ARGUIDO
CONDIÇÕES PESSOAIS DO ARGUIDO
PENA DE PRISÃO
CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
Sumário

(da responsabilidade do relator):
I - Tribunal muniu-se de relatório social do Arguido, bem como do seu Certificado de Registo Criminal. Estava assim habilitado a avaliar das condições pessoais do Arguido conjugando estes dois meios de prova com as suas declarações.
II - O Arguido teima em demonstrar uma perfeita indiferença à censura penal. Apenas a pena de prisão efectiva poderá incutir no Arguido a necessidade de respeitar a lei e não repetir os comportamentos. E, simultaneamente, de transmitir à comunidade que inexiste impunidade relativamente a um crime tão grave como a condução de veículo sem habilitação legal.

Texto Integral

Acordam os Juízes Desembargadores da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
No Juízo Local Criminal Sintra – J2 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julga-se a acusação procedente e em consequência decide-se:
• Condenar o arguido AA, pela prática de um crime, como autor material e na forma consumada, de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
• Fixar a taxa de justiça em 2 (duas) UC, a qual é reduzida a metade por força da confissão, nos termos do artigo 344.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal, e assim condenar o arguido no pagamento de 1 (uma) UC a título de custas processuais.»
- do recurso -
Inconformado, recorreu o Arguido formulando as seguintes conclusões:
«1. O Arguido confessou os factos e afirmou na Audiência de julgamento que aceitaria o regime de permanência na habitação e vigilância eletrónica, com regime de prova, no caso, com vista à obtenção da carta de condução e prestação do seu trabalho, para dele obter sustento.
2. Podemos concluir que a pena privativa da liberdade não é necessária, proporcional e ajustada às finalidades de prevenção especial, no caso concreto, dado que não há necessidade de reeducação e interiorização da gravidade e perigos decorrentes do crime em apreço, dada a postura e o reconhecimento do Arguido em audiência de julgamento.
3. Pelo que, após a audição do Arguido, deveria o Tribunal de 1ª instância ter permitido a audição das testemunhas abonatórias, eventualmente reaberto a audiência, para ser permitida esta prova suplementar, no caso e determinar a espécie e medida da pena a aplicar ao Arguido, em comunidade.
4. Sabemos que execução da pena de prisão serve a sociedade, mas também deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, o que o Arguido em causa, já assumiu as suas responsabilidades sociais, parentais, laborais e familiares.
5. Considera-se que o Tribunal de 1ª instância incorreu em erro notório na apreciação do carácter do Arguido e das suas condições de integração social, familiar e laboral.
6. No relatório social ficou expresso, na conclusão que “consideram-se estar reunidas as condições para, AA usufruir de uma medida de execução na comunidade, com acompanhamento da DGRSP;
7. Verificou-se que o Ministério Publico não contestou o relatório social, nem as suas conclusões, decidiu não ouvir a testemunha por si indicada e deu parecer desfavorável à audição das testemunhas apresentadas pelo Arguido, que pretendiam provar as suas circunstâncias pessoais, ou seja, conformou-se com o teor do relatório social e com a sua conclusão.
8. No caso justifica-se uma decisão de suspensão da execução da pena com medida de acompanhamento da DGRS, uma pena de prisão domiciliária ou uma outra pena de substituição da pena efetiva de prisão.
9. Repare-se que o Arguido não foi acusado nem julgado, por factos semelhantes ou outros, depois da sua saída da prisão, em 2021, uma vez que os factos aqui julgados ocorreram em 2020.
10. Na verdade, a pena de prisão efetiva anteriormente aplicada ao Arguido mostrou-se suficientemente punidora e permitiu a reflexão ao Arguido, para que não voltasse a reincidir, pois nessa altura o Arguido perdeu o emprego, viu acontecer uma rutura no relacionamento anterior, perdeu a casa arrendada que tinha e teve de permitir que os seus cães para locais de acolhimento diferentes.
11. Daí se poder concluir que é relevante a inserção do Arguido nos vários aspetos da sua vida podendo haver uma oportunidade dada por V. Exas. para que este possa ver a sua pena suspensa, com acompanhamento da DGRSP ou pena de prisão domiciliaria, com vigilância eletróncia, para que este cumpra as suas obrigações laborais, e com vista a que obtenha a sua carta de condução, que já iniciou e que o afastará do sistema judicial. »
- da resposta -
Notificado para tanto, respondeu o Ministério Público concluindo nos seguintes termos:
« 1. Na douta sentença, com o qual o Ministério Público concorda e cujo recurso aqui se responde, foi o Recorrente AA, foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de prisão de 1 (um) ano e 6 (seis) meses.
2. O referido ilícito é punível com pena de prisão de 2 (dois) anos ou multa até 240 (duzentos e quarenta) dias.
3. A pena a aplicar deverá ser adequada e suficiente para satisfazer as finalidades da punição, nos termos do artigo 70.º, do Código Penal.
4. In casu, considerou a sentença recorrida « no que diz respeito às exigências de prevenção geral para o crime de condução de véiculo sem habilitação legal, as mesmas são muito elevadas, atenta à frequência com que este tipo de crimes é julgado nos nossos tribunais e o, cada vez, mais elevado, índice de sinistralidade das nossas estradas, provocado, na grande maioria das vezes, por crimes rodoviários ligados à falta de habilitação legal e à condução (…)»
5. Bem como, considerou as circunstâncias relativas ao arguido, tendo-se verificado que o mesmo «(…) tem nove condenações anteriores averbadas no seu CRC, oito pela prática do crime de condução de veículo sem habilitação legal.» E apesar do arguido ter confessado «(…) integralmente e sem reservas os factos constantes da acusação (…) atendendo às condenações sofridas pelo arguido, entende o tribunal que a aplicação de uma pena de multa não assegura de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, optandose pela aplicação de uma pena de prisão.» - negrito e sublinhado nosso.
6. Por outro lado, o Tribunal a quo afastou – e bem, em nosso entender -, a possibilidade de aplicação ao ora recorrente:
i) da pena substitutiva da pena de prisão de prestação de trabalho a favor da comunidade, porquanto «(…) a prestação de trabalho a favor da comunidade, relativamente ao crime de condução de veículo sem habilitação legal não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (…)» motivo pelo qual não procedeu à aplicação do referido regime ao arguido.
iv. do regime de permanência na habitação, tendo concluído que no caso concreto e «(…) considerando o ilícito criminal pelo qual o arguido irá ser condenado e as condenações anteriores averbadas no CRC, não se afigura que este meio de execução da pena realize de forma adequada as finalidades da punição por força das elevadíssimas necessidades de prevenção especial.» e,
v. da suspensão da pena de prisão, pese embora, o douto tribunal tenha constatado que in casu «(…) a pena concretamente aplicada é inferior a 5 anos, pelo que se encontra preenchido o pressuposto formal. Quanto ao pressuposto material verifica-se que o arguido atualmente se encontra inserido laboral, social e familiarmente.» salientou o facto do arguido ter 9 (nove) «condenações anteriores averbadas no seu CRC, sendo que oito são pela prática do crime de condução de veículo sem habilitação legal, tendo sido condenado em duas penas de multa, uma pena de prisão suspensa na sua execução, uma pena de prisão por dias livres, substituída por prisão em regime de permanência na habitação e em 5 penas de prisão efetiva.» Pelo que, entendeu o douto tribunal que «(…) não tendo sido anteriores ameaças de prisão e prisões efetivas suficientes para afastar o arguido do caminho da delinquência, não se afigura possível proceder a um juízo de prognose favorável, no sentido de considerar
que a simples ameaça de prisão seja adequada e suficiente a assegurar as exigências de prevenção geral e especial, motivo pelo qual se entende que não se afigura possível suspender a pena de prisão aplicada ao arguido, apesar de o mesmo ter confessado os facos que vieram a ser considerados como provados, o qual já foi valorado aquando da definição da medida da pena.» - negrito e sublinhado nosso.
7. Não restam dúvidas que, no caso em apreço as necessidades de prevenção geral são elevadas e as de prevenção especial muito elevadas, o que reclamam a aplicação ao arguido de uma pena de prisão, mostrando-se esta necessária, adequada e proporcional às necessidades de prevenção em razão dos factos provados e à culpa do arguido AA, nos termos dos artigos 40.º, n.º 1 e 2; 70.º, 71.º, n.º 1 e 2 todos do Código Penal e artigo 3.º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro.
8. Pelo exposto, a sentença recorrida não merece qualquer censura, não padece de qualquer vício (mormente, aqueles que vêm invocados na peça processual a que se responde), achando-se em absoluta conformidade com a lei.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a sentença proferida nos autos nos seus exatos termos».
Admitido o recurso, foi determinada a sua subida imediata, nos autos, e com efeito suspensivo.
Neste Tribunal da Relação de Lisboa foram os autos ao Ministério Público tendo sido emitido parecer no sentido do acompanhamento do entendimento expresso na resposta produzida em primeira instância.
Cumprido o disposto no art.º 417.º/2 do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta ao parecer.
Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência.
Cumpre decidir.
OBJECTO DO RECURSO
Nos termos do art.º 412.º do Código de Processo Penal, e de acordo com a jurisprudência há muito assente, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação por si apresentada. Não obstante, «É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» [Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 7/95, Supremo Tribunal de Justiça, in D.R., I-A, de 28.12.1995]
Desta forma, tendo presentes tais conclusões, são as seguintes as questões a decidir:
a) deveria o Tribunal de primeira instância ter permitido a audição das testemunhas abonatórias, eventualmente reaberto a audiência, ser permitida prova suplementar para determinar a espécie e medida da pena a aplicar ao Arguido, em comunidade?
b) há um erro notório na apreciação do caracter do Arguido e das suas condições de integração social, familiar e laboral?
c) justifica-se uma decisão de suspensão da execução da pena com medida de acompanhamento da DGRS, uma pena de prisão domiciliária ou uma outra pena de substituição da pena efetiva de prisão?
DA SENTENÇA RECORRIDA
Da sentença recorrida consta a seguinte matéria de facto provada:
1. «No dia 17 de Julho de 2020, pelas 22h15, na ... concelho de Sintra, o arguido AA conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula ..-..-QC.
2. O arguido conduzia aquele veículo sem que fosse titular de qualquer documento que legalmente o habilitasse a conduzir.
3. Não obstante saber que não podia conduzir veículos a motor, o arguido agiu, deliberadamente, com intenção de conduzir na via pública o veículo sem que se encontrasse legalmente habilitado a fazê-lo.
4. O arguido actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
5. Em sede de audiência de julgamento, o arguido confessou integralmente e sem reservas os factos de que vem acusado.
6. AA é natural do arquipélago dos ..., tendo migrado para o continente em 2017 à procura de melhores condições de vida.
7. O seu processo de socialização até aos nove/dez anos de idade foi pautado por muitas dificuldades financeiras no seio do seu agregado familiar nuclear, progenitores e 4 irmãs.
8. Com o consentimento dos pais, aos dez anos de idade, ficou a cargo de primos/tios maternos, sendo que a relação familiar era estruturada e considerando o arguido que foram uma referência positiva no seu percurso de vida.
9. O percurso escolar é descrito pelo arguido, como desmotivador, tendo concluído o 7.º ano, registando com duas retenções no 5.º ano de escolaridade e no 7.º ano, decidiu que não tinha motivação para dar continuidade aos estudos, tendo abandonado a escola com a concordância dos tios.
10. O arguido iniciou precocemente o seu percurso laboral, após a desistência da escola, tendo vários trabalhos indiferenciados e de curta duração, sem conseguir alcançar a sua estabilidade profissional.
11. A nível afectivo a relação com a família é descrita pelo arguido como uma boa relação familiar, pese embora a distância, mencionando a existência de contactos regulares com a progenitora e irmãs.
12. O progenitor faleceu há cinco anos.
13. Reside com a companheira, BB há quase um ano e com o filho da mesma, de três anos, destacando que a relação existente entre todos, é muito positiva.
14. Em termos profissionais, o arguido trabalha com CC na empresa “...” de oficina de carros e aufere mensalmente o salário mínimo nacional e presta serviço na oficina dos empregadores, DD e EE, auferindo de dois em dois meses, o salário mínimo.
15. BB trabalha em part-time num restaurante como empregada de mesa, auferindo mensalmente 500 euros e as despesas são pagas pelos dois.
16. O arguido vive ainda com um amigo, o qual padece de vários problemas de saúde, prestando-lhe apoio ao nível das tarefas domésticas.
17. O arguido encontra-se inscrito em escola de condução.
18. O arguido AA tem as seguintes condenações averbadas no seu CRC:
a. Por decisão proferida em 16.05.2007, no processo 13/06.9PTHRT, transitada em julgado a 31.05.2007, o arguido AA foi condenado pela prática de dois crimes de condução de veículo sem habilitação legal, nos dias 07.02.2006 e 18.02.2006, na pena única de 120 dias de multa, à taxa diária de € 4,00, o que perfaz o total de € 480,00;
b. Por decisão proferida em 04.11.2008, no processo 141/05.8PASRQ, transitada em julgado a 15.01.2009, o arguido AA foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, no dia 16.12.2005, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de €5,00, o que perfaz o total de €900,00;
c. Por decisão proferida em 21.01.2009, no processo 4/09.8PTHRT, transitada em julgado a 20.02.2009, o arguido AA foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, no dia 11.01.2009, na pena de 11 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano;
d. Por decisão proferida em 26.02.2009, no processo 13/09.7PTHRT, transitada em julgado a 23.04.2009, o arguido AA foi condenado pela prática de dois crimes de ameaça e um crime de condução de veículo sem habilitação legal, no dia 27.01.2009, na pena única de 18 meses de prisão;
e. Por decisão proferida em 29.06.2009, no processo 153/09.2PBHRT, transitada em julgado a 29.07.2009, o arguido AA foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, no dia 26.04.2009, na pena de 14 meses de prisão;
f. Por decisão proferida em 27.04.2011, no processo 19/11.6PTHRT, transitada em julgado a 27.05.2011, o arguido AA foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, no dia 28.03.2011, na pena de 12 meses de prisão;
g. Por decisão proferida em 19.11.2011, no processo 127/11.3PBSRQ, transitada em julgado a 31.01.2012, o arguido AA foi condenado pela prática de dois crimes de condução de veículo sem habilitação legal, no dia 30.08.2011, na pena única de 1 ano e 4 meses de prisão;
h. Por decisão proferida em 23.02.2012, no processo 2/12.4PFHRT, transitada em julgado a 23.03.2012, o arguido AA foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, no dia 14.02.2012, na pena de 16 meses de prisão;
i. Por decisão proferida em 22.06.2015, no processo 25/11.0PEHRT, transitada em julgado a 22.06.2015, o arguido AA foi condenado pela prática de um crime de dano qualificado, no dia 18.12.2011, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de €5,00, o que perfaz o total de €1.000,00;
j. Por decisão proferida em 07.08.2017, no processo 35/17.4PJSNT, transitada em julgado a 02.10.2017, o arguido AA foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, no dia 07.08.2017, na pena de 1 ano de prisão, a cumprir por dias livres em 52 períodos de 36 horas, aos fins de semana, das 09:00h de sábado às 21:00h de domingo, substituído por 7 meses e 24 dias de prisão em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica;
k. Por decisão proferida em 13.01.2020, no processo 9/20.8PTSNT, transitada em julgado a 01.09.2020, o arguido AA foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, no dia 13.01.2022, na pena de 2 anos de prisão.»
FUNDAMENTAÇÃO
- da audição das testemunhas abonatórias, reabertura da audiência e prova suplementar
Defende o Recorrente que o Tribunal deveria ter ouvido as testemunhas abonatórias, ou determinado a reabertura de audiência para produção suplementar de prova, de forma a habilitar-se na tomada de decisão quanto à pena a aplicar.
Vejamos, porém, alguns dados do processo, para perceber o sentido da decisão tomada e avaliar da sua conformidade.
Com o agendamento do julgamento, cuidou o Tribunal de requerer, oficiosamente, a elaboração de relatório social pela Direcção-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais. Tal elemento de prova tem apenas uma finalidade: o apuramento das condições pessoais do Arguido para efeitos de uma eventual tomada de decisão quanto à pena a aplicar.
Notificado para contestar, o Arguido não apresentou contestação. Veio, porém, em requerimento extraordinário, requerer a indicação de testemunhas «por considerar que são essenciais para a sua defesa». O Tribunal relegou para julgamento a apreciação de tal requerimento porquanto, atenta a forma e o fundamento que foram adoptados, tal apreciação teria que ser feita à luz da regra estabelecida no art.º 340.º do Código de Processo Penal.
Em sede de julgamento, o Tribunal considerou que a confissão do Arguido aliada à inexistência de contestação tornavam desnecessária a audição das testemunhas que identificou como abonatórias, informação que apenas poderá ter sido recolhida durante a audiência.
Vejamos.
Não sendo as testemunhas arroladas na contestação, a apreciação sobre a sua admissibilidade apenas pode ser justificada com o disposto no art.º 340.º do Código de Processo Penal, o qual prevê que «O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa».
No momento da apreciação do dito requerimento, o Arguido já confessara os factos integralmente e sem reservas, pelo que estava provada toda a matéria da acusação. Quanto a esta, não poderia o Tribunal deferir a inquirição de testemunhas.
Quanto às condições pessoais do Arguido, pode o Tribunal ouvir as testemunhas abonatórias às quais alude o art.º 128.º/2 do Código de Processo Penal. Não tendo sido indicadas na contestação, apenas o fará na estrita medida em que o achar necessário.
Ora, o Tribunal muniu-se de relatório social do Arguido, bem como do seu Certificado de Registo Criminal para prova dos antecedentes criminais. Afigura-se temerário concluir que o Tribunal não estava habilitado a avaliar das condições pessoais do Arguido tendo ao seu dispor estes dois meios de prova, conjuntamente com as declarações do mesmo.
Por isso, foi válida a decisão do Tribunal, entendendo-se que a inquirição das ditas testemunhas era irrelevante e supérflua, pelo que, ao abrigo do referido art.º 340.º, não admissível.
Inexiste, pois, qualquer vício nesta decisão.
- do erro notório na apreciação do caracter do Arguido e das suas condições pessoais
O relatório social elaborado pela Direcção-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais é extenso e pormenorizado. Dele extraiu o Tribunal o elenco de factos provados sobre as condições pessoais do Arguido, sem que se vislumbre qualquer erro na sua apreciação, ou seja, leitura. Provou-se ainda a inscrição do Arguido em escola de condução, por documento junto pelo próprio. Os antecedentes criminais são prova objectiva extraída do Certificado de Registo Criminal.
Da sentença consta, na fundamentação, o seguinte: «Os factos relativos às condições económicas e sociais (factos 6 a 16) resultam das declarações do próprio arguido e do relatório social junto aos autos.
O ponto 17 resulta provado por força do teor do documento junto aos autos pelo arguido.
As condenações averbadas relativamente ao arguido AA (facto 18) resultam do CRC junto aos autos.».
Não está, pois, evidenciado qualquer erro na apreciação da prova que justifique a alegação do Recorrente.
- da suspensão da execução da pena, prisão domiciliária ou uma outra pena de substituição
O Tribunal decidiu aplicar ao Arguido uma pena de prisão efectiva. Não o fez de ânimo leve, justificando a sua decisão assim: «Olhando para o caso concreto é de salientar que, no que diz respeito às exigências de prevenção geral para o crime de condução de veículo sem habilitação legal, as mesmas são muito elevadas, atenta a frequência com que este tipo de crimes é julgado nos nossos tribunais e o cada vez mais elevado índice de sinistralidade das nossas estradas, provocado, na grande maioria das vezes, por crimes rodoviários ligados à falta de habilitação legal e à condução sobre o efeito do álcool.
Analisando as circunstâncias relativas ao arguido que irão determinar se o tribunal irá aplicar pena de multa ou pena de prisão, verifica-se que o mesmo tem nove condenações anteriores averbadas no seu CRC, oito pela prática do crime de condução de veículo sem habilitação legal.
Por outro lado, o arguido confessou integralmente e sem reservas os factos constantes da acusação.
Não obstante, atendendo às condenações sofridas pelo arguido, entende o tribunal que a aplicação de uma pena de multa não assegura de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, optando-se pela aplicação de uma pena de prisão.
*
Cumpre agora proceder à determinação da medida concreta da pena de prisão, tendo em atenção os dispositivos legais acima citados.
Atenderá igualmente o tribunal, na fixação da medida concreta da pena, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, nos termos do artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal.
Deverão assim ser considerados e devidamente sopesados os seguintes factores:
O grau de ilicitude é elevado, atento os bens jurídicos que se visam tutelar com as incriminações.
O grau de culpa é elevado uma vez que o arguido agiu com dolo directo.
As necessidades de prevenção geral são muito elevadas, atenta a elevada taxa de sinistralidade rodoviária existente em Portugal e, finalmente;
As necessidades de prevenção especial são também muito elevadas, uma vez que o arguido tem nove condenações anteriores averbadas no seu CRC, sendo oito prática do crime de condução de veículo sem habilitação legal e duas por crimes contra o património.
Assim sendo, entende-se adequado condenar o arguido AA, numa pena de 1 ano e 6 meses de prisão.
*
Prestação de trabalho a favor da comunidade:
Atendendo à pena de prisão aplicada ao arguido AA, impõe-se ponderar a substituição da pena de prisão pela prestação de trabalho a favor da comunidade.
Nos termos do artigo 58.º do Código Penal “1- Se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos o Tribunal substitui-a por trabalho a favor da comunidade sempre que concluir, nomeadamente em razão da idade do condenado, que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. (…) 3 – Para efeitos do disposto no n.º 1, cada dia de prisão fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas.”
Ora, tendo em consideração as condenações que o mesmo já tem averbadas no seu CRC e a circunstância de o arguido já ter cumprido pena de prisão em regime de permanência na habitação, tendo voltado a delinquir, entende o tribunal que a prestação de trabalho a favor da comunidade, relativamente ao crime de condução de veículo sem habilitação legal não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, motivo pelo qual não se procede à aplicação do referido regime.
*
Regime de permanência na habitação:
De acordo com o artigo 43.º, n.º 1, do Código Penal, “Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância:
a. A pena de prisão efetiva não superior a dois anos;
b. A pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto
nos artigos 80.º a 82.º;
c. A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º”
Ora, no caso concreto, constata-se que existiria a possibilidade de executar a pena de prisão ora determinada em regime de permanência na habitação. No entanto, considerando o ilícito criminal pelo qual o arguido irá ser condenado e as condenações anteriores averbadas no CRC, não se afigura que este meio de execução da pena realize de forma adequada as finalidades da punição por força das elevadíssimas necessidades de prevenção especial.
Pelo exposto e sem necessidade de mais considerandos, decide-se não executar a pena de prisão ora determinada em regime de permanência na habitação.
*
Suspensão da pena de prisão:
De acordo com o artigo 50.º do Código Penal o tribunal deve ponderar a suspensão da execução da pena de prisão quando a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
A suspensão da execução da pena de prisão tem como pressuposto formal a pena de prisão aplicada não ser superior a 5 anos.
A este pressuposto acresce ainda um pressuposto material que implica, nas palavras de Figueiredo Dias (in Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, p. 242 e 243), que “o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente: que a simples censura do facto e a ameaça da pena (…) bastarão para afastar o delinquente da criminalidade. Para a formulação de tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só a personalidade, ou só das circunstâncias de facto – o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto.”
In casu verifica-se que a pena concretamente aplicada é inferior a 5 anos, pelo que se encontra preenchido o pressuposto formal. Quanto ao pressuposto material verifica-se que o arguido actualmente se encontra inserido laboral, social e familiarmente.
De salientar que o arguido tem nove condenações anteriores averbadas no seu CRC, sendo que oito são pela prática do crime de condução de veículo sem habilitação legal, tendo sido condenado em duas penas de multa, uma pena de prisão suspensa na sua execução, uma pena de prisão por dias livres, substituída por prisão em regime de permanência na habitação e em 5 penas de prisão efectiva.
Como tal, constata-se que as várias condenações sofridas pelo arguido não foram suficientes para impedir que o mesmo tivesse voltado a delinquir.
Ora, não tendo sido anteriores ameaças de prisão e prisões efectivas suficientes para afastar o arguido do caminho da delinquência, não se afigura possível proceder a um juízo de prognose favorável, no sentido de considerar que a simples ameaça de prisão seja adequada e suficiente a assegurar as exigências de prevenção geral e especial, motivo pelo qual se entende que não se afigura possível suspender a pena de prisão aplicada ao arguido, apesar de o mesmo ter confessado os factos que vieram a ser considerados como provados, o qual já foi valorado aquando da definição da medida da pena.
Pelo exposto, decide-se não suspender a pena de prisão de 1 ano e 6 meses aplicada ao arguido».
O Tribunal a quo ponderou todas as alternativas disponíveis para não aplicar ao Arguido uma pena de prisão efectiva. Mas esta foi a única solução aplicável, atentas as particulares circunstâncias do caso.
Ora vejamos. Abona a favor do Arguido a sua confissão integral e sem reservas, mas não devemos descurar que estamos perante um caso de flagrante delito, pelo que era pequena a margem para negar a prática dos factos, o que retira à confissão o valor acrescentado reconhecido nos casos de mais difícil julgamento.
Nas suas condições pessoais não se vislumbra existirem fundamentos que, objectivamente, sejam fundamento para afastar a possibilidade de aplicação de uma pena de prisão efectiva. O seu percurso é idêntico ao de milhares de cidadãos, em nada servindo de argumento para um tratamento diferenciado.
Em termos de relação familiar, neste momento, o Arguido reside com a companheira há quase um ano e com o filho da mesma, de três anos, com uma relação descrita como muito positiva. Está empregado auferindo o salário mínimo e tendo ainda um rendimento extra.
Do registo criminal constam várias condenações pela prática do crime de condução de veículo sem habilitação legal. A leitura do crescendo de infracções, não obstante o maior rigor e gravidade das sanções demonstra uma clara insensibilidade do Arguido à reacção penal. Os Tribunais já tentaram de tudo. Penas de multa. Penas de prisão suspensas na sua execução. Penas de prisão por dias livres substituídas por permanência na habitação.
O Arguido teima em demonstrar uma perfeita indiferença à censura penal.
Concorda-se, pois, com a decisão do Tribunal a quo, quando conclui que apenas a pena de prisão efectiva poderá incutir no Arguido a necessidade de respeitar a lei e não repetir os comportamentos. E, simultaneamente, de transmitir à comunidade que inexiste impunidade relativamente a um crime tão grave como a condução de veículo sem habilitação legal.
DECISÃO
Nestes termos, e face ao exposto, decide o Tribunal da Relação de Lisboa julgar improcedente o recurso do Arguido, mantendo-se inalterada a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente, fixando-se em 3 UC a respectiva taxa de justiça.

Lisboa, 24.09.2024
Rui Coelho
Ester Pacheco dos Santos
Alda Tomé Casimiro