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RETENÇÃO ILÍCITA DE CRIANÇA
CONVENÇÃO SOBRE RAPTO INTERNACIONAL
REGRESSO DA CRIANÇA
CONFLITO BÉLICO
RECUSA
Sumário
I – À decisão sobre a matéria de facto não é aplicável o regime das nulidades da sentença previsto no art. 615.º, n.º 1 do CPC, mas sim o disposto no respectivo art. 662.º, pelo que eventuais deficiências ao nível daquela decisão, nomeadamente, a falta de pronúncia sobre determinados factos alegados ou relevantes, não são causa de nulidade da sentença, mas sim fundamento de impugnação da decisão sobre a matéria de facto; II – Existe retenção ilícita de uma criança em Portugal, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 3.º da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia, em 25.10.1980 (vigente no ordenamento jurídico português por força do Decreto do Governo nº 33/83, de 11.05), quando é feita em violação de um direito de custódia atribuído, individual ou conjuntamente, a uma pessoa pela lei do Estado onde a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes da sua retenção e esse direito estiver a ser exercido de maneira efectiva no momento da retenção; III – O tribunal do Estado requerido pode, no entanto, recusar o regresso da criança, se se provar, designadamente, que existe um risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, ficar numa situação intolerável (cfr. art. 13.º § 1.ª al. b) da referida Convenção), ou se verificar que a criança se opõe ao regresso e que a mesma atingiu já uma idade e um grau de maturidade tais que levem a tomar em consideração as suas opiniões sobre o assunto (cfr. art. 13.º § 2.ª da referida Convenção); IV – Não obstante o conflito bélico existente entre Isarel e o Hamas, desde o dia 07.10.2023, mas provando-se, por um lado, que a cidade de Telavive, onde a criança, de nacionalidade israelita, mantinha a sua residência habitual, dista da Faixa de Gaza cerca de 70 Km e é classificada como “zona verde” (o que significa que opera actualmente sem quaisquer restrições ao nível de atividades educacionais, locais de trabalho ou em reuniões e serviços) e que Israel dispõe de um dos sistemas de protecção aérea mais sofisticados do mundo, e não se provando, por outro lado, a ocorrência de qualquer consequência ou incidente concreto na referida cidade ou nas suas proximidades decorrente daquele conflito, não pode entender-se que o regresso da criança a Israel a coloque numa situação de risco grave de a mesma ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, ficar numa situação intolerável, para os efeitos da al. b) do § 1.º do art. 13.º da Convenção referida; V – Não deve ser tomada em consideração, para os efeitos do § 2.º do art. 13.º da Convenção referida, a opinião de uma criança com 7 anos de idade, que recusa regressar a Israel e pretende continuar a residir com a mãe em Portugal, quando da factualidade provada resulta que a mesma revela imaturidade para a idade, denota influência por parte da mãe e conhecimento do conflito existente entre os progenitores e da judicialização do mesmo e quando a mesma exterioriza que, antes da sua vinda para Portugal, era com o pai que mantinha uma maior ligação.
Texto Integral
Acordam os juízes na 8.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – RELATÓRIO
1.1. O MINISTÉRIO PÚBLICO, em representação e no interesse da criança GP, instaurou, ao abrigo do disposto nos arts. 4.º, n.º 1, als. b) e r), e 9.º, n.º 1, als. c), d) e g), do Estatuto do Ministério Público, do art. 17.º Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), e da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia, em 25.10.1980, publicada no Diário da República I, n.º 108, de 11/05/1983 (Decreto do Governo n.º 33/83), acção tutelar comum, de natureza urgente, com vista ao regresso a Israel da criança GP, nascida em 01.01.2017, natural de Jerusalém - Israel, residente na Rua , …, Ilha das …, contra a respectiva progenitora OS, natural de Jerusalém - Israel, com domicílio na morada referida, pedindo que:
«a) por se verificar a existência de processo pendente respeitante à regulação das responsabilidades parentais com o n.º 11/24.0T8SCF, no Juízo de Competência Genérica de …, deve a respetiva instância continuar suspensa, nos termos do artigo 269.º, n.º 1, alínea d), do CPC, ex vi artigo 33.º, n.º 1, do RGPTC, e artigo 16.º, da Convenção de Haia, de 1980;
b) Este processo corra por apenso ao processo de regulação das responsabilidades parentais com o n.º 11/24.0T8SCF, nos termos do artigo 11.º do R.G.P.T.C.
c) a criança seja ouvida nos termos e para os efeitos dos artigos, nos termos dos artigos 4.º, n.º 1, alínea c), n.º 2, e 5.º, 25.º, todos do R.G.P.T.C., e 13.º da Convenção de Haia de 1980;
d) se proceda à audição do requerente e da requerida, nos termos do artigo 25.º, do R.G.P.T.C. e 13.º da Convenção de Haia de 1980;
e) em caso de se verificar que não se aplicada nenhuma das exceções para fazer regressar a criança a Israel, se determine a retirada da criança à mãe, emitindo-se mandados a serem cumpridos pela autoridade policial, em colaboração com a DGAJ, com a permissão de entrada na habitação, para que seja efetivado o regresso da criança a Israel para junto do progenitor».
Para tanto, alegou, em síntese, que:
- GP é filha da requerida OS e de OP, sendo as responsabilidades parentais exercidas por ambos os progenitores, o que inclui o direito de determinar o local de residência da criança, nos termos da sentença do Tribunal Rabínico Regional de Haifa, Israel, de 11.11.2019;
- por decisão do referido tribunal de 03.01.2021, a progenitora informou que a sua residência era em Telavive – Israel e que não mudaria de morada sem o consentimento do progenitor, necessitando da aprovação do Tribunal Rabínico;
- em 17.10.2022 a progenitora e a criança, com o consentimento do progenitor, abandonaram Israel e ambas fixaram residência em …, com a finalidade de fugirem da guerra;
- nesse acordo, que não teve a intervenção do tribunal daquele país, a progenitora comprometeu-se a regressar;
- sucede que a progenitora recusa-se a entregar a criança ao progenitor e a fazê-la regressar a Israel;
- em 28.02.2024, a autoridade central de Israel – Departamento de Assuntos Internacionais de Israel - enviou um pedido para o regresso voluntário da criança para a autoridade central portuguesa – Direcção Geral da Administração da Justiça (DGAJ);
- decorreu a fase pré-contenciosa, com vista ao regresso voluntário da criança, na autoridade central portuguesa, sem que fosse possível o regresso da criança para junto do progenitor.
Conclui que a retenção de uma criança por um dos progenitores num Estado-Membro sem o consentimento do outro progenitor, com quem partilha as responsabilidades parentais, constitui retenção ilícita, ao abrigo dos arts. 3.º, als. a) e b), e 5.º, al a), ambos da Convenção de Haia de 1980, e ainda ao abrigo do art 7.º, n.º 2, alínea b), da Convenção relativa à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento, à execução e à cooperação em matéria de responsabilidade parental e medidas de protecção de crianças, publicada no DR, I série – n.º 221 – de 13.11.2008, pelo Decreto n.º 52/2008, de 13.11.
1.2. Foi determinada a apensação dos autos ao Processo de Regulação das Responsabilidades Parentais com o n.º 11/24.0T8SCF (art 11.º, n.º 1 do RGPTC), tendo neste sido determinada a suspensão da instância até à conclusão do processo referente ao pedido de regresso da criança GP.
1.3. Por requerimento de 23.04.2024, o requerente/progenitor pronunciou-se sobre o pedido formulado pelo Ministério Público, concluindo que o caso sub judice consubstancia uma situação de retenção ilícita de menor, não se verificando qualquer um dos fundamentos previstos no artigo 13.º da Convenção de Haia, pelo que deve ser ordenado o seu regresso ao país da residência habitual.
1.4. Citada a requerida/progenitora, veio a mesma deduzir oposição (24.04.2024), onde concluiu que deverá ser negado o regresso da menor ao estado de Israel, com fundamento na não verificação da ilicitude prevista no art. 3.º da Convenção de Haia de 25.10.1980, e por se verificarem as seguintes excepções decorrentes do respectivo art. 13.º: a) o requerente consentiu na deslocação da menor e na sua permanência em Portugal, enquanto se mantivesse o estado de guerra em Israel; b) o regresso da menor a Israel irá colocá-la em situação intolerável, por ficar exposta ao estado de inconstância psíquica e perigosidade do requerente e aos efeitos da guerra que se vive em Israel.
1.5. Quer o requerente, quer a requerida exerceram o contraditório sobre os articulados referidos (requerimentos de 30.04.2024 e de 02.05.2024, respectivamente), mantendo as posições manifestadas.
1.6. Foi elaborado relatório social sobre a situação da criança GP e seu actual agregado familiar (29.04.2024).
1.7. Foi realizada a audiência de discussão e julgamento (03.05.2024), na qual se procedeu à tomadas de declarações ao requerente e à requerida, à audição da menor e à inquirição das testemunhas arroladas pela requerida.
1.8. Após, foi proferida sentença (14.05.2024), que julgou a acção improcedente e, em consequência, não ordenou o regresso da criança GP a Israel.
1.9. Inconformado apelou o requerente OP(06.06.2024), pedindo que tal sentença seja revogada e substituída por outra que «ordene o imediato regresso de GP a Telavive, em obediência ao disposto no art. 12.º, §1.º da CH 1980», requerendo a junção de quatro documentos e formulando as seguintes conclusões:
«1. Ao presente recurso deverá ser fixado efeito suspensivo, a fim de obviar a uma eventual regulação das responsabilidades parentais de GP em Portugal.
2. A Sentença revidenda enferma de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos do art. 640.º, n.º 1, al. d) do CPC, na medida em que não se pronuncia sobre a situação vivencial da criança na cidade da sua residência habitual.
3. Note-se que os factos relativos à situação em Telavive não são incompatíveis com a factualidade dada como provada nos pontos 21 a 27 da Sentença revidenda, tratando-se, sim, de acervos factuais distintos, reportando-se uns ao conflito israelo-palestiniano e outros à situação vivencial da criança, no caso do seu regresso.
4. Importando apenas estes últimos para a verificação da exceção prevista no art. 13.º, §1.º, al. b) da CH 1980, não podia o tribunal a quo deixar de conhecer dos mesmos.
5. Dos Anexos G e H juntos à Petição Inicial, de fls.___, e do Doc. 8 junto ao Requerimento do Recorrente, de 30 de abril p.p., de fls.___, resulta que GP, antes da deslocação para as ... na companhia da Recorrida, vivia em Telavive, aí se encontra inscrita na escola, para a frequência do ano letivo de 2023/2024.
6. Decorrendo ainda dos anexos D e E que, em Telavive, GP passava com o pai o período entre segunda e quarta-feira, todas as semanas, e os fins-de-semana, de 15 em 15 dias, passando assim períodos de tempo idênticos na companhia de ambos os pais.
7. Aspetos que não são incluído na decisão quanto à matéria de facto e que deverá ser aditado, sugerindo-se a seguinte redação:
5.1 – Antes da deslocação para Portugal, a criança residia na cidade de Telavive, vivendo com ambos os pais em regime de residência alternada, aí se encontrando inscrita na escola, para a frequência do ano letivo de 2023/2024.
8. Impugnam-se ainda os pontos 21 a 24 da matéria de facto por, como constitui facto notório e conhecido, não terem relação direta com a situação vivencial na cidade da residência habitual, devendo ser eliminados ou, pelo menos, aditada a seguinte factualidade:
24.1 - As situações relatadas nos pontos 21 a 24 ocorreram a cerca de 70 km da cidade da residência habitual da criança, Telavive, cidade onde não se registaram, até ao momento, quaisquer feridos ou mortos em consequência do conflito israelo-palestiniano.
9. Também o ponto 25 da matéria de facto se tem por incompleto, como decorre de factos publicamente conhecidos e dos elementos de provada carreados pelo Recorrente (nomeadamente, Docs. 2 e 3 do Requerimento datado de 23 de abril de 2024, de referência CITIUS 5697184, de fls.___), impondo-se aditar a seguinte factualidade:
25.1 - Israel dispõe de um dos sistemas de proteção aérea mais sofisticados do mundo.
25.2 - Os danos causados com os mísseis e drones lançados contra Israel foram mínimos, dos mesmos não tendo resultado quaisquer vítimas mortais ou feridos graves.
10. Por fim, também se omite a situação atual na cidade de Telavive, impondo proceder ao seguinte aditamento:
27.1 - A cidade de Telavive vive atualmente uma situação de normalidade, inexistindo presentemente quaisquer constrangimentos impostos à população por força do conflito Israelo-palestiniano.
11. O tribunal a quo dá ainda como provado que é a Recorrida a figura principal de referência, asserção que, s.m.o., não só assume natureza jurídico-conclusiva, como não decorre dos elementos probatórios juntos aos autos.
12. Sendo certo que seriam as autoridades Israelitas as mais bem colocadas, segundo o art. 13.º, §2.º, in fine, da CH 1980, para proceder a tal avaliação, e não autoridades portuguesas.
13. Acresce que, na sequência da audiência de julgamento, o Recorrente passou algum tempo com a criança, mostrando-se a mesma inconsolável ao saber que pai e filha voltariam a ficar afastados (cf. Docs. 1 e 2, ora juntos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os legais efeitos).
14. Motivos pelo que se impugna a matéria de facto dada como provada no ponto 39, devendo antes ser proferida decisão que dê como provado o seguinte:
39 – Desde que vivem em Portugal, a requerida OS assegura as necessidades da criança, mantendo organizadas as suas rotinas e cuidados educativos.
39.1 – Em Israel, ambos os progenitores asseguravam os cuidados da criança, mantendo a menina uma forte ligação afetiva com ambos os pais.
39.2 – GP demonstra sofrimento por estar afastada da figura paterna.
15. Por fim, impugna-se ainda o ponto 40 da decisão relativa à matéria de facto, pois se é certo que a menina exprimiu em tribunal não querer regressar a Israel, não se pode presumir que esse corresponde ao seu sentir real.
16. Não só pela falta de maturidade da criança, como pelo conteúdo das suas declarações, de onde decorre que as mesmas são motivadas por um medo exacerbado de situações de guerra e de um conhecimento imperfeito das decisões judiciais proferidas em Israel.
17. A própria criança confessou ao avô paterno, após a sua audição, que as ... eram um local “chato” e que só disse querer ficar porque a Recorrida assim lho pediu (cf. Doc. 3, que ora se junta e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os legais efeitos).
18. Pelo que se impõe proceder à alteração da decisão proferida, nos seguintes termos:
40 – A criança GP, na sua audição, disse não querer regressar a Israel por ter medo da guerra e por saber que está proibida de sair de Israel, referindo querer ficar a residir em Portugal.
40. 1 – Porém, após a sua audição, a menina confidenciou ao avô paterno que disse não querer regressar porque a mãe assim lho pediu, e que acha as ... um local “chato”.
19. O tribunal a quo julgou verificada a exceção prevista no art. 13.º, §1.º, al. b) da CH 1980 sem relevar quaisquer elementos facultados pelas autoridades israelitas, em violação do disposto no §2.º, in fine daquele preceito.
20. Ademais, o tribunal a quo procede a uma interpretação errada daquela exceção, considerando que o regresso a um país envolvido um conflito armado conduz sempre à colocação da criança em situação intolerável, abstendo-se de antecipar as efetivas considerações de que GP disporia no seu regresso.
21. Neste sentido, não só o parecer ora junto como Doc. 4, como vários tribunais estrangeiros têm vindo, em decisões recentes, a considerar que a situação vivida em Telavive não se reconduz a um perigo grave de que a criança fique numa situação intolerável, no seu regresso.
22. Por outro lado, não só a decisão de regresso não impõe qualquer afastamento da Recorrida, que pode acompanhar a criança ao seu país de residência habitual, como desse afastamento não decorre um sofrimento intolerável para a criança, suscetível de preencher aquela exceção.
23. Sendo certo que em Israel GP conta com toda a sua família alargada, podendo a Recorrida visitá-la ou regressar à execução do regime de exercício das responsabilidades parentais já fixado enquanto aguarda, se for caso disso, decisão relativa à mudança de residência da criança.
24. Também a suposta integração na ilha das ..., além de duvidosa, se mostra insuscetível de preencher esta exceção.
25. Dispondo o art. 12.º, §2.º da CH 1980, que a integração da criança apenas pode justificar a decisão de não ordenar o regresso quando tenha passado mais de um ano entre a data da deslocação ou da retenção e o início do processo perante as autoridades administrativas ou judiciais do Estado onde a criança se encontra.
26. A interpretação do disposto no art. 13.º §1.º, al. b) da CH 1980, levada a cabo pelo tribunal a quo mostra-se, assim, incompatível com o caráter excecional das decisões de não regresso e com os objetivos da própria Convenção.
27. Constituindo uma verdadeira decisão de mérito regulação das responsabilidades parentais sob a capa de decisão de não regresso, o que não se pode admitir.
28. Acresce que, quando um tribunal da União Europeia pondere recusar o regresso da criança com fundamento na verificação da exceção prevista no art. 13.º, §1.º, al. b) da CH 1980, deve recorrer às partes e/ou às autoridades do Estado de residência habitual, a fim de verificar se é possível adotar providências que obviem aos perigos por si identificados.
29. Operação a que não procedeu o tribunal a quo, agindo em ostensiva violação do disposto no art. 27.º, n.º 3, do Regulamento Bruxelas II ter.
30. Por fim, não poderia o tribunal a quo relevar, para efeitos de recusa da ordem de regresso, a as declarações de GP em tribunal, atenta a sua tenra idade e falta de maturidade e capacidade para compreender os assuntos em discussão.
31. Face ao exposto, a decisão revidenda violou os arts. 3.º, n.º 1 da Convenção sobre os Direitos da Criança, 12.º e 13.º da CH 1980 e 27.º, n.º 3 do Regulamento Bruxelas II ter.
32. Impondo-se a sua revogação e substituição por decisão que ordene o imediato regresso da criança, em obediência ao disposto no art. 12.º, §1.º, da CH 1980».
1.10. A requerida contra-alegou (01.07.2024), propugnando pela confirmação da decisão recorrida, sem, contudo, formular conclusões.
1.11. O Ministério Público também contra-alegou, defendendo a manutenção da decisão recorrida, que “sintetizou” nas seguintes conclusões:
«A) O Ministério Público instaurou ação tutelar comum, especial, de natureza urgente, com vista ao regresso a Israel da criança GP, nascida em 01.01.2017, natural de Jerusalém - Israel, residente na Rua …, Ilha das … contra a progenitora/requerida OS.
B) Para tanto alegou na Petição Inicial que a criança GP, nascida em 01.01.2017, abandonou Israel, em 17.10.2022, na companhia da progenitora OS e com o consentimento do progenitor OP, com a finalidade de fugirem da guerra, e fixarem residência em ….
C) Mais alegou que, de acordo com a decisão do Tribunal Rabínico Regional de Haifa de 03.01.2021, a progenitora OS informou que a sua residência era em Tel Aviv – Israel e que não mudaria de morada sem o consentimento do progenitor, necessitando da aprovação do Tribunal Rabínico. Mais alegou que a progenitora OS recusa-se a entregar a criança GP ao progenitor OP e bem assim a fazê-la regressar a Israel. Juntou o expediente recebido da Direcção Geral da Administração da Justiça, bem como o requerimento e documentos anexos juntos pela progenitora OS.
D) Por fim o Ministério Público requereu o regresso da criança a Israel caso não fosse verificada nenhuma das exceções previstas no artigo 13.º, da Convenção sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças (concluída em Haia, em 25.10.1980).
E) O Ministério Público nas suas alegações considerou que se encontravam reunidos os pressupostos constantes no artigo 13.º, nomeadamente que a criança se opunha ao regresso a Israel, verificando que a mesma já atingiu já uma idade e um grau de maturidade tais que levaram o Ministério Público a tomar em consideração a sua opinião sobre o assunto, nomeadamente o regresso a Israel.
F) Por sentença, datada de 02.05.2024, o Mmo. Juiz a quo julgou a ação improcedente e, em consequência, não ordenou o regresso da criança GP a Israel.
G) Inconformado com a sentença veio o recorrente OP interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa.
H) Da nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos do art. 640.º, n.º 1, al. d) do CPC, por falta de pronúncia sobre a situação vivencial da criança na cidade da sua residência habitual:
O artigo 640.º do CPC no seu n.º 1, além de não conter qualquer alínea d), não comporta nenhuma nulidade nos termos e para os efeitos requeridos pelo recorrente.
Contudo por mera cautela o Ministério Público dirá que a sentença recorrida decidiu-se em matéria de facto e de direito, sobre processo urgente de entrega de menor, ao abrigo de convenção internacional, a aludida Convenção de Haia sobre Aspetos Civis de Rapto Internacional de Crianças, pelo que se impunha decidir sobre se ocorre deslocação ou retenção ilícita de criança (art.º 3.º da Convenção), e, por outro lado, com vista a ordenar ou não o regresso da criança de acordo com o caso concreto, nomeadamente aferir se existe risco grave em caso de tal regresso, por sujeição a perigos de ordem física ou psíquica ou a situação qualificável como intolerável (matéria de exceção do art.º 13.º da mesma Convenção).
A omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, a ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa. Tais questões são aquelas que os sujeitos processuais interessados submetem à apreciação do tribunal - art. 615.°, n.º 1, alínea d) do CPC -, e as que sejam de conhecimento oficioso, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual.
Contudo só há nulidade por falta de fundamentação quando o juiz não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, o que não foi o caso da sentença proferida pelo Tribunal a quo.
Vejamos,
A sentença recorrida fundamentou de forma categórica os motivos de facto e de direito que justificaram a decisão da criança ficar em território nacional:
“Ora, tendo em conta o quadro factual acima provado e elencado, e ressalvado o devido respeito por entendimento diverso, entende o Tribunal que a fattispecie do regime excepcional previsto no artigo 13º da Convenção de Haia de 1980 se mostra preenchida.
Analisando.
Desde logo, o que motivou o acordo dos progenitores quando à saída da criança GP de Israel foi o ataque terrorista perpetrado contra este Estado e os seus cidadãos em 07-10-2023, no qual foram lançados sobre Israel pelo grupo terrorista palestiniano Hamas milhares de rockets e tal ataque/invasão provocou a morte de cerca de 1200 pessoas e mais de 200 pessoas foram levadas como reféns para Gaza (factos provados nº 6.) e 21.)).
Por outro lado e em resultado de tal evento, Israel lançou um campanha militar sobre a Faixa de Gaza, da qual resultaram dezenas de milhares de mortos e de feridos, provocou a deslocação da esmagadora maioria da população de Gaza, mergulhou o enclave palestiniano numa grave crise humanitária, e dezenas de milhares de cidadãos israelitas residentes em torno da Faixa de Gaza e perto da fronteira com o Líbano foram evacuados de suas casas (factos provados nºs 22.) a 24.)).
Por outra banda e no decurso da guerra entre Israel e o Hamas, o território israelita foi atacado com centenas de mísseis e drones lançados desde o Líbano, pelo Hezbollah, e particularmente pelo Irão (facto provado nº 25.)).
Ademais, prossegue a guerra entre Israel e o Hamas, a qual não tem fim à vista, não obstante as negociações que têm vindo a ser encetadas por um cessar fogo e os repetidos apelos da comunidade internacional nesse sentido (facto provado nº 27.)).
Tendo isto presente, entende o Tribunal que deve ser recusado o regresso da criança GP a Israel, na medida em que existe um risco grave de o regresso da criança fazer com que esta fique exposta a perigo físico e psíquico, bem como existe o risco de a criança ser colocada numa situação intolerável, mostrando-se, por conseguinte, preenchida a excepção ao regresso da criança prevista no artigo 13º, 1º §, alínea b) da Convenção de Haia de 1980.
Com efeito, em face da factualidade dada como provada e acima transcrita é possível concluir pela verificação de um risco real e efectivo de verificação dos perigos contidos no artigo 13º, 1º §, alínea b) da Convenção de Haia de 1980 caso fosse ordenado o regresso da criança GP a Israel.
Ademais, ordenar o regresso da criança GP a Israel num contexto de guerra (sem fim à vista) seria colocá-la numa situação intolerável, na medida em que se trata de um contexto de conflito que razoavelmente não se pode esperar que a criança deva vivenciar.
Por outra banda, desde Novembro de 2023 que a criança GP se encontra a residir com a requerida/progenitora nas ... (facto provado nº 9.)), o agregado familiar da criança encontra-se integrado na comunidade local (facto provado nº 34.)), a criança ingressou na turma do 1º ano de escolaridade da EB1,2 JI das … das ... no dia 27-11-2023 (facto provado nº 35.)), convive com amigos na escola e após a escola (facto provado nº 38.)) e tem a requerida/progenitora OS como a principal figura de referência (facto provado nº 39.)).
Neste contexto, determinar o regresso da criança GP a Israel, país que se encontra em estado de guerra, separando-a da requerida/progenitora OS, a qual constitui a sua principal figura afectiva de referência, e mostrando-se a criança integrada social e educativamente nas ..., acarretaria para esta indubitavelmente um sofrimento que poria em risco a sua estabilidade emocional, afectiva e psicológica, reflectindo-se necessariamente no seu normal desenvolvimento.
Tal situação traduz-se quanto a nós na verificação da situação de risco grave para a criança GP de, com o seu retorno a Israel, ficar sujeita a perigos de ordem psíquica a que alude o apontado artigo 13º, 1º §, alínea b) da Convenção de Haia de 1980.
Refira-se por último, mas não menos importante, que a criança GP recusa regressar a Israel por ter medo da guerra e por saber que está proibida de sair de Israel, pretendendo ficar a residir em Portugal (facto provado nº 40.)), o que se consubstancia no preenchimento da excepção à ordem de regresso da criança vertida no artigo 13º, 2º § da Convenção de Haia de 1980, entendendo-se que a criança atingiu já uma idade e um grau de maturidade tais que levam a tomar em consideração as suas opiniões sobre o assunto. Aliás, sobre o valor das declarações prestadas pela criança, observa Maria Clara Sottomayor que “deve presumir-se a capacidade natural da criança para se pronunciar sobre as suas relações afetivas e sobre o seu destino, cabendo, a quem entende que a criança não é suficiente madura para tal, o ónus da prova da incapacidade ou da imaturidade”, sendo certo que não foi feita prova quanto à incapacidade ou à imaturidade da criança GP (in Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais, Almedina, 2011, 5ª Edição, p. 151).
Percebemos que uma decisão de não regresso da criança GP a Israel poderá implicar um afastamento (físico e afectivo) do progenitor, mas a criança mostrou-se com maturidade suficiente para antever essa possibilidade, o que não a demoveu de se manifestar no sentido da fixação da residência em Portugal junto da progenitora.
Ressalva-se que com todo o exposto não se pretende defender que é legítimo que um dos progenitores, por decisão unilateral, desloque ou retenha a criança num país diferente daquele onde tinha a sua residência habitual, nem justificar a acção ilícita desses progenitores.
Todavia, perante o sucedido, o que então importa salvaguardar é, como se referiu, o superior interesse das crianças, procurando encontrar aquela que, sob o ponto de vista desse interesse, é a melhor solução para o seu bem-estar e desenvolvimento harmonioso.
Em jeito de síntese e nas palavras de Maria Clara Sottomayor, “(…) deve prevalecer o interesse concreto da criança cujo destino se está a discutir e não o objectivo de prevenir, em geral, o rapto de crianças ou a retenção ilícita”, mais adiantando que “(….) ignorar tal princípio significa uma desresponsabilização dos tribunais em relação ao bem estar de uma criança que reside no seu território nacional” (in op. cit., p. 150-151).
Em conclusão, por verificadas as excepções preceituadas no artigo 13º, 1º §, alínea b), e 2º § da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia em 25 de Outubro de 1980, não será determinado o regresso da criança GP a Israel.”
Pelo exposto o Ministério Público entende que não se encontra verificada a nulidade de falta de pronúncia.
I) Da impugnação do ponto 5. da matéria de facto dada como provada, pretendendo o recorrente que o ponto 5. passe a ter a seguinte redação: “Antes da deslocação para Portugal, a criança residia na cidade de Telavive, vivendo com ambos os pais em regime de residência alternada, aí se encontrando inscrita na escola, para a frequência do ano letivo de 2023/2024.”:
Conforme referido na douta sentença “O facto provado em 5.) assentou no teor da sentença do Tribunal Rabínico Regional de Haifa de 03-01-2021 e junta aos autos a fls. 55 e 56, bem como nas declarações do requerente OP, o qual afirmou que qualquer mudança do acordo de regulação das responsabilidades parentais tem de ser comunicada ao Tribunal de Israel, mais tendo realçado que a decisão de vinda para Portugal não foi comunicada ao Tribunal de Israel, e ainda nas declarações da requerida OS, a qual afirmou que a mudança de residência da criança GP estaria dependente de acordo entre os progenitores conforme sentença do Tribunal Rabínico.”
A impugnação da matéria de facto em sede de recurso obedece às regras contidas no artigo 640.º do CPC. Segundo elas, o recorrente pode impugnar a decisão sobre a matéria de facto, desde que especifique, sob pena de rejeição do respetivo recurso:
- Os pontos da matéria de facto de que discorda;
- Os meios probatórios que impõem decisão diversa da recorrida;
- A decisão que, em seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
O recorrente não cumpriu estes ónus, nomeadamente embora indique o ponto da matéria de facto de que discorda, não indica o que, estando provado, entende que não o deviam ter sido. O que o recorrente fez foi indicar dois documentos e requerer pura e simplesmente a alteração do facto do ponto 5., na sua narrativa especifica que o facto provado no ponto 5. deve ser excluído, mas não dizem porquê e, portanto, sem necessidade de mais considerações o Ministério Público entende que deve ser rejeitada a alteração deste facto, por falta de cumprimento dos requisitos legais do artigo 640.º do CPC.
J) Da impugnação dos pontos 21 a 27, 39 e 40 da matéria de facto dada como provada, pretendendo que as seguintes alterações:
“24.1 - As situações relatadas nos pontos 21 a 24 ocorreram a cerca de 70 km da cidade da residência habitual da criança, Telavive, cidade onde não se registaram, até ao momento, quaisquer feridos ou mortos em consequência do conflito israelo-palestiniano.”
“25.1 - Israel dispõe de um dos sistemas de proteção aérea mais sofisticados do mundo.”.
“25.2 - Os danos causados com os mísseis e drones lançados contra Israel foram mínimos, dos mesmos não tendo resultado quaisquer vítimas mortais ou feridos graves.”.
“27.1 - A cidade de Telavive vive atualmente uma situação de normalidade, inexistindo presentemente quaisquer constrangimentos impostos à população por força do conflito Israelo-palestiniano.”.
“39 – Desde que vivem em Portugal, a requerida OS assegura as necessidades da criança, mantendo organizadas as suas rotinas e cuidados educativos.”.
“39.1 – Em Israel, ambos os progenitores asseguravam os cuidados da criança, mantendo a menina uma forte ligação afetiva com ambos os pais.”.
“39.2 – GP demonstra sofrimento por estar afastada da figura paterna.”.
“40 – A criança GP, na sua audição, disse não querer regressar a Israel por ter medo da guerra e por saber que está proibida de sair de Israel, referindo querer ficar a residir em Portugal.”.
“40. 1 – Porém, após a sua audição, a menina confidenciou ao avô paterno que disse não querer regressar porque a mãe assim lho pediu, e que acha as ... um local “chato”.”.
Para a impugnação da matéria de facto dada como provada dos pontos 21. a 27. diremos o que já referimos no ponto anterior, é que a impugnação da matéria de facto em sede de recurso obedece às regras contidas no artigo 640.º do CPC. Segundo elas, o recorrente pode impugnar a decisão sobre a matéria de facto, desde que especifique, sob pena de rejeição do respetivo recurso:
- Os pontos da matéria de facto de que discorda;
- Os meios probatórios que impõem decisão diversa da recorrida;
- A decisão que, em seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
O recorrente não cumpriu estes ónus, nomeadamente embora indique o ponto da matéria de facto de que discorda, não indica o que, estando provado, entende que não o deviam ter sido. O que o recorrente fez foi indicar dois documentos e requerer pura e simplesmente a alteração dos factos do ponto 21 a 27., na sua narrativa especifica que os factos provados nos pontos 21. a 27. Deve ser excluído, mas não dizem porquê e, portanto, sem necessidade de mais considerações o Ministério Público entende que deve ser rejeitada a alteração deste facto, por falta de cumprimento dos requisitos legais do artigo 640.º do CPC.
Para a alteração da matéria de facto constante nos artigos 39. e 40. o recorrente pretende juntar agora documentos aos autos, nomeadamente os documentos n.ºs 1, 2 e 3 (artigos 13 e 18. Das conclusões de recurso).
Segundo o disposto no artigo 651º do Código de Processo Civil, “1 - As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. 2 – As partes podem juntar pareceres de jurisconsultos até ao início do prazo para a elaboração do projeto de acórdão.”.
Por sua vez, preceitua o artigo 425º do Código de Processo Civil que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”.
A propósito da junção de documentos na fase de recurso refere Abrantes Geraldes que “Em sede de recurso, é legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objectiva ou subjectiva). Podem ainda ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo. A jurisprudência anterior sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa ao resultado” (in Recursos em Processo Civil, Almedina, 7ª Edição Actualizada, 2022, p. 286 e 287).
Conforme se extrai do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-09-2016 (Processo nº 1203/14.6TBSTS.P1; Relator: Manuel Domingos Fernandes; disponível em www.dgsi.pt), “I - Da articulação lógica entre o artigo 651º, nº 1 do CPC e os artigos 425º e 423º do mesmo Código resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excepcional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (2) ter o julgamento de primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional. II - Quanto ao primeiro elemento, a impossibilidade refere-se à superveniência do documento, referida ao momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objectiva ou superveniência subjectiva. III - Objectivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento considerado, não abrangendo incidências situadas, relativamente a esse momento, no passado. Subjectivamente, é superveniente o que só foi conhecido posteriormente ao mesmo momento considerado. IV - Neste caso (superveniência subjectiva) é necessário, como requisito de admissão do documento, a justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante o carácter pretérito da situação quanto ao momento considerado, só ocorreu posteriormente a este e por razões que se prefigurem como atendíveis. V - Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento. VI - No documento autêntico, o documentador garante, pela fé pública de que está revestido, que os factos, que documenta, se passaram; mas não garante, nem pode garantir, que tais factos correspondem à verdade. (…)”.
A junção de documentos com as alegações de recurso é, na verdade, excecional, desde logo porque, ainda que se impugne a matéria de facto, não visa esta provocar um segundo julgamento pelo Tribunal da Relação, nem os julgamentos podem ser prolongados “ad infinitum”, nem o contraditório pode assumir na fase de recurso a mesma dimensão que tem numa audiência de discussão e julgamento, com a imediação que esta proporciona e com todas as virtualidades que a discussão que, no seu âmbito, se desenrola, permite.
Como resulta do que dispõe o artigo 651º, nº1 do Código de Processo Civil, a junção de documentos, em fase de recurso, apenas é consentida com as alegações.
Trata-se, aliás, de um mecanismo de utilização excecional, pois pressupõe a verificação das situações previstas no artigo 425º do Código de Processo Civil ou que a apresentação do documento se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.
Nos presentes autos, a junção dos documentos por parte do recorrente teve lugar, não com o oferecimento das alegações (datadas de 06-06-2024; referência: 5762028), mas em requerimento avulso posteriormente apresentado pelo recorrente (datado de 07-06-2024; referência: 5763781).
Seria ato não permitido a admissão de documentos apresentados depois do prazo legal.
Sendo a junção de documentos possível apenas com a apresentação das alegações de recurso, isso envolve a existência de um prazo perentório, já que não se prevê a possibilidade da sua prorrogação (artigo 141º, nº 1 do Código de Processo Civil).
Conforme se exarou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-09-2019 (Processo nº 1238/14.9TVLSB.L1.S2; Relatora: Rosa Ribeiro Coelho; disponível em www.dgsi.pt), “I – A faculdade de junção de documentos em fase de recurso é de natureza excecional e não é possível depois da apresentação das alegações, por a lei não admitir a prorrogação do prazo constante do art. 651º, nº 1 do CPC. II – A junção em momento posterior não pode ser permitida ao abrigo do art. 6º, nº 1 do mesmo diploma – dever de gestão processual a cargo do juiz – por este visar uma tramitação expedita dentro dos mecanismos previstos na lei, e não a realização de atos não permitidos por lei. (…)”.
Pelo exposto o Ministério Público entende que deve ser indeferida a junção de novos documentos agora juntos aos autos pelo recorrente.
K) Do não preenchimento da exceção prevista no artigo 13.º, § 1.º, alínea b), da Convenção de Haia de 1980, o Ministério Público acompanha o entendimento do Tribunal que se passa a transcrever:
“Chegados aqui, importará agora analisar se se regista alguma das aludidas excepções ao dever de ordenar/determinar o regresso da criança GP ao país do seu inicial domicílio (Israel), tendo como ponto de partida que na avaliação do preenchimento das situações de excepção vertidas no artigo 13º da Convenção de Haia de 1980 exige-se que seja feito um juízo de ponderação e conformidade entre o regresso da criança e o seu interesse, e que o mesmo terá de se fundar, inequivocamente, na salvaguarda do superior interesse da criança, elemento fundamental subjacente à Convenção de Haia de 1980 e expressamente imposto pelo arrigo 3º da Convenção sobre os Direitos da Criançara, tendo em conta o quadro factual acima provado e elencado, e ressalvado o devido respeito por entendimento diverso, entende o Tribunal que a fattispecie do regime excepcional previsto no artigo 13º da Convenção de Haia de 1980 se mostra preenchida.
Analisando.
Desde logo, o que motivou o acordo dos progenitores quando à saída da criança GP de Israel foi o ataque terrorista perpetrado contra este Estado e os seus cidadãos em 07-10-2023, no qual foram lançados sobre Israel pelo grupo terrorista palestiniano Hamas milhares de rockets e tal ataque/invasão provocou a morte de cerca de 1200 pessoas e mais de 200 pessoas foram levadas como reféns para Gaza (factos provados nº 6.) e 21.)).
Por outro lado e em resultado de tal evento, Israel lançou um campanha militar sobre a Faixa de Gaza, da qual resultaram dezenas de milhares de mortos e de feridos, provocou a deslocação da esmagadora maioria da população de Gaza, mergulhou o enclave palestiniano numa grave crise humanitária, e dezenas de milhares de cidadãos israelitas residentes em torno da Faixa de Gaza e perto da fronteira com o Líbano foram evacuados de suas casas (factos provados nºs 22.) a 24.)).
Por outra banda e no decurso da guerra entre Israel e o Hamas, o território israelita foi atacado com centenas de mísseis e drones lançados desde o Líbano, pelo Hezbollah, e particularmente pelo Irão (facto provado nº 25.)).
Ademais, prossegue a guerra entre Israel e o Hamas, a qual não tem fim à vista, não obstante as negociações que têm vindo a ser encetadas por um cessar fogo e os repetidos apelos da comunidade internacional nesse sentido (facto provado nº 27.)).
Tendo isto presente, entende o Tribunal que deve ser recusado o regresso da criança GP a Israel, na medida em que existe um risco grave de o regresso da criança fazer com que esta fique exposta a perigo físico e psíquico, bem como existe o risco de a criança ser colocada numa situação intolerável, mostrando-se, por conseguinte, preenchida a excepção ao regresso da criança prevista no artigo 13º, 1º §, alínea b) da Convenção de Haia de 1980.
Com efeito, em face da factualidade dada como provada e acima transcrita é possível concluir pela verificação de um risco real e efectivo de verificação dos perigos contidos no artigo 13º, 1º §, alínea b) da Convenção de Haia de 1980 caso fosse ordenado o regresso da criança GP a Israel.
Ademais, ordenar o regresso da criança GP a Israel num contexto de guerra (sem fim à vista) seria colocá-la numa situação intolerável, na medida em que se trata de um contexto de conflito que razoavelmente não se pode esperar que a criança deva vivenciar.
Por outra banda, desde Novembro de 2023 que a criança GP se encontra a residir com a requerida/progenitora nas ... (facto provado nº 9.)), o agregado familiar da criança encontra-se integrado na comunidade local (facto provado nº 34.)), a criança ingressou na turma do 1º ano de escolaridade da EB1,2 JI das Lajes das ... no dia 27-11-2023 (facto provado nº 35.)), convive com amigos na escola e após a escola (facto provado nº 38.)) e tem a requerida/progenitora OS como a principal figura de referência (facto provado nº 39.)).
Neste contexto, determinar o regresso da criança GP a Israel, país que se encontra em estado de guerra, separando-a da requerida/progenitora OS, a qual constitui a sua principal figura afectiva de referência, e mostrando-se a criança integrada social e educativamente nas ..., acarretaria para esta indubitavelmente um sofrimento que poria em risco a sua estabilidade emocional, afectiva e psicológica, reflectindo-se necessariamente no seu normal desenvolvimento.
Tal situação traduz-se quanto a nós na verificação da situação de risco grave para a criança GP de, com o seu retorno a Israel, ficar sujeita a perigos de ordem psíquica a que alude o apontado artigo 13º, 1º §, alínea b) da Convenção de Haia de 1980”.
Pelo exposto deve também nesta parte o recurso improceder.
L) Da idade da criança e do seu grau de maturidade:
A criança GP nasceu em 01.01.2017, tem atualmente 7 anos de idade, podemos facilmente inferir conforme relatório psicológico (fls. 373) e declarações de C…, psicóloga da Escola Básica e Secundária da Ilha das ..., que acompanha a criança na escola, constantes do sistema “citius media studio”, prestadas em 03.05.2024, a partir das 18h15min40ss, que a criança tem noção da guerra em Israel e que a mesma tem maturidade suficiente para se pronunciar sobre aspetos importantes da sua vida nomeadamente onde quer ficar a residir.
Pelo exposto entendemos que a criança, embora tenha 7 anos de idade, tem um grau de maturidade que permitiu ao Tribunal tomar em conta a sua opinião, motivo pelo qual deve ser indeferida a pretensão do recorrente na parte em que alega que não podem ser tomadas em conta as declarações da criança.
M) Da recusa da criança em regressar a Israel:
O recorrente impugnou o facto dado como provado na sentença no seu ponto 40. com a junção de novos documentos aos autos, tal como já referimos entendemos que tal não é admissível nos termos e com os fundamentos já invocados.
Das declarações da criança resulta claramente que a mesma não quer regressar a Israel sendo que invocou ter medo da guerra e de gostar de viver em Portugal com a mãe com quem tem laços de afetividade muito fortes, e são esses os motivos pelos qual não quer voltar a Israel.
O Ministério Público entende que a opinião da criança é essencial na medida em que os ordenamentos jurídicos internacional e interno reconhecem a todas as crianças, com capacidade de discernimento, o direito de exprimirem livremente as suas opiniões sobre as questões que lhes digam respeito, de acordo com a sua idade ou maturidade, participarem nessas mesmas decisões onde devam ser tidas em conta essas opiniões e, bem assim, o direito de serem ouvidas nos processos que lhes respeitem.
Cada processo tem, em regra, um nome e a este corresponde um rosto e uma voz ou qualquer outra forma de expressão, deste modo, o direito de audição e de participação integra um dos quatro pilares da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança.
Considerar a criança como ser autónomo, sujeito dotado de plenos direitos, sem lhe conferir a possibilidade de participação e de audição nas questões que lhe diga respeito implica que os adultos saibam interiorizar esta nova conceção da criança como pessoa e concretizar o seu superior interesse e os seus direitos fundamentais.
Na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, o direito de audição e de participação encontra-se previsto no artigo 12.º, vinculando os Estados Partes a garantir à criança o exercício do direito de tomar parte nas decisões que a afetem, exprimindo livremente a sua decisão, sendo ouvida e levada em conta a sua opinião.
Dispõe o seu artigo 12.º, n.º 1, que: “Os Estados Partes garantem à criança com capacidade de discernimento o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitem, sendo devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade.” E no seu n.º 2 que: “Para este fim, é assegurada à criança a oportunidade de ser ouvida nos processos judiciais e administrativos que lhe respeitem, seja directamente, seja através de representante ou de organismo adequado, segundo as modalidades previstas pelas regras de processo da legislação nacional.”.
A audição e a participação da criança nos processos que lhe digam respeito deve ser realizada de forma transparente e informativa, deve decorrer de forma voluntária, respeitosa, relevante, amiga da criança, inclusiva, ser realizada por quem tenha formação adequada, segura e atenta aos riscos resultantes da participação, fundamentada, sujeita e aberta à avaliação crítica por parte da criança.
Este direito de audição e de participação da criança implica uma relação dialogante entre a criança e o adulto, ouvindo-a e considerando a sua opinião antes de tomar uma decisão que a afete.
No âmbito do Conselho da Europa, merecem especial referência os artigos 3.º e 6.º da Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos, os quais estabelecem o direito da criança no sentido de:
1 - Obter todas as informações relevantes, cabendo à autoridade judicial assegurar-se que dispõe de informação suficiente para tomar uma decisão no superior interesse da criança e que esta recebeu aquelas informações;
2 - Ser consultada e exprimir a sua opinião, incumbindo à autoridade judicial consultar pessoalmente a criança, se necessário em privado, diretamente ou através de outras pessoas, numa forma ade- quada à capacidade de discernimento da criança, permitindo-lhe que exprima a sua opinião e tendo em conta essa opinião expressa pela criança; e
3 - Ser informada sobre as possíveis consequências de se agir em conformidade com a sua opinião, bem como sobre as possíveis consequências de qualquer decisão.
Dispõe o artigo 3.º que: “À criança que à luz do direito interno se considere ter discernimento suficiente deverão ser concedidos, nos processos perante uma autoridade judicial que lhe digam respeito, os seguintes direitos, cujo exercício ela pode solicitar: a) Obter todas as informações relevantes; b) Ser consultada e exprimir a sua opinião; c) Ser informada sobre as possíveis consequências de se agir em conformidade com a sua opinião, bem como sobre as possíveis consequências de qualquer decisão.” e o artigo 6.º, estabelece que “Nos processos perante uma autoridade judicial, antes de tomar uma decisão, deverá: a) Verifica se dispõe de informação suficiente para tomar uma decisão no superior interesse da criança e, se necessário, obter mais informações, nomeada- mente junto dos titulares das responsabilidades parentais; b) Caso à luz do direito interno se considere que a criança tem discernimento suficiente: - Assegurar que a criança recebeu toda a informação relevante; - Consultar pessoalmente a crianças nos casos apropriados, se necessário em privado, directamente ou através de outras pessoas ou entidades, numa forma adequada à capacidade de discernimento da criança, a menos que tal seja manifestamente contrário ao interesse superior da criança; - Permitir que a criança exprima a sua opinião; c) Ter devidamente em conta as opiniões expressas pela criança.”.
Merece especial consideração também a Recomendação 1864 (2009) da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa para a promoção da participação das crianças nas decisões a seu respeito ao estabelecer que, na participação, os adultos não devem ser apenas ouvintes, mas também considerar e seguir as opiniões expressas pelas crianças, para que estas se empenhem em ações eficazes que revertam em mudanças positivas a seu favor, incumbindo aos Estados Membros oferecer formação sobre os direitos da criança nos processos de decisão, em particular aos juízes, procuradores, juristas, educadores e pessoal médico, bem como ao desenvolvimento de todos os profissionais que trabalham com crianças a capacidade de consultar crianças de grupos etários diversos.
Também a Recomendação CM/Rec (2012) do Comité de Ministros do Conselho da Europa, veio recomendar aos Estados Membros que se certifiquem de que toda a criança pode exercer o seu direito a ser ouvida, para ser levada a sério e participar na tomada de decisões em todos os assuntos que lhe digam respeito, tomando em consideração o seu ponto de vista, tendo em conta a sua idade e grau de maturidade.
Na concretização deste direito, são igualmente importantes as Diretrizes do Comité de Ministros do Conselho da Europa sobre a Justiça Adaptada às Crianças, enfatizando a adaptação dos meios utilizados para a audição da criança ao seu nível de compreensão, a consideração dos seus pontos de vista e opiniões, bem como o seu direito (e não dever) a ser ouvida, mediante a obtenção da informação necessária a essa audição e participação e a explicação das decisões numa linguagem compreensível, audição essa que deve ser conduzida por profissionais qualificados, sujeitos a avaliação, num ambiente e condições adequadas à sua idade, maturidade, nível de compreensão ou quaisquer dificuldades de comunicação que possa ter (Diretrizes 44 a 49, 54 a 57, 62, 64 a 68 e 71 a 74).
Concretizando igualmente as obrigações dos Estados emergentes do artigo 11.º da Convenção dos Direitos da Criança, o artigo 13.º, § 2.º da Convenção sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças estabelece que a autoridade judicial pode fundamentar a recusa de regresso de uma criança quando verifique que esta se opõe a esse regresso e a mesma tenha atingido uma idade e um grau de maturidade, que levem a tomar em consideração as suas opiniões sobre o assunto.
No âmbito da União Europeia, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, estabelece que as crianças devem poder exprimir livremente a sua opinião, sendo esta tomada em consideração nos assuntos que lhes digam respeito, em função da sua idade e maturidade (artigo 24.º, n.º 1).
Enquanto instrumento essencial da integração europeia, a audição e participação da criança nos processos judiciais em que sejam intervenientes, de acordo com a sua idade e maturidade, é também particularmente relevante enquanto condição essencial para a executoriedade de decisões relativas aos direitos de convívio da criança com os seus progenitores ou relativas à deslocação ou retenção ilícita de crianças (artigos 23.º, alínea b), 41.º, n.º 3, alínea c) e 42.º, n.º 2, alínea a), todos do Regulamento (CE) n.º 2203/2001, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental).
Com o objetivo de investir nos direitos das crianças para quebrar o ciclo vicioso da desigualdade, enquanto fator promotor do respeito pela dignidade humana, a Recomendação da Comissão de 20 de Fevereiro de 2013 (2013/112/EU) sugere aos Estados Membros a criação de mecanismos que capacitem e encorajam a participação das crianças nas decisões que lhes dizem respeito e do qual decorre o direito da criança a ser ouvida em todos os procedimentos judiciais em que sejam intervenientes, promovendo uma justiça sensível às crianças.
O Regime Geral do Processo Tutelar Cível, no seu artigo 4.º, do sob a epigrafe “Princípios orientadores” estabelece no n.º 1, alínea c), que: “Audição e participação da Criança - a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse.”, e no n.º 2, que: “Para efeitos do disposto na alínea c) do número anterior, o juiz afere, casuisticamente e por despacho, a capacidade de compreensão dos assuntos em discussão pela criança, podendo para o efeito recorrer ao apoio da assessoria técnica.”.
No seu Artigo 5.º, sob a epigrafe “Audição da criança”, dispõe o n.º 1, que: “A criança tem direito a ser ouvida, sendo a sua opinião tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse.”, e no n.º 2, que: “Para efeitos do disposto no número anterior, o juiz promove a audição da criança, a qual pode ter lugar em diligência judicial especialmente agendada para o efeito.”, no n.º 3, que “A audição da criança é precedida da prestação de informação clara sobre o significado e alcance da mesma.”, no n.º 4, que: “A audição da criança respeita a sua específica condição, garantindo-se em qualquer caso, a existência de condições adequadas para o efeito, designadamente: a) A não sujeição da criança a espaço ou ambiente intimidatório, hostil ou inadequado à sua idade, maturidade e características pessoais; b) A intervenção de operadores judiciários com formação adequada.”. No seu n.º 5, que: “Tendo em vista o cumprimento do disposto no número anterior, privilegia-se a não utilização de traje profissional aquando da audição da criança.”. No seu n.º 6, que: “Se o interesse superior da criança ou do jovem o justificar, o tribunal, a requerimento ou oficiosamente, pode proceder à audição da criança, em qualquer fase do processo, a fim de que o seu depoimento possa ser considerado como meio probatório nos actos processuais posteriores, incluindo o julgamento.”, e no seu n.º 7, que: “A tomada de declarações obedece às seguintes regras: a) A tomada de declarações é realizada em ambiente informal e reservado, com vista a garantir, nomeadamente, a espontaneidade e a sinceridade das respostas, devendo a criança ser assistida no decurso do ato processual por um técnico especialmente habilitado para o seu acompanhamento, previamente designado para o efeito; b) A inquirição é feita pelo juiz, podendo o Ministério Público e os advogados formular perguntas adicionais; c) As declarações da criança são gravadas mediante registo áudio ou audiovisual, só podendo ser utilizados outros meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral daquelas quando aqueles meios não estiverem disponíveis e dando-se preferência, em qualquer caso, à gravação audiovisual sempre que a natureza do assunto a decidir ou o interesse da criança assim o exigirem; d) Quando em processo-crime a criança tenha prestado declarações para memória futura, podem estas ser consideradas como meio probatório no processo tutelar cível; e) Quando em processo de natureza cível a criança tenha prestado declarações perante o juiz ou Ministério Público, com observância do princípio do contraditório, podem estas ser consideradas como meio probatório no processo tutelar cível; f) A tomada de declarações nos termos das alíneas anteriores não prejudica a prestação de depoimento em audiência de julgamento, sempre que ela deva ser possível e não puser em causa a saúde física e psíquica e o desenvolvimento integral da criança; g) Em tudo o que não contrarie este preceito, aplica-se, com as necessárias adaptações, o regime processual civil previsto para a prova antecipada.”
Entendemos, portanto, que deve ser valorizada e respeitada a decisão da criança de não regressar a Israel».
1.12. O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo (cfr. despacho de 12.06.2024), sendo que, sobre a nulidade invocada, o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho (03.07.2024):
«Invoca o Requerente, em síntese apertada, que, embora o acervo fáctico constante dos pontos 21 a 27 da matéria de facto provada se reporte ao contexto geopolítico de Israel e da Faixa de Gaza, o Tribunal não se pronunciou sobre a situação vivencial da criança no local da sua efectiva residência habitual, abstendo-se de tomar posição quanto a este aspecto. Invoca ainda que a situação anterior da criança no país da residência habitual (onde vivia, com qual dos pais, se frequentava a escola) se tem por relevante para a decisão a proferir, nada se referindo na decisão quanto a estes aspectos.
Conclui que o Tribunal ao não tomar posição expressa quanto a esta factualidade verifica-se omissão de pronúncia, a qual implica a nulidade da decisão nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil.
Segundo o disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil, “É nula a sentença quando: d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; (…)”.
Conforme referido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04-05-2022 (Processo nº 2774/16.8T8PRT.P2; Relator: Pedro Damião e Cunha; disponível em www.dgsi.pt), “I - Segundo o disposto no art. 615º, nº 1, al. d) do CPC, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. II - Neste âmbito, importa ter bem presente que as questões submetidas à apreciação do tribunal a que o legislador se refere se identificam com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. III - Nessa medida, embora a não apreciação de algum fundamento fáctico ou argumento jurídico, invocado pela parte, possa, eventualmente, prejudicar a boa decisão sobre o mérito das questões suscitadas, daí apenas pode decorrer um eventual erro de julgamento (“error in iudicando”), mas não já um vício (formal) de omissão de pronúncia. IV - Ou seja, este tipo de omissão pode, eventualmente, conduzir a um erro de julgamento quanto à matéria de facto e/ou quanto às questões de direito esgrimidas nos autos e, portanto, logicamente, nessa medida, só em sede de impugnação da decisão de facto ou de dissídio jurídico perante a decisão, se pode/deve colocar a questão. (…)”.
Segundo o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-04-2024 (Processo nº 1812/18.4T8BRR-H.L2-4; Relator: Carlos Castelo Branco; disponível em www.dgsi.pt), “1) A não apreciação de algum fundamento fáctico ou argumento jurídico, invocado pela parte que, possa, eventualmente, prejudicar a boa decisão sobre o mérito das questões – de facto e/ou de direito - suscitadas não conduz à existência do vício de omissão de pronúncia, a que se refere o artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, por estar em causa, quando muito, um erro de julgamento e, não, uma falta de pronúncia sobre questões que o juiz devesse apreciar. (…)”.
O Tribunal pronunciou-se quanto à situação anterior da criança no país da residência habitual ao dar como provados na sentença os factos vertidos em 3.) a 5.), factualidade que se reputou como necessária e suficiente para aferir/apreciar, desde logo, da ilicitude da deslocação e/ou retenção da criança, a qual tem dois pressupostos:
- a violação de um direito de custódia atribuída pelo Direito do Estado onde a criança tinha a sua residência habitual antes da sua transferência ou da sua retenção;
- o exercício efectivo desse direito no momento da transferência ou da retenção (artigos 3º e 5, alínea a) da Convenção de Haia de 1980).
Quanto ao segundo aspecto invocado, isto é, a situação vivencial da criança no local da sua efectiva residência habitual (Tel Aviv), os elementos carreados aos autos pelo Requerente em nada influenciaram ou colocaram em crise a convicção do Tribunal quanto ao contexto de guerra vivenciado em Israel, motivo pelo qual não foram considerados pelo Tribunal. Com efeito, ainda que a situação vivenciada em Tel Aviv, cidade da residência habitual da criança, possa ser algo distinta da vivenciada noutras zonas de Israel, tal não invalidou a conclusão a que se chegou a propósito do contexto de guerra vivenciado em Israel e sobre a qual o Tribunal se pronunciou ao julgar como provado nos factos 21.) a 27.) da sentença.
Atento o exposto, entende o Tribunal que não se verifica a nulidade invocada».
1.13. Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – QUESTÃO PRÉVIA
Nas suas alegações, o recorrente requereu a junção aos autos de quatro documentos.
Através dos documentos n.ºs 1 e 2, pretende o recorrente demonstrar «as reações da menina ao saber que teria de se separar novamente do Recorrente, mostrando-se esta inconsolável ao saber que o Pai ia viajar novamente para Israel, referindo mesmo que não queria voltar para a Recorrida» (cfr. pág. 17 das alegações de recurso).
Com o documento n.º 3, pretende o recorrente provar que «após a sua audição, a criança confidenciou ao avô que apenas disse que não queria voltar porque a mãe assim lho pediu e que acha a ilha das ... um local aborrecido e chato» (cfr. pág. 20 das alegações de recurso).
Com o documento n.º 5, que constitui um parecer jurídico (o doc. n.º 4 é uma tradução de uma sentença que o recorrente junta como referência jurisprudencial) o recorrente pretende evidenciar que «o conflito militar na Faixa de Gaza como os ineficazes ataques por via de misseis a Israel não implicam qualquer perigo concreto para a população de Telavive, inexistindo qualquer perigo real e sério de que a criança GP possa vir a ser colocada, com o seu regresso a Israel, numa situação inaceitável».
Não apresenta o recorrente qualquer justificação para a apresentação dos referidos documentos só nesta fase.
A recorrida e o Ministério Público opuseram-se à junção.
Vejamos.
De acordo com o disposto no art. 651.º, n.º 1 do CPC, «as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância».
Por sua vez, o art. 425.º do CPC estatui que «depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento».
Ora, desde logo, e tal como salienta Rui Pinto, in Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, 2014, p. 265, «Os documentos apresentados referem-se a factos já trazidos ao processo, nos articulados normais ou nos articulados supervenientes (cf. artigos 588º e ss.). Portanto, a regra é a de que os documentos supervenientes não trazem ao processo factos supervenientes».
No que respeita à impossibilidade de apresentação anterior, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, II, Coimbra Editora, 2001, p. 426, consideram que «Constituem exemplos de impossibilidade de apresentação o de o documento se encontrar em poder de terceiro, que só posteriormente o disponibiliza, de a certidão de documento arquivado em notário ou outra repartição pública, atempadamente requerida, só posteriormente ser emitida [superveniência objetiva] ou de a parte só posteriormente ter conhecimento da existência do documento [superveniência subjetiva]. Nos dois primeiros casos, será necessário que se tenham esgotado anteriormente os meios dos arts. 531 a 537 [atuais Artigos 432º a 437º do Código de Processo Civil]».
Rui Pinto, Ob. Cit., p. 314, refere que, no «tocante à superveniência subjectiva não basta invocar que só se teve conhecimento da existência do documento depois do encerramento da discussão em 1.ª instância, já que isso abria de par em par a porta a todas as incúrias e imprevidências das partes: a parte deve alegar – e provar – a impossibilidade da sua junção naquele momento e, portanto, que o desconhecimento da existência do documento não deriva de culpa sua. Realmente, a superveniência subjectiva pressupõe o desconhecimento não culposo da existência do documento».
Quanto à necessidade da junção em virtude do julgamento da primeira instância (art. 651.º, n.º 1, do CPC), Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, p. 184, afirma que «podem ainda ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, máxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo. A jurisprudência anterior sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado».
Do exposto, decorre, pois, que o regime consagrado no n.º 1 do art. 651.º do CPC não permite a junção à alegação de documento potencialmente útil à causa ab initio e que poderia e deveria ter sido apresentado em 1.ª instância.
No caso vertente, com a alegação de recurso (apresentada em 06.06.2024), o recorrente juntou o documento n.º 1 (que constitui uma gravação vídeo da menor) e o documento n.º 5 (parecer jurídico).
A junção do parecer, enquanto tal (e não como meio de prova), é, inequivocamente, admissível nos termos previstos no art. 651.º, n.º 2 do CPC, sendo que as objecções levantadas pela recorrida nos arts. 66.º a 68.º da suas contra-alegações têm que ver com o valor técnico-científico do parecer em causa e não tanto com a sua admissibilidade.
No que concerne ao vídeo referido, desconhece-se, por não ter sido indicada, a data em que o mesmo foi feito ou a data em que o recorrente dele teve conhecimento e obteve a sua disponibilização, nada tendo sido alegado quanto a uma eventual impossibilidade de junção até ao encerramento da discussão. Também no que respeita à eventual necessidade da junção em virtude do julgamento da primeira instância, o recorrente nada invoca, sendo certo que a relevância dos factos que com o mesmo pretende ver provados decorre da posição das partes expressa nos seus articulados e não do julgamento.
Saliente-se que, tal como se decidiu no acórdão da RL de 26.09.2016, in www.dgsi.pt, «I - Da articulação lógica entre o artigo 651º, nº 1 do CPC e os artigos 425º e 423º do mesmo Código resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excepcional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (2) ter o julgamento de primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional».
Já os documentos n.ºs 2 e 3 foram “apresentados”, através de link wetransfer, para download dos mesmos, no dia 07.06.2024, após a apresentação das alegações, tendo o recorrente alegado que os mesmos excediam a capacidade suportada pela plataforma Citius e que a junção através de link foi feita de acordo com as indicações da Secretaria.
Ignora-se o teor e data dos referidos documentos, por não terem sido alegados e o link mencionado encontrar-se bloqueado, o que impossibilita a formação de qualquer juízo sobre os pressupostos da junção a que se alude nos arts. 425.º e 651.º, n.º 1 do CPC.
Seja, no entanto, como for, e tal como se decidiu no acórdão do STJ de 12.09.2019, in www.dgsi.pt, «a junção de documentos, em fase de recurso, apenas é consentida com as alegações. Trata-se, aliás, de um mecanismo de utilização excecional, pois pressupõe a verificação das situações previstas no art. 425º ou que a apresentação do documento se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância».
No caso em análise, a “junção” dos documentos n.ºs 2 e 3 teve lugar, não com o oferecimento das alegações, mas em requerimento posteriormente apresentado pelo recorrente, que alegou, mas não demonstrou, a incapacidade, pela sua dimensão, de junção com as alegações.
Acresce que o recorrente não procedeu, na verdade, à junção dos referidos documentos, limitando-se a fornecer um link, que, supostamente, permitira o acesso aos mesmos, com a invocação de que tal procedimento foi indicado pela Secretaria, como se a esta coubesse instruir as partes, devidamente representadas por ilustres causídicos, sobre a forma de praticar actos processuais, matéria que decorre, exclusivamente, das normas processuais aplicáveis e não de quaisquer práticas carecidas de cobertura legal.
De qualquer forma, também aqui, o recorrente não alegou factos caracterizadores de situações de superveniência objectiva ou subjectiva dos documentos, nem da necessidade de junção em virtude do julgamento da primeira instância, o que sempre tornaria inadmissível a junção.
Nestes termos, impõe-se:
a) admitir o parecer junto com as alegações de recurso, com a referência “documento n.º 5”;
b) não admitir os documentos n.ºs 1, 2 e 3 juntos com as alegações de recurso e com o requerimento de 07.06.2024 e, por conseguinte, determinar o seu desentranhamento e subsequente entrega ao recorrente.
III – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
Decorre do disposto nos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do CPC, que as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pág. 105 a 106).
Assim, atendendo às conclusões supra transcritas, as questões essenciais a decidir consistem em saber:
a) se a sentença é nula por omissão de pronúncia;
b) se deve ser alterada a matéria de facto;
c) se a sentença recorrida fez uma incorrecta aplicação do direito, nomeadamente, no que concerne ao não regresso da criança a Israel, à luz da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças.
IV – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
3.1. A sentença sob recurso considerou provada a seguinte matéria de facto:
«1 – A criança GP nasceu em 01-01-2017, em ... – Israel, e é filha da requerida OS, de nacionalidade israelita, e do requerente OP, de nacionalidade israelita.
2 – A requerida OS e o requerente OP foram casados por um período de quatro anos (desde 2015 a 2019) e divorciaram-se em 26-11-2019. 3 – As responsabilidades parentais são exercidas pela requerida OS e pelo requerente OP, incluindo o direito de determinar a residência da criança GP.
4 – A sentença do Tribunal Rabínico Regional de Haifa – Israel de 11-11-2019 estabeleceu o regime de responsabilidades parentais, incluídos os momentos em que a criança GP deve estar com cada um dos progenitores.
5 – Por decisão do Tribunal Rabínico Regional de Haifa – Israel de 03-01-2021 a progenitora/requerida OS informou que a sua residência era em Tel Aviv e que não mudaria de morada sem o consentimento do progenitor/requerente OP, necessitando da aprovação do Tribunal Rabínico para o fazer.
6 – Na sequência do ataque terrorista ocorrido a 07-10-2023 em Israel, os progenitores acordaram numa saída temporária da criança GP de Israel na companhia da requerida OS.
7 – No dia 17-10-2023, a criança GP saiu de Israel com a requerida OS e chegaram a Portugal no dia 18-10-2023.
8 – A requerida OS manteve o requerente OP actualizado e informado sobre o percurso da criança GP.
9 – Em 13-11-2023, requerida OS instalou-se na Ilha das ... e informou o requerente OP sobre a situação social, médica, educação e estudos da criança GP.
10 – O requerente OP comunicou à requerida OS que pretendia que a criança GP regressasse a Israel e, num primeiro momento, a requerida OS comunicou-lhe que podia vir buscar a criança GP à Ilha das ..., pois não pretendia regressar a Israel.
11 – Em 27-12-2023, como previamente comunicado à requerida OS, o requerente OP deslocou-se de Israel até à Ilha das ... propositadamente para vir buscar a criança GP e levá-la de volta para Israel.
12 – Ao aterrar na Ilha das ... em 28-12-2023, o requerente OPrecebeu uma mensagem da Requerida OS a informar que não pretendia entregar-lhe a criança GP.
13 – A requerida OS recusou-se a permitir que o requerente OPvisitasse a criança GP.
14 – Face à mensagem mencionada em 12.), o requerente OP, acabado de chegar à Ilha das ..., dirigiu-se à Esquadra da PSP e apresentou participação criminal.
15 – O requerente OPacabou por só conseguir ver a criança GP na esquadra da PSP, tendo depois regressado a Israel sem a criança.
16 – Em 18-02-2024, teve lugar uma audiência no Tribunal da Família em Krayot - Israel, na qual a requerida OS concordou em devolver a criança GP a Israel no prazo de 7 dias.
17 – A requerida OS não regressou com a criança GP a Israel no prazo mencionado em 16.).
18 - Por decisão do Tribunal da Família em Krayot – Israel datada de 22-02-2024, a requerida OS prestou caução para suspender a eficácia da decisão mencionada em 16.).
19 – Por decisão datada de 21-02-2024, o Tribunal Rabínico Regional de Haifa emitiu uma ordem de restrição de saída contra a criança GP até que complete a idade de 18 anos.
20 – A requerida OS e o requerente OP não acordaram que a criança GP fixasse residência em Portugal.
21 – Em 07-10-2023, o grupo terrorista palestiniano Hamas lançou milhares de rockets contra Israel e invadiu o território israelita, provocando a morte de cerca de 1200 pessoas e mais de 200 pessoas foram levadas como reféns para Gaza.
22 – Na sequência do referido em 21.), Israel lançou uma campanha militar na Faixa de Gaza, com ataques aéreos e uma ofensiva terreste, a qual resultou em dezenas de milhares de mortos e de feridos.
23 – Cerca de 1,9 milhões de pessoas, o equivalente a mais de 80% da população total da Faixa de Gaza, foram deslocadas desde o início da guerra entre Hamas e Israel, mergulhando o enclave palestiniano numa grave crise humanitária.
24 – Milhares de cidadãos israelitas residentes em torno da Faixa de Gaza e perto da fronteira com o Líbano foram evacuados de suas casas. 25 – Israel foi atacado com centenas de mísseis e drones lançados desde o Líbano, pelo Hezbollah, e particularmente pelo Irão.
26 – Em 06-04-2024, o Comando da Frente Interna Israelita instou os residentes a garantirem que dispõem de abastecimentos adequados para resistir a uma possível situação de crise, nomeadamente 8 stocks de alimentos suficientes para pelo menos três dias, abastecimento de água, medicamentos necessários e geradores eléctricos para manter a energia.
27 – Prossegue a guerra entre Israel e o Hamas, ao mesmo tempo que continuam as negociações por um cessar fogo e repetem-se os apelos da comunidade internacional nesse sentido.
28 – Desde que a criança GP passou a residir em Portugal, o requerente OPmantém contactos com a criança, via telefone.
29 - A criança GP está integrada no agregado familiar composto pela requerida OS e pelo companheiro desta G…, e residem em moradia sita na Rua …, Ilha das ....
30 – A habitação mencionada em 28.) é composta por cozinha, duas despensas, alpendre, casa de banho de serviço, casa de banho principal, sala de estar/jantar e um quarto de cama, sendo que o único quarto da casa é partilhado pelo agregado familiar, pernoitando a criança GP em cama própria.
31 – A habitação referida em 28.) possui boas condições de habitualidade e salubridade.
32 – A requerida OS não exerce actividade profissional e afirma possuir rendimentos provenientes de dois imóveis/apartamentos em Israel, de montante aproximado de 2.200,00€ por mês.
33 – O companheiro da requerida GA exerce a actividade profissional de engenheiro, na área da inteligência artificial, para duas empresas online, e numa das empresas aufere aproximadamente 2.500,00€ por mês e da outra aufere mensalmente o montante aproximado de 3.000,00€.
34 – O agregado familiar referido em 28.) está integrado na comunidade local.
35 – A criança GP ingressou na turma do 1º ano de escolaridade da EB1,2 JI das Lajes das ... no dia 27-11-2023.
36 – A criança GP é assídua e pontual, e ainda apresenta muitas atitudes imaturas para a idade (passa o tempo a fazer caretas e, quando contrariada ou chamada à atenção, faz beicinho, chora, diz que quer a mãe), distrai-se com muita facilidade, tendo de ser chamada à atenção por variadas vezes, necessitando de apoio individualizado do professor para que possa realizar e concluir todas as actividades propostas.
37 – A criança GP não tem o português como língua materna, comunica razoavelmente em inglês. Devido às dificuldades apresentadas por GP, foi introduzido o método das vinte e oito palavras. Identifica, copia, escreve e lê as palavras em estudo (menino, menina, sapato), no entanto, não identifica nem lê as sílabas, formando novas palavras (simples). Apenas relaciona as figuras com as palavras-chave, o que acaba por, também, não estar a surtir efeito. Foi proposto, no período transato, e aceite, que GP tivesse um momento de apoio para o desenvolvimento do vocabulário português. Tem sido trabalhado vocabulário da sala de aula, formas de saudação e as cores, através de jogos e quadros com imagens, no entanto, não está a surtir o efeito desejado, uma vez que na aula seguinte já não se recorda. Em matemática conta até dez em hebraico e em inglês. Nesta unidade curricular a aluna, reconhece os números trabalhados nas aulas, mas nem sempre os associa corretamente à sua quantidade. Faz contagens progressivas, no entanto apresenta dificuldades nas contagens regressivas. GP também não apresenta grande empenho e vontade na realização das suas tarefas, talvez pela imaturidade que apresenta.
38 – A criança GP convive com duas crianças israelitas e um português nos intervalos das aulas, frequenta a casa destes e estes frequentam a sua casa.
39 – A requerida OS assegura as necessidades da criança, mantendo organizadas as suas rotinas e cuidados educativos, e é tida como a principal figura de referência da criança GP.
40 - A criança GP recusa regressar a Israel por ter medo da guerra e por saber que está proibida de sair de Israel, pretendendo ficar a residir em Portugal».
3.2. A sentença sob recurso considerou não provada a seguinte matéria de facto:
«A - A requerida ficou muito preocupada com a vinda do progenitor à Ilha, pois não sabia com que estado de espírito este chegaria, dado que bem conhece os acessos de raiva que o caracterizam.
B - Com efeito, o divórcio da Requerida e OP deveu-se a um quadro de violência por parte deste para com aquela, a que a menor assistiu.
C - A menor assistiu a actos violentos do pai para com a mãe durante o casamento e após a separação destes dos quais se recorda, temendo que o pai se zangue e comece a gritar, como fazia e faz sempre que algo não lhe agrada.
D - A menor prima por não contrariar o pai, preferindo fazer o que ele quer em detrimento da sua vontade, pois bem sabe que quando o pai se zanga fica agressivo e ela tem medo.
E - A menor numa das visitas que fez recentemente à avó paterna assistiu a uma cena de pancadaria entre o pai e o irmão deste, que ainda hoje menciona e receia que os comportamentos do pai se alterem.
F - Logo que a menor entrar em Israel não poderá deixar o país até cumprir o serviço militar, sendo esta ordem irreversível.
G - Como o serviço militar é obrigatório para as mulheres em Israel, GP terá de o cumprir entre os 18 e os 20 anos, pelo que só poderá voltar a sair do país depois desse momento.
H - A pressão do discurso do pai quanto ao regresso a Israel é de tal ordem que a menor desenvolveu subterfúgios para não falar com o pai ou terminar rapidamente as conversas com este.
I - O progenitor diz a GP que a mãe é uma mentirosa, facto que também leva a que a menor queira acabar as conversas mais rápido.
J - A menor verbaliza que o pai chamou muitos nomes feios à mãe quando veio à ilha e tem medo que ele volte e lhes faça mal.
K - Não raras vezes a requerida ouve o progenitor a difamá-la perante a menor.
L - Antes da conferência de pais ocorrida em Israel já em 2024, o progenitor tentou convencer a menor GP a voltar para Israel.
M - Perante a manifesta recusa da menor em voltar, que afirmou adorar a Ilha das ... ficou sem falar com a menor durante mais de um mês, como forma de retaliação.
N - A menor ficou triste e perguntou pelo pai diversas vezes, obrigando a requerida a encontrar desculpas para justificar a atitude daquele que nunca se importou de magoar a menor.
O - Já depois da conferência com o Tribunal de Israel, o progenitor disse à menor que a quer levar para Israel e perguntou-lhe se ela quer regressar.
P - OP usou de um discurso muito agressivo com a menor, tendo esta tido um ataque de pânico após aquela conversa, em que chorou por uma hora, tendo pedido à mãe para trancar todas as janelas e a porta da casa, pois ela tem medo o pai entre em casa durante a noite para a levar.
Q - A menor chorou naquela noite, teve pesadelos e disse que nunca mais queria falar ou ver o pai e recusou a falar com ele por uns dias, afirmando que não irá para Israel, que não quer voltar.
R - Só depois de a Requerida explicar à menor que o pai apenas lhe estava a fazer uma pergunta e que não a obrigaria a voltar, ela voltou a falar com este.
S - Quando o progenitor decidiu falar novamente com a menor, ele perguntou por videochamada se ela estava pronta para voltar para Israel ao que ela respondeu que não.
T - O progenitor ordena a GP que se sente e olhe para ele, manda a menor mostrar-lhe o quarto para ver se está mesmo sozinha, e não deixa que ela desenvolva assuntos relacionados com a Ilha, não quer que ela fale sobre o que se passa na ilha, o que deixa a menor triste e fica sem falar e logo manifesta a vontade de falar com ele.
U - Um míssil atingiu um prédio vizinho da morada da Requerida, resultando numa brutal fatalidade, provocando mortes, feridos e grande destruição.
V - Um outro míssil caiu num restaurante localizado ao lado da casa do progenitor em Tel-Aviv, o qual ficou completamente destruído.
W - Outro míssil caiu a 250 metros de distância da casa dos pais do actual companheiro da Requerida, local que estes visitavam pelo menos uma vez por semana.
X - No aniversário da Requerida, enquanto estava com a família num restaurante em Tel-Aviv, terroristas dispararam armas em pessoas do lado de fora do restaurante e prenderam quem estava no estabelecimento do lado de dentro.
Y - O ataque terrorista em 7 de outubro de 2023 matou um amigo próximo da Requerida, enquanto, a família desta escapou por pouco.
Z - O progenitor da menor instaurou acção judicial em 01.04.2024 no Tribunal de Israel, na qual peticionou a guarda total de GP.
AA - Para além de se ter oposto àquela acção, a Requerida denunciou OP em Israel pelo facto de ter conhecimento que este, enquanto eram casados produziu drogas, suspeitar que as tenha comercializado e ainda comercialize, bem como que continue a consumir.
BB - Os comportamentos de agressividade que caracterizam OP, muito provavelmente causados pelo consumo de substâncias ilícitas, mantêm-se, conforme resulta não só do facto de se ter envolvido em ofensas corporais com o irmão em frente de GP, mas também pela postura que relevou pelo menos desde 28 de dezembro passado aqui e na ilha e das conversas subsequentes.
CC - Quando eram casados o progenitor fumava drogas na presença da menor, hábito que que se mantém».
V – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
5.1. Comecemos pela arguida nulidade da sentença.
Defende o recorrente que a sentença recorrida é nula, nos termos do art. 615.º, n.º 1 al. d) do CPC, uma vez que «…o tribunal a quo não se pronunciou sobre a situação vivencial da criança no local da sua efetiva residência habitual, abstendo-se de tomar posição quanto a este aspeto, que, s.m.o., assume a maior relevância para a decisão da causa» (conclusões 2.ª a 4.ª).
Como é consabido, de acordo com o disposto no art. 615.º, n.º 1 al. d) do CPC, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
Decorre, contudo, do referido normativo que só existe omissão de pronúncia quando o tribunal não se pronuncia sobre as questões com relevância para a decisão de mérito e não já quanto a todo e qualquer argumento aduzido.
Foi o que decidiu, por exemplo, o acórdão do STJ de 10.12.2020, in www.dgsi.pt.: «A nulidade por omissão de pronúncia, representando a sanção legal para a violação do estatuído naquele nº 2, do artigo 608.º, do CPC, apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não os argumentos invocados, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes».
Também o acórdão da RL de 08.05.2019, in www.dgsi.pt., considerou que «O vocábulo legal -“questões”- não abrange todos os argumentos invocados pelas partes. Reporta-se apenas às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, às concretas controvérsias centrais a dirimir».
Ora, como facilmente se alcança do alegado, o recorrente não invocou qualquer questão que o juiz devesse apreciar e não apreciou, nem identificou a questão que o juiz apreciou e não devia ter apreciado.
Ao invocar a nulidade da sentença, o recorrente insurge-se, na verdade, contra a forma como o tribunal a quo apreciou a matéria de facto.
Sucede que à decisão sobre a matéria de facto não é aplicável o regime das nulidades da sentença previsto no art. 615.º, n.º 1 do CPC, mas sim o disposto no respecivo art. 662.º.
Neste sentido, veja-se, o acórdão do STJ de 23.03.217, in www.dgsi.pt:
«I. O não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC.
II. Tais situações reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC.
III. O mesmo se deve entender nos casos em que o tribunal considere meios de prova de que lhe não era lícito socorrer-se ou não atenda a meios de prova apresentados ou produzidos, admissíveis necessários e pertinentes. Qualquer dessas eventualidades não se traduz em excesso ou omissão de pronúncia que impliquem a nulidade da sentença, mas, quando muito, em erro de julgamento a considerar em sede de apreciação de mérito».
Também o acórdão da RL de 29.10.2015, in www.dgsi.pt, decidiu que
«I. A omissão da declaração dos factos não provados é uma circunstância relevante no exame e decisão da causa.
II. A fundamentação da matéria de facto deve indicar, de forma clara, os concretos meios de prova que determinaram a decisão, positiva ou negativa, para, assim, dar adequado cumprimento à formalidade legal consagrada no art. 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.
III. Com a omissão das formalidades previstas no art. 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, pode cometer-se uma nulidade processual.
IV. As nulidades da sentença, taxativamente previstas no art. 615.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, não compreendem a decisão sobre a matéria de facto».
Vê-se, pois, que eventuais deficiências ao nível da decisão sobre a matéria de facto não são causa de nulidade da sentença, mas sim fundamento de impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Pelo exposto, e sem necessidade de maiores considerações, improcede a arguida nulidade.
5.2. Passemos, agora, à impugnação da matéria de facto.
A este respeito, importa relembrar que o regime processual vigente restringe a possibilidade de revisão da matéria de facto a questões de facto controvertidas, relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente, admitindo-se, apenas, a reapreciação de concretos meios probatórios relativos a determinados pontos de facto impugnados.
Rejeitaram-se, desta forma, quer soluções maximalistas que determinam a repetição de julgamentos ou a reapreciação de todos os meios de prova anteriormente produzidos, quer a possibilidade de recursos genéricos contra a decisão de facto (cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 7.ª ed., 2022, p. 194 e segs.).
Assim, versando o recurso sobre a decisão relativa à matéria de facto, o art. 640.º do CPC estabelece que o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios de prova, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões de facto.
Em face desta norma, tem-se entendido que o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões) e, fundando-se a impugnação em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, especificar, na motivação, aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos, devendo, ainda, consignar, na motivação do recurso, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos (cfr. Abrantes Geraldes, Ob. Cit., p. 197 e 198).
Ora, no caso vertente, contrariamente ao defendido pelo Ministério Público nas suas contra-alegações, os referidos ónus encontram-se suficientemente cumpridos, sendo certo que:
- os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando-se prevalência à dimensão substancial sobre a estritamente formal (cfr. acs. do STJ, de 28.04.2014, de 08.02.2018, de 08.02.2018, de 06.06.2018, de 12.07.2018, de 13.11.2018 e de 03.10.2019, todos disponíveis in www.dgsi.pt);
- deverá usar-se de maior rigor na apreciação do cumprimento do ónus previsto no n.º 1 do art. 640.º (por ser um ónus primário ou fundamental, de delimitação do objecto do recurso e de fundamentação concludente do mesmo), face ao ónus previsto no seu n.º 2 (que constitui um ónus secundário, destinado a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado em exigência ao longo do tempo, indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes - cfr. ac. do STJ, de 29.10.2015, in www.dgsi.pt).
Vejamos então.
5.2.1. Começa o recorrente por defender que deve ser aditado aos factos provados o seguinte facto: «5.1 – Antes da deslocação para Portugal, a criança residia na cidade de Telavive, vivendo com ambos os pais em regime de residência alternada, aí se encontrando inscrita na escola, para a frequência do ano letivo de 2023/2024» (conclusões 5.ª a 7.ª).
Alega que tais factos «…são, naturalmente, relevantes para o thema decidendum, mormente no que respeita à verificação de eventuais exceções ao pedido de regresso da criança a Israel» e são suportados pelos documentos que constituem os anexos D, E, G e H da petição inicial e do documento n.º 8 junto com o requerimento do recorrente de 30.04.2024.
A recorrida defende que «…não se discute nos presentes autos o regime de regulação de responsabilidades parentais da menor GP e/ou a sua alteração, mas apenas e só se a sua deslocação e retenção é ou não lícita. De modo que, a sentença não tem que discorrer sobre o regime praticado ou não pelos progenitores».
Já o Ministério Público defende que o recorrente não cumpriu os ónus previstos no art. 640.º do CPC, mas, como se referiu no ponto 5.2, não lhe assiste razão.
Vejamos.
Perscrutando toda a factualidade provada, dela não resulta, efectivamente, qual o local da residência habitual da menor em Israel.
Designadamente, tal facto não decorre do n.º 5 dos factos provados («Por decisão do Tribunal Rabínico Regional de Haifa – Israel de 03-01-2021 a progenitora/requerida OS informou que a sua residência era em Tel Aviv e que não mudaria de morada sem o consentimento do progenitor/requerente OP, necessitando da aprovação do Tribunal Rabínico para o fazer»), pois que a circunstância de a progenitora ter informado, em 2021, que a sua residência era em Telavive não significa que a tenha mantido e que fosse, de facto, essa a residência habitual da menor antes da deslocação para Portugal.
Ora, o concreto local da residência habitual da menor em Israel constitui, inequivocamente, um facto relevantíssimo, tendo em conta o juízo a efectuar sobre a verificação ou não da excepção ao pedido de regresso, consistente no risco de exposição a perigo físico e psíquico e/ou a situação intolerável, por motivos de guerra, ao qual não é alheio, como é evidente, a região/zona de Israel onde a menor tinha e terá, se for caso disso, centrada a sua residência.
De igual modo, a circunstância de se ter dado como provado, sob nos n.ºs 3 e 4, que as responsabilidades parentais foram reguladas por decisão judicial e são exercidas por ambos os progenitores (incluindo o direito de determinar a residência da menor), não basta para perceber qual o concreto regime de residência estabelecido, sendo certo que o exercício em conjunto das responsabilidades parentais não implica, necessariamente, que a residência da menor seja “alternada”.
E, como se disse, o concreto local onde a menor tem estabelecida a sua residência em Israel e o facto de aí residir com um ou ambos os progenitores, não só releva para a apreciação do risco de exposição supra referido, como é essencial para compreender se o regresso a criança pode colocar em causa a sua estabilidade emocional, afectiva e psicológica.
Ainda por razões atinentes ao juízo relativo à sobredita estabilidade, é, naturalmente, relevante saber se a criança estava inscrita na escola, para a frequência do ano lectivo em curso.
Os factos referidos, decorrem, linearmente, dos documentos a que alude o recorrente e, bem assim, das declarações prestadas pelos progenitores em audiência de julgamento (que, de resto, nunca colocaram tais factos em causa), pelo que procede o recurso nesta parte, apenas não se acolhendo a pretendida expressão “em regime de residência alternada”, por encerrar em si um conteúdo genérico e normativo, optando-se, ao invés, por incluir no facto assente sob o n.º 4 o concreto regime de responsabilidades parentais fixado, alterando-se, ainda, a data da sentença que vem referida neste n.º 4, por ser o dia 07.11.2019 e não o dia 11.11.2019, como, certamente por lapso, aí se referiu.
Assim sendo, determina-se que:
a) o n.º 4 dos factos provados passará a ter a seguinte redacção:
«4 – A sentença do Tribunal Rabínico Regional de Haifa – Israel de 07-11-2019 estabeleceu o regime de responsabilidades parentais, incluídos os momentos em que a criança GP deve estar com cada um dos progenitores, nos seguintes termos:
“Após ouvir as partes e a impressão do Tribunal, e de acordo com as recomendações do relatório da quarta alternativa, e uma vez que o pai mudou sua residência para perto da casa da mãe e as preocupações da mãe com as viagens não existem, o Tribunal decide o seguinte:
A. Os acordos de visitação entre o pai e sua filha, incluindo pernoites, ocorrerão na seguinte ordem:
1. Nas segundas e quartas-feiras, quando o pai buscará a filha na escola e pernoitará.
2. Além disso, a cada dois fins de semana, o pai buscará a filha na sexta-feira na escola e ficará até domingo.
3. Durante os períodos de férias, esses arranjos ocorrerão neste formato, com total coordenação de embarque e desembarque.
4. O arranjo do fim de semana é de sexta-feira, 10 de Cheshvan, 8.11.19, e de segunda-feira, 13 de Cheshvan, 11.11.19.
B. O Tribunal ordena que ambos os pais cumpram os acordos de visitação conforme programado.
C. Os pais têm o direito de alterar os dias e/ou horários por mútuo acordo, com aviso prévio de pelo menos 24 horas.
D. As partes devem informar imediatamente ao Tribunal qualquer violação de qualquer um dos acordos acima mencionados, e o Tribunal pode impor sanções por qualquer violação dos acordos de visitação comunicados ao Tribunal imediatamente.
E. O pagamento das sanções a serem determinadas não substituirá os acordos de visitação, e a parte que violar o acordo deverá cumprir o acordo de visitação que foi cancelado em um dia alternativo.
F. De acordo com a Seção E, uma vez que a filha ficou com a mãe apenas durante o feriado de Sucot, contrariando as recomendações, o pai receberá a filha na próxima Páscoa e feriados de Sucot, em um arranjo preferencial.
G. Todas as estruturas educacionais serão escolhidas por acordo e cooperação. Na falta de acordo, o Tribunal decidirá.
H. O Tribunal ordena que a equipe educacional atualize o pai sobre qualquer decisão relacionada à filha, incluindo seu bem-estar e segurança, e o inclua no grupo de informações do jardim de infância.
I. Esta decisão deve ser encaminhada à atenção dos serviços de assistência social”»;
b) adita-se aos factos provados o n.º 5.1., com a seguinte redacção:
«5.1 – Antes da deslocação para Portugal, a criança residia na cidade de Telavive com ambos os progenitores, nos termos do regime referido no n.º 4, e aí encontrava-se inscrita na escola para a frequência do ano lectivo de 2024».
5.2.2. Prossegue o recorrente, defendendo que devem ser eliminados os factos provados sob os n.ºs 21 a 24 ou, pelo menos, aditado o seguinte facto: «24.1 As situações relatadas nos pontos 21 a 24 ocorreram a cerca de 70 km da cidade da residência habitual da criança, Telavive, cidade onde não se registaram, até ao momento, quaisquer feridos ou mortos em consequência do conflito israelo-palestiniano» (conclusão 8.ª).
Argumenta, para o efeito, ser facto notório e conhecido que os acontecimentos descritos nos n.ºs 21 e 24 não assumem relevo para a decisão a proferir, por não terem relação directa com a situação vivencial da menor na cidade da sua residência habitual, na medida em que o ataque do Hamas, a campanha militar e a crise humanitária vivida no enclave palestiniano não ocorreram em Telavive, onde, actualmente, se vive uma situação de plena normalidade, conforme decorre dos documentos por si juntos sob os n.ºs 1 a 6 do requerimento de 23.04.2024.
A recorrida contrapõe que os factos em causa são notórios e do conhecimento público e relevantes para a decisão.
Mais uma vez, o Ministério Público defende, sem razão, que o recorrente não cumpriu os ónus previstos no art. 640.º do CPC.
Decidindo.
Antes de mais, não custa reconhecer que os n.ºs 21 a 24 dos factos provados contêm referências vagas, genéricas e até conclusivas que não constituem propriamente “factos”, no sentido mais rigoroso do termo, e que muitos dos acontecimentos neles relatados não podem ter-se por “factos notórios”, por não revestirem o grau de conhecimento geral e de concretização e certeza necessários para o efeito.
Sucede que alguma recente jurisprudência dos tribunais superiores vem admitindo a inclusão, na decisão de facto, de factos com alguma componente conclusiva (cfr., neste sentido, por exemplo, o acórdão do STJ de 14.07.2021, in www.dgsi.pt), desde que se refiram a realidades apreensíveis e compreensíveis pelos sentidos e pelo intelecto dos homens e não contenham a formulação de juízos sobre questões de direito e, desta forma, sobre a resolução final da causa.
Seja, no entanto, como for, afigura-se-nos que o recorrente, apesar de requerer a eliminação dos factos n.ºs 21 a 24, não pretende, na verdade, colocá-los em causa, mas sim questionar a sua relevância para decisão, por, na sua perspectiva, não terem relação directa com a situação vivencial da menor na cidade da sua residência habitual.
Por isso, entendemos ser de manter tais factos (a sua relevância para a decisão relativa ao regresso ou não da criança constitui uma questão de direito e será infra apreciada no ponto 5.3.), aditando-se, apenas, à factualidade provada a referência à distância entre a cidade de Telavive, onde a menor reside em Israel, e a Faixa de Gaza, a qual constitui, indubitavelmente, um facto relevante de conhecimento público e notório (cfr. por exemplo, https://dateandtime.info/pt/distance.php?id1=281133&id2=293397) e ameniza as sobreditas reticências suscitadas pelo recorrente.
No mais, a factualidade cujo aditamento é pretendido ou não pode ter-se por “facto notório”, ou já decorre do própria redacção dos números em causa.
Com efeito, não é absolutamente seguro que a situação relatada no n.º 21 tenha ocorrido a cerca de 70 km de Telavive (nomeadamente, o referido “lançamento de rockets”) e que em Telavive «não se tenham registado, até ao momento, quaisquer feridos ou mortos em consequência do conflito israelo-palestiniano», o que se desconhece e não pode ter-se por certo, apenas, com base em notícias divulgadas, cuja veracidade e confirmação não foi efectuada pelo recorrente.
Por outra banda, decorre já dos n.º 22, 23 e 24 que a campanha militar, os ataques aéreos, a ofensiva terrestre, a deslocação da população e a evacuação de cidadãos israelitas ocorreu na Faixa de Gaza ou em torno desta e da fronteira com o Líbano.
E, assim sendo, o recurso nesta parte procede parcialmente, aditando-se aos factos provados um n.º 24.1, com a seguinte redacção:
«24.1 A cidade de Telavive dista cerca de 70 km da Faixa de Gaza».
5.2.3. Advoga, ainda, o recorrente que devem ser aditados aos factos provados os seguintes factos:
«25.1 - Israel dispõe de um dos sistemas de proteção aérea mais sofisticados do mundo.
25.2 - Os danos causados com os mísseis e drones lançados contra Israel foram mínimos, dos mesmos não tendo resultado quaisquer vítimas mortais ou feridos graves» (conclusão 9.ª).
Sustenta que o n.º 25 dos factos provados («Israel foi atacado com centenas de mísseis e drones lançados desde o Líbano, pelo Hezbollah, e particularmente pelo Irão») está incompleto e que os factos cujo aditamento requer foram por si alegados nos artigos 34.º a 36.º do seu requerimento de 23.04.2024 e decorrem dos documentos n.ºs 2 e 3 juntos nessa data, que comprovam a inviolabilidade da cúpula de ferro e o ínfimo impacto que os ataques por via de misseis balísticos tiveram sobre Israel, para além de serem factos objectivos e do conhecimento geral.
A recorrida considera ser, apenas, relevante o facto de Israel estar em guerra e ter sido alvo de ataques à escala nacional e não a sua capacidade ou incapacidade de defesa.
Também aqui, o Ministério Público defendeu, mas mais uma vez sem razão, que o recorrente não cumpriu os ónus previstos no art. 640.º do CPC.
Ora, contrariamente ao defendido pela recorrida, consideramos relevantes os factos em causa, tendo em conta o já referido juízo a efectuar relativamente à verificação ou não da excepção ao pedido de regresso, consistente no risco de exposição da criança a perigo físico e psíquico e/ou a situação intolerável, por motivos de guerra.
O facto enunciado pelo recorrente sob o n.º 25.1 é, efectivamente, um facto amplamente divulgado e, portanto, do conhecimento geral no país e no estrangeiro, do cidadão comum e das pessoas regularmente informadas com acesso aos meios normais de informação (de que constitui exemplo o documento junto pelo recorrente sob o n.º 2 no seu requerimento de 23.04.2024).
Tal facto decorre, ainda, da declaração subscrita pelo cônsul e chefe da administração da Embaixada de Israel em Lisboa, junta aos autos pelo recorrente em 02.05.2024 e não impugnada pela recorrida, onde, relativamente à situação de segurança em Israel, se informa que «Israel possui um sistema de defesa aérea sofisticado e reconhecido internacionalmente, que opera que tem uma alta taxa de sucesso na interceção de mísseis».
O mesmo não pode, contudo, entender-se quanto ao facto referido pelo recorrente sob o n.º 25.2.
É que, desde logo, nele se refere, genericamente, “danos causados”, sem especificar quais os danos ocorridos, sendo certo que o próprio documento n.º 3 referido pelo recorrente dá conta de que, nessa altura, foram suspensos os voos comerciais em quase todo o espaço aéreo nacional, o que, naturalmente, afectou milhares de pessoas, assim como o comércio em geral, não deixando, pois, de constituir um dano grave.
Depois, afigura-se-nos demasiado vago e conclusivo aludir a danos “mínimos”. Mais uma vez, o documento n.º 3 junto pelo recorrente refere que o sistema de protecção conseguiu “abater a maioria do fogo iraniano” (o que deixa subentendido que algum fogo não foi interceptado e atingiu os alvos) e que “o ataque iraniano a Israel causou danos ligeiros … numa base aérea”.
Finalmente, é possível encontrar diversas notícias que referem que, em virtude dos mísseis e drones lançados obre Israel, 31 pessoas ficaram gravemente feridas por estilhaços e uma menina encontrava-se entre a vida e morte (por exemplo, https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2024/04/16/ataque-do-ira-a-israel-deixa-menina-beduina-em-estado-grave-e-expoe-desigualdade-nao-temos-abrigo-nem-nada.ghtml).
Destarte, nesta parte procede, apenas, parcialmente o recurso, aditando-se aos factos provados um n.º 25.1, com a seguinte redacção:
«25.1 - Israel dispõe de um dos sistemas de proteção aérea mais sofisticados do mundo».
5.2.4. Pretende, também, o recorrente que seja aditado aos factos provados o seguinte facto: «27.1 - A cidade de Telavive vive atualmente uma situação de normalidade, inexistindo presentemente quaisquer constrangimentos impostos à população por força do conflito Israelo-palestiniano» (conclusão 10.ª).
Argumenta que a situação actual na cidade de Telavive decorre do conhecimento público e dos documentos n.ºs 2 e 3 juntos com o seu requerimento de 23.04.2024.
A recorrida considera que o recurso deve improceder, por a normalidade vivida em Israel ser meramente aparente e a cidade de Telavive estar exposta ao conflito Israelo-palestiniano, sendo que os avisos dos organismos governamentais visam projectar uma sensação de estabilidade e normalidade por motivos políticos ou económicos entre a população, ao invés de reflectir a situação de segurança real.
O Ministério Público defendeu, novamente, que o recorrente não cumpriu os ónus previstos no art. 640.º do CPC, o que não se sufraga.
Ora, da sobredita informação proveniente da Embaixada de Israel em Lisboa, junta aos autos pelo recorrente em 02.05.2024, consta que «Embora Israel esteja a enfrentar desafios de segurança em duas das suas fronteiras, a situação de segurança em Israel é estável. Na grande maioria das zonas povoadas de Israel, a vida pública quotidiana funciona sem quaisquer restrições. Há duas regiões específicas em Israel em que a atividade civil está limitada devido ao atual conflito - no Sul, partes da fronteira imediata com a Faixa de Gaza, e no Norte, partes da fronteira imediata com o Líbano (ver o mapa em anexo)» e que «No que concerne à cidade de Tel-Aviv e a área vizinha (a área de Dan), esta área é classificada como a “zona verde”, o que significa que opera atualmente sem quaisquer restrições ao nível de atividades educacionais, locais de trabalho ou em reuniões e serviços (…). Adicionalmente, nos últimos três meses, não se têm verificado quaisquer alertas de mísseis nesta área».
Tal informação não foi impugnada pela recorrida e afigura-se-nos, de resto, segura e fiável, atento o organismo que a emitiu e os factos publicamente noticiados e conhecidos sobre a situação que se vive em Israel (aliás, ainda nos últimos dias, foi noticiado um ataque por parte do Hezbollah a Israel, através do lançamento de 25 rockets, sem que tenham sido provocados quaisquer feridos ou danos em infraestruturas – cfr., por exemplo, https://sicnoticias.pt/especiais/conflito-israel-palestina/2024-08-13-hezbollah-lanca-25-rockets-contra-israel-cfbd8c3f).
Assim sendo, e sem necessidade de maiores considerações, procede o recurso nesta parte, embora com redacção diversa da sugerida pelo recorrente (que não encontra nos documentos referidos suficiente agasalho), aditando-se aos factos provados um n.º 27.1, com o seguinte teor:
«27.1 - A cidade de Telavive é classificada como “zona verde”, o que significa que opera atualmente sem quaisquer restrições ao nível de atividades educacionais, locais de trabalho ou em reuniões e serviços».
5.2.5. Propõe, ainda, o recorrente a seguinte alteração da redacção do n.º 39 dos factos provados «39 – Desde que vivem em Portugal, a requerida OS assegura as necessidades da criança, mantendo organizadas as suas rotinas e cuidados educativos» e o aditamento dos seguintes factos: «39.1 – Em Israel, ambos os progenitores asseguravam os cuidados da criança, mantendo a menina uma forte ligação afetiva com ambos os pais» e «39.2 – GP demonstra sofrimento por estar afastada da figura paterna» (conclusões 11.ª a 14.ª ).
Refere que o n.º 39, na parte que refere que «A requerida OS…é tida como a principal figura de referência da criança GP», para além de ter natureza jurídico-conclusiva, não decorre dos elementos probatórios carreados para os autos, sendo que tais elementos, à luz da CH de 1980, não são os adequados a suportar tal tipo de conclusão.
Argumenta, designadamente, que o único elemento probatório susceptível de basear tal conclusão é o relatório de Avaliação Psicológica da criança, elaborado pelo Núcleo de Investigação e Intervenções Terapêuticas Especializadas (NIITE), que apenas teve contacto com a recorrida e baseia a sua avaliação num período de quatro dias (entre 22 e 26 de abril) e numa única entrevista presencial com a criança, realizada a 26 de abril, o que é insuficiente para suportar esta conclusão, que foi indevidamente influenciada pela vivência recente da criança na ilha das ..., onde tem vivido exclusivamente com a Mãe. Considera, por isso, que o tribunal a quo não podia extrair daquele relatório isolado uma maior ligação emocional ou afectiva da criança com a Recorrida, sendo, de resto, as fotografias carreadas para os autos pelo recorrente das suas videochamadas com GP ilustrativas da qualidade da relação paterno-filial (cfr. documento n.º 5 junto ao requerimento do recorrente de 23.04.2024).
A recorrida argumenta que o facto em causa decorre das declarações da menor e do relatório mencionado, que não foi impugnado pelo recorrente.
O Ministério Público defende a improcedência do recurso, na decorrência do indeferimento da junção de documentos requerida pelo recorrente.
O n.º 39 tem a seguinte redacção: «A requerida OS assegura as necessidades da criança, mantendo organizadas as suas rotinas e cuidados educativos, e é tida como a principal figura de referência da criança GP».
O tribunal a quo fundamentou a prova desse facto da seguinte forma: «O facto provado em 39) assentou na audição da criança GP, tendo mencionado que a requerida/progenitora OS a ajuda a vestir, bem como a ajuda na escola, e que a requerida/progenitora e o seu companheiro G… a vão levar e buscar à escola. Mais se saliente que de acordo com o relatório de avaliação psicológica do Núcleo de Investigação e Intervenções Terapêuticas Especializadas junto aos autos de fls. 546 a 551, resulta, entre mais, o seguinte: a criança GP evidencia uma adequada dinâmica com o sistema familiar com enfoque, de uma forma geral, de vivências positivas com diferentes elementos; destaca a figura materna como sendo a figura que sente como mais responsiva às suas necessidades e como a sua principal figura de referência, pretendendo com ela manter residência; relativamente à figura paterna, também a distingue pela positiva, contudo verbaliza vivências de situações de conflitualidade deste com outros familiares, em especial com a figura materna, de sentir que no presente este adota uma postura “zangada” e de pouca disponibilidade para a própria, o que traduz uma relação atual pouco securizante; revela necessidade de alteração desta dinâmica, mantendo a intenção de se relacionar com a figura paterna».
O recorrente coloca, apenas, em causa o seguinte trecho «A requerida OS…é tida como a principal figura de referência da criança GP».
Concordamos com a argumentação do recorrente.
Desde logo, o trecho mencionado é vago e conclusivo: por um lado, desconhece-se por quem é a recorrida “tida” como principal figura de referência da criança (pela técnica que elaborou o relatório? pela própria criança? pela recorrida? pelas pessoas que se relacionam com ambas em Portugal?) e, por outro lado, a expressão “principal figura de referência” não é neutra do ponto de vista da decisão a proferir.
Ora, a matéria de facto, à qual se irá, em momento posterior, aplicar o direito, não pode conter «qualquer valoração segundo a interpretação ou aplicação da lei, ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica» (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, Lex, 1997, p. 312).
Helena Cabrita, in A Fundamentação de Facto e de Direito da Decisão Cível, Coimbra Editora, Coimbra, 2015, p. 106-107, refere que «os factos conclusivos são aqueles que encerram um juízo ou conclusão, contendo desde logo em si mesmos a decisão da própria causa ou, visto de outro modo, se tais factos fossem considerados provados ou não provados toda a ação seria resolvida (em termos de procedência ou improcedência) com base nessa única resposta».
Afirmar que determinado progenitor é a “principal figura de referência” de um filho não constitui uma realidade apreensível e compreensível pelos sentidos e pelo intelecto dos homens, antes se traduzindo numa valoração que reclama uma demonstração e sindicância através de factos concretos e objectivos.
Ao julgador da matéria de facto está vedada a formulação de juízos sobre questões de direito, pois que, embora o actual Código de Processo Civil não contenha norma equivalente à do art. 646.º, n.º 4, do anterior Código, a verdade é que o art. 607.º, n.º 4 do CPC, consagra o mesmo princípio, ao prever que da fundamentação da sentença devem constar os “factos” julgados provados e não provados, o que impõe que a fundamentação de facto seja expurgada de toda e qualquer matéria susceptível de ser qualificada como de direito, conceito que abarca, de igual modo, os juízos conclusivos ou normativos.
Acresce que o tribunal a quo baseou a sua convicção no relatório de avaliação psicológica de 02.05.2024, junto aos autos pela ora recorrida nessa mesma data, que foi elaborado a pedido desta e feito em “articulação (via contacto telefónico) com a advogada representante da figura materna”, tendo em vista o processo judicial em curso, e que, conforme bem salienta o recorrente, teve, apenas, por base as afirmações e informações da recorrida (nomeadamente, no que concerne ao temor da menor regressar a Israel e à “possibilidade de ter de ir para um abrigo ou assistir a bombardeamentos”) e uma audição da menor (na presença, quanto parece, da mãe e do seu companheiro), sem ter, minimamente, em conta a situação e histórico da menor antes da sua vinda para Portugal.
As conclusões do relatório em causa são, por isso, muito frágeis e pouco consistentes, não oferecendo o mesmo suficientes garantias de isenção e objectividade técnicas próprias de uma perícia psicológica.
As declarações prestadas pela recorrida à técnica são, como é óbvio, interessadas e comprometidas e, por isso, insuficientes para, de forma isolada, permitir a formação de uma convicção segura, sendo que as declarações e vontade exteriorizadas pela menor perante a técnica (e, quanto parece, na presença da mãe e do seu companheiro) não podem ter-se por críveis e coesas, atenta a sua idade, a circunstância de revelar atitudes imaturas para essa idade (conforme vem salientado no relatório social datado de 26.04.2024 e elaborado, este sim, a pedido do tribunal) e de se encontrar, naturalmente, influenciada pelo facto de, apenas, conviver desde há meses com a recorrida e estar afastada do recorrente.
Não surpreende, pois, que o referido relatório de 02.05.2024 refira que a “figura materna destaca-se nas respostas às perguntas de sentimentos de dependência”, que a menor “sente a mãe como mais responsiva às suas necessidades” e que a figura materna se destaca “como a sua figura de referência”, quando é certo que a criança vive, exclusivamente, com a mãe, desde Outubro de 2023 (cfr. n.º 7 dos factos provados), que é, por isso, a única que a pode acompanhar no seu quotidiano, orientá-la nas suas actividades, tarefas e rotinas e supervisionar os seus cuidados.
Tal como bem salienta o recorrente «Tendo em conta que a menina vive apenas com a Recorrida desde outubro a esta parte, e que teve pouquíssimo contacto com o Recorrente na Ilha das ..., não se podia esperar que na descrição das suas rotinas se referisse de forma idêntica a ambos os progenitores, havendo várias atividades diárias que o Recorrente se encontra impedido de realizar com a criança, dada a distância entre ambos. Note-se ainda que a GP tem apenas 7 anos, sendo natural, nesta etapa de desenvolvimento, que tenha mais presente o seu passado próximo, e não tanto o passado mais distante, partilhado com o Pai em Israel».
Tem, por isso, que relativizar-te o facto de a menor ter, alegadamente, manifestado “desejo de se manter a residir na Ilha das ..., junto da figura materna” e verbalizado “sinais emocionais de vivência de algum mal-estar na interacção com a figura paterna e com a possibilidade de regressar a Israel”, sendo certo que a mesma revelou conhecimento do conflito parental, da judicialização do mesmo e da necessidade de prestar declarações em tribunal, o que, segundo reconhece o relatório em apreciação, “vem contribuindo para a etiologia da presença de alguns sinais de algum desajustamento emocional, como seja a preocupação/ansiedade…”.
Repare-se que o próprio relatório de 02.05.2024 refere que a menor “direciona sentimentos positivos de modo equitativo a ambas as figuras” parentais e que, aquando da sua audição pelo tribunal, a criança referiu que em Israel “estava mais ligada ao progenitor/requerente”.
De igual forma, as conclusões do relatório social de 24.04.2024 resultam pouco esclarecedoras, nele próprio se referindo que: «Considerando o prazo dado, de 10 dias, manifestamente insuficiente para cabalmente responder aos quesitos solicitados, há que realçar algumas limitações que condicionam a presente avaliação técnica, as quais deverão ser tidas em conta pelo Vosso tribunal, designadamente: a existência de uma barreira linguística, com a necessidade de se recorrer a uma docente de inglês para que se procedesse à tradução inglês/português, bem como o facto de apenas se ter tido acesso ao discurso e perspetiva materna sobre a situação em causa, desconhecendo-se a perspetiva paterna».
Finalmente, não existem nos autos quaisquer elementos relativos à situação da criança quando residia em Israel, onde tinha centrada a sua vida, o que não permite formular qualquer juízo sobre qual o progenitor que, antes da retenção da menor em Portugal, constituía a sua “principal figura de referência”.
Enfim, a aparente maior proximidade ou ligação da criança à recorrida decorre, naturalmente, do seu contexto vivencial recente, influenciado pela sua retenção ilícita e pelo distanciamento que lhe foi e é imposto relativamente ao recorrente.
Assiste, por isso, razão ao recorrente quando refere que «…à luz dos elementos dos autos não é possível obter a convicção de que a figura principal de referência de GP é a Recorrida, existindo elementos que indiciam uma relação de proximidade e cuidado com ambos os progenitores», pelo que se impõe excluir do n.º 39 dos factos provados tal referência.
No que concerne ao aditamento dos factos 39.1 e 39.2, o recurso improcede:
- como se disse, desconhece-se, à falta de elementos seguros e consistentes, se ambos os progenitores asseguravam os cuidados da criança em Israel e se aí a mesma mantinha “uma forte ligação afetiva com ambos os pais”;
- não foi feita qualquer prova de que a criança demonstre “sofrimento por estar afastada da figura paterna”.
Destarte, procede, parcialmente, o recurso nesta parte, passando o n.º 39 dos factos provados a ter a seguinte redacção:
«39 – Desde que vivem em Portugal, a requerida OS assegura as necessidades da criança, mantendo organizadas as suas rotinas e cuidados educativos».
5.2.6. Defende, finalmente, o recorrente que deve ser eliminado o n.º 40 dos factos provados ou, pelo menos, alterada a sua redacção, nos seguintes termos:
«40 – A criança GP, na sua audição, disse não querer regressar a Israel por ter medo da guerra e por saber que está proibida de sair de Israel, referindo querer ficar a residir em Portugal.
40. 1 – Porém, após a sua audição, a menina confidenciou ao avô paterno que disse não querer regressar porque a mãe assim lho pediu, e que acha as ... um local “chato”» (conclusões 15.ª a 18.ª ).
Para tanto, refere que, embora a criança tenha exprimido não querer regressar a Israel, não se pode presumir que tal corresponda ao seu sentir real, sendo certo que os demais elementos dos autos, incluindo a própria idade da criança e os seus comportamentos na escola, indiciam falta de maturidade e capacidade para compreender o assunto em discussão. Acresce que, após a sua audição, a criança confidenciou ao avô paterno ter dito querer ficar em Portugal porque a recorrida assim lho pediu.
A recorrida defende a improcedência do recurso, argumentando que a menor tem uma ideia realista do que viveu, ouviu e sentiu.
O Ministério Público propugna pela improcedência do recurso, na decorrência do indeferimento da junção de documentos requerida pelo recorrente.
O n.º 40 dos factos provados tem a seguinte redacção: «40 - A criança GP recusa regressar a Israel por ter medo da guerra e por saber que está proibida de sair de Israel, pretendendo ficar a residir em Portugal».
O tribunal a quo sustentou a sua decisão com base:
- na audição da criança GP, que «expressou que se iria sentir muito mal se regressasse a Israel e que sabe que o Tribunal vai decidir, mas não quer voltar a Israel por causa da guerra e por estar proibida de sair de Israel, o que lhe foi contado pela progenitora/requerida», sendo que para o tribunal a quo não subsistiram «…dúvidas que o discurso de GP corresponde ao sentimento real e actual desta criança, pois a mesma foi muito afirmativa quando expressou a sua recusa em regressar a Israel, pretendendo, por conseguinte, permanecer em Portugal», acrescentando que «se é certo que de acordo com os factos provados em 36.) e 37.) a criança GP apresenta na escola muitas atitudes imaturas para a sua idade, também temos como certo que essas atitudes imaturas não colocam em causa a capacidade e a maturidade da criança para entender todo o contexto que tem vivido, pelo que deve o Tribunal levar em consideração as suas opiniões sobre o assunto, nomeadamente a sua oposição ao regresso a Israel», acrescentando que «…a tomada de declarações à criança GP foi realizada na presença de técnica habilitada para o seu acompanhamento na diligência e nenhum incidente foi suscitado a respeito da forma como a criança veio a depor e que permita considerar não ser genuína a vontade da criança, pese embora os seus sete anos de idade»;
- no teor da informação psicológica elaborada pelo serviço de psicologia e orientação da Escola Básica e Secundária das ... datada de 28.02.2024, da qual consta «Disse que prefere viver na ilha das ... – “eu nunca quero deixar de viver nas ...” (sic) – por ser um local tranquilo, acolhedor, “onde tenho amigos e uma professora fantástica” (sic) e “onde me tenho divertido muito” (sic). Acrescentou que na ilha das ... é um local seguro e bom para viver – “não existem bombas, nem armas, nem ruas destruídas, as pessoas não estão a ser mortas e não corres o risco de ser raptado” (sic). E sente alegria perante a possibilidade de permanecer na ilha das .... Por oposição, refere-se a Israel como sendo um local “horrível” (sic) para viver, “porque há muitas armas, assaltantes e rapto de bebés” (sic), e morreram muitas pessoas num só dia, “as casas foram destruídas, existem ruas destruídas, no dia-a-dia existem bombas, armas e todos os tipos de coisas horríveis que são simplesmente horríveis para viver lá, com muitas armas, aviões, míssil e todos os tipos de coisas más, muito más” (sic). Indicou as emoções tristeza, medo e raiva face à hipótese de regressar a Israel. Por este relato, considera-se que a GP comunica de forma clara, e terá capacidade para prestar declarações perante o Tribunal»;
- no depoimento da testemunha C…, psicóloga da Escola Básica e Secundária das ..., a qual acompanha semanalmente a criança, desde Janeiro, e foi a responsável pela elaboração da aludida informação psicológica;
- no relatório de avaliação psicológica do Núcleo de Investigação e Intervenções Terapêuticas Especializadas, do qual resulta que «a criança GP exibe um desenvolvimento global e capacidade cognitiva adequados para a sua faixa etária, apenas com algumas dificuldades na aquisição de novas aprendizagens escolares/académicas, por estar integrada em sistema de ensino com língua portuguesa (português como língua não materna); apresenta capacidade de identificar, relacionar e exprimir diferentes sentimentos; destaca uma integração positiva e saudável na ilha das ..., com inclusão social e educativa, acompanhada de rotinas adequadas e ajustadas à idade da criança; evidenciou e verbalizou sinais emocionais de vivência de algum mal-estar na interação com a figura paterna e com a possibilidade de regressar a Israel, resultante na percepção de não ter espaço para partilhar o seu dia a dia bem como ser recorrente a passagem da vontade paterna de que GP regresse a Israel, alteração que a criança não pretende e que associa a vivência de guerra; GP evidenciou ter conhecimento do atual conflito parental e da judicialização do mesmo, culminando na sua audição em contexto de Tribunal; este conhecimento vem também contribuindo para a etiologia da presença de alguns sinais de algum desajustamento emocional, como seja preocupação/ansiedade por parte da criança».
Ora, da audição das declarações da menor perante o tribunal a quo (que foram gravadas), decorre, inequivocamente, que a mesma exteriorizou a sua recusa em regressar a Israel, por ter medo da guerra e por saber que está proibida de sair de Israel, e a sua vontade de permanecer em Portugal.
Todavia, contrariamente ao entendimento perfilhado pelo tribunal a quo, não cremos que tal audição, bem como os demais elementos de prova recolhidos, possam levar a concluir que tal discurso corresponda ao “sentimento real e actual da criança”.
Na verdade, auscultadas por nós as declarações da menor, cremos que muito dificilmente se pode retirar delas a pretendida correspondência com a sua vontade real, tendo em conta, desde logo, a idade da menor e a imaturidade revelada (cfr. n.ºs 36 e 37 dos factos provados), mas também, e sobretudo, as notórias influências por parte da recorrida (com quem a menor vive, exclusivamente, nos últimos meses) na determinação da sua vontade e o conhecimento e evidente envolvimento no conflito existente entre os progenitores.
Com efeito, a menor mencionou que quando veio para Portugal a recorrida lhe disse que o motivo dessa vinda estava relacionado com guerra e que o recorrente terá agradecido à recorrida por a retirar de Israel, o que constitui, desde logo, uma condicionante na formação da vontade da menor relativamente ao local da sua residência futura.
Desde que se encontra em Portugal, a menor formou uma imagem negativa do progenitor, que exteriorizou perante o tribunal a quo (referindo, repetidamente, que o pai mente quanto às circunstâncias da guerra em Israel), o que não pode deixar de estranhar-se, tendo em conta que essa imagem foi criada, precisamente, numa altura em que a menor se encontra afastada do progenitor e quando a mesma afirmou, de forma segura e espontânea, que em Israel mantinha uma maior ligação com o pai.
A imagem negativa da menor relativamente ao progenitor, assente, maioritariamente, no facto de o mesmo pretender que a menor regresse a Israel e no conhecimento que demonstrou do conflito que opõe o recorrente à recorrida, indicia fortes influências desta na formação da vontade da menor.
Note-se, por exemplo, que a menor referiu ao tribunal que a mãe lhe disse que o pai decretou a proibição da sua saída de Israel até aos 18 anos (o que de resto é mencionado na sentença recorrida: «Expressou que se iria sentir muito mal se regressasse a Israel e que sabe que o Tribunal vai decidir, mas não quer voltar a Israel por causa da guerra e por estar proibida de sair de Israel, o que lhe foi contado pela progenitora/requerida») e, quando perguntada sobre se sente que o pai está a mentir ou se alguém lhe disse, responde, espontaneamente, que a mãe pensa isso e ela também.
Detectaram-se, também, algumas contradições no discurso da menor, reveladores da mencionada influência materna, quando a menor começou por dizer, de forma ingénua e inocente, que a mãe não a deixa falar com o pai e que sabe que ela faz isso para seu bem, acabando, mais tarde, perante a insistência nesse tema, por dizer que a mãe não a proíbe de falar com o progenitor, sendo ela que não quer falar com o mesmo por estar a mentir.
De igual forma, não pode reputar-se como genuínos ou provenientes de uma opinião esclarecida, isenta de influências externas e desligada do conflito que opõe os progenitores, os fortes receios que a criança manifesta quanto à guerra e, sobretudo, quanto à incerteza do seu fim (por exemplo, a menor chega a referir que “o primeiro ministro disse que guerra não vai acabar…” e que “está tudo mal”), factos de que a mesma diz ter conhecimento através da televisão, não podendo deixar de estranhar-se, também aqui, que, perante a ansiedade revelada quanto a tal acontecimento, lhe venha sendo permitido o acesso, quanto parece incontrolado, a tais fontes de informação.
Não sufragamos, por isso, o entendimento do tribunal a quo sobre a capacidade e a maturidade da criança para entender todo o contexto que tem vivido e para formar uma opinião sobre o seu futuro, sendo, ao invés, para nós patente a forte influência da mãe ou, pelo menos, da vivência exclusiva com a mesma nos últimos meses.
Tal como escreve o recorrente «o discurso de GP é influenciado por um conhecimento do litígio que se tem por desadequado à sua idade e maturidade, verbalizando a menina pormenores relativos a conversas mantidas entre os progenitores, que deveriam ser desconhecidos da criança» e «a menina refere assertivamente que “se não quer regressar a Israel não é obrigada a regressar”, de onde decorre a consciência da criança da sua opinião como determinante para a decisão a proferir – o que, como se sabe, não só não é verdadeiro, do ponto de vista jurídico, como indicia uma influência indevida da Recorrida sobre a filha».
Enfim, sendo inequívoco que a menor afirmou perante o tribunal a quo que «recusa regressar a Israel por ter medo da guerra e por saber que está proibida de sair de Israel, pretendendo ficar a residir em Portugal», já não o é que tal corresponda ao seu sentir real e actual, quer atendendo ao teor das próprias declarações prestadas, quer porque inexistem nos autos quaisquer elementos probatórios que permitam concluir, com o mínimo de certeza e segurança, que tais afirmações são espontâneas, incondicionadas, esclarecidas ou isentas de influências externas e do conhecimento da judicialização do conflito dos progenitores.
Com efeito, e no que respeita à informação psicológica elaborada pelo serviço de psicologia e orientação da Escola Básica e Secundária das ... datada de 28.02.2024, importa ter em conta que o acompanhamento psicológico foi solicitado pela mãe “devido ao desacordo parental”, sendo que a informação em causa (que assentou no que terá sido dito pela menor à psicóloga em três sessões de acompanhamento) tinha como única finalidade a de transmitir parecer técnico sobre a capacidade da menor prestar declarações perante o tribunal, sem tecer quaisquer considerações sobre a espontaneidade ou fidedignidade que essas declarações pudessem vir a ter.
O depoimento da testemunha C… (que ouvimos na íntegra), psicóloga da Escola Básica e Secundária das ..., que elaborou a informação psicológica referida e que acompanha, semanalmente, a criança desde Janeiro de 2024, resultou, estranhamente, vago e hesitante, revelando a testemunha incapacidade para compreender as perguntas que lhe foram colocadas pelos vários sujeitos processuais e tremulando nas respostas dadas. Seja como for, a testemunha em causa acabou por confirmar, apenas, os medos manifestados pela criança quanto à guerra, a sua afectação ou ansiedade pela vivência do conflito dos progenitores, bem como o seu agrado em viver nas ..., mas não já a sua posição de recusa em regressar a Israel ou o conhecimento de que está proibida de sair de Israel. Acresce que tal depoimento não permite formular qualquer convicção sobre a espontaneidade e fidedignidade do receios manifestados pela menor e/ou a ausência de influência materna, registando-se, nomeadamente, as dificuldades de comunicação referidas pela testemunha devido à língua. No mais, os pareceres e opiniões técnicas prestados pela testemunha sobre os impactos e efeitos no desenvolvimento da menor advindos do facto de ficar a residir em Portugal, não podem ser considerados, atenta a qualidade em que os prestou (testemunha e não perita).
Finalmente, o relatório de avaliação psicológica de 02.05.2024 enferma das fragilidade e debilidade por nós demonstradas no ponto 5.1.5., não podendo deixar de destacar-se do mesmo a seguinte passagem: «GP evidenciou ter conhecimento do atual conflito parental e da judicialização do mesmo, culminando na sua audição em contexto de Tribunal; este conhecimento vem também contribuindo para a etiologia da presença de alguns sinais de algum desajustamento emocional, como seja preocupação/ansiedade por parte da criança».
Por todo o exposto, se conclui que os elementos de prova referidos, não permitem convencer que a menor recuse, por vontade própria, esclarecida e não influenciada, regressar a Israel e que prefira, genuinamente, continuar a residir em Portugal (curiosamente, nunca lhe foi perguntado se recusaria voltar a residir em Israel se a mãe também fosse para lá residir…), pelo que procede o recurso nesta parte, passando o n.º 40 dos factos provados a ter a seguinte redacção:
«40 – A criança GP, na sua audição em tribunal, em 03.05.2024, disse que não quer regressar a Israel, por ter medo da guerra e por saber que está proibida de sair de Israel, e que quer ficar a residir em Portugal».
Já no que tange ao pretendido facto n.º 40.1 («Porém, após a sua audição, a menina confidenciou ao avô paterno que disse não querer regressar porque a mãe assim lho pediu, e que acha as ... um local “chato”»), o mesmo não encontra respaldo em nenhum elemento de prova produzido (nomeadamente, por ter sido rejeitada a junção aos autos do documento que, na perspectiva o recorrente, demonstrava este facto), pelo que, sem mais considerações, o recurso improcede nessa parte.
5.2.7. Em consequência das alterações supra decididas, passam a ser os seguintes os factos provados:
«1 – A criança GP nasceu em 01-01-2017, em ... – Israel, e é filha da requerida OS, de nacionalidade israelita, e do requerente OP, de nacionalidade israelita.
2 – A requerida OS e o requerente OPforam casados por um período de quatro anos (desde 2015 a 2019) e divorciaram-se em 26-11-2019.
3 – As responsabilidades parentais são exercidas pela requerida OS e pelo requerente OP, incluindo o direito de determinar a residência da criança GP.
4 – A sentença do Tribunal Rabínico Regional de Haifa – Israel de 07-11-2019 estabeleceu o regime de responsabilidades parentais, incluídos os momentos em que a criança GP deve estar com cada um dos progenitores, nos seguintes termos:
“Após ouvir as partes e a impressão do Tribunal, e de acordo com as recomendações do relatório da quarta alternativa, e uma vez que o pai mudou sua residência para perto da casa da mãe e as preocupações da mãe com as viagens não existem, o Tribunal decide o seguinte:
A. Os acordos de visitação entre o pai e sua filha, incluindo pernoites, ocorrerão na seguinte ordem:
1. Nas segundas e quartas-feiras, quando o pai buscará a filha na escola e pernoitará.
2. Além disso, a cada dois fins de semana, o pai buscará a filha na sexta-feira na escola e ficará até domingo.
3. Durante os períodos de férias, esses arranjos ocorrerão neste formato, com total coordenação de embarque e desembarque.
4. O arranjo do fim de semana é de sexta-feira, 10 de Cheshvan, 8.11.19, e de segunda-feira, 13 de Cheshvan, 11.11.19.
B. O Tribunal ordena que ambos os pais cumpram os acordos de visitação conforme programado.
C. Os pais têm o direito de alterar os dias e/ou horários por mútuo acordo, com aviso prévio de pelo menos 24 horas.
D. As partes devem informar imediatamente ao Tribunal qualquer violação de qualquer um dos acordos acima mencionados, e o Tribunal pode impor sanções por qualquer violação dos acordos de visitação comunicados ao Tribunal imediatamente.
E. O pagamento das sanções a serem determinadas não substituirá os acordos de visitação, e a parte que violar o acordo deverá cumprir o acordo de visitação que foi cancelado em um dia alternativo.
F. De acordo com a Seção E, uma vez que a filha ficou com a mãe apenas durante o feriado de Sucot, contrariando as recomendações, o pai receberá a filha na próxima Páscoa e feriados de Sucot, em um arranjo preferencial.
G. Todas as estruturas educacionais serão escolhidas por acordo e cooperação. Na falta de acordo, o Tribunal decidirá.
H. O Tribunal ordena que a equipe educacional atualize o pai sobre qualquer decisão relacionada à filha, incluindo seu bem-estar e segurança, e o inclua no grupo de informações do jardim de infância.
I. Esta decisão deve ser encaminhada à atenção dos serviços de assistência social”;
5 – Por decisão do Tribunal Rabínico Regional de Haifa – Israel de 03-01-2021 a progenitora/requerida OS informou que a sua residência era em Tel Aviv e que não mudaria de morada sem o consentimento do progenitor/requerente OP, necessitando da aprovação do Tribunal Rabínico para o fazer.
5.1 – Antes da deslocação para Portugal, a criança residia na cidade de Telavive com ambos os progenitores, nos termos do regime referido no n.º 4, e aí encontrava-se inscrita na escola para a frequência do ano lectivo de 2024.
6 – Na sequência do ataque terrorista ocorrido a 07-10-2023 em Israel, os progenitores acordaram numa saída temporária da criança GP de Israel na companhia da requerida OS.
7 – No dia 17-10-2023, a criança GP saiu de Israel com a requerida OS e chegaram a Portugal no dia 18-10-2023.
8 – A requerida OS manteve o requerente OP actualizado e informado sobre o percurso da criança GP.
9 – Em 13-11-2023, requerida OS instalou-se na Ilha das ... e informou o requerente OP sobre a situação social, médica, educação e estudos da criança GP.
10 – O requerente OP comunicou à requerida OS que pretendia que a criança GP regressasse a Israel e, num primeiro momento, a requerida OS comunicou-lhe que podia vir buscar a criança GP à Ilha das ..., pois não pretendia regressar a Israel.
11 – Em 27-12-2023, como previamente comunicado à requerida OS, o requerente OP deslocou-se de Israel até à Ilha das ... propositadamente para vir buscar a criança GP e levá-la de volta para Israel.
12 – Ao aterrar na Ilha das ... em 28-12-2023, o requerente OP recebeu uma mensagem da Requerida OS a informar que não pretendia entregar-lhe a criança GP.
13 – A requerida OS recusou-se a permitir que o requerente OP visitasse a criança GP.
14 – Face à mensagem mencionada em 12.), o requerente OP, acabado de chegar à Ilha das ..., dirigiu-se à Esquadra da PSP e apresentou participação criminal.
15 – O requerente OPacabou por só conseguir ver a criança GP na esquadra da PSP, tendo depois regressado a Israel sem a criança.
16 – Em 18-02-2024, teve lugar uma audiência no Tribunal da Família em Krayot - Israel, na qual a requerida OS concordou em devolver a criança GP a Israel no prazo de 7 dias.
17 – A requerida OS não regressou com a criança GP a Israel no prazo mencionado em 16.).
18 - Por decisão do Tribunal da Família em Krayot – Israel datada de 22-02-2024, a requerida OS prestou caução para suspender a eficácia da decisão mencionada em 16.).
19 – Por decisão datada de 21-02-2024, o Tribunal Rabínico Regional de Haifa emitiu uma ordem de restrição de saída contra a criança GP até que complete a idade de 18 anos.
20 – A requerida OS e o requerente OP não acordaram que a criança GP fixasse residência em Portugal.
21 – Em 07-10-2023, o grupo terrorista palestiniano Hamas lançou milhares de rockets contra Israel e invadiu o território israelita, provocando a morte de cerca de 1200 pessoas e mais de 200 pessoas foram levadas como reféns para Gaza.
22 – Na sequência do referido em 21.), Israel lançou uma campanha militar na Faixa de Gaza, com ataques aéreos e uma ofensiva terreste, a qual resultou em dezenas de milhares de mortos e de feridos.
23 – Cerca de 1,9 milhões de pessoas, o equivalente a mais de 80% da população total da Faixa de Gaza, foram deslocadas desde o início da guerra entre Hamas e Israel, mergulhando o enclave palestiniano numa grave crise humanitária.
24 – Milhares de cidadãos israelitas residentes em torno da Faixa de Gaza e perto da fronteira com o Líbano foram evacuados de suas casas.
24.1 A cidade de Telavive dista cerca de 70 km da Faixa de Gaza.
25 – Israel foi atacado com centenas de mísseis e drones lançados desde o Líbano, pelo Hezbollah, e particularmente pelo Irão.
25.1 - Israel dispõe de um dos sistemas de proteção aérea mais sofisticados do mundo.
26 – Em 06-04-2024, o Comando da Frente Interna Israelita instou os residentes a garantirem que dispõem de abastecimentos adequados para resistir a uma possível situação de crise, nomeadamente 8 stocks de alimentos suficientes para pelo menos três dias, abastecimento de água, medicamentos necessários e geradores eléctricos para manter a energia.
27 – Prossegue a guerra entre Israel e o Hamas, ao mesmo tempo que continuam as negociações por um cessar fogo e repetem-se os apelos da comunidade internacional nesse sentido.
27.1 - A cidade de Telavive é classificada como “zona verde”, o que significa que opera atualmente sem quaisquer restrições ao nível de atividades educacionais, locais de trabalho ou em reuniões e serviços.
28 – Desde que a criança GP passou a residir em Portugal, o requerente OPmantém contactos com a criança, via telefone.
29 - A criança GP está integrada no agregado familiar composto pela requerida OS e pelo companheiro desta G…, e residem em moradia sita na Rua … Ilha das ....
30 – A habitação mencionada em 28.) é composta por cozinha, duas despensas, alpendre, casa de banho de serviço, casa de banho principal, sala de estar/jantar e um quarto de cama, sendo que o único quarto da casa é partilhado pelo agregado familiar, pernoitando a criança GP em cama própria.
31 – A habitação referida em 28.) possui boas condições de habitualidade e salubridade.
32 – A requerida OS não exerce actividade profissional e afirma possuir rendimentos provenientes de dois imóveis/apartamentos em Israel, de montante aproximado de 2.200,00€ por mês.
33 – O companheiro da requerida G… exerce a actividade profissional de engenheiro, na área da inteligência artificial, para duas empresas online, e numa das empresas aufere aproximadamente 2.500,00€ por mês e da outra aufere mensalmente o montante aproximado de 3.000,00€.
34 – O agregado familiar referido em 28.) está integrado na comunidade local.
35 – A criança GP ingressou na turma do 1º ano de escolaridade da EB1,2 JI das Lajes das ... no dia 27-11-2023.
36 – A criança GP é assídua e pontual, e ainda apresenta muitas atitudes imaturas para a idade (passa o tempo a fazer caretas e, quando contrariada ou chamada à atenção, faz beicinho, chora, diz que quer a mãe), distrai-se com muita facilidade, tendo de ser chamada à atenção por variadas vezes, necessitando de apoio individualizado do professor para que possa realizar e concluir todas as actividades propostas.
37 – A criança GP não tem o português como língua materna, comunica razoavelmente em inglês. Devido às dificuldades apresentadas por GP, foi introduzido o método das vinte e oito palavras. Identifica, copia, escreve e lê as palavras em estudo (menino, menina, sapato), no entanto, não identifica nem lê as sílabas, formando novas palavras (simples). Apenas relaciona as figuras com as palavras-chave, o que acaba por, também, não estar a surtir efeito. Foi proposto, no período transato, e aceite, que GP tivesse um momento de apoio para o desenvolvimento do vocabulário português. Tem sido trabalhado vocabulário da sala de aula, formas de saudação e as cores, através de jogos e quadros com imagens, no entanto, não está a surtir o efeito desejado, uma vez que na aula seguinte já não se recorda. Em matemática conta até dez em hebraico e em inglês. Nesta unidade curricular a aluna, reconhece os números trabalhados nas aulas, mas nem sempre os associa corretamente à sua quantidade. Faz contagens progressivas, no entanto apresenta dificuldades nas contagens regressivas. GP também não apresenta grande empenho e vontade na realização das suas tarefas, talvez pela imaturidade que apresenta.
38 – A criança GP convive com duas crianças israelitas e um português nos intervalos das aulas, frequenta a casa destes e estes frequentam a sua casa.
39 – Desde que vivem em Portugal, a requerida OS assegura as necessidades da criança, mantendo organizadas as suas rotinas e cuidados educativos.
40 – A criança GP, na sua audição em tribunal, em 03.05.2024, disse que não quer regressar a Israel, por ter medo da guerra e por saber que está proibida de sair de Israel, e que quer ficar a residir em Portugal».
5.3. Importa, agora, analisar se, em face da matéria de facto provada, a sentença recorrida fez incorrecta aplicação do direito, nomeadamente, no que concerne ao não regresso da criança a Israel, à luz da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia, a 25.10.1980, vigente no ordenamento jurídico português por força do Decreto do Governo nº 33/83, de 11 de Maio, e que tem por objecto: a) assegurar o regresso imediato das crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente; b) fazer respeitar de maneira efectiva nos outros Estados Contratantes os direitos de custódia e de visita existentes num Estado Contratante (cfr. art. 1.º).
O tribunal a quo concluiu que o caso dos autos consubstancia uma situação de retenção ilícita da criança em Portugal, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 3º da referida Convenção, na medida que foi feita ao arrepio dos limites do direito de custódia da progenitora, entendimento que não vem posto em causa no presente recurso e se acompanha.
O apelante discorda, contudo, da decisão recorrida, na parte em que a mesma considerou encontrarem-se preenchidas excepções ao dever de ordenar/determinar o regresso da criança ao país do seu inicial domicílio (cfr. conclusões 19.ª a 32.ª).
O que entender?
Dispõe o art. 13.º da Convenção de Haia de 1980, que:
«Sem prejuízo das disposições contidas no Artigo anterior, a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido não é obrigada a ordenar o regresso da criança se a pessoa, instituição ou organismo que se opuser ao seu regresso provar:
a) Que a pessoa, instituição ou organismo que tinha a seu cuidado a pessoa da criança não exercia efectivamente o direito de custódia na época da transferência ou da retenção, ou que havia consentido ou concordado posteriormente com esta transferência ou retenção; ou
b) Que existe um risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, a ficar numa situação intolerável. A autoridade judicial ou administrativa pode também recusar-se a ordenar o regresso da criança se verificar que esta se opõe a ele e que a criança atingiu já uma idade e um grau de maturidade tais que levem a tomar em consideração as suas opiniões sobre o assunto.
Ao apreciar as circunstâncias referidas neste Artigo, as autoridades judiciais ou administrativas deverão ter em consideração as informações respeitantes à situação social da criança fornecidas pela autoridade central ou por qualquer outra autoridade competente do Estado da residência habitual da criança».
Sobre a referida excepção, escreveu-se, apropriadamente, na sentença recorrida que:
«A interpretação que tem sido feita a propósito desta excepção ao princípio do regresso da criança é mais ou menos restrita, tendo-se entendido que a criança fica sujeita a situações de risco grave ou numa situação intolerável em casos de maus tratos, abuso sexual, regresso a países situados em zonas de conflito, de guerra ou de fome (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-06-2012 – Processo nº 1534/11.7TMLSB-A.L1-7; Relatora: Cristina Coelho; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20-12-2017; Relator: Vaz Gomes; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09-01-2020; Relatora: Ana Paula Carvalho – todos disponíveis em www.dgsi.pt).
O termo “grave” qualifica o risco e não o perigo para criança. Indica que o risco deve ser real e atingir um nível de seriedade que o caracterize como “grave”. Quanto ao nível de perigo, deve corresponder a uma “situação intolerável”, ou seja, uma situação que não se espera que uma criança tolere. O nível relativo de risco necessário para constituir um risco grave pode variar, dependendo da natureza e gravidade do potencial perigo para a criança.
A redacção do artigo 13º, nº 1, alínea b) da Convenção de Haia de 1980 também indica que a excepção é “prospectiva”, na medida em que se concentra nas circunstâncias da criança ao regressar e se essas circunstâncias sujeitariam a criança a um risco grave. Portanto, embora a avaliação da excepção de um risco grave exija geralmente uma análise das informações/provas apresentadas pela pessoa, instituição ou outro organismo que se oponha ao regresso da criança (na maioria dos casos, o progenitor raptor), ela não deve limitar-se a uma análise das circunstâncias que existiam antes ou no momento da transferência ou retenção indevida. Em vez disso, requer igualmente um olhar para o futuro, ou seja, quais seriam as circunstâncias se a criança regressasse de imediato.
No entanto, o facto de a excepção ser de natureza prospectiva não significa que não sejam tidos em consideração comportamentos e incidentes passados que possam ser relevantes para a avaliação de um risco grave após o regresso da criança ao seu Estado de residência habitual. Por exemplo, incidentes passados de violência doméstica ou familiar podem, dependendo das circunstâncias particulares, ser probatórios sobre a questão de saber se existe um risco grave. Dito isto, comportamentos e incidentes passados não são, por si só, determinantes de que não estejam disponíveis medidas de protecção eficazes para proteger a criança de um risco grave.
Ainda a propósito do disposto no artigo 13º, nº 1, alínea b) da Convenção de Haia de 1980, tem vindo a ser entendido que este preceito deve ser interpretado à luz da primazia atribuída ao superior interesse da criança nas decisões que lhe dizem respeito em conformidade com o preceituado no artigo 3º da Convenção sobre os Direitos da Criança (…)
Observa Luís de Lima Pinheiro que “A esta luz, o regresso deve, em princípio, ser ordenado se o titular do direito de custódia violado for apto a acolher a criança e estiver seriamente interessado no exercício da custódia. Isto, mesmo que tal implique uma separação relativamente ao outro progenitor, que causará normalmente alguma perturbação à criança. Mas o regresso já deve ser recusado caso essa separação seja claramente mais prejudicial à criança que a permanência com o progenitor que a deslocou ou reteve ilicitamente. (…) Neste ponto, parece que se impõe uma interpretação conforme à Convenção sobre os Direitos da Criança, segundo a qual o critério decisivo deve ser sempre o superior interesse da criança em causa (…)».
No caso dos autos, o tribunal a quo considerou que o quadro factual provado preenche as excepções previstas no art. 13º, § 1.º, alínea b), e no art. 13.º, § 2.º da Convenção de Haia de 1980.
Ressalvado o devido respeito, não acompanhamos este entendimento, o que justificaremos de seguida.
5.3.1. Considerou, em primeiro lugar, o tribunal a quo que, perante a factualidade provada sob os n.ºs 6, 21, 22 a 24, 25 e 27, existe um risco grave de o regresso da criança fazer com que esta fique exposta a perigo físico e psíquico e de a criança ser colocada numa situação intolerável: «…em face da factualidade dada como provada e acima transcrita é possível concluir pela verificação de um risco real e efectivo de verificação dos perigos contidos no artigo 13º, 1º §, alínea b) da Convenção de Haia de 1980 caso fosse ordenado o regresso da criança GP a Israel. Ademais, ordenar o regresso da criança GP a Israel num contexto de guerra (sem fim à vista) seria colocá-la numa situação intolerável, na medida em que se trata de um contexto de conflito que razoavelmente não se pode esperar que a criança deva vivenciar».
Sucede que, após reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, ficou, também, assente que:
«5.1 – Antes da deslocação para Portugal, a criança residia na cidade de Telavive com ambos os progenitores (…), nos termos do regime referido no n.º 4, e aí encontrava-se inscrita na escola para a frequência do ano lectivo de 2024.
24.1 A cidade de Telavive dista cerca de 70 km da Faixa de Gaza.
25.1 - Israel dispõe de um dos sistemas de proteção aérea mais sofisticados do mundo.
27.1 - A cidade de Telavive é classificada como “zona verde”, o que significa que opera atualmente sem quaisquer restrições ao nível de atividades educacionais, locais de trabalho ou em reuniões e serviços».
Acresce que decorre da factualidade provada sob os n.º 21 a 24 que a campanha militar, os ataques aéreos, a ofensiva terrestre, a deslocação da população e a evacuação de cidadãos israelitas ocorreu na Faixa de Gaza ou em torno desta e da fronteira com o Líbano.
Vê-se, assim, que o contexto bélico em que se vê enredado o Estado de Israel não afecta de forma igual a totalidade do território, nomeadamente, a cidade de Telavive, onde a menor tinha e terá a sua residência habitual antes da vinda para Portugal e da sua retenção ilícita.
Com efeito, é facto conhecido e confirmado, de resto, pela informação prestada pela Embaixada de Israel em Portugal supra referida, que o conflito armado subsequente ao atentado de 07.10.2023 tem-se desenvolvido, na sua totalidade, dentro da própria Faixa de Gaza e nos territórios da fronteira a norte com o Líbano, com ocasionais incursões israelitas no território da Cisjordânia, sendo mais estável a situação que se vive na demais regiões do país.
A cidade de Telavive está classificada como “zona verde”, o que significa que opera actualmente sem quaisquer restrições ao nível de actividades educacionais, locais de trabalho ou em reuniões e serviços, não havendo quaisquer elementos que demonstrem que essa classificação e a ausência de restrições tenham sido alteradas devido a qualquer acontecimento posterior à data em que foi elaborada a referida informação.
Os factos que o tribunal a quo considerou serem integradores da excepção prevista no art. 13º, § 1.º, alínea b), da Convenção de Haia de 1980, não se verificaram em Telavive, com excepção do que consta do n.º 25 («Israel foi atacado com centenas de mísseis e drones lançados desde o Líbano, pelo Hezbollah, e particularmente pelo Irão»), que, no entanto, tem que ser apreciado conjuntamente com o facto aditado sob o n.º 25.1 («25.1 - Israel dispõe de um dos sistemas de proteção aérea mais sofisticados do mundo»).
Como já referido anteriormente, ainda nos últimos dias, foi noticiado um ataque por parte do Hezbollah a Israel, através do lançamento de 25 rockets, sem que tenham sido provocado quaisquer feridos ou danos em infraestruturas (cfr., por exemplo, https://sicnoticias.pt/especiais/conflito-israel-palestina/2024-08-13-hezbollah-lanca-25-rockets-contra-israel-cfbd8c3f).
Por conseguinte, não obstante prosseguir a guerra entre o Israel e o Hamas (cfr. n.º 27 dos factos provados) e os crescentes receios de agravamento do conflito, os riscos e perigos daí decorrentes são, substancialmente, menores para quem reside em Telavive, não podendo ser entendidos como correspondendo a uma “situação intolerável” para qualquer criança, no sentido restrito em que tal conceito foi adoptado pela Convenção de Haia de 1980.
Repare-se que não se provou qualquer factualidade demonstrativa da existência, efectiva, real e concreta, desse perigo para a menor, sendo que tudo o que foi alegado nesse sentido foi tido como não provado (als. U) a Y) do ponto 3.2), o que significa que os perigos alegados são meramente abstractos, hipotéticos ou conjecturais, sem qualquer suporte objectivo que os evidencie, mantendo-se, aliás, as pressões e esforços internacionais no sentido de um cessar-fogo.
Saliente-se, ainda, que os avisos de segurança a viajantes e o facto de alguns Governos desaconselharem viagens para Israel não são, por si só, demonstrativos da situação de perigo ou risco, no sentido referido no art. 13.º da Convenção de Haia, pois que se baseiam noutras ordens de critérios e considerações, como sejam as maiores dificuldades dos viajantes estrangeiros em adaptarem-se a um cenário de conflito num país que não é o seu, com desconhecimento da língua e das regras de prevenção e segurança impostas aos cidadãos nacionais.
Não pode, pois, concluir-se que a segurança da menor no seu país de origem não esteja garantida, a ponto de justificar a sua retenção ilícita (vejam-se, a este respeito, as decisões internacionais citadas pelo recorrente nas suas alegações e no parecer amicus curiae emitido pela International Academy of Family Lawyers, junto aos autos em 09.08.2024, que aqui nos escusamos de reproduzir).
Aliás, na decisão proferida após a audiência referida no n.º 16 dos factos provados, a senhora juíza do Tribunal de Família em Kravot, teceu as seguintes considerações: «…não estou convencida de que haja um perigo grave ou qualquer perigo para a criança ao retornar para Israel, especialmente considerando que o local de residência da criança é Tel Aviv, no centro do país a área mais segura do pals, pois a tensão persiste nas comunidades mais próximas à fronteira com Gaza ou à fronteira norte», concluindo pela ausência de um perigo real e pela necessidade de garantir um relacionamento bom e contínuo com o pai.
De igual forma, refere-se na decisão proferida pelo Tribunal de Magistrados de Krayot, em Israel, datada de 28.07.2008 e junta aos autos em 07.08.2024 (cfr. despacho que a admitiu proferido nesta data), que: «5. Não existe perigo iminente ou qualquer outro perigo para a menor com o seu regresso a Israel, principalmente tendo em conta o facto de o local de residência da menor ser em Tel Aviv, no interior do pais, a parte mais segura de lsrael».
Ora, de acordo com o § 3.º do art. 13.º da Convenção de Haia de 1980, «Ao apreciar as circunstâncias referidas neste Artigo, as autoridades judiciais ou administrativas deverão ter em consideração as informações respeitantes à situação social da criança fornecidas pela autoridade central ou por qualquer outra autoridade competente do Estado da residência habitual da criança», pelo que, salvo melhor opinião, impunha-se ter em conta o juízo formulado pelo tribunal israelita.
E não se argumente que o próprio recorrente consentiu na deslocação da menor para fora de território israelita, devido à incerteza gerada pelo ataque terrorista ocorrido em 07.10.2023, pois que, tal como o mesmo refere, «se nessa altura perante a incerteza do que ia acontecer, era legítimo considerar que a vivência da menor em Telavive foi diretamente afectada pelo conflito, não menos certo é que os subsequentes desenvolvimentos não permitem considerar existir um perigo efectivo ou iminente. O ataque terrorista de 07.10.2023 poderá ter ditado a “fuga da menor com a mãe para a Europa consentida pelo pai”, como alega a recorrida. Mas não justiça neste momento a manutenção dessa “fuga”».
De resto, a recorrida reconheceu perante o tribunal israelita, em 18.02.2024, que não foi intenção dos progenitores a de mudar permanentemente o local de morada da criança para fora de Israel (veja-se o que consta da decisão proferia após a referida audiência: «Além disso, a mãe admite…que não houve intenção por parte dos pais de mudar permanentemente o local de morada da criança para fora de Israel»).
Estranho sim é que a recorrida, que se opõe ao regresso da menor a Israel, por motivos da guerra, não tenha visto os perigos que ora invoca, quando, em 18.02.2024, perante o tribunal israelita, concordou em devolver a criança a Israel no prazo de 7 dias (cfr. n.º 16 dos factos provados), sendo certo que, desde então, não se verificou uma alteração tão significativa das circunstâncias dessa guerra que justificasse uma mudança de opinião.
Aliás, é também facto do conhecimento geral que, antes dos acontecimentos de 07.10.2023, o Estado de Israel já vivia um conflito militar com o povo palestiniano e que era, com frequência assinável, sujeito a actos de violência imprevistos, tendo-se os seus cidadãos habituado a conviver, de forma quase natural, com os cuidados de segurança e restrições impostos, sem que se entendesse que tal os colocava em situação de perigo físico e psíquico intolerável.
Como bem refere o recorrente, «a simples circunstância de o Estado de residência habitual da criança se encontrar envolvido num conflito militar não preenche per si a exceção constante da alínea b) do parágrafo 1.º do artigo 13.º da CH 1980, sendo de realçar o paradigmático caso Q V R13 no qual o England and Wales High Court (Family Division) considerou, por ocasião do conflito militar entre a Ucrânia e a Rússia, que não obstante a imprevisibilidade de qualquer conflito militar, inexistirá um risco grave de a criança ser colocada numa situação intolerável quando resulte provado que a concreta cidade para onde a criança regressará não se mostra significativamente afetada pelas hostilidades. Deste modo, a existência de um conflito militar no Estado de origem da criança não confere ao progenitor carta-branca para ilicitamente deslocar ou reter a criança em Estado diverso, impondo-se ao progenitor que procedeu a tal deslocação/retenção faça prova de que tal circunstancialismo geopolítico se traduza num risco concreto de a criança ser colocada numa situação inadmissível».
Concluímos, pois, que o contexto de guerra em que está envolvido o Estado de Israel é insuficiente para integrar a excepção prevista no art. 13º, 1º §, alínea b) da Convenção de Haia de 1980.
5.3.2. Considerou, em segundo lugar, o tribunal a quo que, desde Novembro de 2023, a criança encontra-se a residir com a progenitora nas ..., onde está integrada social e educativamente, pelo que, determinar o seu regresso a Israel, separando-a da progenitora, que constitui a sua principal figura afectiva de referência, acarretaria um sofrimento que poria em risco a sua estabilidade emocional, afectiva e psicológica, reflectindo-se no seu normal desenvolvimento, o que se traduz na verificação da situação de risco grave para a criança de, com o seu retorno a Israel, ficar sujeita a perigos de ordem psíquica a que alude o apontado artigo 13º, 1º §, alínea b) da Convenção de Haia de 1980.
Ora, conforme decorre do ponto 5.2.5, relativo à reapreciação da matéria de facto, não se provou que a recorrida seja a principal figura de referência da menor (cfr. n.º 39 dos factos provados, na redacção ora dada).
Como aí se teve oportunidade de dizer, o próprio relatório de avaliação psicológica de 02.05.2024 refere que a menor “direciona sentimentos positivos de modo equitativo a ambas as figuras” parentais, sendo que, aquando da sua audição pelo tribunal, a criança referiu que em Israel “estava mais ligada ao progenitor”.
Não pode impressionar o facto de a menor estar “integrada” na Ilha das ... e de ser a mãe que assegura todas a suas necessidades. Mal seria se assim não fosse, já que é aí que a menor reside desde Novembro de 2023 e que a mãe se impôs como o único progenitor que a pode acompanhar no seu quotidiano, orientá-la nas suas actividades, tarefas e rotinas e supervisionar os seus cuidados.
Tal como bem salienta o recorrente «Tendo em conta que a menina vive apenas com a Recorrida desde outubro a esta parte, e que teve pouquíssimo contacto com o Recorrente na Ilha das ..., não se podia esperar que na descrição das suas rotinas se referisse de forma idêntica a ambos os progenitores, havendo várias atividades diárias que o Recorrente se encontra impedido de realizar com a criança, dada a distância entre ambos. Note-se ainda que a GP tem apenas 7 anos, sendo natural, nesta etapa de desenvolvimento, que tenha mais presente o seu passado próximo, e não tanto o passado mais distante, partilhado com o Pai em Israel».
De resto, carecem os autos de quaisquer elementos relativos à situação da criança em Israel, onde tinha centrada a sua vida, que demonstrem que nesse país não estivesse igualmente bem integrada (estava, de resto inscrita na escola, para o ano lectivo de 2024), sendo certo que, antes da sua vinda para Portugal, era ao recorrente que a criança sentia maior ligação.
Para nós, o argumento segundo o qual a permanência da menor em Portugal é o que melhor salvaguarda o seu superior interesse, cai por terra, quando se desconhece o seu modo de vida em Israel, impossibilitando a formulação de qualquer juízo comparativo que nos habilite a considerar que esse interesse e que o bem-estar e o desenvolvimento harmonioso da criança são melhor prosseguidos aqui do que lá (sendo certo que competia à recorrida, que se opõe ao regresso, demonstrar tais factos).
Por isso, reitera-se que a aparente maior proximidade ou ligação da criança à recorrida decorre, naturalmente, do seu contexto vivencial recente, influenciado pela sua retenção ilícita e pelo distanciamento que lhe foi e é imposto relativamente ao recorrente e que não pode ser premiado, legitimando aquilo que a sentença recorrida declarou não pretender defender: «que é legítimo que um dos progenitores, por decisão unilateral, desloque ou retenha a criança num país diferente daquele onde tinha a sua residência habitual, nem justificar a acção ilícita desses progenitores»
Não se trata de punir o autor da retenção ilícita, mas sim de considerar que o afastamento injustificado da criança de um progenitor, com quem a mesma mantinha forte ligação, por vontade unilateral e egoísta do outro, e a sedimentação de uma situação de facto duradoura, através da obstaculização da devolução da criança, mais não pretendem do que tornar inevitável uma decisão que, em face da assim propalada estabilidade da criança, acabe por legitimar a sua retenção ilícita, dando cobertura ao inevitável afastamento da menor do pai (tenham-se presentes as distâncias entre Israel e Portugal e, particularmente, as dificuldades de acesso à ilha das ...) e privando-a do normal convívio com o mesmo – e , acrescente-se, com toda a restante família materna e paterna –, o que é, indiscutivelmente, prejudicial ao harmonioso desenvolvimento da criança e, por conseguinte, a seu superior interesse (cfr. decisões internacionais citadas no parecer amicus curiae emitido pela International Academy of Family Lawyers, junto aos autos em 09.08.2024).
Conforme observa, acertadamente, o recorrente, «se o raciocínio contido na Sentença revidenda pudesse ser admitido, a esmagadora maioria dos pedidos de regresso ao abrigo desta Convenção seriam indeferidos, já que a situação de rapto conduz necessariamente a uma aproximação da criança ao progenitor que a acompanha na deslocação ou retenção ilícita e a uma integração mais ou menos perfeita no país onde se encontra retida. Assim, bastaria argumentar que a criança se encontra “estável” do ponto de vista emocional para que o rapto internacional se tivesse por irrelevante, concedendo-se, na prática, carta-branca a qualquer progenitor para recorrer a este expediente ilegal e furtar-se à soberania das autoridades judiciárias do país da residência habitual da criança, o que não se pode conceder».
Não pode esquecer-se que foi a recorrida que optou por mudar a sua vida, radicando-se noutro país, e que não demonstrou qualquer facto ou circunstância impeditiva do seu regresso a Israel, onde possa partilhar com o recorrente o crescimento e desenvolvimento da menor, como, aparentemente, vinham fazendo até Outubro de 2023.
Mais uma vez, acompanhamos o recorrente, quando argumenta que «…não se compreende por que motivo o tribunal a quo decidiu, a priori, excluir a Recorrida do processo de regresso, dando por certo que esta ficaria na ilha das ... mesmo que GP regressasse a Israel. Neste sentido, é paradigmático nestes casos que a entrega da criança seja agilizada com a implicação do progenitor que deslocou ou reteve ilicitamente a criança, de modo a que ambos, no país de residência habitual da criança, discutam o futuro regime de exercício das responsabilidades parentais – incluindo, a eventual alteração da residência da criança para o estrangeiro. O regresso de GP a Israel não tem, por isso, de implicar qualquer afastamento da Recorrida…» e «…não só as exceções ao regresso devem ser objeto de interpretação restrita, como as autoridades judiciais chamadas a decidir sobre o regresso deverão ter o cuidado de não antecipar no seu julgamento questões que se prendem com a regulação das responsabilidades parentais, a fim de não invadirem a área de competência internacional do tribunal da residência habitual da criança (em conformidade, aliás, com o disposto no art. 16.º da CH 1980). Os tribunais dos países onde a criança se encontra não podem, por isso, especular onde a criança seria mais feliz, a qual dos pais deve ser atribuída a guarda, ou quaisquer outros fatores que se devam ter por reservados aos tribunais da residência habitual…».
Acresce que a recorrida tem revelado, também, pouca disponibilidade para promover ou, pelo menos, para não obstaculizar a relação pai/filha (cfr. por exemplo, os n.ºs 12 a 14 dos factos provados e a decisão do Tribunal de Israel de 27.08.2024, junta aos autos em 07.08.2024), o que, também, desaconselha a retenção da menor em Portugal.
Finalmente, a própria Convenção de Haia de 1980, através do seu art. 12.º, parece dar, apenas, relevância a situações de facto que se mantenham por período superior a 1 ano, ao prever a possibilidade de não ser ordenado o regresso da criança ao seu Estado da residência habitual se tiver decorrido um período de mais de 1 ano entre a data da deslocação ou retenção e a data do início do processo e for provado que a criança já se encontra integrada no seu novo ambiente, não tendo tal período decorrido no caso que nos ocupa.
Conforme se refere no parecer amicus curiae emitido pela International Academy of Family Lawyers, junto aos autos em 09.08.2024, «Há duas razões distintas pelas quais a adaptação da criança não deve ser um elemento para a determinação de uma exceção para uma remoção ou retenção ilícita. A primeira razão prende-se com a natureza do processo. Uma petição ao abrigo da Convenção da Haia sobre Rapto é um processo sumário, que deverá ser concluído no prazo de seis semanas. Uma investigação da adaptação de uma criança ao novo ambiente requer relatórios de psicólogos ou de assistentes sociais que examinam o desenvolvimento da criança no novo estado, incluindo desempenho na escola, se faz novos amigos, aquisição de habilidades linguísticas e outros fatores que podem determinar a adaptação. Essa avaliação é outra forma de indicar que deve ser realizado uma avaliação do interesse superior, o que é contrário ao objetivo da Convenção de um retorno rápido. A segunda razão prende-se com a dissuasão. Para que um progenitor que pretenda retirar uma criança possa reconhecer se tal ato seria ilícito, é necessário que existam critérios que sejam reconhecíveis quando a remoção for contemplada. Embora possa haver uma disputa factual sobre se o consentimento foi ou não dado, é pelo menos uma questão que pode ser analisada antes de agir. A possível adaptação de uma criança é altamente especulativa e só pode ser determinada após a remoção já ter ocorrido. Um progenitor que acredite que o seu filho se adaptará rapidamente pode acreditar que a sua remoção ilegal será justificada. Por último, a Convenção da Haia sobre Rapto procura uniformidade na sua implementação. Ao avaliar a adaptação de uma criança na determinação da residência habitual, os tribunais podem chegar a decisões opostas sobre padrões de facto idênticos, com a diferença no resultado a ser determinada pelo quão bem uma criança faz novos amigos ou aprende uma nova língua em comparação com outra criança».
E, assim, concluímos, também aqui, pela não verificação dos perigos de ordem psíquica a que alude o apontado artigo 13º, 1º §, alínea b) da Convenção de Haia de 1980.
5.3.3. Considera, em terceiro lugar, o tribunal a quo que se encontra preenchida a excepção à ordem de regresso da criança prevista no art. 13º, 2º § da Convenção de Haia de 1980, na medida em que a mesma recusa regressar a Israel, por ter medo da guerra e por saber que está proibida de sair de Israel, pretendendo ficar a residir em Portugal, opinião que, atenta idade e grau de maturidade da criança, o tribunal a quo entendeu dever ser considerada.
Tal como supra explanamos no ponto 5.2.6, não obstante a menor ter exteriorizado a sua recusa em regressar a Israel, por ter medo da guerra e por saber que está proibida de sair de Israel, os elementos de prova colhidos, não permitem convencer que a menor recuse, por vontade própria, não influenciada e genuína, regressar a Israel e, portanto, que o seu discurso corresponda ao seu sentimento real.
Como então se disse, muito dificilmente se pode retirar das declarações da menor uma correspondência com a sua vontade real, tendo em conta, desde logo, a sua idade, a imaturidade revelada, as influências por parte da recorrida (com quem a menor vive, exclusivamente, nos últimos meses) na determinação da sua vontade e o conhecimento do conflito existente entre os progenitores e da judicialização do mesmo.
Tem, por isso, que relativizar-te o facto de a menor ter, alegadamente, manifestado “desejo de se manter a residir na Ilha das ..., junto da figura materna” e verbalizado “sinais emocionais de vivência de algum mal-estar na interacção com a figura paterna e com a possibilidade de regressar a Israel”.
Citando, mais uma vez o recorrente, «…GP tem apenas 7 anos, idade que não lhe permite compreender, por exemplo, o contexto de guerra atualmente vivido entre Israel e a Palestina, nem como o mesmo difere da sua situação vivencial em Telavive. Os próprios motivos que a menina invoca para recusar o regresso não se prendem nem com Portugal nem com a figura materna, mas apenas com um conhecimento imperfeito da situação em Israel e das decisões judiciais proferidas. A vontade de GP é assim notoriamente afetada por um medo conceptual da guerra que a própria menina confessa, não correspondendo a uma vontade real, e muito menos matura, já que o próprio discurso da criança denuncia a sua falta de maturidade e capacidade para compreender os assuntos em discussão».
Destarte, a oposição da menor não pode, no caso concreto e por si só, fundamentar a recusa do seu regresso a Israel.
5.4. Aqui chegados, concluindo-se pela verificação de uma situação de retenção ilícita da menor em Portugal e pela não demonstração dos pressupostos de qualquer excepção ao seu regresso, impõe-se determinar o regresso da menor a Israel, procedendo, por conseguinte, a apelação.
VI – DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar totalmente procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, ordenando-se o imediato regresso da criança GP, nascida em 01.01.2017, natural de Jerusalém - Israel, residente na Rua …, Ilha das ..., a Israel, ao local onde tinha a sua residência habitual, devendo o tribunal a quo adoptar os procedimentos urgentes necessários à execução da presente decisão.
Sem custas (cfr. art. 26.º da Convenção de Haia de 1980 e art. 4.º, n.º 1 al. a) do RCP).
Notifique.
Lisboa, 12.09.2024
Rui Manuel Pinheiro de Oliveira
Ana Paula Nunes Duarte Olivença
Alexandre José Au-Yong Oliveira
(vencido, nos termos da declaração junta)
_______________________________________________________ Voto de vencido:
Não acompanho o Acórdão e, por isso, junto a presente declaração de voto de vencido.
1. Desde logo não concordo com as ilações e conclusões que se fazem a partir do facto provado 27.1 “[a] cidade de Telavive é classificada como “zona verde”, o que significa que opera atualmente sem quaisquer restrições ao nível de atividades educacionais, locais de trabalho ou em reuniões e serviços” (conjuntamente com os factos provados n.ºs 5.1, 21 a 24, 24.1, 25.1).
2. Em particular, não se concorda com as seguintes passagens expostas sob o ponto 5.3.1 da Fundamentação de Direito do Acórdão:
“… é facto conhecido e confirmado, de resto, pela informação prestada pela Embaixada de Israel em Portugal supra referida, que o conflito armado subsequente ao atentado de 07.10.2023 tem-se desenvolvido, na sua totalidade, dentro da própria Faixa de Gaza e nos territórios da fronteira a norte com o Líbano, com ocasionais incursões israelitas no território da Cisjordânia, sendo mais estável a situação que se vive na demais regiões do país.
A cidade de Telavive está classificada como “zona verde”, o que significa que opera atualmente sem quaisquer restrições ao nível de actividades educacionais, locais de trabalho ou em reuniões e serviços, não havendo quaisquer elementos que demonstrem que essa classificação e a ausência de restrições tenham sido alteradas devido a qualquer acontecimento posterior à data em que foi elaborada a referida informação.
Os factos que o tribunal a quo considerou serem integradores da excepção prevista no art. 13º, § 1.º, alínea b), da Convenção de Haia de 1980, não se verificaram em Telavive, com excepção do que consta do n.º 25 («Israel foi atacado com centenas de mísseis e drones lançados desde o Líbano, pelo Hezbollah, e particularmente pelo Irão»), que, no entanto, tem que ser apreciado conjuntamente com o facto aditado sob o n.º 25.1 («25.1 - Israel dispõe de um dos sistemas de proteção aérea mais sofisticados do mundo»).
Como já referido anteriormente, ainda nos últimos dias, foi noticiado um ataque por parte do Hezbollah a Israel, através do lançamento de 25 rockets, sem que tenham sido provocado quaisquer feridos ou danos em infraestruturas – cfr., por exemplo, https://sicnoticias.pt/especiais/conflito-israel-palestina/2024-08-13-hezbollah-lanca-25-rockets-contra-israel-cfbd8c3f).
Por conseguinte, não obstante prosseguir a guerra entre o Israel e o Hamas (cfr. n.º 27 dos factos provados) e os crescentes receios de agravamento do conflito, os riscos e perigos daí decorrentes são, substancialmente, menores para quem reside em Telavive, não podendo ser entendidos como correspondendo a uma “situação intolerável” para qualquer criança, no sentido restrito em que tal conceito é adoptado pela Convenção de Haia de 1980.
Repare-se que não se provou qualquer factualidade demonstrativa da existência, efectiva, real e concreta, desse perigo para a menor, sendo que tudo o que foi alegado nesse sentido foi tido como não provado (als. U) a Y) do ponto 3.2), o que significa que os perigos alegados são meramente abstractos, hipotéticos ou conjecturais, sem qualquer suporte objectivo que os evidencie, mantendo-se, aliás, as pressões e esforços internacionais no sentido de um cessar-fogo.
Saliente-se, ainda, que os avisos de segurança a viajantes e o facto de alguns Governos desanconselharem viagens para Israel não são, por si só, demonstrativos da situação de perigo ou risco, no sentido referido no art. 13.º da Convenção de Haia, pois que se baseiam noutras ordens de critérios e considerações, como sejam as maiores dificuldades dos viagens estrangeiros em adaptarem-se a um cenário de conflito num país que não é o seu, com desconhecimento da língua e das regras de prevenção e segurança impostas aos cidadãos nacionais.
Não pode, pois, concluir-se que a segurança da menor no seu país de origem não esteja garantida, a ponto de justificar a sua retenção ilícita (vejam-se, a este respeito, as decisões internacionais citadas pelo recorrente nas suas alegações e no parecer amicus curiae emitido pela International Academy of Family Lawyers, junto aos autos em 09.08.2024, que aqui nos escusamos de reproduzir).”
3. O supra sublinhado facto n.º 27.1 baseia-se, essencialmente, em informação prestada pela Embaixada Israelita datada de 02-05-2024. Ora, em tal informação da Embaixada refere-se inclusive, conforme citado no Acórdão, que “[a]dicionalmente, nos últimos três meses, não se têm verificado quaisquer alertas de mísseis nesta área”.
4. É de sublinhar que esta última asserção da Embaixada não é atual. Com efeito, é de conhecimento público e notório que em 19-07-2024, tal como noticiado em jornais de credibilidade reconhecida, tais como o Público, o The Guardian, o The Economist e o Le Monde, que Telavive foi vítima de um ataque de drone que matou uma pessoa e feriu pelo menos 8 pessoas (a duas ruas da embaixada dos EUA).
5. Pode ver-se um vídeo deste ataque de drone no Le Monde, bastante impressivo (https://www.lemonde.fr/international/video/2024/07/19/les-images-du-drone-houthiste-tire-depuis-le-yemen-qui-a-fait-un-mort-a-tel-aviv_6252772_3210.html).
6. Por seu turno, do jornal britânico The Guardian sublinha-se a seguinte passagem "[t]he drone attack shook residents of Tel Aviv, undermining a fragile sense of security..." (https://www.theguardian.com/world/article/2024/jul/19/yemen-houthis-claim-deadly-drone-attack-on-tel-aviv-israel).
7. É neste contexto, aliás, que se compreende que no site do nosso Ministério dos Negócios Estrangeiros sejam desaconselhadas "todas as viagens para Israel", como se pode confirmar aqui: https://portaldascomunidades.mne.gov.pt/pt/vai-viajar/conselhos-aos-viajantes/asia/israel-e-territorios-palestinianos-ocupados.
8. Ainda neste âmbito, mais recentemente, em virtude de assassinatos de figuras importantes do Hezbollah e do Hamas pelas autoridades israelitas (em 30 de julho de Fuad Shukr, comandante do Hezbollah, e no dia seguinte, de Ismail Haniyeh, líder do Hamas), o receio de escalada na região do Médio Oriente, com o envolvimento essencial de Israel, é, pelo menos por ora, real e atual, como é de conhecimento público e notório. Esta elevada tensão, do conhecimento da generalidade das pessoas, pode ser verificada, por exemplo, em notícia do jornal Público datada de 05-08-2024 (https://www.publico.pt/2024/08/04/mundo/noticia/medio-oriente-preparase-ataques-ultima-tentativa-diplomacia-2099832).
9. Nestes termos, tenho fundadas dúvidas sobre a pertinência da informação prestada pela Embaixada de Israel (e posição assumida, entretanto, no amicus curiae, subscrito, aliás, por apenas 11 membros da respetiva associação, composta por mais de 1000 membros[1]), pelo que não retiraria as ilações e conclusões supra aludidas em 2, em especial, no sentido que “…os perigos alegados são meramente abstractos, hipotéticos ou conjecturais, sem qualquer suporte objectivo que os evidencie…”.
10. É-nos, pois, muito difícil ignorar, como bem refere a sentença recorrida em sede de Direito, que “[p]rossegue a guerra entre Israel e o Hamas [e Hezbollah], ao mesmo tempo que continuam as negociações por um cessar fogo e repetem-se os apelos da comunidade internacional nesse sentido.” (cf. ainda facto provado n.º 27).
11. É certo que, na normalidade dos casos judiciais, os factos essenciais a ter em conta são os alegados e que se conhecem no momento do encerramento da discussão (artigo 611.º, n.º 1, do CPC).
12. Contudo, os factos que supra referi em 4 e 8, ao que creio, são notórios e, por isso, não carecem de prova ou alegação (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Civil). Assim sendo, não se lhes aplica a regra anteriormente referida. Entendimento contrário conduziria, ao que creio, a situações absurdas e inaceitáveis, como a devolução de uma criança num momento em que se verifica um intenso bombardeamento da zona visada e por todos conhecida. Acresce que estamos em sede de jurisdição voluntária.
13. Assim sendo, ao abrigo dos artigos 5.º, n.º 2, al. c) , 412.º, n.º 1, 986.º, n.º 2, do CPC, creio que a factualidade ora referida em 4 e 8 é processualmente atendível. Nestes termos, o ataque de drone em causa suporta em importante medida as objeções da Requerida ao regresso da criança a Israel, mesmo que a Telavive.
14. Neste contexto, e em sede de Direito, enquadraria a situação no artigo 13º, § 1.º, alínea b), da Convenção de Haia de 1980, concordando, nesta parte, com o tribunal a quo (e com o Ministério Público). Efetivamente, tendo em conta a situação de guerra que se vive em Israel, inclusivamente em Telavive, considero preenchida a previsão de "[q]ue existe um risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, a ficar numa situação intolerável.".
15. Porventura, como propendeu o tribunal a quo (v. supra n.º 10), apenas com um efetivo cessar-fogo entre os beligerantes em causa é que o aludido risco grave para a criança se poderá ter como juridicamente e materialmente não verificado. Antes de tal suceder, pois, considerar-se que a situação não é intolerável para uma criança nascida em 01-01-2017, ou seja, com 7 anos de idade, é, senão uma banalização do mal, uma banalização da guerra.
16. Aliás, apenas assim se compreende que o Acórdão desvalorize, ou pelo menos relegue para segundo plano, o facto provado n.º 25: “Israel foi atacado com centenas de mísseis e drones lançados desde o Líbano, pelo Hezbollah, e particularmente pelo Irão”.
17. Como é sabido, o Direito baseia-se, mais do que em regras (H.L.A. Hart), em princípios (R. Dworkin), o que se revela, principalmente, em “casos difíceis” como o presente. Assim sendo, se determinada situação se tornou normal para determinados segmentos de uma comunidade, nomeadamente para os respetivos adultos, tal não pode justificar que se sacrifique o superior interesse da criança em nome de tal normalização.
18. Neste contexto, é-nos perfeitamente compreensível (e, para nós, indiciador de uma mente ainda equilibrada) que a criança GP declare, como aliás fez consignar o Acórdão, que “não quer regressar a Israel, por ter medo da guerra…” (facto provado n.º 40). E isto independentemente da conotação que se queira dar a tal expressão.
19. Em consequência, manteria a sentença recorrida, pelo menos com o aludido fundamento (artigo 13º, § 1.º, alínea b), da Convenção de Haia de 1980) e julgaria o recurso improcedente, não ordenando o imediato regresso da GP a Israel, ao local onde tinha a sua residência habitual.
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Lisboa, 16-08-2024
Alexandre Au-Yong Oliveira