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PRESCRIÇÃO DAS PENAS
PENA DE SUBSTITUIÇÃO
PENA DE PRISÃO SUSPENSA
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Sumário
I - A pena de substituição (suspensão da execução, trabalho a favor da comunidade ou multa de substituição) é uma pena autónoma e por isso não se enquadra nas alíneas a), b) e c) do artigo 122º, n.º 1 do Código Penal que dizem respeito às penas de prisão, mas antes na alínea d) relativa às restantes penas, sendo o respetivo prazo prescricional de quatro anos. II - O prazo de prescrição da pena de substituição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que a tiver aplicado, interrompe-se com a sua execução ou com a declaração de contumácia, sendo que depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição – artigos 122º, n.º 2 e 126º, n.º 1 e 2 do Código Penal. III - Não obstante a interrupção, a prescrição da pena tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade – artigo 126º, n.º 3 do Código Penal. IV - Assim, a prescrição da pena de substituição que se inicia e interrompe após o trânsito em julgado da decisão tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiverem decorrido 6 anos.
[Sumário da responsabilidade do Relator]
Texto Integral
Processo n.º 633/14.8GBOAZ-B.P1
Sumário
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Relator: William Themudo Gilman
1ª Adjunta: Jorge Langweg
2ª Adjunto: João Pedro Pereira Cardoso
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Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:
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1-RELATÓRIO
No Processo Comum (Tribunal Coletivo) n.º 633/14.8GBOAZ do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira - Juiz 3, o Juiz do processo proferiu despacho em que julgou improcedente a exceção de prescrição de pena arguida pelo Ministério Público e considerou que o prazo de prescrição apenas se irá completar em 01.08.2025.
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Não se conformando com esta decisão, o Ministério Público recorreu para este Tribunal da Relação, concluindo na respetiva motivação o seguinte:
«1. Promoveu o M.P. que fosse julgada extinta a pena aplicada a AA, por decurso do prazo de prescrição, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 122º, n.º1, alínea d) e 126º, nºs 1, alínea a) e 3, ambos do Código Penal, atendendo a que aquele foi condenado numa pena de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, por decisão transitada em julgado a 1/02/2017.
2. Todavia, a Mma. Juiz a quo, não obstante entenda que o prazo de prescrição das penas de prisão suspensas na sua execução é de 4 anos, nos termos do citado artigo 122º, n.º1, alínea d), do Código Pena, considerou que a prescrição se interrompeu durante todo o período de execução (com o que concordamos), e que tal prazo de 4 anos se iniciou após o decurso dos 4 anos e 6 meses de prisão, sem qualquer limitação.
3. É precisamente com esta última parte que discordamos, atento o estatuído no artigo 126º, n.º3, do Código Penal. Com efeito, não tendo ocorrido qualquer causa de suspensão da prescrição da pena, a que alude o artigo 125º, do mesmo Código, o prazo de prescrição da pena aplicada é, no máximo, de 6 anos (4 + 2), nos termos das disposições conjugadas dos artigos 122º, n.º1, alínea d) e 126º, nºs 1, alínea a) e 3, ambos do referido Código.
4. Tratando-se a pena de prisão suspensa na execução de uma verdadeira pena autónoma, de substituição, cabe, indubitavelmente, na previsão da citada alínea d), do n.º1, do artigo 122º, do CP.
5. Consequentemente, e nos termos do disposto no artigo 122º, nº 1, al. d), e nº 2, do Código Penal, a prescrição dessa pena de substituição ocorre com o decurso do prazo de quatro anos, contados a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória, sem prejuízo, contudo, das causas de suspensão e de interrupção da prescrição estabelecidas nos artigos 125º e 126º, ambos do mesmo Código.
6. Nenhuma causa de suspensão da prescrição da pena ocorreu. Por seu turno, ocorreu a causa de interrupção a que alude a alínea a), do n.º1, do artigo 126º, do CP. A ser assim, no dia seguinte ao trânsito em julgado do douto acórdão proferido (2/2/2017) o prazo de prescrição da pena interrompeu-se; e assim se manteve durante todo o período de suspensão da execução da pena de prisão – ou seja, 4 anos e 6 meses.
7. Todavia, e nos termos do n.º3, do referido artigo 126º, do C.P. “A prescrição da pena e da medida de segurança tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade.”.
8. A ser assim, tendo em consideração que a douta decisão condenatória aqui proferida transitou em julgado a 01-02-2017, que o prazo de prescrição da pena de prisão suspensa na sua execução é de 4 anos, que tal prazo se interrompeu, nos termos do artigo 126º, n.º1, alínea a), do Código Penal, durante o tempo em que tal execução decorreu – mas que, nos termos do n.º3, de tal artigo, o prazo máximo de prescrição será de 6 anos, e não tendo existido qualquer causa de suspensão da prescrição, a pena aplicada a AA prescreveu a 01-02-2023.
9. Assim sendo, a pena aplicada a AA prescreveu a 1/02/2023, porquanto decorreram, desde o seu início, 6 anos. Neste sentido, pode verse, a título meramente exemplificativo, o douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto no âmbito do processo 32/01.1IDAVR-C, desta mesma Instância Central, Juiz 2 ou, ainda, o douto aresto do STJ, datado de 5/07/2017, disponível em www.dgsi.pt – ou ainda o douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 30/03/2022, disponível em www.dgsi.pt.
10. Não tendo decidido deste modo, o despacho recorrido violou o disposto nos artigos 122º, nºs 1, alínea d) e 2 e 126º, nºs 1, alínea a) e 3, ambos do Código Penal.
Termos em que, na procedência do presente recurso, deve ser revogado o despacho recorrido e substituído por outro que julgue verificada a prescrição da pena aplicada a AA, por referência à data de 1/02/2023.
Assim decidindo, far-se-á JUSTIÇA»
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O recurso foi admitido e o arguido notificado.
Foi proferido despacho de sustentação – artigo 414º do CPP.
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Nesta instância, o Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Foi cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2 do CPP.
Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
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2-FUNDAMENTAÇÃO 2.1-QUESTÕES A DECIDIR
Conforme jurisprudência constante e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, a questão a apreciar e decidir é tão só a da prescrição da pena aplicada.
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2.2-A DECISÃO RECORRIDA.
O teor do despacho recorrido é o seguinte:
«Veio o Ministério Público promover a extinção da pena aplicada ao arguido AA uma vez que a mesma se encontra extinta, por força da prescrição, com os fundamentos que melhor constam na antecedente promoção.
O arguido e a sua Ilustre defensora oficiosa, devidamente notificados, nada vieram dizer.
Cumpre decidir:
Ao arguido AA foi aplicada a pena de 4 anos e 6 meses de prisão, com a execução suspensa por igual período, sujeita a regime de prova, assente num plano individual de readaptação, por acórdão transitado em julgado no dia 01/02/2017.
A suspensão da execução da pena de prisão, na modalidade simples ou com a imposição de deveres ou regras de conduta, é uma pena de substituição, uma pena autónoma, como ensina Figueiredo Dias (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Ed. Notícias1993, pág. 329, clarificando ademais “a suspensão da execução da prisão não representa um simples incidente, ou mesmo só uma modificação, da execução da pena, mas uma pena autónoma e portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição”).
Tendo sido essa a pena aplicada em substituição da pena de 4 anos e 6 meses de prisão, é ela a pena a considerar para efeito de execução; é a pena exequível.
O artº 122º do CP estabelece, no nº 1, os prazos de prescrição das penas. As alíneas a), b) e c) referem-se às penas de prisão de duração igual ou superior a 2 anos. Os restantes casos caem no âmbito de previsão da alínea d). A pena de suspensão da execução da prisão não é uma pena de prisão, não se lhe aplicando por isso as disposições das alíneas a), b) e c). Inclui-se por essa razão «nos casos restantes», sendo-lhe aplicável a disposição da alínea d), que estabelece como prazo de prescrição 4 anos- neste sentido entre outros Ac. do TRL de 19.09.2017, acessível in www.dgsi.pt.. Relembrando, porém, a existência de divergências jurisprudenciais que rodeiam o tema. Aqui, não podemos deixar de trazer à discussão, a questão concernente ao dies a quo do prazo prescricional, isto é, se só ocorre com o trânsito em julgado da decisão que revogar (artigos 56º e 57º do CP) a pena de substituição e determinar a execução da pena principal ou a partir do dia em que transitar em julgado a decisão condenatória que tiver aplicado a pena de substituição, não vindo a revelar-se pacifica a sua solução. Aqui, não podemos deixar de acompanhar o entendimento expresso no Ac. da RC nº 328/98.8GAACB-B.C1 de 17-03-2009, ou seja, de nos termos do n.º 2 do art. 122º a prescrição conta-se da data do trânsito em julgado da sentença condenatória, estando ainda a prescrição da pena de substituição sujeita às situações de suspensão e de interrupção da prescrição previstas nos artigos 125º e 126º do CP. É também esta a posição que perfilhou o Ac. da RP de 23.06.2021 proferido no Proc. nº 141/11.9PDPRT-A.P1, acessível in www.dgsi.pt. onde se expõe: “B – Da contagem do prazo de prescrição da pena; B.1. Do prazo de prescrição; Nos termos do disposto no artigo 122º, nº 2, do Código Penal, "O prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena." A sentença condenatória respetiva transitou em julgado em 11 de Julho de 2013. O prazo de prescrição, pelas razões acima concretizadas, é de 4 (quatro) anos. Porém, tratando-se de uma pena de prisão suspensa na sua execução e sujeita a regime de prova, a contagem do prazo de prescrição foi interrompida entre 11 de Julho de 2013 (data do trânsito em julgado da decisão condenatória) e 11 de Julho de 2015 (o termo do período de suspensão da execução da pena), por força do disposto no artigo 126º, nº 1, alínea a), do Código Penal, por se tratar do período (dois anos) durante o qual esteve a ser executada (facto duradouro) a pena suspensa, mediante regime de prova.” Daqui resulta que a contagem do prazo de prescrição (quatro anos) da pena aplicada nos presentes autos se iniciou em 11 de Julho de 2015.” Também do Tribunal da Relação do Porto, pode ler-se no Acórdão de 30.03.2022, acessível in www.dgsi.pt. “(…) em lado nenhum se estabelece qualquer limite temporal até ao qual pode ser revogada a suspensão da execução da pena, a não ser o eventual decurso do prazo de prescrição dessa pena, pois, como vimos, como pena autónoma que é, está obrigatoriamente sujeita a prazo de prescrição. Com efeito, o condenado não pode ficar indefinidamente à espera que se declare a extinção da sua pena ou que a pena de substituição seja revogada, aguardando ad eternum que o tribunal se decida, finalmente, num ou noutro sentido. O direito à paz jurídica do condenado impõe que, decorrido o período de cumprimento da pena substitutiva (que corresponde ao período de suspensão), o incidente previsto no artº 57º do Cód. Penal seja concluído em prazo razoável. E esse “prazo razoável” corresponde ao período de prescrição da pena.” Em consonância, a decisão que aplicou a pena suspensa foi o acórdão de 20.12.2016, que transitou em julgado em 01.02.2017. O prazo de prescrição iniciou-se, pois, nessa data. Mas foi logo, também nessa data, interrompido, nos termos do artº 126º, nº 1, alínea a) [«A prescrição da pena (…) interrompe-se: Com a sua execução»], visto que, iniciando-se com aquele trânsito o período de suspensão da pena, deve considerar-se esse momento como aquele em que começa a execução da pena suspensa. A pena de suspensão esteve em execução durante 4 anos e seis meses, período fixado para a sua duração, pelo que a prescrição se interrompeu entre 01.02.2017 e 01.08.2021. Não ocorreu causa de suspensão da prescrição. Nem outras causas de interrupção. Diga-se, ainda que, a suspensão dos prazos, consagrada na Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, e na Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, não tem aplicação nos autos, uma vez que à data, o prazo prescricional de encontrava interrompido. Porém, mesmo que assim não fosse, sempre se dirá que mesmo que tais Leis encontrem respaldo constitucional na situação de estado de emergência, a verdade é que, o artigo 19.º, n.º 6, da CRP consagra o princípio da não retroactividade da lei penal como um direito intangível, que não pode ser afectado pela declaração de estado de emergência. O que, de resto, resultou expressamente também do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de Março de 2020: «Os efeitos da presente declaração não afectam, em caso algum, os direitos à vida, à integridade pessoal, à identidade pessoal, à capacidade civil e à cidadania, à não retroactividade da lei criminal, à defesa dos arguidos e à liberdade de consciência e religião.». Assim, é a própria CRP que não autoriza que o estado de emergência possa ser usado como meio para afastar a proibição da aplicação retroactiva da lei penal, através do alargamento de prazos de prescrição quanto a factos praticados antes do estado de emergência. A circunstância de a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, e de a Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, terem iniciado a sua vigência depois do decretamento da situação de estado de emergência não é apta a ditar a suspensão dos prazos prescricionais aos processos que têm por objecto factos praticados em momento anterior a cada um daquele diplomas, como acontece no caso dos autos. Em sentido semelhante, veja-se o Ac. do TRP de 19.04.2023, proferido no processo nº 1059/13.6PJPRT, disponível em www.dgsi.pt. Face ao exposto, o prazo de prescrição na situação vertente é de quatro anos e começa a contar-se a partir de 01.08.2021 quando cessa a causa de interrupção (e sem causas de suspensão por força das Leis Covid como já se assinalou), pelo que o prazo de prescrição apenas se irá completar em 01.08.2025. Notifique. *** »
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2.3- APRECIAÇÃO DO RECURSO.
A questão essencial com que nos debatemos neste recurso é a de saber não tanto qual o prazo de prescrição aplicável à pena substitutiva (suspensão da execução da pena de prisão, prestação de trabalho a favor da comunidade e pena de multa de substituição), se o prazo da pena substituída ou o da pena de substituição, mas principalmente o de se saber qual o modo como se conta o prazo de prescrição da pena de substituição.
Com efeito, no despacho recorrido entende-se que o prazo de prescrição da pena de substituição é o de 4 anos previsto na alínea d) do artigo 122º do Código Penal.
Quanto à contagem do prazo de prescrição entendeu-se na decisão recorrida que o prazo de prescrição da pena se iniciou com o trânsito em julgado da decisão condenatória (01.02.2017), mas que foi logo nessa data interrompido (artigo 126º, n. 1-a do CPP), mantendo-se interrompido durante 4 anos e 6 meses (01.02.2017 e 01.08.2021), só começando a contar-se desde 01.08.2021 e completando-se em 01.08.2025.
Vejamos ambas as questões: a do prazo de prescrição aplicável e a da forma de contar o prazo e sua interrupção.
Começando pelo prazo de prescrição da pena aplicável.
A jurisprudência tem-se dividido entre ambas as opções para a prescrição: prazo da pena substituída ou o da pena de substituição.
No sentido da primeira posição, de que o prazo de prescrição é o da pena substituída, foram entre outros os acórdãos: STJ-28.02.2018[1], TRC-26.05.2021[2], TRE-24.10.2023[3], TRE-18.12.2023[4], TRP-04.10.2022[5].
Pela segunda posição, de que o prazo de prescrição é o da pena substitutiva, foram entre outros, os acórdãos: STJ-05.07.2017[6], TRC-18.03.2020[7], TRC-15.06.2022[8], TRE-08.06.2021[9], TRL-11.01.2022[10], TRP-22.02.2017[11], TRP-23.06.2021[12], TRP-23.03.2022[13], TRP-04.10.2022[14], TRP-26.04.2024[15].
A posição que nos parece correta é a segunda, por razões fáceis de entender.
Em primeiro lugar surge-nos como fora de dúvida que a pena de substituição (suspensão da execução, trabalho a favor da comunidade ou multa de substituição) é uma pena diferente da pena de prisão que substituiu. É essa a lição da escola penal portuguesa: «substituir a execução duma pena de prisão traduz-se sempre em aplicar, na vez desta, uma outra pena.[16] As penas de substituição constituem uma categoria diferente de penas, com o seu sentido e teleologia próprios. São autónomas das penas que substituíram. [17] »
É este então o ponto de partida para a solução da questão: A pena de substituição (suspensão da execução, trabalho a favor da comunidade ou multa de substituição) é uma pena diferente da pena de prisão que substituiu, com o seu sentido e teleologia próprios.
Partindo então desta noção básica, da autonomia e teleologia próprias da pena de substituição, vejamos as normas legais pertinentes.
Nos termos do artigo 122.º, n.º1 do Código Penal as penas prescrevem nos prazos seguintes:
a) Vinte anos, se forem superiores a dez anos de prisão;
b) Quinze anos, se forem iguais ou superiores a cinco anos de prisão;
c) Dez anos, se forem iguais ou superiores a dois anos de prisão;
d) Quatro anos, nos casos restantes.
A pena de substituição (suspensão da execução, trabalho a favor da comunidade ou multa de substituição) é uma pena diferente da pena de prisão que substituiu, com o seu sentido e teleologia próprios.
Não sendo uma pena de prisão, não se enquadra nas alíneas a), b) e c) do artigo 122º, n.º 1 do Código Penal que dizem respeito às penas de prisão, mas antes na alínea d), relativa às restantes penas.
Para integrar a pena de substituição nas primeiras três alíneas do artigo 122º, n.º 1 do Código Penal teria de se recolher à analogia, não admissível nesta situação porque in malam partam.
Assim, a pena de substituição (suspensão da execução, trabalho a favor da comunidade ou multa de substituição) é uma pena autónoma, também suscetível de prescrição, sendo o respetivo prazo prescricional de quatro anos, nos termos da alínea d) do artigo 122º do Código Penal.
Estamos, pois, de acordo com o entendimento da decisão recorrida o quanto ao prazo de prescrição da pena de substituição ser de 4 anos.
Vejamos agora a questão da forma de contar o prazo e sua interrupção.
De acordo com o n.º 2 do artigo 122º do Código Penal o prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena.
Por outro lado, nos termos artigo 126.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, a prescrição da pena e da medida de segurança interrompe-se com a sua execução ou com a declaração de contumácia, sendo que depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.
Não obstante, nos termos do n.º 3 do citado artigo, a prescrição da pena e da medida de segurança tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade.
Se estamos de acordo com a decisão recorrida quanto ao início do prazo, o qual se verificou com o trânsito em julgado da decisão condenatória (01.02.2017), mas que foi logo nessa data interrompido (artigo 126º, n. 1-a do CPP), mantendo-se interrompido durante 4 anos e 6 meses (01.02.2017 e 01.08.2021) durante a execução da pena, só começando a contar-se desde 01.08.2021, a verdade é que na decisão recorrida não se teve em conta que a prescrição da pena e da medida de segurança tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade (01.02.2017).
No caso dos autos não houve qualquer motivo para a suspensão do prazo, não se verificando qualquer das situações previstas no n.º 1 do artigo 125º do CP.
Com efeito, a execução da pena de substituição iniciou-se com o trânsito em julgado da sentença e continuou a decorrer naturalmente, não houve declaração de contumácia, nem o condenado esteve a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade, nem se trata de pena de multa, pelo que não houve lugar à sua dilação.
Ora, não havendo nos autos qualquer motivo para a suspensão do prazo de prescrição da pena, por não se ter verificado qualquer das situações previstas no n.º 1 do artigo 125º do CP e por essa razão não haver qualquer tempo de suspensão a descontar, a prescrição da pena de substituição tem sempre lugar ao fim de 6 anos, nos termos do artigo 126º, n.º 3 do CP.
Assim, no caso dos autos a pena aplicada ao arguido iniciou a contagem do prazo de prescrição de pena em 01.02.2017, com o trânsito em julgado da sentença o qual se interrompeu a partir de tal data e durante a sua execução, mas por força do disposto no artigo 126º, n.º 3 do CP prescreveu 6 anos depois em 01.02.2023, tal como defendeu o Ministério Público junto da primeira instância no seu recurso.
Concluindo, o prazo de prescrição de quatro anos da pena aplicada ao arguido começou a correr no dia 01.02.2017, com o trânsito em julgado da sentença. Interrompeu-se com o início da execução da pena de substituição e, face ao disposto no artigo 126º n.º 3 do Código Penal, completou-se em 01-02-2023.
Mostrando-se prescrita a pena de substituição aplicada, extingue-se a responsabilidade criminal do arguido.
Assim, haverá de se declarar extinta por prescrição a pena (de substituição) em que o arguido AA foi condenado nestes autos e extinta também a responsabilidade criminal do arguido.
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3- DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso e, em consequência, declarar extinta por prescrição a pena em que o arguido AA foi condenado nestes autos e declarar extinta também a responsabilidade criminal do arguido.
Sem custas.
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Notifique.
Porto, 18 de setembro de 2024
William Themudo Gilman
Jorge Langweg
João Pedro Pereira Cardoso [vencido com declaração de voto:
«Declaração Voto vencido: Adjunto João Pedro Pereira Cardoso
Concordo que a execução da pena constitui uma causa interruptiva de efeito duradouro ou permanente e não também causa de suspensão da prescrição, logo excluída da ressalva prevista no art.126º, nº3, do Código Penal.
Contudo, conforme jurisprudência firmada, como adjunto, no acórdão Tribunal da Relação do Porto 4.10.2022 (relator José António Rodrigues da Cunha), www.dgsi.pt, tenho seguido entendimento contrário ao acolhido na tese vencedora deste acórdão, quanto à aplicação da alínea d), do nº1, do art.122º, do Código Penal, às penas de substituição.
A determinação do prazo de prescrição, no caso concreto, não foi impugnada.
Porém, tratando-se de matéria do conhecimento oficioso, nada obsta a que o tribunal dela conheça, como conheceu.
Argumentar com a violação do princípio da legalidade criminal, na variante da proibição da analogia, como o faz a posição contrária, pressupõe que a montante se tome como certo, na questão primeira aqui tratada, que a pena suspensa é uma pena autónoma para os efeitos considerados da determinação do prazo de prescrição.
A considerar-se uma pena autónoma da pena original de prisão correspondente, a sua previsão cabe nas restantes penas a que alude a citada alínea d), do nº1, do art.122º.
Contudo, à luz da boa hermenêutica que aspira à interpretação unitária e harmoniosa do ordenamento jurídico penal, entendo que a suspensão da execução da pena não pode ser consensualmente desautonomizada para efeitos de cúmulo jurídico, concorrendo, por isso, com a pena de prisão efetiva na determinação da pena única do concurso, e concomitantemente, ao invés, ganhar essa autonomia quando confrontada com a determinação do prazo de prescrição.
Naquela outra sede, conforme ac STJ de 14.12.2023 (Jorge Gonçalves), e ac STJ de 15.07.2020 (Manuel Augusto de Matos), ambos in www.dgsi.pt, a jurisprudência assentou na ideia de que não se forma caso julgado sobre a pena de substituição, mas tão somente sobre a medida da pena principal substituída, entendendo-se que a substituição está resolutivamente condicionada ao conhecimento superveniente do concurso, e bem assim nas ideias de provisoriedade da suspensão da execução da pena e de julgamento rebus sic stantibus quanto a tal questão.
O caso julgado que não pode ser atingido circunscreve-se à medida da pena parcelar concretamente aplicada e não abrange a forma da sua execução.
Daqui resulta que a suspensão da execução da pena não é uma pena de natureza diferente da pena de prisão efetiva (cfr.Paulo Dá Mesquita in O Concurso de Penas, Coimbra Editora, 1997, pp. 95-98), donde não existir fundamento para excecionar o art.78.º, do Código Penal, em casos em que uma das penas a cumular tem a sua execução suspensa, pois não se trata de cúmulo jurídico de penas compósitas.
O mesmo raciocínio dogmático vale inteiramente para a determinação do prazo de prescrição das penas suspensas na sua execução, não podendo é considerar-se ora uma pena autónoma, ora uma forma de execução da pena de prisão, consoante o instituto em causa.
Solução diferente, aquela seguida na tese vencedora, leva a que o prazo temporal do esquecimento da perseguição penal, com a segurança e a paz jurídica inerentes, fique condicionado, após o seu início com o trânsito em julgado da condenação, ao sabor das vicissitudes do (in)cumprimento das penas de substituição, variando consoante a sua revogação ou não, atendendo só então à medida da pena principal substituída para determinação do prazo de prescrição.
Tudo como se os prazos de prescrição do procedimento criminal e das penas não tivessem ínsito o princípio da proporcionalidade previsto art.18º, nº2, da C.R.P., vazando-se, ao arrepio deste, no "caldeirão" da alínea d), nº1, do cit. art.122, todas as penas de substituição, independentemente da sua gradação em razão da gravidade do crime cometido.
Tal solução conduz à sujeição ao mesmo prazo de prescrição de penas de substituição diametralmente diferentes, inclusivamente entre as penas de prisão até cinco anos, suspensas na sua execução.
Mas, pior, uma pena de prisão aplicada entre 4 a 5 anos, suspensa na sua execução, estaria sujeita a um prazo de prescrição de quatro anos, por força da alínea d), nº1, do cit. art.122º e, portanto, mais curto que a duração da execução da própria pena, o que afronta claramente o princípio da proporcionalidade (art.18º, nº2, da C.R.P.), implícito no equilíbrio equidistante estabelecido pelo art.122º entre a duração das penas e os prazos de prescrição em face dos interesses em conflito.
Conforme recorda o AUJ (STJ) nº11/2023, considera-se que o decurso de determinados períodos temporais, cujos prazos, no caso da prescrição da pena, são definidos por referência à gravidade da que foi concretamente aplicada (cf. artigo 122.º, n.º 1 do Código Penal), é fundamento para afastar a atuação do direito penal e efetivação das consequências jurídicas do crime cometido consoante o lapso temporal correspondente.
O principio constitucional da proporcionalidade, na referida interpretação normativa do cit. art.122º, mantém-se na determinação do prazo de prescrição das penas, independentemente da sua substituição, o que se mostra afrontado na jurisprudência acolhida pela tese vencedora do presente acórdão.
A suspensão da execução da pena de prisão deve ser qualificada como uma pena de substituição, que, como Anabela Rodrigues, in Critério de Escolha das penas de Substituição, Estudos em Homenagem ao Prof. Eduardo Correia, vol. I, Coimbra, 1984, p. 33, nota 29] esclarece, dogmaticamente são «penas aplicadas na sentença condenatória, substituindo a execução das penas de prisão e multa, enquanto penas principais, concretamente determinadas», daí que só as razões de prevenção especial e geral estejam na base da escolha das penas de substituição.
Se tais exigências de prevenção escapam à fundamentação dogmática da escala gradativa dos prazos de prescrição das penas não podem, sem flagrante contradição, interferir na determinação daquele.
Eis as razões da minha discordância na vexata quaestio trazida a recurso, pelo que, no alargamento do prazo de prescrição, não julgaria verificada esta causa de extinção da pena.»]
___________________ [1] https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/92e9c8cfba1502308025824300573a36?OpenDocument [2] https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/7bb6b186c18b8f82802586e400356882?OpenDocument [3] https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/c0391e497f7cc19680258a5f00318c0d?OpenDocument [4] https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/d3e560a250c4d8b180258a9f0034b39e?OpenDocument [5] https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/cf82cc08dfd8cd4a802588fd00597c50?OpenDocument [6] https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/7E445D250517923A802581750036CBCC [7] https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/ebd938cf83611bf28025857b00329d70?OpenDocument [8] https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/d08e7d7544daa5798025886a004f0896?OpenDocument [9] https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/33208990b7d4c6de802586f800706df7?OpenDocument [10] https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/52ec541652fef4c5802587d800585e22 [11] http://www.gde.mj.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/3ff4c151a10a9194802580df003d4b11?OpenDocument [12] https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/f3acdeade0f1e48580258709003b59fe?OpenDocument [13] https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/1e4b08e3cbbbb67080258836004e7f98?OpenDocument [14] https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/35d5618457b1550d802589190041a837?OpenDocument [15] https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/31eaa6780424e23f80258b5f005a360f?OpenDocument [16] Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993 p. 90. [17] Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993 p. 339.