OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
INCUMPRIMENTO
PRISÃO PREVENTIVA
Sumário

(da responsabilidade do relator):
I - O incumprimento reiterado e injustificado da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica, funda a agravação do estatuto coactivo para prisão preventiva.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.
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AA foi sujeito a prisão preventiva, por agravamento da anterior medida de coacção de obrigação de permanência na habitação (vigiada electronicamente).
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Interpôs o arguido o presente recurso concluindo, após convite e em síntese:
a) O Tribunal a quo alterou a medida de coação para a prisão preventiva, devido às ausências da residência, sem prévia comunicação à DGRSP e/ou injustificadas, e à agravação do perigo de fuga.
b) A defesa não concorda que existam motivos para a agravação da medida de coação.
c) Pois que, o arguido AA erradamente assumiu que o despacho de22 de fevereiro de 2024 lhe permitia ausentar-se para diligências junto de outros tribunais e atos médicos (onde encaixou as deslocações à farmácia para ir buscar medicamentos), podendo à posteriori justificar as faltas verbalmente.
d) Esta falsa convicção do arguido AA teve origem na ideia que criou de que tem um especial relacionamento com as “pessoas da justiça”, que todos os juízes têm igual importância/autoridade (não distinguindo as questões do processo penal) e que é merecedor de especial tratamento, por ter sido ... durante cerca de três décadas (...)
f) Quanto ao eventual agravamento do perigo de fuga, a idade, condição física e financeira do arguido AA, que teve sempre a sua vida e morada concentrada em Portugal, combinado com o facto de, durante a OPHVE, ter sempre regressado livremente à sua habitação, é demonstrativo que aquele não tem intenção ou réstia de pensamentos de fuga ou preparação de fuga.
g) E, por outro lado, a aproximação da data da leitura do acórdão não gera, por si só, o agravamento do perigo de fuga.
h) Não foram indicados factos que evidenciem a preparação para a fuga ou pelo menos uma intenção de o fazer.
i) Por último, quanto ao perigo de continuação da atividade criminosa, apesar de não ter sido especificamente abordado pelo Tribunal a quo, também entendemos que este perigo está enfraquecido.
j) O arguido AA tem a inscrição na ..., como ..., cancelada, na sequência de decisão em processo disciplinar.
k) O arguido AA não poderá executar a função de ... que era a qualidade que lhe permitia ter acesso ao valor monetário da massa insolvente.
l) Pelo que, entende a Defesa que face ao facto de o arguido ter agido em erro, à atenuação dos perigos de fuga e continuação da atividade criminosa é exagerado/desproporcional aplicar a medida de coação de prisão preventiva ao arguido AA.
m) Sendo suficiente/proporcional manter-se a obrigação de permanência em habitação através de vigilância eletrónica, revogando-se o despacho de 22 de fevereiro de 2024, para que todas as futuras saídas da habitação tenham de ser antecipadamente autorizadas pelo Juiz do processo e justificadas à DGRSP.
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O Ministério Público junto da primeira instância pugnou fosse negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida, concluindo a propósito:
“(...) Não se concorda com a manutenção da medida de coacção como o arguido pretende.
4. Na presente data e o julgamento está quase a terminar, os autos permitem concluir, sem quaisquer dúvidas, pela existência de indícios fortes e suficientes da prática, pelo arguido, dos factos descritos na acusação publica, bem como dos elencados pela DGRSP no seu relatório de anomalias e aditamento posterior e de que o arguido foi o seu autor.
5. Perante tal factualidade, concluiu o Tribunal a quo pela clara violação da medida de coacção a que o arguido se encontrava sujeito, de obrigação de permanência na habitação, com fiscalização por meio técnicos de controlo à distância, que reiteradamente o arguido incumpriu (...)
9. In casu, a DGRSP comunicou (em duas ocasiões distintas), os reiterados incumprimentos da medida de coacção aplicada e o desmerecimento do arguido pelas obrigações que sobre si impendiam, para além de ter sido advertido para que cessasse com os comportamentos que comprometiam e violavam a referida medida de coacção, e nos mesmo persistiu.
10. Pretende o arguido fazer crer ter entendido encontrar-se “pré-autorizado” genericamente pelo despacho judicial, a sair da sua habitação para atos judiciais, consultas médicas e tratamentos prescritos por médico e só depois teria de apresentar a justificação à entidade competente, no caso a DGRSP, bastando para tal a sua palavra.
11. A justificação apresentada pelo recorrente não pode colher, pois que, s.m.o., não faz qualquer sentido.
12. Sendo o arguido um cidadão que desenvolveu a actividade de ...durante largos anos, e que continua ligado a essa área, e tendo contactos quase diários, com a justiça e com a polícia, está, seguramente, muito mais alertado para o que significa a obrigação de permanecia na habitação e as consequências do seu incumprimento, ao contrário do que agora quer fazer crer.
13. Enquanto “agente judiciário” ao longo de vários anos, adquiriu conhecimentos na matéria acima do comum dos cidadãos e como tal era expectável que erros de entendimento como os que demonstrou, e vem agora alegar, poderiam ocorrer uma ou duas vezes, no máximo, mas não reiteradamente, ao longo dos meses de Abril, Maio, Junho, quase diariamente, e Julho de 2024 e apesar das inúmeras advertências que a DGRSP fez, bem como o próprio Tribunal.
14. O arguido também faltou à verdade quando tentou justificar algumas dessas saídas sem autorização, como comprovado pelo Tribunal a quo e pela DGRSP.
15. O arguido manteve-se incontactável no período em que se encontrou ausente da habitação sem autorização, desligando o telemóvel (...)
22. O juízo que o Tribunal a quo formulou, perante a ligeireza, destreza e “ausência de qualquer justificação” com que o arguido/recorrente actuou, mais facilmente se conclui que se estiver em liberdade, há sério e concreto perigo de não assumir as suas responsabilidades criminais, tanto mais que o julgamento espera apenas a leitura do acórdão, tendo o arguido bem presente que poderá ser-lhe imposta pena efectiva de prisão, atenta a gravidade dos crimes que estão em causa (sendo certo que já não é a primeira vez que o arguido tem contactos com o sistema de justiça) (...)
24. Ao contrario do que sustenta o recorrente, não há quaisquer elementos no processo que permitam caracterizar as saídas da habitação como singulares, únicas, o que se retira da repetição, bem como dos mais variados motivos apresentados, sendo que alguns desses não se integram naquela “autorização genérica” que agora diz não ter entendido como devia, mas que impunha, sempre, a previa autorização da DGRSP, e permite concluir por uma indiferença do arguido às suas obrigações e faz supor novos e graves incumprimentos, o que só pode ser sustentado com o agravamento das exigências cautelares que levaram à aplicação das medidas de coacção e, consequentemente, da aplicação da prisão preventiva (...)
26. Assim, porque a prisão preventiva é a única medida de coacção adequada, proporcional e suficiente aos fins cautelares exigidos no caso em apreço e porque se verificam todos os demais requisitos exigidos na lei para a sua aplicação, bem andou o Tribunal a quo em sujeitar o arguido à referida medida de coacção.
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Neste Tribunal da Relação, o Ministério Público emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Corridos os vistos, foram os autos à conferência.
Fundamentação.
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A decisão recorrida tem o seguinte teor:
“(...)1. No dia 23.06.2023, foi aplicada ao arguido a medida de coação de prisão preventiva;
2. Por decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, o arguido em 29.12.2023, passou a estar sujeito a medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica.
3. Por despacho proferido em 22-02-2024, foi autorizada a saída do arguido da sua habitação para futuro no processo, para atos judiciais ou diligências policiais, e ainda consultas médicas e tratamentos prescritos por médico, desde que mediante apresentação de atestado médico e em ambos os casos desde que comunicadas à DGRSP nos termos do art.º 6º al. e) da Lei 33/2010 de 2 setembro.
4. O arguido ausentou-se da sua residência nos dias:
- 24-04-2024 das 09:00h às 10:48h, justificou com ida ao médico;
- 25-05-2024 das 09:43h às 11:46h, justificou com ida ao escritório e ao Tribunal;
- 26-05-2024 das 08:46h às 09:43h, justificou com ida ao escritório e ao Tribunal;
- 01-06-2024 das 10:50h às 12:44h, justificou com ida à farmácia por indicação do médico;
- 02-06-2024 das 11:03h às 11:14h, justificou com ida à farmácia, por causa das vacinas de vitamina D;
- 04-06-2024 das 09:07h às 16:06h, justificou com ida à Polícia Judiciária e à farmácia;
- 06-06-2024 das 11:05h às 11:47h, justificou com ida à P.S.P de ...;
- 08-06/2024 das 10:26h às 11:30h, justificou com ida à farmácia;
- 13-06-2024 das 10:38h às 23:01h, justificou com ida a dois Tribunais (Loures e ...) no âmbito de outro processo e depois foi falar com pessoas relacionadas com o mesmo processo;
- 14-06-2024 das 11:34 às 23:08, justificou com ida ao Tribunal de ...;
- 20-06-2024 das 09:08h às 13:23h e das 15:34h às 16:03h, justificou com ida ao médico e à farmácia, respetivamente.
3. Todas as ocorrências supra descritas ocorreram sem articulação prévia com a DGRSP, e nunca foi remetido qualquer documento comprovativo das aludidas saídas;
4. No dia 27-05-2024, foi concedida a AA autorização para sair da sua habitação às 09:00h, para comparecer numa diligência processual no Tribunal de Loures. No entanto, o arguido saiu mais cedo, às 08:33h, apenas tendo regressado à sua habitação às 16:11h, não tendo apresentado qualquer justificação para o regresso tardio.
5. No dia 17-06-2024, foi concedida a AA autorização de ausência da habitação às 08:40h para comparecer na diligência processual agendada no presente processo, tendo aquele apenas regressado às 22:24h, mantendo-se incontactável e não tendo apresentado qualquer justificação para o regresso tardio.
6. A diligência nos presentes autos, em 17-06-2024, iniciou-se pelas 10h00, e terminou pelas 11h24.
7. O Juízo Central Criminal de Loures, sito na Rua Professor Afonso Costa em Loures, dista 5,5 km, da habitação do arguido sita na ....
8. O arguido foi alvo de advertências por parte da DGRSP não alterando o seu comportamento;
9. Na sessão de julgamento ocorrida no dia 24-06-2024, o arguido foi advertido de que as saídas da sua habitação têm de ser comunicadas e autorizadas pelo Tribunal.
10. No dia 26-06-2024 o arguido saiu da sua habitação das 10h26 às 16h35 e das 16h53 até às 21h56:
- No que respeita à primeira saída o arguido justificou a sua saída, remetendo um e-mail pelas 15h14, com a realização de uma audiência de julgamento no Juízo de Comércio de Vila Franca de Xira pelas 9h30, sem comunicar previamente à DGRSP;
- A segunda saída o arguido não apresentou qualquer justificação;
11. No dia 03.07.2024, o arguido saiu da sua habitação pelas 11h34, tendo sido realizadas várias tentativas de contacto, contudo o arguido manteve-se incontactável com o número de telemóvel desligado;
12. Só pelas 12h32 é que a DGRSP recebeu um e-mail com uma declaração a informar que o arguido tinha sido notificado para comparecer nesse dia, pelas 14h00 na PSP em Lisboa, e remeteu o ofício com notificação (...)
Os autos indiciam, então, fortemente, a prática pelo arguido em autoria material e na forma consumada de um crime um crime de peculato, p. e p. pelo artigo 375.º, n.º 1, com referência aos artigos 26.º, 30.º, n.º 2 e 386.º n.º 1, al. c), todos do Código Penal, um crime de branqueamento, p. e p. pelos artigos 26.º, 30.º, n.º 2, e 368.º-A, n.ºs 1, al. k), 2, 3 e 8 do Código Penal, com referência ao art. 4.º, n.º 1, al. f) da Lei 83/2017, de 18 de agosto e um crime de ameaça agravada, p. e p. 153.º, n.º 1, 155.º, n.º 1, al. a), com referência ao art. 131.º, todos do Código Penal.
No presente interrogatório, o arguido prestou declarações, no mais confirmou conforme já fez em todo o processo os factos imputados na acusação com exceção daqueles que se referem à alegada ameaça a BB, e em relação ao incumprimento da medida de coação refere que ia ao escritório quase sempre ver papeis, e ia à farmácia muitas vezes e ao médico que era perto de sua casa, sem qualquer pudor ao facto de estar a cumprir uma medida de coação privativa da liberdade. Mais, quando confrontado com o facto de ter sido advertido no dia 24 de junho em audiência de julgamento, de que não podia sair sem autorização, o mesmo no dia 26 de junho saiu e deu a justificação de ter ido a um julgamento que afinal veio a referir que foi adiado e está marcado para amanhã. No mais tal informação é do conhecimento funcional deste tribunal, que verificou que desde 18.06.2024 o julgamento está adiado para dia 5 de julho de 2024. Das suas declarações verifica-se que o arguido mentiu à DGRSP relativamente à saída de dia 26 de junho uma vez que não foi a nenhum julgamento e não apresentou qualquer justificação para a sua saída. Quando confrontado com as chegadas tardias, ocorridas em junho de 2024, o mesmo não apresentou justificação e chegou a dizer que tinha vindo do tribunal, o que não se compadece com chegadas à habitação às 23h00, atendendo a que o mesmo reside em ... e os Tribunais se localizam em Loures e ..., que distam a menos de 30 km.
Assim, a convicção do tribunal subjacente à factualidade fortemente indiciada fundamenta-se na análise conjugada do acervo probatório já reproduzido em audiência de julgamento em especial a confissão dos factos por parte do arguido e bem assim toda a documentação junta aos autos. Em relação às saídas da habitação, o Tribunal atendeu ao teor das informações da DGRSP, já que as declarações do arguido em nada vieram justificar as suas ausências.
Atendendo à moldura penal dos crimes em apreço, poderão ser aplicadas todas as medidas de coação, incluindo a prisão preventiva.
A aplicação das medidas de coação, com a exceção do T.I.R, deve salvaguardar os princípios constantes do n.º 1 art.º 193º do CPP, da necessidade, adequação e proporcionalidade, as medidas de coação "devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicada" sendo que, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coação.
Para a aplicação de medida de coação diferente do TIR, terá de se avaliar se existem alguns dos perigos previstos no art.º 204º do CPP nomeadamente se atendendo aos factos indiciados e tipos de ilícitos em causa se existe fuga ou perigo de fuga; Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.
Foi aplicada ao arguido a medida de coação de prisão preventiva por se verificarem os perigos enunciados no artigo 204º, alíneas a), b) e c) do Código de Processo Penal.
Tal decisão foi objeto de recurso, tendo o douto Tribunal da Relação de Lisboa confirmado a existência dos aludidos perigos, apesar de considerar que o arguido poderia, caso se verificassem as condições, cumprir a medida na sua habitação. Nesse sentido, foi alterada a medida de prisão preventiva para obrigação de permanência na habitação.
A medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica (abreviadamente designada como de OPHVE) é a segunda mais gravosa no leque das medidas de coação taxativamente previstas pela nossa legislação penal e cuja constitucionalidade deriva do facto de ser um "minus" relativamente à prisão preventiva (a mais restritiva do direito fundamental à liberdade ambulatória e consentida, expressamente, nos art.ºs 27º, nº 3, al. b), e 28º da Constituição da República Portuguesa).
A OPHVE pressupõe que o arguido fique obrigado a permanecer na habitação, podendo ser autorizado a sair da sua residência.
Esta possibilidade de autorização para sair/ausentar-se da habitação constitui uma exceção, aquando da sua execução e, como tal, só justificada por razões/motivos excecionais, ponderosos e pontuais — tais como, para consultas ou tratamentos médicos imprescindíveis.
Por isso, uma regular ausência do arguido quer para estudar fora de casa e/ou quer para desempenhar uma atividade profissional fora de casa, quer para ir à farmácia ou ao supermercado, não se enquadram naquelas justificações pontuais, de curta duração, excecionais, anormais, ponderosas e de muita importância ou gravidade.
A natureza e a forma de execução da OPHVE não se compaginam com as pretendidas saídas ou ausências do arguido que enfraqueceriam o carácter cautelar desta medida de coação, esvaziariam grande parte do seu conteúdo e finalidades, desvirtuando parte da sua essência detetiva cautelar.
Nos termos do art.º 203º do CPP:
"1 - Em caso de violação das obrigações impostas por aplicação de uma medida de coacção, o juiz, tendo em conta a gravidade do crime imputado e os motivos da violação, pode impor outra ou outras medidas de coacção previstas neste Código e admissíveis no caso.
2 - Sem prejuízo do disposto nos n. os 2 e 3 do artigo 193.", o juiz pode impor a prisão preventiva, desde que ao crime caiba pena de prisão de máximo superior a 3 anos.
a. Nos casos previstos no número anterior; ou
b. Quando houver fortes indícios de que, após a aplicação de medida de coacção, o arguido cometeu crime doloso da mesma natureza, punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos."
No caso em apreço, considera-se que os perigos que já estiveram na origem da aplicação da medida de coação ainda se mantêm com uma agravação do perigo de fuga, já que o arguido não acata a medida de coação que lhe foi aplicada, sendo a mesma privativa da liberdade, não obstante, sai da sua habitação quando quer, durante o tempo que pretende, agindo em completa impunidade. Veja-se que no dia da sessão de audiência de julgamento ocorrida em 17.06.2024, a mesma terminou no período da manhã e o arguido apenas regressou a casa pelas 22h00, sendo que o tribunal dista a 15 minutos da habitação. O arguido ausenta-se da sua habitação com a justificação de que tem de ir à farmácia ou ao seu escritório, encontrar-se com clientes, com uma completa despreocupação das consequências da sua saída.
Fora as outras situações em que o arguido não pede autorização prévia à DGRSP, ou lhe faz qualquer comunicação antes ou depois, nomeadamente remetendo atestados médicos das consultas ou informando que diligências a que se desloca. É certo que lhe foi dada uma autorização de saída genérica, mas consta dessa autorização que a mesma deve ser comunicada com pelo menos 3 dias de antecedência à DGRSP, para que esta comunique ao Tribunal. O arguido foi advertido na sessão de audiência de julgamento no dia 24.06.2024, e ainda assim, ausentou-se da sua habitação no dia 26.06.2024, sem avisar a DGRSP, tendo depois referido ter ido a uma diligência que não se realizou, e depois de regressar a casa voltou a sair pelas 16h53 e regressou apenas às 21h56, o que não poderá ter qualquer justificação, atendendo as horas de regresso. Fora as outras saídas com regresso tardio, sem justificação.
A única forma, que se bem vemos, de debelar eficazmente estes riscos não se compadece com a manutenção do arguido adstrito à medida de coação de obrigação da permanência na habitação, dado que a mesma não é cumprida pelo arguido, e este age como se estivesse em liberdade e não sujeito a uma medida privativa da liberdade.
Existe nos autos uma clara violação da medida de coação aplicada ao arguido, conforme dispõe o art.º 203º n.º 1 do CPP a mesma deve ser agravada.
Por outro lado, os perigos que estiveram na base da aplicação da medida de coação mantém-se agora com maior grau, que o julgamento já terminou e está a aguardar decisão, e o arguido se encontra a incumprir a medida de coação, ausentando-se da sua residência e assim aumentando o perigo de fuga que já não é possível debelar com a medida que lhe foi aplicada.
Perante a gravidade dos crimes indiciados e os perigos referidos em lugar próprio, afigura-se ao Tribunal que neste momento só a medida de coação de prisão preventiva se mostra adequada a remover os mencionados perigos, sendo ainda proporcional à possível pena caso venha a ser condenado (artigos 204º al a), b) e c), 203º e 202º al a) do CPP).”
Cumpre apreciar.
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Atendendo às conclusões apresentadas é questão única a resolver a suficiência da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação anteriormente aplicada ao arguido.
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Os factos são eloquentes no sentido do incumprimento pelo arguido da medida de coacção a que se encontrava sujeito.
As explicações (muito tardiamente apresentadas) reforçam isso mesmo, já que a versão do mal entendido e pretensão de tratamento de favor, para além daquela não merecer qualquer crédito à luz das mais elementares regras de experiência comum, revelam do desejo claro de incumprir aquela medida de coacção, do mesmo passo que impõem o respectivo agravamento, tal como decidido pelo tribunal recorrido e ao abrigo dos preceitos legais convocados, quer pela correspondente decisão (que se mostra lapidar, também na escolha da medida apta a atalhar aos incumprimentos e perigos que evidencia) quer ainda pelo que os demais intervenientes verteram nos autos.
Consequentemente, improcede o recurso.
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Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando na íntegra a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em três UC.
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Lisboa, 24 de Setembro de 2024
Manuel Advínculo Sequeira
Ester Pacheco dos Santos
Sandra Oliveira Pinto