivas lesões na integridade física ou psíquica da vítima [7].
Aliás, não obstante o reforço que o legislador tem vindo a fazer da proteção penal nesta matéria, designadamente através da supressão de requisitos suplementares nos elementos objetivo e subjetivo do tipo incriminador e da ampliação das situações compreendidas na relação de proximidade existencial relevante para o tipo, a verdade é que a gravidade e extensão do fenómeno da violência doméstica se mantêm muito elevadas. Para chegar a tal conclusão basta atentar que no nosso país durante o ano de 2023, 17 mulheres, 3 homens e 2 meninas, num total de 22 pessoas, foram assassinadas em contexto de violência doméstica. Maioritariamente, os homicídios ocorreram em situações de conjugalidade ou similar, atual ou pretérita. De entre os fatores de risco presentes em maior número merecem destaque: violência física anterior; escalada de violência; comportamentos de adição (consumos); separação de facto; instabilidade psicológica, medo de morrer e o controlo[8]. Entretanto, no primeiro semestre deste ano de 2024, já morreram vítimas de violência doméstica 10 mulheres e 2 homens[9].
Afinal de contas, lido o tipo incriminador da violência doméstica, o que dá cor ao bem jurídico ou bens jurídicos protegidos pela incriminação do artigo 152º, n.º 1 do Código Penal é a relação de proximidade existencial entre o agressor e a vítima quando se encontrem numa relação familiar ou parafamiliar, de coabitação conjugal ou análoga ou de namoro e mesmo após cessar aquela coabitação ou namoro, ou de coabitação com pessoa particularmente indefesa.[10].
Quando saudável, a relação de proximidade existencial entre pessoas é o campo onde naturalmente imperam a solidariedade, fraternidade, respeito, assistência material e moral, entreajuda, proteção na infância, juventude ou velhice, convivência pacífica, segurança, cooperação na economia doméstica e educação, intimidade pessoal e privacidade, em suma essa relação constitui o meio ideal para o livre desenvolvimento, proteção e realização digna da pessoa.
Já quando a solidariedade, fraternidade, respeito e as demais estruturas de união se degradam e deixam de imperar, a relação de proximidade existencial torna-se em terreno fértil para o abuso, distrate, opressão, privação, agressão, violência, tornando a relação de proximidade existencial numa tormenta muito perigosa que, agravada pela natural privacidade dessas relações, as mais das vezes vai num crescendo, silenciosamente, até atingir situações de grande perigo para a própria existência da pessoa.
Ora, constituindo o meio ideal para o livre desenvolvimento, proteção e realização digna da pessoa, há por isso um interesse individual e da comunidade na manutenção da relação de proximidade existencial sadia, devendo por isso ser juridicamente reconhecida como valiosa.
Essa relação de proximidade existencial impõe ao agressor um especial dever de respeito que ao ser violado importa um desvalor próprio, uma maior danosidade social, que justifica a incriminação autónoma da violência doméstica relativamente a outros tipos incriminadores que com ela concorrem ou com outros comportamentos que até poderiam ser atípicos não fora esta incriminação[11].
Da especial ligação entre o bem jurídico e a relação de proximidade existencial resulta que de cada vez que nessas condições de proximidade existencial se mostre preenchido um tipo incriminador do Código Penal relacionado com a saúde e integridade pessoal, nomeadamente as ofensas à integridade física, injúrias, sequestro ou ameaças, forçosamente preenchido estará também o tipo de ilícito da violência doméstica.
Com efeito, delimitado o bem jurídico complexo ou pluralidade de bens jurídicos unidos pela relação de proximidade existencial e protegidos pela incriminação, compreende-se a razão pela qual não se exige no tipo incriminador nem uma gravidade acrescida das agressões ao bem jurídico relativamente à já prevista noutros tipos incriminadores, gravidade essa que adviria da reiteração ou especial intensidade da conduta ou da superioridade do agressor, do domínio sobre a vítima ou da crueldade, malvadez ou egoísmo. Nem tão pouco se prevê ou admite que a reciprocidade da conduta maltratante seja causa excludente de preenchimento do tipo incriminador. Quanto a esta última questão da reciprocidade, parece-nos evidente que o facto de o agressor de violência doméstica ser também vítima de violência doméstica não anula o seu comportamento criminoso, o que faz é com que existam dois comportamentos criminosos recíprocos puníveis, com eventuais repercussões em matéria de medida da pena. Finalmente, não se torna necessário que os maus-tratos físicos ou psicológicos sejam reveladores de um tratamento insensível ou degradante da condição humana da sua vítima, sendo certo que normalmente serão, mas poderão nem sempre ser[12].
É a relação de proximidade existencial e o especial dever de respeito dela emergente que faz com que as condutas que constituam ofensa a algum desses bens jurídicos por ela unidos preencham o tipo incriminador da violência doméstica, haja ou não reciprocidade, ou relação de dominação e sem que se exija uma especial intenção, intensidade ou reiteração.
Assim, as condutas previstas e punidas por este artigo podem ser de várias espécies: maus tratos físicos, ou seja, ofensas à integridade física, maus tratos psicológicos, isto é, humilhações, provocações, privações da liberdade, molestações, ameaças, insultos, tratamento cruel, devassa da vida privada, privação de acesso a divisões da casa de morada ou de acesso aos bens próprios ou comuns, etc.
Como elemento subjetivo exige-se o dolo genérico, sob qualquer das formas previstas no artigo 14º do Código Penal.
Não são exigíeis quaisquer elementos adicionais[13], nomeadamente o objetivo ou intenção de exercer domínio sobre a vítima, ou de achincalhar, ou de degradar a pessoa ou a sua dignidade, esses sucedâneos disfarçados da antiga malvadez ou egoísmo consagrados no tipo incriminador do artigo 153º do Código Penal de 1982[14], abandonados pelo legislador em 1995 por força de uma nova tomada de consciência da gravidade e extensão do fenómeno da violência doméstica e da necessidade de reforço efetivo da sua prevenção.
Resulta dos factos provados, em suma e na parte que agora interessa analisar, que o arguido foi casado com a ofendida e que depois de se divorciarem o arguido desde o ano de 2020, de modo frequente e reiterado, no interior da residência comum, na presença dos filhos de ambos, dirigiu à ofendida as expressões “gorda”, “baleia” e “Não vales merda nenhuma”, “Se não fores minha não és de mais ninguém”, “Prefiro ver-te morta do que com outro homem”, “Até o teu cheiro a vaca me incomoda”. E nos anos de 2020 e 20223, nas circunstâncias ali descritas, enviou dezenas de mensagens de telemóvel à ofendida dirigindo-lhe, entre outras as seguintes palavras e expressões: gorda; baleia; não vales merda nenhuma; até o teu cheiro a vaca me incomoda; és uma puta, não vales nada como mulher; devia vir um camião e matar-; o teu filho vai saber a merda de mãe que tem; as tuas amigas são todas umas putas e vacas como tu; és cão que não conhece o dono; vomita de remorsos sua filha da puta; vergonha de mulher. Além dessas mensagens ainda dirigiu as seguintes expressões à ofendida: Se não fores minha não és de mais ninguém; Prefiro ver-te morta do que com outro homem; devia vir um camião e matar-te, o teu filho vai saber a merda de mãe que que tem; Já te tinha avisado que quando não se tem nada a perder, um homem é capaz de tudo; Não quiseste a bem vai a mal; Até o vídeo porno nosso vai ir parar aos sites porno; E o link será enviado para os teus amigos do Facebook todos; tu tiraste-me tudo… Mas vais pagar por isso, alias já tas a pagar; “Meteste-me no fundo do poço, destruíste a minha vida… Mas eu não vou sozinho isso te garanto”. Mais resultou provado que: o arguido dirigiu-se ao carro da ofendida, abriu a porta, colocou a mão no braço esquerdo da ofendida e disse-lhe “Espero que não prestes declarações no dia 18, se prestares já sabes o que te faço e o que tenho lé em cima à tua espera… Tens que tirar a penhora do meu ordenado”. Além disso, no dia 4 de maio de 2023, pelas 06.55 h., o arguido enviou para o telemóvel da ofendida duas fotografias desta, em nudez integral. No dia 12 de maio de 2023 a ofendida passou pelo arguido e este enviou-lhe um email com a matrícula do veículo em que a mesma circulava, do seu atual companheiro. E depois num email: «A última vez que a minha mãe falou em ti foi no hospital a perguntar-me se tu me andavas a tratar bem… Eu menti a ela dizendo que sim, que me tratavas bem… Mas juro-te por ela que nunca terás sossego enquanto eu respirar, só por seres falsa e judas, não tens palavra nem carácter, és um lixo de mulher.»
Ora, tais comportamentos do arguido para com a sua ex-mulher, insultando-a dezenas de vezes e ameaçando-a velada ou expressamente na sua integridade física e vida, bem como de devassa da intimidade, constituem um comportamento psiquicamente maltratante, molestador que preenche o tipo objetivo da violência doméstica, sendo irrelevante que a ofendida tenha tido para com o arguido tratamento de igual ou próxima natureza, insultando-o e agredindo-o fisicamente com chutos, como consta dos factos provados.
E mais resulta dos factos provados o elemento subjetivo do tipo de ilícito em causa, pois que o resultou provado que o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
Tudo visto, o arguido cometeu o crime de violência doméstica na forma agravada pela qual vinha acusado (artigo 152º, nº1, alíneas a) e c) e n° 2 al a), 4, 5, e 6 do Código Penal) dado que parte dos comportamentos foram na presença de menores e no domicílio comum.
Resumindo:
O que dá cor ao bem jurídico ou bens jurídicos protegidos pela incriminação do artigo 152º, n.º 1 do Código Penal é a relação de proximidade existencial entre o agressor e a vítima.
Constituindo a relação de proximidade existencial sadia o meio ideal para o livre desenvolvimento, proteção e realização digna da pessoa, existe um interesse individual e da comunidade na sua manutenção, sendo juridicamente reconhecida como valiosa e protegida.
Essa relação de proximidade existencial impõe ao agressor um especial dever de respeito que ao ser violado importa um desvalor próprio, uma maior danosidade social, que justifica a incriminação autónoma da violência doméstica relativamente a outros tipos incriminadores que com ela concorrem ou com outros comportamentos que até poderiam ser atípicos não fora esta incriminação.
De cada vez que nessas condições de proximidade existencial se mostre preenchido um tipo incriminador do Código Penal relacionado com a saúde e integridade pessoal, nomeadamente as ofensas à integridade física, injúrias, sequestro ou ameaças, forçosamente preenchido estará também o tipo de ilícito da violência doméstica.
Assim, comete o crime de violência doméstica quem como o arguido que, tendo sido casado com a ofendida, já depois de divorciado, lhe dirige oralmente ou por mensagens expressões injuriosas e ameaçadoras, agindo livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal, sendo irrelevante para a exclusão da ilicitude ou culpa a reciprocidade de condutas, ou seja que a ofendida tenha tido para com o arguido tratamento de igual ou próxima natureza, insultando-o e agredindo-o fisicamente com chutos, como consta dos factos provados.
Face ao exposto a decisão de absolvição recorrida terá de ser revogada e o arguido ser condenado pelo crime de violência doméstica na forma agravada pela qual vinha acusado previsto no artigo 152º, nº1, alíneas a) e c) e n° 2 al a), 4, 5, e 6 do Código Penal.
Nestas circunstâncias, cabe a este Tribunal da Relação proceder à determinação das consequências do crime, pois conforme jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão n.º 4/2016, Diário da República, 1.ª série — N.º 36 — 22 de fevereiro de 2016, p. 532:
«Em julgamento de recurso interposto de decisão absolutória da 1.ª instância, se a relação concluir pela condenação do arguido deve proceder à determinação da espécie e medida da pena, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 374.º, n.º 3, al. b), 368.º, 369.º, 371.º, 379.º, n.º 1, als. a) e c), primeiro segmento, 424.º, n.º 2, e 425.º, n.º 4, todos do CPP.»

2.3.3.1- Determinação da pena.
A determinação da pena (em sentido amplo) comporta três operações distintas: a determinação da moldura da pena (pena aplicável); a determinação concreta da pena (pena aplicada); e a escolha da pena, operação eventual que pode ocorrer logo na determinação da pena aplicável no caso de estar prevista no tipo legal de crime a pena de multa alternativa[15] ou posteriormente depois de fixada a pena principal, sendo que até pode ocorrer duas vezes, desde logo na escolha da pena principal (opção pela prisão) e depois na opção pela pena de substituição da principal (opção pela multa de substituição).
O crime de violência doméstica agravado – artigo 152º, n. 2 do CP - é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.
Nos termos do artigo 40º, nº 1 do Código Penal a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Por sua vez, dispõe o nº 2 do mesmo artigo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Prevenção e culpa são, portanto, os critérios gerais a atender na fixação da medida da pena, refletindo a primeira a necessidade comunitária da punição do caso concreto e constituindo a segunda, dirigida ao agente do crime, o limite às exigências de prevenção e portanto, o limite máximo da pena.
Quanto à medida concreta da pena, cabe referir que esta apura-se de acordo com o preceituado no artigo 71º, ou seja:
“... em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, atendendo “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele”.
Resulta deste preceito que são as exigências de prevenção geral que hão de definir a chamada moldura da prevenção, em que o limite máximo da pena corresponderá à medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena se deve propor alcançar e o limite inferior será aquele que define o limiar mínimo de defesa do ordenamento jurídico, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa aquela sua função tutelar.
Dentro dessa moldura da prevenção geral, cabe à prevenção especial determinar a medida concreta.
Essa determinação em função da satisfação das exigências de prevenção obriga à valoração de circunstâncias atinentes ao facto (modo de execução, grau de ilicitude, gravidade das suas consequências, grau de violação dos deveres impostos ao agente, conduta do agente anterior e posterior ao facto, etc.) e alheias ao facto, mas relativas à personalidade do agente (manifestada no facto), nomeadamente as suas condições económicas e sociais, a sensibilidade à pena e suscetibilidade de ser por ela influenciado, etc.
Vejamos então, face aos factos provados.
Tendo em conta os critérios de determinação da pena acima enunciados, é de referir desde logo o grau de ilicitude dos factos, considerando o tipo de ilícito cometido, vistos os maus tratos cometidos, na sua essência dezenas de injúrias e várias ameaças veladas ou expressas relativas à integridade física e vida, bem como de devassa da intimidade. Se somarmos a persistência e reiteração e o período de tempo significativo por que durou a execução do crime teríamos a uma primeira aproximação um grau de ilícito já com uma gravidade elevada. Só que face a uma segunda abordagem a ilicitude poderia baixar um tanto dada a reciprocidade de tratamento a que o arguido foi sujeito, sendo também ele vítima de violência doméstica tendo como agressor a ofendida que ateava as discussões e insultava o arguido e o agredia fisicamente com chutos, como consta dos factos provados. E quanto aos insultos que resultaram provados a quantidade e qualidade dos insultos proferidos pela assistente não estarão a um nível ofensivo da honra muito diverso dos proferidos pelo ofendido. Não afastando a possibilidade de a ilicitude e eventualmente a culpa do arguido poder baixar um pouco por força da reciprocidade de tratamento, a verdade é que há um pormenor na atuação do arguido que não deixa a ilicitude baixar para além da mediania: as ameaças expressas ou veladas que não foram poucas e, em especial, as ameaças de morte. As ameaças de morte na violência doméstica aumentam sempre a ilicitude da conduta e as exigências de prevenção geral e especial, pelo que a ilicitude se manterá na mediania, não baixando muito ainda que se verifique nos autos uma situação complexa de agressor/vítima versus vítima/agressor.
A culpa do arguido, não obstante a reciprocidade, dada a reiteração e prolongamento dos maus tratos mostra-se mediana.
As necessidades de prevenção geral na violência doméstica são por regra elevadas ainda que num caso de intensidade média como o dos autos, dada a aparente insuficiência das medidas preventivas e repressivas que o legislador vem tomando contra o fenómeno da violência doméstica, o qual, não obstante, não parece diminuir significativamente.
As necessidades de prevenção especial, dada a reiteração dos atos, mostram-se por um lado exigentes, mas por outro atenuar-se-ão um pouco, atendendo à inexistência de antecedentes criminais, à integração laboral, ter o filho a cargo, residindo ambos numa casa arrendada.
Tudo visto, consideramos que, para cumprir as exigências de prevenção geral positiva e de prevenção especial de ressocialização, a pena de 2 anos e 2 meses de prisão, situada no terço inferior e próxima do mínimo da moldura abstrata, se mostra adequada e proporcionada, não ferindo os princípios constitucionais da culpa, da igualdade, da necessidade e da proporcionalidade.

2.3.3.2- Da substituição da pena de prisão.
Dada a medida da pena fixada haverá de se ponderar a possibilidade da substituição por pena não detentiva.
Resulta dos artigos 70º, 50º, n.º 1, 58º, n.º1, 60º, n.º 2 e, também, do artigo 45º, todos do Código Penal, que o legislador estabeleceu um critério geral de escolha da pena: o tribunal dá preferência à pena não privativa da liberdade, sempre que, verificados os respetivos pressupostos formais de aplicação, ela realize de forma adequada e suficientes as finalidades da punição – finalidades de prevenção geral positiva e especial de socialização[16].
Entremos no campo das penas de substituição da pena de prisão.
Retira-se do artigo 50º do Código Penal que é pressuposto de aplicação da suspensão da execução da pena de prisão que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao momento da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição.
Considerando o já exposto em relação ao arguido, designadamente a inexistência de condenações anteriores, a integração laboral, a situação familiar, cuidando do seu filho, afigura-se que a pena aplicada poderá ser suspensa na sua execução pelo período de três anos, ao abrigo do disposto no artigo 50º, por se afigurar que a simples censura do facto e ameaça da sanção, desde que acompanhadas de deveres ou regras de conduta – nos termos do artigo 52º do CP e artigo 34.º-B da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro – direcionados ao corte de contatos com a ofendida e à frequência de formação com vista a promover a consciência do comportamento violento e a utilização de estratégias alternativas ao mesmo, de modo a procurar evitar a reincidência, realizam de forma adequada as finalidades preventivas presentes no caso.
Tais deveres ou regras de conduta consistirão na obrigação de o arguido não contatar por qualquer modo a assistente e de frequência do Programa para Agressores de Violência Doméstica -PAVD, com a duração mínima de 18 meses, dinamizado pela DGRSP.
Afigura-se adequado às exigências de prevenção especial do caso, incluindo a eficácia dos deveres fixados, a fixação do prazo da suspensão por um período de três anos.
Uma vez que se fixaram estes deveres e regras de conduta, afigura-se, dadas as consequências do seu incumprimento culposo, ser desnecessária a fixação das correspondentes penas acessórias, pois que enquanto a não observância das penas acessórias tem como consequência para o arguido apenas a possibilidade de vir a responder noutro processo penal pelo crime de violação de proibições ou interdições, é inegável que a suspensão da execução da pena, subordinada à condição de proibição de contactar com a vítima e com obrigação de frequência do programa de prevenção de violência doméstica dá maiores garantias de cumprimento, atentas as consequências da sua violação, que se podem traduzir na revogação da suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado[17].

2.3.3.3- Da indemnização.
O Ministério Público, conjuntamente com a acusação, ao abrigo do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal e do artigo 21.º, n.º s 1 e 2, da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, requereu, colmatando a eventualidade de não ser deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72.º e 77.º, a atribuição à vítima de uma quantia não inferior a € 3.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Posteriormente, a ofendida, constituída assistente deduziu pedido de indemnização civil pedindo a condenação do requerido a pagar-lhe uma indemnização na quantia a fixar pelo Tribunal, mas, que, se cifra em pelo menos no montante de 5.000,00 € (cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais sofridos, valor este acrescido de juros de mora desde a notificação deste requerimento até o fiel e integral pagamento.
Entretanto, no recurso a recorrente nada diz sobre a indemnização civil, limitando-se a dizer na conclusão XXIX que «… deverá a sentença proferida ser revogada e substituída por outra que condene o arguido nos precisos termos em que vinha acusado», sendo que após as conclusões no pedido do recurso refere que «… deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, ser alterada a decisão recorrida, substituindo-a por outra que contemple as conclusões atrás aduzidas, tudo com as legais consequências
Da conjugação destes dois elementos da peça recursiva com o disposto no artigo 21º, nº 1 e 2 da Lei nº 112/2009, de 16 de setembro, que dispõe que «1. À vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão de indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável. 2 - Para efeito da presente lei, há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal,
exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser, terá de se retirar que importa analisar a questão da indemnização civil, face à decisão condenatória penal.
O artigo 129º do Código Penal manda regular pela lei civil a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime.
O arguido ao cometer o facto ilícito penal incorreu também num ilícito civil, mostrando-se preenchidos os requisitos de o artigo 483º do Código Civil faz nascer o dever de reparação resultante da responsabilidade civil por factos ilícitos: -prática dum facto humano qualificado como ilícito; -imputável a conduta censurável do agente (culpa); -o qual deu origem a um prejuízo ou dano; -havendo entre aquele facto e este dano o correspondente nexo de causalidade.
Não obstante o facto ilícito e culposo só determina a responsabilidade civil desde que cause um dano indemnizável a terceiro.
A nossa lei atende aos danos não patrimoniais ou morais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (artigo 496º, cnº1 do Código Civil).
O artigo 496º, nº3 do Código Civil manda que os danos morais sejam indemnizados por montante a fixar equitativamente pelo Tribunal.
As ofensas à honra, os vexames, as molestações, perturbações, as ameaças, a humilhação, infligidos pelo arguido e sofridos pela ofendida, tal como resultam dos factos provados, são um dano não patrimonial de gravidade inegável para que se considere merecer a tutela do direito.
Só que é preciso não esquecer que o comportamento da vítima para com o arguido era de igual ou semelhante natureza ou gravidade ao por si sofrido, pois a assistente, como consta dos factos provados, ateava as discussões e insultava o arguido e agredia-o fisicamente com chutos. Ou seja, o comportamento recíproco da assistente sobre o arguido, o maltratar deste que consta dos factos provados também preenche o tipo objetivo da violência doméstica.
Ora, os danos que resultaram sofridos pela ofendida não devem ser indemnizados por força do disposto no artigo 570º do Código Civil que neste caso, dada a reciprocidade e natureza dos comportamentos eticamente censuráveis levados a cabo por ambas as partes, impõe, como única solução justa, a exclusão da indemnização.
Ainda que assim se não entendesse, sempre se diria que os danos morais que a assistente sofreu não devem ser indemnizados, desde logo porque a equidade, aplicável por força do disposto no artigo 496º, n.º 3 do Código Civil, imporia no caso, dada a situação de «compensação» de danos morais entre o arguido e assistente que são ao mesmo tempo agressores e vítimas que o montante indemnizatório fosse reduzido a zero.
Assim, a pretensão de fixação de indemnização é totalmente improcedente, confirmando-se nesta parte a decisão recorrida.

*

3- DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em conceder parcial provimento ao recurso e em consequência:
a) Declaram a verificação do vício do artigo 410.º, n.º 2, al. c), do CPP e procedem à sua sanação, alterando a matéria de facto nos termos referidos em 2.3.2.
b) Nos termos do artigo 380.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, do Código de Processo Penal procedem à correção do lapso nos termos referidos em 2.3.2.
c) Condenam o arguido AA, pelo cometimento de um crime de violência doméstica agravada, previsto e punido pelo artigo 152º, nº1, alíneas a) e c) e n° 2 al a), 4, 5, e 6 do Código Penal, na pena de dois anos e dois meses de prisão.
d) Ao abrigo do disposto nos artigos 50º e 52º do Código Penal suspendem a execução da pena de prisão pelo período de três anos, ficando o arguido sujeito à obrigação de não contactar a ofendida e de frequentar o Programa para Agressores de Violência Doméstica -PAVD, com a duração mínima de 18 meses, dinamizado pela DGRSP.
e) No mais, confirmam a decisão recorrida.
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Sem custas - artigo 513º do CPP.
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Notifique.



Porto, 18 de setembro de 2024

William Themudo Gilman

Maria Dolores Silva e Sousa (com declaração de voto): «Declaração de voto. Concordo com o acórdão, mas teria expurgado a matéria de facto provada dos pontos 21 e 23 através da mesma decisão que deu como provado o elemento subjetivo.
Pois, entendo que os factos 21 e 23 colidem com aquele elemento subjetivo provado nesta instância através de decisão proferida no âmbito do erro notória na apreciação da prova.
No restante concordo com o decidido.].

Liliana de Páris Dias

_______________________
[1] Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, Coimbra 2007, p. 295.
[2] Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, Coimbra 2007, p. 114 e 308.
[3] Cfr. sobre as várias conceções do bem jurídico protegido na violência doméstica: Noélia Filipa Lima Pinto,
Violência Doméstica: A emergência de um novo bem  jurídico ou a reconfiguração dos
tradicionalmente consagrados? Coimbra, 2023, p. 43-59,   https://estudogeral.uc.pt/retrieve/258994/VD%20-%20A%20emerg%C3%AAncia%20de%20um%20novo%20bem%20jur%C3%ADdico%20ou%20a%20recondifura%C3%A7%C3%A3o%20dos%20tradicionalmente%20consagrados%3F.pdf ; bem como Susana Figueiredo, in AAVV,  Violência Doméstica – implicações sociológicas, psicológicas e jurídicas do fenómeno, CEJ e-book p. 99-134, https://gfcj.ministeriopublico.pt/pagina/violencia-domestica-implicacoes-sociologicas-psicologicas-e-juridicas-do-fenomeno-e-book
[4] Cfr. sobre estes direitos fundamentais, André Lamas Leite, A Violência Relacional Íntima: reflexões cruzadas entre o direito penal e a criminologia, in Julgar, n.º 12, 2010, p. 49-50, https://julgar.pt/wp-content/uploads/2010/09/025-066-Viol%C3%AAncia-relacional-%C3%ADntima.pdf .
[5] Cfr. sobre a microviolência, Nuno Brandão, A Tutela Penal Especial Reforçada da Violência Doméstica, in Julgar, n.º 12, 2010, p. 15,  https://julgar.pt/wp-content/uploads/2015/10/009-024-Tutela-especial-VD.pdf .
[6] Sobre este tipo de comportamentos cfr. de novo Nuno Brandão, A Tutela Penal Especial Reforçada da Violência Doméstica, in Julgar, n.º 12, 2010, p. 12-13,  https://julgar.pt/wp-content/uploads/2015/10/009-024-Tutela-especial-VD.pdf .
[7] Sobre esta antecipação da proteção cfr. de novo Nuno Brandão, A Tutela Penal Especial Reforçada da Violência Doméstica, in Julgar, n.º 12, 2010, p. 10-12,  https://julgar.pt/wp-content/uploads/2015/10/009-024-Tutela-especial-VD.pdf  .
[8] Segundo dados divulgados pela Procuradoria-Geral da República, in  https://www.cig.gov.pt/2024/03/2023-22-pessoas-foram-assassinadas-em-contexto-de-violencia-domestica/#:~:text=Durante%20o%20ano%20de%202023,Geral%20da%20Rep%C3%BAblica%20(PGR).
[9] Segundo dados da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG), in  https://www.cig.gov.pt/2024/08/dados-oficiais-relativos-a-violencia-domestica-em-portugal-2o-trimestre-de-2024/ .
[10] Cfr. Ana Rita Alfaiate, A necessária (re)definição do bem jurídico protegido no tipo de crime de violência doméstica, in Comemorações dos 40 anos do Código Penal, Congresso Internacional, Coimbra, Ebook, p. 47-53,  https://www.fd.uc.pt/40anoscodigopenal/wp-content/uploads/2022/12/ebook_40anos.pdf
[11] Cfr. de novo Ana Rita Alfaiate, A necessária (…), p.52; Cfr. de novo Noélia Filipa Lima Pinto,
Violência Doméstica: (…), p. 62.
[12] Quanto a esta não exigência de revelação de tratamento insensível ou degradante da condição humana da sua vítima, o relator do presente acórdão muda posição anteriormente tomada em que entendia ser exigível tal revelação.
[13] Cfr. Maria Elisabete Ferreira, Crítica ao pseudo pressuposto da intensidade no
tipo legal de violência doméstica, Julgar online, maio de 2017, p. 13, in https://julgar.pt/wp-content/uploads/2017/05/20170531-ARTIGO-JULGAR-Cr%C3%ADtica-ao-pressuposto-da-intensidade-no-tipo-legal-de-viol%C3%AAncia-dom%C3%A9stica-Maria-Elisabete-Ferreira.pdf ; bem como Alexandre Oliveira, Susana Figueiredo, in AAVV,  Violência Doméstica – implicações sociológicas, psicológicas e jurídicas do fenómeno, CEJ e-book p. p.128, https://www.fd.uc.pt/40anoscodigopenal/wp-content/uploads/2022/12/ebook_40anos.pdf .
[14] ARTIGO 153.º
(Maus tratos ou sobrecarga de menores e de subordinados ou entre cônjuges)
1 - O pai, mãe ou tutor de menor de 16 anos ou todo aquele que o tenha a seu cuidado ou à sua guarda ou a quem caiba a responsabilidade da sua direcção ou educação será punido com prisão de 6 meses a 3 anos e multa até 100 dias quando, devido a malvadez ou egoísmo:
a) Lhe infligir maus tratos físicos, o tratar cruelmente ou não lhe prestar os cuidados ou assistência à saúde que os deveres decorrentes das suas funções lhe impõem; ou
b) (…)
3 - Da mesma forma será ainda punido quem infligir ao seu cônjuge o tratamento descrito na alínea a) do n.º 1 deste artigo.
[15] Cfr. Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2022, 2ª edição, p.49.
[16] Cfr. neste sentido: Jorge de Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, p. 331; Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, Coimbra, 2022, p. 92.
[17] Cfr. sobre esta questão, A violência doméstica e as penas acessórias,
Cristina Augusta Teixeira Cardoso, p.39,  https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/9686/1/9686.pdf .