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IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CONTRATO DE SEGURO
CLÁUSULA DE EXCLUSÃO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
COMUNICAÇÃO
Sumário
I- Perante as versões contraditórias das duas pessoas que intervieram na contratação do seguro, não se vendo motivo para dar maior credibilidade ao depoimento do mediador do que às declarações do autor, afigurando-se, aliás, verosímil a versão do autor, quando refere que não ia contratar um seguro “contra todos os riscos” se soubesse da cláusula de exclusão, quando tinha o seu filho recém encartado que iria conduzir o veículo, entende-se que os factos relativos à comunicação da cláusula de exclusão não devem ser dados como provados. II- A lei das cláusulas contratuais gerais reconhece um real e efetivo direito à informação da parte contratante considerada mais fraca, com o correspondente dever do utilizador das cláusulas contratuais gerais, dever que, contudo, não se limita à simples comunicação do teor das cláusulas contratuais, abrangendo também que as condições do contrato devem ser integralmente comunicadas por quem as apresenta, impondo-se para além disso, que tal comunicação se realize de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento efetivo pelo contraente que atue com a diligência comum.
Texto Integral
Apelação 2863/22.0T8PNF.P1
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:
I - RELATÓRIO
AA, residente na Rua ..., Penafiel, intentou ação declarativa de condenação, com processo comum contra A... – Sucursal em Portugal, com sede na Rua ..., Lisboa, pedindo:
a) Que seja considerada excluída a não comunicada limitação na cobertura facultativa de choque, colisão, capotamento, raio e explosão e quebra de vidros de o “condutor ter de estar habilitado à condução automóvel há mais de 5 anos” por violação do disposto no artigo 5.º e 6.º, em obediência ao disposto no artigo 8.º, todos do D.L. 445/95 de 25/1;
b) A condenação da Ré a pagar ao Autor a quantia de €7.840 (sete mil, oitocentos e quarenta euros) através de cheque cruzado emitido a favor do Autor, sem inscrição não à ordem ou não endossável, a enviar para o escritório do mandatário do Autor contra recibo.
Para tanto, e em síntese, alegou que no dia 29.1.2021 ocorreu um acidente de viação em que foi interveniente o veículo automóvel de matrícula ..-SZ-.., seguro na Ré e que em consequência do referido acidente o veículo automóvel sofreu danos; que participado o acidente ao abrigo do contrato de seguro de danos próprios celebrado com a Ré, a mesma veio a declinar a sua responsabilidade, alegando que o mesmo não abrangia o acidente dos autos, pois no momento do mesmo, o veículo seguro estava a ser conduzido pelo filho do Autor, possuidor de carta de condução há menos de 5 (cinco) anos, que aquando da celebração de tal contrato, a Ré não comunicou ao Autor tal cláusula de exclusão.
A Ré regularmente citada, contestou, tendo alegado que informou o Autor detalhadamente de todos os elementos do contrato de seguro, designadamente as exceções contratuais, como a exceção de cobertura de danos próprios quando o condutor não se encontre legalmente habilitado a conduzir há menos de 5 (cinco) anos.
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Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que decidiu julgar a ação improcedente e, em consequência, absolver a ré dos pedidos.
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Não se conformando com o assim decidido, veio o autor interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, formulando as seguintes conclusões: “1ª Jamais o recorrente se poderia conformar com a decisão em crise no presente recurso, tanto mais que a mesma não espelha, nem de perto, nem de longe, tudo quanto se passou nos presentes autos. 2ª Em discussão, nos presentes autos, estava o incumprimento do dever de comunicação e informação, por parte da recorrida, da clausula de exclusão da sua responsabilidade no contrato de seguro titulado pela apólice ... e as suas consequências, concretamente a cláusula constante da alínea e) das coberturas facultativas. 3ª Com efeito, de acordo com o disposto nos artigos 5º e 6º do Dec-Lei nº 446/85, de 25.10, tinha a recorrida, ainda que por intermédio do seu mediador/agente de seguros, o dever de previamente à subscrição daquele contrato de seguro, comunicar e informar todas as cláusulas gerais e particulares do contrato que o ora recorrente ia celebrar. 4ª E aquelas imposições prévias, de informar e comunicar, devem ser feitas de modo adequado e com a antecedência necessária para que se torne possível ao aderente – no caso ao ora recorrente – tomar conhecimento completo e efectivo dessas mesmas cláusulas, 5ª assim como de acordo com o disposto no artigo 6º do supra referido diploma legal, estava a ora recorrida – como proponente das cláusulas contratuais gerais – obrigada a informar o recorrente de todos os aspectos nessas cláusulas compreendidos, nomeadamente, acrescentamos nós, das limitações/restrições/exclusões que estejam previstas no clausulado da apólice pretendida contratar pelo mesmo. 6ª deveres pré-contratuais que, no entendimento do ora recorrente, não foram cumpridos, motivo por que o Tribunal a quo não poderia ter dado como provado a matéria de facto constante dos pontos 20º a 22º ao arrepio de toda a prova que foi produzida nos presentes autos, quando na verdade, com o devido respeito por opinião diversa, se demonstrou e resultou provado precisamente o inverso, o que impunha uma decisão diametralmente oposta à aqui em crise. 7ª Com efeito, conforme resulta da transcrição integral do depoimento da testemunha BB, mediador da recorrida e seu representante/agente, o mesmo revelou profundo desconforto, tornando-se aquele depoimento no depoimento de alguém que não estava minimamente confortável, à vontade e acomodado pela verdade quanto ao modo como foi realizado o contrato de seguro em discussão nos presentes autos. 8ª Foi por demais evidente o comprometimento, o esquecimento quase cirúrgico de determinados detalhes que deveriam, obrigatoriamente, ser do seu conhecimento, como por exemplo o facto de o recorrente ter um filho recém encartado. 9ª Com efeito, para além desse facto de ter sido comunicado pelo recorrente, atentas as francas e próximas relações que existiam entre ambos e que vinham já de há muitos anos, pois que era com esse mediador que o recorrente celebrava todos os contratos de seguro, fossem do ramo automóvel, do ramo multiusos ou do ramo do trabalho, sabia a testemunha BB que com a aquisição daquele veículo ..-SZ-.. o recorrente pretendia celebrar um seguro de danos próprios para o mesmo, tanto mais que existia agora em sua casa mais um encartado, se bem que recém encartado. 10ª Por outro lado, o modo displicente com o que aquela testemunha tratou da contratação daquela apólice de seguro, violando, a todos os títulos os deveres pré-contratuais acima referidos é bem patente nas declarações que prestou pois referiu: MR: - O senhor, o senhor BB, onde é que celebraram este contrato? Foi na agência? (03:32) Test.: - Foi assinado na, no estabelecimento, na loja, numa padaria que tem em ... (03:41) MR: - Em .... O senhor deslocou-se lá? (03:48) Test.: - Sim (03:50). MR: - E já tinha falado com ele ou foi só uma conversa, foi só uma primeira vez? Porque é que o senhor se deslocou lá? (03:51) Test.: - Não, eu, eu ia lá, o senhor AA tinha vários contratos de seguros comigo na A... e eu de vez em quando era necessário deslocava-me lá. Tinha seguros de várias lojas de, padarias que ele tem, a central é ..., e depois tinha outra, tinha mais duas em freguesias (03:55) MR: - Portanto já era relativamente habitual deslocar-se (04:33) Test.: - Habitual sim, sim (04:35) MR: - E desta vez que lá se deslocou elaboraram o a (04:38) Test.: - Sim, pediu-me para lhe entregar a documentação toda (04:43) MR: - E qual era a documentação? Que documentação é que entregou? (04:47) Test.: - A documentação foi a apólice, carta verde, o recibo e a proposta que depois o senhor AA assinou (04:55), 11ª ou seja, quando se desloca às instalações do ora recorrente, o contrato de seguro já estava celebrado, não obstante a proposta de seguro não estar devidamente aceite e assinada, uma vez que aquele mediador/agente de seguros já levava a apólice, a carta verde e o recibo, 12ª e proposta de seguro que o ora recorrente veio a assinar, perfeitamente convicto de que estava a contratar um seguro de danos próprios sem quaisquer limitações e/ou restrições, tal era a confiança que depositava naquele seu agente de seguros, 13ª sendo que, conforme também o referiu aquela testemunha, as condições gerais e especiais da apólice foram enviadas à posteriori, não se lembrando se foi entrega-las às instalações do ora recorrente ou se foram por mail, 14ª motivo por que os factos constantes dos pontos 20. e 21. deviam ter sido dados como não provados 15ª Por outro lado, não deixa também de ser curioso que, sabendo o ora recorrente de antemão daquela limitação, por que motivo participaria o acidente dos autos à recorrida? 16ª Assim como não deixa de ser estranho que se o recorrente tivesse tido conhecimento prévio à contratação, fruto de uma cabal informação e de um cabal esclarecimento, daquela limitação na cobertura Choque, Colisão ou Capotamento, jamais teria procedido à anulação dos demais seguros que tinha já celebrado com a recorrida por intermédio daquele mediador, o tal BB, como o mesmo afirmou no seu depoimento. 17ª A este propósito a testemunha referiu o seguinte: (…) MJ: - Conhece o senhor AA? (00:38) Test.: - Sim conheço, foi meu cliente (00:41) MJ: - Sim, e já não é seu cliente? (00:44) Test.: - Não, depois disto ele anulou os contratos (00:49) 18ª Com o devido respeito por opinião diversa, jamais o recorrente se importaria com a inserção/inclusão dessa limitação no contrato de seguro melhor identificado nos autos quando sabia já de antemão que num outro contrato de seguro de danos próprios vigorava também essa limitação…! Por que motivo iria, após a recorrida ter declinado o sinistro descrito nos presentes autos ao abrigo da limitação constantes na cobertura de Choque, Colisão e Capotamento, na modalidade Auto Protecção, o recorrente anular os demais contratos de seguro que tinha celebrado com a recorrida por intermédio do mediador BB? 19ª Certamente, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, pelo facto de jamais ter tido o mais ténue conhecimento dessa limitação fosse em que apólice de seguro contratada com a recorrida fosse!!! 20ª Felizmente que o recorrente, sabedor da sua razão, decidiu não optar pela solução mais simples – mas, no mínimo, menos legal – de, chegado ao local do acidente (onde esperou juntamente com o seu filho recém encartado pelas autoridades por mais de 2 horas), e conhecedor daquela limitação, o mandasse sair daquele local e passasse ele (o recorrente) por condutor daquele veículo naquelas concretas circunstâncias. 21ª Daí que, até pela forma verosímil, sentida e verdadeira como o recorrente fez essa afirmação aquando da sua tomada de declarações de parte, se possa concluir e deduzir que jamais o recorrente foi, em momento anterior ao acidente dos autos, conhecedor da limitação que vigorava naquela apólice para a cobertura de Choque, Colisão e Capotamento. 22ª Com o devido respeito, não será de exigir ao recorrente – como, com o devido respeito, a nenhum de nós naquelas concretas circunstâncias – que soubesse o que significaria a cobertura inserta na apólice com a designação de Auto Protecção e que incluía precisamente Choque, Colisão e Capotamento, como decorre do teor do documento nº 4 junto com a douta contestação? 23ª Como resulta demonstrado à saciedade, as condições da apólice, fossem as gerais, as particulares ou as especiais, foram remetidas pelo mediador ao recorrente depois da celebração do contrato. Por isso, como poderia o recorrente saber qual a diferença entre a al. c) e a l. d) da Cláusula 4ª das coberturas facultativas se apenas as recebeu depois da celebração do contrato de seguro titulado pela apólice melhor identificada nos autos? 24ª Também por este simples facto – constatado em sede de audiência de discussão e julgamento – se percebe que o depoimento do mediador, a testemunha BB, jamais se poderia ter rotulado, como o foi pelo Tribunal a quo, como um depoimento sério, desinteressado e coerente com a demais prova!!! Mas que demais prova? As declarações de parte do recorrente? A documentação junta aos autos? 25ª Pois bem, a documentação junta aos autos, assim como as declarações da própria testemunha, demonstram à saciedade precisamente o contrário, pois que como já supra se afirmou na conclusão 17ª, depois do acidente dos autos e da posição assumida pela recorrida em face do que tinha sido contratado – naturalmente com o desconhecimento do recorrente – o recorrente anulou todos os contratos de seguro que tinha celebrado com a recorrida por intermédio do mediador BB. 26ª Este “pequeno” pormenor parece ter passado despercebido ao Tribunal a quo, pois que foi precisamente por ter tido o conhecimento de que também um outro veículo que possuía e para o qual tinha celebrado um seguro de danos próprios tinha a mesma limitação na cobertura de Choque, Colisão ou Capotamento que acabou por retirar todos os seus seguros da recorrida. 27ª E, no seguimento do que vem de se afirmar, fácil será de concluir que jamais aquela testemunha, o mediador BB, alguma vez explicou, informou ou deu a conhecer ao recorrente a limitação inserta na expressão Auto Protecção, pois que apenas dela tomou conhecimento quando, após ter participado o sinistro dos autos, viu a recorrida declinar a sua responsabilidade com base nessa limitação do condutor ter de estar legalmente habilitado a conduzir veículos automóveis há mais de 5 anos. 28ª Quem, com o devido respeito, no seu perfeito juízo se prestaria a celebrar um contrato de seguro de danos próprios com aquela limitação, sabendo que tinha em sua casa um recém encartado (com habilitação legal há menos de 5 anos) que poderia utilizar indistintamente qualquer dois veículos, nomeadamente aquele que interveio na acidente dos autos? O recorrente seguramente que não, como o referiu repetidas vezes. 29ª E mais estranho é o facto de, conforme afirmou o mediador – a testemunha BB – aquele concreto seguro (com aquela limitação) ter um custo superior em cerca de 250 a 300€ ao que teria a mesma cobertura de Choque, Colisão ou Capotamento sem quer limitação de idade do condutor e que o ora recorrente ainda assim o quis contratar, conforme o referiu: MA: - Estes 300 €, esses 250, 300 € daquilo que o senhor BB conhecia ao senhor AA, fazia-lhe alguma diferença ou não? (12:14) Test.: - Como é que eu posso saber? Eu isso não sei, o senhor AA é que aceitou, quis fazer aquilo que era mais caro 300 euros, mas estamos a falar de seguros que o senhor AA dos outros que não eram nada por aí além, que eram seguros de multirisco e isso são seguros de 100 €, 80 €, era seguros muito baixinhos (12:25). 30ª Será que estas declarações merecem alguma credibilidade? Se bem se percebe dessa limitação (idade do condutor), a mesma quando muito teria a função de reduzir o custo da apólice e não de aumentá-la…! 31ª Até por aqui se percebe que o depoimento da testemunha BB foi um depoimento comprometido, inseguro, inverosímil e desprovido de qualquer sentido prático, mais parecendo que ali se estava a defender de um eventual direito de regresso que sobre o mesmo pudesse vir a ser exercido pela recorrida. 32ª Ocorre, igualmente, questionar o seguinte: - como poderia o recorrente ter contratado aquele concreto contrato de seguro, com aquela concreta limitação à cobertura facultativa que mais vezes, para não dizer a maioria das vezes, é accionada num seguro de danos próprios? 33ª E como ousaria fazê-lo por um preço superior?!!! Afinal, com que finalidade teria contratado aquele seguro com aquela limitação?!!! 34ª Não faz o mais ténue sentido que, devidamente informado e esclarecido, o recorrente fosse optar por aquela cobertura com aquela limitação; e tanto assim foi que logo que teve conhecimento de que tinha aquela limitação noutros contratos de seguro celebrados com aquele mediador tratou de, imediatamente, os resolver. 35ª Assim, e porque estamos no âmbito da aplicação da LCCG, impunha-se ao mediador, a testemunha BB, que cumprisse aquilo que vai previsto nos artigos 5º e 6º desse mesmo diploma legal. 36ª E resulta do depoimento dessa testemunha – com quem o recorrente contratou – que quando se dirigiu à pastelaria do recorrente ia já munido, pasme-se, da apólice, do recibo, da carta verde e da proposta de seguro. E disse-o por essa mesma ordem…! 37ª Quando muito a ordem teria de ter sido a inversa, pois que só assim se poderia ter concluído, com o fez o Tribunal a quo, que aqueles deveres tinham sido cumpridos por terem de ser, obrigatoriamente, anteriores à emissão da apólice e da carta verde. 38ª Ficou o recorrente com a sensação, com o devido respeito, que o Tribunal a quo deu primazia e não deu a devida atenção ao depoimento de uma testemunha – que tinha interesse um claro interesse no desfecho da presente lide, sob pena de poder ver accionado o seu seguro de responsabilidade profissional – em detrimento das declarações de parte do aqui recorrente. 39ª Ora, com o devido respeito por opinião diversa, parece-nos que aquilo que pretendeu o Legislador ao integrar no Cód. Proc. Civil a possibilidade de a parte poder prestar declarações de parte foi precisamente para este tipo de situações em que apenas as partes – no caso o recorrente e o mediador do seguro – conhecem os contornos da celebração daquele contrato. 40ª E assim sendo, como inquestionavelmente nos parece ser, não poderiam ter sido desmerecidas as declarações de parte prestadas pelo aqui recorrente em audiência de discussão e julgamento, nomeadamente quando referiu: MA: - Alguma vez lhe foi dado conta que o seguro que estava a ser feito, que iria ser feito, tinha uma restrição, chamemos-lhe assim, uma limitação de, por exemplo no choque, colisão ou capotamento essa cobertura não funcionava para quem tivesse carta há menos de 5 anos? (02:26) DP: - Não, não me foi dito isso (02:46) MA: - Nunca isto lhe foi referido? (02:49) DP: - Não (02:51) MA: - Neste seguro para este veículo? E para os outros veículos? (02:52) DP: - E para os outros veículos igual (02:56) MA: - Nunca lhe foi dado conta disso? (02:57) DP: - Não, não, até porque eu tenho veículos da empresa, posteriormente fiquei a saber, também tenho seguro contra todos os riscos qualquer funcionário pegava, tenha menos de 5 anos de carta e menos de 25 anos e eu não tinha conhecimento disso; claro que quando tive esse conhecimento agora não andam, mas andaram, por acaso nunca aconteceu nada. Mesmo o meu filho, sou sincero, quando ele teve o acidente seu eu tivesse usado de má fé nesse aspecto, eu estive 2 horas à espera das autoridades eu dizia que fui eu e tava o assunto arrumado; eu estava tranquilo, para mim estava tudo em ordem, eu não ia fazer um seguro contra todos os riscos sabendo que o meu filho poderia pegar no carro, não era sempre, mas pegava, e não me ia servir de nada, ele tinha 3 anos de carta, salvo erro na altura, ou 2. Ele até, por acaso, é uma pessoa cuidadosa e até conduz bem, mas os acidentes acontecem. Agora, que eu fosse informado, não fui (02:59) MA: - E alguma vez lhe foi informado por este senhor BB qual era a diferença de preço com o seguro com esta limitação ou sem esta limitação? (04:00) DP: - Não, não foi. Se o sr Dr BB, se o senhor BB me tivesse dito isso, ora eu saber que ia comprar um carro que o meu filho ia conduzir, eu não ia fazer um seguro contra todos os riscos que não ia servir de nada, eu disse isso ao senhor BB por telefone, quando lhe pedi para vir fazer a participação ele veio fazer a participação à pastelaria, não é, ele só foi depois, não me dava nenhuma informação, eu liguei, então o carro é para compor ou como é que vamos fazer; depois ele começou logo a dizer que se calhar a companhia não se ia responsabilizar por isto e aquilo, disse então como é que é, eu faço um seguro contra todos os riscos pensando que estava, não é, e o senhor agora diz-me que não serve, não está correcto (04:12). 41ª Ora será que as mesmas – como consta da transcrição integral constante do corpo destas alegações, para onde aqui remetemos por uma questão de economia processual – foram assim tão desprovidas de qualquer sentido que não merecessem qualquer crédito? 42ª Com o devido respeito por opinião diversa, as declarações de parte prestadas pelo recorrente foram coerentes, assertivas, pormenorizadas e conformes com as mais elementares regras de experiência comum, para além de terem sido prestadas por um dos intervenientes na feitura daquele contrato. 43ª Por isso, e não tendo ocorrido a prévia informação e explicação do conteúdo da limitação daquela concreta cláusula, não pode a mesma deixar de ser afastada/expurgada daquele contrato de seguro, mantendo-se a cobertura facultativa de danos próprios de Choque, Colisão e Capotamento sem aquela limitação, por ter sido essa a intenção do recorrente na contratação daquele seguro, tudo ao abrigo do que dispõe a LCCG., nomeadamente ao abrigo do disposto no artigo 8º. 44ª Assim, a decisão que deveria ter sido proferida nos presentes autos, de acordo com a prova ali produzida e analisada no corpo das presentes alegações, seria a seguinte: A) – Manterem-se inalterados os pontos da matéria de facto tidos por Provados nos pontos 1º a 19º; B) – Serem aditados aos Factos Não Provados os seguintes factos: b) – O mediador da Ré, Sr. BB, antes da celebração do contrato de seguro identificado em 15 informou o Autor de todos os elementos do referido contrato; c) – Designadamente da exceção de cobertura de danos próprios quando o condutor não se encontre legalmente habilitado a conduzir há mais de cinco anos; d) – as condições gerais e especiais e particulares foram entregues ao Autor. 45ª E, consequentemente considerar-se excluída a não comunicada limitação na cobertura facultativa de Choque, colisão, capotamento, raio e explosão e quebra de vidros de o condutor ter de estar habilitado à condução automóvel há mais de 5 anos”, por violação do disposto no artigo 5º e 6º, em obediência ao disposto no artigo 8º, todos do Dec.-Lei nº 446/85, de 25/10, 46ª devendo a ora recorrida ser condenada a pagar ao recorrente a quantia de 7.840,01€, conforme o peticionado. Pelo exposto, deve a decisão aqui em crise ser revogada e, em sua substituição, ser proferido douto acórdão que condene a recorrida a pagar ao recorrente o valor peticionado nos autos.”.
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A recorrida apresentou contra-alegações, concluindo pela confirmação da sentença recorrida.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DO MÉRITO DO RECURSO
1. Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.
Atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelo apelante, são as seguintes as questões a apreciar:
- Se ocorre erro de julgamento, por errada apreciação das provas, e consequente alteração da decisão da matéria de facto;
- Decidir se em conformidade, face à alteração, ou não, da matéria de facto e subsunção dos factos ao direito, deve ser alterada a decisão de direito.
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2. Sentença recorrida
2.1. O Tribunal de 1ª Instância considerou provada a seguinte matéria de facto: 1. Cerca das 21.30 horas do dia 29.10.2021 ocorreu um acidente de viação na ..., ao km 35,000, sito na União de Freguesias ... e ..., do concelho de Penafiel, em que interveio o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-SZ-.., propriedade do Autor e conduzido pelo seu filho CC. 2. O referido veículo ..-SZ-.. circulava na ..., no sentido ... – .... 3. Pela pista esquerda da metade direita da faixa de rodagem, atento o referido sentido. 4. O seu condutor fazia-o sem atenção ao estado do tempo de chuva e ao piso escorregadio e ainda ao traçado da via. 5. Com uma velocidade superior a 120 km/hora. 6. E ao passar ao km 35,000 perdeu o controlo do veículo que conduzia por ter passado por um lençol de água. 7. Com o que se despistou para a sua esquerda. 8. Acabando por embater com a parte da frente daquele veículo no rail de proteção existente no eixo da via. 9. Após essa colisão o veículo ficou totalmente descontrolado. 10. Atravessou toda a metade da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha, da esquerda para a direita. 11. Indo imobilizar-se a cerca de 100 metros mais à frente na berma do seu lado direito. 12. Com a frente ligeiramente enviesada para o eixo da via. 13. Em consequência do acidente, o veículo SZ ficou danificado. 14. Tendo a sua reparação custado a quantia de €8.000,01 (oito mil euros e um cêntimo). 15. O veículo automóvel SZ para além de seguro de responsabilidade civil obrigatório, à data do acidente, possuía seguro de danos próprios, choque, colisão e capotamento, com um capital seguro de €11.650 (onze mil, seiscentos e cinquenta euros), com uma franquia de 2% e titulado pela apólice n.º .... 16. Após a ocorrência do acidente, o Autor participou o mesmo à Ré. 17. A qual respondeu ao Autor “(…) Reportamo-nos ao sinistro acima referenciado, participado ao abrigo da supra indicada apólice de que V. Exa é titular. O sinistro em assunto não se encontra garantido atento a cláusula de exclusão prevista no n.º 1 do ponto 8 da apólice”. 18. O Autor contactou o mediador onde habitualmente celebra os contratos de seguro, como sucedeu com o contrato referido em 15, o Sr. BB. 19. Na altura do acidente, o condutor do veículo SZ possuía licença de condução emitida em 8.8.2018. 20. O mediador da Ré, Sr. BB, antes da celebração do contrato de seguro identificado em 15 informou o Autor de todos os elementos do referido contrato. 21. Designadamente da exceção de cobertura de danos próprios quando o condutor não se encontre legalmente habilitado a conduzir há mais de cinco anos. 22. As condições gerais e especiais e particulares foram entregues ao Autor.
2.2. E deu como não provados, os factos seguintes: a) As apólices que o Autor contratou com a Ré para todos os outros seus veículos todos eles beneficiam de seguro de danos próprios sem qualquer limitação, sendo esses veículos e apólices os seguintes: ..-FQ-.., de marca Renault, modelo ..., com a apólice n.º ...; ..-QP-.., de marca Mercedes, com a apólice n.º ....
2.3. Tendo fundamentado a matéria de facto, nos seguintes termos: Quanto à factualidade constante dos pontos 1 a 19 dos factos provados na sua aceitação expressa pela Ré em sede de contestação, conjugado com o teor dos documentos n.º 1 juntos com a contestação – apólice de seguros dos autos e documento 4 e 5 junto com a petição inicial – condições do contrato dos autos. A factualidade constante dos pontos 20, 21 e 22 dos factos provados resultaram do depoimento da testemunha BB, mediador de seguros e interveniente no ato da celebração do contrato de seguro dos autos que de forma clara e escorreita explicou como e onde o contrato dos autos foi celebrado. Esclareceu ainda que na data da celebração do contrato dos autos, o Autor já era seu cliente, tendo-lhe pedido para fazer um seguro para o veículo dos autos, tendo-se por isso deslocado às instalações da padaria que o Autor possui e aí deu-lhe a conhecer as condições do contrato de seguro, bem como da cobertura de auto-proteção, esclarecendo o Autor nessa altura que de tal cobertura estava excluída para condutores com carta há menos de 5 anos, somente abrangia pessoas com carta há mais de cinco anos. Mais esclareceu que o Autor aceitou o clausulado e assinou o dito contrato e que posteriormente recebeu as cláusulas contratuais do mesmo, tendo sido o próprio que as enviou. Esclareceu ainda que todos os outros seguros de automóveis que o Autor contratou consigo têm a mesma limitação quanto à exclusão do acidente ocorrer com condutores com carta há menos de cinco anos, tendo em todos esclarecido o Autor do referido, sendo que no contrato dos autos nada lhe foi dito, designadamente de que o veículo automóvel era para ser conduzido pelo filho do Autor com carta há menos de cinco anos. O seu depoimento mostrou-se sério e coerente com a demais prova produzida em sede de julgamento, designadamente com os documentos juntos com o requerimento da Ré, datado de 26.1.2023, referente às apólices de seguro dos veículos ..-QP-.. e ..-FQ-.. e respetivas condições juntas pelo requerimento da Ré datado de 28.3.2023, dos quais resulta que o veículo FQ, não tem cobertura de auto-proteção e o veículo QP não obstante ter contratado a cobertura de auto-proteção tem a clausula de exclusão para acidentes ocorridos com condutores que não possuam habilitação legal para o efeito há mais de cinco anos – cfr. pag. 24, ponto 008.1, 1, alínea a) das referidas condições. Por todo o exposto, o Tribunal conferiu credibilidade a esta testemunha. É verdade que o Autor depôs no sentido dos factos alegados por si em sede de petição inicial, todavia, as suas declarações quanto ao modo como celebrou o contrato dos autos mostraram-se vagas, pelo que, por si só e desacompanhadas de outra prova que as confirmasse, não foram capazes de afastar a convicção que o Tribunal criou com o depoimento da testemunha BB, que depôs, ainda, de forma desinteressada quanto ao fecho da presente lide. Quanto aos factos não provados, os mesmos resultaram da ausência de prova sobre os mesmos.
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3. Do erro de julgamento
Nas conclusões de recurso veio o apelante invocar erro de julgamento, por entender que a prova produzida em sede de audiência de julgamento deveria ter levado a outra decisão sobre determinados factos que indica.
O art. 640º do CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. […]”
O mencionado regime veio concretizar a forma como se processa a impugnação da decisão de facto, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, o qual terá que apresentar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova.
Recai, assim, sobre o recorrente, o ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar os concretos pontos da decisão que pretende questionar, ou seja, delimitar o objeto do recurso, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto, a fundamentação, e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pelo Tribunal da Relação.
No caso concreto, o julgamento foi realizado com gravação dos depoimentos prestados em audiência, sendo que o apelante impugna a decisão da matéria de facto com indicação dos pontos de facto alvo de impugnação, indica a prova a reapreciar e sugere a decisão a proferir, pelo que se considera que se mostram reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão sobre a matéria de facto.
Posto isto, tal como dispõe o nº 1 do art. 662.º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto “(…) se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, o que significa que os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem um meio a utilizar apenas nos casos em que os elementos constantes dos autos imponham inequivocamente uma decisão diversa da que foi dada pela 1ª instância.
No presente processo, como referido, a audiência final processou-se com gravação da prova produzida.
Segundo ABRANTES GERALDES, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 225, e a respeito da gravação da prova e sua reapreciação, haverá que ter em consideração que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, nessa reapreciação tem autonomia decisória, devendo consequentemente fazer uma apreciação crítica das provas, formulando, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova.
Assim, compete ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, face ao teor das alegações do recorrente e do recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Cabe, ainda, referir que neste âmbito da reapreciação da prova vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art. 396.º do Código Civil.
E é por isso que o art. 607.º, nº 4 do CPC impõe ao julgador o dever de fundamentação da factualidade provada e não provada, especificando os fundamentos que levaram à convicção quanto a toda a matéria de facto, fundamentação essencial para o Tribunal de Recurso, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, com vista a verificar se ocorreu, ou não, erro de apreciação da prova.
Cabe, então, analisar se assiste razão ao apelante, na parte da impugnação da matéria de facto.
Resulta das respetivas conclusões do recurso, que o apelante entende que deve ser alterada a matéria de facto dada como provada sob os pontos 20., 21. e 22., os quais devem ser dados como não provados.
São os seguintes os factos impugnados: 20. O mediador da Ré, Sr. BB, antes da celebração do contrato de seguro identificado em 15 informou o Autor de todos os elementos do referido contrato. 21. Designadamente da exceção de cobertura de danos próprios quando o condutor não se encontre legalmente habilitado a conduzir há mais de cinco anos. 22. As condições gerais e especiais e particulares foram entregues ao Autor.
Os factos em causa estão relacionados com a comunicação da cláusula de exclusão, ao segurado, factos dos quais apenas o mediador BB e o próprio autor/apelante têm conhecimento direto, já que foi entre os dois que foi celebrado o contrato.
O Tribunal recorrido fundamentou a decisão sobre a matéria de facto, no que aos factos impugnados diz respeito, na credibilidade que atribuiu ao depoimento da testemunha BB que mediou o contrato de seguro em causa, em detrimento das declarações do autor/apelante, tendo considerado que aquele depôs de forma desinteressada quanto ao fecho da presente lide, ao passo que o Autor apresentou declarações vagas que, por desacompanhadas de outra prova que as confirmasse, não foram capazes de afastar a convicção que o Tribunal criou com o depoimento da testemunha referida.
Vejamos.
Ouvida a prova gravada, nomeadamente o depoimento da testemunha BB e as declarações do Autor AA, única prova produzida na audiência de julgamento, diremos o seguinte:
A testemunha BB, ao contrário do que é referido pelo Tribunal a quo, demonstrou uma grande preocupação em que se considerasse que fez a comunicação das cláusulas contratuais, nomeadamente da cláusula de exclusão em questão, até porque, tendo sido o mesmo a mediar a contratação do seguro em causa, se afigura evidente o seu interesse em demonstrar perante a seguradora/ré que cumpriu com os seus deveres, designadamente, com os deveres de comunicação e informação.
A testemunha efetivamente disse que nunca o autor lhe falou do filho com carta há pouco tempo, parecendo até querer dizer que nem sabia que o mesmo tivesse um filho, embora acabe por admitir tal conhecimento.
Confirmou que o contrato foi assinado na pastelaria do autor, onde se deslocou, para entregar a documentação toda, incluindo apólice, carta verde, recibo e o contrato para o autor assinar, admitindo que as condições gerais e especiais foram enviadas a posteriori.
Ou seja, quando se deslocou ao estabelecimento do autor, a testemunha/mediador do seguro levou logo toda a documentação, incluindo o contrato de seguro para o autor assinar, quando ainda nada tinha comunicado ao autor, nomeadamente quanto às cláusulas do contrato.
A isto acresce que o contrato com as condições gerais e especiais foi enviado posteriormente à assinatura desse mesmo contrato, o que significa que o autor não teve a oportunidade de ler tais condições previamente à assinatura, altura em que poderia ter tomado conhecimento da cláusula em questão.
O autor, por sua vez, nas declarações de parte que prestou, e no que para o recurso interessa, confirmou que ligou ao Sr. BB, com quem já tinha feito os outros seguros todos, disse-lhe que queria fazer seguro contra todos os riscos, ele falou das condições básicas e o autor aceitou.
Afirmou que nunca lhe foi dado conta pelo BB de qualquer restrição quanto ao número de anos de carta de condução, nem neste seguro, nem nos outros, até porque tem funcionários que andavam com os veículos e não ia fazer o seguro contra todos os riscos, se soubesse da cláusula, também quando tinha o filho que ia pegar no carro, o que, digamos, se afigura lógico.
Referiu a sua surpresa quando o mediador lhe disse que se calhar a seguradora não se ia responsabilizar, já passadas algumas semanas sobre a ocorrência do acidente, quando lhe ligou para saber como estava a situação, insistindo que nunca aquele lhe falou da cláusula de exclusão ou o que significava.
Perante o referido depoimento e as declarações de parte, não vemos motivo para dar maior credibilidade à testemunha do que ao autor.
Sendo certo que a testemunha, aparentemente, não tem o mesmo interesse no desfecho do processo, que o autor tem, a verdade é que, como já se referiu, a testemunha, enquanto mediador sobre o qual recaía a obrigação de dar a conhecer e explicar ao segurado todas as cláusulas do contrato, em especial as cláusulas de exclusão, tem obviamente interesse em que se prove que cumpriu com o seu dever, até perante a seguradora ré.
Quanto ao autor, por sua vez, embora se entenda que as declarações de parte, para terem credibilidade, devem encontrar suporte noutros meios de prova, o certo é que isso não deixa de acontecer no caso, mostrando-se as declarações do autor corroboradas pelo próprio depoimento da testemunha, nomeadamente, quando admite ter levado o contrato já pronto a ser assinado, antes de qualquer comunicação e explicação das cláusulas, e quando refere que as cláusulas contratuais foram enviadas ao autor posteriormente à assinatura.
Em conclusão, perante as versões contraditórias das duas pessoas que intervieram na contratação do seguro, não se vendo motivo para dar maior credibilidade ao depoimento do mediador do que às declarações do autor, afigurando-se, aliás, verosímil a versão do autor, quando refere que não ia contratar um seguro “contra todos os riscos”, quando tinha o seu filho recém encartado que iria conduzir o veículo, se soubesse da cláusula de exclusão em causa, entende-se que os factos impugnados não deveriam ter sido dados como provados.
Procede, assim, a impugnação da matéria de facto, eliminando-se os pontos 20., 21., e 22., dos factos provados, os quais passarão a constar dos factos não provados.
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4. Decisão de Direito
O apelante discorda da sentença proferida em 1ª Instância, concluindo que uma vez alterada a matéria de facto nos termos que propugna, deve considerar-se excluída a não comunicada limitação na cobertura facultativa de choque, colisão, capotamento, raio e explosão e quebra de vidros de o “condutor ter de estar habilitado à condução automóvel há mais de 5 anos”, por violação do disposto no artigo 5.º e 6.º, em obediência ao disposto no artigo 8.º, todos do Dec. Lei nº 446/85, de 25/10, devendo a recorrida ser condenada a pagar ao recorrente a quantia de 7.840,01€.
Estabelecem os arts. 5.º e 6.º do DL 446/85, de 25-10, que regula o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, que o contratante que submeta a outrem cláusulas contratuais gerais, deve comunicar e informar o seu conteúdo, dispondo o art. 8.º desse mesmo diploma legal que ficam excluídas do contrato as cláusulas que não tenham sido comunicadas ou que o tenham sido com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efetivo.
Por sua vez, resulta do nº 3, do referido art. 5.º, que o ónus da prova da comunicação adequada e efetiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.
A lei das cláusulas contratuais gerais vai no sentido do reconhecimento de um real e efetivo direito à informação da parte contratante considerada mais fraca, o que implica o correspondente dever do utilizador das cláusulas contratuais gerais, dever que não se limita à simples comunicação do teor das cláusulas contratuais, mas abrange também o sentido da interpretação que delas faz, sendo este um aspeto de elevada importância, já que só uma vontade esclarecida é uma vontade livre.
Assim, as condições do contrato devem ser integralmente comunicadas por quem as apresenta, à contraparte, impondo-se para além disso, que tal comunicação se realize de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento efetivo pelo contraente que atue com a diligência comum.
No caso dos autos, não existem dúvidas de que o contrato de seguro contém cláusulas contratuais gerais, pelo que cabe à Seguradora, ou quem a represente, proceder à dita adequada comunicação e informação de todas as cláusulas do contrato, e designadamente, daquelas que mais possam onerar o segurado, como sejam as cláusulas de exclusão.
As regras da experiência comum dizem-nos que quem celebra um contrato comummente conhecido como “contrato de seguro contra todos os riscos”, partirá do princípio de que “todos os riscos” são todos os danos resultantes de um acidente, sendo natural que não conte com exclusões, pelo que é nestes casos que especialmente se impõe o devido cumprimento do dever de comunicação e informação.
Na situação sob análise, como decidido face à alteração da matéria de facto, a ré não logrou fazer a prova cabal que lhe competia de que tivesse sido cumprido tal dever.
Assim, não tendo a ré feito a prova da comunicação e informação da cláusula de exclusão em causa, de forma que o segurado tivesse ficado ciente das implicações respetivas, deve tal cláusula considerar-se excluída do contrato, face ao disposto no já referido art. 8.º do Dec. Lai 446/85, de 25-10.
Posto isto, vejamos, então, se a ré tem de cumprir o dever de indemnização a que se obrigou por via do contrato de seguro celebrado.
A Lei do Contrato de Seguro (Decreto-lei n.º 72/2008, de 16 de abril) não nos dá uma definição do contrato de seguro, procedendo, antes, à descrição e indicação das obrigações típicas e características que do contrato decorrem para as partes, quando no art. 1.º dispõe que “Por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente.”.
Ora, o contrato de seguro é um contrato formal (art. 426.º do Código Comercial), que se rege, em primeiro lugar, pelas estipulações da respetiva apólice, não proibidas por lei, e, na sua falta ou insuficiência, pelas regras do respetivo regime jurídico (DL nº 72/2008, de 16-04), e, ainda, supletivamente, pelas disposições do Código Comercial atinentes a este tipo de contrato (art. 427.º deste código), e pelas disposições do Código Civil relativas aos contratos e às obrigações em geral (art. 3.º do Código Comercial).
No que respeita às cláusulas da apólice, valem, em primeiro lugar, as designadas “Condições Particulares”, isto é, aquelas que as partes acordam e estabelecem direta e pessoalmente, e em segundo lugar as designadas “Condições Gerais e Especiais” aplicáveis e não excluídas pelas partes, que constituem as cláusulas genéricas deste tipo de seguro.
Isto mesmo resulta do já referido regime jurídico do contrato de seguro - D.L. nº 72/2008, de 16 de abril, face ao disposto no já citado art. 1.º, estabelecendo o mesmo diploma legal que “Às questões sobre contratos de seguro não reguladas no presente regime nem em diplomas especiais aplicam-se, subsidiariamente, as correspondentes disposições da lei comercial e da lei civil (…)” - artigo 4º do diploma referido.
No caso dos autos, resulta provado que o veículo automóvel com a matrícula ..-SZ-.., para além do seguro de responsabilidade civil obrigatório, possuía, à data do acidente, seguro de danos próprios, choque, colisão e capotamento, com um capital seguro de €11.650 (onze mil, seiscentos e cinquenta euros), com uma franquia de 2% e titulado pela apólice n.º ....
Resulta também que, encontrando-se tal veículo em circulação numa via pública, o respetivo condutor perdeu o controlo do mesmo e despistou-se, sendo que na sequência desse despiste, o veículo sofreu danos, cuja reparação ascendeu ao valor de € 8 000,01 (oito mil euros e um cêntimo).
Assim, excluída a cláusula que limitava tal cobertura no caso de o condutor do veículo não se encontrar habilitado a conduzir há mais de cinco anos, não se vê motivo para a ré não ter que cumprir com a obrigação que assumiu, até porque não foi alegado qualquer outro fundamento para o efeito, a não ser a já referida cláusula de exclusão.
E assim sendo, deverá ser revogada a decisão recorrida, e procederem os pedidos formulados pelo recorrente AA, ou seja, deve ser considerada excluída a não comunicada limitação na cobertura facultativa de choque, colisão, capotamento, raio e explosão e quebra de vidros de o “condutor ter de estar habilitado à condução automóvel há mais de 5 anos” por violação do disposto no artigo 5.º e 6.º, em obediência ao disposto no artigo 8.º, todos do D.L. 445/95 de 25/1; deve a ré ser condenada a pagar ao Autor a quantia de €7 840,00 (sete mil, oitocentos e quarenta euros).
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III- DISPOSITIVO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, e, consequentemente:
a) Julgam procedente a impugnação da matéria de facto, passando os factos provados 20., 21., e 22., a constar dos factos não provados.
b) Revogam a decisão proferida pelo Tribunal recorrido, jugando a ação totalmente procedente.
Custas a cargo da recorrida.
Porto, 2024-09-12
Manuela Machado
Ana Luísa Loureiro
João Venade