PRESCRIÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
CONTRADIÇÃO INSANÁVEL
Sumário

(da responsabilidade da relatora):
I - Embora o Tribunal o não diga expressamente, ao apreciar e concluir pela existência de crime, em função de todos os factos provados, inclusive dos factos que no entender dos arguidos evidenciam a sua qualificação como contraordenação, o tribunal acabou por afastar a prescrição do procedimento contraordenacional invocada pelos arguidos. Não teria, aliás, qualquer efeito útil que, depois de concluir pelo preenchimento de crime, o tribunal fosse conhecer da prescrição relativamente a uma realidade jurídica que considerou não se verificar.
II - Assim, concordando-se ou não com as conclusões alcançadas pelo tribunal recorrido quanto à qualificação jurídico-penal dos factos provados que fixou, há que concluir que a sentença recorrida não padece de omissão de pronúncia, nos termos para tal considerados na alínea c) do n.º1 do art.º 379.º do C.P.P., quanto à questão da prescrição das alegadas contraordenações.
III - O vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão respeita, antes de mais, à fundamentação da matéria de facto, mas pode respeitar, também, à contradição na própria matéria de facto (entre a matéria de facto provada ou entre os factos provados e os não provados), ou entre a fundamentação e a decisão. Esta última (contradição insanável “entre a fundamentação e a decisão”) não se refere à contradição entre matéria de facto assente como provada e a subsunção ao direito que depois foi feita desses factos, mas antes à contradição entre a fundamentação da convicção e a decisão dada ao caso em termos de matéria de facto assente como provada e não provada.
IV - Não existindo qualquer suporte documental ou contabilístico da atribuição dos rendimentos da sociedade ao arguido, por conta dos seus lucros, que o arguido foi afectando, em cada um dos anos em causa ao seu próprio proveito, não houve qualquer acto gerador da obrigação de retenção de imposto sobre esses valores e da consequente obrigação de o arguido os declarar anualmente perante o Fisco e pagar o imposto correspondente, sobre os capitais que foi recebendo ao longo desses anos.
V - O único acto gerador do pagamento de imposto ao Estado foi, como é assinalado na decisão recorrida, a deliberação da sociedade, em 15/12/2012, mediante a qual se procedeu à distribuição pelos sócios de resultados transitados no valor de 650.000€ (seiscentos e cinquenta mil euros), independentemente de tais resultados terem sido ou não efectivamente distribuídos nessa data, sendo certo que, resulta como inquestionável da matéria de facto provada o seu efectivo recebimento pelo arguido e a sua afectação em proveito próprio e da sociedade.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - Relatório
1. No processo comum, com intervenção de tribunal singular, supra identificado, foi proferida sentença, a 3 de Maio de 2023, mediante a qual se decidiu: (transcrição do respectivo dispositivo)
a. Condenar a arguida ... pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 7.º, n.º 1, 8.º, n.º 3, 103.º n.º 1, al. b) e 104.º n.ºs 1 e 2, al. b) do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de 560 (quinhentos e sessenta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), perfazendo um total de €2.800,00 (dois mil e oitocentos euros);
b. Condenar o arguido AA pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103.º n.º 1, al. b) e 104.º n.ºs 1 e 2, al. b) do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão;
c. Suspender a pena de 2 anos e 3 meses de prisão aplicada ao arguido AA por igual período, com a condição de o arguido proceder ao pagamento à Autoridade Tributária em igual prazo, o valor de €15.000,00 (quinze mil euros), devendo demonstrar, no primeiro ano após o trânsito em julgado, o pagamento da quantia de, pelo menos, €7.000,00 (sete mil euros) e, até ao segundo ano após o trânsito em julgado do pagamento de pelo menos mais €7.000,00 e o remanescente €1,000,001 até ao termo da suspensão;
d. Condenar cada um dos arguidos em taxa de justiça que se fixa em 2 (duas) UC, e nas custas do processo na vertente criminal.
e. Julgar totalmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido pelo Ministério Público em representação do Estado Português e, em consequência, condenar, solidariamente, os arguidos ... e AA a pagar àquele a quantia de €182.000,00 (cento e oitenta e dois mil euros) a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa civil desde a citação até efectivo e integral pagamento;
f. Custas cíveis pelos demandados na proporção dos respectivos decaimentos.
2. Os arguidos interpuseram recurso da sentença, nos termos da motivação junta aos autos, da qual extraem as seguintes conclusões (transcrição, sem as notas de rodapé):
a. No âmbito da sentença recorrida, o Tribunal a quo condenou os RECORRENTES pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103.º n.º 1 alínea b) e 104.º n.ºs 1 e 2 alínea b) ambos do RGIT e no pagamento solidário da indemnização peticionada pelo MP, no montante de EUR. 182.000,00, acrescido de juros de mora, desde a citação e até efetivo e integral pagamento;
b. Nos artigos 89.º a 101.º da contestação apresentada, a fls. (...), com a referência CITIUS 44586966, e em desenvolvimento do que haviam alegado anteriormente nos respetivos artigos 50.º a 88.º, os RECORRENTES submeteram à análise do Tribunal a quo uma concreta questão jurídica controvertida: a exceção perentória de prescrição do procedimento contraordenacional;
c. E invocaram-na porque os montantes auferidos/utilizados pelo RECORRENTE AA, no período compreendido entre 1998 e 2012, constituíam adiantamentos por conta de lucros, estando sujeitos a retenção na fonte, a título definitivo, no momento do seu pagamento ou da sua colocação à disposição, e dado que o valor do IRS que devia ter sido retido em cada mês, por declaração/guia de retenção na fonte, era inferior a EUR. 15.000,00, a descrita conduta não constituiria crime, mas sim contraordenação, com um prazo máximo de prescrição do procedimento contraordenacional de 7 anos e meio que está ultrapassado (cfr. artigos 5.º n.º 2 alínea h), 7.º n.º 3 alínea a) n.º 2, 71.º n.º 1 alínea c) e 101.º n.º 8 2.ª parte todos do Código do IRS e artigos 5.º n.º 1 e 33.º n.º 1 ambos do RGIT e artigo 120.º n.º 3 do CP, ex vi do artigo 30º alínea b) e do artigo 41.º do RGCO);
d. Pese embora o Tribunal a quo tenha identificado a questão jurídica controvertida no Relatório da sentença recorrida, não deu resposta a essa questão jurídica;
e. O artigo 608.º n.º 2 do CPC, ex vi do artigo 4.º do CP, impõe ao juiz o dever de se pronunciar e resolver todas as questões jurídicas controvertidas que as partes tenham submetido à sua apreciação, sendo que a omissão de pronúncia sobre essas questões tem como cominação legal a nulidade da decisão proferida (cfr. artigo 379.º n.º 1 alínea c) do CPP);
f. Como o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a exceção perentória de prescrição, conclui-se assim pela violação, na sentença recorrida, do disposto no artigo 608.º n.º 2 do CPC, ex vi do artigo 4.º do CPP, devendo a mesma ser declarada nula por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 379.º n.º 1 alínea c) do CPP; Não obstante, por dever de patrocínio, importa reiterar sobre esta matéria o seguinte:
g. É inquestionável, por tal decorrer dos extratos bancários juntos aos autos e dos depoimentos das testemunhas BB, CC e DD, e, nessa medida, sido dado como provado pelo Tribunal a quo que o valor de EUR 650.000,00 não foi recebido pelo RECORRENTE AA em 15 de dezembro de 2012 nem em data posterior, tendo antes sido sucessivamente utilizado e colocado à sua disposição e da sua família entre 1998 e 2012 (cfr. factos n.ºs 21 e 22 da matéria de facto provada);
h. Os valores periodicamente disponibilizados/utilizados pelo RECORRENTE AA qualificam-se fiscalmente como rendimentos tributáveis em sede de IRS, na respetiva categoria E, constituindo adiantamentos por conta de lucros, e sujeitos a retenção na fonte, a título definitivo, no momento do seu pagamento OU colocação à disposição (cfr. artigos 5.º n.º2 alínea h), 7.º n.º 3 alínea a) n.º 2, 71.º n.º 1 alínea c) 101.º n.º 8 2.a parte todos do Código do IRS);
i. O IRS que deveria ter sido retido na fonte a cada valor periodicamente disponibilizado/utilizado pelo RECORRENTE AA em cada período (mês), e por declaração/guia de retenção na fonte, é sempre inferior a EUR 15.000,00, o que significa que a conduta cuja prática é imputada aos RECORRENTES não constitui crime (cfr. artigo 103 n.º 2 e 3 do RGIT);
j. Pelo facto de estas condutas não constituírem crime, mas podendo, ainda assim, ser configuradas/qualificadas como contraordenações tributárias, p. e p. pelo artigo 114.º n.º 1 do RGIT, estas (potenciais) condutas ilícitas prescreveram porque logo que sobre a prática do facto tenha decorrido o prazo máximo de prescrição de sete anos e meio (cfr. artigos 5.º n.º 1 e 33.º n.º 1 ambos do RGIT e artigo 120.º do CP, ex vi do artigo 3.º alínea b) do RGIT e do artigo 41.º do RGCO);
k. Como a infração praticada há mais tempo pelos RECORRENTES foi em 21 de janeiro de 1999, ao passo que a praticada há menos tempo foi em 21 de janeiro de 2013, significa que, quanto àquela, prescreveu em 20 de julho de 2006, ao passo que, quanto à infração mais recente, a qual recorde-se foi praticada em 21 de janeiro de 2013, esta prescreveu em 20 de julho de 2020;
l. E se, portanto, as (potenciais) infrações tributárias prescreveram nos termos descritos, dúvidas não restam que a ata da assembleia geral de 15 de dezembro de 2012 não tem a virtualidade de repristinar uma situação estabilizada pelo decurso do tempo, pela simples razão que a ata não integra o elemento do tipo legal de crime de fraude fiscal;
m. Devendo, assim, reconhecer-se que a conduta pela qual os RECORRENTES foram condenados não constitui crime, declarando-se, subsequentemente, a prescrição das potenciais infrações tributárias cuja prática lhes pudesse vir a ser imputada e, nessa medida, revogar-se a sentença colocada em crise, por errada interpretação pelo Tribunal a quo dos artigos 33.º n.e 1 do RGIT e 120.º n.º 3 do CP, ex vi do artigo 3.º alínea b) do RGIT e do artigo 41.º do RGCO, e proferir uma nova decisão que absolva os RECORRENTES;
n. Por outro lado, pode ler-se na sentença recorrida, e no capítulo relativo à fundamentação de facto, que o Tribunal a quo deu como provado que os RECORRENTES tiveram a intenção de apenas lançar contabilisticamente a distribuição de lucros em 2018, após o decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação, com o propósito (concretizado) de não pagar o imposto devido ao Estado (cfr. pontos 6) e 7) dos factos dados como provados);
o. E em simultâneo, o mesmo Tribunal a quonão provado que os RECORRENTES atuaram dessa forma - isto é, apenas lançaram contabilisticamente a distribuição de lucros em 2018 - porque já tinha decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária e assim não pagar e entregar o imposto devido ao Estado (cfr. alíneas A) e B) dos factos dados como não provados);
p. Por conseguinte estamos perante um vício de contradição insanável da fundamentação, o qual assenta: “(...) em contradições que resultam do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. (...). Portanto, o vício da «contradição insanável da fundamentação» só existirá, quando, perante a mesma análise global e de acordo com o mesmo tipo de raciocínio, seja de concluir que a fundamentação em análise, justifica uma decisão precisamente oposta ou no mínimo não concordante com a tomada.
q. Para a correta apreciação e decisão pelo Tribunal ad quemdo apontado vício de contradição insanável da fundamentação, deverá ser tida em consideração a jurisprudência fixada pelo TRC porque este Tribunal decidiu que este vício está verificado quando se dá simultaneamente como provado que os arguidos agiram de modo livre, deliberado e consciente e, como não provado, que esses mesmos arguidos agiram com o intuito de prejudicar o património do lesado;
r. Ora, a situação factual contraditória denunciada pelos RECORRENTES tem na sua essência factos lógica e racionalmente contrários e opostos entre si e que se negam entre si, sendo que esta contradição não pode ser ultrapassada recorrendo à sentença recorrida ou às regras da experiência comum, o que implicará, por conseguinte, que se faça apelo e se lance mão do princípio in dubio pro reo;
s. Assim, deverá a sentença recorrida ser revogada, por vício de contradição insanável da fundamentação, por violar o artigo 410.º n.º 2 alínea b), l.ª parte, do CPP, o que, que nos termos do disposto no artigo 426 n.º 1 do CPP, determina que seja proferida nova decisão absolvendo os RECORRENTES, com fundamento no princípio in dubio pro reo
t. Para além do apontado vício, entendem os RECORRENTES que a sentença recorrida enferma de outro vício e que se consubstancia numa contradição insanável entre a fundamentação e a decisão:
u. Se o Tribunal a quo dá como não provado que os RECORRENTES tiveram a intenção - o dolo - de atuar dessa forma (de apenas lançarem contabilisticamente a distribuição de lucros em 2018 porque já tinha decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária e assim não pagar e entregar o imposto devido ao Estado - cfr. alíneas A) e B) dos factos dados como não provados), não pode considerar, na respetiva decisão, que os RECORRENTES atuaram de forma dolosa e condená-los pela prática de um crime que exige uma conduta dolosa;
v. O vício de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão está preenchido sempre que: “(...) entre a fundamentação e a decisão existir outro tipo de relacionamento que não seja aquele que existe entre as premissas e a respetiva conclusão, i.é., puro silogismo lógico. Portanto, (...) o vício da «contradição insanável da fundamentação e da decisão» só existirá, quando, perante a mesma análise global e de acordo com o mesmo tipo de raciocínio, seja de concluir que a fundamentação em análise, justifica uma tomada de posição precisamente oposta ou no mínimo não concordante com a tomada. (.. .).";
vi. Perante o exposto, por se verificarem posições antagónicas e inconciliáveis entre a fundamentação (factos dados como não provados) e a decisão, nada mais resta, e que, em consequência, seja revogada a sentença colocada em crise, por vício de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, em clara violação do artigo 410.º n.º 2 alínea b), 2.ª parte, do CPP, e que, que nos termos do disposto no artigo 426 n.º 1 do CPP, seja proferida nova decisão, absolvendo os RECORRENTES;
x. Acresce que, no que diz respeito ao tipo e em particular ao elemento subjetivo do crime pelo qual os RECORRENTES foram condenados, conclui-se que se trata de um crime doloso, o qual pode ser praticado sob qualquer uma das formas/modalidades desta categoria de culpa;
(y) Sucede que, sendo um crime doloso o Tribunal a quo na sentença recorrida não logrou demonstrar de forma manifesta e sem sombra de dúvida, que os RECORRENTES atuaram de forma efetivamente dolosa, sendo que, tal circunstância - a atuação dolosa dos RECORRENTES - nem sequer resulta de forma clara e evidente da matéria de facto dada como provada e não provada;
(z) Com efeito, tendo presente as diversas contradições assinaladas e denunciadas pelos RECORRENTES nas presentes Alegações de Recurso, seja entre a fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, dúvidas não restam que os RECORRENTES não atuaram de forma dolosa e intencional;
(aa) Por outras palavras, dos autos não resultam indícios suficientes para que se possa imputar aos RECORRENTES, indubitavelmente, o elemento subjetivo do tipo legal do crime de fraude fiscal, isto é, o dolo;
(bb) E não resultando efetiva e cabalmente preenchido e provado o elemento subjetivo do tipo legal do crime de fraude fiscal, nada mais restará do que revogar a sentença colocada em crise, por erro de aplicação e de julgamento da matéria de direito, em clara violação do artigo 103.º n.º 1 do RGIT e do artigo l27.º do CPP, e que, que nos termos do disposto no artigo 426 n.º 1 do CPP, seja proferida nova decisão, absolvendo os RECORRENTES, com fundamento no princípio in dubio pro reo,
(cc) Quanto ao pedido de indemnização civil, e tal como decorre do artigo 129.º do CP, é indubitável que o pedido formulado em sede criminal se funda na responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, prevista nos artigos 483º e seguintes do Código Civil, e terá necessariamente por objeto e, por conseguinte, como causa de pedir, os factos constitutivos da prática de um crime;
(dd) Isto significa que os factos geradores do direito à indemnização por perdas e danos emergentes de crime têm de ser exatamente os mesmos que justificam a responsabilização criminal do seu agente, pelo que importa, por isso, percorrer os respetivos pressupostos e apurar se os mesmos estão, ou não, preenchidos e verificados, percurso que o Tribunal a quo fez de forma insatisfatória e insuficiente;
(ee) No que diz respeito ao pressuposto relativo ao “facto”, o MP sustenta o pedido de indemnização que formulou na seguinte factualidade: Os RECORRENTES deliberaram em 15 de dezembro de 2012 a distribuição de resultados transitados no valor de EUR. 650.000,00, sendo que não procederam à retenção na fonte do IRS devido, no valor de EUR. 182.000,00, nem à sua entrega nos cofres do Estado, até ao dia 20 de janeiro de 2013, tendo apenas lançado contabilisticamente esta distribuição decorridos 5 anos, com o propósito de obstar ao pagamento da prestação tributária devida ao Estado;
(ff) Por seu turno, e conforme resulta da sentença recorrida, o Tribunal a quo considerou que este pressuposto estava preenchido da seguinte forma: Na ocultação pelo RECORRENTE AA de valores, os quais deveríam ter sido declarados ao Estado e o IRS retido na fonte e entregue à Fazenda Nacional até 20 de janeiro de 2013, na sequência de deliberação tomada em 15 de dezembro de 2012, tendo-o feito propositadamente apenas em 30 de abril de 2018, após o decurso do prazo de liquidação;
(gg) Contudo, o Tribunal a quo errou na concretização/delimitação/identificação deste pressuposto porque deu como efetivamente provado que o RECORRENTE AA não recebeu em 15 de dezembro de 2012 - data considerada pelo MP no pedido de indemnização civil-, nem em data posterior, qualquer valor, mas antes, entre 1998 e 15 de dezembro de 2012, o que foi confirmado pelas testemunhas BB, CC e DD e pelos extratos bancário juntos aos autos (cfr. factos n.ºs 21 e 22 da matéria de facto dado como provada e depoimentos respetivamente gravados no ficheiro informático com o título “20230412105224_20511408_2871160”, com início aos 14m40s e fim aos 15m54s, no ficheiro informático com o título “202304121134444_20511408_2871160”, com início aos 15m40s e fim aos 17m52s e no ficheiro informático com o título “20230412143038_20511408_2871160”, com início à 1hl3m00s e fim à lh10m10s e com início à 1h28m06s e fim à 1h29m03s);
(hh) E, assim sendo, forçoso será concluir que não se verificou qualquer enriquecimento do Recorrente AA nessa data (15/12/2012), nem mais tarde, e, portanto, nenhum aumento da sua capacidade contributiva, nos exatos termos configurados pelo MP no pedido de indemnização civil;
(ii) Ora, como o que é tributado em IRS é o acréscimo patrimonial efetivo e, por conseguinte, o rendimento real concretamente obtido pelos contribuintes, se não se verifica qualquer acréscimo patrimonial, não há obviamente lugar a retenção na fonte sobre rendimentos inexistentes, como confirmado pelo TCAS e se pode ler, que: “(...). O substituído é o titular da capacidade contributiva que preencheu o facto tributário com o incremento patrimonial decorrente do prémio auferido. Assim, se o titular da capacidade contributiva não pratica qualquer facto tributário nem beneficia de qualquer acréscimo patrimonial, não há lugar à intervenção do substituto mediante retenção na fonte.”.
(jj) Por conseguinte, estando cabalmente provado nos presentes autos que o Recorrente AA não só não recebeu, nem lhe foi colocado à disposição qualquer montante, a título de dividendos, no valor de EUR. 650.000,00, em 15 de dezembro de 2012 ou em data posterior, não se verificou a ocultação de qualquer montante e nessa medida não se encontra, preenchido nem verificado o pressuposto do “facto” que constitui a causa de pedir do pedido de indemnização civil, tal como esta foi definida e delimitada pelo MP.
(kk) Quanto ao pressuposto relativo à “ilicitude”, não se verifica a ilicitude apontada pelo MP no pedido de indemnização civil porque a conduta imputada aos Recorrentes não constitui crime, mas antes contraordenação, porque a vantagem patrimonial ilegítima obtida, por cada declaração/guia de retenção na fonte a apresentar em cada mês, é, em cada um desses meses, inferior a EUR. 15.000,00.
(ll) Assim, dúvidas não restam de que o facto cuja prática é imputada ao RECORRENTE AA não integra/reveste a ilicitude assacada pelo MP, o que significa que não se encontra preenchido nem verificado o pressuposto da ilicitude e que constitui assim a causa de pedir do pedido de indemnização civil, tal como foi configurada e delimitada pelo MP:
(mm) Quanto ao pressuposto relativo à “culpa, e tal como foi configurado pelo MP no pedido de indemnização civil também não se encontra preenchido.
(nn) Com efeito, o Tribunal a quo dá como provado, por um lado, que se verificou o lançamento contabilístico da distribuição de lucros em 30 de abril de 2018, mas, e por outro lado, que o RECORRENTE AA não atuou com o propósito, isto é, com a intenção, de não pagar o imposto devido à Fazenda Nacional, como também não atuou motivado ou como tendo querido e representado não lançar contabilisticamente a distribuição de lucros, após o decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação, com o propósito de não pagar o imposto;
(oo) Significa, conjugadas todas estas circunstâncias, que não está efetivamente demonstrada a culpa dos Recorrentes, e, portanto, o seu dolo, e que, portanto, os RECORRENTES tenham tido qualquer intenção dolosa de não pagar o imposto;
(pp) E não estando cabalmente provada a culpa dos RECORRENTES na modalidade de dolo, seja qual for a sua categoria e não tendo sido invocado pelo MP no seu pedido de indemnização civil qualquer elemento ou facto suscetível de abranger a negligência, conclui-se, por isso, que não se encontra preenchido nem verificado o pressuposto da “culpa” e que constitui a causa de pedir do pedido de indemnização civil, tal como esta foi definida e delimitada pelo MP;
(que) No que respeita ao quarto pressuposto - o dano - o MP, na acusação e no pedido de indemnização civil, e o Tribunal a quo, na sentença colocada em crise, consideram que este pressuposto está verificado porque a RECORRENTE ..., ao não ter retido na fonte, à taxa liberatória de 28%, o IRS incidente sobre o valor de EUR. 650.000,00, (supostamente) distribuído em 15/12/2012 ao RECORRENTE AA terá provocado (alegadamente) um dano, no valor de EUR. 182.000,00;
(rr) Resulta dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo, sendo, por isso, indubitável, que o RECORRENTE AA não recebeu na data de 15/12/2012, nem em data posterior, o valor (supostamente) distribuído (cfr. factos 21 e 22 da matéria dada como provada);
(ss) Por não se ter verificado nessa data, nem em data posterior, nenhum aumento efetivo da capacidade contributiva e, por conseguinte, um real acréscimo patrimonial na esfera do RECORRENTE AA, a RECORRENTE ... não poderia (por impossibilidade de objeto) ter procedido a qualquer retenção na fonte em sede de IRS (cfr., neste sentido, o acórdão do TCAS datado de 11 de março de 2021, proferido no processo n.º 1588/10.3BELRS e disponível em www.dgsi.pt):
(tt) Não se verificando o facto (ilícito), isto é, o crime, tal como foi configurado e delimitado, de forma precisa, pelo MP na acusação e que serve de causa de pedir ao pedido de indemnização civil, terá forçosamente de se concluir que não se produziu o dano em concreto descrito, quantificado e peticionado pelo MP;
(uu) Em suma, não existe o dano nos precisos termos configurados e peticionados pelo MP, isto é, este dano em concreto, os EUR. 182.000,00. A existir um dano, sem conceder, o mesmo ocorreu no passado (antes de 2012) e este eventual dano passado não foi peticionado pelo MP neste processo;
(vv) Com efeito, não se verificando o indicado dano em concreto, não existe, por conseguinte, qualquer obrigação de os RECORRENTES indemnizarem, como é confirmado pelo STJ, e se pode ler: “(…) Por outro lado, dada a sua função essencialmente reparadora ou integrativa, o instituto da responsabilidade civil está sempre submetido aos limites da eliminação do dano, o que significa que, inexistindo estes, inexiste obrigação de indemnizar (art.º 483.º do CC). Portanto, nunca pode haver condenação cível, em processo penal, quando não se provara existência do dano invocado pelo autor do respetivo pedido. (,,.).”
(ww) Portanto, como não se verificou o dano era concreto, tal como configurado pelo MP na acusação e, por conseguinte, no pedido de indemnização civil, nada mais resta concluir que também não se encontra preenchido nem verificado o pressuposto do “dano” e que constitui a causa de pedir do pedido de indemnização civil, tal como esta foi definida e delimitada pelo MP:
(xx) Por último, e entrando na análise do quinto e último pressuposto - o nexo de causalidade entre o facto e o dano - o MP, na acusação c no pedido de indemnização civil, e o Tribunal a quo, na sentença colocada em crise, consideram que o facto em causa (tal como configurado pelo MP) foi apto a produzir o dano (tal como apurado e calculado pelo MP);
(yy) Portanto, tendo sempre por base a causa de pedir do pedido de indemnização civil, o MP considera que existe uma ligação entre o ato lesivo do RECORRENTE AA e o dano (em concreto) sofrido e peticionado pelo MP no pedido de indemnização civil (EUR. 182.000,00);
(zz) Contudo, também este pressuposto da responsabilidade civil não se encontra preenchido;
(aaa) E não está preenchido porque se é dado como provado pelo Tribunal a quo que o montante de EUR. 650.000,00 constante da ata n.º 17 não foi distribuído aos sócios em 15 de dezembro de 2012, mas que integrava montantes utilizados pelo Recorrente AA em seu proveito e da sua família no período compreendido entre 1998 e 15 de dezembro de 2012, não se verifica o facto ilícito tal como foi configurado pelo MP e que fundamentou o pedido de indemnização civil e que constitui, assim, a respetiva causa de pedir,
(bbb) Nem existe, consequentemente, o dano em concreto invocado pelo MP como tendo sido provocado pelo RECORRENTE AA, no valor de EUR. 182.000,00, que também integra a causa de pedir do pedido de indemnização civil formulado nos presentes Autos, o que significa assim que, contrariamente ao assumido pelo MP, inexiste qualquer nexo de causalidade entre o facto ilícito (inexistente) e o dano em concreto peticionado, tal como foram configurados no respetivo pedido de indemnização civil apresentado.
(ccc) Neste contexto, como não se verifica o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano em concreto, nos precisos termos como configurados pelo MP na acusação e, por conseguinte, no pedido de indemnização civil, nada mais resta concluir que também não se encontra preenchido nem verificado o pressuposto do “nexo de causalidade” e que constitui a causa de pedir do pedido de indemnização civil, tal como esta foi definida e delimitada pelo MP.
(ddd) Termos em que se conclui que o Tribunal a quo, na sentença recorrida, ao julgar procedente, por provado, o pedido de indemnização civil formulado pelo MP, e ao condenar solidariamente os RECORRENTES no pagamento de EUR. 182.000,00, a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa civil desde a citação até efetivo e integral pagamento, interpretou erradamente os artigos 483.º do CC e 129.º do CP, na medida em que não se encontram preenchidos os pressupostos de que depende a responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, razão pela qual, e tudo sopesado, se impõe que deva ser revogada a decisão recorrida, com as devidas e legais consequências, e ser substituída por outra que julgue totalmente improcedente, por não provado, o pedido de indemnização civil.
(eee) Numa última nota final, sempre se dirá que o pecado deste processo e inerentemente o vício da sentença recorrida consiste na circunstância de que os factos da acusação, tal como configurada pelo MP nesta peça processual, não correspondem à realidade dos factos e processualmente mais grave não correspondem aos factos dados como provados (e não provados) pelo Tribunal a quo, vício que certamente V. Exas. Exmos. Desembargadores irão expurgar da sentença recorrida.
3. O Ministério Público junto da 1ª instância apresentou resposta ao recurso da qual, pugnando pela sua improcedência, extrai as seguintes conclusões: (transcrição)
I. O Tribunal a quo não se pronunciou, na respectiva sentença, quanto à prescrição dos procedimentos contra-ordenacionais alegada pelos Arguidos em sede de contestação, nem era seu dever fazê-lo.
II. Conforme resulta do teor da sentença recorrida, o Tribunal a quo afastou o argumento aventado pelos Arguidos de que estamos, no âmbito dos presentes autos, perante a prática de contra-ordenações, tendo, antes pelo contrário, condenado os Arguidos pela prática de um crime.
III. Nessa medida, não estando em causa, conforme por nós também entendido, a prática de contra-ordenações por parte dos Arguidos, não se impunha a pronúncia, por parte do Tribunal, relativamente aos argumentos apresentados pelos Arguidos para sustentar a extinção das respectivas responsabilidades contra-ordenacionais.
IV. O verdadeiro thema decidendum nos presentes autos não englobava, pois, a prescrição alegada pelos Arguidos, tendo tal questão ficado prejudicada pela decisão prévia do Tribunal a quo, que qualificou as condutas dos Arguidos como crime.
V. O que importava analisar e decidir nos presentes autos era a prática ou não de factos qualificados como ilícito criminal por parte dos Arguidos, o que foi, efectivamente, feito na sentença.
VI. Conforme resulta da sentença proferida, o Tribunal a quo considerou verificados todos os elementos, objectivos e subjectivos, do crime de fraude fiscal qualificada, afastando, assim, a prática de contra-ordenações por parte dos Arguidos.
VII. Tendo sido qualificadas as condutas dos Arguidos como crime, não competia ao Tribunal a quo aferir se as alegadas contra-ordenações estariam ou não prescritas, pois que a prática das mesmas foi anteriormente afastada por aquele, ficando a referida questão prejudicada pelo teor da sentença.
VIII. Assim, tendo resultado provada a responsabilidade criminal dos Arguidos pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, a questão concreta a apreciar nos presentes autos foi doutamente apreciada e decidida pelo Tribunal a quo, sendo irrelevantes os argumentos, de facto ou de Direito, aventados por aqueles para afastar as respectivas responsabilidades contra-ordenacionais.
IX. Em face do exposto, deve concluir-se que a sentença proferida no âmbito dos presentes autos não padece de qualquer nulidade, nomeadamente por omissão de pronúncia, contrariamente ao alegado pelos ora Recorrentes.
X. Por sua vez, conforme resultou da prova produzida no âmbito dos presentes autos, a verdade é que, em 15.12.2012, foi lavrada e assinada pelos sócios AA e EE a acta n.º 17, no âmbito da qual se deliberou proceder à distribuição pelos sócios de resultados transitados no valor de €650.000,00.
XI. Mais resultou provado que, após a elaboração da referida acta, a sociedade Arguida devia ter procedido ao lançamento contabilístico da referida distribuição de resultados, procedido à retenção na fonte da quantia devida a título de IRS, no valor de €182.000,00 e procedido à sua entrega ao Estado, até ao dia 20.01.2013, com a respectiva declaração fiscal, nos termos do disposto nos artigos 5.º, n.º 2, alínea h), 71.º, n.º 1, alínea a) e 98.º do CIRS.
XII. Assim, tendo sido deliberada uma distribuição de resultados em 2012 e, tendo sido nessa ocasião que foram classificados e contabilizados os valores que entraram na esfera dos sócios, tinha de ser efectuada a retenção da fonte do valor devido a título de IRS pelos rendimentos de capital em causa e entregue ao Estado o equivalente a 28% do valor total, bem como o pagamento do imposto ao Estado até ao dia 20 do mês seguinte.
XIII. Note-se que até à deliberação em causa, a AT não tinha como saber a que título tinham os valores em causa sido recebidos, tanto mais que, ao longo dos anos, não foram sendo declarados tais valores nas declarações de IRS do Arguido, nem liquidados os impostos sobre os mesmos.
XIV. Assim, deve concluir-se que o momento relevante para efeitos do disposto no artigo 98.º do CIRS deve ser o do apuramento do quantitativo da distribuição dos resultados, ou seja, o momento da deliberação constante da acta n.º 17.
XV. Ora, sendo o momento relevante para efeitos do dever de retenção na fonte por parte da entidade devedora dos rendimentos (sociedade Arguida) o do apuramento do respectivo quantitativo, coincidente com a data da elaboração da acta n.º 17, a verdade é que, no referido período temporal, não foi efectuada qualquer retenção na fonte sobre o valor constante da distribuição de lucros e, nessa medida, não foi entregue ao Estado qualquer valor a título de impostos.
XVI. Não tendo sido efectuado, tempestivamente, o lançamento contabilístico da distribuição de resultados aos sócios, conforme legalmente exigido, nem pago ao Estado o imposto devido por parte dos Arguidos, a verdade é que estamos perante a ocultação de factos ou valores não declarados, que deviam ser revelados à administração tributária, encontrando-se preenchido o tipo objectivo do crime de fraude fiscal, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 103.º, n.º 1, alínea b) do RGIT.
XVII. Tendo em conta o momento relevante para efeitos de lançamento contabilístico do valor total distribuído aos sócios através da deliberação constante da acta n.º 17, tendo ali sido apurado o respectivo quantitativo, não deverá, pois, ser tido em conta, parcelarmente, cada valor que foi sendo disponibilizado ao Arguido ao longo dos anos, mas sim o valor total qualificado em Dezembro de 2012.
XVIII. Por sua vez, estando em causa o valor total de €650.000,00, forçoso é concluir que a condição de punibilidade estatuída no n.º 2 do artigo 103.º do RGIT encontra-se verificada no âmbito dos presentes autos.
XIX. Assim, contrariamente ao defendido pelos ora Recorrentes, estamos, no âmbito dos presentes autos, perante a prática de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelos artigos 103.º, n.º 1, alínea b) e 104.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) do RGIT, e não de várias contra-ordenações.
XX. Estando comprovadamente preenchido o elemento objectivo do crime de fraude fiscal qualificada, não poderá colher a tese dos Recorrentes relativamente à prática, por parte daqueles, de contra-ordenações.
XXI. Por outro lado, acompanhando o Ministério Público a sentença recorrida na parte em que considera verificado o crime de fraude fiscal qualificada por parte dos Arguidos, não poderá colher a tese de que estamos perante a prática de várias contra- ordenações, já entretanto prescritas.
XXII. A alegada prescrição só teria a virtualidade de colher caso estivéssemos perante a prática de contra-ordenações por parte dos Arguidos, o que não sucede nos presentes autos.
XXIII. Por sua vez, dos factos dados como provados na sentença recorrida resulta que o AA teve intenção de não lançar contabilisticamente a distribuição de lucros pelos sócios realizada através da acta n.º 17 e, nessa medida, pretendeu não reter e entregar ao Estado o imposto devido, obtendo a respectiva vantagem patrimonial.
XXIV. Da prova produzida nos autos não resulta qualquer dúvida quanto à intenção e representação dos referidos factos por parte do AA.
XXV. Após a distribuição de lucros operada, o referido Arguido sabia que tinha de pagar imposto ao Estado e, mesmo assim, não declarou a distribuição de lucros e não procedeu a qualquer pagamento ao Estado.
XXVI. Por outro lado, o Tribunal a quo considerou não provado que o AA tenha lançado contabilisticamente a distribuição de lucros em 30.04.2018 com o propósito específico de o fazer após o decurso do prazo de caducidade para liquidação do imposto devido ao Estado.
XXVII. Daqui apenas resulta que não se provou que o Arguido tenha escolhido aquela específica data com o propósito de aproveitar da caducidade entretanto operada e, dessa forma, evitar o pagamento do imposto devido ao Estado.
XXVIII. Acontece que, contrariamente ao alegado pelos Recorrentes, esta conclusão relativa aos factos não provados não infirma, de forma alguma, o raciocínio operado relativamente aos factos dados como provados na sentença.
XXIX. Assim, não há dúvidas de que o mencionado Arguido tenha actuado dolosamente quanto ao não lançamento contabilístico do valor devido em 2012 e ao não pagamento do imposto devido ao Estado.
XXX. Conforme resulta do exposto, bem andou o Tribunal a quo ao considerar provado o dolo do Arguido relativamente ao não lançamento contabilístico da distribuição de lucros operada em 2012 e, nessa medida, relativamente à não retenção na fonte e ao não pagamento do imposto devido ao Estado.
XXXI. Assim, estando comprovadamente preenchido o elemento subjectivo relativamente ao crime de fraude fiscal quanto ao AA, não poderá colher a tese dos Recorrentes relativamente às apontadas contradições insanáveis da sentença ora recorrida.
XXXII. Por outro lado, e conforme já referido, da prova documental constante dos autos resultou, desde logo, provado que, em 15.12.2012, foi deliberada em Assembleia Geral, a distribuição de resultados aos sócios, no valor de €650.000,00, tendo sido a respectiva acta assinada pelos dois sócios da sociedade Arguida.
XXXIII. Note-se que a acta está inserida cronologicamente no livro de actas, foi redigida manualmente, não contém quaisquer rasuras e o respectivo teor afigura-se claro.
XXXIV. Conforme foi referido pelo AA em sede de audiência de julgamento, a acta n.º 17 foi assinada por si, tendo aquele confirmado o teor da deliberação e referido que o valor em causa foi sendo auferido por si entre os anos de 1998 e 2012.
XXXV. Mais foi referido pelo Arguido que o contabilista DD lhe disse, em 2012, que havia uma rúbrica “caixa” que tinha um valor muito alto e que tinha de ser diminuído, tendo-lhe sido explicado o que seria feito.
XXXVI. Acresce que o Arguido acabou por reconhecer que lhe foi dito pelo contabilista que teria de pagar alguma coisa na sequência da deliberação.
XXXVII. Por outro lado, tendo em conta o circunstancialismo em que a deliberação foi tomada, é forçoso concluir que o AA tinha conhecimento da obrigação de pagamento de imposto, o que lhe foi explicado pelo contabilista e que o mesmo não chegou a ser feito.
XXXVIII. Ao ser-lhe transmitido que tinham de reduzir o valor da caixa e ao aceitar os termos da deliberação, o AA sabia que estava a ser feita uma manobra para evitar o pagamento de impostos e quis fazê-lo, não se vislumbrando outro objectivo que não este.
XXXIX. Como também não se afigura plausível que o Arguido, com o nível de instrução que tem e o cargo que exercia na sociedade, tivesse assinado a acta em causa sem conhecer e concordar com o objectivo da mesma e com as respectivas consequências a nível de tributação.
XL. Não se pode esquecer que o Arguido é gerente de uma sociedade criada para receber os rendimentos da sua actividade, não sendo plausível que assinasse uma deliberação como a presente sem saber das implicações da mesma, tanto mais que todos os seus rendimentos estavam dependentes da actuação da referida sociedade.
XLI. Assim, a ausência de lançamento contabilístico tempestivo quanto aos lucros distribuídos aos sócios é imputável aos Arguidos, sendo estes os últimos responsáveis pelas deliberações e decisões tomadas no âmbito da sociedade.
XLII. Note-se que não colhe o argumento de que o contabilista foi o único responsável pelo sucedido, tanto mais que o mesmo manteve-se a exercer as funções enquanto contabilista dos Arguidos até ao ano passado e não foi apresentada qualquer queixa quanto ao mesmo junto das entidades competentes, o que revela que não houve qualquer ruptura na confiança estabelecida entre os mesmos.
XLIII. Assim não seria se o contabilista tivesse actuado à revelia do AA, sendo de presumir que, nesse caso, as contas da empresa e do próprio Arguido não lhe seriam novamente confiadas, anos após anos, desde que o Arguido alegadamente teve conhecimento da falta de lançamento contabilístico e de pagamento do imposto devido, tanto mais que estava em causa a responsabilidade criminal do Arguido e a sua única fonte de rendimentos.
XLIV. Assim, ao determinarem a distribuição de resultados, não procedendo ao respectivo lançamento contabilístico atempado e ao pagamento do imposto devido, os Arguidos visaram a obtenção de vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias, encontrando-se preenchido o elemento subjectivo do crime de fraude fiscal.
XLV. Em suma e em face do exposto, também não pode lograr o alegado erro de aplicação e de julgamento da matéria de Direito por parte dos Recorrentes, encontrando-se provada a actuação dolosa por parte do AA.
XLVI. No que diz respeito ao pedido de indemnização civil, o Ministério Público considera que, nos presentes autos, estão verificados todos os pressupostos de que depende a responsabilidade civil dos Arguidos, merecendo acolhimento o expendido na sentença recorrida.
XLVII. Desde logo, estamos perante a prática de um crime por parte dos Arguidos, constituindo a conduta dos mesmos um facto ilícito, na medida em que aqueles, ao determinarem a distribuição de resultados, não procedendo ao respectivo lançamento contabilístico atempado e ao pagamento do imposto devido, praticaram o crime de fraude fiscal qualificada, previsto nos artigos 103.º, n.º 1, alínea b) e 104.º, n.º 1 e 2, alínea b) do RGIT.
XLVIII. Por sua vez, não há dúvidas de que o AA tenha actuado dolosamente quanto ao não lançamento contabilístico do valor devido em 2012 e ao não pagamento do imposto devido ao Estado, tendo actuado com culpa,
XLIX. No que diz respeito ao dano, conforme também resulta dos argumentos já expendidos supra, a verdade é que, tendo sido deliberada uma distribuição de resultados em 2012 e, tendo sido nessa ocasião que foram classificados e contabilizados os valores que entraram na esfera dos sócios, tinha de ser efectuada a retenção da fonte do valor devido a título de IRS pelos rendimentos de capital em causa e entregue ao Estado o equivalente a 28% do valor total, bem como o pagamento do imposto ao Estado até ao dia 20 do mês seguinte.
L. Assim, tendo sido feito o apuramento do quantitativo em Dezembro de 2012, o respectivo imposto, no valor de €182.000,00 tinha de ser pago até ao dia 20 de Janeiro de 2013.
LI. Note-se que o Arguido foi recebendo, efectivamente, ao longo dos anos, rendimentos, nunca tendo procedido à retenção na fonte do valor devido e, nessa medida, nunca tendo procedido ao pagamento do mesmo ao Estado.
LII. De facto, tendo em conta o valor recebido pelo AA ao longo dos anos e atendendo aos preceitos legais aplicáveis, a verdade é que o mesmo reteve nas suas contas bancárias, indevidamente, o valor correspondente a 28% do valor total recebido.
LIII. Não tendo procedido ao lançamento contabilístico dos valores por si recebidos ao longo dos anos e não tendo efectuado a retenção na fonte conforme devido, o AA não procedeu ao pagamento do valor de €182.000,00, correspondente ao valor que o Estado deixou de arrecadar nos seus cofres, valor esse que consubstancia o dano verificado no património do Estado.
LIV. Por sua vez, não tendo o AA efectuado a retenção na fonte dos valores devidos e não tendo procedido ao pagamento de tal valor ao Estado, afigura- se lógica a verificação do nexo de causalidade entre o facto e o dano.
LV. Caso o Arguido tivesse declarado os rendimentos em causa e procedido ao pagamento do valor devido ao Estado no momento devido, o Estado não teria resultado lesado no valor do imposto não recebido, isto é, no valor de €182.000,00.
LVI. Em face do exposto, encontrando-se verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil por parte dos Arguidos, nenhum reparo merece a sentença recorrida no que diz respeito ao pedido de indemnização civil no qual foram os Arguidos condenados, devendo a mesma ser mantida.
LVII. Nestes termos, deve concluir-se que a Sentença recorrida não violou qualquer preceito constitucional ou legal, devendo ser negado provimento ao recurso e confirmada, na íntegra, a douta Sentença recorrida.
4. Subiram os autos a este Tribunal da Relação, onde o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se reporta o artigo 416.º do Código de Processo Penal (doravante designado C.P.P.), se pronunciou no sentido da improcedência do recurso.
5. Cumprido que foi o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do C.P.P., vieram os recorrentes responder ao parecer do Ministério Público reiterando o constante da sua motivação.
6. Procedeu-se a exame preliminar e, após vistos legais, teve lugar a conferência, nos termos do n.º 3, al. c) do art.º 419º do Código de Processo Penal, cumprindo agora decidir.
II – Fundamentação
1. Do objecto do recurso
Nos termos do nº1 do art.º 412.º, n.º 1, do C.P.P. a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
É pacífico o entendimento de que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, ou das nulidades que não devam considerar-se sanadas, o âmbito dos recursos é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação.
Em face das conclusões apresentadas pelo recorrente, que condensam a razão da sua impugnação, as questões suscitadas que importa conhecer, pela ordem da sua relevância processual, são as seguintes:
a) Nulidade da sentença com fundamento em omissão de pronúncia;
b) Vício decisório da contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão;
c) Qualificação jurídico-penal dos factos como contraordenação e prescrição do procedimento contraordenacional
d) Falta de pressupostos legais para a condenação em indemnização civil.
2. Apreciação
2.1. Motivação de facto da decisão recorrida: (transcrição)
«1. Matéria de facto provada
1. A sociedade arguida ..., é uma sociedade comercial por quotas que se dedica ao exercício de actividades ..., a que corresponde o CAE ....
2. É sujeito passivo de IRC (imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas) e isenta de IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado).
3. O arguido AA é seu sócio-gerente desde o dia .../.../1998, sendo este que representa a sociedade arguida perante as autoridades oficiais e assinou documentos em sua representação, exerceu sua gestão diária, contactando fornecedores e clientes, celebrando contratos, efectuando pagamento de salários a trabalhadores, materiais a fornecedores e impostos ao Estado.
4. No dia 15/12/2012, foi lavrada e assinada pelos sócios AA e EE a ata n.º 17, na qual se deliberou proceder à distribuição pelos sócios de resultados transitados no valor de 650.000€ (seiscentos e cinquenta mil euros).
5. Após a elaboração da ata n.º 17, a sociedade arguida deveria ter procedido ao respectivo lançamento contabilístico da referida distribuição de resultados, procedido à retenção na fonte da quantia devida a título de IRS, no valor de 182.000€ (cento e oitenta e dois mil euros), e procedido à sua entrega ao Estado até ao dia 20.01.2013, com a respectiva declaração fiscal.
6. O que, contudo, não o fez, tendo apenas lançado contabilisticamente a distribuição de lucros no dia 30/04/2018, volvidos 5 anos, depois de caducado o prazo de liquidação de tributos.
7. O arguido AA, no seu próprio interesse e no interesse da sociedade arguida, quis e representou não lançar contabilisticamente a distribuição de lucros pelos sócios, não reter e entregar o respectivo imposto devido ao Estado nem declarar fiscalmente a mesma com o propósito concretizado de não pagar o imposto devido ao estado e assim obter vantagem patrimonial indevida no valor de 182.000€, valor que integrou no seu património e no património da sociedade.
8. Bem sabia o arguido que não podia ocultar rendimento ao Estado e que dessa forma causava uma diminuição de receitas ao Estado de valores superior a 50.000 Euros, o que não o demoveu da sua conduta.
9. O arguido AA e a sociedade arguida agiram sempre de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal, tendo capacidade para se determinar com esse conhecimento.
Específicos do Pedido de Indemnização Civil:
10. A Autoridade Tributária e Aduaneira deixou de arrecadar 182.000,00€ (cento e oitenta e dois mil euros) a título de IRS e os respectivos juros de mora.
11. Bem como teve ainda gastos relacionados com custos administrativos.
12. Esta perda patrimonial ficou a dever-se exclusivamente à não entrega do imposto devido por parte dos demandados.
13. Como consequência directa e necessária da não entrega do imposto devido ao Estado, resultaram danos patrimoniais.
Da contestação na vertente criminal e na vertente civil:
14. A sociedade arguida foi constituída em … pelo arguido AA para, por seu intermédio, prestar serviços … e que anteriormente prestava a título individual.
15. A sociedade arguida até à redacção da acta n.º 17 não tinha conta bancária própria.
16. Os referidos valores eram depositados nas contas bancárias do arguido:
a. ... conta n.º ... da agência de ... e;
b. ... - conta n.º ... da agência de …
17. Sendo utilizados de forma indistinta para custear gastos da sociedade arguido e consumos privados do arguido entre os anos de 1998 e 2012.
18. Em 2012 a conta … atingiu um saldo contabilístico de €724.295,10.
19. Nessa altura o contabilista da sociedade DD sugeriu aos arguidos a possibilidade de efectuar uma distribuição de lucros por forma a legitimar as entregas e diminuir o valor da conta de caixa.
20. DD minutou, redigiu e passou ao livro de Actas da Assembleia Geral da sociedade arguida a acta n.º 17.
21. O montante constante da acta n.º 17 não foi distribuído aos sócios em 15.12.2012 ou em momento posterior.
22. Tal montante representava os montantes já utilizados pelo arguido em seu proveito e da sua família desde 1998 até 15.12.2012.
Mais se provou:
23. A acta n.º 17 foi lida, compreendida, aceite e assinada pelo arguido AA.
24. Os arguidos não têm antecedentes criminais averbados aos seus certificados de registo criminal.
25. A sociedade encontra-se, actualmente, sem actividade.
26. O arguido é ….
27. Encontra-se na situação de reformado auferindo €1.604,00 mensais líquidos.
28. Vive em casa própria com a sua mulher e um filho de 32 dependente de cuidados.
29. A sua mulher é ....
30. Despende para fraldas e medicação do filho cerca de €100,00 mensais.
31. O seu filho aufere subsídio no valor de €290,00 mensais.
32. O arguido é Licenciado em ….
33. O arguido goza de boa reputação no meio em que se insere.
34. O arguido é visto pelos seus amigos e familiares como cumpridor das suas obrigações.
2. MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA
A. Nas circunstâncias referidas em 6 os arguidos actuaram com o propósito de obstar ao pagamento do imposto devido ao estado.
B. Nas circunstâncias referidas em 7 os arguidos actuaram aguardando pelo decurso do prazo da caducidade para liquidação do mesmo.
3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica e global de toda a prova produzida em audiência, bem como da prova documental que consta dos autos, tendo em consideração as regras da experiência de vida e o senso comum.
Importa, desde logo, atentar nas declarações do arguido.
O arguido veio confirmar a assinatura da acta n.º 17 a qual refere ter sido redigida pelo seu contabilista à data [DD] o qual o aconselhou, porquanto não estavam a ser dadas “baixas” na contabilidade designadamente na verba de caixa, pelo que por forma a proceder a uma diminuição do valor de caixa foi aconselhado a efectuar uma distribuição de rendimentos, ainda que a mesma fosse apenas para sanar as saídas já ocorridas no passado.
Mais referiu o arguido que lhe foi explicado que era possível que lhe aparecesse alguma coisa para pagar. Todavia, o mesmo veio a alegar que julgou que tal assunto fora resolvido.
Ora, não é crível que o arguido não soubesse que a distribuição de resultados gerava a obrigação de pagamento de impostos e, designadamente, a retenção na fonte por parte da sociedade arguida.
Veja-se ainda que o arguido é pessoa instruída, com capacidade de entendimento, e foi evidente que o mesmo era pessoa preocupada, pelo que não se compreende como o mesmo vem alegar que apenas tinha conhecimento que seria possível vir a ter algo para pagar e que, como não lhe foi nada exigido pela Autoridade Tributária, julgava que tudo estava bem.
Ora, é manifesto para qualquer cidadão comum [sendo que o arguido é licenciado em …] que a distribuição de resultados está sujeita a imposto, sendo que a distribuição de €650.000,00 torna evidente que o imposto a pagar - e a reter - seria manifestamente avultado.
Assim, é de afastar a tese do arguido que ficou a aguardar alguma notificação para pagamento, pois bem que a retenção na fonte deveria ter sido logo por si efectuada, como é de conhecimento comum a qualquer cidadão.
Também não se afigura como credível que o arguido, sendo aconselhado pela contabilidade, não procurasse obter informação acerca das consequências da distribuição, tanto mais que se tratava de um valor reportado a cerca de 14 anos de actividade da sociedade e, portanto, não só muito elevado mas seria certamente uma situação preocupante para o arguido.
Por outro lado, a confiança que o arguido veio demonstrar no contabilista é manifestamente estranha pois que, apregoando este último que foi por seu lapso que tudo se gerou, não se compreende como o arguido manteve a confiança no contabilista durante prolongados anos nos quais já havia inclusivamente sido constituído enquanto arguido para os factos em apreço. Igualmente o arguido não apresentou nenhuma queixa contra o seu contabilista.
Note-se que o arguido ainda antes de formar a sociedade, determinou-se à sua criação e a preocupação que teve para criar a empresa por causa do regime fiscal. Assim, não se compreende como o mesmo em 2012 não se tivesse minimamente preocupado com as consequências da deliberação.
Há ainda que frisar que não se tratava de uma participação qualquer numa sociedade por parte do arguido, antes tratava-se de uma empresa que era a fonte de todos os rendimentos do arguido e onde o mesmo executava a sua actividade laboral, com manifesto interesse para aquele.
O arguido veio confirmar a utilização dos montantes, a sua actividade de gerência, mostrando-se credível nesse particular.
BB, inspector tributário, relatou a sua intervenção nos autos de forma credível, as notificações efectuadas. Relatou a análise que efectuou à contabilidade, a qual se mostra compaginada com os demais elementos probatórios, sendo algo que é patente da documentação junta [como os extractos/movimentos das contas bancárias].
As testemunhas CC e FF, inspectoras tributárias, referiram de igual forma a sua intervenção nos autos, designadamente a deslocação à sociedade em sede de acção inspectiva.
A testemunha DD, contabilista, relatou as circunstâncias em que conheceu o arguido, bem como as suas intervenções em termos de contabilidade.
A testemunha, de forma nada credível, veio indicar que a contabilidade não era por si efectuada mas, ao mesmo passo, refere ter-se apercebido do valor em caixa e ser o próprio a tratar do assunto com o arguido.
Ora, ou o mesmo não tinha qualquer intervenção como procurou mencionar ao Tribunal ou, distintamente, o mesmo tomava conhecimento da contabilidade da sociedade.
Mais referiu que foi quem elaborou a acta [contrariando a versão de um total alheamento da contabilidade e conhecimento da situação da sociedade] e aconselhamento ao arguido nesse aspecto.
Convenientemente, aponta as culpas para terceiro já falecido, em quem teria confiado a realização da contabilidade da sociedade.
A circunstância de o mesmo referir que está convicto de que terá mencionado ao arguido de que seria preciso pagar imposto mostra-se evidente face ao que supra já se expôs, não sendo crível que o mesmo nada tivesse mencionado a tal respeito, [sendo que o próprio arguido admite que lhe poderá ter dito que haveria valor a pagar] nem, tampouco, se mostraria condicente com uma actuação profissional do foro contabilístico, tanto mais que a testemunha teria conhecimento da necessidade de retenção na fonte.
A testemunha GG, cônjuge do arguido, abonou da personalidade deste e mencionou como os assuntos da contabilidade eram geridos.
As testemunhas HH e II, que convivem com o arguido no seio familiar vieram abonar deste e bem assim como da sua preocupação no cumprimento da lei, mostrando-se credíveis.
A testemunha JJ, …, amigo do arguido, veio igualmente abonar daquele em termos profissionais.
Ademais, atendeu-se à prova documental constante dos autos designadamente às informações de fls. 8 a 35, à certidão permanente da sociedade arguida, à documentação bancária de fls. 102 a 785 a qual permitiu verificar os movimentos das contas do arguido.
Livro de actas que consta do apenso I que permitiu apurar o concreto teor da acta n.º 17 a qual não se mostra rasurada, sendo válida e correcta.
Note-se que o documento de fls. 21, contabilístico, vem reforçar a intenção da distribuição constante da acta, a qual apenas foi lançada contabilisticamente em 2018.
Consequentemente, face a tudo o já exposto quanto às declarações do arguido em conjugação com o depoimento de DD, as intenções do arguido e o conhecimento do carácter reprovável das suas condutas resultou evidente em face dos factos objectivos demonstrados.
O arguido descreveu as suas condições socioeconómicas e com base nas suas declarações resultaram as mesmas provadas bem como as respeitantes à sociedade arguida.
A matéria relativa aos antecedentes criminais encontra-se certificada nos autos.
Como regra para a decisão há que se atender ao princípio do in dubio pro reo, isto é, produzida a prova e efectuada a sua valoração, quando o resultado do processo probatório seja uma dúvida, o juiz deve decidir a favor do arguido dando como não provado o facto que lhe é desfavorável.
Assim, a prova realizada exige para a formação da decisão uma “prova para além de qualquer dúvida razoável”, valorando-se a favor do arguido quando exista uma situação de non liquet.
Ora, se não for possível formular um juízo de certeza, tem que prevalecer o princípio do in dubio pro reo por se verificar a existência de uma dúvida razoável e insuperável sobre a realidade dos factos.
Note-se a tal respeito que não resultou claro se o lançamento contabilístico ocorreu antes ou após o início da inspecção tributária ficando sem se compreender qual o motivo que originou tal lançamento.
Acresce que o depoimento de DD, ainda que não tendo sido credível, impede o Tribunal de formular um juízo seguro quanto à intenção de apenas ser levado contabilisticamente após a caducidade.
Destarte, mobilizando-se tal princípio, tais factos resultam como não provados.»
2.2. Das questões suscitadas no recurso, que iremos apreciar pela ordem da sua relevância ou efeito, que não pela ordem indicada pelos recorrentes
a) Da nulidade da sentença com fundamento em omissão de pronúncia.
Na alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal estabelece-se a sanção da nulidade da sentença «quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento», isto é, quando o tribunal viola os seus poderes/deveres de cognição.
A omissão de pronúncia prevista neste preceito verifica-se «quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questão ou questões que a lei impõe que o tribunal conheça, ou seja, questões de conhecimento oficioso e questões cuja apreciação é solicitada pelos sujeitos processuais e sobre as quais o tribunal não está impedido de se pronunciar – art.º 660.º, n.º2 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 4.º do CPP» (Oliveira Mendes in Código de Processo Penal Comentado, p. 1182, edição da Almedina).
A pronúncia cuja omissão conduz à nulidade da sentença é referida, pois, ao concreto objecto submetido à cognição do tribunal e não aos motivos, argumentos ou razões alegadas pelas partes, ou doutrinas expendidas pelos interessados na defesa das suas posições. Nesse sentido escreve-se no acórdão do STJ de 15/12/2005 (Proc. n.º05P2951, acessível em www.dgsi.pt) «a omissão de pronúncia traduz-se na ausência de decisão do tribunal quanto às questões que lhe são submetidas pelas partes e que, por isso, lhe incumbe conhecer, ou de que deva apreciar oficiosamente, e não sobre os motivos ou argumentos invocados pelas partes, na defesa das suas posições».
Os recorrentes alegam que, tendo invocado na sua contestação que os factos não constituem crime, mas antes contraordenações cujo procedimento se mostra prescrita, o tribunal recorrido não conheceu dessa questão, não obstante a identificar no relatório da sentença.
Em resposta a essa questão o Ministério Público alega na sua resposta que, tendo o tribunal recorrido concluído que os factos integram a prática de um crime e não a prática de contraordenações, não tinha de se pronunciar relativamente à prescrição do procedimento quanto às contra-ordenações, por tal questão ter ficado prejudicada.
Vejamos:
Os arguidos encontravam-se acusados da prática de um crime de fraude fiscal qualificada p.e p. pelos artigos 7.º n.º 1, 8º, n.º 3, 103.º, n.º 1, alínea b) e 104.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) do RGIT, com base nos factos constantes da acusação do Ministério Público, para a qual a pronúncia remete.
Na contestação que apresentaram, os arguidos vieram invocar outros factos para além dos constantes da acusação, designadamente os que o tribunal recorrido deu como provados sob os pontos 14 a 22, alegando que os factos no seu conjunto integram a prática de contraordenações em virtude de não ter havido em 2012 uma real distribuição de dividendos, mas antes essa distribuição ter ocorrido entre os anos de 1998 e 2012, havendo lugar à sua tributação como rendimentos de capitais e traduzindo-se a não declaração desses valores, então distribuídos, em cada um desses anos, como contraordenação.
Os recorrentes introduziram, assim, no objecto do processo novos factos sobre os quais se pronunciou o tribunal recorrido não só em sede de motivação de facto, mas, também em sede de qualificação jurídico-penal, quando concluiu, bem ou mal, pelo preenchimento de todos os elementos constitutivos do crime de fraude fiscal pelo qual condenou os arguidos.
Embora o Tribunal o não diga expressamente, ao apreciar e concluir pela existência de crime, em função de todos os factos provados, inclusive dos factos que no entender dos arguidos evidenciam a sua qualificação como contraordenação, o tribunal acabou por afastar a prescrição do procedimento contraordenacional invocada pelos arguidos. Não teria, aliás, qualquer efeito útil que, depois de concluir pelo preenchimento de crime, o tribunal fosse conhecer da prescrição relativamente a uma realidade jurídica que considerou não se verificar.
Assim, concordando-se ou não com as conclusões alcançadas pelo tribunal recorrido quanto à qualificação jurídico-penal dos factos provados que fixou, há que concluir que a sentença recorrida não padece de omissão de pronúncia, nos termos para tal considerados na alínea c) do n.º 1 do art.º 379.º do C.P.P., quanto à questão da prescrição das alegadas contraordenações.
b) Do vicio decisório previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal.
Os vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do C.P.P., nos quais se inclui, na sua alínea b), o vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, são vícios da decisão e não de julgamento, que têm a ver com a perfeição formal da decisão da matéria de facto.
Trata-se de vícios intrínsecos à decisão como peça autónoma e a sua verificação, ao contrário do que acontece na impugnação ampla da matéria de facto, que se alarga à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, tem que resultar do texto da decisão recorrida, por si mesma, ou conjugada com as regras da experiência comum, como resulta do próprio n.º 2 do art.º 410.º, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 16. ª ed., p. 873; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª ed., p. 339; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 2007, pp. 77 e ss.; Maria João Antunes, RPCC, Janeiro-Março de 1994, p. 121).
Uma vez demonstrada a existência dos vícios e a impossibilidade de se decidir a causa, o tribunal de recurso deve determinar o reenvio do processo para um novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo, ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio, nos termos do art.º 426º, nº1 do CPP. Note-se que, quando na alínea a) do artigo 431.º se diz que a decisão pode ser alterada quando do processo constarem todos os elementos de prova, o Código de Processo Penal refere-se à prova documental, pré-constituída, que também pode ser analisada e apreciada pelo tribunal de 2.a instância, sem recurso a outra prova. Exemplo é constituído pelos antecedentes criminais que têm de constar do CRC ou de certidões de condenações transitadas em julgado.
O vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão respeita, antes de mais, à fundamentação da matéria de facto, mas pode respeitar, também, à contradição na própria matéria de facto (entre a matéria de facto provada ou entre os factos provados e os não provados), ou entre a fundamentação e a decisão. Esta última (contradição insanável “entre a fundamentação e a decisão”) não se refere à contradição entre matéria de facto assente como provada e a subsunção ao direito que depois foi feita desses factos, mas antes à contradição entre a fundamentação da convicção e a decisão dada ao caso em termos de matéria de facto assente como provada e não provada.
No fundo este vício traduz-se na incompatibilidade, insuscetível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão quanto aos factos.
Segundo o acórdão do STJ de 2.07.2002, Proc. 1748/02-5ª (acessível em www.dgsi.pt) a contradição insanável da fundamentação verifica-se quando, de acordo com um raciocínio lógico, na base do texto da decisão, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão, ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre factos provados ou não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do tribunal.
Os recorrentes alegam que existe uma contradição insanável entre os factos provados sob os pontos 6 e 7 e os factos não provados sob as alíneas A) e B) por terem na sua base factos lógica e racionalmente contrários e opostos entre si e que se negam entre si, sendo que esta contradição não pode ser ultrapassada recorrendo à sentença recorrida ou às regras da experiência comum, o que implicará, por conseguinte, que se faça apelo e se lance mão do princípio in dubio pro reo. Pedem, em consequência, que seja proferida nova decisão absolvendo os recorrentes, com fundamento no in dubio pro reo.
Alegam, por outro lado, que a sentença recorrida contém uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão por, no seu entender, dar como não provado nas alíneas A) e B) o dolo e considerar na decisão que os arguidos actuaram de forma dolosa condenando-os pela prática de um crime que exige uma conduta dolosa.
O Ministério Público defende que não resulta dos factos provados qualquer dúvida quanto à intenção e representação dos mesmos pelos arguidos de não lançamento contabilístico da distribuição dos lucros operada em 2012 e, nessa medida, relativamente à não retenção na fonte e ao não pagamento do imposto devido ao Estado e que os factos não provados referem-se a outra intenção dos arguidos – a de que tenham lançado a distribuição de lucros em 30.04.2018, com o propósito específico de o fazer após o decurso do prazo de caducidade para liquidação do imposto devido ao Estado, concluindo pela inexistência de qualquer contradição.
Vejamos, tendo em conta as considerações supra referidas sobre os vícios.
Como resulta do artigo 426.º, n.º 1 do C.P.P., a existência de algum dos vícios previstos no n.º 2 do artigo 410.º do C.P.P. tem como consequência o reenvio do processo para um novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio. Só assim não acontece se foi realizada audiência para renovação da prova neste Tribunal da Relação, tendo em vista o suprimento dos vícios (art.º 430.º n.º 1 do C.P.P.).
Por isso, a verificar-se o vício invocado pelos recorrentes, nunca a sua sanação poderia ser alcançada tal como é pedida pelos recorrentes.
De todo o modo, afigura-se não existir o invocado vício.
Quanto à alegada contradição entre os factos provados e os não provados:
Estão em causa os seguintes factos provados:
6. O que, contudo, não o fez, tendo apenas lançado contabilisticamente a distribuição de lucros no dia 30/04/2018, volvidos 5 anos, depois de caducado o prazo de liquidação de tributos.
7. O arguido AA, no seu próprio interesse e no interesse da sociedade arguida, quis e representou não lançar contabilisticamente a distribuição de lucros pelos sócios, não reter e entregar o respectivo imposto devido ao Estado nem declarar fiscalmente a mesma com o propósito concretizado de não pagar o imposto devido ao estado e assim obter vantagem patrimonial indevida no valor de 182.000€, valor que integrou no seu património e no património da sociedade.
Estes factos estão directamente conexionados com os seguintes factos provados sob os pontos 4 e 5, sem os quais não são compreensíveis:
4. No dia 15/12/2012, foi lavrada e assinada pelos sócios AA e EE a ata n.º 17, na qual se deliberou proceder à distribuição pelos sócios de resultados transitados no valor de 650.000€ (seiscentos e cinquenta mil euros).
5. Após a elaboração da ata n.º 17, a sociedade arguida deveria ter procedido ao respectivo lançamento contabilístico da referida distribuição de resultados, procedido à retenção na fonte da quantia devida a título de IRS, no valor de 182.000€ (cento e oitenta e dois mil euros), e procedido à sua entrega ao Estado até ao dia 20.01.2013, com a respectiva declaração fiscal.
Por sua vez dos factos não provados consta:
A. Nas circunstâncias referidas em 6 os arguidos actuaram com o propósito de obstar ao pagamento do imposto devido ao estado.
B. Nas circunstâncias referidas em 7 os arguidos actuaram aguardando pelo decurso do prazo da caducidade para liquidação do mesmo.
Ainda que à primeira vista pareça existir contradição entre os factos provados e os não provados, ela é aparente porque neles está em causa pronúncia sobre realidades diversas.
A realidade expressa nos pontos 4, 5 e 6 da matéria de facto provada tem a ver com o facto de ter sido deliberado pelos sócios uma distribuição de resultados no valor de 650.000,00€ e de a sociedade arguida não ter procedido ao lançamento contabilístico desse resultado, não ter procedido à retenção na fonte da quantia devida a título de IRS, nem ter feito qualquer declaração ao Fisco relativamente a esses lucros distribuídos aos sócios, com a intenção, concretizada de não procederem ao pagamento ao Estado do imposto devido em resultado dessa operação.
Já a realidade a que se refere os factos não provados tem a ver com a intenção de os arguidos não procederem ao lançamento contabilístico do resultado nos cinco anos subsequentes à deliberação da sociedade porque esse seria o prazo de caducidade, findo o qual, mesmo fazendo tal declaração, não haveria que proceder ao pagamento do imposto por caducidade da obrigação tributária.
E quanto a esta última intenção resulta da fundamentação de facto a explicação para o tribunal a ter dado como não provada quando escreve, depois da fazer considerações sobre o principio do in dubio pro reo:
«Note-se a tal respeito que não resultou claro se o lançamento contabilístico ocorreu antes ou após o início da inspecção tributária ficando sem se compreender qual o motivo que originou tal lançamento.
Acresce que o depoimento de DD, ainda que não tendo sido credível, impede o Tribunal de formular um juízo seguro quanto à intenção de apenas ser levado contabilisticamente após a caducidade.
Destarte, mobilizando-se tal princípio, tais factos resultam como não provados.»
Resulta claro desta fundamentação que o tribunal teve dúvidas se os arguidos apenas procederam, em 2018, ao lançamento contabilístico dos resultados atribuídos aos sócios em 2012 porque, era sua intenção inicial assim procederem por saberem que nessa altura já havia decorrido a caducidade da obrigação tributária, se porque, entretanto, essa omissão foi detetada na inspeção tributária. Mas isso não significa que os arguidos não tivessem tido a intenção, a partir do momento em que não retiveram o imposto devido sobre a distribuição dos resultados e o não declararam, de dessa forma se furtarem ao pagamento desse imposto, independentemente do prazo da caducidade de tal imposto, como resulta do facto provado sob o ponto 7.
Não se vislumbra, pois, qualquer contradição, muito menos insanável, entre os factos provados e os não provados.
Igualmente não existe qualquer contradição entre os factos, provados e não provados, e a respectiva fundamentação de facto, pois só essa é que está em causa em sede deste vício, não deixando, contudo, de se assinalar que a decisão de direito é congruente com a matéria de facto provada.
Termos em que improcede este segmento do recurso.
c) Da qualificação jurídico-penal dos factos como contraordenação e prescrição do procedimento contraordenacional
Os poderes de cognição dos tribunais da relação abrangem a matéria de facto e a matéria de direito (artigo 428.º do CPP), podendo o recurso, sempre que a lei não restrinja a cognição do tribunal ou os respectivos poderes ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida (n.º 1 do artigo 410.º do mesmo diploma).
Por isso, poderia o recorrente, se considerasse ter existido qualquer erro na apreciação da matéria de facto, impugnar esse segmento da decisão.
Não tendo o recorrente impugnado a matéria de facto nos termos previstos nos n.º 3 e 4 do CPP, nem se vislumbrando o vicio assinalado pelos recorrentes nem qualquer um dos demais vícios previstos no n.º 2 do artigo 410.º do CPP, tem-se a mesma como definitivamente fixada, havendo que apreciar a questão da qualificação jurídico penal em face dos factos provados que constam da decisão recorrida.
A esse propósito diz-se na decisão recorrida:
«Dispõe o art.º 103.º do Regime Geral das Infracções Tributárias que
1. - Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por:
a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável;
b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária;
c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.
2 - Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a (euro) 15.000.
3 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.
Já o art.º 104.º do Regime Geral das Infracções Tributárias prevê que:
1 - Os factos previstos no artigo anterior são puníveis com prisão de um a cinco anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1.200 dias para as pessoas colectivas quando se verificar a acumulação de mais de uma das seguintes circunstâncias:
a) O agente se tiver conluiado com terceiros que estejam sujeitos a obrigações acessórias para efeitos de fiscalização tributária;
b) O agente for funcionário público e tiver abusado gravemente das suas funções;
c) O agente se tiver socorrido do auxílio do funcionário público com grave abuso das suas funções;
d) O agente falsificar ou viciar, ocultar, destruir, inutilizar ou recusar entregar, exibir ou apresentar livros, programas ou ficheiros informáticos e quaisquer outros documentos ou elementos probatórios exigidos pela lei tributária;
e) O agente usar os livros ou quaisquer outros elementos referidos no número anterior sabendo-os falsificados ou viciados por terceiro;
f) Tiver sido utilizada a interposição de pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável;
g) O agente se tiver conluiado com terceiros com os quais esteja em situação de relações especiais.
2 - A mesma pena é aplicável quando:
a) A fraude tiver lugar mediante a utilização de facturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente; ou
b) A vantagem patrimonial for de valor superior a (euro) 50.000.
3 - Se a vantagem patrimonial for de valor superior a (euro) 200.000, a pena é a de prisão de 2 a 8 anos para as pessoas singulares e a de multa de 480 a 1.920 dias para as pessoas colectivas.
4 - Os factos previstos nas alíneas d) e e) do n.º 1 do presente preceito com o fim definido no n.º 1 do artigo 103.º não são puníveis autonomamente, salvo se pena mais grave lhes couber. - nosso sublinhado.
Facilmente se constata que o bem jurídico protegido pela referida incriminação consiste no património fiscal do Estado relativamente ao conjunto das receitas fiscais através das quais o Estado tem possibilidade de prosseguir a satisfação das suas necessidades financeiras e a justa repartição dos rendimentos e da riqueza. Assim transfigura-se na garantia de recebimento pelo Estado dos tributos devidos.
As normas incriminadoras têm em vista reforçar a protecção do património público fiscal.
É por este motivo que o interesse protegido transcende o mero interesse patrimonial relativamente à quantia apropriada, mas na possibilidade do Estado prosseguir as suas finalidades a que está constitucionalmente vinculado.
Relativamente ao n.º 1 do art.º 104.º o legislador prevê que é necessário que se acumulem de mais de um dos elementos qualificadores para se perfectibilizar a qualificação. Todavia, no que se reporta ao n.º 2, refere-se expressamente à utilização de facturas ou documentos equivalentes falsos, autonomizando-se sem necessidade de realização cumulativa com qualquer outra circunstância. São então classificadas em três tipos de facturas, a saber, as relativas a operações inexistentes, as que referem valores diferentes dos valores reais e as que sugerem a intervenção de pessoas ou entidades diversas das envolvidas na operação subjacente.
Ora, como facilmente se constata pela transcrição da norma que fizemos supra, para o preenchimento do tipo objectivo de crime há que verificar os seus elementos constitutivos, a saber, a ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração ou das declarações apresentadas ou prestadas; nexo causal entre tal ocultação ou alteração e a obtenção indevida de benefícios fiscais; ocorrência de enriquecimento ilegítimo por parte do agente ou de terceiro e a correspondente defraudação do património fiscal público.
Ora, de acordo com o art.º 104.º, n.º 2, [actualmente na al. a)] é aplicável a pena prevista no n.º 1 quando a fraude tenha lugar mediante a utilização de facturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente.
Importa ainda ter em conta a previsão do art.º 103.º, n.º 2 do RGIT que prevê que os factos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a €15.000 que a jurisprudência entende que é aplicável também ao caso de fraude qualificada, a qual reveste-se como condição objectiva de punibilidade do crime de fraude fiscal pela emissão de facturas que não correspondem a efectivas transacções. Ora, trata-se de um patamar de punibilidade correspondente ao limiar mínimo atribuidora de dignidade penal.
Em relação ao tipo subjectivo exige-se o dolo em qualquer das modalidades previstas no art.º 14.º do Código Penal.
Ora, resultou como provado que o arguido durante os anos de 1998 a 2012, inclusive, foi utilizando a conta bancária pessoal para receber rendimentos da empresa, canalizando-os para as suas despesas pessoais. Todavia em momento algum deu “saída” contabilística de tais despesas, mantendo-as na rubrica de caixa.
Assim, quando confrontado com um valor “caixa” muito superior ao real, em Dezembro de 2012, seguindo o aconselhamento profissional do seu contabilista certificado, foi elaborada a acta n.º 17 na qual se delibera distribuir €650.000,00 de resultados aos sócios, sanando a circunstância de não ter sido retido nem comunicada à Autoridade Tributária a saída de tais valores.
Prevê o art.º 98.º, n.º 1 do CIRS que “Nos casos previstos nos artigos 99.º a 101.º e noutros estabelecidos na lei, a entidade devedora dos rendimentos sujeitos a retenção na fonte, as entidades registadoras ou depositárias, consoante o caso, são obrigadas, no acto do pagamento, do vencimento, ainda que presumido, da sua colocação à disposição, da sua liquidação ou do apuramento do respectivo quantitativo, consoante os casos, a deduzir-lhes as importâncias correspondentes à aplicação das taxas neles previstas por conta do imposto respeitante ao ano em que esses actos ocorrem.”'
O n.º 3 do mesmo preceito refere que “As quantias retidas nos termos dos artigos 99.º a 101.º devem ser entregues até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram deduzidas.”
Ora, impunha-se, destarte, que a arguida retivesse na fonte os montantes relativos à distribuição dos resultados.
Se é certo que deveria ter sido lançada mão, no passado, uma retenção aquando da colocação à disposição por parte do sócio dos montantes da distribuição, também as mesmas poderiam até ter sido classificadas como despesas indocumentadas.
Todavia, os sócios ao tomarem a decisão que vinculou a sociedade de distribuição dos resultados, vieram a configurar a situação material e convertê-la na distribuição de resultados [ainda que já percepcionados no passado], a ocorrer nessa data.
Assim, é esse o momento a ter em apreço.
A presunção legal de que quantias colocadas à disposição dos sócios se tratam de adiantamentos de resultados, contida na lei, não se mostra inilidível.
No caso em apreço a Autoridade Tributária apenas com a classificação atribuída pelos arguidos e logrou o apuramento do quantitativo porquanto o acto efectuado pelos arguidos - de deliberação tomada e vertida em acta - é que vinculou a sociedade àquela classificação de forma indelével.
Veja-se ainda o disposto no art.º 98.º, n.º 4 do CIRS “Sempre que se verifiquem incorrecções, para mais ou para menos, nos montantes retidos, ainda que a título liberatório, devidas a erros imputáveis à entidade sobre a qual recai a obrigação de retenção, pode a sua rectificação ser feita na primeira retenção a que deva proceder-se após a detecção do erro, ou nas seguintes se o montante em excesso ou em falta não se puder rectificar numa só retenção, sem, porém, ultrapassar o último período de retenção anual.”
Assim, denota-se que a circunstância de não terem sido efectuadas retenções quando poderiam [e deveriam] ter sido efectuadas aquando da colocação à disposição, em nada afecta o momento em que é apurado o respectivo quantitativo, isto é, aquando da efectiva distribuição que apenas poderia ocorrer por acta e, nesse momento, não tendo sido ainda retidos deveriam tê-lo sido porquanto tal obrigação mantém-se.
No caso em apreço nenhuma correcção havia a fazer porquanto os arguidos nada haviam comunicado ou retido.
Diferentemente, o art.º 7.º do CIRS reporta-se ao momento a partir do qual ficam sujeitos à tributação os rendimentos da categoria E, o que não afecta o juízo em apreço. Se quando foram colocados à disposição deveria ter ocorrido retenção na fonte para efeitos de consideração [por mera presunção] de adiantamento de resultados, o certo é que, com o acta definitivo [a efectiva distribuição conforme resultou da acta] não desvincula a sociedade de proceder à sua retenção.
Ademais, apenas com a elaboração da acta foi apurado o quantitativo nos termos do art.º 98.º do CIRS dos rendimentos a distribuir.
Dispõe o art.º 119.º, n.º 1, al. c) do CIRS:
“As entidades devedoras de rendimentos que estejam obrigadas a efectuar a retenção, total ou parcial, do imposto, bem como as entidades devedoras dos rendimentos previstos nos n.ºs 4), 5), 7), 9) e 10) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º e dos rendimentos não sujeitos, total ou parcialmente, previstos nos artigos 2.º e 2.º-A e nos n.ºs 2, 4 e 5 do artigo 12.º, e ainda as entidades através das quais sejam processados os rendimentos sujeitos ao regime especial de tributação previsto no n.º 7 do artigo 72.º, são obrigadas a:
[...] c) Entregar à Autoridade Tributária e Aduaneira uma declaração de modelo oficial, referente aos rendimentos pagos ou colocados à disposição e respectivas retenções de imposto, de contribuições obrigatórias para regimes de protecção social e subsistemas legais de saúde, bem como de quotizações sindicais:
i) Até ao dia 10 do mês seguinte ao do pagamento ou colocação à disposição, caso se trate de rendimentos do trabalho dependente, ainda que isentos ou não sujeitos a tributação, sem prejuízo de poder ser estabelecido por portaria do Ministro das Finanças a sua entrega anual nos casos em que tal se justifique;
ii) Até ao final do mês de Janeiro de cada ano, relativamente aos restantes rendimentos do ano anterior;”
Ora, os arguidos omitiram tal obrigação nada tendo declarado nem efectuado a retenção na fonte.
Nos termos do art.º 71.º, n.º 1, al. a) estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 28 %:
a) Os rendimentos de capitais obtidos em território português, por residentes ou não residentes, pagos por ou através de entidades que aqui tenham sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável a que deva imputar-se o pagamento e que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada;
Assim, o montante a ser retido era de €182.000,00.
A omissão por parte dos arguidos visou a não liquidação do imposto.
Os arguidos actuaram com o intuito de obter proveitos económicos indevidos, ao não entregarem nos cofres do Estado a quantia em causa, actuando com dolo directo, como resultou como provado.
O arguido AA actuou como gerente da sociedade, pelo que se trata de autor do crime na acepção legal.
A vantagem patrimonial seria idónea a ser superior a €15.000,00, verificando-se, destarte, tal condição de punibilidade. A vantagem patrimonial foi superior a €50.000,00 pelo que se verifica a qualificação prevista na al. b) do n.º 2 do art.º 104.º do RGIT.
Mostram-se, destarte, preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime em causa, motivo pelo qual impera a condenação dos arguidos pelo mesmo.»
Defendem os recorrentes que, não tendo havido uma efectiva distribuição dos resultados aquando da deliberação da sociedade em 2012, por tais quantias terem sido periodicamente disponibilizadas/utilizadas pelo recorrente AA ao longo dos anos de 1998 a 2012, tais rendimentos são tributáveis em sede de IRS, na respetiva categoria E, constituindo adiantamentos por conta de lucros, e sujeitos a retenção na fonte, a título definitivo, no momento do seu pagamento ou colocação à disposição, pelo que o IRS que deveria ter sido retido na fonte a cada valor periodicamente disponibilizado/utilizado é sempre inferior a €15.000,00, o que significa que a conduta cuja prática é imputada aos recorrentes não constitui crime, nos termos do artigo 103 n.º 2 e 3 do RGIT, devendo antes essas condutas serem qualificadas como contraordenações tributárias e consideradas prescritas, por força dos artigos 5.º n.º 1 e 33.º n.º 1 ambos do RGIT e artigo 120.º do CP, ex vi do artigo 3.º alínea b) do RGIT e do artigo 41.º do RGCO.
Conforme resulta da factualidade provada a vida da sociedade arguida confundia-se com a vida do arguido seu gerente, não tendo a mesma, até 15.12. 2012, conta bancária própria e sendo os rendimentos da sociedade depositados nas contas individuais do arguido, que os afectava a custear gastos privados e da sociedade.
Não houve qualquer deliberação da sociedade no sentido de os rendimentos da mesma auferidos ao longo dos anos de 1998 a 2012 serem distribuídos aos respectivos sócios por conta dos lucros, nem houve sequer o lançamento contabilístico na conta da sociedade desses valores, que o arguido foi utilizando ao longo desses anos, tornando-se desse modo devedor da sociedade.
Não existindo qualquer suporte documental ou contabilístico da atribuição dos rendimentos da sociedade ao arguido, por conta dos seus lucros, que o arguido foi afectando, em cada um daqueles anos ao seu próprio proveito, não houve qualquer acto gerador da obrigação de retenção de imposto sobre esses valores e da consequente obrigação de o arguido os declarar anualmente perante o Fisco e pagar o imposto correspondente, sobre os capitais que foi recebendo ao longo desses anos.
A considerar-se que desse acto – de o arguido usar o dinheiro da sociedade sem qualquer controle contabilístico, como se fossem dividendos antecipados, não declarados contabilisticamente nem sequer deliberados pela sociedade - resultou a obrigação tributária por parte do arguido, que nunca declarou sequer tais rendimentos, estava descoberto um estratagema para a fuga ao pagamento de impostos, quer pela sociedade, quer pelo arguido, sobre os rendimentos auferidos pela sociedade e pelos seus sócios.
O único acto gerador do pagamento de imposto ao Estado foi, como é assinalado na decisão recorrida, a deliberação da sociedade, em 15/12/2012, mediante a qual se procedeu à distribuição pelos sócios de resultados transitados no valor de 650.000€ (seiscentos e cinquenta mil euros), independentemente de tais resultados terem sido ou não efectivamente distribuídos nessa data, sendo certo que resulta como inquestionável da matéria de facto provada o seu efectivo recebimento pelo arguido e a sua afectação em proveito próprio e da sociedade.
Não tem, pois, qualquer fundamento legal a posição defendida pelos recorrentes, de que os factos consubstanciam a prática de contraordenações cujo procedimento se mostra prescrito, concordando-se e subscrevendo-se integralmente a qualificação jurídica dos factos operada pelo tribunal recorrido.
Improcede, assim, este fundamento do recurso.
d) Da falta de pressupostos legais para a condenação em indemnização civil.
A esse propósito diz-se na decisão recorrida:
«Sob a epígrafe “responsabilidade civil emergente de crime” dispõe o artigo 129.º do Código Penal que: “a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil”, logo, nos termos do disposto nos artigos 483.º, 496.º, 562.º, 563.º, 564.º e 566.º do Código Civil.
O princípio geral da responsabilidade civil por factos ilícitos encontra-se consagrado no artigo 483.º do Código Civil onde se estatui que “1 - Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
2 - Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei”.
Da simples leitura do preceito conclui-se que são vários os pressupostos que, no caso geral da responsabilidade por factos ilícitos, condicionam a obrigação de indemnizar imposta ao lesado.
São elementos constitutivos deste tipo de responsabilidade civil: o facto (controlável pela vontade do homem); a ilicitude do facto; o nexo de imputação do facto ao lesante; o dano; o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Verificados todos estes pressupostos, o agente fica constituído na obrigação de indemnizar.
Na operação de determinação do respectivo montante da indemnização, cumpre distinguir o dano patrimonial ou material do dano não patrimonial.
No respeitante aos danos patrimoniais, importa aferir a diferença entre a situação real actual do lesado e a situação - meramente hipotética - em que este se encontraria caso não se tivesse verificado o facto lesivo, devendo considerar-se não só os danos emergentes de tal facto, como também os lucros cessantes, isto é, os benefícios que o lesado deixou de auferir em virtude da verificação do dano.
No caso concreto, tendo em conta o tipo de factos imputados, que violaram de forma ilícita e dolosa o património do Estado, designadamente por ter resultado como provado que o arguido não reteve e entregou nos cofres do Estado a quantia devida, pelo que são, solidariamente, os arguidos responsáveis pelo pagamento dessa indemnização no valor de €182.000,oo a título de danos patrimoniais, sendo o montante que deveria ter sido entregue e correspondente ao benefício obtido.
A demandante peticiona juros desde a citação até integral e efectivo pagamento.
Por força do disposto no art.º 805.º n.º 3 do Código Civil, quando estamos perante responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, a regra é a de que o devedor se constitui em mora desde a citação sendo que no caso em apreço não foi efectuada qualquer actualização.
Destarte, são devidos juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento.»
Ao contrário do que é alegado pelos recorrentes verificam-se todos os pressupostos legais exigidos no artigo 483.º do Código Civil para a condenação dos arguidos no pagamento da indemnização civil que foi decretada pelo tribunal recorrido, incluindo o prejuízo (dano) que resultou para o Estado do não pagamento do imposto que era devido e o dolo dos arguidos, que os recorrentes alegam não existirem com base em factos que não são os provados, bem como o nexo causal entre a conduta dos arguidos e o dano verificado.
Termos em que, sem necessidade de outras considerações para além das que constam da sentença recorrida, que se subscrevem, é manifestamente improcedente este fundamento do recurso quanto à condenação cível.
Não havendo outras questões a apreciar impõe-se concluir pela total improcedência do recurso, com a consequente condenação dos arguidos nas custas, nos termos do artigo 513.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e do Regulamento das Custas Processuais.
III – Dispositivo
Pelo exposto, acordam, os Juízes, na 5ª secção deste Tribunal da Relação, em negar provimento ao recurso interposto pelos arguidos.
Custas do recurso a cargo dos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça individual em 3 UC.

Lisboa, 24 de Setembro de 2024
(Texto integralmente processado e revisto pela relatora – art.º 94.º, n.º 2, do C.P.P.)
Maria José Costa Machado
Ester Pacheco dos Santos
Alexandra Veiga