OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE
Sumário

(da responsabilidade do relator):
I - Nos termos do art.º 379.º/1, al. c), 1 do Código de Processo Penal, é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, sendo tal disposição aplicável aos acórdãos proferidos em recurso, por força do art.º 425.º/4 do mesmo código.

Texto Integral

Acordam os Juízes Desembargadores da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
No Lisboa – Juízo Local Criminal Lisboa – J9, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o presente recurso de contra-ordenação e, em consequência:
A. Julgam-se não verificadas as nulidades da notificação para o exercício do direito de audição e de defesa bem como da decisão administrativa.
B. Condena-se a recorrente “AA.” pela prática da contra-ordenação prevista e punida nos termos dos artigos 31º, nº 2, e 59º, nº 1, alínea i), nº 4, alínea c) e nº 9, ambos do Regime do Exercício da Actividade de Segurança Privada (REASP), aprovado pela Lei nº 34/2013, de 16 de Maio, numa coima especialmente atenuada no montante de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros).»
- do recurso -
Inconformada, recorreu a Arguida formulando as seguintes conclusões:
« A. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo em 15/03/2024, que julgou parcialmente procedente o recurso de impugnação de decisão de aplicação de coima apresentado pela Recorrente e, em consequência, atenuou especialmente a coima aplicada, reduzindo-a do montante de €15.000,00 euros (quinze mil euros) para €7.500,00 euros (sete mil e quinhentos euros), pela alegada violação do artigo 31.º, n.º 2, da Lei n.º 34/2013.
B. Os autos têm origem numa ação de fiscalização por agentes da Polícia de Segurança Pública às instalações da Farmácia ..., que levou à levou à Decisão Condenatória n.º 737/2022, proferida pelo Secretário-Geral do Ministério da Administração Interna, datada de 23/02/2022, que condenou a Arguida ao pagamento de uma coima no montante de €15.000,00 (quinze mil euros).
C. Inconformada, a Recorrente impugnou judicialmente a decisão condenatória, tendo o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa proferido sentença na qual reconhecia a nulidade da decisão por omissão absoluta da narração dos factos referentes ao elemento subjetivo da contraordenação.
D. Nessa sequência, a Autoridade Administrativa emitiu nova decisão condenatória, tendo a Recorrente impugnado judicialmente a mesma, sendo agora notificada da sentença proferida pelo Tribunal a quo, e sobre a qual versa o presente recurso.
E. A sentença proferida pelo Tribunal a quo enferma de omissão de pronúncia e erro de julgamento na aplicação do direito aos factos provados.
F. No recurso impugnação judicial da decisão condenatória proferida pelo Secretário-Geral do Ministério da Administração Interna, a Recorrente alegou que (i) falta de identificação e narração dos factos que serviram de fundamento ao juízo de imputação subjetiva na notificação recebida para efeitos de defesa; (ii) falta de identificação e narração dos factos que fundamentassem o juízo de imputação subjetiva; (iii) ausência de narração dos factos que permitissem inferir a imputação objetiva determinada pela autoridade, (iv) a ausência de identificação do agente concreto da pessoa coletiva que teria efetivamente praticado a alegada contraordenação.
G. E, por estes fundamentos, a notificação recebida para defesa e a decisão condenatória deveriam ter sido consideradas nulas, por preterição do disposto nos artigos 7.º, n.º 2, 50.º e 58.º, n.º 1, todos do RGCO).
H. Porém, o Tribunal a quo foi totalmente omisso sobre a ausência de identificação do agente concreto da Recorrente, sociedade comercial, que terá praticado a alegada contraordenação.
I. De igual modo, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre da sanção de admoestação, não obstante ter sido expressamente peticionado pela Recorrente.
J. Uma vez que ambas as situações constituem o vicio de omissão de pronúncia, deve o Venerando Tribunal julgar e declarar nula a sentença proferida pelo Tribunal a quo, nos termos e para os efeitos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP.
K. Ademais, o Tribunal a quo foi totalmente omisso quanto aos factos provados e não provados, em clara violação do artigo 374.º, n.º 2 do CPP, o que, nos termos do artigo 379.º, n.º 2, determina que a sentença é nula.
L. De todo o modo, mesmo que assim não se entenda, no que não se concede, sempre se haverá de concluir que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento na aplicação do direito aos factos provados.
M. Em primeiro lugar, existe erro de julgamento na apreciação da questão suscitada pela Recorrente quanto à nulidade da notificação recebida para efeitos de defesa nos termos do artigo 50.º do RGCO.
N. A Recorrente teve oportunidade de esclarecer e invocar que a notificação enviada pela Autoridade Administrativa, não foi minimamente suficiente para o exercício do seu direito de defesa, razão pela qual deveria ser fulminada de nulidade.
O. Esta exigência faz todo o sentido pois, designadamente quanto à imputação subjetiva, é da maior relevância que a Arguida possa compreender ser os factos lhe estão a ser imputados a título de dolo ou negligência e, com isto, preparar a sua defesa.
P. O Mandado de Notificação refere até que os factos foram praticados, presumivelmente, de forma voluntária e consciente.
Q. Mas nada mais se diz, pelo que a Arguida recebeu uma notificação que diz que a Autoridade Recorrida presume que agiu de forma voluntária e consciente, sem qualquer justificação ou fundamentação para esta suposta presunção.
R. Termos em que a notificação recebida para o exercício do direito de defesa é nula, por preterição do artigo 50.º do RGCO.
S. Pelo que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao julgar não verificada a nulidade da notificação recebida pela Arguida para os efeitos do artigo 50.º do RGCO e, consequentemente, do processado posterior.
T. Verifica-se igualmente a nulidade da decisão condenatória por omissão absoluta da narração dos factos justificativos do juízo de imputação subjetiva vertido na decisão condenatória, vício que o Tribunal a quo considerou, erradamente, no entender da Recorrente, como não verificado.
U. Nos termos do artigo 58.º, n.º 1, do RGCO, a decisão condenatória que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter “(…) b) a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas; c) a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão; d) a coima e as sanções acessórias (…)”.
V. A decisão administrativa deve conter os elementos essenciais para, caso haja impugnação, valer como acusação e, caso não haja, valer como decisão condenatória.
W. Os requisitos previstos no artigo 58.º, n.º 1, do RGCO visam, assim, assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efetivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir verdadeiramente com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e das condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão.
X. No caso em apreço, da decisão administrativa condenatória não constam factos, mas meros juízos conclusivos, ou mesmo meras transcrições da letra da lei, não concretizados em factos a partir dos quais se possa inferir tais juízos. Tal já acontecia, aliás, na decisão fulminada de nulidade pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa.
Y. Porém, o Tribunal a quo entendeu que pelo facto de se ter aditado à decisão administrativa um mero parágrafo com recurso a uma fórmula tabelar de alguma forma sanou a nulidade ma que não cura, na realidade, pela demonstração de qualquer tipo de conduta negligente por parte da Recorrente.
Z. Na verdade, a Recorrente, já às portas do Tribunal da Relação de Lisboa, ainda não compreendeu em que factos se baseia a suposta negligência da sua conduta, uma vez que tal não vem descrito na decisão condenatória (excluindo, naturalmente, as considerações abstratas e genéricas aplicáveis a qualquer caso de escola de conduta negligente)
AA. E não compreendeu também – nem a Autoridade Administrativa logrou explicar – de que forma é que, atuando de outro modo, a sua conduta seria considerada prudente e diligente, tendo em conta as circunstâncias do caso.
BB. Ainda assim, o Tribunal a quo considerou suficiente a nova narração dos “factos” feita pela Autoridade Administrativa, ignorando que, em momento algum, foi demonstrado um único facto que permita a justificação da conduta negligente da Arguida.
CC. E sobretudo, de que forma é que, atuando de modo diverso, poderia a sua conduta ser considerada diligente e correta.
DD. Existe, pois, in casu, para efeitos do disposto no artigo 58.º, n. 1, alínea b), do RGCO, vício da insuficiência da matéria de facto provada.
EE. Nos casos em que existe um vício de insuficiência da matéria de facto estamos perante uma nulidade da decisão, de harmonia com o disposto nos artigos 374.º, n.ºs 2 e 3 e 379.º, n.º 1, a), ambos do CPP, invocável em sede de recurso de impugnação e de conhecimento oficioso.
FF. A decisão administrativa objeto de impugnação é manifestamente nula por violação do disposto nos artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, a), do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1, do RGCO, em conjugação com o artigo 58º do RGCO, devendo este Venerando Tribunal apreciar e julgar procedente a nulidade da decisão condenatória proferida pela Autoridade Administrativa.
GG. E, mesmo que assim não se entenda, no que não se concede, sempre deverá este Tribunal decidir que os elementos presentes impõem a absolvição da Recorrente, como resultou do Acórdão proferido por este Tribunal da Relação no âmbito do processo n.º 468/23.7Y5LSB.L1, visto que se trata se uma situação em tudo semelhante ao discutido nos presentes autos.
HH. Isto dito e sem conceder, na apreciação da determinação da concreta coima a aplicar pelo alegado incumprimento do disposto no artigo 31.º, n.º 2, da Lei n.º 34/2013, o Tribunal a quo acabou por não se pronunciar sobre o pedido expresso da recorrente de aplicação da sanção de admoestação, decidindo pela especial atenuação da coima.
II. Porém, tendo em conta as circunstâncias que no caso concreto se verificam, entende a Recorrente que apenas se justificaria a aplicação da sanção de admoestação, pelo que o Tribunal a quo incorreu em erro na determinação da sanção a aplicar.
JJ. Com efeito, decorre do artigo 51.º, n.º 1, do RGCO que “quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação”.
KK. A gravidade da contraordenação revela o seu grau de ilicitude e este afere-se pelo modo de execução da infração, pela gravidade das suas consequências e pela natureza dos deveres violados, sendo certo que, como resulta da mais recente jurisprudência nesta matéria, a gravidade da infração não se infere de um juízo geral e abstrato, descontextualizado da factualidade relevante à infração, mas antes que “a comprovação em concreto da falta de gravidade da infracção justifica a substituição de coima pela admoestação”.
LL. A lei veda ao julgador a possibilidade de aplicar a pena de admoestação apenas na prática de infrações de natureza laboral classificada quer como grave, quer como de muito grave, por tal resultar tipificado na lei, inexistindo igual previsão no RGCO ou na Lei n.º 34/2013. Em coerência com esta opção legislativa, a possibilidade de ser proferida admoestação não está afastada nos presentes autos.
MM. A culpa do agente, nas contraordenações, não corresponde a culpa jurídico-penal, baseada numa censura ética, dirigida à pessoa do agente como expressão de uma atitude interna pessoal juridicamente desaprovada e pela qual o arguido tem, por isso, de responder perante as exigências do dever ser da comunidade.
NN. A medida de admoestação tem como pressupostos que, em concreto, se verifique uma diminuição da gravidade da contraordenação e da culpa do agente, a aferir por referência a um padrão médio da gravidade da contraordenação e da culpa do agente, de modo tal que, no caso concreto, a imagem global da gravidade da contraordenação e da culpa do agente se apresente inferior ao que é comum.
OO. No caso dos autos, estão verificados os aludidos dois pressupostos, que permitem aplicar à Recorrente a medida de admoestação.
PP. Decorre da factualidade dada como provada que, por um lado, a gravidade da alegada infração cometida pela Arguida não é robusta à luz do critério gravidade suprarreferido e, por outro lado, que a mesma agiu com culpa reduzida.
QQ. Ficou demonstrado que, no absoluto limite, a Arguida agiu com negligência inconsciente, não obteve quaisquer vantagens patrimoniais com a prática da contraordenação, não possui antecedentes neste tipo de contraordenações e não provocou qualquer dano derivado da conservação de imagens de videovigilância.
RR. Assim, por se encontrarem verificados os pressupostos para ser aplicada a admoestação, deve este Venerando Tribunal determinar a substituição da coima por esta sanção.
SS. Face a todo o exposto, a sentença proferida pelo Tribunal a quo violou os seguintes preceitos normativos:
a. Artigo 31.º, n.º 2, da Lei n.º 34/2013;
b. Artigos 7.º, n.º 2, 50.º, 51.º, n.º 1 e 58.º, n.º 1, todos do RGCO;
c. Artigos 374.º, n.ºs 2 e 3, 379.º, n.º 1, a) e c) e n.º 2 e 410.º, n.ºs 2, a), todos do CPP.»
- da resposta -
Notificado para tanto, respondeu o Ministério Público concluindo nos seguintes termos:
«1. Não era necessária a identificação do agente concreto da infração, na medida em que o facto é imputado à pessoa colectiva e, em processo contraordenciaonal, a Lei não preceitua como necessária a ocorrência de uma transferência da culpa e da ação dos agentes individuais.
2. No entanto, cremos que assiste razão à recorrente quando alega o Tribunal incorreu em omissão de pronúncia, por não se ter pronunciado acerca da questão da (des)necessidade da identificação do agente concreto da infração.
3. Não é legalmente admissível a condenação em pena de admoestação pela prática de contraordenação muito grave, pelas razões que melhor explanaremos infra.
4. No entanto, cremos que assiste razão à recorrente quando alega o Tribunal incorreu em omissão de pronúncia, por não se ter pronunciado acerca da possibilidade de aplicação da sanção de admoestação.
5. O tribunal a quo analisou a suscitada questão da nulidade da notificação da contraordenação “por não lhe permitir conhecer os concretos fundamentos da sua responsabilidade contraordenacional”;
6. Concordamos inteiramente com a análise efectuada pelo tribunal a quo, resultando evidente da leitura da sentença que essa questão foi analisada e foi considerado que nenhuma razão assistia à recorrente nessa sua alegação.
7. Não assiste qualquer razão à recorrente quando alega que se verifica a nulidade da notificação recebida pela recorrente.
8. A imputação objetiva está explícita, desde logo, nos factos provados constantes da decisão administrativa, e referidos na sentença.
9. Resulta evidente que a recorrente agiu com negligência consciente, sendo, portanto, perceptível a que título é feita a imputação subjectiva da contraordenação pela qual foi condenada.
10. A contra-ordenação em causa nos presentes autos, referente à preservação de imagens captadas pelas câmaras de videovigilância por um período superior a 30 dias, encontra-se prevista no art.º 31.º, nº 2 da Lei nº 34/13 e é classificada como uma contraordenação muito grave, pelo art.59.º, nº 1, al. p) e nº 4 dessa Lei.
11. Assim, quando a própria formulação legal do preceito tipificador da conduta classifica como muito grave, fica afastada desde logo a possibilidade da aplicação da medida de admoestação.
12. A sanção de admoestação não era aplicável no caso dos autos, por legalmente inadmissível, pelo que bem andou o tribunal a quo ao afastar essa aplicação;
13. Sendo que deveria ter-se pronunciado acerca dessa não aplicabilidade;
14. Face ao exposto, e em suma, entende-se que assiste parcialmente razão à recorrente apenas na questão pela mesma invocadas em sede de recurso relativamente à ponderação da aplicação da sanção de mera admoestação.
15. Pelas razões supra expostas, entendemos que deverá o recurso interposto ser julgado parcialmente procedente, em conformidade.»
Admitido o recurso, foi determinada a sua subida imediata, nos autos, e com efeito suspensivo.
Neste Tribunal da Relação de Lisboa foram os autos ao Ministério Público tendo sido emitido parecer no sentido da concordância com a nulidade apontada na resposta ao recurso. Mais apontou que a sentença em crise padece de nulidade por omissão dos factos provados e não provados, por falta de fundamentação dos factos e por omissão de pronúncia quanto à questão jurídica da desnecessidade da identificação do agente concreto da infração. Conclui, pois, pelo provimento do recurso.
Cumprido o disposto no art.º 417.º/2 do Código de Processo Penal, foi apresentada resposta ao parecer, dando a sua concordância ao mesmo.
Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência.
Cumpre decidir.
OBJECTO DO RECURSO
Nos termos do art.º 412.º do Código de Processo Penal, e de acordo com a jurisprudência há muito assente, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação por si apresentada. Não obstante, «É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» [Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 7/95, Supremo Tribunal de Justiça, in D.R., I-A, de 28.12.1995].
Em sede de recurso em processo de ilícito de mera ordenação social, tendo presente o artigo 75.º do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, compete ao Tribunal da Relação conhecer apenas da matéria de direito excepto nos casos concretamente previstos naquele diploma.
Assim, excluído o conhecimento da decisão de facto, excepto no que a invalidades respeita, o presente acórdão poderá alterar a decisão recorrida ou anulá-la e devolver o processo à primeira instância.
Desta forma, tendo presentes tais limitações e as conclusões da Recorrente, são as seguintes as questões a decidir:
- da omissão de pronúncia;
- da nulidade da notificação;
- da insuficiência da matéria de facto;
- da sanção aplicada.
FUNDAMENTAÇÃO
- da omissão de pronúncia;
Invoca a Recorrente que no seu recurso de impugnação judicial suscitou questões que não mereceram pronúncia por parte do Tribunal a quo na sua sentença. Nomeadamente, sobre a ausência de identificação do agente concreto da Recorrente, sociedade comercial, que terá praticado a alegada contraordenação, questão por si suscitada; bem como sobre da sanção de admoestação, não obstante ter sido expressamente peticionado pela Recorrente
Tendo a Recorrente suscitado no seu recurso de impugnação a questão da ausência de identificação do agente concreto daquela sociedade comercial que terá praticado a contraordenação, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre tal questão. Ainda que sumariamente, para a afastar com o entendimento que o Ministério Público revelou na sua resposta, cero é que nada na Sentença revela a ponderação da questão jurídica subjacente.
De igual modo, em sede de recurso de impugnação judicial, a Recorrente apelou a que, a ser decidido que há lugar a responsabilidade contra-ordenacional, deveria ser a mesma punida apenas com uma admoestação. O Tribunal recorrido, aliás, disso fez expressa menção na sentença.
Porém, na sua fundamentação, o Tribunal apenas conclui sobre a aplicabilidade da figura da atenuação especial da coima, por ela decidindo sem clara justificação, sendo totalmente omissa quanto à possibilidade de aplicação, apenas, de uma admoestação, nem que fosse para a afastar como pugna o Ministério Público na sua resposta.
Assim, é manifesto que o recurso procede quanto à matéria da omissão de pronúncia. Ora, nos termos do art.º 379.º/1, al. c), 1 do Código de Processo Penal, é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, sendo tal disposição aplicável aos acórdãos proferidos em recurso, por força do art.º 425.º/4 do mesmo código.
Perante estas duas omissões, em particular a primeira cuja decisão poderá ser determinante para conhecer das demais questões suscitadas pela Recorrente, nomeadamente quanto à suficiência da matéria de facto e a qualificação jurídica da mesma, entende-se estar prejudicado o conhecimento do resto do recurso.
DECISÃO
Nestes termos, e face ao exposto, decide o Tribunal da Relação de Lisboa julgar procedente o recurso no que à questão da omissão de pronúncia respeita.
Assim, declara-se a sentença recorrida ferida de nulidade por omissão de pronúncia e, consequentemente, determina-se a sua anulação, ordenando a descida dos autos à primeira instância para prolação de nova decisão reparando a apontada nulidade.
Sem custas.

Lisboa, 24.Setembro.2024
Rui Coelho
Alda Tomé Casimiro
Alexandra Veiga