PROCESSO EXECUTIVO
VENDA EXECUTIVA
LEILÃO
PORTARIA
Sumário

I - A Portaria o nº 282/2013, de 29/8 diferiu para momento ulterior a definição da entidade gestora da plataforma electrónica para realização dos leilões – que, nos termos do despacho nº 12624/2015, de 9/11 foi a Câmara dos Solicitadores – bem como a homologação das regras desse sistema informático, homologação esta que ocorreu por via desse mesmo despacho.
II - Tais regras só podem ser as relativas ao específico funcionamento da plataforma electrónica, pois que não cabe nem à Câmara dos Solicitadores, nem a um membro do governo, por mero despacho, definir regras de que resulte a concessão ou a restrição de quaisquer direitos dos utilizadores do sistema, maxime aqueles que estejam definidos por leis, decretos-lei ou, no limite, por portarias.
III - Não estabelece um tal despacho ministerial um regime processual específico para a conclusão do negócio de venda em leilão electrónico nos termos do qual o agente de execução ou o administrador de insolvência, podem decidir se aceitam ou não propostas validamente apresentadas na plataforma.
IV - De forma alguma se admite, no nº 10 do art. 8º do Anexo ao referido Despacho, a abertura de um prazo para, através de uma solução em muito semelhante à da negociação por negociação particular, se abrir, após a certificação do encerramento do leilão electrónico, um prazo para o oferecimento de propostas de valor superior àquela que foi obtida no leilão electrónico, que havia sido a modalidade escolhida para a venda.

Texto Integral

PROC. Nº 1844/22.8T8AMT-E.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este
Juízo de Comércio de Amarante -- Juiz 3

REL. N.º 897
Juiz Desembargador Relator: Rui Moreira
1º Adjunto: Juiz Desembargador: Artur Dionísio do Vale dos Santos Oliveira
2º Adjunto: Juíza Desembargadora: Maria da Luz Teles Meneses de Seabra

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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

1 – RELATÓRIO (onde se reproduz o relatório do despacho recorrido, por esclarecedor)
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“Nos autos de insolvência de «A...» foi apreendido o imóvel (Lote ...) descrito na CRP de Felgueiras sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o artigo ... (...).
Foi informado pelo AI que, atenta a situação jurídica do imóvel (sem licença e sem constituição de PH), deveria ser vendido como um todo, indicando o valor de €612.000,00.
Foi tal bem submetido a leilão eletrónico tendo sido anunciado o valor mínimo de €520.200,00 (req. 07/03/2024).
Nessa sede, foi apresentada proposta pelo indicado valor mínimo por AA, constando como representado “B..., Lda.”.
Por despacho de 11/03/2024 determinou-se que se aguardasse a formalização da venda.
(…)
Em requerimento de 19/03/2024, expôs o AI que, por erro, não foi aceite a licitação obtida por não ser superior ao montante mínimo apenas o igualando, tendo recebido, já após o encerramento do leilão duas propostas por valor superior, declarando que “deve ter-se por consumado o leilão” pondo à consideração do Tribunal tal circunstância.
Em requerimento de 21/03/2024, apresentou-se «C...», credora com garantia real, a expor que, no interesse dos credores da m.i., a venda deve ser efetuada pela melhor oferta possível, no caso, pela aquela que foi apresentada no montante de €550.000,00 pelo proponente D..., Lda. sem prejuízo de dar a possibilidade aos proponentes interessados de apresentarem a sua melhor proposta, e no caso de ser superior, concluir a liquidação pelo valor maior alcançado.
Termina dizendo que o requerimento apresentado pelos credores acima assinalados não dever ter acolhimento, já que os potenciais credores se devem inteirar das especificidades do bem.
Por requerimento de 27/03/2024, apresentaram AA e B..., LDA. sublinhando que a sua proposta foi a única proposta apresentada em leilão, pelo valor mínimo admissível, no momento do seu encerramento, dia 05/03/2024, às 10h32m, devendo a mesma ser aceite e o imóvel adjudicado em conformidade, não devendo ser aceite a proposta apresentada já depois de encerrado o leilão, ainda que por valor superior, nos termos propostos pela credora garantida «C...», porquanto, ouvida quanto à modalidade de venda e valor do bem nada opôs que a liquidação assim seguisse os seus termos nem apresentou proposta antes do encerramento do leilão por valor superior, não tendo existindo nem tendo sido, no momento próprio, invocada qualquer irregularidade.
(…)
Por fim, em requerimento apresentado pelo AI foi junto o email de 13/03/2024 enviado ao proponente informando que a proposta apresentada, dada a conhecer à credora garantida por hipoteca sobre o prédio para se pronunciar não foi aceite.”
Concluiu o tribunal que “(…) se é assim no âmbito da venda a que se alude no art. 821.º do CPC referente à deliberação das propostas em carta fechada ou depois de efetuada a licitação ou sorteio a que houver lugar, regime este para que remete a venda em leilão eletrónico, temos de concluir que, apesar de se ter apresentado uma única proposta até ao encerramento do leilão, a cuja aceitação se opôs o credor hipotecário, não se pode a mesma ter por aceite, nem pode o AE/AI ou Juiz sobrepor-se à vontade soberana dos credores e tê-la como aceite, ainda que, no caso, seja apenas um único credor a manifestar-se nesse sentido, pois que mais nenhum apresentou posição contrária.
(…)
Assim dito, e regressando aos requerimentos apresentados pelo AI, credor hipotecário e licitante, considerando o exposto tem-se por não aceite a proposta apresentada em leilão eletrónico efetuado, improcedendo o pedido pelo licitante AA e B..., Lda.”
É desta decisão que vem interposto recurso, pelos autores da proposta recusada, AA e B..., LDA, que o terminam formulando as seguintes conclusões:
I. De acordo com o artigo 164.º do CIRE o credor com garantia real sobre o bem é sempre ouvido sobre a modalidade da alienação e informado sobre o valor base fixado ou do preço da alienação projetada e entidade determinada.
II. Uma das modalidades de venda é a realizada através do leilão eletrónico regulada pelo artigo 837.º do CPC e pela Portaria 282/2013, de 29/08.
III. Nos termos de tal Portaria, de acordo com a alínea h) do n.º 1 do seu artigo 2.º é considerada licitação válida e legalmente admissível “a proposta apresentada por um utente, por si ou em representação de terceiro, para um determinado bem ou conjunto de bens que integram um lote, de valor igual ou superior a 85/prct. do valor base.”
IV. Assim, no presente caso tendo o Exmo. Administrador de Insolvência acordado com o credor hipotecário a venda do prédio (…) em leilão eletrónico onde anunciaram um valor mínimo de € 520.200,00 (quinhentos e vinte mil e duzentos euros).
V. A licitação apresentada pelos ora Recorrentes no valor de € 520.200,00 (quinhentos e vinte mil e duzentos euros) terá de ser obrigatoriamente aceite pelo Exmo. Sr. Administrador de Insolvência porquanto respeita tudo o quanto legalmente estipulado.
Mais,
VI. Numa perspetiva de facultar ao credor garantido a possibilidade de aquisição do bem a alienar, o n.º 3 do artigo 164.º do CIRE atribui àquele a possibilidade de propor, ao administrador de insolvência, a aquisição do bem no prazo de uma semana, ou em tempo útil, após a sua audição sobre a modalidade de alienação.
VII. Por tempo útil aqui entende-se até ao encerramento do leilão eletrónico com licitação válida para efeitos de adjudicação.
VIII. Assim, no presente caso, não tendo sido apresentada qualquer proposta por parte do credor garantido quando para isso estava legalmente habilitado, não poderá ser de admitir-se uma proposta após o encerramento do leilão eletrónico.
IX. Entender-se o contrário, seria inutilizar o disposto no n.º 3 do artigo 164.º do CIRE.
Contudo, noutro sentido,
X. Sempre decorreria do artigo 821.º do Código de Processo Civil que, “1 - Imediatamente após a abertura ou depois de efetuada a licitação ou o sorteio a que houver lugar, são as propostas apreciadas pelo executado, exequente e credores que hajam comparecido; se nenhum estiver presente, considera-se aceite a proposta de maior preço, sem prejuízo do disposto no n.º 3.
XI. Tendo, no presente caso, o Administrador de Insolvência e o credor garantido acordado que a modalidade de venda a praticar seria o leilão eletrónico e o valor mínimo do bem seria € 520.200,00 (quinhentos e vinte mil e duzentos euros).
XII. Ter-nos-emos de nos socorrer do disposto no artigo 22.º da Portaria 282/2013, de 29 de agosto que define que “O dia e a hora de abertura e de termo de cada leilão eletrónico são estabelecidos pela entidade gestora da plataforma eletrónica, sendo tais prazos divulgados na mencionada plataforma eletrónica, pelo menos, com cinco dias de antecedência face ao seu início”.
XIII. E do seu artigo 24.º que define que o resultado do leilão eletrónico é disponibilizado no sítio da Internet sendo o seu acesso público.
XIV. Assim, na posse de tal informação forçosamente somos a concluir que os restantes credores podem, caso assim o entendam, apreciar a licitação apresentada mas apenas se o fizerem imediatamente após a data de encerramento do leilão eletrónico.
XV. Logo, tendo o leilão eletrónico dos autos sido encerrado no dia 05.03.2024 seria nessa mesma data que os restantes credores poderiam apreciar a licitação apresentada.
XVI. Por esse mesmo motivo é que a cerimónia de encerramento dos leilões eletrónicos é pública.
XVII. Ora, uma proposta apresentada 7 dias após o encerramento do leilão eletrónico não cumpre com o legalmente disposto.
XVIII. E, em face disso, não tendo estado presente nenhum credor na data de encerramento do referido leilão aplicar-se-á o disposto na parte final do n.º 1 do artigo 821.º do Código de Processo Civil e nesse sentido ter-se-á de considerar aceite a licitação apresentada pelos ora Recorrentes.
XIX. Logo, ter-se-ão de considerar extemporâneas as propostas apresentadas e por conseguinte ter-se-á de considerar aceite a proposta apresentada pelos ora Recorrente devendo seguir-se os ulteriores termos para adjudicação de tal imóvel aos mesmos.
Termos em que, e nos demais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e por via dele, ser revogado o despacho ora recorrido, ordenando a sua substituição por outro que ordene a aceitação da proposta apresentada pelos ora proponentes e a adjudicação do bem licitado.”
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A credora C... S.A.R.L. apresentou resposta ao recurso, afirmando o acerto da decisão recorrida. As conclusões que formulou sintetizam os seus argumentos:
“(…)
III. O anúncio de venda de um bem por um determinado preço, não configura uma declaração negocial que se completa com a apresentação de uma proposta ou licitação (de maior valor), mas apenas um convite a contratar, sendo depois sujeita a deliberação de aceitação.
IV. A venda judicial só se tem por concluída quando a proposta ou a licitação apresentada é aceite, adjudicada e emitido o respectivo título de transmissão.
V. O regime do leilão electrónico apresenta algumas especificidades em relação ao regime geral da venda, por abertura de propostas em carta fechada, prevista nos artºs 811º nº 1 alínea a) e artº 816 e ss do CPC.
VI. Tratando-se de um leilão electrónico, com recurso a uma plataforma virtual na internet, as cerimónias de encerramento, a disponibilização dos vídeos e respectivas certidões de encerramento, não ocorrem em tempo real e, o próprio legislador, para colmatar essas dificuldades técnicas, ajustou o regime legal a essa realidade, criando legislação especial, prevendo um hiato de tempo maior para a realização dos actos previstos no artº 821º do CPC – “deliberação sobre as propostas”.
VII. Prevê-se no nº 3 do artº 8 do Despacho nº 12624/15 de 09/11, que: (i) «A certificação da conclusão pode ser adiada até aos cinco dias úteis seguintes, caso se verifiquem limitações técnicas ou logísticas que impeçam a sua realização na data prevista. »; (ii) no nº 6 do mesmo artigo que: « Em caso de indisponibilidade de transmissão em tempo real, o vídeo referido no número anterior é disponibilizado para visualização nos dois dias úteis posteriores ao ato de certificação das aberturas das propostas.»; (iii) no nº 10 do mesmo artº 8º que: « No prazo de 10 dias contados da certificação da conclusão do leilão, o agente de execução titular do processo deve dar cumprimento a toda a tramitação necessária para que a proposta seja considerada aceite e o bem seja adjudicado ao proponente, nos termos previstos para a venda por proposta em cara fechada.» (nossos sublinhados e destaques).
VIII. Pelo que não colhe o entendimento preconizado pelos ora Recorrentes de que, para os credores exercerem os mesmos direitos previstos no artº 820º do CPC, teriam de o fazer presencialmente, na cerimónia de encerramento do leilão.
IX. O nº 10 do artº 8º do Despacho nº 12624/15 de 09/11 é claro ao referir-se tão somente ao prazo de 10 dias para “dar cumprimento a toda a tramitação necessária para que a proposta se considere aceite e o bem seja adjudicado ao proponente”, pelo que não colhe o entendimento dos Recorrentes, que o que ali é ordenado é que o título de transmissão tem de ser emitido no prazo de 10 dias.
X. Não tendo ainda sido aceite a proposta, é legalmente admissível que um credor – que no caso é o credor hipotecário, com maior expressão de voto - possa, após o encerramento do leilão electrónico em que foi obtida uma licitação válida, recusar essa proposta e, apresentar por si ou por terceiro, proposta de valor superior, nos termos conjuntados dos artºs 8º nº 10 Despacho nº 12624/15 de 09/11, artº 821º do CPC e artº 164º nº 3 do CIRE.
XI. Assim, a pronúncia do credor hipotecário não poderá deixar de ser atendida, não só porque é legalmente admissível, como é ainda, tempestiva.
XII. Tendo os Interessados ora Recorrentes, entretanto dado cumprimento ao despacho em crise e apresentado junto do Senhor Administrador de Insolvência proposta de €552.500,00, superior à inicial, no valor de €520.200,00 - cfr requerimento de 07/05/2024 junto à Plataforma Citius sob a referência 9621927 – questiona-se a utilidade da apreciação do presente recurso, quando os interessados ora Recorrentes já substituíram a sua proposta inicial por outra de valor superior.
XIII. O despacho recorrido deverá manter-se nos exactos termos em que foi proferido, por total falta de fundamento legal para ser tomada decisão no sentido preconizado pelos Recorrentes, não incorrendo o mesmo em violação de qualquer disposição legal.”
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Entretanto, o Sr. Adm. da Insolvência informou ter recebido duas novas propostas: uma da B..., Lda, pelo valor de 552.500,00€; outra da D..., S.A., pelo valor de 600.500,00€, acrescentando que, cumprindo despacho antes proferido, não realizaria qualquer diligência ou adjudicação até à decisão desta questão.
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O recurso foi admitido como apelação, com subida em separado, e foi-lhe atribuído efeito suspensivo, após prestação de caução pelos recorrentes.
Cumpre apreciá-lo.
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2- FUNDAMENTAÇÃO
Não cabendo a este Tribunal conhecer de matérias não incluídas nas conclusões, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC - é nelas que deve identificar-se o objecto do recurso.
Assim, caberá decidir se, nas circunstâncias da venda do imóvel da insolvente, por leilão electrónico, em que apenas foi apresentada a proposta dos apelantes, esta não poderia deixar de ser aceite, sendo irrelevante o surgimento ulterior de propostas de valor mais elevado.
Já resultam do relatório antecedente os elementos relevantes para a decisão, sem prejuízo do que agora melhor se especificam:
1. No âmbito do processo de insolvência 1844/22.8T8AMT, após apreensão do imóvel constituído por prédio urbano destinado a habitação, com 8 frações suscetíveis de utilização independente, sito na Rua ..., Lote ..., freguesia ..., concelho de Felgueiras, inscrito na matriz Predial Urbana sob o artigo n.º... e descrito na conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o n.º ...., foi determinada a respectiva venda por leilão eletrónico.
2. A modalidade da venda e o valor pelo qual deveria ser promovido o referido leilão eletrónico, foram decididos após consulta efetuada ao credor reclamante com garantia hipotecária.
3. O Ex.mo Sr. Administrador Insolvência veio indicar o valor que atribuiu ao prédio e a modalidade da venda, não tendo essa informação sido objeto de qualquer reparo pelos credores.
3. O primeiro Recorrente apresentou por conta e em nome da segunda Recorrente, proposta no referido leilão eletrónico, sob o número ....
4. A proposta apresentada pelos mesmos, no valor de 520.200,00 Euros (quinhentos e vinte mil e duzentos euros) que corresponde a um valor igual ao valor mínimo anunciado no suprarreferido leilão eletrónico, foi a única.
5. A proposta efetuada foi considerada uma proposta de valor superior ao mínimo, na certidão do acto, apesar de o A.I, em informação prestada, ter referido que ela correspondia ao valor mínimo (inf. de 7/3/2024).
6. Em 11/3/2024, o tribunal determinou que os autos aguardassem pela junção do título de transmissão, por referência à proposta de valor mínimo em questão.
7. Em 19/3/2024, o A.I. informou o tribunal da não aceitação da referida proposta, justificando-o com o facto de, após encerramento do leilão electrónico, ter recebido duas propostas: uma no valor de 545.000,00€ e outra no valor de 550.000,00€.
8. O tribunal determinou que o Sr. A.I. juntasse documento comprovativo de comunicação da não aceitação da proposta de 520.000,00€ ao proponente,
9. O Sr. A.I. vem comprovar ter feito tal comunicação por email de 13/3/2024.
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Cabe, em suma, decidir se, por não ser sido apresentada qualquer proposta de compra que não a dos ora apelantes, até ao encerramento do leilão electrónico, não podia o Sr. A.I. ter deixado de lhes adjudicar o imóvel a vender.
A regra elementar que enquadra a situação sob apreciação é a do art. 164º do CIRE, como se afirma pacificamente neste processo. Todavia, no caso, nenhuma questão se coloca quanto a matérias ali reguladas.
Para além disso, já à luz do regime do art. 837º do CPC, nenhuma controvérsia se instalou quanto à opção assumida pela venda do imóvel através de leilão electrónico.
Dispõe o respectivo nº 3 que a esta modalidade de venda se aplicarão as regras relativas à venda em estabelecimento de leilão, em tudo o que não estiver definido na Portaria publicada pelo Ministério da Justiça, prevista no nº 1 da mesma norma.
Tal Portaria tem o nº 282/2013, de 29/8, sendo pertinente lembrar o disposto no respectivo art. 20º: “Entende-se por «leilão eletrónico» a modalidade de venda de bens penhorados, que se processa em plataforma eletrónica acessível na Internet, concebida especificamente para permitir a licitação dos bens a vender em processo de execução, nos termos definidos na presente portaria e nas regras do sistema que venham a ser aprovadas pela entidade gestora da plataforma e homologadas pelo membro do Governo responsável pela área da justiça”.
Mais dispõe o art. 23º desta Portaria:
“1 - As ofertas de licitação para aquisição dos bens em leilão são introduzidas na plataforma a que se refere o artigo 20.º, entre o momento de abertura do leilão e o dia e hora designados na plataforma eletrónica referida no artigo anterior para o seu termo.
2 - Só podem ser aceites ofertas de valor igual ou superior ao valor base da licitação de cada bem a vender e, de entre estas, é escolhida a proposta cuja oferta corresponda ao maior dos valores de qualquer das ofertas anteriormente inseridas no sistema para essa venda.
3 - As ofertas, uma vez introduzidas no sistema, não podem ser retiradas.”
Depois, o art. 24º dispõe que o resultado do leilão eletrónico é disponibilizado no sítio da Internet de acesso público a que se refere o n.º 1 do artigo 21.º, acrescentando o art. 26º que Compete ao agente de execução a decisão de adjudicação dos bens.
Como resulta do art. 20º acima citado, ficou diferido para momento ulterior a definição da entidade gestora da plataforma electrónica para realização dos leilões – que, nos termos do despacho nº 12624/2015, de 9/11 foi a Câmara dos Solicitadores – bem como a homologação das regras desse sistema informático, homologação esta que ocorreu por via desse mesmo despacho.
Não pode, porém, esquecer-se que tais regras só podem ser as relativas ao específico funcionamento da plataforma electrónica, pois que não cabe nem à Câmara dos Solicitadores, nem a um membro do governo, por mero despacho, definir regras de que resulte a concessão ou a restrição de quaisquer direitos dos utilizadores do sistema, maxime aqueles que estejam definidos por leis, decretos-lei ou, no limite, por portarias.
Inútil se torna, pois, o elenco de definições constante daquele despacho, bem como a interpretação de qualquer conteúdo do mesmo em ordem a dali retirar qualquer restrição de direitos que advenham do sistema legal aplicável. De resto, assim se compreende a redundância da previsão de tais definições, ou da regras como a contante, por exemplo, do art. 6º, a), nos termos da qual “O administrador da plataforma pode suspender a colocação em leilão … a) De bens que legalmente não possam ali ser vendidos.”
É este pressuposto que deve ter-se presente na interpretação das regras que, segundo consta do Anexo que as elenca (Anexo ao Despacho nº 12624/2015, de 09 de Novembro) são simples “regras de funcionamento da plataforma de leilão eletrónico”
E só essa relevância pode ser conferida ao disposto no respectivo art. 8º (nºs 1 e 3), ao definir que deve elaborar-se uma certificação de encerramento do leilão, bem como à regra do nº 10, que dispõe: “10 - No prazo de 10 dias contados da certificação da conclusão do leilão, o agente de execução titular do processo deve dar cumprimento a toda a tramitação necessária para que a proposta se considere aceite e o bem seja adjudicado ao proponente, nos termos previstos para a venda por proposta em carta fechada.”
Constata-se que, ao contrário do que entendeu o tribunal recorrido, não estabelece um tal despacho ministerial um regime processual específico para a conclusão do negócio de venda em leilão electrónico nos termos do qual o agente de execução, in casu, o administrador de insolvência, pode decidir se aceita ou não a proposta validamente apresentada na plataforma.
Refere a decisão recorrida o regime processual próprio da venda por propostas em carta fechada. Porém, daí nada cumpre retirar de contrário em relação ao regime da venda em leilão electrónico para o qual o nº 2 do art. 23º da Portaria nº 282/2013, de 29 de Agosto dispõe com suficiência que “Só podem ser aceites ofertas de valor igual ou superior ao valor base da licitação de cada bem a vender e, de entre estas, é escolhida a proposta cuja oferta corresponda ao maior dos valores de qualquer das ofertas anteriormente inseridas no sistema para essa venda.”
É de acordo com tal regra que haverá o administrador de insolvência de dar cumprimento ao disposto no art. 26º, nº 1 do mesmo diploma, decidindo a adjudicação do bem.
E é única e exclusivamente para operacionalizar esse sistema que tem de se entender o estabelecido no citado nº 10 do art. 8º do Anexo ao Despacho nº 12624/2015, de 09 de Novembro. Deste anexo não se podem retirar regras que alterem ou restrinjam o anteriormente referido.
De resto, dispondo o art. 837º do CPC, no seu nº 3, que à venda em leilão eletrónico se aplicarão as regras relativas à venda em estabelecimento de leilão, em tudo o que não estiver definido na Portaria nº 282/2013, jamais poderia admitir-se a aplicação subsidiária de outras regras – designadamente as relativas à venda por propostas em carta fechada – por decisão da Câmara dos Solicitadores e sua aceitação por mero despacho ministerial.
Por conseguinte, o prazo de 10 dias mencionado no nº 10 do art. 8º do anexo ao citado Despacho nº 12624/2015, de 09 de Novembro servirá para o administrador de insolvência, por referência à proposta já selecionada, dar execução às operações necessárias à adjudicação do bem a vender. É claro que, tal como acontece noutras modalidades da venda (até na venda por propostas em carta fechada) incidentes podem ocorrer que impeçam a adjudicação.
É o caso, por exemplo, do exercício de um direito de preferência ou de um direito de remição. E a esses terá o administrador de insolvência de dar resposta. Todavia, o que de forma alguma se prevê é a abertura de um prazo para, através de uma solução em muito semelhante à da negociação por negociação particular, se abrir um prazo para o oferecimento de propostas de valor superior àquela que foi obtida no leilão electrónico, que havia sido a modalidade escolhida para a venda.
Com efeito, a solução identificada na decisão recorrida consubstancia em si mesma a total inutilidade do procedimento do leilão electrónico. A qualquer interessado na aquisição de um bem em venda em leilão electrónico conviria não apresentar qualquer proposta durante o prazo de funcionamento do leilão, após qualquer outra que tivesse sido apresentada, assim obviando à subida do preço. Depois, encerrado o leilão, poderia oferecer apenas um pouco mais, para eliminar a eficácia daquela que antes tinha sido apresentada. De resto, afinal, tal como aconteceu no caso sub judice.
Assim, ao nº 10 do art. 8º do anexo ao referido despacho não pode dar-se o significado que lhe foi conferido pela decisão recorrida, nos termos da qual, após o encerramento do leilão, o agente de execução ou o administrador de insolvência dispõe de um prazo de dez dias para decidir da aceitação da proposta mais alta formulada no âmbito do leilão, desde que válida, por ser do valor mínimo de venda ou superior, sem prejuízo de poder admitir outra que, entretanto, lhe seja apresentada. Pelo contrário, aquele prazo destina-se a operacionalizar a venda ao proponente ganhador, desde que nada o impeça – como por exemplo o exercício de um direito de preferência ou de remição, como se referiu.
Afirmou o tribunal recorrido: “Em suma, (…) manifestando um único credor a sua oposição à aceitação da proposta mais elevada ou a rejeição de todas as propostas apresentadas para que se tenha por não aceite, não prosseguindo o processo para adjudicação.
Isto para dizer que, se é assim no âmbito da venda a que se alude no art. 821.º do CPC referente à deliberação das propostas em carta fechada ou depois de efetuada a licitação ou sorteio a que houver lugar, regime este para que remete a venda em leilão eletrónico, temos de concluir que, apesar de se ter apresentado uma única proposta até ao encerramento do leilão, a cuja aceitação se opôs o credor hipotecário, não se pode a mesma ter por aceite, nem pode o AE/AI ou Juiz sobrepor-se à vontade soberana dos credores e tê-la como aceite, ainda que, no caso, seja apenas um único credor a manifestar-se nesse sentido, pois que mais nenhum apresentou posição contrária.”
É precisamente com esta conclusão que não se pode concordar, desde logo por se alicerçar no apelo ilegítimo ao regime da venda por propostas em carta fechada. Com efeito, o art. 837º do CPC (aplicável por remissão do art. 17º do CIRE) remete, isso sim, para o regime da venda em estabelecimento de leilão. Ora, não se pode retirar do anexo ao Despacho 12624/2015, de 09 de Novembro, uma solução diferente, pois que daí apenas se devem retirar regras referentes ao funcionamento da plataforma informática dos leilões electrónicos.
Acresce que o regime da Portaria nº 282/2013, aplicável por remissão do nº 1 do art. 837º não prevê um procedimento tal como o idealizado na decisão recorrida, comportando uma possibilidade de rejeição de qualquer proposta validamente submetida na plataforma de leilão electrónico, por simples apreciação negativa de qualquer credor, maxime do credor hipotecário e perante o surgimento ulterior, fora da modalidade de venda que fora escolhida e implementada, de propostas de valor superior.
Isto mesmo concluiu lapidarmente o Ac. do TRE de 23/5/2024, nos seguintes termos: “(…), mesmo que seja apresentada uma proposta de valor superior, a mesma não pode ser considerada se esta foi feita fora da plataforma de leilões escolhida e em momento posterior ao termo final do calendário constante do anúncio.”
Pelo exposto, resta concluir pela inadmissibilidade da decisão do Sr. Administrador da Insolvência, rejeitando a proposta válida submetida em tempo oportuno, pelos ora apelantes AA, representando “B..., Lda, designadamente com fundamento na audição de um credor e no surgimento de propostas de valor superior àquela.
Com efeito, tais propostas não se podem ter por válidas e inexiste qualquer fundamento – pelo menos até agora invocado e que possa ser alvo de apreciação - para que se possa justificar a rejeição da proposta única que foi submetida em tempo oportuno e por valor admissível, ao leilão electrónico executado para a venda do imóvel em questão.
Em consequência, versando a decisão recorrida sobre o requerimento de 27/3/2024, através do qual AA e B..., LDA peticionaram: “(…) b) Que seja dada razão aos requerentes, considerando que o leilão eletrónico, que ocorreu sob o número ..., no âmbito do processo e insolvência sob o número 1844/22.8T8AMT na Comarca do Porto Este, Juízo de Comércio de Amarante- Juiz 3 não padece de qualquer irregularidade; c) em consequência que determine que o Ex.mo Sr. Administrador de Insolvência proceda à transmissão do referido imóvel para a sociedade B..., LDA., pessoa coletiva n.º ..., com sede em Rua ..., ... ..., pelo valor de 520.200,00 Euros.”, decisão essa que culminou no dispositivo: “tem-se por não aceite a proposta apresentada em leilão eletrónico efetuado, improcedendo o pedido pelo licitante AA e B..., Lda.”, cumpre revogar esta decisão, que se substitui por outra nos termos da qual se defere o requerido e se determina ao Sr. Administrador da Insolvência que, aceitando a proposta em questão, proceda em ordem à adjudicação do prédio em venda, em cumprimento do regime legal descrito supra e aplicável.
Conceder-se-á, nestes termos, provimento à presente apelação.
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Sumário:
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3 - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em conceder provimento à presente apelação com o que, revogando a decisão recorrida, a substituem por outra nos termos da qual se defere o requerido por AA e B..., Lda, em 27/3/2024, e se determina ao Sr. Administrador da Insolvência que, aceitando a proposta em questão, proceda em ordem à adjudicação do prédio em venda, em cumprimento do regime legal descrito supra e aplicável.
Custas pela massa insolvente.
Registe e notifique.
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Porto, 24 de Setembro de 2024
Rui Moreira
Artur Dionísio Oliveira
Maria da Luz Seabra