REABERTURA DA AUDIÊNCIA
PERDÃO DE PENA
CUMPRIMENTO DE PENA RESIDUAL
REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
Sumário


Não tem de ser ordenada a reabertura da audiência por força do disposto no artigo 371º-A do CPP, com vista ao cumprimento, em regime de permanência na habitação, da pena residual de 1 ano e 10 meses de prisão, em decorrência da aplicação da Lei nº 38-A/2023, de 02.08 (lei que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude).

Texto Integral


Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I- RELATÓRIO

1. No processo comum, com intervenção de tribunal singular nº 428/16...., do Tribunal Judicial a Comarca de Braga, Juízo de Competência Genérica de ..., em que é arguido AA, com os demais sinais nos autos, por sentença de 24.11.2017, o arguido foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203º e 204º, nº 2 e) do C. Penal, na pena de 2 anos e 10 meses de prisão efetiva.
2. Inconformado com a sobredita decisão condenatória, dela interpôs recurso o arguido para este Tribunal da Relação, o qual por acórdão de 31.10.2023, julgou improcedente o recurso.  
3. Em 24.11.2023, o arguido requereu, em síntese, a reabertura da audiência ao abrigo do disposto no artigo 371º-A do CPP para que lhe fosse aplicada lei mais favorável e lhe fosse concedido um ano de perdão, ao abrigo do disposto na Lei nº 38-A/2023, de 02.08, e fosse decidida a execução do remanescente da pena em regime de permanência na habitação.  
4. Sobre este requerimento incidiu o despacho de 11.01.2024, com a referência citius 188471865, no qual foi decidido, no que para o caso releva, não admitir o cumprimento, em regime de permanência na habitação, da pena de 1 ano e 10 meses de prisão (pena residual após aplicação do perdão de um ano de prisão por força da aplicação da Lei nº 38-A/2023, de 02.08). 
5. Não se conformando com o sobredito despacho, dele interpôs recurso o arguido, extraindo da respetiva motivação, as seguintes conclusões e pedido (transcrição)[1]:

A. Por força da entrada em vigor da Lei 38-A/2023, de 2 de agosto, o Arguido preenchia os requisitos necessários para beneficiar do perdão de pena conforme estipulado naquele diploma.
B. A pena de prisão de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses, imposta ao Arguido pela prática de um crime de furto qualificado, foi reduzida para 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão, em conformidade com o art. 3.º, n.º 1, da referida lei.
C. O Tribunal a quo corretamente concedeu o perdão da pena ao Arguido, aplicando a condição resolutiva prevista no art. 8.º, n.º 1 da Lei 38-A/2023, que estabelece que o perdão está condicionado à não prática de infração dolosa pelo beneficiário no ano subsequente à entrada em vigor da lei.
D. Em consequência do perdão da pena, o Arguido foi condenado a uma pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão, suscitando a possibilidade de cumprimento em regime de permanência na habitação.
E. A recusa do Tribunal em aplicar este regime, sem reabertura da audiência conforme requerido pelo Recorrente, constitui violação do princípio do contraditório e da necessidade de aplicação retroativa da lei penal mais favorável ao condenado, conforme estabelecido na Constituição e no Código de Processo Pena e no Código Penal, nos seus artigos 29.º, n.º 4, 371.º-A e 2.º, n.º 4, respetivamente.
F. A decisão proferida pelo Tribunal a quo, por mero despacho e sem reabertura da audiência conforme requerido, constitui uma nulidade insanável, como resulta expresso no art.º 321º, nº 1, do CPP,
G. Nem se dando a possibilidade ao arguido de ser ouvido pessoalmente nessa audiência, o que em si traduz também uma nulidade insanável, nos termos do art.º 119º, al. c), do mesmo diploma.
H. Com as consequências de se considerarem inválidos os atos processuais logicamente por elas afetados, nos termos do art.º 122º do CPP, nomeadamente o despacho recorrido que, na tramitação legalmente exigível, deveria assumir a forma de uma sentença e não a de um mero despacho.
I. Ao decidir conforme decidiu, violou, o Tribunal a quo, violou os normativos 29.º, n.º 4, da CRP, 371.º-A, do CPP e 2.º, n.º 4, do CP.
J. Pelo que se requer a revogação da decisão recorrida e a substituição por outra que pondere a designação de data para reabertura da audiência, conforme previsto no art.º 371º-A do Código de Processo Penal.

Nestes termos e nos melhores de Direito aplicáveis, requer-se, a V.ª Ex.ª, que seja declarado nulo o despacho, que ora se recorre, e consequentemente, seja imposta a reabertura da audiência ao abrigo do preceituado no art. 371.º-A, do Código Processo Penal, a fim de se poder concluir pela aplicação ou não aplicação do regime mais favorável ao aqui Recorrente.
6. O Ministério Público, na primeira instância, respondeu ao recurso, aduzindo que (transcrição):
Por decisão datada de 11 de Janeiro de 2024, o Tribunal a quo decidiu pela não aplicação ao arguido AA do regime de permanência na habitação, previsto no art.º 43.º do Cód. Penal, após declarar extinto, por perdão, um ano da pena de 2 anos e 10 meses de prisão a que foi condenado nos autos, pela prática do crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º e 204.º, n.º 2, al. e), do Código Penal, por força da aplicação do disposto nos arts. 1.º, 3.º n.º 1 e 2, al. d) da Lei 38-A/2023 e 128.º, n.º 3, do Código Penal.
O arguido, inconformado com tal decisão, na parte em que decidiu não ser de lhe aplicar o regime de permanência na habitação, dela veio interpor o presente recurso, alegando, em síntese que,
-Por força da entrada em vigor da Lei 38-A/2023 de 2 de Agosto, o arguido preenchia os requisitos necessários para beneficiar do perdão de pena conforme previsto naquele diploma.
-A pena de dois anos e dez meses de prisão a que foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado, foi reduzida para um ano e dez meses de prisão, por força do disposto no art.º 3.º n.º 1 da Lei 38-A/2023 de 2 de Agosto.
-Em consequência desse perdão, o arguido foi condenado numa pena de um ano e dez meses de prisão, suscitando a possibilidade do cumprimento dessa pena em regime de permanência na habitação.
-A recusa do Tribunal em aplicar este regime, por mero despacho, sem reabrir a audiência, conforme requerido pelo arguido, viola o princípio do contraditório e da necessidade de aplicação retroactiva da lei penal mais favorável ao condenado, conforme estabelecido na CRP, Código de Processo Penal e Código Penal, nos art.ºs 29.º n.º 4, 471.º-A e 2.º n.º 4, respectivamente.
-A decisão por mero despacho, sem reabertura da audiência, constitui uma nulidade insanável, como resulta do art.º 321.º n.º 1 do Cód. Processo Penal.
-Ao não dar ao arguido a possibilidade de ser ouvido pessoalmente, constitui, também, uma nulidade insanável, nos termos do art.º 119.º al. c) do Cód. Processo Penal.
-O que tem como consequência tornar inválidos os actos processuais por elas afectados, nos termos do art.º 122.º do Cód. Processo Penal.
Entendemos, porém, não assistir razão ao Recorrente
Com efeito, o artigo 371.º-A do Código de Processo Penal sob a epígrafe
“Abertura da audiência para aplicação retroactiva de lei penal mais favorável” dispõe que “Se, após o trânsito em julgado da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor lei penal mais favorável, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime.”.
Tal normativo, tem de ser interpretado em conjugação com o artigo 2.º, n.º 4 do Código Penal, o qual dispõe acerca da aplicação no tempo da lei penal substantiva mais favorável ao arguido, principio tutelado pela Constituição (artigo 29.º, n.º4), que prescreve:
 “Quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente; se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais logo que a parte da pena que se encontrar cumprida atinja o limite máximo da pena prevista na lei posterior”.
A este propósito, seguimos aqui de perto o recente douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-05-2024, Rel. Maria José Machado, disponível em, www.dgsi.pt onde se lê “O artigo 371.º-A do Cód. Processo Penal é um instrumento para aplicação da lei penal substantiva mais favorável que não elimine o facto punível do elenco das infracções e não um meio de, por razões de outra natureza, no caso a aplicação de um perdão, reverter o sentido da decisão condenatória quanto à substituição da pena de prisão aplicada, que tem a ver com o processo de determinação da sanção, que é anterior ao perdão que foi aplicado ao arguido”.
Refere-se, ainda, no douto Acórdão citado “não estamos perante uma sucessão de leis penais que importe a ponderação sobre a aplicação de um regime mais favorável ao arguido. O que temos é uma condenação transitada em julgado numa pena de 2 anos e 10 meses de prisão efectiva que, à data da condenação, e actualmente, não admite a execução ou a sua substituição por regime de permanência na habitação, nos termos previstos no artigo 43.º do Código Penal, sobre a qual incidiu o perdão de um ano.
Não podendo haver lugar à aplicação de regime de permanência na habitação, por não se encontrar preenchido um dos seus pressupostos, que é o de a pena de prisão aplicada não ser superior a 2 anos de prisão, não há que reabrir a audiência, nos termos previstos no artigo 371.º-A do Código de Processo Penal.
O perdão genérico, enquanto medida de clemência que é, extingue a pena, no todo ou em parte (artigo 128.º, n.º3 do Código Penal), mas não tem a virtualidade de alterar o modo de execução dessa pena ou a sua substituição por outro tipo de pena. A pena a considerar para este efeito é sempre aquela que foi determinada em momento anterior à aplicação do perdão, no caso 2 anos e 10 meses de prisão, não o remanescente da pena resultante da aplicação do perdão”.
Assim, e aderindo integralmente ao que vem expendido no douto Acórdão que vimos de citar, afigura-se não assistir razão ao Recorrente, pelo que a decisão recorrida não viola qualquer norma legal ou constitucional, como alega, devendo manter-se na íntegra e julgando-se como manifestamente improcedente o recurso interposto pelo Recorrente,
ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!

7. Nesta instância, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto, discordando, pelas razões que indica, da posição sustentada no recurso, emitiu parecer no sentido da manutenção do despacho recorrido.
8. Foi cumprido o disposto no artigo 417º nº2 do CPP, tendo o recorrente respondido ao parecer do Exmo. Procurador - Geral Adjunto manifestando as razões da sua discordância com o mesmo, pelas razões que indica.
9. Após ter sido efetuado exame preliminar, foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.

II- FUNDAMENTAÇÃO

1- Objeto do recurso

O âmbito do recurso, conforme jurisprudência corrente, é delimitado pelas suas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo naturalmente das questões de conhecimento oficioso[2] do tribunal, cfr. artigos 402º, 403º e 412º, nº 1, todos do CPP.
Assim, considerando as razões da discordância do recorrente sintetizadas nas conclusões do recurso interposto, a questão a decidir consiste em saber se teria de ter sido ordenada obrigatoriamente a reabertura da audiência por força do disposto no artigo 371º-A do CPP, com vista ao cumprimento, em regime de permanência na habitação, da pena residual de 1 ano e 10 meses de prisão, em decorrência da aplicação da Lei nº 38-A/2023, de 02.08.
Questão essa consonante com o pedido formulado pelo recorrente a este Tribunal da Relação, o qual consiste em que: “… seja declarado nulo o despacho, que ora se recorre, e consequentemente, seja imposta a reabertura da audiência ao abrigo do preceituado no art. 371.º-A, do Código Processo Penal, a fim de se poder concluir pela aplicação ou não aplicação do regime mais favorável ao aqui Recorrente”.
2- Despacho recorrido
O despacho recorrido, que foi objeto de retificação, tem o seguinte teor (transcrição já devidamente retificado):

Da aplicação da Lei 38-A/2023 no âmbito dos presentes autos

A Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto, que entrou em vigor no pretérito dia 1 de Setembro, veio estabelecer um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude (cfr. art. 1º do referido diploma legal).
No âmbito de tal Lei, e no que aqui releva, as penas de prisão até 8 anos passam a ser perdoadas num ano de prisão e, no que aqui releva, as demais penas de substituição, exceto a suspensão da execução da pena de prisão subordinada ao cumprimento de deveres ou de regras de conduta ou acompanhada de regime de prova. (art.º 3.º n.º 1 do citado diploma legal).
A Lei 38-A/2023 abrange as penas criminais aplicadas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos respectivos artigos 3.º e 4.º.
No caso concreto, o arguido foi condenado numa pena de 2 anos e 10 meses de prisão.
Tinha 21 anos e 6 meses à data da prática dos factos.
Por sua vez, o crime pelo qual veio o arguido a ser condenado não integra nenhuma das excepções previstas no art.º 7.º da citada Lei.
Não restam dúvidas, face ao teor dos preceitos legais referidos, de que esta pena beneficia do perdão, o qual deve, no entanto, ser concedido sob a condição resolutiva prevista no art. 8º, nº 1 da Lei n.º 38-A/2023: a de o beneficiário não praticar infracção dolosa no ano subsequente à sua entrada em vigor, sob pena de à pena aplicada à infração superveniente acrescer o cumprimento da pena ou parte da pena perdoada.
Conforme resulta do disposto no art. 128.º, n.º 3 do Código Penal, o presente perdão extingue a totalidade da pena aplicada pela prática do tipo legal do art. 348º, nº 1, al. a) e do Código Penal.
Pelo exposto, e nos termos do disposto nos arts. 1.º, 3.º n.º 1 e 2, al. d) da Lei 38-A/2023 e 128.º, n.º 3, do Código Penal, declara-se a extinção, por perdão, de um ano de prisão da pena de de 2 anos e 10 meses de prisão em que foi condenado AA, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1 e 204º nº 2, al. e) do Código Penal, sob a condição resolutiva prevista no art. 8º da Lei nº 38-A/2023, ou seja, a de não praticar qualquer infracção dolosa no ano subsequente à data da entrada em vigor daquela lei.
Notifique.

*
Da requerida aplicação do regime de permanência na habitação

O artigo 58º, nº 1 do Código Penal na redacção introduzida pela Lei nº nº 94/2017, de 23/08 dispõe que "Se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o Tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir, nomeadamente em razão da idade, que se realizam, que por este meio, de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".
Nos termos do disposto no artigo 43º, nº 1, al. a) do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei nº 94/2017, de 23/08 "Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, a pena de prisão efetiva não superior a dois anos".
De acordo com o disposto no nº 2 do mesmo preceito e diploma legal "O regime de permanência na habitação consiste na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas".
Nos termos do nº 3 do mesmo preceito e diploma legal, "O tribunal pode autorizar as ausências necessárias para a frequência de programas de ressocialização ou para a actividade profissional, formação profissional ou estudos do condenado".

Por sua vez, nos termos do nº 4 do mesmo preceito e diploma legal, " O tribunal pode subordinar o regime de permanência na habitação ao cumprimento de regras de conduta, suscetíveis de fiscalização pelos serviços de reinserção social e destinadas a promover a reintegração do condenado na sociedade, desde que representem obrigações cujo cumprimento seja razoavelmente de exigir, nomeadamente:
a) Frequentar certos programas ou actividades;
b) Cumprir determinadas obrigações;
c) Sujeitar-se a tratamento médico ou a cura em instituição adequada, obtido o consentimento prévio do condenado;
d) Não exercer determinadas profissões;
e) Não contactar, receber ou alojar determinadas pessoas;
f) Não ter em seu poder objectos especialmente aptos à prática de crimes".
Na sequência do perdão de penas ora aplicado, de onde resultou o perdão de um ano de prisão na pena aplicada de 2 anos e 10 anos de prisão, importa verificar se, no caso concreto, será de aplicar o regime de permanência de habitação ao arguido.

O arguido possui os seguintes antecedentes criminais:
1. Por sentença proferida a 19-06-2013 no âmbito do processo comum singular nº 2044/11...., transitada em julgado em 30-09-2013, foi condenado na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, pela prática, em 20-01-2011, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º do Código Penal.
2. Por sentença proferida a 21-06-2013 no âmbito do processo comum singular nº 1402/11...., transitada em julgado a 30-09-2013, foi condenado na pena especialmente atenuada de 1 ano e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pela prática, a 30-12-2011, de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210º, nº 1 do Código Penal.
3. Por acórdão proferido a 01-07-2015 no âmbito do processo comum colectivo nº 61/13...., transitado em julgado a 16-09-2015, foi condenado na pena de 10 meses de prisão, suspensa por um ano, pela prática, a 02-07-2013, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º, nº 1 do Código Penal.
4. Por sentença proferida a 16-09-2015 no âmbioto do processo comum singular nº 49/13...., transitada em julgado a 23-10-2015, foi condenado na pena única de 1 ano e 8 meses de prisão, suspensa por igual período, pela prática, a 24-10-2013, de um crime de tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade e de um crime de detenção de arma proibida.
5. Por sentença proferida a 05-05-2016 no âmbito do processo comum singular nº 315/15...., transitada em julgado em 18-01-2017, foi condenado na pena de 2 anos de prisão efectiva pela prática, em 23-05-2015, de um crime de tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade.
6. O arguido deu entrada no E.P. do Porto em 05/12/2016 à ordem do processo nº 61/13.... do Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juiz ..., para o cumprimento da pena de 10 meses de prisão, que resulta da revogação da pena suspensa pelo período de um ano, pelo crime de ofensas à integridade física simples, em que foi condenado no âmbito do processo nº2044/11.... da Comarca do Porto – Inst – Local Secção Criminal – J... resultante da revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade, cujas horas não cumpriu na totalidade. Em meio prisional adotou um comportamento adequado face às regras vigentes, beneficiando do apoio da companheira e mãe que mantiveram vinculação afetiva com recurso a visitas regulares.
7. Por sentença proferida a 29/09/2017, transitada em julgado a 30/10-2017, foi condenado na pena de 14 meses de prisão, suspensa por igual período, pela prática, a 31-01-2016, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347º, nº1 do Código Penal.
8. Por sentença transitada em julgado em 18/10/2017, por cúmulo jurídico operado no processo 315/17...., que englobou os processos 61/13.... e 49/13...., o arguido foi condenado na pena única de dois anos e quatro meses de prisão efectiva.
9. Encontra-se, desde Agosto de 2022, em cumprimento de pena de prisão efectiva, decorrente da pena única de prisão aplicada no processo nº ...5.
Do percurso criminal do arguido resulta que anteriormente à prática dos factos destes autos foram aplicadas ao arguido, em diferentes processos, a pena de multa, penas de prisão suspensas (em 4 ocasiões), pena de de prisão efectiva e pena de prisão decorrente da revogação de pena de prisão suspensa na sua execução.
O arguido nunca conseguiu, apesar das oportunidades que lhe foram concedidas, inclusivamente com pena suspensa, mudar de vida e levar uma vida digna e útil a si e à sociedade.
O arguido já possui antecedentes criminais por crimes de natureza patrimonial, e encontra-se neste momento em cumprimento de pena prisão efectiva, em cumprimento da pena única de prisão aplicada no processo nº ...5, o que sucede desde Agosto de 2022.
A personalidade por aquele revelada, evidenciada na cronologia dos antecedentes criminais e a manutenção ao longo dos tempos de um padrão de vida desconforme com as regras que regulam a vida em sociedade, está, de tal forma carecida de socialização, que envolve, por isso, exigências de prevenção especial que reclamam a aplicação de pena de prisão efectiva, considerando-se que nestas circunstâncias e em face da sistemática violação da ordem jurídico penal pelo arguido, a aplicação do regime de permanência na habitação não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição na situação em apreço.
Deste modo, nenhuma outra pena não detentiva, se afigura suficiente e adequada e apenas a aplicação de uma pena de prisão efectiva, a cumprir em meio prisional, se mostra suficiente para dar resposta à elevada necessidade de ressocialização demonstrada pelo arguido.
Pelo que não é de aplicar o regime de permanência na habitação, devendo o mesmo ser condenado no cumprimento efectivo da pena de prisão de um ano e dez meses.

3. Apreciação do recurso

No entender do recorrente, considerando que em resultado da aplicação do perdão de que beneficiou por força da aplicação da Lei nº 38-A/2023, de 02.08 - que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude – porque a pena residual que tem a cumprir é de apenas 1 ano e 10 meses de prisão, conforme por si requerido, teria de ter sido realizada a audiência a que se alude no artigo 371º- A do CPP, com vista à aplicação do regime de permanência na habitação previsto no artigo 43º, nº 1 do C. Penal.
Ao ter sido indeferido a aplicação do referido regime por simples despacho, sem a realização da referida audiência, conclui o recorrente, foi violado o contraditório e a necessidade de aplicação retroativa da lei penal mais favorável, bem assim o disposto nos artigos 321º, nº 1, 371º-A do CPP, o artigo 29º, nº 4 da CRP, o artigo 2º, nº 4 do CP, tendo desse modo cometida a nulidade insanável do artigo 119º, al. c) do CPP. 
Vejamos, então, se assiste razão ao recorrente.
Nos termos do disposto no artigo 371º-A do CPP, “Se, após o trânsito em julgado da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor lei penal mais favorável, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime.”
Constituem pressuposto de aplicação desta norma: 1) Existência de uma condenação transitada em julgado; 2) Não ter ainda cessado a execução da pena aplicada; 3) ter entrado em vigor uma lei penal mais favorável; e 4) Verificação de requerimento do condenado, solicitando a reabertura da audiência com vista à aplicação do regime mais favorável.
No caso em apreço, porque se mostram verificados todos os demais pressupostos acima indicados, tudo está em saber se a entrada em vigor da Lei nº 38-A/2023, de 02.08 - que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude – consiste uma lei penal mais favorável para efeitos do disposto no artigo 371º-A do CPP.
Este preceito legal, introduzido no Código de Processo Penal pela Lei nº 48/2007 de 29 de agosto, permite que o condenado requeira a reabertura da audiência, se, após trânsito em julgado da condenação, mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor lei penal mais favorável, para que lhe seja aplicado o novo regime.
Assim, o legislador pretendeu facultar ao condenado, por decisão transitada em julgado, no sentido de o poder beneficiar, a possibilidade de requer a realização de uma audiência, o que não estava previsto na lei, e que por isso não era legalmente possível face ao transito em julgado da sentença condenatória.
A razão de ser da necessidade da previsão legal da referida audiência reside em que quando entra em vigor uma lei mais favorável pode haver a necessidade de apurar novos factos que não foram apurados, por serem desnecessários na altura em que foi realizado o julgamento, cfr. Maria dos Carmo Silva dias, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, 2ª edi., Almedina, pág. 753.
A previsão do artigo 371º-A do CPP reporta-se ao caso de “após o transito em julgado da condenação” “entrar em vigor lei penal mais favorável”, querendo obviamente referir-se ao princípio constitucional da aplicação retroativa da lei penal mais favorável ao arguido, princípio previsto no nº 4 do artigo 29º da CRP, segundo o qual “Ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respetivos pressupostos, aplicando-se retroativamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido”. Este princípio tem, como é sabido, concretização no plano da lei ordinária, no nº 4 do artigo 2º do C. Penal, o qual, na sequência da Lei nº 59/2007, de 29 de agosto, tem aplicação mesmo que tenha havido transito em julgado da sentença condenatória.
As leis de amnistia fazem parte do chamado direito de clemência ou de graça e não se confundem, sendo dela distinta, com a aplicação retroativa da lei penal mais favorável ao arguido.  Com bem refere Paulo Pinto de Albuquerque[3], a amnistia e o induto são pressupostos negativos da punição (ou obstáculos à punição), sendo submetidos ao princípio da necessidade ou carência penal. No mesmo sentido vide Figueiredo Dias[4], o qual refere que “O exercício do direito de graça constitui um ato de soberania estadual (…) criando um obstáculo à efetivação da punição”, sendo “a contraface  do ius puniendi estadual”.
Daqui já se antevê a ausência de razão do recorrente quanto à necessidade de realização da audiência a que se alude no artigo 371º-A do CPP para efeitos de eventual aplicação do regime de permanência na habitação previsto no artigo 43º, nº 1 do C. Penal, em resultado de ter beneficiado do perdão de um ano de prisão ao abrigo da Lei nº 38-A/2023, de 02.08, do qual resultou a pena residual a cumprir de 1 anos e 10 meses de prisão.
Na verdade, o chamado perdão genérico previsto no mencionado diploma legal, do qual o recorrente beneficiou, tem como efeito a extinção ou a redução da pena, cfr. artigo 128º, nº 3 do C. Penal, mas já não a alteração da espécie da pena ou até mesmo o seu modo de execução. Aliás, no caso concreto da Lei nº 38-A/2023, de 02.08 não resulta que tenha sido propósito do legislador alterar a espécie ou o modo de execução das penas.
Na doutrina e no mesmo sentido veja-se, desenvolvidamente, André Lamas Leite, In A suspensão da Execução da pena privativa da liberdade sob pretexto da revisão de 2007 do Código Penal, in Estudos em Homenagem ao Prof. Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2009, Vol. II,pág. 615, o qual concluiu dizendo que «[f]ace ao direito constituído (art.128.º) inclinamo-nos a responder que o perdão genérico ou o indulto- em ambos os casos somente em parte (se forem totais, o problema não se coloca)- não podem modificar a espécie de pena aplicada, quedando-se o seu efeito útil (não despiciendo realce-se) pela diminuição do tempo de prisão a cumprir ou fazendo mesmo cessar todo o cumprimento, quando a sua aplicação se opere em momento em que, por via da dedução, não reste mais sanção”.
Também Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 3ªed. atualizada, pág. 305, sustenta que “o perdão ou o indulto parciais não podem modificar a natureza de uma pena, pelo que não pode ser suspensa uma pena de prisão superior a cinco anos, mesmo que o condenado venha a beneficiar posteriormente de um perdão ou indulto parciais que diminuísse a condenação para pena igual ou inferior a cinco anos”.
No mesmo sentido veja-se, ainda, José Esteves de Brito,Mais algumas notas práticas referentes à Lei n.º 38-A/20023, de 2 de agosto, que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude”, cit., pág. 15 e Ema Vasconcelos, “Amnistia e perdão – Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto”, cit., págs. 5 e 6, referindo esta última que o mesmo principio vale para as demais penas de substituição.

A jurisprudência, por seu lado, tem também vindo a seguir o entendimento referido. Assim, vide Ac. STJ de 19.04.2006, processo, nº 06P655; Ac. RP de 04.05.2022, processo nº 537/15.7TXPRT-K.P1; Ac. RG de 23.01.2024, processo nº 1420/11.0T3AVR-BU.G1; e Ac. RL de 07.05.2024, processo 863/17.0PBMTA.L2-5, este último com o seguinte sumário:
“I–O artigo 371.º-A do Código de Processo Penal é um instrumento para aplicação da lei penal substantiva mais favorável que não elimine o facto punível do elenco das infracções e não um meio de, por razões de outra natureza, no caso a aplicação de um perdão, reverter o sentido da decisão condenatória quanto à substituição da pena de prisão aplicada, que tem a ver com o processo de determinação da sanção, que é anterior ao perdão que foi aplicado ao arguido.
II–O perdão genérico, enquanto medida de clemência que é, extingue a pena, no todo ou em parte (artigo 128.º, n.º3 do Código Penal), mas não tem a virtualidade de alterar o modo de execução dessa pena ou a sua substituição por outro tipo de pena. A pena a considerar para este efeito é sempre aquela que foi determinada em momento anterior à aplicação do perdão, no caso 2 anos e 10 meses de prisão, não o remanescente da pena resultante da aplicação do perdão.
III–Não podendo haver lugar à aplicação de regime de permanência na habitação, por não se encontrar preenchido um dos seus pressupostos, que é o de a pena de prisão aplicada não ser superior a 2 anos de prisão, não há que reabrir a audiência, nos termos previstos no artigo 371.º-A do Código de Processo Penal, ainda que por força do perdão a pena a cumprir passe a ser inferior àquele limite.”
Por isso, e ao contrário do defendido pelo recorrente, no caso em apreço não tem aplicação o AFJ nº 15/2009, in DR  227, Série I, de 23.11.2009,que fixou jurisprudência no sentido de que: «A aplicação do n.º 5 do artigo 50º do Código Penal, na redação da Lei n.º 59/07, de 4 de Setembro, a condenado em pena de suspensão da execução da prisão, por sentença transitada em julgado antes da entrada em vigor daquele diploma legal, opera-se através de reabertura da audiência, a requerimento do condenado, nos termos do artigo 371º-A, do Código de Processo Penal».
Na verdade, por forma diversa do que se verificou no referido aresto, no caso vertente não está em causa a aplicação retroativa de lei penal mais favorável ao arguido por via do disposto no artigo 29º, nº 4 da CRP e do artigo 2º, nº 4 do C. Penal, mas apenas a entrada em vigor de um diploma legal no âmbito do direito de clemência ou de graça, do qual o recorrente beneficiou, sendo-lhe concedido um perdão (parcial) de pena.      
Por conseguinte, a conclusão é inevitável, ou seja, uma vez concedido o perdão de um ano de prisão por força da aplicação da Lei nº 38-A/2023, de 02.08, não tinha que ter sido ordenada, como não foi, a reabertura da audiência por força do disposto no artigo 371º-A do CPP, para eventual aplicação do regime de permanência na habitação, com vista ao cumprimento pelo arguido, aqui recorrente, da pena residual de 1 ano e 10 meses de prisão.   Logo, ao contrário do defendido pelo recorrente, não foi cometida a nulidade insanável do artigo 119º, al. c) do CPP e não foram violadas quaisquer normas ou princípios legais, designadamente os por ele invocados.
Em suma, o recurso improcede totalmente.

III – DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido e, consequentemente, confirmar o despacho recorrido
Custas pelo arguido / recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 3 Ucs – artigos 513º do C.P.P. e artigo 8º, nº 9 do R.C.P. e tabela III anexa a este último diploma legal.
Notifique.

Guimarães, 11 de julho de 2024

Texto integralmente elaborado pelo seu relator e revisto pelos seus signatários – artigo 94º, nº 2 do CPP, encontrando-se assinado eletronicamente na 1ª página, nos termos do disposto no artigo 19º da Portaria nº 280/2013, de 26.08, revista pela Portaria nº 267/2018, de 20.09.

Armando Azevedo - Relator
Fátima Furtado - 1º Adjunto
Florbela Sebastião e Silva - 2º Adjunto


[1] Nas transcrições das peças processuais irá reproduzir-se a ortografia segundo o texto original, sem prejuízo da correção de erros ou lapsos manifestos, bem assim da formatação do texto, da responsabilidade do relator.
[2] De entre as questões de conhecimento oficioso do tribunal estão os vícios da sentença do nº 2 do artigo 410º do C.P.P., cfr.  Ac. do STJ nº 7/95, de 19.10, in DR, I-A, de 28.12.1995, as nulidades da sentença do artigo 379º, nº 1 e nº 2 do CPP, irregularidades no caso no nº 2 do artigo 123º do CPP e as nulidades insanáveis do artigo 119º do C.P.P..
[3] In Comentário do Código Penal, 3ª edição atualizada, Universidade católica Editora, pág. 493.
[4] In As Consequências do crime, pág. 691.