ARRESTO
OPOSIÇÃO
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
VÍCIOS DA SENTENÇA
VÍCIOS DO ARTº 410º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
PATRIMÓNIO
Sumário

(da responsabilidade do relator):
I – A natureza e o formalismo do despacho que decide sobre a oposição ao arresto preventivo, onde são firmados factos “indiciariamente apurados” e “não indiciariamente demostrados”, não o insere no conceito de decisão final do objeto do processo, com virtualidade de caso julgado formal e material, sim atribui-lhe a natureza de despacho sobre questão interlocutória, como tal a cair no art. 97.º/1b)CPP, uma vez que a “remissão” do art. 228.º/1CPP para o processo civil respeita ao processamento e audiência e não à natureza do despacho.
II – As nulidades de reporte ao art. 379.ºCPP são exclusivas da sentença, tal qual linearmente resulta da inserção sistemática da norma, da respetiva epígrafe e do corpo do referido número, e quanto às mesmas não existe norma de conteúdo extensivo idêntico ao do n.º 3 do art. 380.ºCPP.
III – Os vícios do n.º 2 do art. 410.ºCPP são anomalias decisórias, circunscritos à matéria de facto, apreensíveis pelo seu simples texto, sem recurso a quaisquer outros elementos a ela estranhos, impeditivos de bem se decidir tanto ao nível da matéria de facto como de direito, sempre ao nível da confeção da sentença e privativos desta.
IV – A realidade “património” do Arguido assume funções distintas em sede do regime da Lei 5/2002-1janeiro: a) permite, nas limitações estabelecidas, o cálculo do valor de incongruência face ao rendimento lícito (art. 7.º/1)/2); b) permite, sem essas limitações, fixar o acervo de bens a arrestar como garantia do pagamento da incongruência, em caso de condenação (art. 10.º/1);
V – A presunção estabelecida no art. 7.º pode ser impugnada pela via do art. 9.º.
VI – Já a oposição ao arresto é regulada pelas regras gerais do art. 228.ºCPP, como resulta do art. 10.º/4.
VII – Dai que a oposição ao arresto, visando apenas a prova de origem lícita, não seja admissível

Texto Integral

Acordam os Juízes, em conferência, na 5.ª Secção Penal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO
1. Despacho recorrido
Em sede de Incidente de Oposição a Arresto Preventivo (por apenso - B) deduzido pela Arguida AA
foi proferido despacho, a 13março2024 (ref. 160230746), onde (na parte que ora se cuida) se decidiu:
a. julgar improcedente, por não provada, a oposição deduzida ao arresto decretado nos autos;
b. determinar que as instituições bancárias aludidas cinjam a impossibilidade de movimentação das contas reportadas ao determinado no despacho proferido nos autos (de 21janeiro2022 – ref. 7718520 – Juiz 3 do Tribunal Central de Instrução Criminal - Lisboa).
2. Recurso
Inconformada com o referido despacho, do mesmo e junto do Tribunal a quo interpôs a Arguida recurso (2maio2024 - ref. 15162825) motivando-o e delimitando-o no objeto com as conclusões (eivadas da exigida condensação, algo baralhadas e confusas, em face das delimitações e pretensões finais concretas e viáveis, que só não se mandaram aperfeiçoar dado ainda assim, compreensível a final pretensão formulada em sede dos autos) que se transcrevem:
(SIC, com exceção da formatação do texto – tendo sido impossível retirar a opção de escrita em maiúsculas, a qual torna extremamente penosa a leitura pelas dificuldades que gera -, optando-se pelo integral ausente de negrito, itálico e/ou sublinhado, da responsabilidade do Relator)
Conclusões
1. NOS PRESENTES AUTOS, O TRIBUNAL A QUO VEIO A JULGAR IMPROCEDENTE A OPOSIÇÃO DEDUZIDA QUANTO AO ARRESTO DECRETADO PARA OS EFEITOS DA LEI N.º 5/2002, DE 11 DE JANEIRO, NÃO PODENDO A RECORRENTE CONFORMAR-SE COM TAL DOUTA DECISÃO QUE, SALVO MELHOR ENTENDIMENTO, É NULA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA.
2. O ASPECTO PRIMÁRIO E ESSENCIAL TRAZIDO PELA RECORRENTE NA SUA OPOSIÇÃO ERA PRECISAMENTE A QUESTÃO DA INEXISTÊNCIA DE PATRIMÓNIO POR SI TITULADO QUE FOSSE INCONGRUENTE COM OS RENDIMENTOS LICITAMENTE OBTIDOS: PEDIA-SE O LEVANTAMENTO DO ARRESTO COM FUNDAMENTO NA INEXISTÊNCIA DE PATRIMÓNIO INCONGRUENTE, SUSTENTANDO-SE QUE TODO O PATRIMÓNIO QUE A RECORRENTE TEM PROVÉM DO QUE LICITAMENTE LHE ADVEIO FRUTO DO SEU TRABALHO E DO MARIDO, E DAS HERANÇAS QUE RECEBERAM.
3. PORÉM, O TRIBUNAL A QUO COMO QUE “SALTA” ESTA QUESTÃO, QUE NÃO DECIDE. EM MOMENTO ALGUM DA DOUTA DECISÃO SE JULGA DA (IN)EXISTÊNCIA DE PATRIMÓNIO INCONGRUENTE.
4. O TRIBUNAL DECIDE APENAS QUE OS CÁLCULOS DA VANTAGEM ESTÃO CORRECTOS, O QUE, SALVO O DEVIDO RESPEITO, É DECIDIR A QUESTÃO SEGUINTE À DA INEXISTÊNCIA DE PATRIMÓNIO INCONGRUENTE E NÃO AQUELA QUE LHE CABIA PRIMEIRO.
5. UMA COISA É A QUESTÃO DE SABER SE HÁ OU NÃO INCONGRUÊNCIAS NO PATRIMÓNIO, OUTRA – NECESSARIAMENTE POSTERIOR – É A DE SABER SE O VALOR APURADO PARA A INCONGRUÊNCIA ESTÁ OU NÃO CORRECTO.
6. ORA, TENDO SIDO TRAZIDA COMO FUNDAMENTO DA OPOSIÇÃO A INEXISTÊNCIA DE QUALQUER INCOERÊNCIA NO PATRIMÓNIO DA RECORRENTE, NÃO PODIA O TRIBUNAL ESQUIVAR-SE A DECIDI-LA, COMO FEZ, TRATANDO APENAS A PROBLEMÁTICA DO VALOR APURADO COMO SE A PRÓPRIA VERIFICAÇÃO DA INCONGRUÊNCIA NÃO FOSSE RELEVANTE.
7. SENDO ESTA DOUTA DECISÃO MATERIALMENTE EQUIVALENTE A UMA SENTENÇA, POR DECIDIR DEFINITIVAMENTE DO ARRESTO, É PLENAMENTE APLICÁVEL O DISPOSTO NO ART.º 379.º CPP, PELO QUE É NULA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA NOS TERMOS DO N.º 1 AL. C) DA REFERIDA NORMA, POIS QUE O TRIBUNAL EM RIGOR NADA DECIDIU ACERCA DE UM DOS FUNDAMENTOS DA OPOSIÇÃO.
8. SEM PRESCINDIR, A DOUTA DECISÃO É NULA POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO.
9. A MERITÍSSIMA JUIZ A QUO SECCIONOU EM DOIS PONTOS A ARGUMENTAÇÃO DA RECORRENTE: OS “CÁLCULOS EM QUE SE BASEIA O MINISTÉRIO PÚBLICO PARA ENCONTRAR O VALOR CORRESPONDENTE À VANTAGEM PATRIMONIAL A QUE ALUDE O ART. 7º DA LEI 5/2002, DE 11 DE JANEIRO” E O “PATRIMÓNIO AFETADO PELO ARRESTO DE BENS ORDENADO”, O QUE SE AFIGURA DESDE LOGO COMO MANIFESTAMENTE REDUTOR FACE AO QUE A RECORRENTE ALEGOU.
10. ANCORADO NESTES DOIS “ASSUNTOS” EXTRAORDINARIAMENTE REDUTORES FACE AO QUE SE DEIXOU NA OPOSIÇÃO, O TRIBUNAL A QUO VEM A DECIDIR AQUELE PRIMEIRO (OS CÁLCULOS) SEM CONCRETA E CABALMENTE EXPLICAR POR QUE RAZÃO ASSIM ENTENDE.
11. O QUE ESCREVE É – À FALTA DE MELHOR EXPRESSÃO – O MESMO QUE DIZER “É ASSIM PORQUE É ASSIM”, SENDO GRITANTE A OBSCURIDADE E O “OCULTISMO” DE QUE PADECE A DOUTA DECISÃO RECORRIDA NO QUE À JUSTIFICAÇÃO DA DECISÃO CONCERNE.
12. A FALTA ABSOLUTA DE EXPLICAÇÃO DAS RAZÕES EM QUE ASSENTA A DECISÃO É TANTO MAIS GRAVE QUANDO AQUELA – COMO É O CASO DESTA – TENHA IMPACTO DIRECTO E REPERCUSSÕES GRAVÍSSIMAS NO PATRIMÓNIO DESTA CIDADÃ, QUE VÊ OS SEUS BENS ARRESTADOS E POSSIVELMENTE PERDIDOS A FAVOR DO ESTADO.
13. QUANTO A ESTE CONCRETA QUESTÃO PODE LER-SE QUE “A PROVA PRODUZIDA NA FASE INSTRUTÓRIA NÃO ABALOU OS INDÍCIOS PROBATÓRIOS EM QUE SUPORTOU A DECISÃO”, O QUE SE SUSTENTA UNICAMENTE DIZENDO QUE “OS CÁLCULOS EFECTUADOS ENCONTRAM-SE DEVIDAMENTE EXPLANADOS”, “O ART. 264 DA ACUSAÇÃO REFERE QUAL O MONTANTE QUE SE ENTENDE CORRESPONDER O LOCUPLETAMENTO APURADO DA ARGUIDA” E “A VANTAGEM PATRIMONIAL APURADA PELO GABINETE DE RECUPERAÇÃO DE ACTIVOS CORRESPONDE À DIFERENÇA ENTRE O PATRIMÓNIO DECLARADO PELA ARGUIDA E O ENCONTRADO NA SUA TITULARIDADE”.
14. O TRIBUNAL NÃO ESCLARECE POR QUE RAZÃO ASSIM CONSIDEROU, LIMITANDO-SE A DIZER QUE OS CÁLCULOS “ESTÃO BEM” PORQUE O “GABINETE DE RECUPERAÇÃO DE ACTIVOS” ASSIM O INDICOU, BASTANDO-SE, POIS, COM OS QUADROS INSERTOS NO REQUERIMENTO DO MP E PROVENIENTES DAQUELE GABINETE, ABSOLUTAMENTE DESGARRADOS DE QUALQUER EXPLICAÇÃO, LÓGICA OU – EM MUITOS CASOS – COERÊNCIA.
15. ALÉM DE INADMISSÍVEL, É BEM ILUSTRADOR DA INTOLERÁVEL PREPONDERÂNCIA E ADESÃO CEGA À PALAVRA E ACTIVIDADE DO REFERIDO GABINETE DE RECUPERAÇÃO DE ACTIVOS, IGNORANDO TUDO O QUE A RECORRENTE DEIXOU E TROUXE EM SUA DEFESA, COMO SE O DIREITO AO CONTRADITÓRIO NÃO EXISTISSE E PUDESSE FAVORECER-SE A PALAVRA DO MP OU DO OPC EM DETRIMENTO DA DO ARGUIDO SEM RAZÃO APARENTE.
16. O DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO A QUE OBEDECEM OBRIGATORIAMENTE AS DECISÕES JUDICIAIS NÃO CARECE DE DENSIFICAÇÃO, E ESTA, MUITO EMBORA POSSÍVEL DE OPERAR-SE POR REMISSÃO A UMA DADA LINHA ARGUMENTATIVA OU A CERTOS DOCUMENTOS, NÃO SE PODE BASTAR COM UMA ADESÃO INEXPLICADA E INCOMPREENSÍVEL A UM ANTERIOR ARTICULADO – COMO AQUI É O CASO.
17. INTEIRAMENTE OMISSO O ITER PERCORRIDO PELA MERITÍSSIMA JUIZ A QUO, A RAZÃO DE SER DA DECISÃO É POIS OBSCURA E QUASE ESOTÉRICA, REDUNDANDO POIS (E SEM NECESSIDADES DE MAIORES CONSIDERAÇÕES OU COMENTÁRIO, POR EVIDENTE) NA APONTADA NULIDADE DE FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO E VIOLANDO-SE OS ARTS.º 10.º DA DUDH, 20.º E 205.º DA CRP E 379.º N.º 1 AL. A) CPP.
18. NO MESMO SENTIDO E A ESTE RESPEITO, VIDE O AC. TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA, PROC. N.º 324/14.0TELSB-CB.L1-3, DE 13/02/2019, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT, ONDE PODE LER-SE NO SUMÁRIO QUE:
“I- O DESPACHO JUDICIAL QUE CONHECE A OPOSIÇÃO AO ARRESTO DEVE CONTER A ENUNCIAÇÃO, AINDA QUE SUCINTA MAS PERCEPTÍVEL E COMPLETA, DOS FACTOS PROVADOS E NÃO PROVADOS, BEM COMO A EXPOSIÇÃO DAS RAZÕES EM QUE SE MOTIVOU A DECISÃO DE FACTO E A INDICAÇÃO DAS DISPOSIÇÕES LEGAIS EM QUE SE FUNDAMENTA;
II- SENDO INEQUÍVOCO O RELEVO DA TUTELA DOS INTERESSES CONFLITUANTES DE UM INCIDENTE DE ARRESTO PREVENTIVO, AQUI SE INCLUINDO AS EXIGÊNCIAS DA PERSEGUIÇÃO CRIMINAL, MAS TAMBÉM, POR OUTRO, O DIREITO DE PROPRIEDADE DAS PESSOAS VISADAS, O JUIZ NÃO PODE ESTAR LIMITADO NEM VINCULADO APENAS ÀS AFIRMAÇÕES PRODUZIDAS NA PROMOÇÃO DO REQUERENTE MINISTÉRIO PÚBLICO, NEM MESMO POR QUALQUER UM DOS RESTANTES SUJEITOS PROCESSUAIS, DEVENDO FORMAR UMA CONVICÇÃO PRÓPRIA DOS ELEMENTOS QUE LHE SÃO APRESENTADOS;
III- O PROCEDIMENTO DE FUNDAMENTAÇÃO POR MERA REMISSÃO PARA APOSIÇÃO EXPRESSA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO E SEM A FORMULAÇÃO DE UM JUÍZO AUTÓNOMO E PRÓPRIO PELO JUIZ, NÃO PERMITE SUPOR QUE A OPOSIÇÃO AO ARRESTO TENHA SIDO EFECTIVAMENTE EXAMINADA DE FORMA EQUITATIVA POR UM TRIBUNAL INDEPENDENTE E IMPARCIAL, COM RESPEITO PELOS PRINCÍPIOS DA EFECTIVIDADE DA DEFESA DOS INTERESSES DA AQUI OPONENTE, BEM COMO DOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA IGUALDADE DE ARMAS, ÍNSITOS NO PRINCIPIO DO PROCESSO EQUITATIVO E PREVISTOS NOS ARTIGOS 20 Nº 1 E Nº 4 DA CRP E 10º DA DUDH.”
19. AINDA QUE ASSIM NÃO SE CONSIDERASSE, O QUE POR MERO DEVER DE PATROCÍNIO SE PONDERA, A DOUTA DECISÃO RECORRIDA É NULA POR INSANAVELMENTE CONTRADITÓRIOS OS (PARCOS) FUNDAMENTOS DE QUE SE SOCORRE.
20. QUANTO À QUESTÃO DOS “CÁLCULOS DA VANTAGEM” E IMEDIATAMENTE ANTES DE DECIDIR, PODE LER-SE: “SENDO CERTO QUE, COMO REFERE A ARGUIDA, ORA OPOENTE, NO PONTO 24 DO SEU ARTICULADO, TODO O SEU PATRIMÓNIO E RENDIMENTOS SE ENCONTRAM DEVIDAMENTE DECLARADOS EM SEDE FISCAL”.
21. SALVO O DEVIDO RESPEITO, O QUE DAQUI SE EXTRAI É NECESSARIAMENTE QUE NÃO FOI ENCONTRADO NA TITULARIDADE DA ARGUIDA PATRIMÓNIO OU RENDIMENTOS QUE NÃO CORRESPONDAM INTEGRALMENTE AO POR SI DECLARADO E, POIS, A VANTAGEM PRESUMIDA PELA LEI PURA E SIMPLESMENTE INEXISTE: MATEMATICAMENTE É IGUAL A 0.
22. LOGO, DALI SE EXTRA PRECISAMENTE A ILISÃO ÍNSITA NO ART.º 9.º DA LEI N.º 5/2002 DA PRESUNÇÃO DO ART.º 7.º N.º 1 DAQUELE DIPLOMA; E, UMA VEZ ILIDIDA, NÃO OPERA A PRESUNÇÃO, PELO QUE, INEXISTINDO A “VANTAGEM” CUJO PAGAMENTO É GARANTIDO PELO ARRESTO, ESTE NÃO PODE SER APLICADO.
23. A DOUTA DECISÃO PADECE ASSIM DE NULIDADE ADVINDA DA CONTRADIÇÃO EM QUE INCORRE, PORQUANTO NÃO É POSSÍVEL CONSIDERAR INEXISTENTE A INCONGRUÊNCIA QUE PERMITIRIA O ARRESTO E SIMULTANEAMENTE CONSIDERA-LO APLICÁVEL.
24. SEM PRESCINDIR, A DOUTA DECISÃO RECORRIDA É NULA POR VIOLAÇÃO DOS ARTS.º 7.º, 9.º E 10.º, TODOS DA LEI N.º 5/2002 DE 11 DE JANEIRO.
25. A POSSIBILIDADE DE LANÇAR MÃO DO ARRESTO PREVISTO NO ART.º 10.º N.º 1 DA REFERIDA LEI DEPENDE DA VERIFICAÇÃO DE FORTES INDÍCIOS DA PRÁTICA DO CRIME (O QUE DECORRE DA DEDUÇÃO DE ACUSAÇÃO E QUE NÃO SE QUESTIONOU) E DA INCONGRUÊNCIA ENTRE O PATRIMÓNIO DETIDO PELO ARGUIDO E AQUELE QUE SEJA CONSENTÂNEO COM OS SEUS RENDIMENTOS LÍCITOS.
26. NA PRESENÇA DE TAIS INDÍCIOS, OPERA A PRESUNÇÃO LEGAL DE QUE A INCONGRUÊNCIA RESULTE DA PRÁTICA DO CRIME – QUE SEJA A VANTAGEM PATRIMONIAL OBTIDA EM VIRTUDE DA PRÁTICA DO CRIME (ART.º 7.º DO DIPLOMA MENCIONADO). PORÉM, SE O ARGUIDO LOGRAR PROVAR A ORIGEM LÍCITA DOS RENDIMENTOS, A SUA TITULARIDADE HÁ PELO MENOS CINCO ANOS ANTES DA CONSTITUIÇÃO COMO ARGUIDO, OU A SUA AQUISIÇÃO COM RENDIMENTOS OBTIDOS NO MESMO PERÍODO, A PRESUNÇÃO É ILIDIDA.
27. IN CASU, DA PROVA PRODUZIDA DECORRE QUE TODO O PATRIMÓNIO DA RECORRENTE FOI OBTIDO COM O PRODUTO DO SEU SALÁRIO E DO SALÁRIO DO MARIDO; OU ADVEIO AO CASAL PELA VIA SUCESSÓRIA; OU FOI ADQUIRIDO COM RECURSO AO PRODUTO DA VENDA DAQUELOUTRO PATRIMÓNIO. E DE TAL SORTE FOI PRODUZIDA PROVA NESSE SENTIDO QUE O PRÓPRIO TRIBUNAL A QUO COMPREENDEU QUE A RECORRENTE DECLAROU TODO O SEU PATRIMÓNIO E RENDIMENTOS!
28. O QUE SÓ PODE SIGNIFICAR A ILISÃO, NOS TERMOS DO ART.º 9.º DA REFERIDA LEI, DA PRESUNÇÃO ÍNSITA NO ART.º 7.º N.º 1, E CONDUZIR AO CABAL AFASTAMENTO DE QUALQUER DESCONFORMIDADE ENTRE O PATRIMÓNIO POR SI DETIDO E AQUELE QUE SERIA CONSENTIDO PELOS SEUS RENDIMENTOS LÍCITOS.
29. COMO SE DISSE, UMA VEZ ILIDIDA ESTA PRESUNÇÃO, FICA PREJUDICADA A POSSIBILIDADE DE DESPOLETAR O ARRESTO ESTATUÍDO NO ART.º 10.º DAQUELE DIPLOMA: FALTANDO UM DOS PRESSUPOSTOS DA PREVISÃO NORMATIVA, NÃO SE PODE DESENCADEAR A SUA APLICAÇÃO.
30. ASSIM, A DOUTA DECISÃO RECORRIDA VIOLOU ESTAS NORMAS AO ENTENDER APLICÁVEL A PRESUNÇÃO DO ART.º 7.º E LÍCITO O DECRETAMENTO DO ARRESTO PRESCRITO NO ART.º 10.º APESAR DE CONSIDERAR ILIDIDA A PRESUNÇÃO PREVISTA NO ART.º 9.º DA LEI N.º 5/2002 DE 11 DE JANEIRO.
31. A DOUTA DECISÃO ENCERRA AINDA A MANIFESTA VIOLAÇÃO DAS NORMAS RELATIVAS AO VALOR PROBATÓRIO DE DOCUMENTOS AUTÊNTICOS, INEXPLICAVELMENTE NÃO TENDO COMO PROVADOS FACTOS QUE, FACE AOS MEIOS DE PROVA DE ONDE DECORREM E ÀS REGRAS APLICÁVEIS À RESPECTIVA VALORAÇÃO, HAVERIAM TÊ-LO SIDO.
32. FACE À PROVA DOCUMENTAL PRODUZIDA POR MEIO DE DOCUMENTO AUTÊNTICO CUJA FALSIDADE NÃO SE SUSCITOU DEVERIA TER-SE DADO COMO PROVADO QUE:
a. A PENSÃO DE REFORMA DA TIA DA RECORRENTE, BB, TOTALIZAVA EM 2021 €9.690,94 ANUAIS (DOC. 16 DA OPOSIÇÃO);
b. NO DIA 26 DE SETEMBRO DE 2017 E PELO PREÇO DE €180.000,00, A RECORRENTE E O MARIDO VENDERAM A FRACÇÃO AUTÓNOMA DESIGNADA PELA LETRA “…” DO PRÉDIO URBANO DESCRITO NA CONSERVATÓRIA DO REGISTO PREDIAL DE ... SOB O N.º … DA FREGUESIA DE …, CONCELHO DE …, INSCRITO NA MATRIZ PREDIAL URBANA SOB O ARTIGO ... (DOC. 4 DA OPOSIÇÃO);
c. NO DIA 7 DE NOVEMBRO DE 2017 E PELO PREÇO DE €180.000,00, A RECORRENTE E O MARIDO VENDERAM A FRACÇÃO AUTÓNOMA DESIGNADA PELA LETRA “...” DO PRÉDIO URBANO DESCRITO NA CONSERVATÓRIA DO REGISTO PREDIAL DE ... SOB O N.º ..., CONCELHO DE ..., INSCRITO NA MATRIZ PREDIAL URBANA SOB O ARTIGO ... (DOC. 6 DA OPOSIÇÃO);
d. FRACÇÃO ESSA QUE HAVIAM ADQUIRIDO EM 1997 (DOCS. 6 E 7 DA OPOSIÇÃO);
e. NO DIA 20 DE SETEMBRO DE 2018 E PELO PREÇO DE €200.000,00, A RECORRENTE E O MARIDO ADQUIRIRAM O PRÉDIO URBANO DESCRITO NA CONSERVATÓRIA DO REGISTO PREDIAL DE … SOB O N.º … DA FREGUESIA DE …, CONCELHO DE …, INSCRITO NA MATRIZ PREDIAL URBANA SOB O ARTIGO PROVISÓRIO … DA MESMA FREGUESIA (DOCS. 8 E 9 DA OPOSIÇÃO);
f. NEGÓCIOS QUE FORAM DEVIDAMENTE DECLARADOS EM SEDE DE IRS E PARA EFEITOS FISCAIS (DOC. 10 DA OPOSIÇÃO);
g. O CÔNJUGE DA RECORRENTE TEM UM GRAU DE INCAPACIDADE MOTORA DE 90%, INCAPACIDADE PERMANENTE DESDE PELO MENOS 2014 (DOC. 12 DA OPOSIÇÃO);
h. AS ACÇÕES … N.º ... ASSOCIADAS À CONTA N.º ... FORAM HERDADAS PELA RECORRENTE, SENDO ANTERIORMENTE TITULADAS PELA SUA MÃE (DOC. 24 DA OPOSIÇÃO).
33. ESTES DOCUMENTOS ENCONTRAM-SE SUBTRAÍDOS AO PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO, FAZENDO PROVA PLENA DOS FACTOS ALI CONSTANTES (CFR. ART.º 169.º CPP), JÁ QUE SÃO TODOS DOCUMENTOS AUTÊNTICOS NOS TERMOS DOS ARTS.º 369.º E SEGUINTES DO CÓDIGO CIVIL (TRATAM-SE DE ESCRITURAS PÚBLICAS E CERTIDÕES/DECLARAÇÕES EMITIDAS POR AUTORIDADES E ENTIDADES PÚBLICAS - SEGURANÇA SOCIAL, AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, INSTITUTO DOS REGISTOS E NOTARIADO, CMVM, MÉDICO DO SNS).
34. SALVO O MUITO E DEVIDO RESPEITO, A MERITÍSSIMA JUIZ A QUO NÃO PODE ESCOLHER QUAIS OS FACTOS QUE TEM COMO PROVADOS QUANDO ELES RESULTEM DE MEIOS DE PROVA CUJA VALORAÇÃO É VINCULADA E RESULTA DA LEI E, NESTE CASO CONCRETO, ESTES DOCUMENTOS IMPUNHAM QUE SE TIVESSEM JULGADO PROVADOS OS FACTOS SUPRA.
35. DAÍ QUE, AO NÃO TER COMO PROVADOS OS FACTOS ALI DIRECTAMENTE REFLECTIDOS, O TRIBUNAL A QUO VIOLOU O ART.º 169.º DO CPP, INQUINANDO A DOUTA DECISÃO DA NULIDADE APONTADA.
36. ACRESCE QUE – E COMO SE NÃO BASTASSEM TODOS OS VÍCIOS ACIMA ELENCADOS – NA DOUTA DECISÃO RECORRIDA FAZ-SE UMA NOTORIAMENTE ERRADA APRECIAÇÃO DA PROVA, DESCONSIDERANDO QUER A PROVA DOCUMENTAL QUER A PROVA TESTEMUNHAL PRODUZIDA.
37. FACE À PROVA DOCUMENTAL, DEVERIA TER-SE DADO COMO PROVADO QUE:
a. A CONTA BANCÁRIA COM O IBAN ... É ONDE É CREDITADA A PENSÃO DE REFORMA DA TIA DA RECORRENTE, BB (O QUE DECORRE DOS EXTRACTOS BANCÁRIOS DAQUELA CONTA, A FLS. 100-115, BEM COMO DO DOC. 17 DA OPOSIÇÃO);
b. A FRACÇÃO AUTÓNOMA DESIGNADA PELA LETRA “D” DO PRÉDIO URBANO DESCRITO NA CONSERVATÓRIA DO REGISTO PREDIAL DE … SOB O N.º … DA FREGUESIA DE …, CONCELHO DE …, INSCRITO NA MATRIZ PREDIAL URBANA SOB O ARTIGO ..., HAVIA SIDO ADQUIRIDA PELA RECORRENTE E PELO MARIDO EM 1999 COM RECURSO A FINANCIAMENTO BANCÁRIO E SOBRE A QUAL, À DATA EM QUE A VENDERAM (26/09/2017), INCIDIA AINDA HIPOTECA A FAVOR DO ..., REGISTADA PELA AP. 16 DE 24/9/1999 (DOCS. 4 E 5 DA OPOSIÇÃO);
c. A CONTA DE DEPÓSITOS À ORDEM COM O N.º 7-183075-000-002, DO ... É ONDE O FILHO DA RECORRENTE RECEBE O SEU SALÁRIO (DOCS. 18, 19, 20, 21 E 22 DA OPOSIÇÃO);
d. OS FUNDOS DE INVESTIMENTO BPI BRASIL QUE SE ACHAM ACOPLADOS À CONTA BANCÁRIA REFERIDA NA ALÍNEA ANTERIOR ERAM DA TITULARIDADE DA ARGUIDA E DO MARIDO (DOC. 23 DA OPOSIÇÃO);
38. MUITO EMBORA ESTES DOCUMENTOS SEJAM, PARA EFEITOS PROBATÓRIOS, “DOCUMENTOS PARTICULARES” E QUANTO A ELES VIGORE O PRINCÍPIO DA LIVRE VALORAÇÃO DA PROVA, A VERDADE É QUE VIRTUALMENTE TODOS OS DOCUMENTOS ACIMA INDICADOS FORAM EMITIDOS POR BANCOS.
39. POR ESSA RAZÃO – POR SE TRATAREM DE ENTIDADES ISENTAS E DE DOCUMENTOS CUJA FALSIDADE NÃO FOI SUSCITADA E CUJA VERACIDADE DAS INFORMAÇÕES ALI CONTIDAS NÃO SE QUESTIONOU – INEXISTIRÃO QUAISQUER RAZÕES LEGÍTIMAS PARA NÃO ATENDER-LHES E TER COMO PROVADOS OS FACTOS QUE DALI DECORREM DE MODO INEQUÍVOCO.
40. ESTES FACTOS, QUE NÃO CONSTAM DA ACUSAÇÃO E/OU DO REQUERIMENTO DO MP, ONDE NÃO FORAM LEVADOS EM CONSIDERAÇÃO, MOSTRANDO-SE ESSENCIAIS PARA A DECISÃO A PROFERIR (POR ATINENTES AO PATRIMÓNIO DA RECORRENTE E ÀQUELE QUE, APESAR DAS “PRIMEIRAS IMPRESSÕES”, NÃO O É), DEVERIAM TER SIDO DADOS COMO PROVADOS.
41. A CORRECTA, PONDERADA E CRÍTICA VALORAÇÃO DA PROVA PRODUZIDA NÃO PERMITIRIA AO TRIBUNAL A QUO AFASTAR A PROVA DOS FACTOS QUE DECORREM DESTES DOCUMENTOS, PELO QUE HAVERIAM DE TER SIDO DADOS COMO PROVADOS – E, AO NÃO TÊLO SIDO, O TRIBUNAL ERROU NOTORIAMENTE A APRECIAÇÃO DA PROVA.
42. ALÉM DO QUE ERRONEAMENTE SE CONSIDEROU NÃO DEMONSTRADO QUE OS VEÍCULOS AUTOMÓVEIS TENHAM SIDO ADQUIRIDOS COM ISENÇÃO DE IVA, PAGANDO SOMENTE O IMPOSTO NO QUE EXCEDESSE OS €6.500,00 EM VIRTUDE DA INCAPACIDADE MOTORA SUPERIOR A 60% DE QUE PADECE O CÔNJUGE DA RECORRENTE – O QUE DECORRE NÃO SÓ DA LEI, COMO DA PROVA DOCUMENTAL E TAMBÉM DA PROVA TESTEMUNHAL PRODUZIDA.
43. VEJA-SE QUE DO DOCUMENTO 12 DA OPOSIÇÃO DECORRE QUE O CÔNJUGE DA RECORRENTE TEM INCAPACIDADE MOTORA DE GRAU SUPERIOR A 60%, COM CARÁCTER PERMANENTE DESDE PELO MENOS 2014; E DO DEPOIMENTO DO MARIDO DA ARGUIDA RESULTA QUE MESMO O AUTOMÓVEL QUE ADQUIRIDO EM 2006 (COM A MATRÍCULA ..-CL-..) TINHA SIDO COMPRADO APÓS O ACIDENTE QUE PROVOCOU A INCAPACIDADE LEGITIMADORA DA ISENÇÃO (VIDE FICHEIRO DILIGENCIA_160-14.3TAALQ-B_2024-01-09_1542-45, 00:30:38 A 00:31:22)
44. ORA, ATENDENDO A QUE O VEÍCULO COM A MATRÍCULA ..-QX-.. FOI ADQUIRIDO EM 2016 (COMO DECORRE DO REQUERIMENTO DO MP, DOS DOCUMENTOS DOS AUTOS E FOI CONFIRMADO PELO PRÓPRIO EM SEDE DE AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO) E QUE O VEÍCULO COM A MATRÍCULA ..-CL-.. FOI ADQUIRIDO EM 2006 JÁ APÓS A VERIFICAÇÃO DAQUELA INCAPACIDADE, DECORRE DA CONJUGAÇÃO DESTES FACTOS COM O DISPOSTO NOS ARTIGOS 5.º N.º 2 ALÍNEA A), 48.º, 54.º E 55.º N.º 1 ALÍNEA C) TODOS DA LEI N.º 22—A/2007 QUE SE BENEFICIOU DA ISENÇÃO REFERIDA.
45. SÓ ASSENTE NA ERRADA VALORAÇÃO DA PROVA SE PÔDE JULGAR NÃO DEMONSTRADO AQUELE FACTO, QUE DECORRE DA PROVA DOCUMENTAL, DO DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA QUANTO A FACTOS QUE LHE RESPEITAM PESSOALMENTE, E DA PRÓPRIA APLICAÇÃO DA LEI VIGENTE. IMPUNHA-SE POR ISSO QUE AQUELE FACTO QUANTO AOS AUTOMÓVEIS TIVESSE SIDO JULGADO PROVADO.
46. O TRIBUNAL A QUO TAMBÉM VALOROU DE FORMA MANIFESTAMENTE ERRADA OS DEPOIMENTOS PRESTADOS PELAS TESTEMUNHAS, SUBVERTENDO-OS NUM EXERCÍCIO ILUSTRADOR DO VIÉS CONFIRMATÓRIO DE QUE SE EIVA A DOUTA DECISÃO RECORRIDA.
47. DO DEPOIMENTO DO MARIDO DA ORA RECORRENTE RESULTA, ENTRE OUTROS, QUE:
a. ERAM AMBOS “RAZOAVELMENTE REMUNERADOS”, AUFERINDO A ARGUIDA CERCA DE €1.600,00 MENSAIS (FICHEIRO DILIGENCIA_160-14.3TAALQ-B_2024-0109_15-42-45, 00:04:46 A 00:06:02)
b. O CASAL INVESTIA EM APLICAÇÕES FINANCEIRAS (FICHEIRO DILIGENCIA_160-14.3TAALQ-B_2024-01-09_15-42-45, 00:22:31 A 00:22:54)
c. SEMPRE DECLARARAM TODOS OS RENDIMENTOS POR SI AUFERIDOS QUER DO TRABALHO, QUER DAS APLICAÇÕES FINANCEIRAS, (FICHEIRO DILIGENCIA_160-14.3TAALQ-B_2024-01-09_15-42-45, 00:22:31 A 00:22:54)
d. A CIRCUNSTÂNCIA DE SER FUNCIONÁRIO DO BANCO LHE PERMITIA TER CONDIÇÕES ESPECIAIS NOS EMPRÉSTIMOS PARA AQUISIÇÃO DE CASA (FICHEIRO DILIGENCIA_160-14.3TAALQ-B_2024-01-09_15-42-45, 00:23:06 A 00:23:17)
e. A DEFICIÊNCIA DE QUE PADECE LHE PERMITE TER ALGUNS BENEFÍCIOS FISCAIS NOMEADAMENTE NA AQUISIÇÃO DE VEÍCULOS (FICHEIRO DILIGENCIA_160-14.3TAALQ-B_2024-01-09_15-42-45, 00:23:30 A 00:24:10)
f. APÓS A COMPRA DO VEÍCULO COM A MATRÍCULA ..-QX-.. EM 2016, O OUTRO (COM A MATRÍCULA ..-CL-..) FOI DADO AO FILHO (FICHEIRO DILIGENCIA_160-14.3TAALQ-B_2024-01-09_15-42-45, 00:30:38 A 00:31:22)
48. MAL SE COMPREENDE, POIS, QUE TENHA SIDO DADO COMO PROVADO O QUE ACIMA SE DEIXA NA ALÍNEA D., DESCONSIDERANDO-SE TUDO O RESTO SEM RAZÃO APARENTE E SEM TER SIDO TIDO COMO DESCREDIBILIZADO AQUELE DEPOIMENTO (ALIÁS, ESCORREITO E ESPONTÂNEO).
49. ACRESCE QUE, E AO INVÉS DO QUE ENTENDEU A MERITÍSSIMA JUIZ A QUO, DO DEPOIMENTO DESTA TESTEMUNHA NÃO SE PODE RETIRAR QUALQUER FALTA DE TRANSPARÊNCIA QUANTO AOS MONTANTES DEPOSITADOS E À FORMA COMO ERAM MOVIMENTADOS NAS CONTAS BANCÁRIAS.
50. A TESTEMUNHA ESCLARECEU QUE AS TRANSFERÊNCIAS ENTRE INSTITUIÇÕES ERAM “MUITO PONTUAIS”, ACONTECIAM EM ALTURAS “EM QUE PORVENTURA ALGUMA DAS INSTITUIÇÕES TIVESSE MAIS DIFICULDADES FINANCEIRAS E QUE OUTRA PUDESSE AJUDAR”, E ERAM “DE MONTANTES SEMPRE QUE NÃO ERAM SIGNIFICATIVOS” (FICHEIRO DILIGENCIA_160-14.3TAALQ-B_2024-01-09_15-42-45, 00:07:59 A 00:08:17).
51. MAIS EXPLICOU QUE, SENDO SUB-GERENTE DA AGÊNCIA DA … DO ..., ELE PRÓPRIO E OS COLEGAS TINHAM ACESSO TODAS AS MANHÃS ÀS “CONTAS DEVEDORAS” (FICHEIRO DILIGENCIA_160-14.3TAALQ-B_2024-01-09_15-42-45, 00:09:15 A 00:09:40, 00:12:21 A 00:114:04)); E QUE, NESSAS CIRCUNSTÂNCIAS SENDO POR SI OU POR OUTRO COLEGA DETECTADO SALDO NEGATIVO, OU SENDO-O POR ALGUM DOS COLEGAS A QUEM CABIA A GESTÃO DAS CONTAS DAS INSTITUIÇÕES, ELE PRÓPRIO PEDIA QUE A ARGUIDA FIZESSE UMA TRANSFERÊNCIA PARA AQUELA CONTA (FICHEIRO DILIGENCIA_160-14.3TAALQ-B_2024-01-09_15-42-45, 00:11:26 A 00:11:38).
52. E ASSIM, OU A TESTEMUNHA DAVA CONTA À ARGUIDA, QUE LHE PEDIA PARA REALIZAR UMA TRANSFERÊNCIA ASSINANDO DEPOIS O RESPECTIVO DOCUMENTO, OU ERA ENVIADO AO BANCO O PEDIDO PARA REALIZAR DETERMINADA TRANSFERÊNCIA, SENDO CERTO QUE SEMPRE EXISTIA O RESPECTIVO DOCUMENTO (FICHEIRO DILIGENCIA_16014.3TAALQ-B_2024-01-09_15-42-45, 00:08:57 A 00:09:10, 00:32:23 A 00:32:33, 00:33:40 A 00:34:22).
53. DO EXPOSTO E CONSIDERANDO QUE A RECORRENTE FAZIA PARTE DA DIRECÇÃO DESTAS INSTITUIÇÕES, NÃO PODE INFERIR-SE QUALQUER OPACIDADE: ESTES PEDIDOS DE TRANSFERÊNCIAS NÃO SIGNIFICAM UMA FALTA DE TRANSPARÊNCIA NA DELIMITAÇÃO DE PATRIMÓNIOS MAS APENAS ACTOS DE GESTÃO DAS INSTITUIÇÕES – COMUNS, DESEJÁVEIS ATÉ FACE ÀS COMISSÕES COBRADAS POR DESCOBERTOS EM CONTA… VEJA-SE QUE FICOU EXPLÍCITO QUE SEMPRE EXISTIA O DOCUMENTO RESPECTIVO E QUE A ARGUIDA, QUANDO AUTORIZAVA OU SOLICITAVA AQUELAS TRANSFERÊNCIAS, NÃO O FAZIA COMO SE O PATRIMÓNIO FOSSE SEU.
54. NO QUE TOCA ÀS TRANSFERÊNCIAS REALIZADAS ENTRE AS CONTAS DA ARGUIDA E DAS INSTITUIÇÕES, DO DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA RESULTA SOMENTE QUE A ARGUIDA FEZ TRANSFERÊNCIAS PARA AS CONTAS DAS INSTITUIÇÕES E NÃO O INVERSO – O QUE, SALVO O DEVIDO RESPEITO, NADA DE ERRADO, CRIMINOSO OU CENSURÁVEL TRADUZ, NÃO CONTENDO EM SI QUALQUER OPACIDADE QUANTO À DELIMITAÇÃO DE PATRIMÓNIOS.
55. QUANTO ÀS TRANSFERÊNCIAS REALIZADAS DAS CONTAS DAS INSTITUIÇÕES PARA AS DO ARGUIDO, A TESTEMUNHA O QUE REFERIU FOI EXACTAMENTE O MESMO PROCEDIMENTO QUE ACIMA SE DEIXOU PARA AQUELAS QUE ERAM REALIZADAS ENTRE AS INSTITUIÇÕES, SENDO CERTO QUE DOS AUTOS RESULTAM TAMBÉM ELEMENTOS DE ONDE DECORRE QUE ESTES VALORES ERAM TRANSFERIDOS A TÍTULO DE EMPRÉSTIMO AO ARGUIDO E DOCUMENTADOS E TRATADOS CONTABILISTICAMENTE COMO TAL.
56. DO DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA CC A MERITÍSSIMA JUIZ A QUO TAMBÉM INFERIU A FALTA DE TRANSPARÊNCIA NA DELIMITAÇÃO DE PATRIMÓNIOS DA ARGUIDA E “TERCEIROS”, OLVIDANDO PORÉM QUE A ARGUIDA ORA RECORRENTE É MÃE DAQUELA TESTEMUNHA (FICHEIRO DILIGENCIA_160-14.3TAALQ-B_2024-0109_16-25-53, 00:00:20 A 00:00:25) E QUE A TESTEMUNHA REFERIU QUE TEM UMA CONTA EM CONJUNTO COM A MÃE PORQUE QUANDO COMEÇOU A TRABALHAR A MÃE ABRIU UMA CONTA PARA ELE RECEBER O ORDENADO E DE MODO A AJUDÁ-LO A GERIR O SEU DINHEIRO, DADO QUE ERA JOVEM E “IMATURO”, AUXILIANDO-O A “NÃO CHEGAR A MEIO DO MÊS SEM DINHEIRO” – INEQUIVOCAMENTE SENDO “SÓ ISTO” QUE RESULTA DO DEPOIMENTO DO FILHO DA RECORRENTE (FICHEIRO DILIGENCIA_160-14.3TAALQB_2024-01-09_16-25-53, 00:01:22 A 00:01:53).
57. A TESTEMUNHA ESCLARECE AINDA, DE MODO CRISTALINO, E ESPECIFICAMENTE QUANTO AOS TÍTULOS QUE ESTÃO ASSOCIADOS À SUA CONTA BANCÁRIA NO ... (A TAL QUE FOI A MÃE QUEM ABRIU PARA AJUDÁ-LO A GERIR O SEU VENCIMENTO) QUE “NÃO TENHO TÍTULOS, SE TIVER, PRONTO, SÃO DOS MEUS PAIS” E “PODEM ESTAR, MAS NÃO SOU EU QUE OS GIRO E NÃO SÃO MEUS” (FICHEIRO DILIGENCIA_160-14.3TAALQB_2024-01-09_16-25-53, 00:02:00 A 00:02:14).
58. MAS A MERITÍSSIMA JUIZ A QUO RETIROU DA UNIDADE E ESTREITOS LAÇOS DA FAMÍLIA DA RECORRENTE UMA “DELIMITAÇÃO OPACA DE PATRIMÓNIO”, O QUE SALVO MELHOR OPINIÃO DENOTA APENAS UMA OPINIÃO PESSOAL QUANTO À FORMA ADEQUADA DE MÃES E FILHOS TEREM PATRIMÓNIO, MAS QUE EM NADA INDICIA A TAL FALTA DE TRANSPARÊNCIA QUE DALI SE VEM PRETENDER RETIRAR, JÁ QUE NÃO É CRIME NEM INDICIADOR DE CRIME OU SEQUER DE “PATRIMÓNIO INCONGRUENTE” QUE UM FILHO TENHA, NA SUA CONTA BANCÁRIA, DINHEIRO OU APLICAÇÕES FINANCEIRAS OU TÍTULOS QUE PERTENÇAM AOS PAIS, NEM TAL DENOTA UMA “FALTA DE TRANSPARÊNCIA NA DELIMITAÇÃO DE PATRIMÓNIO”.
59. UM TAL ENTENDIMENTO ESVAZIARIA DE SENTIDO, LICITUDE OU UTILIDADE A EXISTÊNCIA DE CONTAS SOLIDÁRIAS OU CONJUNTAS, QUE SEMPRE SERIAM INDICIADORAS DE MISTURA E CONFUSÃO DE PATRIMÓNIOS – O QUE DIFICILMENTE SERIA ADMISSÍVEL DE ENTENDER.
60. ALIÁS, APESAR DE PODER COMPREENDER-SE TAL ENTENDIMENTO NUM MOMENTO INICIAL EM QUE ALGUÉM SE DEPARE COM UMA CONTA BANCÁRIA TITULADA POR PESSOAS QUE DESCONHECE E CUJA DINÂMICA DE VIDA TAMBÉM LHE É MISTERIOSA, JÁ SERÁ OSTENSIVAMENTE IRREALISTA E INADMISSÍVEL SUSTENTÁ-LO QUANDO, COMO ACONTECEU NESTE CASO E EM VIRTUDE DAS EXPLICAÇÕES FORNECIDAS POR ESTA TESTEMUNHA EM PARTICULAR, SEJAM DEVIDAMENTE DELIMITADAS, EXPLICADAS E JUSTIFICADAS AS DINÂMICAS QUE SUBJAZEM ÀQUELA CONTA E À TITULARIDADE DO DINHEIRO E TÍTULOS QUE ALI EXISTEM.
61. NÃO OFERECEM QUALQUER DÚVIDA AS “VERBAS DEPOSITADAS” NA CONTA DO FILHO DA RECORRENTE: A CONTA É TITULADA PELOS DOIS, MAS A CONTA DE DEPÓSITOS À ORDEM É UTILIZADA EM EXCLUSIVO PELO FILHO (ONDE RECEBE O VENCIMENTO E PAGA AS DESPESAS DA SUA VIDA, COMO ALIÁS REFLECTEM OS EXTRACTOS DOS AUTOS); E OS TÍTULOS PERTENCEM E SÃO GERIDOS PELOS PAIS. NÃO HÁ CONFUSÃO NEM MISTURAS: OS DEPÓSITOS SÃO DO FILHO, OS TÍTULOS DOS PAIS.
62. DE MODO QUE, SALVO MELHOR ENTENDIMENTO E O DEVIDO RESPEITO, FOI ERRADAMENTE APRECIADA A PROVA PRODUZIDA, EIVANDO-SE DE UMA ABSOLUTA FALTA DE PONDERAÇÃO À LUZ DO SENSO COMUM E DA FORMA COMO A RECORRENTE E A SUA FAMÍLIA VIVEM E SE RELACIONAM, COMO GEREM OS RESPECTIVOS DINHEIROS E COMO AS SUAS VIDAS SE ENTRECRUZAM NATURALMENTE EM VIRTUDE DAS SUAS RELAÇÕES ESTREITAS E DA UNIÃO QUE PRESERVAM – QUE SE EXPLICOU E TROUXE CABALMENTE AOS AUTOS, ASSIM SE DEMONSTRANDO AFINAL O QUE É DE QUEM.
63. TIVESSE O TRIBUNAL A QUO PONDERADO A PROVA TESTEMUNHAL QUE ACIMA SE REFERIU DE FORMA CORRECTA E CONCATENADO ESSA PROVA COM A DEMAIS DOS AUTOS E O QUE É DECORRENTE DA VIDA NORMAL DAS PESSOAS, O QUE SE TERIA APERCEBIDO É QUE NENHUMA MISTURA OU CONFUSÃO DE PATRIMÓNIOS EXISTIU ALGUMA VEZ ENTRE OS DA ARGUIDA E DE TERCEIROS.
64. NO QUE TOCA À TIA BB, SALVO O DEVIDO RESPEITO, IRRELEVANTE SE TORNA QUAL ERA A LIGAÇÃO DESTA COM A INSTITUIÇÃO A QUEM EMPRESTOU DINHEIRO OU A QUE TÍTULO O FEZ: NÃO É ILÍCITO A UM CIDADÃO EMPRESTAR DINHEIRO A UMA INSTITUIÇÃO, SEJA A QUE TÍTULO FOR!
65. ACRESCE QUE, PARECE-NOS, SEMPRE SALVO O DEVIDO RESPEITO POR ENTENDIMENTO DISTINTO, QUE ATENTA A ESTREITA RELAÇÃO FAMILIAR DESTA SENHORA COM A ARGUIDA E OS CARGOS QUE ESTA ÚLTIMA EXERCIA NAS INSTITUIÇÕES DOS AUTOS, FACILMENTE SE ENCONTRA A “LIGAÇÃO” DA SENHORA COM A INSTITUIÇÃO, E COMPREENDER-SE-Á QUE, TENDO EMPRESTADO DINHEIRO À INSTITUIÇÃO, O TERÁ FEITO PORQUE ESTA PASSARIA ALGUMA DIFICULDADE OU PRECISARIA DE ALGUMA LIQUIDEZ FINANCEIRA – O QUE A ARGUIDA FACILMENTE PODERIA TER COMUNICADO, PEDINDO À TIA QUE EMPRESTASSE ALGUM MONTANTE À INSTITUIÇÃO E A QUE ESTA (ATENTA A RELAÇÃO QUE MANTÊM) ACEDERIA “SEM MAIS”. REPETE-SE QUE NÃO É INDICIADOR DE “MISTURAS” NEM DE “CONFUSÕES” OU “OCULTISMOS”, MAS APENAS DA NATURAL DISPONIBILIDADE DE UMA FAMÍLIA UNIDA PARA SE AJUDAR MUTUAMENTE E, NESTE CASO, TAMBÉM A INSTITUIÇÃO BENEFICIÁRIA.
66. DE RESTO, É INCOMPREENSÍVEL A AVERSÃO A UMA FAMÍLIA UNIDA E QUE SE ENTREAJUDA (COM DINHEIRO E COM ATITUDES) QUE ESTÁ LATENTE NA DOUTA DECISÃO RECORRIDA, QUE DAÍ RETIRA INDÍCIOS CRIMINOSOS E DÚBIOS COMO SE PUDESSE SIGNIFICAR UMA CERTA PROMISCUIDADE QUE OS MEMBROS DA FAMÍLIA DE ALGUÉM QUE ESTEJA À FRENTE DE UMA QUALQUER INSTITUIÇÃO SE PREDISPONHAM A AJUDAR DITA INSTITUIÇÃO DE QUALQUER FORMA QUE POSSAM – COM DINHEIRO OU COM TEMPO OU COM O QUE QUER QUE SEJA.
67. QUANTO A ESTE PRECONCEITO SE DIGA QUE, SENDO APENAS ISSO (UM PRECONCEITO), HAVERIA DE ARREDAR-SE DAS DECISÕES JUDICIAIS, ONDE NÃO PODEM TER ESPAÇO TAIS CONSTRUÇÕES IMINENTEMENTE PESSOAIS E QUE AQUI NÃO CABEM E SE O TRIBUNAL ENTENDE QUE É DÚBIA A DELIMITAÇÃO DE PATRIMÓNIOS QUANDO AS PESSOAS EMPRESTEM DINHEIRO UMAS ÀS OUTRAS OU TENHAM CONTAS EM CONJUNTO AINDA QUE SEJAM FAMÍLIA, ENTÃO VIRTUALMENTE NENHUM CIDADÃO NESTE PAÍS ESTARÁ A “SALVO” DE ARRESTOS DESTE TIPO E DE QUE SEJA CONSIDERADO INCONGRUENTE O SEU (EFECTIVO) PATRIMÓNIO…!
68. AINDA RELATIVAMENTE A ESTE EMPRÉSTIMO E MAIS CONCRETAMENTE QUANTO AO DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA DD, MUITO EMBORA TENHA DITO QUE OS MONTANTES REFERIDOS NA CONFISSÃO DE DÍVIDA QUE ASSINOU (CUJA ASSINATURA ESTÁ RECONHECIDA POR ADVOGADA E QUE ELE PRÓPRIO RECONHECEU COMO SUA) LHE FORAM TRANSMITIDOS PELA ARGUIDA, TAMBÉM RELATOU QUE AQUELE DINHEIRO “FOI DINHEIRO QUE FOI POSTO LÁ NO CENTRO” (FICHEIRO DILIGENCIA_160-14.3TAALQ-B_202401-26_14-22-57, 00:04:07 A 00:04:09), ACRESCENTANDO “ESSE VALOR POSSO DIZER QUE DEVE TER ENTRADO NO CENTRO, OU SEJA, EU RECORDO-ME, RECORDO-ME QUE FIZ UMA AUDITORIA ÀS CONTAS E ESSE VALOR DEVE TER ENTRADO NO CENTRO, PRONTO”, E ADEMAIS ESCLARECENDO QUE ESSA DITA AUDITORIA FOI “DURANTE” A ALTURA EM QUE CELEBROU O ACORDO COM A TIA DA ARGUIDA, QUE “HÁ DINHEIRO QUE ENTROU NO CENTRO” E QUE “SE O FIZ NESSE VALOR, OU SEJA, EU NÃO CONHEÇO A PESSOA, MAS DE CERTEZA QUE O VALOR ESTÁ CERTO E QUE ENTROU DINHEIRO” (FICHEIRO DILIGENCIA_160-14.3TAALQ-B_2024-01-26_14-22-57, 00:09:09 A 00:09:46).
69. DO SEU DEPOIMENTO, AO CONTRÁRIO DA DÚVIDA, O QUE SE RETIRA É APENAS E SÓ QUE, DE FACTO, AQUELA CONFISSÃO DE DÍVIDA TITULA MONTANTES EMPRESTADOS POR AQUELA SENHORA ÀQUELA INSTITUIÇÃO E QUE A ALIÁS A AUDITORIA ÀS CONTAS PROMOVIDA PELA TESTEMUNHA DE TAL SORTE CONFIRMOU QUE VEIO A ORIGINAR A REFERIDA CONFISSÃO DE DÍVIDA.
70. CRISTALINO SE TORNA, ANTE O QUE ACIMA SE DEIXA, QUE O TRIBUNAL ERROU A APRECIAÇÃO DA PROVA PRODUZIDA, DALI RETIRANDO DÚVIDAS PARA AS QUAIS A PROVA PRODUZIDA NÃO DEIXOU ESPAÇO.
71. A ANÁLISE CRÍTICA, AFASTADA DAS CRENÇAS PESSOAIS DE QUEM JULGA QUANTO AO MODO LEGÍTIMO DE “LEVAR A VIDA E O PATRIMÓNIO”, COADJUVADA PELO BOM SENSO E PELA NORMAL E NATURAL VIDA DAS PESSOAS CONDUZIRIA A UMA DECISÃO INTEIRAMENTE DISTINTA (ALIÁS DIAMETRALMENTE OPOSTA) ÀQUELA QUE, NESTES AUTOS E NESTE ARRESTO, SE TOMOU. ESTA, QUE É PROFUNDAMENTE INJUSTA E ILEGAL, NÃO PODE – EM JUSTIÇA – MANTER-SE.
72. APENAS UM OLHAR CEGO E SURDO PERMITIRIA ALGUMA VEZ A DECISÃO DE MANUTENÇÃO DO ARRESTO NESTES AUTOS!
73. HÁ QUE DIZER AINDA, EM JEITO DE SÚMULA E SALVO O MUITO RESPEITO QUE NOS MERECE, QUE O TRIBUNAL A QUO FALHOU ROTUNDAMENTE O JULGAMENTO QUE LHE CABIA, ATROPELANDO O CUMPRIMENTO DA LEI E DESRESPEITANDO OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA RECORRENTE, DESIGNADAMENTE O DA PROPRIEDADE E AS GARANTIAS DE ACESSO A UM PROCESSO EQUITATIVO, JUSTO E IMPARCIAL.
74. O QUE SE VERIFICA NESTA DOUTA DECISÃO É UMA TOTAL DESCONSIDERAÇÃO PELOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS NOS AUTOS E PELAS ALEGAÇÕES E RAZÕES TRAZIDAS PELA ARGUIDA NO ÂMBITO DESTE INCIDENTE DE OPOSIÇÃO AO ARRESTO PARA EFEITOS DE PERDA ALARGADA DE BENS A FAVOR DO ESTADO: O TRIBUNAL IGNOROU COMPLETAMENTE O QUE FOI TRAZIDO AOS AUTOS EM DEFESA DA ARGUIDA E VEIO A DECIDIR EM ABSOLUTA CONCORDÂNCIA COM A POSIÇÃO MANIFESTADA PELO MP, SEM CUIDAR DE SEQUER DEIXAR CLARO POR QUE RAZÃO ASSIM ENTENDE E DECIDE, ASSIM VIOLANDO OS MAIS ELEMENTARES DIREITOS DOS CIDADÃOS A UM PROCESSO EQUITATIVO, JUSTO, IGUAL E IMPARCIAL.
75. O QUE É TANTO MAIS GRAVE NESTE CASO CONCRETO ONDE, ATENDENDO ÀS CONSEQUÊNCIAS POSSIVELMENTE ADVINDAS DESTE ARRESTO NO PATRIMÓNIO DA RECORRENTE (QUE, UMA VEZ ARRESTADO, PODERÁ VIR A SER DECLARADO PERDIDO A FAVOR DO ESTADO), TAMBÉM O DIREITO FUNDAMENTAL À PROPRIEDADE SURGE PREJUDICADO E OFENDIDO DE MODO ABSOLUTAMENTE INACEITÁVEL.
76. VIOLAM-SE ASSIM OS DIREITOS CONSAGRADOS NOS ARTIGOS 32.º N.º 1, 20.º N.ºS 1, 4 E 5, 62.º, 202.º N.º 2 E 205.º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, NOS ARTIGOS 10.º, 11.º N.º 1 E 17.º DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, NOS ARTIGOS 17.º E 47.º DA CARTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA UNIÃO EUROPEIA E NOS ARTIGOS 1.º E 6.º DA CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS HUMANOS.
77. URGE, POIS, QUE FACE A TODOS OS VÍCIOS QUE ACIMA SE APONTAM, A DOUTA DECISÃO RECORRIDA SEJA DECLARADA NULA E SUBSTITUÍDA POR UMA OUTRA QUE, APLICANDO A LEI AO CASO CONCRETO, ATENDENDO À PROVA PRODUZIDA NOS AUTOS E AO ALEGADO E PETICIONADO PELA RECORRENTE, DECIDA PELO LEVANTAMENTO DO ARRESTO DECRETADO.
TERMOS EM QUE, E NOS MELHORES DE DIREITO, SE REQUER A V. EXAS. QUE, DECLARANDO NULA A DOUTA DECISÃO, SEJA ESTA SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE ORDENE O LEVANTAMENTO DO ARRESTO DECRETADO NOS AUTOS ATENTA A FALTA DE VERIFICAÇÃO DOS REQUISITOS DE QUE DEPENDE.
ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!”
3. Resposta ao recurso
Regularmente admitido o recurso (a 2julho2024 - ref. 161531877) e de tal notificado o Ministério Público, veio o mesmo aos autos (a 27julho2024 - ref. 15500152) responder de forma direta, pugnando no sentido da sua improcedência, concluindo nos seguintes termos:
(SIC, com exceção da formatação do texto, optando-se pelo integral ausente de negrito, itálico e/ou sublinhado, da responsabilidade do Relator)
1. “- O artigo 374º, n.º 2 Código de Processo Penal obriga à enumeração dos factos provados e não provados, à motivação de facto e de direito que fundamentam a decisão, e à indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, naquilo que constitui a chamada fundamentação (de facto) da decisão, sob pena de a sentença ser nula, nos termos do artigo 379º do Código de Processo Penal.
2. - Da conjugação da matéria de facto provada ou não provada resulta, efectivamente, que o Tribunal apreciou todo o complexo fáctico relevante para a questão de determinar se existe fundamento que permita o levantamento do arresto preventivo do património financeiro e dos bens móveis e imóveis de que a recorrente é titular, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 10.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro.
3. - Não existe qualquer omissão ou qualquer falta de rigor na apreciação do complexo fáctico, não resultando qualquer violação das normas já referidas.
4. - A decisão recorrida não enferma de qualquer nulidade e cumpre os preceitos processuais penais e constitucionais relativos à fundamentação das decisões judiciais.
5. - Em nosso entendimento, não há qualquer contradição – muito menos insanável – entre a matéria de facto apurada e constante da decisão ou na respectiva fundamentação e nem qualquer erro na apreciação da prova.
6. - No caso concreto, a recorrente vislumbra estes vícios na divergência que têm relativamente à apreciação da prova que foi levada a cabo pela Mma. Juiz “a quo”, discordando dos factos dados como provados, o que nada tem a ver com aqueles vícios, mas sim com a forma como a prova foi valorada.
7. - Uma coisa é a apreciação da prova pelo Juiz, que tem de decidir sobre os factos trazidos a juízo, e outra a apreciação da prova feita pela recorrente. No caso, divergem da forma como o tribunal valorou a prova produzida, o que nada tem a ver com o vício do artigo 410º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal.
8. - A prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do tribunal, conforme dispõe o artigo 127º do Código de Processo Penal. Foi com base nestes princípios que o tribunal apreciou – e bem – a prova, não havendo qualquer violação dos critérios legais.
9. - Assim, a decisão do Tribunal ao concluir que a oponente não logrou demonstrar quaisquer factos com repercussão na matéria fáctica constante do libelo acusatório, que inclui o incidente de perda alargada de bens, e decidiu julgar improcedente, por não provada, a oposição deduzida ao arresto decretado nos autos, não está errada, visto que, atentando na matéria de facto dada como indiciariamente assente e indiciariamente não assente e na sua fundamentação, é notório que não se valorizaram provas contra as regras da experiência comum ou “contra legem”, nem se afirmou algo de impossível verificação, em si ou por inconciliável ou contraditório com outro algo.
10. - A criação de um mecanismo substantivo de perda alargada, suscetível de confiscar o valor do património ilícito do arguido (arts. 7º e ss. da Lei nº 5/2002, de 11-01), gerou a necessidade de criar o correspondente mecanismo processual cautelar, capaz de assegurar a possibilidade mínima do cumprimento futuro da decisão final de confisco.
11. - Estabelece o art. 10º, nº 1, da referida Lei nº 5/2002 que: “Para garantia do pagamento do valor determinado nos termos do nº 1 do art. 7º, é decretado o arresto de bens do arguido.”
12. - O arresto previsto no artigo 10.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, é uma medida de índole jurídico-penal, que visa garantir o (eventual) futuro confisco (forçado, portanto) de um dado património que, porque incongruente com os rendimentos lícitos, se «presume», na aceção da citada Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro e na falta de prova bastante em contrário, constituir «vantagem de atividade criminosa» - artigo 7.º, n.º 1, do diploma legal em questão.
13. - Face dos argumentos que apresenta, a recorrente confunde vantagem patrimonial a que respeita o artigo 110.º do Código Penal (a vantagem que é obtida de forma directa ou indirecta com a conduta delituosa) com a vantagem a que se reporta o art.º 7.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro.
14. - Efectivamente, do teor da decisão recorrida resulta que a arguida não indicou novos elementos para além dos já constantes dos autos, aquando da decisão que decretou o arresto preventivo, não tendo conseguido ilidir a presunção legal de incongruência e nem logrado demonstrar que, afinal, apesar de todas as aparências, o património não tem nada de incongruente (cfr. art. 9º da Lei nº 5/2002, de 11-01).
15. - A prova produzida em audiência de discussão e julgamento foi correctamente analisada pela Mma. Juiza e os factos indiciariamente provados e não provados interpretados como deveriam ter sido, sendo respeitadas as regras do bom senso, da experiência comum, tendo sido avaliada a prova produzida de forma correcta, moral e juridicamente.
Nada há, assim, a censurar à decisão quanto à matéria de facto, nem quanto à fundamentação da mesma, nem relativamente à interpretação e análise dos factos indiciariamente dados como provados e como não provados.
Pelo exposto, conclui-se que a douta decisão proferida não incorreu na pretendida violação das normas invocadas pela Recorrente/Oponente, pelo que deverá a mesma ser mantida na íntegra, negando-se provimento ao recurso.
V. Ex.as, contudo, decidindo, farão JUSTIÇA.”
4. Tramitação subsequente
Recebidos os autos nesta Relação, o processo foi com vista à Digníssima Procuradora-Geral Adjunta, a qual, emitiu parecer (a 21agosto2024 - ref. 21980310) em que adere à posição propugnada pelo Ministério Público em 1.ª instância.
Este parecer foi notificado para efeito de eventual contraditório, inexistindo resposta da Arguida.
Efetuado o exame preliminar, foi determinado que o recurso seja julgado em conferência. Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
1. Objeto do recurso
Sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso, é a partir das conclusões que a Arguida recorrente extrai da sua fundamentação de motivação que se determina o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem na sede de recurso (arts. 402.º; 403.º; 412.º/1CPP e jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19outubro1995, in DR I-Série-A, de 28dezembro1995).
O recurso, ainda que pelos mínimos, cumpre as regras do art. 412.º/2CPP.
Concluindo, no caso em apreço, enuncia-se as seguintes questões que importa decidir:
1 – opera nulidade – omissão de pronúncia – art. 379.º/1c) CPP?
2 – opera nulidade – falta de fundamentação – art. 379.º/1a) CPP?
3 – opera nulidade – vicio decisório – art. 410.º/2b) CPP – contradição insanável?
4 – mostra-se correta a avaliação da prova produzida?
2. Apreciação do recurso
A) Ocorrências processuais antecedentes com relevo
Dada a sua relevância para o enquadramento e decisão da questão suscitada importa verter aqui as ocorrências processuais com relevo que culminam no despacho recorrido.
1 – Despacho de acusação (na parte com interesse para a decisão em curso)
(SIC, com exceção da formatação do texto, optando-se pelo integral ausente de negrito, itálico e/ou sublinhado, da responsabilidade do Relator)
“O Ministério Público vem requerer a perda ampliada de bens a favor do Estado e o respectivo Arresto, ao abrigo dos artigos 7º e 10º da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, efectuando a respectiva liquidação, nos termos do seu art. 8º contra os arguidos EE e AA supra identificados, nos termos e com os seguintes fundamentos1 relativamente ao período compreendido entre 23.03.2011 e 31.12.2020:
1. Os factos imputados aos arguidos na acusação deduzida nestes autos e que se dão por integralmente reproduzidos integram a prática pelos mesmos, em coautoria e em concurso efectivo de:
a) um crime de abuso de confiança agravado, no valor total de €732.155,85 (setecentos e trinta e dois mil, cento e cinquenta e cinco euros e oitenta e cinco cêntimos) previsto nos arts. 205º, nº 1 e n.º 4, al. b) e 202º, al. b) do Código Penal;
b) um crime de branqueamento de capitais, previsto no art. 368º-A, n.º 1, n.º 2, n.º 3 e n.º 4 do Código Penal.
Estes crimes encontram-se fortemente indiciados com base na prova recolhida nos autos e que se encontra descriminada na acusação deduzida.
2. Os arguidos EE e AA foram constituídos nessa qualidade, nos autos, a 23 de Março de 2016;
(…)
4. Quanto à arguida AA
a) Declarou e foram comunicados em termos fiscais como rendimentos liquidos €763.875.06 entre 23.10.2011 (data a que retroage a análise das incongruências) e 31.12.20202 :
(...)
b) Património financeiro
A arguida é:
1. Titular da conta DO ... no ... (anexo 4 fls. 131/134 e 168/179):
a. Em cotitularidade com o cônjuge;
b. Considerada para análise e cálculo da vantagem da actividade criminosa;
c. Apresenta um saldo de 5.148,57€;
d. Tem associada uma aplicação financeira designada de ... no ... no valor de 1.759,07€;
e. Perfazendo um total de 6.907,64€, que deverá ser tido em conta para efeitos de liquidação e pagamento da vantagem;
f. Em razão da cotitularidade cabe-lhe 1/2, correspondendo a 3.453,82€.
1. Titular da conta DO PT ... no ... (anexo 4 fls. 131/134 e 168/179):
a. Em cotitularidade com o cônjuge e o descendente;
b. Considerada para análise e cálculo da vantagem da actividade criminosa;
c. Apresenta um saldo de 387,26€;
d. Tem associada uma aplicação financeira designada de ... no ..., constituída a 25-06-2010 (anterior ao período investigado) no valor de 363,62€;
e. Tem associada uma aplicação financeira designada de ... no ..., constituída a 14-06-2002 (anterior ao período investigado) no valor de 4.511,26€;
f. Tem associada uma aplicação financeira designada de ... no ..., constituída a 11-09-2006 (anterior ao período investigado) no valor de 6.979,76€;
g. Tem associada uma aplicação financeira designada de ... no ... no valor de 53,10€;
h. Tem associada uma aplicação financeira designada de ... no ... no valor de 3.317,09€;
i. Tem associada uma aplicação financeira designada de ... no ... no valor de 13,56€;
j. Tem associada uma aplicação financeira designada de ... Nac. SGPS no ... no valor de 1.127,00€;
k. Tem associada uma aplicação financeira designada de ... no ... no valor de 1.125,60€;
l. Perfazendo um total de 17.878,25€, que deverá ser tido em conta para efeitos de liquidação e pagamento da vantagem;
m. Em razão da cotitularidade cabe-lhe 1/3, correspondendo a 5.959,41€.
1. Titular da conta DO ... no ... (anexo 4 fls. 131/134 e 168/179):
a. Em cotitularidade com o cônjuge e o descendente;
b. Considerada para análise e cálculo da vantagem da actividade criminosa;
c. Apresenta um saldo de 202,26€, que deverá ser tido em conta para efeitos de liquidação e pagamento da vantagem;
d. Em razão da cotitularidade cabe-lhe 1/3, correspondendo a 67,42€.
1. Titular da conta DO ... no ... (anexo 4 fls. 131/134 e 168/179):
a. Em cotitularidade com o cônjuge e a ascendente;
b. Considerada para análise e cálculo da vantagem da actividade criminosa;
c. Apresenta um saldo de 476,78€;
d. Tem associada uma aplicação financeira designada de ... no ..., constituída a 11-05-2015 (durante o período investigado) no valor de 3.745,33€;
e. Tem associada uma aplicação financeira designada de ... no ..., constituída a 24-03-2016 (durante o período investigado) no valor de 213,77€;
f. Perfazendo um total de 4.435,10€, que deverá ser tido em conta para efeitos de liquidação e pagamento da vantagem;
g. Em razão da cotitularidade cabe-lhe 1/3, correspondendo a 1.478,36€.
1. Titular da conta DO ... no ... (anexo 4 fls. 131/134 e 168/179):
a. Em cotitularidade com dois intervenientes que não pertencem ao agregado;
b. Não tem movimentos a crédito no período da investigação;
c. Considerada sem interesse para análise e cálculo da vantagem;
d. Conta encerrada;
e. Apresenta saldo nulo.
1. Titular da conta DO ... no ... (anexo 4 fls. 131/134 e 168/179):
a. Em cotitularidade com um interveniente que não pertence ao agregado do arguido;
b. No período da investigação verificou-se apenas a existência de dois movimentos a crédito no total de 50,01€;
c. Face ao analisado foi considerada sem interesse para análise e cálculo da vantagem;
d. Conta encerrada;
e. Apresenta saldo nulo.
1. Titular da conta DO ... no ... (anexo 4 fls. 131/134 e 168/179):
a. Em cotitularidade com um interveniente que não pertence ao agregado do arguido;
b. Não tem movimentos a crédito no período da investigação;
c. Considerada sem interesse para análise e cálculo da vantagem da actividade criminosa;
d. Conta encerrada;
e. Apresenta saldo nulo.
1. Titular da conta DO ... no ... (anexo 4 fls. 131/134 e 168/179):
a. Em cotitularidade com um interveniente que não pertence ao agregado do arguido;
b. No período analisado verificou-se que a esmagadora maioria dos movimentos a crédito são provenientes do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e juros / mobilizações / resgates de aplicações financeiras;
c. Foram detectados apenas duas transferências a crédito de um familiar do outro interveniente no total de 10.102,94€;
d. Foram detectados três depósitos num total de 1.727,50€;
e. Detectadas três transferências para o ... no total e 54.860,00€;
f. Face ao analisado, foi considerada sem interesse para análise e cálculo da vantagem;
g. Apresenta um saldo de 10.853,10€, que deverá ser tido em conta para efeitos de liquidação e pagamento da vantagem;
h. Em razão da cotitularidade cabe-lhe 1/2, correspondendo a 5.426,55€.
1. Titular da conta DO ... no ... (anexo 4 fls. 126/130):
a. Em cotitularidade com a ascendente;
b. Conta encerrada;
c. Não tem movimentos no período da investigação;
d. Considerada sem interesse para análise e cálculo da vantagem da actividade criminosa;
e. Apresenta saldo nulo.
1. Titular da conta DO ... no ... (anexo 4 fls. 126/130):
a. Conta encerrada;
b. Em cotitularidade com o cônjuge;
c. Da análise resulta que a esmagadora maioria dos movimentos a crédito têm origem noutras contas tituladas pelo arguido (movimentos interconta);
d. Foram detectados dois depósitos no total de 400,00€;
e. Considerada sem interesse para análise e cálculo da vantagem da actividade criminosa;
f. Apresenta saldo nulo.
1. Titular da conta DO … no ... (anexo 4 fls. 126/130):
a. Em cotitularidade com o cônjuge;
b. Conta encerrada;
c. Não gera extractos de movimentos;
d. Considerada sem interesse para análise e cálculo da vantagem da actividade criminosa;
e. Apresenta saldo nulo.
1. Titular da conta DO ... no ... (anexo 4 fls. 126/130):
a. Em cotitularidade com dois intervenientes que não pertencem ao agregado do arguido;
b. Da análise resulta que a esmagadora maioria dos movimentos a crédito têm origem em ordenados, reembolsos de IRS (enquanto que o arguido indicou outra conta para este efeito) e subsídios da Segurança Social, indiciando que estes movimentos dizem respeito a outro interveniente;
c. Face ao analisado foi considerada sem interesse para análise e cálculo da vantagem da actividade criminosa;
d. Apresenta um saldo de 1.418,88€, que deverá ser tido em conta para efeitos de liquidação e pagamento da vantagem;
e. Em razão da cotitularidade cabe 1/3 ao arguido, correspondendo a 1.427,96€.
1. Titular da conta DO ... na ... (anexo 4 fls. 148/156):
a. Conta encerrada;
b. Não tem movimentos no período da investigação;
c. Considerada sem interesse para análise e cálculo da vantagem da actividade criminosa;
d. Apresenta saldo nulo.
1. Titular da conta DO ... na ... (anexo 4 fls. 148/156):
a.Tem cotitular que não pertence ao agregado do arguido;
b. Em onze anos de análise verificou-se que a esmagadora maioria dos movimentos a crédito têm origem na ...;
c. Foram ainda detectados dois movimentos a crédito provenientes outras contas tituladas pelo arguido (movimento interconta) e quatro depósitos no total de 1.000,00€;
d. Face ao analisado foi considerada sem interesse para análise e cálculo da vantagem da actividade criminosa;
e. Apresenta um saldo de 27,63€, que deverá ser tido em conta para efeitos de liquidação e pagamento da vantagem;
f. Em razão da cotitularidade cabe 1/2 ao arguido, correspondendo a 13$1€.
1. Titular da conta DO ... na ... (anexo 4 fls. 160/167 e vol. 4 fls. 136/141):
a. Em cotitularidade com dois intervenientes que não pertencem ao agregado do arguido;
b. Não tem movimentos a crédito no período da investigação;
c. Considerada sem interesse para análise e cálculo da vantagem da actividade criminosa;
d. Apresenta um saldo de 112,00€, que deverá ser tido em conta para efeitos de liquidação e pagamento da vantagem;
e. Em razão da cotitularidade cabe 1/3 ao arguido, correspondendo a 37,33€.
1. Titular da conta DO ... na ... (anexo 4 fls. 160/167 e vol. 4 fls. 136/141):
a. Em cotitularidade com dois intervenientes que não pertencem ao agregado do arguido;
b. Não tem movimentos a crédito no período da investigação;
c. Considerada sem interesse para análise e cálculo da vantagem da actividade criminosa;
d. Apresenta saldo nulo.
c) Relativamente ao património imóvel, AA:
1. Foi titular da fracção "E" do prédio urbano 222, com a matriz 3812 (anexo 4 fls. 75/88):
a. Arguido e conjugue titulares;
b. Adquirido antes do período da investigação pela quantia de 84.795,64€ (conversão PTE/EUR);
c. Alienado dentro do período da investigação pela quantia de 180.000,00€;
d. A quantia correspondente à venda do imóvel, declarada em sede de IRS, encontra-se espelhada em movimentos bancários correspondentes e foi tida em conta na análise de contas bancárias, motivo pelo qual foi inscrita a quantia de 0,00€ na ...;
e. Possui um valor matricial de 114.522,45€.
1. Conjugue foi titular da fracção "D" do prédio urbano …, com a matriz … (anexo 4 fls. 71/74):
a. Embora fosse o cônjuge o titular, por força do regime em que contraiu matrimónio, também era proprietária;
b. Adquirido com recurso ao crédito à habitação antes do período investigado pela quantia de 37.409,84€ (conversão PTE/EUR), onde havia sido constituída uma hipoteca ao ... (actualmente ...) no montante de 7.500.000$00 (37.500,00€);
c. Alienado dentro do período da investigação pela quantia de 180.000,00€;
d. A quantia correspondente à venda do imóvel, declarada em sede de IRS, encontra-se espelhada em movimentos bancários correspondentes e foi tida em conta na análise de contas bancárias, motivo pelo qual foi inscrita a quantia de 0,00€ na ...;
e. Possui um valor matricial de 33.302,15€.
1. Titular do prédio urbano …, com a matriz … (anexo 4 fls. 65/70):
a. Arguido e conjugue titulares;
b. Adquirido dentro do período da investigação, pela quantia de 200.000,00€;
c.A quantia correspondente à compra do imóvel, declarada em sede de IRS, encontra espelhada em movimentos bancários correspondentes e foi tida em conta na análise de contas bancárias, motivo pelo qual foi inscrita a quantia de 0,00€ na ...,
d. Possui um valor matricial de 183.360,00€ que deverá ser tido em conta para efeitos de liquidação de pagamento da vantagem.
(...)
d) Relativamente ao património móvel, AA:
1. Conjugue titular do veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-CL-.. (anexo 4 fls. 89/94):
a. Embora fosse o cônjuge o titular, por força do regime em que contraiu matrimónio, também era proprietária;
b. Adquirido antes do período da investigação;
c. Possui um valor médio estimado de 6.550,00€ que deverá ser tido em conta para efeitos de liquidação e pagamento da vantagem.
1. Titular da embarcação de recreio, registada na Capitania do Porto de ... com a matrícula ... (anexo 4 fls. 101/117):
a. Adquirida antes do período investigado;
b. De acordo com o investigado no inquérito foi adquirida pela quantia de 24.245,52€ paga com dois cheques sacados à ... (1.500,00€ + 22.745,52€) de uma conta titulada pelo arguido EE e facturada ao arguido AA;
c. Para o efeito, esta conta havia sido reforçada com um cheque no montante de 23.620,00€ sacado à ... da conta ... (apenso X fls. 81) titulada pelas … e assinado pelo arguido AA;
d. Ainda segundo a investigação, era o arguido EE quem detinha o domínio e o benefício da embarcação e por esse motivo foi contabilizada no cálculo da vantagem deste arguido;
e. Por último, e de acordo com o investigado, esta embarcação terá sido exportada para ...;
f. Possui um valor médio estimado de 17.600,00€ que deverá ser tido em conta para efeitos de liquidação e pagamento da vantagem;
g. Ver igualmente o ponto 4.2 da Parte 1 correspondente ao arguido EE.
2. Conjugue titular do veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-QX-.. (anexo 4 fls. 95/100):
a. Embora fosse o cônjuge o titular, por força do regime em que contraiu matrimónio, também era proprietária;
b. Adquirido dentro do período da investigação pela quantia de 28.257,14€ pago com cheque sacado da conta ... ...;
c. A quantia correspondente à compra do veículo encontra-se espelhada em movimento bancário correspondente e foi tida em conta na análise de contas bancárias, motivo pelo qual foi inscrita a quantia de 0,00€ na ...;
d. Possui um valor médio estimado de 19.01700€ que deverá ser tido em conta para efeitos de liquidação e pagamento da vantagem.
(...)
Ora, o património da arguida AA integra o conjunto de bens que estejam na sua titularidade ou domínio e o benefício, à data da constituição como arguida (23.03.2016) ou posteriormente, bem como o conjunto de bens transferidos para terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, nos cinco anos anteriores à constituição como arguida (23.03.2011), como ainda os bens recebidos pelo arguido nos cinco anos anteriores à constituição como arguido, mesmo que não se consiga determinar o seu destino.
Assim, e face ao exposto supra, existe uma diferença assinalável entre o valor do património da arguida e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito.
Pelo que se conclui que o património de AA não é compatível com os rendimentos lícitos por si auferidos, concluindo-se que o excesso foi obtido com os proveitos económicos advindos da actividade criminosa supra descrita.
De tudo o que se disse conclui-se que a vantagem de actividade criminosa, nos termos da Lei 5/2002, de 11/1, cifra-se em €253.444,70 que não têm sustentação nos rendimentos declarados por EE no período investigado com início em 23.03.2011.
(...)
Nestes termos o património a ser declarado perdido a favor do Estado ascende ao montante de €253.444,70 (duzentos e cinquenta e três mil, quatrocentos e quarenta e quatro euros e setenta cêntimos), a que se devem somar os valores obtidos directamente nela arguida com a sua conduta delituosa no valor de €71.002,00 a serem declarados perdidos a favor do Estado nos termos do disposto no art. 110º, do Código Penal.
Pelo exposto. nos termos do art. 7º, n º 1 e 2 da Lei n º 5/2002 de 11 de Janeiro:
(..)
B)
Deve o valor de €253.444,70 (duzentos e cinquenta e três mil, quatrocentos e quarenta e quatro euros e setenta cêntimos), ser declarado perdido a favor do Estado, por corresponder ao valor do património incongruente com o rendimento lícito da arguida AA e, consequentemente, ser a mesma condenada a pagar ao Estado esse montante.
(..)
Pelo exposto, nos termos do art. 10º, da Lei nº 5/2002 de 11 de Janeiro:
Dispõe o art. 10º, nº 1 da Lei nº 5/2002 que "Para garantia do pagamento do valor determinado nos termos do n.º 1 do artigo 7.º, é decretado o arresto de bens do arguido. "
E o nº 2 do mencionado preceito que "A todo o tempo, logo que apurado o montante da incongruência, se necessário ainda antes da própria liquidação, quando se verifique cumulativamente a existência de fundado receio de diminuição de garantias patrimoniais e fortes indícios da prática do crime, o Ministério Público pode requerer o arresto de bens do arguido no valor correspondente ao apurado como constituindo vantagem de actividade criminosa."
Nos termos do nº 3 do artigo 10º da mencionada Lei, estando fortemente indiciada a prática do crime por parte dos arguidos, o arresto é decretado independentemente da verificação dos pressupostos referidos no nº 1 do artigo 227º do Código de Processo Penal, isto é, da demonstração do fundado receio de diminuição das garantias patrimoniais.
Pelo exposto, de modo a garantir a efectivação do pagamento do valor correspondente à vantagem a actividade criminosa e resultando dos autos apurada vantagem no valor de (…) €253.444,70 quanto à arguida AA requer-se ao abrigo do art. 10 º , n º s 1 a 3 da Lei n º 5/2002 de 11 de Janeiro, o arresto do património e saldos das contas abaixo identificadas:
(…)
1. Relativamente ao arguido AA, para liquidação e pagamento de uma vantagem de 253.447.70€:
2.1 Neste caso em concreto, a arguida possui um total de 237.134,33 em activos globalmente considerados com o conjugue, distribuídos por: 28.207,13€ em activos financeiros; 183.360,00€ em imóveis e 25.567,00€ em veículos. Cabendo ao arguido, em razão da cotitularidade e do regime em que contraiu matrimónio o total de 121.698,28€.
2.2 Requer-se o:
2.2.1 Arresto do imóvel:
a) ... com a matriz ..., registado na Conservatória do Registo Predial de ...sob o nº ... com o valor matricial de 183.360,00, na proporção de 1/2 em razão da cotitularidade conjunta e regime em que contraiu matrimónio;
2.2.2 Arresto dos veículos:
a) ..., marca Honda, modelo Civic, matrícula no ..-CL-.., pelo valor de 6.550,00€, na proporção de 1/2 em razão do regime em que contraiu matrimónio;
b) ..., marca Honda, modelo CR-V, matrícula no ..-QX-.., pelo valor de 19.017,00€, na proporção de 1/2 em razão do regime em que contraiu matrimónio;
2.2.3 O arresto dos saldos bancários detidos nas contas à ordem:
a) ... da ..., saldo de 27,03€, na proporção de 1/2 em razão da cotitularidade conjunta;
b) ... da ..., saldo de 112,00€, na proporção e 1/3 em razão da cotitularidade conjunta;
c) ... do ..., saldo de 1.414,88€, na proporção de 1/3 em razão da titularidade conjunta;
d) ... do ..., saldo de 5.148,57€, na proporção de 1/2 em razão da cotitularidade conjunta e da aplicação financeira associada a esta conta, designada de Acções … no ... no Valor de 1.759,07€, na mesma proporção;
e) ... do ..., saldo de 387,26€, na proporção de 1/3 em razão da cotitularidade conjunta e das aplicações financeiras associada a esta conta, nomeadamente:
I. designada de ... no ..., no valor de 363,62€, na mesma proporção;
II. designada de ... no ..., no valor de 4.511,26€ na mesma proporção;
III. designada de ... no ..., no valor de 6.979,76€ na mesma proporção;
IV. designada de ... no ... no valor de 53,10€, na mesma proporção;
V. designada de ... no ... no valor de 3.317,09€, na mesma proporção;
VI. designada de ... no ... no valor de 13,56€, na mesma proporção;
VII. designada de ... Nac. SGPS no ... no valor de 1.125,60€, na mesma proporção;
f) ... do ..., saldo de 202,26€, na proporção de 1/3 em razão da cotitularidade conjunta;
g) ... do ..., saldo de 476,78€, na proporção de 1/3 em razão da cotitularidade conjunta e das aplicações financeiras associadas a esta conta:
I. designada de ... no ..., no valor de 3.745,33€, na mesma proporção;
II. designada de ... no ..., no valor de 213,77€, na mesma proporção;
h) ... do ..., saldo de 10.853,10€, na proporção de 1/3 em razão da cotitularidade conjunta.
Uma vez que os activos passíveis de liquidação e pagamento da vantagem são manifestamente inferiores ao valor da vantagem de actividade criminosa, requer-se que, caso tenham sido abertas novas contas à ordem nestas entidades bancárias sob a titularidade dos arguidos, os respectivos saldos e aplicações financeiras associadas, venham a ser alvo de arresto até ao valor da vantagem.
Sendo certo que, no que respeita aos imóveis e móveis supra descritos, existe forte perigo que os mesmos venham a ser transmitidos a terceiro de boa-fé, eximindo-se assim os arguidos, definitivamente, à acção da justiça.
Motivos pelos quais, se requer que seja decretado o arresto dos mencionados bens, para garantir o pagamento das vantagens patrimoniais calculadas nos termos do disposto no art. 7º , da lei n.º 5/2002 de 11 de Janeiro.
Prova: a da liquidação.
Mais se requer que, caso seja decretado o arresto, seja solicitado ao GRA a realização, mediante comunicação por meio célere ao mesmo, das diligências necessárias à sua concretização.
O Ministério Público mais promove que todos os bens supra mencionados, bem como, os saldos das contas bancárias já indicadas, sejam declarados perdidos a favor do Estado nos termos do disposto nos artigos 110º e 111º, do Código Penal e 7º, da Lei 5/2002 de 11 de Janeiro.”
2 – Despacho de decretamento de arresto preventivo (procedimento cautelar) (ref. 7718520 - apenso A – 21janeiro2022) (na parte com interesse para a decisão em curso)
(SIC, com exceção da formatação do texto, optando-se pelo integral ausente de negrito, itálico e/ou sublinhado, da responsabilidade do Relator)
(…)
”Com relevo para a decisão do mérito a proferir, consideram-se sumariamente demonstrados os factos descrito na acusação pública que constitui fls. 3 a 39v. do presente apenso, e bem ainda os factos descritos a fls. 39v. a 49v., relativos ao património imobiliário, mobiliário e financeiro dos arguidos, os quais, por uma questão de economia processual, se dão aqui por integralmente reproduzidos.
Com relevo para a decisão de mérito a proferir, inexistem factos não provados.
No caso vertente, em sede de motivação da decisão de facto, ponderaram-se, desde logo, os elementos probatórios constantes dos autos de inquérito, resultantes das diligências de investigação encetadas, que foram analisados criticamente, socorrendo-nos de critérios de experiência comum, de harmonia com o princípio consagrado no art. 607.º, n.º 4 do Cód. Processo Civil, aplicável, no caso vertente, por remissão dos arts. 228.º do Cód. Processo Penal e 10.º, n.º 4 da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro.
Assim, foi valorado o acervo documental junto aos autos e aos respectivos apensos e anexos, com especial enfoque, naturalmente, para a documentação bancária, bem como os autos de busca e apreensão, a prova pericial, que integra o apenso X, e a prova testemunhal, concretamente o depoimento das vinte e cinco testemunhas identificadas a fls. 1226 e 1226v., o que nos permitiu formar a convicção de se encontrar fortemente indiciada nos autos a ocorrência da factualidade descrita na acusação do Ministério Público, a qual, em abstracto, se subsume à prática, pelos arguidos EE e AA, em coautoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, de um crime de abuso de confiança, p.p. no art. 205.º, n.ºs 1 e 4, al. b), por referência ao art. 202.º, al. b), e de um crime de branqueamento, p.p. no art. 368.º-A, n.ºs 1, 2, 3 e 4, todos do Cód. Penal.
No âmbito da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, a qual veio estabelecer medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira, foi estabelecido um regime especial de recolha de prova, quebra de sigilo profissional e perda de bens a favor do Estado relativamente aos crimes nela previstos, e taxativamente indicados no seu artigo 1.º.
O art. 7.º deste diploma prevê:
“1 – Em caso de condenação pela prática de crime referido no artigo 1.º, e para efeitos de perda de bens a favor do Estado, presume-se constituir vantagem de actividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito.
2 – Para efeitos desta lei, entende-se por «património do arguido» o conjunto de bens:
a) Que estejam na titularidade do arguido, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício, à data da constituição como arguido ou posteriormente;
b) Transferidos para terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, nos cinco anos anteriores á constituição como arguido;
c) Recebidos pelo arguido nos cinco anos anteriores à constituição como arguido, ainda que não se consiga determinar o seu destino.
3 – Consideram-se sempre como vantagens de actividade criminosa os juros, lucros e outros benefícios obtidos com bens que estejam nas condições previstas no artigo 111.º do Código Penal”.
Nos termos do art. 8.º deste diploma:
“1 – O Ministério Público líquida, na acusação, o montante apurado como devendo ser perdido a favor do estado.
2 – Se não for possível a liquidação no montante da acusação, ela pode ainda ser efectuada até ao 30.º dia anterior à data designada para a realização da primeira audiência de discussão e julgamento, sendo deduzida nos próprios autos.
3 – Efectuada a liquidação, pode esta ser alterada dentro do prazo previsto no número anterior se houver conhecimento superveniente da inexactidão do valor antes determinado.
4 – Recebida a liquidação, ou a respectiva alteração, no tribunal, é imediatamente notificada ao arguido e ao seu defensor”.
E nos termos do art. 10.º deste diploma:
“1 – Para garantia do pagamento do valor determinado nos termos do n.º 1 do artigo 7.º, é decretado o arresto de bens do arguido.
2 – A todo o tempo, logo que apurado o montante da incongruência, se necessário ainda antes da própria liquidação, quando se verifique cumulativamente a existência de fundado receio de diminuição de garantias patrimoniais e fortes indícios da prática do crime, o Ministério Público pode requerer o arresto de bens do arguido no valor correspondente ao apurado como constituindo vantagem de atividade criminosa.
3 – O arresto é decretado pelo juiz, independentemente da verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 do artigo 277.º do Código de Processo Penal, se existirem fortes indícios da prática do crime. 4 – Em tudo o que não contrariar o disposto na presente lei é aplicável ao arresto o regime do arresto preventivo previsto no Código de Processo Penal”.
No art. 1.º, n.º 1 deste diploma, prevê-se o âmbito de aplicação da Lei, enquanto regime especial designadamente sobre a perda de bens a favor do Estado relativamente a determinado “catálogo” de crimes, que se caracterizam, não só pelo grau de sofisticação e organização com que são praticados, mas também, e sobretudo, pela sua capacidade de gerar avultados proventos para os seus agentes. Daí a instituição de mecanismos especiais que visam facilitar a investigação e a recolha de prova e de um mecanismo sancionatório, repressivo, que garanta a perda das vantagens obtidas com a actividade criminosa, tomando por base a presunção de obtenção de vantagens patrimoniais ilícitas através dessa actividade. Como se salienta no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 294/2008, de 29/05/2008, relatado por Carlos Fernandes Cadilha, referindo-se à investigação dos crimes de catálogo mencionados no referido artigo 1.º, os bens do arguido podem ser arrestados, não com a finalidade de garantia patrimonial do pagamento da pena pecuniária, de custas do processo ou de qualquer outra dívida relacionada com o crime (como prevê o artigo 228.º do Código de Processo Penal), mas como garantia do pagamento do valor que se presuma constituir uma vantagem da actividade criminosa (cfr. art. 10.º da lei n.º 5/2002) – in Diário da República, 2.ª Série, 1 de Julho de 2008, págs. 28834 a 28838, disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
Nos autos de inquérito em que foi deduzido o presente incidente de arresto preventivo, os arguidos EE e AA encontram-se acusados pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso de confiança, p.p. no art. 205.º, n.ºs 1 e 4, al. b), por referência ao art. 202.º, al. b), e de um crime de branqueamento, p.p. no art. 368.º-A, n.ºs 1, 2, 3 e 4, todos do Cód. Penal.
Como tal, tendo presente que é a acusação que define o objecto do processo, e tendo o Ministério Público efectuado a liquidação na acusação da vantagem patrimonial, nos termos do art. 8.º da Lei n.º 5/2002, de 11/01, acima transcrito, encontra-se verificada a legitimidade processual para o requerimento do Arresto.
É pacífico a nível da doutrina e da jurisprudência, inclusivamente constitucional, que o arresto é decretado, por definição legal, sem audição do requerido, conforme expressamente estatui o art. 393.º, n.º 1 do Cód. Processo Civil, aplicável, no caso vertente, por remissão dos arts. 228.º do Cód. Processo Penal e 10.º, n.º 4 da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro.
O exercício do contraditório no arresto preventivo é feito pela oposição ao despacho que tiver decretado o arresto, ou seja, apenas depois do seu decretamento.
A necessidade de eficácia da providência cautelar de arresto não se compadece com a prévia audição do arguido/requerido.
Como se escreve no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 724/2014, de 28/10/2014, relatado por Maria José Rangel de Mesquita, “(…) tendo em conta as finalidades da providência cautelar em causa – o arresto preventivo -, considera-se justificado e razoável o desvio ao princípio do contraditório (prévio) em face do perigo de desvirtuamento e de inutilidade da própria medida, pondo assim em risco a tutela efetiva (eficaz) dos direitos que se tentam proteger, em termos que não merecem uma censura constitucional” – in Diário da República, 2.ª Série – N.º 234 – 3 de Dezembro de 2014, págs. 30389 a 30398, disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
Como acima se salientou, o arresto de bens do arguido visa garantir o pagamento do valor determinado nos termos do n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 5/2002, de 11/01. Esse valor consubstancia-se na “diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito”, vindo essa diferença de valores a constituir o denominado património incongruente.
E, nos termos do n.º 3 do art. 10.º deste diploma, acima transcrito, o arresto pode ser decretado “independentemente da verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 do artigo 227.º do Código de Processo Penal, se existirem fortes indícios da prática do crime”, o que vale por dizer, na confrontação com o arredado n.º 1 do art. 228.º do Cód. Processo Penal (a referência, no texto legal, ao art. 227.º, em vez de art. 228.º, resulta de um patente lapso de redacção), que o decretamento do arresto não depende da verificação do periculum in mora, do fundado receio de perda ou diminuição substancial das garantias de pagamento do montante incongruente – neste sentido, pronunciam-se, de forma coincidente, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 2007, pp. 603, Maia Costa, Código de Processo Penal Comentado, Livraria Almedina, 2021, 3.ª ed., pp. 874, e João Conde Correia, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo III, Livraria Almedina, 2021, pp. 634.
Isto porque, a exigência ínsita no citado n.º 3 do art. 10.º da Lei n.º 5/2002, é a existência de fortes indícios da prática de crime do catálogo.
Assim, no caso vertente, tendo sido deduzida, pelo Ministério Público, acusação contra os arguidos EE e AA, imputando-lhes, designadamente, a prática, na forma consumada, de um crime de branqueamento, p.p. no art. 368.º-A, n.ºs 1, 2, 3 e 4 do Cód. Penal, atento o disposto no art. 1.º, n.º 1, al. i) da lei n.º 5/2002, de 11/01 (onde se encontra elencado o crime de branqueamento de capitais), e a prova arrolada na peça acusatória pelo Ministério Público, a que acima já se fez menção, aquando da fundamentação da matéria de facto, forçoso é concluir que se mostra verificado esse requisito legal.
Deste modo, e atento o exposto, considerando-se, ainda, o explanado no requerimento que antecede e concordando-se com as razões ali expressas, impõe-se julgar procedente a garantia patrimonial requerida pelo Ministério Público, decretando-se o arresto preventivo de todos os bens identificados na acusação pública, para garantia do pagamento ao estado dos seguintes montantes:
- (…)
- quanto à arguida AA, o montante de €253.444,70.
Termos em que, e pelo exposto, julgo o presente procedimento cautelar de arresto preventivo integralmente procedente, por integralmente provado, em consequência do que decreto o arresto dos bens dos arguidos identificados no requerimento cuja certidão integra fls. 50v. a 51v. dos presentes autos, sem observação do disposto no art. 8.º, n.º 4 da Lei n.º 5/2002, de 11/01, atentos os interesses em investigação e as necessidades a acautelar, face ao apuro do património incongruente apontado pelo Ministério Público.
Como referido a fls. 52, o arresto deve ser efectuado pelo Gabinete de Recuperação de Activos (GRA), sendo remetido para o efeito certidão dos presentes autos de procedimento cautelar de arresto, solicitando-se ao GRA, mediante comunicação a efectuar pelo meio mais célere, a realização das diligências necessárias à sua concretização."
(…)
B) Despacho recorrido
Oposição a arresto (ref. 160230746 - apenso B – 13março2024) (na parte com interesse para a decisão em curso)
(SIC, com exceção da formatação do texto, optando-se pelo integral ausente de negrito, itálico e/ou sublinhado, da responsabilidade do Relator)
(…)
“A decisão de arresto preventivo foi executada pelo GRA (Gabinete de Recuperação de Ativos), conforme ordenado, e, uma vez notificada, veio a arguida AA, ao abrigo do disposto no art. 228º, nº3 do CPP, aplicável ex vi art. 10º, nº 4 da Lei 5/2002, de 11/01, deduzir oposição.
Sustenta, desde logo, que o Ministério Público não logra indicar com clareza a vantagem a que se refere, reportando-se a valores diversos ao longo do articulado.
Argui ainda que não se encontra devidamente demonstrado o segundo requisito de que dependeria a procedência da providência decretada, i.e., insurge-se contra o cálculo que é realizado do valor incongruente, correspondente à diferença entre o valor do património apurado da arguida e o licitamente obtido pela mesma nos cinco anos anteriores à data da prática dos factos.
Sustenta que o saldo das contas bancárias encontra plena justificação no património que vendeu e nas aplicações e produtos financeiros em que foi investindo, mesmo antes de 23-03-2011, com o produto do seu trabalho, das heranças que foi recebendo e das vendas dos seus imóveis, sendo que o Ministério Público desconsidera o património preexistente, anterior a março de 2011 e também aquele que transitou de uns anos para os seguintes, limitando-se a “transpor para um quadro aquilo a que chama de «rendimento disponível» da arguida e que tem em conta a soma de todo o rendimento das declarações fiscais da arguida e do marido já subtraídos os montantes pagos de impostos” e, acrescenta, a indicar “que o «rendimento disponível» é menor, em €253.444,70 que os movimentos a crédito, as entradas de dinheiro nos bancos e descontados apenas os estornos, as movimentações entre as constas dos arguidos e os créditos bancários”.
Mais argui a opoente, a dado passo, que o Ministério Público apenas considera como rendimento licitamente obtido aquele que a cada ano se declara em sede de IRS, sem que “tenha em conta o dinheiro que adveio à arguida pela venda, com a mãe, de um imóvel da herança do pai dela; e sem que se tenham em conta os débitos das contas da arguida nem a real origem do dinheiro que surge a crédito” - cfr. art. 41 do articulado de oposição.
Refere ainda a opoente que o Ministério Público incorre em vício de raciocínio nos cálculos que efetuou já que “desconsiderou o dinheiro que transitou de uns anos para os outros”, pelo que, no limite, “estas «somas» contemplam duas, três, dez vezes o mesmo dinheiro” – cfr. art. 42º do articulado.
Conclui, quanto a este ponto, que não se encontra indiciado qualquer património incompatível com os rendimentos lícitos da arguida.
Por outro lado, refere que o valor apurado não se pode reportar a ambos os ilícitos imputados à arguida, porquanto apenas um deles corresponde ao que se designa de “crime de catálogo”.
Prossegue ainda referindo que foram considerados no arresto decretado bens que vieram a integrar o património da arguida em data anterior ao período de referência de cinco anos anteriores à data da prática dos factos, os quais, por tal razão, dele devem ser excluído uma vez que, refere, “os bens que haverá a arrestar no âmbito da aplicação desta lei são (apenas) aqueles cuja proveniência seja presumivelmente ilícita quer por adquiridos/alienados com o intuito de «limpar» os capitais obtidos ilicitamente, quer por adquiridos/alienados em substituição destes e cuja origem se situe, temporalmente, dentro dos limites referidos pela aferição do «valor do património» dos arguidos”.
Ainda, no que se reporta às contas bancárias, refere que pese embora só tivesse sido requerido o arresto dos saldos bancários na proporção da titularidade da arguida em cada uma das respetivas constas, a verdade é que encontram todas, na sua totalidade, impossibilitadas de quaisquer movimentos e foram arrestadas contas que haviam sido indicadas “sem interesse para a análise e cálculo da vantagem”. *
II – Instrução do incidente
(…)
III– Matéria de facto
III.1 – Factos indiciariamente apurados (para além da matéria que consta do articulado de acusação, que aqui se dá por reproduzida)
1 - O marido da arguida foi funcionário do ... até à sua reforma em 2016, exercendo funções na agência daquela instituição bancária na ...;
2 - Em virtude das funções exercidas o arguido da arguida beneficiava das concessões de crédito concedidas pela instituição bancária aos seus funcionários.
3 - Em 24-10-2015 a arguida e sua mãe, na qualidade de herdeiras de FF, venderam por €62.000,00 o prédio urbano descrito na conservatória do registo predial de Lisboa sob o nº 2841 da freguesia de ... e inscrito na matriz da freguesia mencionada sob o artigo 1549.
4 - A 20-06-2016 entre a tia da arguida BB e o ... foi celebrado um acordo de pagamento e assunção de dívida segundo o qual o ... devia àquela a quantia de €42.508,00, que liquidaria a partir de janeiro de 2017 para a conta desta, no banco ... e onde consta também como titular a arguida.
III. 2 - Factos não indiciariamente demonstrados
• O marido da arguida recebeu, de herança de um tio, em 2011, cerca de €11.000,00.
• Os veículos automóveis com as matrículas ..-QX-.. e ..-CL-.. foram adquiridos com isenção de IVA e pagando somente o imposto no que excedesse os €6.500,00, tendo em conta a incapacidade motora superior a 60% que afeta o cônjuge da arguida.
IV - Motivação
O Tribunal decidiu quanto á matéria de facto aduzida no requerimento de oposição tendo em conta a prova produzida na sua globalidade, a qual, de resto, desde já se adianta, como se vê da súmula que se deixou supra consignada, não infirma, de forma alguma, a matéria fática constante da acusação e do incidente de perda ampliada de bens, que serviu de base ao arresto decretado.
Assim, a aquisição e transmissão de bens imóveis, mormente a indicada pela opoente, encontra reflexo no acervo documental junto aos autos e foi tido em conta no cálculo efetuado pelo Gabinete de Recuperação de Ativos do património incongruente da arguida – vejam-se, nomeadamente, fls. 69, 100 e 101 do Apenso 5 - que corresponde ao direito de crédito do Estado cuja garantia o arresto decretado nos autos visa.
As testemunhas inquiridas deixaram perceber que a delimitação dos patrimónios da arguida e terceiros, mormente no que concerne às contas bancárias, é matéria que não assume transparência, face à forma como os montantes depositados nas diversas contas eram movimentados – veja-se o depoimento prestado pelo marido da arguida, GG, quanto às transferências por si realizadas entre as diversas contas da titularidade de ambos os arguidos nos autos e das instituições dirigidas pela arguida - à propriedade das verbas nas mesmas depositadas – veja-se o depoimento prestado pelo filho da arguida, CC, que referiu que os títulos depositados na sua conta não eram da sua propriedade e mesmo no que respeita à conta bancária do ..., de que é co-titular BB, a quem as testemunhas e a opoente se referem como uma familiar da arguida, não resultou clara a ligação desta com a instituição de que a arguida era Diretora e a que título terá realizado empréstimos, a cuja devolução se refere o documento de fls. 27. A testemunha DD, que o subscreveu em representação do ..., afirma reconhecer a sua assinatura no documento, mas nada logrou esclarecer quanto à relação jurídica estabelecida entre BB e aquele ..., não a conhecendo nem tendo, em momento algum, interagido com aquela. Como decorre do seu depoimento, os valores consignados no documento foram-lhe transmitidos pela arguida, desconhecendo a ligação que a mesma tem com a subscritora do documento.
Destarte, como dito, a opoente não logrou demonstrar quaisquer factos com repercussão na matéria fática constante do libelo acusatório, que inclui o incidente de perda alargada de bens.
V – Apreciação jurídica
Vejamos, antes de mais, o específico quadro legal aplicável às questões a decidir no âmbito do presente incidente de oposição ao arresto de bens decretado.
O artigo 110.ºdo Código Penal (CP) prevê a perda de produtos e vantagens nos seguintes termos:
“1 - São declarados perdidos a favor do Estado:
a) Os produtos de facto ilícito típico, considerando-se como tal todos os objetos que tiverem sido produzidos pela sua prática; e
b) As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem.
2 - O disposto na alínea b) do número anterior abrange a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, já cometido ou a cometer, para eles ou para outrem.
3 - A perda dos produtos e das vantagens referidos nos números anteriores tem lugar ainda que os mesmos tenham sido objeto de eventual transformação ou reinvestimento posterior, abrangendo igualmente quaisquer ganhos quantificáveis que daí tenham resultado.
4 - Se os produtos ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no artigo 112.º-A.
5 - O disposto nos números anteriores tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto, incluindo em caso de morte do agente ou quando o agente tenha sido declarado contumaz.
6 - O disposto no presente artigo não prejudica os direitos do ofendido.”
O artigo 111.º do mesmo diploma legal, sobre instrumentos, produtos ou vantagens pertencentes a terceiro prescreve o seguinte:
“1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a perda não tem lugar se os instrumentos, produtos ou vantagens não pertencerem, à data do facto, a nenhum dos agentes ou beneficiários, ou não lhes pertencerem no momento em que a perda foi decretada.
2 - Ainda que os instrumentos, produtos ou vantagens pertençam a terceiro, é decretada a perda quando:
a) O seu titular tiver concorrido, de forma censurável, para a sua utilização ou produção, ou do facto tiver retirado benefícios;
b) Os instrumentos, produtos ou vantagens forem, por qualquer título, adquiridos após a prática do facto, conhecendo ou devendo conhecer o adquirente a sua proveniência; ou
c) Os instrumentos, produtos ou vantagens, ou o valor a estes correspondentes, tiverem, por qualquer título, sido transferidos para o terceiro para evitar a perda decretada nos termos dos artigos 109.º e 110.º, sendo ou devendo tal finalidade ser por ele conhecida.
3 - Se os produtos ou vantagens referidas no número anterior não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no artigo 112.º-A.
4 - Se os instrumentos, produtos ou vantagens consistirem em inscrições, representações ou registos lavrados em papel, noutro suporte ou meio de expressão audiovisual, pertencentes a terceiro de boa-fé, não tem lugar a perda, procedendo-se à restituição depois de apagadas as inscrições, representações ou registos que integrarem o facto ilícito típico. Não sendo isso possível, o tribunal ordena a destruição, havendo lugar à indemnização nos termos da lei civil.”
Prosseguindo, a Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, refere-se à perda de bens a favor do Estado estabelecendo no art. 7º o seguinte:
“1 - Em caso de condenação pela prática de crime referido no artigo 1.º, e para efeitos de perda de bens a favor do Estado, presume-se constituir vantagem de atividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito.
2 - Para efeitos desta lei, entende-se por «património do arguido» o conjunto dos bens:
a) Que estejam na titularidade do arguido, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício, à data da constituição como arguido ou posteriormente;
b) Transferidos para terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, nos cinco anos anteriores à constituição como arguido;
c) Recebidos pelo arguido nos cinco anos anteriores à constituição como arguido, ainda que não se consiga determinar o seu destino.
3 - Consideram-se sempre como vantagens de atividade criminosa os juros, lucros e outros benefícios obtidos com bens que estejam nas condições previstas no artigo 111.º do Código Penal.”
No que respeita concretamente à providência cautelar de arresto, estabelece o art 10º da mesma Lei:
“1 - Para garantia do pagamento do valor determinado nos termos do n.º 1 do artigo 7.º, é decretado o arresto de bens do arguido.
2 - A todo o tempo, logo que apurado o montante da incongruência, se necessário ainda antes da própria liquidação, quando se verifique cumulativamente a existência de fundado receio de diminuição de garantias patrimoniais e fortes indícios da prática do crime, o Ministério Público pode requerer o arresto de bens do arguido no valor correspondente ao apurado como constituindo vantagem de atividade criminosa.
3 - O arresto é decretado pelo juiz, independentemente da verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 do artigo 227.º do Código de Processo Penal, se existirem fortes indícios da prática do crime.
4 - Em tudo o que não contrariar o disposto na presente lei é aplicável ao arresto o regime do arresto preventivo previsto no Código de Processo Penal.”
Convocado o quadro legal, atentemos na argumentação realizada pela opoente no seu articulado, afigurando-se ao tribunal que se identificam, desde logo, duas questões a tratar no âmbito do presente incidente de oposição.
Assim, importa atentar:
i. nos cálculos em que se baseia o Ministério Público para encontrar o valor correspondente à vantagem patrimonial a que alude o art. 7º da Lei 5/2002, de 11 de janeiro, aferindo se estes se encontram indiciariamente suportados em termos probatórios
ii. no património afetado pelo arresto de bens ordenado.
Insurge-se a oponente, em primeiro lugar, contra as contas realizadas pelo Ministério para encontrar o património incongruente a que alude a lei 5/2002.
Contudo, os cálculos efetuados encontram-se devidamente explanados, ainda que, naturalmente, tenham que vir a ser devidamente apurados em sede de audiência de julgamento com base na prova que vier a ser produzida.
Com efeito, o art. 264 da acusação refere qual o montante que se entende corresponder ao locupletamento apurado da arguida por via de entregas ou transferências realizadas pelas diversas instituições e a vantagem patrimonial apurada pelo Gabinete de Recuperação de Ativos corresponde à diferença entre o património declarado pela arguida e o encontrado na sua titularidade - sendo certo que, como refere a arguida, ora opoente, no ponto 24 do seu articulado, todo o seu património e rendimentos se encontram devidamente declarados em sede fiscal.
Atente-se ainda que a forma de reação contra a decisão proferida pelo Tribunal com base nos elementos indiciários existentes seria o recurso e não a oposição, que se destina a carrear para os autos novos elementos de prova, não ponderados aquando da prolação da decisão inicial sem contraditório, que tenham a virtualidade de colocar em crise a prova indiciária em que se suportou a decisão.
Ora, como se afirmou supra, a prova produzida na fase instrutória não abalou os indícios probatórios em que suportou a decisão.
Quanto ao segundo ponto, i.e, património afetado
De modo a garantir o pagamento do valor apurado como património incongruente, o MP pode requerer, a todo o tempo, o arresto dos bens do arguido, «com a única exclusiva finalidade de garantir a futura decisão de perda, independentemente do seu valor probatório», como referem Hélio Rigor Rodrigues, Hélio Rigor; RODRIGUES e Carlos A. Reis Rodrigues3. «Em caso de condenação, se não tiver sido prestada caução económica ou não tiver sido efetuado o pagamento da quantia, os bens arrestados são “decretados perdidos a favor do Estado”».
No que concerne ao património visado pelo arresto, este não se dirige ao património ilícito do arguido - o arresto preventivo procura salvaguardar a possibilidade de executar o confisco no “património lícito” do arguido, já que para o património comprovadamente resultante do crime já existe a apreensão. Com efeito, para os bens que tenham apurada proveniência ilícita, i.e, obtidos com a prática de um crime, dever-se-á proceder à sua apreensão cautelar.
Como refere Paulo Pinto Albuquerque4, com o arresto preventivo, o legislador «permite que o “património lícito” do arguido seja utilizado para garantir aquilo que ab initio ou a posteriori, não é possível garantir com “património ilícito”».
Ainda, recorrendo às palavras de João Conde Correia5:
«Ao contrário da apreensão, em que está em causa a perda da própria coisa apreendida, sem grandes possibilidades de substituição, o arresto, enquanto mera garantia de um determinado quantum, permite a substituição dos ativos arrestados por outros de igual valor. Não havendo nenhuma ligação conhecida entre os bens “congelados” e o crime que lhe é imputado, o visado pode selecionar os ativos arrestados e, depois, eventualmente, confiscados, disponibilizando para o efeito outros bens».
Sobre esta questão, na jurisprudência, podemos referir, a título de exemplo, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, da pena da Srª. Desembargadora Ana Barata Brito6, em cujo sumário se pode ler o seguinte:
“I - Considerando-se excluído da previsão do art. 7º da Lei 5/2002 determinado bem pertencente ao arguido, esse bem não entra no cômputo do valor da “vantagem criminosa” e não releva na quantificação; mas tal exclusão não impede que esse mesmo bem venha a responder depois pelo pagamento do valor da vantagem determinada na sentença.
II - Num primeiro momento – no momento da sentença – tratou-se de excluir o bem do património do arguido para os efeitos do artigo 7º nº 2, al c) da lei 5/2002; no segundo momento, decretou-se o arresto, que o incluiu; e não tendo o arguido efetuado o pagamento do valor determinado nos termos do nº 1 do art. 7º, pode o mesmo bem ser declarado perdido a favor do Estado, ao abrigo do art. 12º, nº 4 da Lei 5/2002, não ocorrendo violação de caso julgado ou contraditoriedade de decisões.”
Na linha do exposto, para efeito de identificação de património a arrestar com o fim de servir como garantia do pagamento do montante do crédito apurado a favor do Estado, não há que atentar na data da sua entrada no património da arguida.
Uma coisa é o cálculo a realizar para apuramento do montante do crédito a favor do Estado – correspondente ao património incongruente apurado, o que obedece a balizas temporais, nos termos previstos no art. 7º da Lei 5/2002 – outra coisa são os bens a submeter à providência de arresto, que apenas terão que se encontrar na titularidade da arguida, independentemente da data da sua aquisição.
Prosseguindo, para a aplicação do arresto como garantia da perda do valor a favor do Estado, é necessária a existência de fortes indícios da prática de um dos crimes do catálogo consagrado no art. 1.º da referida Lei.218.
O artigo 1º da Lei 5/2002, ao definir o seu âmbito de aplicação, refere:
“1 - A presente lei estabelece um regime especial de recolha de prova, quebra do segredo profissional e perda de bens a favor do Estado, relativa aos crimes de:
(…)
i) Branqueamento de capitais;
(…)”
Como se referiu supra, é imputado a ambos os arguidos nos autos, a prática, em co-autoria de factos consubstanciadores de um crime de abuso de confiança, p.p. no art. 205.º, n.ºs 1 e 4, al. b), por referência ao art. 202.º, al. b), e de um crime de branqueamento, p.p. no art. 368.º-A, n.ºs 1, 2, 3 e 4, todos do Cód. Pena.
Ora, atentando na descrição fática realizada no libelo acusatório, verificamos que ambos os ilícitos se encontram ligados, porquanto o valor “branqueado” é o resultado do crime precedente de abuso de confiança.
Assim, não colhe a argumentação de que não nos encontramos ante um “crime de catálogo”, para os efeitos da sua integração na previsão legal do art. 1º da lei 5/2002, de 11 de janeiro.
Finalmente, refere ainda a arguida que, pese embora só se tenha requerido o arresto dos saldos bancários na proporção da titularidade da arguida em cada uma das respetivas contas, a verdade é que estão todas, na sua totalidade, impossibilitadas de quaisquer movimentos.
Vejamos.
(…)
Como se vê de forma clara, apenas foi requerido – e ordenado – o arresto da quota parte do património ou valores da titularidade da arguida e não a quota parte dos demais titulares.
Não estamos, pois, ante uma situação de arresto sobre bens de terceiro, mas apenas de ativos da titularidade da arguida.
Como seja, tendo-se suscitado dúvidas quanto à forma de cumprimento do arresto ordenado nos autos, foram proferidos despachos a solicitar esclarecimentos às instituições bancárias, como resulta de fls. 138 dos autos – que obteve a resposta junta a fls. 140, frente e verso e 141 verso e 142, esclarecendo-se nesta ultima que “ as contas sobre as quais incidem o arresto se encontram livres para movimentação”, no que se refere “à liberdade de movimentação dos saldos e demais bens inscritos e/ou depositados naquelas contas correspondentes às quotas partes dos restantes co-titulares das mesmas, não abrangendo assim a referida liberdade de movimentação dos saldos e bens correspondentes à quota parte da co-titular arguida, que foram arrestados”.
Ainda assim, foi apresentado novo requerimento (fls. 145-146) em que se indica que, contrariamente ao que ali é referido, as contas se encontram totalmente bloqueadas, o que suscitou a prolação de novo despacho a solicitar esclarecimentos (fls. 147), respondidos nos termos que constam de fls. 148 verso, i.e., “todas as contas, incluindo as indicadas no ofício de V.Exas., encontram-se suspensas ou seja, não são permitidos movimentos a débito”, em cumprimento do despacho datado de 16-02-2022 proferido no Apenso A dos presentes autos – cfr. fls. 77 do aludido Apenso.
Ora, quanto a esta matéria importa dar total razão à opoente, impondo-se a circunscrição do arresto ao que se encontra determinado na decisão proferida.
VI – Decisão
Em face de tudo o exposto, o Tribunal decide:
i) Julgar improcedente, por não provada, a oposição deduzida ao arresto decretado nos autos.
ii) Determinar que as instituições bancárias a que infra se aludirá cinjam a impossibilidade de movimentação das contas em causa ao determinado na decisão proferida nos autos:
Contas à ordem:
(…)
Notifique.
Remeta ofício às instituições bancárias supra mencionadas para que libertem de imediato a suspensão de movimentos das contas bancárias na proporção não abrangida pela presente decisão.
(…)
C) Análise das questões de direito objeto de recurso:
1 – delimitação dos institutos em apreço
Diremos, antes de mais, que nos vamos dispensar de elaborar uma ampla explanação do instituto jurídico subjacente ao arresto preventivo em causa nos autos bem como às suas finalidades.
Quer o despacho de 21janeiro2022, quer o despacho de 13março2024 são bastantes para a sua compreensão. Mais dizer nesse campo sempre se mostra, consequentemente, desnecessário.
Quatro notas, porém, meramente de definição estrutural à luz dos raciocínios trazidos à liça pela Arguida, as três iniciais à luz das conclusões 24 a 30, a última face às implicâncias que acarretará para as questões objeto do recurso, pela Arguida dividida em 3 grandes blocos conclusivos.
Como refere Germano Marques da Silva (in Curso de Processo Penal, II.º Volume, p. 56), lendo o CPP, facilmente se verifica que o legislador “conduz os participantes processuais na sequência do procedimento, dispondo quais os atos admitidos ou obrigatórios e para cada um deles quem os pode praticar e quando, onde e como devem ser praticados, prescrevendo o modelo e os requisitos de cada ato. O ato perfeito é o que corresponde ao modelo abstrato estabelecido pela lei. A perfeição do ato processual reconduz-se à sua correspondência ao modelo legal” e por isso o mediano interprete compreende a razão de ser da estreita ligação entre a perfeição formal do ato e a emanação do mesmo no tempo próprio, lugar próprio e modo próprio. Uma vez que os atos processuais são atos instrumentais que se inserem na já de si complexa unidade do processo - tão mais agravada quando é certo que no presente caso se trata de incidente extraído em sede de processo penal, como tal em estreita ligação com os direitos fundamentais de qualquer cidadão aí atingido e independentemente da posição que no mesmo vem a ocupar -, esses mesmos atos, em certo sentido, pela sua intrínseca concatenação de matérias, são condicionados pelo precedente e condicionantes do subsequente, e assim, a observância dos requisitos formais repercute-se mais ou menos acentuadamente no ato terminal do processo, pondo em perigo a justiça do ato decisório.
Isto visto, na certeza de que não se pode deixar de ter presente o dano que sempre sai resultante da invalidação de um ato - dano que no domínio processual penal se agrava uma vez que a invalidade se pode comunicar aos atos interdependentes e a todo o processo, com a necessária inutilidade de toda a atividade desenvolvida, a que acresce em certos casos a própria grave afetação do direito ou mesmo a sua perda - fala o CPP no seu art. 118.º, ao nível das nulidades, de um princípio de legalidade, o qual é um puro princípio de tipicidade das situações irregulares cominadas com nulidade: significa isto que só são nulidades as expressamente previstas na lei como tal, ficando submetidas ao regime previsto nos art.s 119.º a 122.ºCPP, sendo os demais casos de violação ou inobservância das normas processuais meras irregularidades, sujeitas ao regime previsto no art. 123.ºCPP.
Tal resulta, desde logo, de um princípio de economia processual, de gestão de meios, de celeridade processual, da conservação dos atos imperfeitos, entre outros, que muito embora, por vezes, em conflito direto com outros direitos dos participantes processuais, se mostram superiores - aqueles - a estes princípios: é esta a função a que obedece o princípio da tipicidade dos vícios que determinam a nulidade do ato processual com tempero na “preocupação da prevalência da verdade material sobre a verdade formal [a qual] levou o legislador a reduzir – ou limitar – os casos de ineficácia ou invalidade dos actos, procurando aproveitá-los enquanto possam servir o fim último: a realização da Justiça, através da descoberta da verdade material.”(neste sentido, Gil Moreira dos Santos, in Noções de Processo Penal, 2.ª Ed., 209)
Isto visto, sem prejuízo da relevância que infra tal delimitação vai assumir no âmbito doutras matérias, certo é que não se pode confundir a interpretação feita das normas dos art.s 7.º, 9.º e 10.º da Lei 5/2002-11janeiro com qualquer nulidade.
A segunda nota reporte ao facto de a Lei 5/2002-11janeiro, estabelecendo medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira, gizar um regime específico de perda alargada, relativamente ao qual também prevê um mecanismo de garantia de eficácia da decisão final, qual seja o arresto preventivo, como medida antecipada do cumprimento daquela, traduzida numa situação de indisponibilidade sobre o património – no todo ou parte dele – por parte da Arguida.
Relevante para a situação é desde já firmar que estamos no âmbito do instituto plasmado pela conjugação do art. 7.º - perda de bens – com o art. 10.º - arresto, - da Lei 5/2002-11janeiro, sendo este um expediente processual com vista à garantia daquele, constituindo-se aquele como a delimitação de vantagem calculada entre o valor efetivo do património da Arguida e aquele valor de património que seja congruente com o rendimento licito da Arguida. A diferença entre os mesmos determina presunção, ilidível, de incongruência.
Note-se, pois, a presença de duas realidades distintas: o património da Arguida, para efeitos do cálculo do valor da incongruência, face ao seu rendimento lícito (art. 7.º/1 Lei 5/2002-11janeiro), e o arresto de bens da Arguida para garantia do pagamento do valor da incongruência, em caso de condenação (art. 10.º/1 Lei 5/2002-11janeiro). No primeiro caso determina-se o valor do produto da atividade criminosa desenvolvida e, no segundo caso são arrestados bens da Arguida, para garantia do pagamento desse valor do produto da atividade criminosa, em caso de condenação.
E daí uma substancial diferença, que parece vir sendo incompreendida pela Arguida, entre o que neste campo e instituto se estatui e o quanto no campo dos art.s 110.º e 111.ºCP se cuida.
De facto, para o processado em causa nos autos, relevante é o denominado património incongruente no seu montante global e não tanto o vulgarmente designado património manchado/contaminado - que derive direta ou indiretamente da prática do crime -, não sendo, de igual forma, essencial qualquer juízo de perda de bens determinados. A presunção de proveniência ilícita de determinados bens e a sua eventual perda em favor do Estado não é uma reação pelo facto de a Arguida ter cometido um qualquer ato criminoso. Trata-se, sim, de uma medida associada à verificação de uma situação patrimonial incongruente, cuja origem lícita não foi determinada, e em que a condenação pela prática de um dos crimes previstos no art. 1.º Lei 5/2002-11janeiro tem apenas o efeito de servir de pressuposto desencadeador da averiguação de uma aquisição ilícita de bens. Por isso se considera não se aplicarem aqui as garantias constitucionais de incidência penal, mormente o princípio da presunção de inocência e as suas várias manifestações.
É dizer, não é requisito para a determinação do arresto preventivo a prova de que o património incongruente foi obtido com a prática do crime ou crimes inerentes em apreço e dentro do catálogo, pelo que revela-se desnecessário provar a origem concreta dos bens abrangidos nos cálculos da vantagem patrimonial. (neste sentido, cfr. João Conde Correia, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo III, 2.ª ed. p. 666, assim como Maria Dolores da Silva e Sousa, RMP, 172, Ano 43, p. 154)
A terceira nota para firmar que não sendo a origem do bem um pressuposto do arresto preventivo - mas apenas os pressupostos cumulativos de: a) existência de fundado receio de diminuição de garantias patrimoniais e; b) de fortes indícios da prática do crime -, a oposição ao arresto visando apenas a prova da origem lícita não é admissível porquanto, havendo previsão expressa de regulação pelo art. 10.º/4 Lei 5/2002-11janeiro (“4- Em tudo o que não contrariar o disposto na presente lei é aplicável ao arresto o regime do arresto preventivo previsto no Código de Processo Penal”), tal prova deve antes ser feita nos termos específicos e especiais do art. 9.º/1/4/5 Lei 5/2002-11janeiro“(1 - Sem prejuízo da consideração pelo tribunal, nos termos gerais, de toda a prova produzida no processo, pode o arguido provar a origem lícita dos bens referidos no n.º 2 do artigo 7.º; (…) n.º 4: Se a liquidação do valor a perder em favor do Estado for deduzida na acusação, a defesa deve ser apresentada na contestação. Se a liquidação for posterior à acusação, o prazo para defesa é de 20 dias contados da notificação da liquidação.; 5 - A prova referida nos n.ºs 1 a 3 é oferecida em conjunto com a defesa.”) (sobre a questão, ao nível da sua conformidade constitucional, cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional, 392/2015, acessível in www.tribunalconstitucional.pt assim como o Acórdão desta 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, rel. Juiz Desembargador Agostinho Torres, 4fevereiro2020, NUIPC 65/17.6PJLRS-C.L1-5, acessível in www.dgsi.pt/jtrl)
Explanando.
Determinado o património para apuramento do montante da incongruência, face ao conjunto de rendimentos lícitos auferidos e reportados nas sucessivas alíneas do art. 7.º/1 Lei 5/2002-11janeiro, tal presunção de incongruência pode ser impugnada pela via do art. 9.º Lei 5/2002-11janeiro.
Situação diversa cuida-se aquando do arresto preventivo de bens da Arguida, caso em que a oposição se regula nos termos gerais estabelecidos no art. 228.ºCPP, face ao disposto no art. 10.º/4 Lei 5/2002-11janeiro.
Consequentemente tal oposição terá que colher fundamento, não nas circunstâncias descritas no artigo 9.º Lei 5/2002-11janeiro, respeitantes à impugnação da presunção, constante do art. 7.º/1 Lei 5/2002-11janeiro, de determinação do património da Arguida para apuramento da incongruência face aos seus rendimentos lícitos, mas nas causas gerais de oposição ao arresto resultantes do disposto no art. 228.ºCPP, face ao disposto no art. 10.º/4 Lei 5/2002-11janeiro, situação em que cabe alegar factos e produzir meios de prova não tidos anteriormente em conta pelo Tribunal – ao momento do decretamento do arresto preventivo, leia-se - e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinem a sua redução – art. 372.º/1b)CPC ex vi art. 4.ºCPP.
Tudo, obviamente, sem prejuízo de que sendo a fase processual por natureza cautelar, fundada em liquidação provisória prévia à acusação, na qual se estriba o arresto preventivo de bens suscetíveis de garantir o valor da incongruência assim provisoriamente liquidado, operando contestação pela dita via de oposição, tal fase processual determina a aplicação dos princípios probatórios inerentes, nos quais não poderão deixar de funcionar juízos presuntivos, ainda que ilidíveis - cabendo o ónus desta elisão à Arguida afetada pela medida. Deduzida oposição ao arresto, pode nesta sede procurar-se ilidir aquele juízo, mas o despacho a proferir a tomar é sempre precária porque assente em prova meramente indiciária.
Feita esta delimitação de conceitos, ligando os mesmos àquela que é a oposição formulada, como bem resulta da explanação inicial do despacho ora sob recurso, a fundamentação ali carreada pela Arguida roda essencialmente à volta da imprecisão de declaração de quais os valores de incongruência por parte do Ministério Público, modo de realização do cálculo do valor de incongruência, concluindo pela não indiciação de património incongruente à luz dos rendimentos lícitos.
Não se ficando em exclusivo nesse campo, poder-se-á dizer que o expediente processual usado foi-o, primordial, ainda que não globalmente, o adequado. Tudo a determinar que a apreciação infra sempre se mostrará limitada pelas balizas supra delineadas.
Uma última nota para firmar a natureza do despacho sob recurso, ao qual a Arguida apoda com o nomen juris de sentença.
O despacho recorrido surge e insere-se em fase do processado antecedente ao julgamento, constituindo um incidente de reporte a questão específica: arresto provisório, como garantia antecipatória de pagamento em caso de condenação com determinação de perda alargada.
Por isso mesmo, tal qual consta do dito, os factos firmados são-no, desde logo, como “indiciariamente apurados” e como “não indiciariamente demostrados”. Não se tratam, pois, de factos firmados como provados ou como não provados, aliás em sintonia com o que supra se aflorou em termos da função de delineação precária que cabe ao despacho em causa.
Tal nomenclatura está, deste modo, em sintonia com a natureza do despacho em causa, o qual não conhece a final do objeto do processo, com virtualidade de caso julgado formal e material, sim conhece de questão interlocutória, como tal a cair no art. 97.º/1b)CPP, tanto mais que a “remissão” do art. 228.º/1CPP para o processo civil respeita ao processamento e audiência e não à natureza do despacho.
Acresce que a tal desiderato não obsta a adotada estrutura sequencial constante do despacho, com uma certa solenidade e complexidade, uma vez que a mesma só contende com a questão formal de melhor delineação e compreensão da fundamentação, ao nível das exigências contidas no art. 97.º/5CPP.
Concluindo, para nós, brevitatis causa, porque objeto do processo deve considerar-se equivalente a mérito da causa à luz do quanto fique definido em sede de acusação (ou de pronúncia, sendo caso), o despacho sobre a oposição ao arresto preventivo não conhece, seguramente, do objeto do processo penal, tal qual, em bom rigor, também não pode considerar-se que conhece do objeto da questão de perda alargada, já que se trata de mero incidente desta, pelo que, com referência ao critério distintivo fixado no art. 97.ºCPP, tal despacho não é uma sentença.
Tal, necessariamente, terá influência ao nível das nulidades invocadas pela Arguida, como infra se verá, uma vez que antes determinará a chamada à colação da regra geral da irregularidade nos limites do art. 118.º/2CPP.
2 – nulidade – omissão de pronúncia – art. 379.º/1c) CPP
Aponta a Arguida, nas suas iniciais conclusões 1 a 7 o que entende ser uma nulidade do despacho de 13março2024, onde se conheceu a oposição.
Para tanto afirma que tendo fundado o seu pedido de levantamento do arresto, inerente à oposição, na inexistência de património incongruente, uma vez que todo o património possuído lhe adveio do trabalho e de benefício de herança, o Tribunal a quo sobre tal não se debruçou, antes somente pressupôs que os cálculos de vantagem estariam corretos. Porém, no seu entender, tal é decidir sobre a questão seguinte à inexistência de património incongruente e não à que lhe cabia primeiro, sobre a qual se não debruça, assim gerando omissão de pronúncia a cominar com a nulidade de reporte ao art. 379.º/1c) CPP.
À Arguida não assiste razão, nem formal, nem material.
Sem necessidade de mais, dir-se-á que a omissão de pronúncia a que se refere o invocado art. 379.º/1c)CPP, constitui uma nulidade da sentença, tal qual linearmente resulta da inserção sistemática da norma, da respetiva epígrafe e do corpo do referido número, e quanto a estas nulidades, não existe norma de conteúdo extensivo idêntico ao do n.º 3 do art. 380.ºCPP.
Assim sendo, delineado que está que o ato decisório recorrido é um despacho e não uma sentença, a questão submetida pela Arguida ao conhecimento deste Tribunal Superior não é cabível no art. 379.ºCPP, pelo que a existir vício da natureza apresentada este assume a natureza de mera irregularidade, não caindo na previsão limitada – porque em numerus clausus – das nulidades em processo penal e dos seus fundamentos – art. 118.º/1/2CPP -. É dizer, relega-se para a figura da mera irregularidade todas as violações processuais que não se encontrem expressamente cominadas com a nulidade.
Note-se, ainda, que face ao art. 123.º/1CPP, à constatação de mera irregularidades acresce a nuance de que a mesma só determina a invalidade do ato a que se refere e dos termos subsequentes que possa afetar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio ato ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum ato nele praticado – art. 123.º/1CPP.
Dir-se-á, desde já, que tempestivamente não foi invocada qualquer irregularidade, o que força concluir que o vício invocado – a existir - estaria sanado.
Mais se diga que – analisada a questão em termos materiais - não é de chamar à colação a amplitude da válvula de salvaguarda contida no art. 123.º/2CPP, uma vez que à luz do – já referido - princípio geral enunciado no n.º 5 do art. 97.º nenhuma omissão opera, muito menos com a amplitude exigível de afetação.
Duma forma simples, a omissão de pronúncia significa, na essência, ausência de posição ou de decisão do Tribunal em caso ou sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa. Traduz-se num non liquet. (neste sentido, com reporte a caso de sentença, Juiz Conselheiro Pires da Graça, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27abril2011, NUIPC 20/10.7S5LSB.S1, acessível in www.dgsi.pt/jstj)
Flui à evidência e, como tal, dispensa grandes considerações, não enferma o despacho de 1.ª instância de qualquer falta de virtude nesta matéria, não sendo a questão apresentada mais do que semântica da Arguida.
Descendo ao concreto, como já supra se disse, é inequívoco que a questão da incongruência patrimonial se afere pela diferença reportada no cálculo efetuado nos termos do art. 7.º/1 Lei 5/2002-11janeiro, património esse englobado pelas regras do n.º 2 do mesmo art..
Ora, também como já se disse supra, a oposição ao arresto preventivo decretado teria que ter base nas questões de reporte ao art. 10.º/4 Lei 5/2002-11janeiro e já não nas questões a tratar no âmbito do art. 9.º/1/4/5 Lei 5/2002-11janeiro.
Sendo assim, como o é, a matéria embutida nos autos pela Arguida não colide em si com os pressupostos do arresto – quais sejam a) existência de fundado receio de diminuição de garantias patrimoniais e; b) fortes indícios da prática do crime – pelo que nenhuma consideração haveria a fazer.
Tudo a nos permitir, desde já, afirmar que o globalmente trazido à colação pela Arguida não passa, manifestamente, duma “não questão”, uma vez que a mesma é insuscetível de fazer parte do objeto concreto dos autos, como fundamento de oposição. E assim sendo, como é, mais não é do que um argumento, uma simples manifestação de discordância de forma, trazida à colação em momento de oposição, mas que nenhum sentido formal e material colhe.
Improcede, nesta matéria, a pretensão da Arguida.
3 – nulidade – falta de fundamentação – art. 379.º/1a) CPP
Aponta a Arguida, nas suas subsequentes conclusões 8 a 18 o que entende ser uma outra nulidade do despacho de 13março2024, onde se conheceu da oposição.
Para tanto afirma que, face ao por si alegado em sede de oposição, se mostra redutora a posição assumida no dito despacho, uma vez que o mesmo se estriba nos cálculos em que o Ministério Público se baseia para encontrar a incongruência de reporte ao art. 7.º Lei 5/2002-11janeiro versus o património afetado pelo arresto ordenado, sem que qualquer justificação aponte.
Decidindo.
Repetindo: estamos perante despacho, não perante sentença, o que implica óbvias e já traçadas consequências.
Fundamentar as decisões judiciais liga-se ao como da prática do ato decisório (nas supra referidas palavras de Germano Marques da Silva), lido como modelo e requisitos do mesmo. Tal dever, mais não é do que um garante da estrutura basilar do próprio Estado de direito democrático, sendo que no domínio do processo penal ao nível dos atos decisórios, a mesma assume uma função estruturante das garantias de defesa da Arguida (cfr. art. 205º/1CPP) uma vez que lhe permite o conhecimento, e inerente controlo, das razões que a motivam, com vista a adoção conscienciosa das estratégias processuais subsequentes, tudo reforçando o direito a um processo justo e equitativo.
O art. 97.º/5CPP (na senda do art. 205.º/1CRP), por seu turno, ao prescrever que “[o]s atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão” dá corpo ao cumprimento deste princípio geral sobre a fundamentação dos atos decisórios, sem prejuízo de que relativamente a alguns particulares e específicos atos – que não o despacho do caso sub judice -, que afetam ou podem afetar os direito do arguido, operar reiteração e reforço deste principio geral.
Valem aqui os argumentos supra: a) não sendo o despacho em causa uma sentença, não se lhe aplicam as acrescidas regras de fundamentação constantes do art. 374.º/2CPP, comináveis, quando incumpridas, com a nulidade do art. 379.º/1a)CPP; b) a existir desobediência ao comando de fundamentação, tal geraria in casu mera irregularidade; c) a qual não foi arguida de forma tempestiva; d) pelo que, a existir, se mostra sanada; e) analisada a questão em termos materiais, como infra se reportará, não é de chamar à colação a amplitude da válvula de salvaguarda contida no art. 123.º/2CPP.
A Arguida delimita a sua invocação ao campo da exposição dos motivos inerentes à fundamentação do despacho, os quais são de facto e de direito.
Face ao teor da alegação da Arguida, importa aqui distinguir entre a “falta de fundamentação” e “fundamentação insuficiente”. A constatação de ausência determina para os despachos um vício processual, gerador, de uma irregularidade. Diferente é o despacho que abarque a enunciação de fundamentos, mas estes apresentam-se-nos incompletos ou insuficientes para permitir que se extraia a ilação jurídica ali formulada, o quanto gera vício substantivo. (sobre os conceitos, no quadro de sentença, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26março2014, rel. Juiz Conselheiro Santos Cabral, in www.dgsi.pt , assim como Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, Reimpressão, 1984, p. 139-140)
Diga-se, ainda a propósito da distinção entre fundamentação sintética, ou sumária, mas ainda assim não insuficiente, versus ausência de fundamentação, que aquela é uma forma legalmente admissível de formatar a decisão judicial. Como, em lugar paralelo, refere Mouraz Lopes (in Fundamentação da Sentença no Sistema Penal Português Legitimar, Diferenciar, Simplificar) a fundamentação sumária traduz-se num modo de elaboração da fundamentação da decisão que consiste numa redução do âmbito da estrutura justificativa dos atos decisórios tendo em conta a especificidade estrutural que cada ato assume no procedimento. Nada obsta a que na sua formulação, desde que respeitado esse conteúdo mínimo exigível a cada uma das decisões, seja possível uma forma de fundamentação sumária, desde que garantida a possibilidade do seu controlo.
Descendo ao concreto, há que aqui apor uma nota inicial, que parece olvidada pela Arguida: como já se disse estamos em fase processual por natureza cautelar, fundada em liquidação provisória prévia à acusação, onde opera a aplicação dos princípios probatórios inerentes, nos quais não poderão deixar de funcionar juízos presuntivos, ainda que ilidíveis - cabendo o ónus desta elisão à Arguida afetada pela medida.
Lida a fundamentação de facto e de direito do despacho, esta não é sumária, é antes em si mesma cuidadosa ao reportar o porquê de à face das concretas provas indiciárias apresentadas e analisadas em sede de audiência de oposição, da mesma fazendo apreciação crítica, referindo especificadamente não ter a Arguida logrado demonstrar qualquer situação de facto que infirmasse a matéria indiciária suficiente constante da acusação ao nível do pedido de arresto provisório, justificando o porquê de a esse desiderato chegar. E, em sequência de tal quadro, analisando de direito a situação apresentada, fazendo-o de forma sequencial, expôs o Tribunal a quo a sua posição. Dentre a qual reportou uma das carências elementares do raciocínio apresentado pela Arguida ao nível da destrinça entre as razões/fundamentos de oposição e as razões/fundamentos de recurso.
Ou seja, não se está perante ausência/falta de fundamentação, o que exclui a presença de qualquer mera irregularidade apta a afetação do ato decisório praticado.
Improcede, nesta matéria, a pretensão da Arguida.
4 – nulidade – vicio decisório – art. 410.º/2b) CPP – contradição insanável
Continuando, aponta agora a Arguida, entre as conclusões 19 e 23, o que entende ser uma outra nulidade do despacho de 13março2024, onde se conheceu da oposição, agora baseada numa insusceptibilidade de os efetivados cálculos de vantagem – que tem por erradamente laborados – afinal se reportarem ao património e rendimentos que, no seu ponto 24 do articulado de oposição, se encontram devidamente declarados em sede fiscal. Vê nisto uma contradição insanável.
Dir-se-á, antes de mais, que nenhuma razão lhe assiste, não passando de pura retórica o que está em causa na alegação da Arguida.
Vale aqui, uma vez mais, a argumentação de qualificação do ato decisório em presença.
Quer pelo uso da figura do vício não aplicável a despacho, só a sentença, quer pela substância inerente à pretensão, a mesma está votada ao insucesso, o que se passa a explicar.
Os vícios da matéria de facto que integram as categorias das als. a), b) e c) do n.º 2 do art. 410.ºCPP, são anomalias decisórias, circunscritos à matéria de facto, apreensíveis pelo seu simples texto, sem recurso a quaisquer outros elementos a ela estranhos, impeditivos de bem se decidir tanto ao nível da matéria de facto como de direito, sempre ao nível da confeção da sentença e privativos desta. São, como tal, vícios da decisão, não de julgamento, umbilicalmente ligados aos requisitos da sentença previstos no art. 374.º/2CPP. (neste sentido específico, entre muitos. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, rel. Juiz Conselheiro Pereira Madeira, 20junho2002, processo 01P4250, onde, em sumário, acessível in www.dgsi.pt/jstj, se pode ler que “os vícios do artº 410, n.2, do C.P.P., são vícios da sentença final e, só, da matéria de facto”; Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, rel. Juíza Desembargadora Ana Barata Brito, 3julho2012, NUIPC 4016/08.0TDLSB.E1, onde, em sumário, acessível in www.dgsi.pt/jtre, se pode ler que “os vícios do artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal respeitam à sentença”; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, rel. Juiz Desembargador Alves Duarte, 15fevereiro2012, NUIPC 918/10.2TAPVZ, onde, em sumário, acessível in www.dgsi.pt/jtre, se pode ler que “Os vícios do artigo 410.º n.º 2 do CPP são vícios relativos à sentença”; Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, rel. Juiz Desembargador João Abrunhosa, 13dezembro2023, NUIPC 99/21.6T9SCD.C1, onde, em sumário, acessível in www.dgsi.pt/jtrc, se pode ler que “V – Os vícios do artigo 410.º do C.P.P. estão previstos, tão-só, para as sentenças, e não também para os demais despachos decisórios.”)
Deste modo, estando em causa despacho, a sua sindicância terá assim de passar pelo regime da invalidade que no caso cai na irregularidade processual. Não arguida tempestivamente, como tal sanada. Não sendo caso, como infra se expõe, de recurso à válvula de salvaguarda muito grande, que é a de poder ordenar-se oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade, no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando ela puder afetar o valor do ato praticado, uma vez que o despacho sob recurso não padece de uma qualquer contradição, quão mais insanável.
De facto, lida a peça de recurso, certo é que ficamos pela enviesada notícia de invocação por parte da Arguida, uma vez que a mesma não concretiza o porquê da dita contradição adjetivada, sendo que só se compreende a invocação perante uma errada leitura do despacho feita pela Arguida.
De facto, ao contrário do que a mesma afirma, inexiste qualquer contradição entre a parte inicial da afirmação feita pelo Tribunal a quo, uma vez que esta se insere no campo de apreciação da questão de delimitação dos cálculos determinantes da conclusão de incongruência. E, nesse campo, chama o Tribunal a quo à atenção para o que já aqui dissemos: tais cálculos são ainda indiciários e terão que ser devidamente apurados em sede de audiência de discussão e julgamento com base na prova que aí se vier a produzir, prova essa então a apreciar, entre o mais, à luz do confronto do quanto a acusação refere no seu ponto 254 e o que a Arguida refere no seu ponto 24 da peça de oposição.
É isso que o Tribunal a quo refere: o confronto de provas a produzir. E não que já nesta fase seja de afirmar que “todo o seu património e rendimentos se encontram devidamente declarados em sede fiscal” e que por essa via inexista incongruência.
Nem outra significância se poderia tirar, uma vez que o facto de operar uma correta, efetiva e total declaração fiscal do património e rendimentos não exclui per se a sua incongruência.
Tudo sem prejuízo da delimitação de objeto da oposição, como supra enunciado.
Concluindo, lido o despacho sob recurso, do mesmo não se vislumbram reais, efetivas e básicas incompatibilidades, muito menos a cair no terreno da insuperabilidade como supra se explana.
Improcede, também nesta matéria, a pretensão da Arguida.
5 – da avaliação da prova
Seguindo a invocação, após a conclusão 31 e até ao final das mesmas – 77 -, a Arguida manifesta o seu repúdio ao modo como o Tribunal analisou a prova por si carreada.
Fá-lo, não só através de invocações que se entendem como de apreciação, como o faz em moldes que desde já urge repudiar.
De facto, envereda a exposição da Arguida por considerações que em si mesmas, mesmo que por dedução, pouco visam o julgado, mais são de insinuação sobre o honor do concreto juiz no exercício da missão de, como membro Tribunal a quo, exercer a justiça em nome do povo, quadro que se regista e aqui coloca em foco por não se vislumbrar qualquer percalço, sim se colher determinação, nas intenções e fundamentações de base do apodar do despacho, entre outras, como um quadro de demissão funcional, suspeitosamente preconceituosa, parcial e até eivada de absoluta falta de ponderação à luz do normal da vida, elaborada com um olhar cego – quanto aos documentos - e surdo – quanto às testemunhas, assim atropelando a Lei, também porque gravemente não aprecia ou pondera a defesa produzida, antes aparentando à limitação de adesão ao que dizia o Ministério Público. Frise-se, como tal, citando Maurice Garçon (in O Advogado e a Moral, sensivelmente a p. 119) “as apreciações das decisões judiciais devem visar o julgado e não o juiz. A critica pode vir a atingir o juiz, mas tal percalço deve registar-se por dedução, sem necessidade de ser posto em foco.”
Adiante.
Não está em causa, desde já se firme, um qualquer modo de recurso de matéria de facto. Nem a Arguida o invoca, sendo que se o invocasse não estariam cumpridas as formais exigências.
O que está assim em causa é tão só a discordância da Arguida quanto à convicção do Tribunal a quo à luz da premissa crítica que este efetuou quando reportou que, face à prova global produzida e analisada – testemunhal e documental – não teve por infirmada a matéria constante da acusação (ao nível delimitado da questão, leia-se) e do incidente de perda ampliada de bens que serviu de base ao despacho de decretamento do arresto provisório.
Insurge-se a Arguida quer quanto ao modo como foi valorada tal prova testemunhal, como a prova documental, nesta fazendo destrinça entre a autêntica e a particular.
Ora, desde já se diga que, quer no corpo, quer nas conclusões das motivações, que a Arguida apresenta, a mesma se cinge a um exercício de comentário do despacho, em moldes de pretensão de prevalência da sua convicção. O que é manifestamente insuficiente face à regra de livre apreciação do julgador - livre apreciação que em moldes jurídico processuais a Arguida aceita, só não aceita é que a si se aplique ou não aceita que se aplique em relação a certos meios de prova.
Da simples leitura do despacho, oficiosamente não descobrimos nos factos provados e não provados que resulte algum que não possa ter acontecido ou que a prova indiciária tenha sido valorada contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados.
E não se argumente que operou qualquer violação de critérios de prova, uma vez que (mais uma vez, diga-se), a Arguida coloca a questão de tal valoração com relação à questão de origem lícita patrimonial e não como fundamento que determine o afastar dos fundamentos da providência ou determinem a sua redução. Relembrem-se os pressupostos cumulativos de: a) existência de fundado receio de diminuição de garantias patrimoniais e; b) de fortes indícios da prática do crime.
Tanto basta, para afirmar que na sede do despacho ora em apreço o Tribunal a quo, atento o limite de objeto a decidir recorreu à apreciação de prova em cumprimento das específicas regras de inerência face aos meios que na sede de audiência lhe foram apresentados, respeitando, em pleno, o princípio da demanda da descoberta da verdade – indiciária - material que continua a dominar o processo penal português (neste sentido, cfr. Maia Gonçalves, Código do Penal Anotado, 12.ª ed., p. 331) o quanto o foi, entre o mais, em efetivo respeito pela presunção constitucional de inocência da Arguida até ao trânsito em julgado de decisão condenatória (art. 32.º/2CRP), como princípio fundamental no nosso direito processual probatório.
A Arguida perante tal exposição/fundamentação constante do despacho sob recurso limita-se a especular, construindo a sua peça de recurso, quer quando apõe a sua subjetiva convicção de mais valia probatória das declarações das testemunhas e documentos que apresenta, adjetivados de cristalinos, escorreitos, espontâneos e transparentes. E, perante todo este quadro, não aceita a prova indiciária subjacente à acusação e ao arresto preventivo decretado.
Só que perante tal prova produzida, nada levou o Tribunal a quo a concluir no sentido da dúvida que infirmasse a prova indiciária até ao momento colhida, uma vez que, como expressivamente afirma – ainda que em lugar paralelo - o Juiz Conselheiro Souto Moura (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 14abril2011, 117/08.3PEFUN.L1.S1, acessível in www.dgsi.pt/jstj)“a dúvida é a dúvida que o Tribunal teve, não a dúvida que o recorrente acha que, se o Tribunal não teve, deveria ter tido.” A prova apresentada e valorada, como bem afirma o Tribunal a quo, não foi a bastante para ilidir o quadro indiciário, mostrando-se o raciocínio para tal sobejamente explanado, sem que se vislumbre qualquer quadro ilógico.
Concluindo, uma vez mais a Arguida confunde conceitos, pois que o Tribunal a quo, ciente das divergências apontadas, tudo ponderou com vista à formação da sua convicção, e referiu, fundada e justificadamente, o porquê de a tal final chegar.
Fê-lo quanto ao objeto cabível no âmbito do processado de oposição – que como já se viu é em si mesmo limitado quanto àquilo que, em moldes inadmissíveis processualmente, a Arguida trouxe ao global conjunto da dita sede - através dum raciocínio lógico-dedutivo que não fere as regras da experiência comum, da lógica da vida e das coisas. Não se ficou pela base apontada pela Arguida. Não foi essa ligeireza – própria das convicções pessoais e não de quem tem equidistância na apreciação dos depoimentos, da sua veracidade, na sua singularidade e contexto - cometida pelo Tribunal.
Inexiste, pois, fundamento para nesta parte alterar o bem decidido pela 1.ª instância, também porque não se verifica qualquer desrespeito de comandos constitucionais, mormente os reportados pela Arguida, sem qualquer específica e exigida concretização.
III- DECISÃO
Nestes termos, em conferência, acordam os Juízes que integram a 5.ª Secção Penal deste Tribunal da Relação de Lisboa, em negar provimento ao recurso interposto pela Arguida AA e, consequentemente, confirmar na íntegra o despacho do Tribunal a quo.
Custas criminais a cargo da Arguida AA, fixando-se a taxa de justiça em 5 UCS, nos termos dos art.s 513.º/1;514.º/1;524.ºCPP e Tabela III anexa de reporte aos art.s 1.º;2.º;3.º/1;8.º/9, acrescidas dos encargos previstos no art. 16.º, ambos RCP (DL34/2008-26fevereiro e alterações subsequentes).
Notifique (art. 425.º/6CPP).
D.N.
Lisboa, 24setembro2024
• o presente acórdão foi elaborado pelo relator e integralmente revisto pelos seus signatários; com datação eletrónica – art. 153.º/1CPC e com aposição de assinatura eletrónica - art. 94.º/2CPP e Portaria 593/2007-14maio
Manuel José Ramos da Fonseca
Paulo Barreto
Alda Tomé Casimiro
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1. As folhas indicadas no cálculo da vantagem respeitam aos anexos do apenso denominado «Recuperação de activos» e seus anexos
2. Apresentou sempre declarações de rendimentos em sede de IRS, conjuntamente com o cônjuge;
3. Recuperação de ativos na criminalidade económico-financeira: Viagem pelas idiossincrasias de um regime de perda de bens em expansão, Lisboa: Sindicato dos Magistrados do Ministério Público – SMMP, 2013, p. 90.
4. Comentário do Código de Processo Penal…, ob. cit., p. 630
5. CORREIA, João Conde, «Apreensão ou arresto preventivo…», ob. cit., p. 536.
6. Proferido em 13-07-2017, no Proc. 4871/08.4TDLSB-E.E1 e disponível in www.dgsi.pt.