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PROCEDIMENTO CAUTELAR
RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DA POSSE
CEDÊNCIA DA POSSE
COISA POSTA FORA DO COMÉRCIO
Sumário
1. A afirmação contida no art. 1267.º, n.º 1, al. c), do CC, de que «o possuidor perde a posse (...) pela cedência», configura um modo de perda da posse que tem como pressuposto a celebração de um negócio jurídico pelo qual o possuidor transfere para outrem a sua posse, não sendo necessário que esse negócio seja válido de um ponto de vista formal. 2. A cedência traduz a outra face da tradição e, tal como ela, também pode ser material ou simbólica. 3. Uma declaração em que a proprietária de um prédio afirma que «(…) vem autorizar que seja retirada a área de 26,00 m2 a ceder ao proprietário vizinho, e que a mesma fique a fazer parte integrante do limite da intervenção do projeto conforme IPE __/__, a correr na Câmara Municipal de Almada, a fim de se proceder à integração e cedência da área, no domínio público municipal» é insuscetível de operar, só por si, a transmissão da posse da parcela de terreno nela referida, se não ficar demonstrada a sua tradição, material ou simbólica. 4. No entanto, a colocação daquela parcela fora do comércio impede que ela seja restituída, provisória ou definitivamente, à posse da requerente. 5. É que a colocação de uma coisa fora do comércio tem por efeito a impossibilidade de essa coisa poder continuar a ser objeto de situações jurídico-reais, incluindo a posse, pois que, após adquirir esse estatuto, a coisa torna-se insuscetível de apropriação individual, nos termos do art. 202.º, n.º 2, do CC), situação que ocorrerá sempre que a coisa seja afeta à satisfação do interesse público. 6. Trata-se, afinal, de uma situação de «perda jurídica» da coisa, uma vez fora do comércio, não sendo possível estabelecer, sobre ela, situações jurídicas, entre as quais, a posse (arts. 202.º, n.º 2 e 1251.º, do CC).
Texto Integral
Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – RELATÓRIO:
MT intentou o presente procedimento cautelar da restituição provisória de posse contra RE, Lda.[1], SC, S.A.[2] e PG, S.A.[3], alegando, em síntese, que é proprietária do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Almada, sob o número ____, da União de Freguesias da Charneca da Caparica e Sobreda, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ____ da respetiva freguesia[4], do qual faz parte um logradouro, composto por pátio e jardim, vedado por um muro e portões, e que é ocupado pelos moradores daquele prédio.
No passado dia 7 de março de 2024, sem que fosse dado qualquer aviso, pessoas a agir por conta da 1.ª requerida, com uso de máquinas, destruíram parte do muro e portões do logradouro do prédio, tendo nele ocupado uma área de vários metros quadrados, que vedaram, de modo a fazerem-no pertença daquela.
Do lado oposto de uma das vias com a qual confronta, encontra-se em desenvolvimento um empreendimento imobiliário pertença da 1.ª requerida.
A 2.ª requerida é a empreiteira desse empreendimento, sendo a 3.ª requerida a empresa de vigilância e segurança desse empreendimento.
Conclui assim:
«Nestes termos, e nos mais de Direito, deve ser ordenada a restituição provisória da posse do terreno esbulhado à Autora, com a delimitação infra, sem citação nem audiência prévia dos Réus esbulhadores.
Mais, deve ser determinado que a restituição provisória da posse inclui a reposição do imóvel no estado em que estava, de modo a ocorrer uma restituição provisória integral da posse esbulhada».
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Feito o exame das provas indicadas pela requerente, a senhora juíza a quo proferiu a decisão datada de 24 de março de 2024 (Ref.ª 34127328), de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«Em face do exposto e tudo ponderado, o Tribunal decide julgar o presente procedimento cautelar procedente, pelo que ordena a restituição provisória da posse, à Requerente MT, da parte do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Almada, sob o número ____, da União de Freguesias da Charneca da Caparica e Sobreda, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ____ da respetiva freguesia, que foi ocupada pela Requerida RE. Para este efeito, deverá a vedação ser retirada do lugar onde se encontra e recuada para os limites do prédio da Requerente, abstendo-se a Requerida RE, através das pessoas por si contratadas, de ocupar, sob qualquer forma, a parcela de terreno restituída».
Nessa mesma decisão, a senhora juíza a quo ordenou o seguinte:
«Atenta a natureza da providência cautelar decretada, em simultâneo com a sua execução será a Requerida RE notificada nos termos e para os efeitos dos arts. 366.º, n.º 6, 372.º e 375.º do CPC».
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Notificada a 1.ª requerida nos termos assim ordenados, veio apresentar articulado de oposição, alegando, também em síntese, que a requerente, «ardilosamente ocultou ao Tribunal que foi ela própria quem consentiu na ocupação da área de terreno que refere ter sido esbulhada, tendo formalmente declarado autorizar a integração dessa área no âmbito do processo de licenciamento da Requerida para cedência ao domínio público municipal.
No local em causa, encontra-se atualmente implantada uma estrada pública e respetivos passeios, obra pública concluída e afeta ao trânsito público e para cuja execução a Requerente concorreu, assistindo depois passivamente ao processo da sua execução e conclusão da obra para vir depois “dar o dito por não dito”, passando a exigir caprichosamente os seus 26 m2.
Não há, pois, qualquer situação de esbulho violento, pressuposto essencial da medida cautelar sub judice, não estando em causa uma ocupação não consentida da parcela de terreno, muito menos de forma agressiva e inesperada, mas antes a execução de uma obra consentida e programada entre Requerente e Requerida.
Aliás, a Requerente, representada pelo seu filho Jj (...), sempre acompanhou de perto e esteve ativamente envolvida na elaboração e licenciamento dos projetos, conhecendo e tendo participado na solução projetada e no programa da execução da obra.
Não há sequer fumusbonijúris, pois a citada parcela de terreno encontra-se materialmente incorporada numa estrada pública e afeta ao domínio público municipal, de circulação, (...)».
Conclui assim o articulado de oposição:
«NESTES TERMOS, deve o Tribunal recusar e julgar improcedente e não provada a medida cautelar requerida, ordenando o imediato levantamento da providência decretada sem audição das Requeridas, tudo com as legais consequências; ou, subsidiariamente, sem prescindir e apenas para o caso de assim não vier a ser julgado, deverá a providência requerida ser substituída pela prestação de adequada CAUÇÃO no valor correspondente ao valor da área de solo reivindicada, que a Requerida desde já se dispõe a oferecer, devendo para tanto ser notificada a Requerida para oferecer caução em incidente a processar por apenso aos autos».
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Após exame da prova indicada pela 1.ª requerida, foi proferida nova decisão, datada de 15 de junho de 2024 (Ref.ª 436310142), de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«Em face do exposto e tudo ponderado, o Tribunal decide revogar a providência cautelar decretada».
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Inconformada com esta decisão, dela veio a requerente interpor o presente recurso de apelação, concluindo assim as respetivas alegações:
«I. Destruir integralmente o muro que veda o jardim (ou espaço) de uma habitação, ocupando parte da sua área, colocando uma vedação de modo a impedir o seu uso pela proprietária, e impedindo efetivamente que a proprietária e os habitantes desse imóvel possam fazer uso dessa área, e nela fazendo contruir passeios e parte de uma via, constitui esbulho violento.
II. O art. 191º do regime aprovado pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de março proíbe que alguém destrua integralmente o muro que veda o jardim (ou espaço) de uma habitação, ocupando parte da área desse jardim (ou espaço), colocando uma vedação de modo a impedir o seu uso pela proprietária, e impedindo efetivamente que a proprietária e os habitantes desse imóvel possam fazer uso dessa área, nela fazendo contruir passeios e parte de uma via.
III. Neste caso, a proprietária e possuidora tem direito a ser reposta provisoriamente na posse do imóvel.
IV. Diz-se coisa tudo o que possa ser objeto de situações e relações jurídicas (art. 202º do CC).
V. Uma área de 22m2 que integra o logradouro de um prédio urbano não é uma coisa; é uma parte da coisa (art. 204º do CC).
VI. O direito real de propriedade incide sobre coisas e não sobre parte de coisas (art. 1302º, nº 1 do CC).
VII. A posse por referência ao direito real de propriedade incide sobre coisas e não sobre parte de coisas (art. 1251º do CC).
VIII. Para que uma área de 22m2 que integra o logradouro de um prédio urbano seja uma coisa, é necessário (art. 2º do Código do Registo Predial) proceder a um destaque (Decreto-Lei nº 555/99), ou a um loteamento (Decreto-Lei nº 555/99), ou constituição de propriedade horizontal (art. 1414º do CC).
IX. Uma parte de um imóvel urbano não sujeito a propriedade horizontal, nem a loteamento, nem tendo sido destacado do imóvel original, não é uma coisa.
X. Não pode existir posse por referência ao direito real de propriedade de uma parte de uma coisa, que não é coisa.
XI. Tendo a declaração sido unilateralmente redigida pela Requerida, sem prévia negociação individual, que a Requerida se limitou a subscrever, tendo o documento sido apresentado à Requerente com uma antecedência de menos de 5 minutos, e sem que lhe fosse explicado que da mesma resultaria (alegadamente) a transmissão da posse, não pode a mesma ser interpretada como dela resultando uma transmissão da posse – arts. 1º, 5º, nº 2, 6º, nº 1, 8º, als. a) e b) da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais.
XII. Incluir uma parte de um prédio alheio num projeto urbanístico, com autorização do respetivo proprietário, para efeitos de aprovação pela Edilidade, não significa que se seja proprietário (art. 1316º do CC) ou possuidor (art. 1263º do CC) dessa parte do prédio.
XIII. Não tendo sido provada a prática pela Requerida de quaisquer atos típicos de quem se assume como proprietário de um imóvel, não existe corpus para efeitos de posse.
XIV. Tendo sido determinado pelo Tribunal que a Requerente é proprietária do imóvel, e que o usa pessoalmente, facultando o seu uso habitacional à sua filha e neta, e a inquilinos, esta é a possuidora do imóvel.
XV. Tendo sido determinado pelo Tribunal que a Requerente é proprietária do imóvel, e não tendo sido provado que a Requerida se assumisse como proprietária do imóvel, não existe animus por parte da Requerida.
XVI. “Projeto” e “obra” não são o mesmo.
XVII. Uma declaração que autoriza que uma parcela de terreno seja integrada num projeto, não autoriza a realização da obra, mas apenas que o projeto submetido à Câmara Municipal abrange essa parcela de terreno (art. 236º, nº 1 do CC).
XVIII. Uma declaração emitida com o fim de viabilizar a entrada de um projeto imobiliário na Câmara Municipal, autorizando que o projeto integre parte de um imóvel do declarante, apenas autoriza essa integração no projeto para efeitos de licenciamento municipal (art. 236º, nº 1 do CC).
XIX. Uma declaração emitida com o fim de viabilizar a entrada de um projeto imobiliário na Câmara Municipal, autorizando que o projeto integre parte de um imóvel do declarante, não autoriza a realização de obras sobre o imóvel do declarante (art. 236º, nº 1 do CC).
XX. A atuação do autorizado, fundada numa simples autorização, é sempre precária.
XXI. De uma simples autorização precária não pode resultar posse, por falta de animus (art. 1251º do CC).
XXII. De uma simples autorização precária apenas pode resultar simples detenção (art. 1253º do CC).
XXIII. Tendo sido negociado entre as partes a eventual cedência do imóvel, mas não tendo sido celebrado contrato, não se transmitiu nem a propriedade nem a posse sobre a parcela de terreno abrangida.
XXIV. Da negociação entre as partes para a eventual contrato de cedência do imóvel (que não foi celebrado), não tendo havido qualquer acordo, não se sabendo qual o conteúdo do contrato a ser eventualmente celebrado, não se sabendo se havia lugar a pagamento de preço, ou se havia lugar a um qualquer sinalagma, não resulta a transmissão da posse.
XXV. A traditio consubstancia-se como um poder de facto sobre a coisa que o possuidor anterior confere ao novo possuidor, traduzindo-se num conjunto de atos materiais ou simbólicos demonstrativos do controlo da coisa.
XXVI. Para que ocorra traditio deve resultar dos comportamentos adotados, uma significação social e de acordo com as regras gerais da experiência, que revele o elemento negativo consubstanciado no abandono da coisa pelo seu anterior detentor, e que tenham como correspondência a apprehensio pelo novo detentor, enquanto elemento positivo.
XXVII. Uma declaração instrumental a um projeto, destinada a permitir a sua aprovação pela Câmara Municipal, não transmite a posse do imóvel.
XXVIII. Uma condição é uma cláusula contratual típica, que sujeita a criação, modificação ou extinção de situações jurídicas à ocorrência de um facto futuro, incerto quanto à sua verificação (art. 270º do CC).
XXIX. Para que uma cláusula tenha natureza de condição, não é necessário que se lance mão ao termo “condição”, sendo suficiente a reunião dos seus pressupostos.
XXX. Uma declaração na qual se afiram que uma área de terreno é a ceder, sujeita essa cessão ao facto futuro e incerto de se vir a verificar o contrato de cessão do mesmo, o que traduz uma condição.
XXXI. A admitir-se o sucedido, tal significaria que sempre que um proprietário permitisse a um qualquer empreendedor imobiliário que apresentasse um projeto na Câmara, o proprietário ficaria sem posse do imóvel, podendo esse empreendedor fazer a obra livremente, e sem que o proprietário se pudesse opor judicialmente.
XXXII. A admitir-se o sucedido, o artigo 1º do CPC caducou.
XXXIII. A autorização é o nome dado aos atos especificamente destinados a provocar legitimidade, podendo ser constitutiva de legitimidade ou integrativa de legitimidade.
XXXIV. A autorização constitutiva é o ato destinado especificamente a provocar, em conjunto com a autonomia privada do autorizado, a aquisição de legitimidade por este, através da paralisação dos meios de defesa da situação jurídica do autorizante e da reflexa constituição, na esfera jurídica do autorizado, de uma posição jurídica de beneficiário dessa paralisação, o que possibilita a sua atuação.
XXXV. Da autorização não decorre um direito do autorizado, nem uma obrigação do autorizante.
XXXVI. O autorizado não pode fazer tudo o que quiser com base na autorização, mas apenas o que dela resulta e sempre a título precário.
XXXVII. A essência do precário consiste na possibilidade de uma pessoa intervir numa situação jurídica de outra (por exemplo, usando uma coisa doutrem), mas permanecendo a atuação sob o domínio desta.
XXXVIII. Tem-se precário quando se tem legitimidade para agir sobre uma situação, mas com base numa posição que não se domina.
XXXIX. Precário é o mínimo necessário para a correção de uma atuação, para a licitude e eficácia da atuação, enfim, para a legitimidade.
XL. O tolerado tem um precário.
XLI. O precário pode, também, resultar de um negócio jurídico.
XLII. O negócio jurídico que provoca o precário, concedendo legitimidade, é uma autorização.
XLIII. A autorização apenas pode dar lugar a simples detenção, e não a posse».
Remata assim:
«Nestes termos, e nos mais de Direito, deve ser revogada a douta sentença ora em crise, mantendo-se a (ou declarando-se) a restituição provisória da posse da parcela de terreno esbulhada pela Requerida, sendo a Requerente reposta na posse dessa parcela, com a delimitação fixada no Requerimento Inicial, com todas as legais consequências».
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A 1.ª requerida contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e, consequentemente, pela manutenção da decisão recorrida.
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II – ÂMBITO DO RECURSO:
Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639.º, n.º 1), que se determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso.
Efetivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635.º, n.º 3), esse objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo art. 635.º).
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso, ainda que, eventualmente, hajam sido suscitadas nas alegações propriamente ditas.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo (cfr. os arts. 627.º, n.º 1, 631.º, n.º 1 e 639.º).
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 608.º, n.º 2, ex vi do art. 663.º, n.º 2).
À luz destes considerandos, neste recurso importa decidir se estão verificados, in casu, os pressupostos de que a lei faz depender o decretamento da providência cautelar de restituição provisória de posse e, por conseguinte, se deve ser revogada a decisão recorrida, com a consequente repristinação da decisão proferida no dia 24 de março de 2024 (Ref.ª 34127328).
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III – FUNDAMENTOS:
3.1 – Fundamentação de facto:
3.1.1 – Após a produção e exame da prova apresentada pela 1.ª requerida no incidente de oposição, e em complemento da decisão proferida no dia 24 de março de 2024 (Ref.ª 34127328), o tribunal a quo considerou indiciariamente provado que:
«1. Está inscrita, pela Ap. _, de __.__.____, a aquisição, por sucessão, a favor da Requerente, do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Almada, sob o número ____, da União de Freguesias da Charneca da Caparica e Sobreda, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ____ da respetiva freguesia, sendo sujeitos passivos JG e TG.
2. Desde a data da aquisição que a Requerente usa o imóvel em seu proveito, arrendando habitações ou afetando-as a uso de membros da sua família, assumindo-se e agindo como proprietária do mesmo, sempre de modo público e sem oposição de ninguém, e sem que a sua aquisição tenha prejudicado ninguém.
3. No imóvel existem três unidades para habitação.
4. Uma das habitações está arrendada a MC, que nela habita.
5. A segunda habitação está arrendada a AP, que nela habita.
6. Na terceira habitação vive a filha da Requerente, com o seu companheiro e uma filha menor.
7. O imóvel dos autos confronta com a Rua ____ a Sul e com a Rua de ____ a Norte.
8. Do lado Norte, encontra-se o logradouro do prédio.
9. O logradouro é composto por pátio e jardim, sendo um espaço vedado por um muro, com portões.
10. A neta da Requerente costuma brincar, nomeadamente, com os cães de companhia da família, no logradouro do prédio.
11. Os demais habitantes do imóvel também usam o logradouro.
12. A Requerente usa o logradouro para brincar com a sua neta e estar com a sua família.
13. A confrontação com a Rua de ____ a Norte era efetuada por um muro e portões, propriedade da Requerente.
14. Do lado oposto da Rua de ____ encontra-se em desenvolvimento um empreendimento imobiliário.
15. A Requerida RE é a dona da obra e empreendedora desse projeto.
15.-A A Requerida SC é o empreiteiro geral desse projeto e respetiva obra.
16. A Requerida PG é a empresa de vigilância e segurança desse projeto e respetiva obra.
17. No dia 7 de março de 2024, sem que fosse dado qualquer aviso, pessoas a agir por conta do dono da obra, com uso de máquinas, destruíram todo o muro e portões do imóvel dos autos, no lado que dá para a Rua de ____, tendo ocupado vários metros do prédio dos autos e vedado o mesmo, de modo a fazerem-no seu.
18. O prédio foi ocupado a todo o seu comprimento, numa faixa de 2 a 5 metros, aproximadamente.
19. A Requerida RE, através das pessoas que contratou, demarcou a zona ocupada com uma cerca de metal, com aproximadamente 2 metros de altura, e com uma lona.
20. A Requerida, através das pessoas que contratou, não se preocupou em saber se a neta da Requerente estava a brincar junto ao muro e se podia ser atingida pela queda do mesmo.
21. A Requerida RE, através das pessoas que contratou, não se preocupou em saber se alguma outra pessoa estava junto ao muro e se podia ser atingida pela queda do mesmo.
22. A Requerida RE, através das pessoas que contratou, não se preocupou em saber se os cães não estavam junto ao muro e se podiam ser atingidos pela queda do mesmo.
23. Os cães ficaram assustados com a destruição do muro.
24. Para destruir o muro e ocupar o prédio dos autos, parte do trânsito da Rua de ____ foi cortado, forçando as pessoas a usar apenas parte da via de circulação, e fazendo sua parte da via pública.
25. Foi também cortada a água do imóvel dos autos, deixando os seus habitantes sem acesso a este bem essencial.
26. Esta operação da Requerida RE foi acompanhada por seguranças privados da Requerida PG.
27. Em data não concretamente apurada, um dos seguranças privados da Requerida PG, agindo por conta da Requerida RE, interpelou a filha da Requerente, quando esta, para se dirigir à sua própria habitação, passou a vedação, cortando os respetivos arames, e lhe perguntou o que estava a fazer naquele local.
28. Por causa da vedação instalada pela Requerida RE, através das pessoas que contratou, a única alternativa que a filha da Requerente tem, para entrar na sua própria casa, é pedir ao vizinho do n.º 3 que a deixe entrar em sua casa, para a partir daí aceder ao quintal e, através deste, à sua própria casa.
29. A Requerida RE, através das pessoas que contratou, efetuou obras de construção de passeio e estrada no terreno da Requerente.
30. Foram colocados os contadores de água na face exterior da parte restante do muro do imóvel.
32. Os contadores estavam no muro da Requerente, na zona mais a Norte, virados para a via pública.
33. Foram construídos passeios na zona ocupada.
34. Não foi colocada no local qualquer placa de identificação da obra.
37. A Requerida RE agiu deste modo porquanto pretende construir uma rotunda na Rua de ____ para acesso ao seu empreendimento imobiliário e para tanto necessita da parte do terreno que ocupou.
38. A Requerida RE comprou à Requerente o terreno no qual está a desenvolver o empreendimento, conforme inscrição efetuada pela Ap. ____, de __.__.____, relativa ao imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Almada, sob o número ____/____, da União de Freguesias da Charneca da Caparica e Sobreda, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ____ da respetiva freguesia.
40. A Requerida RE entrou em negociações com a Requerente para a compra da parte do terreno que necessita para a referida rotunda, mas não foi celebrado contrato entre a Requerida RE e a Requerente.
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42. A Requerida RE tem como sócios duas sociedades, uma das quais a ICN, LDA., cujos sócios são Jj, seu único gerente, e TS (2º e 3º oposição).
43. JJ, também conhecido por “QZ”, e TS, são filhos da Requerente, MT (4º oposição).
44. A Requerente era proprietária de um conjunto de prédios sitos na União de Freguesias da Charneca da Caparica e Sobreda, onerados com penhoras provenientes de processos executivos (5º oposição).
45. De entre esses prédios, encontra-se o prédio urbano em discussão nos presentes autos (6º oposição).
46. Assim como os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Almada, sob as fichas n.ºs ____, ____ e ____, da União de Freguesias da Charneca da Caparica e Sobreda, respetivamente inscritos na matriz predial sob os artigos ___, ___ e rústico n.º __, Secção __, e ___ e rústico n.º _, Secção __, da respetiva freguesia, prédios atualmente anexados e correspondentes ao prédio descrito na mesma Conservatória sob a ficha n.º ____, propriedade da Requerida (7º oposição).
47. A compra do terreno no qual a Requerida RE está a desenvolver o empreendimento foi efetuada por escritura pública celebrada em 18 de julho de 2017 (10º oposição).
48. As negociações para a venda dos citados prédios foram conduzidas entre o filho da Requerente e FR (11º oposição).
49. A Requerida RE adquiriu os citados prédios com o objetivo de aprovar para o local um projeto de construção de um estabelecimento de retalho alimentar (14º oposição).
50. Em 14 de setembro de 2017, a Requerida RE apresentou junto da Câmara Municipal de Almada um pedido de informação prévia (PIP) tendo por objeto, pelo menos, a construção de um estabelecimento de retalho alimentar e um “fast food”, nos prédios por si adquiridos (15º oposição).
51. A aprovação dos citados projetos exigia a execução de obras de infraestruturas, designadamente, o reperfilamento dos passeios públicos envolventes e a construção de uma rotunda (16º oposição).
52. Tal rotunda apresentava uma dimensão muito superior àquela que ali se encontra hoje executada e exigia a utilização de uma grande parte do prédio em discussão nos autos, propriedade da Requerente (17º oposição).
53. O Município veio a manifestar a necessidade de alterações ao projeto, designadamente, em função de um estudo de tráfego, com a inerente redução de área a construir (18º oposição).
54. Já em 2021, a Requerida RE decidiu apresentar um segundo PIP, envolvendo os mesmos prédios, agora apenas para a construção de um supermercado e de um estabelecimento de “fast food”, em dois lotes (19º oposição).
55. Tal pedido foi apresentado através de uma empresa de que é sócio e gerente o sócio gerente da Requerida RE, ... (a Arenopor) (20º oposição).
56. Este segundo PIP envolvia igualmente o reperfilamento dos passeios e a construção de uma rotunda, exigindo apenas a utilização de uma parcela de 26 m2 de terreno do prédio da Requerente em discussão nos autos (22º oposição).
57. Em 20 de janeiro de 2022, em reunião com os serviços técnicos do Município, foram abordadas questões relativas a espaços exteriores e acessibilidades, tendo os serviços sublinhado a circunstância de uma parte da rotunda (26 m2) se encontrar sobreposta a um prédio não pertencente à Requerida, o que exigiria uma autorização do respetivo proprietário (a Requerente) (23º oposição).
58. Foi, então, necessário proceder a um levantamento topográfico ao prédio da Requerente (24º oposição).
59. Dado ser necessária uma declaração formal da Requerente, o filho desta encarregou-se de a recolher, tendo para o efeito recebido uma minuta de PSM, funcionária da Requerida (26º oposição).
60. Em 7 de fevereiro de 2022, a Requerente subscreveu uma declaração nos seguintes termos: «(…) vem autorizar que seja retirada a área de 26,00 m2 a ceder ao proprietário vizinho, e que a mesma fique a fazer parte integrante do limite da intervenção do projeto conforme IPE __/__, a correr na Câmara Municipal de Almada, afim de se proceder à integração e cedência da área, no domínio público municipal». (27º oposição).
61. Tal declaração veio a ser entregue no processo camarário com o n.º IPE __/__ (28º oposição).
62. Em 14 de abril de 2022 o PIP foi aprovado (29º oposição).
63. Em 15 de dezembro de 2022, a Requerida RE apresentou junto da Câmara Municipal de Almada um pedido de licenciamento conforme com o PIP aprovado (30º oposição).
64. Em 2 de junho de 2023, a Requerida RE foi notificada do licenciamento da obra (33º oposição).
65. O licenciamento pressupôs a execução das obras de infraestruturas e a área da rotunda como área de cedência para o domínio público, para além de 1.345m2 da área do prédio da Requerida RE, que foi igualmente cedida para o domínio público (34º oposição).
66. A Requerida RE celebrou contratos-promessa de arrendamento com a cadeia “PD, S.A.” e com IHR, S.A. (35º oposição).
67. Para executar as obras, a Requerida RE contraiu um financiamento junto do Banco ___, no montante de até € 5.250.000,00 (36º oposição).
68. A Requerida RE contratou uma empreitada para a execução das obras, num montante global de € 4.500.000,00 (37º oposição).
69. Em junho de 2023, a Requerida RE deu início às obras de construção, executando os projetos licenciados, incluindo nos 26m2 cedidos pela Requerente (38º oposição).
70. A Requerente reside do lado oposto da mesma rua (39º oposição).
71. A Requerida RE executou as obras de reperfilamento de passeios e construção da rotunda, fazendo-o a coberto de um contrato de urbanização celebrado com o Município em 20 de setembro de 2023 e do alvará de obras de urbanização n.º ___/____ (40º oposição).
72. Para garantir a boa execução das obras de reperfilamento dos passeios e construção da rotunda no âmbito do Contrato de Urbanização, a Requerida RE teve de prestar uma garantia bancária em benefício do Município de Almada, até ao valor de € 361.189,66 (Garantia bancária n.º GAR/____, Banco ___) (41º oposição).
73. A Requerente conhecia a necessidade de execução da rotunda ocupando os 26 m2 de área do seu prédio (42º oposição).
74. O filho da Requerente acompanhou a execução de toda a obra, participando em reuniões de obra e recebendo periodicamente atas de obras e respetivos relatórios (43º oposição).
75. O filho da Requerente chegou inclusivamente a entrar na obra para dar indicações, nomeadamente, sobre limpezas e muros de vizinhos confinantes (44º oposição).
76. No dia 4 de março de 2024, os SMAS de Almada emitiram o comunicado n.º __/____, divulgado pelos meios habituais e igualmente publicado no Jornal de Almada, informando da interrupção do fornecimento de água na manhã de 07 de março de 2024, por força dos trabalhos de ligação de ramais da rede de abastecimento de água, trabalhos decorrentes da execução do projeto da Requerida (46º oposição).
77. A demolição do muro da Requerente na confrontação com a Rua de ____ foi efetuada em cumprimento do plano de trabalhos estabelecido, para execução da rotunda e passeios envolventes (47º oposição).
78. No dia 22 de março de 2024, o Município difundiu na sua página da internet e publicou no Jornal de Almada a informação de que: «No âmbito da fase B da operação de loteamento da RE, sita na Rua ____, na Charneca de Caparica, haverá corte de trânsito total na EN ___, a partir de Sexta-Feira 22 de Março às 9h30 até Quinta-Feira 28 de Março. Os trabalhos passam pela execução do betuminoso e, as datas foram conciliadas entre o empreiteiro e a Câmara Municipal de Almada (CMA) para que as obras fossem efectuadas em período de férias escolares. O trânsito rodoviário circulará normalmente na EN ___ entre a rua ____ e a Rotunda ___. O desvio a implementar no sentido oposto será efectuado pela Alameda ___, Rua ____, Rua ___, Rua ____ e Rua ____. Não será colocada em causa a segurança de pessoas e bens, nomeadamente na circulação pedonal e rodoviária. Será sempre garantido o acesso a veículos de emergência bem como o acesso a entradas de garagens, bens e serviços. Poderá existir recurso às autoridades policiais caso seja entendido como necessário, para gestão do tráfego, garantindo as condições de segurança rodoviária. Veja os desvios de trânsito que serão implementados aqui.» (48º oposição).
79. No logradouro ocupado pela Requerida RE havia entulho e espécies vegetais de crescimento espontâneo (55º oposição).
80. O perfil do passeio está rebaixado na zona de entrada de veículos (57º oposição).
81. Na execução dos trabalhos, a Requerente adotou as habituais regras e procedimentos de segurança, contratando, inclusivamente, os serviços da GNR (63º oposição).
82. Os cortes de água levados a efeito por exigência dos trabalhos foram sempre realizados pelos SMAS de Almada (65º oposição).
83. Os contadores de água foram instalados pelos serviços camarários (67º oposição).
84. No dia 28 de março de 2024 foram concluídas as obras de construção da rotunda e passeios envolventes, tendo a mesma sido aberta ao trânsito público (49º oposição).
85. Nunca a Requerente, por si ou por seu representante, se apresentou a reagir extrajudicialmente contra as obras ou quanto à afetação dos 26 m2 cedidos pela Requerente presencialmente ou por escrito (50º oposição).
86. A rotunda e os passeios públicos, encontravam-se afetos à circulação pública, viária e pedonal, ao momento da execução da providência decretada (51º oposição)».
3.1.1 – (...) e não provado que:
«24. A Requerida RE, através das pessoas que contratou, procedeu deste modo; sem licença ou autorização legal para tal.
25. A Requerida RE, através das pessoas que contratou, procedeu deste modo.
30. Foi a Requerida RE, através das pessoas que contratou, que procedeu deste modo; os contadores ficaram em zona da propriedade privada da Requerida RE, sem acesso à via pública.
31. O que impede a Requerente de aceder aos contadores sem violar a propriedade privada da Requerida RE.
33. Os quais não possuem rampas de acesso às garagens situadas nessa zona.
35. A Requerida RE agiu sempre sem o consentimento da Requerente.
36. A Requerida RE apoderou-se do terreno da Requerente, sabendo que o terreno pertence a esta.
39. A Requerida RE decidiu, então, fazer um projeto que, em lugar de ser implantado apenas no seu terreno, está parcialmente implantado no terreno da Requerente (parte da rotunda).
41. A Requerida RE, em lugar de alterar o projeto, passando a rotunda para o seu terreno, decidiu ocupar o terreno da Requerente, para o fazer seu[5].
*
a) Os processos executivos foram movidos em resultado da prestação de um aval a uma sociedade que veio a ser declarada insolvente (5º oposição).
b) O filho da Requerente, Jj (“QZ”), cuida da gestão do património da sua mãe (8º oposição).
c) O “QZ” pretendia promover para parte dos citados prédios da sua mãe a instalação de um supermercado e/ou de um centro de inspeção automóvel, tendo para tal promovido a apresentação de pedidos de licenciamento que foram indeferidos (9º oposição).
d) Por via dessas negociações, foi ajustado que os dois filhos da Requerente, Jj e TS, ou uma sociedade detida por estes, adquiriria/m quotas de uma sociedade que compraria os prédios à Requerente – a sociedade Requerida, de que é gerente ... e também sócia uma sociedade de que é sócio ... (12º oposição).
e) Em resultado dessas negociações, a Requerida RE removeu penhoras e hipotecas que incidiam sobre os prédios da Requerente, incluindo sobre o prédio objeto dos presentes autos onde reside a filha da Requerente, suportando os inerentes custos (13º oposição).
f) Um posto de combustível, um centro auto e uma clínica (15º oposição).
g) Bem como a retirada dos edifícios da Clínica e da Loja Auto (18º oposição).
h) O pedido foi entregue em mãos pelo filho da Requerente, em agosto de 2021 (21º oposição).
i) Tendo o filho desta escolhido um topógrafo dos seus conhecimentos para fazer o trabalho (24º oposição).
j) Os trabalhos do topógrafo, que implicaram o acesso ao interior da vivenda e ao jardim, foram acompanhados pelo filho da Requerente (25º oposição).
k) No dia 29 de fevereiro de 2023, o filho da Requerente enviou mensagem ao gerente da Requerida RE com o seguinte texto: «já andamos a limpar arrecadação aonde vai ficar a rotunda». (31º oposição).
l) No dia 30 de março de 2023, o filho da Requerente enviou mensagem ao gerente da Requerida RE com o seguinte texto: «Sobre a charneca, a DST pode começar já a obra. Fazem a rotunda em 8 semanas.» (32º oposição).
m) As obras começaram no dia 19 (38º oposição).
n) A cerca de 60 metros de distância das obras da rotunda (39º oposição).
o) A Requerente conhecia os projetos de licenciamento (42º oposição).
p) O filho da Requerente solicitou orçamentos para as obras a empresas da sua confiança (44º oposição).
q) Quando contactada a propósito do projeto de arranjos exteriores da edificação existente no prédio da Requerente, a filha desta, ali residente, afirmou ser o seu irmão “QZ” que tratava desses assuntos e dos assuntos da família (45º oposição).
r) A entrada principal do prédio da Requerente processa-se pela Rua ____, com a qual o prédio confronta a Sul e onde não foi realizada qualquer intervenção, sendo que a dita “entrada” a Norte era um portão de acesso a um telheiro / barracão (56º oposição).
s) Os passeios anteriormente ali existentes só possibilitavam a subida de veículos, não por se encontrarem rebaixados na zona correspondente ao dito portão da Requerente, mas por apresentarem um perfil baixo em toda a extensão do arruamento, o mesmo sucedendo atualmente (57º oposição)».
*
3.2 – Fundamentação de direito:
3.2.1 – Notas prévias: 3.2.2.1 – Primeira nota prévia:
Tal como sobre as partes recai o dever de alegação de factos essenciais que constituem a causa de pedir e em que se baseiam as exceções invocadas (arts. 5.º, n.º 1, 552.º, n.º 1, al. d) e 572.º, al. c), do C.P.C.), numa sentença, a enunciação linear, lógica e cronológica dos factos, tanto dos provados, como dos não provados, deve ater-se igualmente aos factos essenciais alegados no processo por cada uma das partes, de modo a cobrir todas as soluções plausíveis da questão ou questões de direito; ou seja, a enunciação factológica efetuada pelo juiz na sentença deve abarcar necessariamente uma pronúncia (positiva, negativa, restritiva ou explicativa), linear, lógica e cronológica, sobre factos essenciais (nucleares) que foram alegados para sustentar a causa de pedir ou fundar as exceções, e de outros factos, também essenciais, ainda que de natureza complementar que, de acordo com a fattispecie da norma jurídica aplicável, se revelem necessários para a procedência da ação ou da exceção.
Não é o que ocorre no caso concreto, onde, tanto na decisão proferida no dia 24 de março de 2024 (Ref.ª 34127328), como na decisão recorrida, são descritos, quer como provados, quer como não provados, diversos enunciados sem qualquer interesse para a decisão do procedimento cautelar, sendo que, alguns deles não têm sequer qualquer suporte factual. 3.2.2.2 – Segunda nota prévia:
Não se compreende a razão pela qual o presente procedimento cautelar foi instaurado além da RE, Lda., também contra as sociedades SC S.A. e PG, S.A., as quais, face ao teor do requerimento inicial, manifestamente, não são detentoras de legitimidade passiva;
De igual modo, não se compreende a razão pela qual, tendo a senhora juíza a quo afirmado, na decisão proferida no dia 24 de março de 2024 (Ref.ª 34127328), que «as partes (...) são legítimas», uma vez decretada a providência requerida, apenas determinou a notificação da 1.ª requerida, RE, Lda., «nos termos e para os efeitos dos arts. 366.º, n.º 6, 372.º e 375.º do CPC».
3.2.2 – Enquadramento jurídico:
Está provado que no dia 7 de fevereiro de 2022, «a Requerente subscreveu uma declaração nos seguintes termos: «(…) vem autorizar que seja retirada a área de 26,00 m2 a ceder ao proprietário vizinho, e que a mesma fique a fazer parte integrante do limite da intervenção do projeto conforme IPE __/__, a correr na Câmara Municipal de Almada, afim de se proceder à integração e cedência da área, no domínio público municipal».
Afirma-se na decisão recorrida:
«Todavia, a dona do terreno subscreveu uma Declaração na qual autoriza a integração da área em discussão na obra a realizar, Declaração esta que foi entregue ao promotor da obra.
Assinalamos, com respeito a esta Declaração, que:
- dela não consta qualquer condição;
- não foi invocado qualquer vício da vontade;
- não foi revogada.
Importa ainda assinalar que quando se estabelece a perda da posse por cedência, na al. c) do n.º 1 do art. 1267.º do CC, do que se está a falar é, designadamente, de tradição (...).
É certo, por fim, que não está provado que a Requerente conhecesse os projetos de licenciamento, mas em bom rigor e atendendo a que o filho da Requerente a representa na gestão deste assunto, se alguma falha tiver eventualmente ocorrido na transmissão da informação, ela situar-se-á no plano das relações internas entre representante e representado, pelo que não releva para este efeito.
Deste modo, operou-se, efetivamente, a transmissão da posse para a Requerida RE.
Consequentemente, não há esbulho, devendo ser revogada a providência cautelar decretada».
Não podemos, com ressalva do devido respeito, concordar com tal conclusão!
Dispõe, efetivamente, o art. 1267.º, n.º 1, al. c), do CC, que «o possuidor perde a posse (...) pela cedência». Trata-se de um modo de perda da posse que tem como pressuposto a celebração de um negócio jurídico pelo qual o possuidor transfere para outrem a sua posse, não sendo necessário que esse negócio seja válido de um ponto de vista formal[6].
A cedência traduz a outra face da tradição e, tal como ela, também pode ser material ou simbólica.
Conforme afirma Armando Triunfante, «a cedência da posse pretende representar todos os casos de transmissão derivada da posse, hipóteses essas em que a aquisição da posse se dará reunindo também o consenso do anterior possuidor. Assim o novo possuidor adquire a posse por tradição, constituto possessório ou traditio brevi manu (...), enquanto o anterior a perde por cedência.
Em todos os casos de cedência deverá haver um negócio jurídico que permita a constituição ou transmissão de um direito real. A posse é transmitida, ainda que o referido negócio não seja válido (...). Em alguns dos casos esse negócio será suficiente para produzir a cedência da posse e a transmissão da mesma. Essas hipóteses são o constituto possessório (em qualquer uma das suas modalidades) e a traditio brevi manu. No entanto, para as demais hipóteses a cedência, embora pressupondo o referido negócio jurídico, não ocorre com o mesmo, implicando sempre um ato adicional, ou seja, a tradição (nas suas diferentes modalidades). Nestes casos será a tradição a operar a cedência da posse, uma vez que se esta não acontecer, o negócio jurídico que a legitima, por si só, não pode operar a perda (e consequente aquisição) da posse»[7].
Pires de Lima / Antunes Varela afirmam que a lei supõe, no caso da cedência, «a celebração de um negócio jurídico pelo qual o possuidor transmite a outrem a sua posse. Esses negócios são, em geral, translativos do domínio ou constitutivos de um direito real em benefício de terceiro. De notar, porém, que o antigo possuidor, embora perca a sua posse pela cedência, só excepcionalmente a transmite para o adquirente por força do contrato. Para tal (...), é necessário, em princípio, a tradição material ou simbólica da coisa»[8].
José Bonifácio Ramos, por sua vez, após considerar que a cedência consiste numa «causa de extinção possessória que deriva de determinadas causas aquisitivas, v.g. a tradição, o constituto possessório ou a sucessão na posse», afirma que «a transmissão da posse, por via daqueles modos aquisitivos, prefigura uma extinção da posse, por cedência, do anterior possuidor. Deste modo, não parece que se faça supor a celebração de um negócio jurídico, pelo qual se transmite a outrem a posse.
Basta proceder à entrega que pode ser material ou simbólica. Ou até, por da transmissão do direito, implicar a transferência da posse. Será o caso do constituto possessório, onde nem se afigura imprescindível qualquer entrega, sendo suficiente a celebração do negócio jurídico translativo. Assim, se a cedência corresponde à traditio, não se encontra sujeita a uma formalidade especial. Por seu turno, a cedência correspondente ao constituto possessório pode ser determinada no contrato que opere aquele modo de constituição da posse»[9].
À luz destes considerandos, mesmo segundo o entendimento deste último Autor, facilmente se conclui que a simples declaração emitida pela requerente, acima transcrita (cfr. ponto 60. dos factos indiciariamente provados) não teve a virtualidade de operar, só por si, a transmissão para a 1.ª requerida, da posse da parcela de terreno referida na dita declaração, pois não está demonstrada a sua tradição, material ou simbólica.
Conclui-se, assim, que por via da dita declaração não se operou a transmissão, da requerente para a 1.ª requerida, da posse daquela parcela.
Significa isto que deve ser revogada a decisão recorrida e repristinada a decisão proferida no dia 24 de março de 2024 (Ref.ª 34127328), que decretou a providência requerida?
A resposta é negativa!
Dispõe o art. 1267.º, n.º 1, al. b), do CC, que «o possuidor perde a posse (...) pela perda ou destruição material da coisa ou por esta ser posta fora do comércio».
Conforme escreve Armando Triunfante, «a colocação da coisa fora do comércio tem por efeito a impossibilidade de essa coisa poder continuar a ser objeto de situações jurídico-reais, incluindo a posse. Com efeito, depois de adquirir esse estatuto a coisa torna-se insuscetível de apropriação individual (artigo 202.º, n.º 2). Essa situação vai ocorrer sempre que a coisa seja afeta à satisfação do interesse público (...)»[10].
Trata-se, na feliz expressão de Rui Januário/Filipe Lobo D’Ávila/Luís de Andrade Pinhel, de uma situação de «”perda jurídica” da coisa, uma vez fora do comércio, não sendo possível estabelecer, sobre essa coisa, situações jurídicas, entre as quais, a posse»[11].
Em suma, como esclarecidamente afirmam Pires de Lima / Antunes Varela, «sendo a coisa posta fora do comércio, ela deixa de ser objeto de posse, por força dos artigos 202.º, n.º 2, e 1251.º»[12].
No caso sub judice está indiciariamente provado que:
«50. Em 14 de setembro de 2017, a Requerida RE apresentou junto da Câmara Municipal de Almada um pedido de informação prévia (PIP) tendo por objeto, pelo menos, a construção de um estabelecimento de retalho alimentar e um “fast food”, nos prédios por si adquiridos (15º oposição).
51. A aprovação dos citados projetos exigia a execução de obras de infraestruturas, designadamente, o reperfilamento dos passeios públicos envolventes e a construção de uma rotunda (16º oposição).
52. Tal rotunda apresentava uma dimensão muito superior àquela que ali se encontra hoje executada e exigia a utilização de uma grande parte do prédio em discussão nos autos, propriedade da Requerente (17º oposição).
53. O Município veio a manifestar a necessidade de alterações ao projeto, designadamente, em função de um estudo de tráfego, com a inerente redução de área a construir (18º oposição).
54. Já em 2021, a Requerida RE decidiu apresentar um segundo PIP, envolvendo os mesmos prédios, agora apenas para a construção de um supermercado e de um estabelecimento de “fast food”, em dois lotes (19º oposição).
56. Este segundo PIP envolvia igualmente o reperfilamento dos passeios e a construção de uma rotunda, exigindo apenas a utilização de uma parcela de 26 m2 de terreno do prédio da Requerente em discussão nos autos (22º oposição).
57. Em 20 de janeiro de 2022, em reunião com os serviços técnicos do Município, foram abordadas questões relativas a espaços exteriores e acessibilidades, tendo os serviços sublinhado a circunstância de uma parte da rotunda (26 m2) se encontrar sobreposta a um prédio não pertencente à Requerida, o que exigiria uma autorização do respetivo proprietário (a Requerente) (23º oposição).
58. Foi, então, necessário proceder a um levantamento topográfico ao prédio da Requerente (24º oposição).
59. Dado ser necessária uma declaração formal da Requerente, o filho desta encarregou-se de a recolher, tendo para o efeito recebido uma minuta de PSM, funcionária da Requerida (26º oposição).
60. Em 7 de fevereiro de 2022, a Requerente subscreveu uma declaração nos seguintes termos: «(…) vem autorizar que seja retirada a área de 26,00 m2 a ceder ao proprietário vizinho, e que a mesma fique a fazer parte integrante do limite da intervenção do projeto conforme IPE __/__, a correr na Câmara Municipal de Almada, afim de se proceder à integração e cedência da área, no domínio público municipal». (27º oposição).
61. Tal declaração veio a ser entregue no processo camarário com o n.º IPE __/__ (28º oposição).
62. Em 14 de abril de 2022 o PIP foi aprovado (29º oposição).
63. Em 15 de dezembro de 2022, a Requerida RE apresentou junto da Câmara Municipal de Almada um pedido de licenciamento conforme com o PIP aprovado (30º oposição).
64. Em 2 de junho de 2023, a Requerida RE foi notificada do licenciamento da obra (33º oposição).
65. O licenciamento pressupôs a execução das obras de infraestruturas e a área da rotunda como área de cedência para o domínio público, para além de 1.345m2 da área do prédio da Requerida RE, que foi igualmente cedida para o domínio público (34º oposição).
69. Em junho de 2023, a Requerida RE deu início às obras de construção, executando os projetos licenciados, incluindo nos 26m2 cedidos pela Requerente (38º oposição).
71. A Requerida RE executou as obras de reperfilamento de passeios e construção da rotunda, fazendo-o a coberto de um contrato de urbanização celebrado com o Município em 20 de setembro de 2023 e do alvará de obras de urbanização n.º ___/___ (40º oposição).
73. A Requerente conhecia a necessidade de execução da rotunda ocupando os 26 m2 de área do seu prédio (42º oposição).
76. No dia 4 de março de 2024, os SMAS de Almada emitiram o comunicado n.º 18/2024, divulgado pelos meios habituais e igualmente publicado no Jornal de Almada, informando da interrupção do fornecimento de água na manhã de 07 de março de 2024, por força dos trabalhos de ligação de ramais da rede de abastecimento de água, trabalhos decorrentes da execução do projeto da Requerida (46º oposição).
77. A demolição do muro da Requerente na confrontação com a Rua de ____ foi efetuada em cumprimento do plano de trabalhos estabelecido, para execução da rotunda e passeios envolventes (47º oposição).
84. No dia 28 de março de 2024 foram concluídas as obras de construção da rotunda e passeios envolventes, tendo a mesma sido aberta ao trânsito público (49º oposição).
85. Nunca a Requerente, por si ou por seu representante, se apresentou a reagir extrajudicialmente contra as obras ou quanto à afetação dos 26 m2 cedidos pela Requerente presencialmente ou por escrito (50º oposição).
86. A rotunda e os passeios públicos, encontravam-se afetos à circulação pública, viária e pedonal, ao momento da execução da providência decretada (51º oposição)».
A descrita factualidade não deixa dúvidas, a nosso ver, de que à data da instauração deste procedimento cautelar de restituição provisória da posse, a parcela de terreno que constitui o seu objeto já estava fora do comércio; ou seja, à data da instauração deste procedimento cautelar de restituição da posse, a requerente já havia perdido a posse da parcela de terreno a que agora pretende ser restituída.
Em conclusão, encontrando-se extinta, à data da instauração deste procedimento cautelar, a posse da requerente sobre a parcela de terreno que constitui o seu objeto, falta, desde logo, o primeiro dos requisitos de que depende a sua procedência: a existência da posse.
Por conseguinte, improcede a apelação, devendo manter-se a decisão recorrida.
*
IV – DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes que integram a 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar a apelação improcedente, mantendo, em consequência, a decisão recorrida.
Custas da apelação, na vertente de custas de parte, a cargo da apelante – arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2.
Lisboa, 24 de setembro de 2024
José Capacete
Edgar Taborda Lopes
Cristina Silva Maximiano
_______________________________________________________ [1] Doravante referida por 1.ª requerida. [2] Doravante referida por 2.ª requerida. [3] Doravante referida por 3.ª requerida. [4] Doravante referido por “prédio”. [5] Trata-se de matéria considerada indiciariamente provada na decisão de decisão proferida no dia 24 de março de 2024 (Ref.ª 34127328) e que a decisão recorrida considerou agora não provada. [6] Cfr. Ac. da R.L. de 31.05.2012, Proc. n.º 525/06.4TBLNH.L1-2 (Teresa Albuquerque), in www.dgsi.pt. [7]Comentário ao Código Civil – Direito das Coisas, Universidade Católica Editora, 2021, p. 59. [8]Código Civil Anotado, Volume III, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1987, p. 33. No mesmo sentido, Rui Januário/Filipe Lobo D’Ávila/Luís de Andrade Pinhel, Direito Civil-Direito das Coisas, Petrony, 2018, pp. 680-681, que acrescentam qua «a cedência por ato translativo do domínio, tanto pode ser por título oneroso (caso da compra e venda), como por título gratuito (caso da doação)». [9]Manual de Direito Reais, AAFDL Editora, 2017, pp. 180-181. [10]Comentário cit., p. 59. [11]Direito Civil cit., p. 683. [12]Código Civil cit., p. 35.