EXECUÇÃO
LIVRANÇA EM BRANCO
PRESCRIÇÃO
INSOLVÊNCIA DA SUBSCRITORA
PREENCHIMENTO ABUSIVO
Sumário

I. A eventual  falta de comunicação e informação das cláusulas contratuais gerais dos contratos base (mútuo bancário e cartão de crédito) não interfere na validade e subsistência da garantia prestada pelos avalistas, num contexto em que os próprios avalistas intervieram no pacto de preenchimento da livrança, porquanto a garantia do aval é cumulativa e autónoma, só cedendo a autonomia quanto a obrigação do avalizado seja nula por vício de forma (Artigo 32º da LULL).
II. O vício de forma a que alude o Artigo 32º da LULL reporta-se a situações em que o simples exame do título, na sua aparência objetiva, permite concluir que a obrigação do avalizado não se constituiu validamente ou, a fortiori, não se constituiu de todo.
III. A exclusão de cláusulas dos contratos base, nos termos do Artigo 8º do Decreto-lei nº 449/85, integra um vício de inexistência jurídica dessas cláusulas e não de nulidade pelo que a obrigação do avalista se mantém com referência à obrigação cambiária do avalizado. Consequentemente, também não é convocável o disposto no nº2 do Artigo 9º da LCCG porquanto a nulidade aqui cominada para os contratos em que ocorreu exclusão de cláusulas não deriva de uma nulidade por vício de forma, entroncado sim no vício da inexistência de cláusulas contratuais ex vi Artigo 8º.
IV. Aos dizeres apostos no verso das livranças (“Bom por aval ao subscritor”) não se aplica o regime das cláusulas contratuais gerais porquanto a LULL resulta de uma Convenção Internacional da qual Portugal é Parte  (cf. Artigo 3º, al. b), do Decreto-lei nº 446/85 e Artigo 31º da LULL: «Exprime-se pelas palavras “bom para aval” ou por qualquer fórmula equivalente; é assinado pelo dador do aval»).
V. Consoante jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça:
i. Enquanto não foi preenchida a livrança em branco, não é aferível a eventual prescrição do crédito cambiário;
ii. A LULL não fixa o prazo dentro do qual deve ser preenchida a livrança em branco, sendo o pacto de preenchimento que define os termos do preenchimento;
iii. A declaração de insolvência da subscritora não constitui o termo inicial da prescrição da livrança;
iv. Numa livrança em branco, o prazo de prescrição conta-se a partir da data que venha a ser aposta no título pelo respetivo portador, independentemente dessa data coincidir ou não com o incumprimento do contrato subjacente;
v. Para se concluir que existe preenchimento abusivo pelo decurso do tempo, terão de ser demonstradas circunstâncias que permitam sustentar a convicção do devedor no sentido de que, para além de determinado tempo de inação, o credor já não exercerá o direito.
VI. Não ocorre nulidade do pacto de preenchimento por indeterminabilidade do objeto quando os contornos quantitativos da relação bancária foram definidos ab initio bem como elencados os critérios que permitiriam definir, futuramente, o valor total e parcial em dívida a cada momento, estando esses parâmetros espelhados no pacto de preenchimento nomeadamente quando aí se estipula que «a importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança».
(Sumário da responsabilidade do Relator)

Texto Integral


Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S. A., entretanto substituída por cedência do crédito exequendo, pela habilitada SCALABIS, STC, S.A., moveu execução sob a forma ordinária contra BB e DD com base em livrança, para pagamento da quantia de € 25.835,60, acrescida dos respetivos juros de mora vincendos.
No requerimento executivo, a exequente alegou, o seguinte:
“1. A Exequente celebrou com a sociedade VW, LDA, um contrato de mútuo ao qual foi atribuído o n.º de operação PT (...), conforme documento 1 que ora se junta.
2. Celebrou ainda com a mesma sociedade um contrato de cartão de crédito ao qual foi atribuído o n.º de operação 10117499771, conforme documento 2 que ora se junta.
3. No âmbito dos referidos contratos foram entregues duas livranças como garantia e devidamente avalizadas por DD e BB, conforme se retira do teor do contrato de mútuo e conforme pacto de preenchimento que se junta como documento 3.
4. Sucede que a sociedade mutuária foi declarada insolvente (processo (...)/20.6T8SNT) tendo incumprido com as obrigações dos contratos supra referidos.
5. Assim, a Exequente procedeu à interpelação e preenchimento das livranças entregues, conforme documentos 4 e 5.
6. Sucede que nem na data de vencimento nem posteriormente foram pagas as referidas livranças. Mais,
7. Ultrapassado o prazo que a Exequente conferiu nas suas cartas e não tendo existido pagamento das livranças nos seus vencimentos, a Exequente vem apresentar a presente execução.
Assim,
8. As livranças não foram pagas pelos Executados, nem na data de vencimento, nem posteriormente.
9. Deverão, assim, os Executados liquidar os valores em divida, acrescido de juros de mora até integral pagamento.
10. A dívida é certa, líquida e exigível.”
Os executados, regularmente citados, deduziram embargos, separadamente, onde, no essencial, alegaram o preenchimento abusivo das livranças e a prescrição da dívida exequenda.
Recebidos os embargos, foi notificada a exequente, a qual apresentou contestação, impugnando motivadamente a factualidade alegada pelos embargantes.
Por despacho proferido no Apenso B, em 26.06.2023, foi determinada a apensação do apenso B (embargos deduzidos por BB) aos presentes autos (embargos deduzidos por DD), tendo-se mantido o despacho saneador anteriormente proferido.
*
Após julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Por todo o exposto, decide este Tribunal julgar os presentes embargos parcialmente procedentes e, em consequência:
Ordenar o prosseguimento da execução contra os Embargantes para pagamento da dívida no montante de €25.677,41 (vinte e cinco mil, seiscentos e setenta e sete euros e quarenta e um cêntimos) a que acrescem juros de mora vencidos sobre a referida quantia desde a data de citação de cada um dos embargantes.»
*
Não se conformando com a decisão, dela apelaram os Embargantes formulando, no final das suas alegações, as seguintes
CONCLUSÕES:
A. Os Recorrentes impugnam a decisão recorrida, por violação, nomeadamente, das normas ínsitas nos artigos 5º, 6º, 8º, alíneas a) e b), 12º, 13º e 15º todos do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de outubro, 239º, 280º, 300º, 302º, nº 1, 781º, todos do Código Civil (“CC”), 17.º da LULL, e 607.º, n.ºs 3 e 4, 608.º, n.º 2 e 615.º, nº 1, alíneas b) e d), todos do CPC, cuja melhor interpretação e aplicação se concluirá; impugnam ainda o Recorrentes o ponto B), da matéria de facto julgada como não provada, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os devidos e legais e efeitos, cujos concretos meios probatórios, constantes do processo e de registo de gravação nele realizada, com indicação exata das passagens dessa gravação, se indicarão e que impõem decisão diversa, e, bem assim, a decisão que deve ser proferida sobre as aludida questão de facto.
B. Os Recorrentes colocaram, de forma precisa e clara, como questões a (i) nulidade das cláusulas de aval e pacto de preenchimento; (ii) preenchimento abusivo das livranças e prescrição; e (iii) nulidade do pacto de preenchimento por indeterminabilidade do objeto.
C. Compulsada a sentença recorrida, constata-se que nenhuma posição o tribunal tomou quanto à nulidade do pacto de preenchimento por indeterminabilidade do objeto.
D. Ademais, percorrida a sentença recorrida, constata-se que o Tribunal a quo não tomou nenhuma posição quanto a factos essenciais alegados pelos Recorrentes nos seus embargos, nomeadamente os pontos 22º, 23º, 25º, 26º, 27º, 28º, 29º, 31º, 32º - factos essenciais à apreciação da questão da nulidade das cláusulas de aval e pacto de preenchimento – 42º, 43º e 61º - factos essenciais à apreciação isenta e objetiva da questão referente ao preenchimento das livranças e prescrição (todos dos Embargos de BB).
E. De igual sorte, na sentença recorrida, nenhuma pronúncia existe quanto aos factos alegados nos pontos 14º e 22º dos Embargos de DD.
F. Esta ausência de tomada de posição, obrigatória como se lhe impunha, implica a nulidade da sentença.
G. É essencial a descrição da factualidade essencial alegada pelas partes, desde logo para que as mesmas possam tomar posição quanto à bondade do julgamento realizado e discordando, poderem impugnar a matéria de facto.
H. Destarte, por o Tribunal a quo não ter apreciado a questão da nulidade do pacto de preenchimento por indeterminabilidade do objeto e não ter levado à matéria de facto provada ou não provada, factos essenciais alegados pelos Recorrentes, determina a nulidade da sentença recorrida, de harmonia com a alíneas b) e d) do nº 1 do artigo 615.º do CPC, por violação do disposto nos artigos 607.º, n.ºs 2 e 3 e 608.º, n.º 2, nulidade que desde já se argui.
I. Caso se entenda que a omissão na fundamentação dos factos provados ou não provados, alegados pelos Recorrentes nos Embargos, se enquadra no regime da omissão de pronúncia, a sentença sempre será nula nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), por violação do disposto no artigo 608.º, n.º 2, ambos do CPC, nulidade que desde já se argui.
J. Os Recorrentes, por mal julgado, impugnam o ponto B) dos factos julgados como não provados, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os devidos e legais e efeitos.
K. Conforme flui da douta sentença recorrida, o Tribunal a quo assentou a sua convicção, em relação ao aludido facto, exclusivamente no depoimento FF, funcionária da CGD (cf. resulta a págs. 7 e 8 da douta sentença, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, por economia processual).
L. Não constam quaisquer considerações sobre comportamentos não-verbais que infirmem ou reforcem positivamente o que a testemunha disse, autorizando a que o Tribunal da Relação possa sindicar e formar a sua convicção, sem ferir os princípios da imediação e oralidade.
M. O Tribunal a quo acolheu parcialmente o depoimento da aludida testemunha, sendo que o facto em crise é relevante na apreciação da questão da invalidade da cláusula do pacto de preenchimento, por incumprimentos dos deveres consignados nos artigos 5.º e 6.º do DL n.º 446/85, de 25/10.
N. Olvidou o tribunal o regime do ónus da prova, incumbindo à Recorrida a prova da comunicação, conforme determina o n.º 3 do art.º 5.º do referido DL, conjugado com o artigo 342.º e ss. do CC, o que não fez.
O. Crê-se que o depoimento da testemunha FF, foi em sentido oposto àquele que o Tribunal plasmou na douta sentença recorrida, resultando do mesmo clara e inequivocamente que a CGD, à data da celebração dos negócios jurídicos sub judice, não comunicou nem informou os embargantes do conteúdo das cláusulas em crise.
P. Assim, conforme flui do depoimento da testemunha FF, funcionária da CGD, há cerca de 28 anos, quando confrontada que concretas explicações (comunicação e informação) terá oferecido – nem confirmou se esteve presente nas reuniões com os Recorridos -, disse simplesmente que nenhuma dúvida foi suscitada, mas, porém, instada, sucessivas vezes, a concretizar concretamente o que terá digo, designadamente o que terá transmitido acerca do que é o aval, as consequências da sua assinatura e incumprimento (do mútuo), não disse o que explicou – porque nada explicou – apenas se defendeu que, genericamente, se os clientes solicitarem esclarecimentos, esclarecem, sem qualquer respaldo no caso concreto (cf. declarações gravadas no sistema digital H@bilus Media Studio, das 15 horas 6 minutos e 37 segundos às 15 horas 28 minutos e 18 segundos, passagem 16:45 a 20:00 – vd. Ata da sessão de julgamento de 3 de novembro de 2023, ref.ª 148202689 [corrigida de forma manuscrita pelo Tribunal]).
Q. Acresce que não poderá o tribunal aceitar que o facto de, alegadamente, a Recorrida ter colocado à disposição dos Recorrentes o conteúdo do contrato, satisfazer as existências legais, porquanto, para que se considerem correta e legalmente cumpridos os deveres de comunicação e consequente explicação das cláusulas insertas em contrato de adesão, não basta colocar à disposição dos aderentes o conteúdo das cláusulas gerais, entregando-lhes um exemplar do contrato e esperar que estes o leiam se quiserem e coloquem dúvidas .
R. Por outro lado, não é crível que alguém que não tem a certeza ter estado presente em reuniões com os Recorrentes, afirme que a CGD terá comunicado e explicado o conteúdo dos contratos.
S. Destarte, o depoimento da testemunha tem de ser avaliado na sua globalidade, não podendo o tribunal socorrer-se de umas partes e desconsiderar outras, sem que exista motivo – por ausência de fundamentação – que determine a exclusão de uma ou outra parte.
T. Assim, a conclusão só poderá ser uma: Julgar como provado o ponto B) dos factos não provados, seja por força do testemunho de FF, seja pelo regime imperativo das regras do ónus da prova, mormente os artigos 5º, nº 3 do DL nº 446/85, de 25/10, conjugado com os artigos 342º e ss. do CC.
U. Tratando-se de questão de direito, o Tribunal a quo violou as normas ínsitas nos artigos normas contidas nos artigos 5º, 6º, 8º, alíneas a) e b), 12º, 13º e 15º todos do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de outubro, 239º, 280º, 300º, 302º, nº 1, 781º, todos do Código Civil (“CC”), 17.º da LULL.
V. Os contratos de mútuo celebrados entre a Recorrida e a sociedade “VW, Lda.”, avalizados pelos ora Recorrentes, estão submetidos à disciplina do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de outubro, na redação conferida pelo Decreto-Lei nº 323/2001, de 17/12 (“RCCG”), por terem sido elaborados sem prévia negociação individual daqueles, limitando-se a subscrevê-los, e sem que pudessem influenciar minimamente o seu conteúdo (vd. art.º 1º do RCCG).
W. Compulsados os Embargos, resulta de forma cristalina a alegação da violação dos deveres de comunicação e informação por banda da aqui Recorrida.
X. Este dever de comunicação é visto em dois planos: primeiro, o proponente deve comunicar na íntegra à outra parte as cláusulas contratuais gerais de que se sirva (Artigo 50, n01 do RCCG); segundo, fazer esta comunicação, devendo realizá-la de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efetivo por quem use de comum diligência (Artigo 5º, nº 2 do RCCG).
Y. Tais deveres, que se colocam ao devedor principal, são extensíveis ao garante, isto é, tendo o executado/embargante assinado o contrato, embora na qualidade de avalista da subscritora da livrança, existe uma relação causal, subjacente ao aval, em virtude da qual se estipulou um pacto de preenchimento daquele título cambiário. Daí que, estando-se no domínio das relações imediatas, o executado/avalista podia invocar o incumprimento do dever de comunicação e de informação das cláusulas contratuais gerais, bem como a exceção de preenchimento abusivo.
Z. Volvendo ao caso dos autos, não só a Recorrida não comunicou aos Recorrentes na íntegra e de forma adequada as cláusulas integrantes dos contratos, nomeadamente as previstas nos seus pontos 24 e 27, relativamente ao primeiro contrato (pág. 17 do requerimento executivo) e o conteúdo da minuta constante a página 35, bem como não explicou o alcance dos dizeres que aos Recorrentes escreveram pelos seus punhos no verso das livranças. Em relação a esta última, contrariamente ao que parece formalmente resultar dela, foi a CGD que a elaborou, pedindo aos Recorrente que a assinasse no momento da outorga dos aludidos contratos.
AA. Nem nas negociações pré-contratuais, nem no momento da assinatura dos contratos e livranças, foi explicando o conteúdo e alcance do aval nem dos dizeres inscritos no verso das letras, tendo a gerente da CGD afirmado que “não solicitaram esclarecimentos”, o que é manifestamente insuficiente para dar cumprimento ao dever legal que se lhe impunha.
BB. Não explicou a Recorrida que podia preencher as livranças, pelos montantes e data de vencimento, que bem entendesse.
CC. Nem mesmo os oficiais públicos ou colaboradores por estes autorizados e que tiverem intervenção no negócio (a pedido expresso da Exequente) explicaram o conteúdo das cláusulas, o que vem evidenciado pelo simples reconhecimento da sua assinatura apostas nos contratos, sem que desse reconhecimento resulte tal explicação (cf. fls. 23 do requerimento executivo).
DD. Destarte, as cláusulas constantes dos pontos 24 e 27 do contrato de mútuo identificado no ponto 1 do requerimento executivo – vd. pág. 17 – e o conteúdo da minuta a pág. 35 daquela peça processual (facto provado 5), respeitante ao mútuo do cartão de crédito, bem como os dizeres no verso das livranças, devem ser consideradas excluídas nos termos do disposto nas alíneas a) e b) do artigo 8.º do RCCG, por violação do disposto nos arts. 5.º e 6.º do mesmo diploma legal.
EE. Contrariamente à tese sufragada pelo Tribunal a quo, tendo os avalistas participado no contrato que deu origem à livrança, eles podem opor ao credor portador da livrança, parte naquele contrato, todas as exceções baseadas nas cláusulas do mesmo que têm a ver com o aval, com o preenchimento da livrança e com a execução dos garantes (art.º 17 da LULL, a contrario).
FF. Conforme flui da matéria de facto não provada, as missivas de interpelação referidas nos factos provados 13 e 14 não foram expedidas e recebidas pelos embargantes, constituindo um mecanismo abusivo da Recorrida para ocultar o evidente, a prescrição das livranças.
GG.     Não poderá a Recorrida socorrer-se da data declaração de insolvência da sociedade “VW Lda.” como sendo o momento do vencimento do título cambiário, porque os contratos registavam incumprimento desde 26/01/2019 (vd. Facto provado 12).
HH. Donde, a premissa subjacente à aposição das datas 28.10.2021 e 08.11.2021 em cada uma das livranças como sendo as suas datas de vencimento – insolvência da sociedade “VW” -, é ostensivamente falsa.
II. Sob outra perspetiva, registando os contratos incumprimento desde 26-01-2019, podia a Recorrida lançar mão de todos os meios judiciais ao seu dispor para cobrar essa e as seguintes, bem como preencher a livrança respetiva. Mas, preferiu abusivamente preenchê-la mais tarde com o único propósito de contornar o regime da prescrição, que será inevitável a sua declaração.
33. Apesar da aparente elaboração pelos Recorrentes, do conteúdo dos pactos de preenchimento descritos nos factos 5 e 8 da douta sentença, a sua elaboração é da lavra da Recorrida, sem qualquer intervenção dos demais intervenientes, que apenas a subscreveram quando apresentada pela Agência onde o processo de crédito corria termos.
KK.     Donde, a possibilidade conferida à Recorrida de preencher livremente as livranças, designadamente no que se refere às datas de emissão e vencimento, confere-lhe um poder de dilatar infinitamente no tempo a cobrança do crédito cambiário, revelando-se, essa possibilidade, desde logo, de uma forma ostensiva, desproporcionalmente desvantajosa para o aqui Executado, o qual fica, por um período de tempo ilimitado, sujeito a uma indesejável situação de incerteza, o que contraria os ditames da boa-fé objetiva nos contratos sujeitos ao regime das Cláusulas Contratuais Gerais constante do RCCG (vd. Art.º 15.º).
LL. Uma liberdade total na inserção das datas de emissão e de vencimento de uma livrança subscrita em branco permitiria ao credor defraudar os interesses públicos e do devedor que presidem ao instituto da prescrição dos créditos cambiários, proporcionando a criação de direitos de crédito imprescritíveis, sendo certo que o nosso ordenamento não permite uma renúncia antecipada à prescrição – art.º 302º, nº 1, do CC – e comina com a nulidade os negócios jurídicos destinados a modificar os prazos legais de prescrição – art.º 300º do CC –, o que suscita até a hipótese de invalidade do previsto naquela cláusula, por força do art.º 280º do CC.
MM. Revelando-se que a convenção dessa liberdade de preenchimento viola a proibição contida no art.º 15º do RCCG, o disposto nesse segmento da cláusula 27º do contrato de mútuo e, também, do conteúdo da carta datada de 18/04/2018 respeitante ao contrato de cartão de crédito é nulo – art.º 12º do RCCG –, o que implica a aplicação na parte afetada das normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos – art.º 130 do RCCG.
NN. É, pois, necessário, integrar o pacto de preenchimento, na parte relativa às datas de emissão e vencimento da livrança subscrita em branco, de acordo com os ditames da boa-fé – art.º 239º do CC –, uma vez que, tendo-se revelado nulo o acordado pelas partes, não faz aqui sentido recorrer à vontade presumível destas.
OO. Aliás, tratando-se de uma obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado em frações, não se vislumbra por que razão o regime do art.º 781º do CC, não seja aplicável, independentemente do clausulado acerca do pagamento de cada uma das frações e ainda que se verifique o vencimento antecipado das mesmas.
PP. Tendo cessado o pagamento em 26/01/2019 – facto provado 12 - das prestações convencionadas em ambos os contratos e mostrando-se aposta nas livranças de garantia subscritas em branco a data de vencimento de 28.10.2021 e 08.11.2021, estamos perante um preenchimento abusivo da livrança, objetivamente frustrador do funcionamento do prazo de prescrição previsto no art.º 70º da LULL, pelo que, para efeitos de verificação da ultrapassagem deste prazo, deve considerar-se que a data do vencimento das livranças é a de, pelo menos, 26 de janeiro de 2019, pelo que o crédito cambiário exequendo se encontrava já prescrito à data da citação para os termos da execução, pelo decurso do prazo de 3 anos previsto no art.º 70º da LULL, uma vez visto que a mesma apenas foi interrompida em 7/3/2022 (cf. art.º 323.º, n.º 2, do Código Civil), pois, entretanto, não ocorreu qualquer causa de suspensão ou de interrupção, legalmente prevista.
QQ. Conforme flui do ponto 16 dos factos provados, o Recorrente DD foi citado a 07/03/2022 e o Recorrente BB a 16/09/2022.
RR. Destarte, ao proceder, como procedeu, a exequente, protelando no tempo, o preenchimento da data de vencimento das livranças exequendas, sem razão justificativa, não atuou de acordo com os ditames da boa fé negocial, agravando a situação dos avalistas, o que acarreta que a aposição da data, que consta como sendo a do respetivo vencimento, é abusiva e, por conseguinte, verifica-se a prescrição das livranças (ou ação, como se diz no 70.º da LULL).
SS. O pacto de preenchimento é, nos termos do art.º 280, n.º 1 do CC, nulo se o objeto for indeterminável. No entanto, não se pode confundir prestação indeterminável, com prestação indeterminada mas determinável.
TT. O objeto do negócio pode ser indeterminado mas não pode ser indeterminável, sendo que a prestação é indeterminada mas determinável quando não se saiba, num momento anterior, qual o seu teor, mas, não obstante, exista um critério para proceder à determinação; a prestação é indeterminada e indeterminável - dando pois lugar à nulidade da obrigação – quando não exista qualquer critério para proceder à determinação.
UU.     Assim sendo, apenas se no momento da assinatura do pacto de preenchimento não for possível saber qual o âmbito do seu objeto através da estipulação de um critério para a sua determinação, então o negócio, por indeterminável, será nulo.
VV. In casu, os Recorrentes assinaram “dois pactos de preenchimento” – vd. Factos provados 5 e 8 da douta sentença – dos quais não constam os critérios que tornam as obrigações futuras garantidas determináveis, sendo que o primeiro remete para “as obrigações assumidas” e “corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo” e o segundo refere que a “importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes da utilização do cartão incluindo as verbas que se encontrem em dívida na modalidade de pagamento fracionados e os saldos negativos de quaisquer contas de depósitos (...)”.
WW. É, pois, de concluir que os pactos de preenchimento padecem de nulidade por indeterminabilidade do objeto, sendo estes indeterminados, não consignando nenhum deles critérios objetivos e limitativos da garantia prestada.
XX. Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do art.º 646.º do CPC, as peças processuais que devem instruir o presente recurso são as seguintes: 1) requerimento executivo; 2) embargos dos executados (ref.ª 41837075 e 43525381 e 3) contestação (ref.ª 43940528 e 42260080).
Termos em que deverá a presente apelação ser julgada procedente, e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida, proferido Acórdão que julgue procedentes os Embargos, com as legais consequências.»
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Contra-alegou a apelada, propugnando pela improcedência da apelação.
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2]
Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:
i. Nulidades da sentença (conclusões C) a I));
ii. Impugnação da decisão da matéria de facto (conclusões J) a T));
iii. Violação dos deveres de comunicação e informação (conclusões V) a DD));
iv. Momento do vencimento da livrança (conclusões FF) a OO));
v. Preenchimento abusivo e prescrição da livrança (conclusões PP) a RR));
vi. Nulidade dos pactos de preenchimento por indeterminabilidade do objeto (conclusões SS) a WW).
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1. A execução de que os presentes autos constituem apenso, foi instaurada em 10 de Novembro de 2021 pela Caixa Geral de Depósitos, S. A., contra BB e DD, com base:
- em livrança assinada pelos legais representantes da sociedade VW, Lda., no local destinado à assinatura do subscritor; preenchida com data de emissão de 26.10.2018 e vencimento em 28.10.2021; valor – MLP – PT (...); pela importância de €21.443,08, e,
- em livrança assinada pelos legais representantes da sociedade VW, Lda., no local destinado à assinatura do subscritor; preenchida com data de emissão de 18.04.2018 e vencimento em 08.11.2021; valor – Business Classic (...); pela importância de €4.234,33.
2. No verso das mencionadas livranças mostram-se apostas assinaturas correspondentes aos nomes dos embargantes antecedidas da menção “Bom por aval ao subscritor.
3. Em 26 de Outubro de 2018, foi celebrado entre a embargada e a sociedade VW, Lda., aí representada pelos embargantes, na qualidade de seus sócios-gerentes e de avalistas, um contrato de mútuo destinado à liquidação de responsabilidades anteriormente contraídas junto da exequente, igualmente tituladas por livrança.
4. Nos termos do mencionado contrato, a CGD disponibilizou à mencionada sociedade o montante de €22.500,00, do qual esta se confessou devedora bem como dos respetivos juros, comissões, despesas e demais encargos, a reembolsar, através da conta de depósito à ordem n.º 0397.28157.630 sedeada na Agência da Caixa, em (...), em 36 prestações mensais, de capital e juros, sucessivas e iguais, vencendo-se a primeira no dia 26.11.2018 e as restantes em igual dia dos meses seguintes.
5. Resultam igualmente do aludido contrato as seguintes cláusulas:


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6. Os embargantes assinaram o aludido contrato na qualidade de legais representantes da sociedade mutuária e de avalistas.
7. Em 18.4.2018, os embargantes subscreveram, na qualidade de legais representantes da sociedade VW, Lda., proposta de adesão de atribuição e utilização do cartão Business Classic, figurando como titular a sociedade e como utilizador o embargante BB.
8. Em 16.4.2018, os embargantes, na qualidade de legais representantes da sociedade VW, Lda. e de avalistas, em complemento do contrato referido em 7. entregaram à CGD, uma livrança com montante e vencimento em branco, datada e subscrita pela sociedade e avalizada pelos embargantes

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9. A sociedade VW, Lda. foi declarada insolvente por sentença proferida em 16.9.2020 no âmbito do processo de insolvência (pessoa coletiva) que correu termos junto do Juízo de Comércio de Sintra – J1, sob o n.º (...)/20.6T8SNT.
10. A embargada reclamou os créditos exequendos junto do mencionado processo, os quais foram reconhecidos e graduados como créditos comuns, pelo montante de €19.749,14 (correspondendo €18.364,34 a capital e €1.384,80 de juros) quanto ao empréstimo concedido em 26.10.2018 e de €2.883,83 (sendo €2.554,99 a título de capital e €278,84 de juros) relativamente ao cartão Business Classic.
11. Em 10.12.2020, foi proferida decisão de encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa insolvente.
12. Os contratos referidos em 3 e 7 supra, registavam incumprimento desde 26.1.2019.
13. Em 28.10.2021, a embargada elaborou cartas, a enviar por carta registada com AR, tendo por destinatários os embargantes, a comunicar o preenchimento da livrança relativa ao contrato celebrado em 26.10.2018 e a interpelar para pagamento no prazo de 5 dias a contar da receção das cartas.
14. Em 08.11.2021, a embargada elaborou cartas, a enviar por carta registada com AR, tendo por destinatários os embargantes, a comunicar o preenchimento da livrança relativa ao contrato celebrado em 18.4.2018 e a interpelar para pagamento no prazo de 5 dias a contar da receção das cartas.
15. A exequente procedeu à junção dos originais das livranças dadas à execução em 18.11.2021.
16. A 30.11.2021 foi proferido despacho liminar para citação prévia dos executados, a qual ocorreu em 07.3.2022 relativamente ao executado DD e em 16.9.2022, relativamente ao executado BB.
17. Por contrato de cessão de créditos celebrado em 21 de abril de 2023, a CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A. cedeu à SCALABIS – STC, S.A. uma carteira de créditos composta por créditos com origem na CAIXA GERAL DE DEPOSITOS, S.A., entre os quais os créditos exequendos e respetivas garantias (livranças).
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Nulidades da sentença (conclusões C) a I)).
Os apelantes sustentam que o Tribunal a quo não apreciou a questão da nulidade do pacto de preenchimento por indeterminabilidade do objeto, bem como não levou à matéria de facto provada ou não provada factos essenciais alegados pelos recorrentes, o que consubstancia nulidade da sentença nos termos do Artigo 615º, nº 1, als. b) e d), do Código de Processo Civil . Os factos a que se reportam são os factos 14º e 22º dos embargos do apelante DD e factos 22º, 23º, 25º, 26º, 27º, 28º, 29º, 31º, 32º, 42º, 43º e 61º dos embargos do apelante BB.
Apreciando.
No que tange à questão da nulidade do pacto de preenchimento pela indeterminabilidade do objeto, a mesma foi suscitada no artigo 80º e seguintes da petição inicial do embargante BB e, de facto, a sentença impugnada não se pronunciou sobre tal questão.
Em cumprimento do disposto no Artigo 665º, nº1, do Código de Processo Civil, este Tribunal da questão apreciará tal questão infra.
Quanto à omissão de pronúncia quanto a factos alegados pelos embargantes (provados ou não provados), há que efetuar uma análise circunstanciada sobre a pertinência da inserção de tal matéria de facto nos autos.
 Nos artigos 14º da petição do Embargante DD e artigos 42º e 43º da petição do Embargante BB foi alegado que a exequente foi citada no processo de insolvência e aí reclamou o seu crédito. Ora, esse circunstancialismo já está suficientemente vertido no facto provado sob 10, sendo redundante qualquer averiguação adicional.
Quanto aos demais factos invocados, os mesmos versam sobre: se o pacto de preenchimento foi redigido pela exequente (artigos 22º do Embargante DD e 61º do Embargante BB); se as cláusulas contratuais gerias não foram comunicadas (artigo 22º); se não foram entregues previamente minutas (artigo 23º); se  não foi explicado o conteúdo e alcance do aval (artigo 26º); os dizeres do verso da livrança foram ditados pela exequente (artigo 32º). O Embargante BB arguiu, expressa e demoradamente, o incumprimento dos deveres de comunicação e informação quanto aos contratos de créditos integrados por cláusulas contratuais gerais (cf. artigo 4º a 33º). E, nessa senda, concluiu que « (…) as cláusulas constantes dos pontos 24 e 27 do contrato de mútuo identificado no ponto 1 do requerimento executivo – vd. pág. 17 – e o conteúdo da minuta a pág. 35 daquela peça processual, respeitante ao mútuo do cartão de crédito, bem como os dizeres no verso das livranças, devem ser consideradas excluídas nos termos do disposto nas alíneas a) e b) do artigo 8.º do RCCG, por violação do disposto nos arts. 5.º e 6.º do mesmo diploma legal.» Ou seja, no essencial, o Embargante pretende que a cláusula do mútuo atinente à constituição da garantia por aval (24ª) e que prevê a entrega da livrança em branco e seu preenchimento (27º) devem ser excluídas em decorrência do incumprimento dos deveres de comunicação e informação.
É frequente a celebração de contratos, nomeadamente de índole bancária como os dos autos (mútuo e utilização de cartão de crédito), com o recurso a cláusulas contratuais gerais. Tais cláusulas integram estipulações predispostas em vista de uma pluralidade de contratos ou de uma generalidade de pessoas, para serem aceites em bloco, sem negociação individualizada ou possibilidade efetiva de alterações singulares. Trata-se, assim, de cláusulas com as características de pré-formulação, generalidade e imodificabilidade. «Do que se trata, é em rigor, de um intencionado pré-condicionamento do programa contratual, que afasta, de raiz, a ideia de uma negociação capaz de influir na modelação do respetivo conteúdo. O que está, de resto, em consonância com os propósitos de racionalização, certificação e uniformização que marcam a essência do fenómeno, no quadro da lógica, tipicamente empresarial, que recorre a este particular modo de contratação» - ALMENO DE SÁ, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, 2ª Ed., Almedina, p. 213.
Acessoriamente a esses contratos, como é o caso em apreço, podem ser prestadas garantias com o recurso à subscrição de livranças em branco, as quais foram subscritas pelos sócios-gerentes e Embargantes enquanto avalistas.
A questão que aqui se coloca é a de saber até que ponto a falta de comunicação e informação das cláusulas contratuais gerais do contrato base (cf. Artigos 5º e 6º do Decreto-lei nº 446/85, de 25.10) interfere na validade e subsistência da garantia prestada pelo avalista, num contexto em que o próprio avalista interveio no pacto de preenchimento da livrança.
O aval é uma garantia, sendo constituído pela declaração pessoal de um terceiro face à operação cambiária a favor do destinatário da operação garantida. O avalista, com a sua declaração cambiária, manifesta relativamente ao direito de crédito e seu valor patrimonial no estádio da determinada operação que garante, a sua confiança pessoal sobre o pagamento no vencimento pelo sacado, formando um novo valor patrimonial, o da garantia do aval. «Com o aval da letra, o crédito cambiário passa a estruturar-se também na relação de confiança pessoal de um terceiro, o avalista. Pela operação do aval, exclusivamente destinada a esta função de garantia, o direito de crédito alcança uma nova dimensão pessoal. É direito do avalista que o reconhece digno do seu crédito e assim o declara na sua confiança pessoal. /Com a declaração de confiança do avalista, constitui-se um valor patrimonial específico para o direito de crédito. A garantia do aval é, por isso, cumulativa, não subsidiária» - PAULO SENDIN, Letra de Câmbio, II Vol., pp. 732/733.
Nos termos do Art.º 32º da LULL, «O dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada. /A sua obrigação mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma.»
«Esta autonomia é típica dos atos cambiários e da responsabilidade deles emergente. A autonomia cede todavia quando a obrigação do avalizado seja nula por vício de forma. A razão de ser desta limitação à autonomia reside na acessoriedade. Sendo a responsabilidade do avalista determinada pela do avalizado, e sendo a obrigação do avalizado nula por vício de forma, ocorre a impossibilidade da formação do valor patrimonial da responsabilidade do avalista.
(…)
A autonomia do aval traduz-se num regime segundo o qual o avalista é responsável pelo pagamento da obrigação cambiária própria como avalista, que se define pela do avalizado, mas que vive e subsiste independentemente desta. Assim, o avalista do sacador é responsável mesmo que a assinatura do sacador seja falsa ou de pessoa fictícia (artigo 7º da LULL), porque o avalista garante, não só que o sacador pagará, mas também a genuinidade da assinatura» - Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, Vol. I, p. 340.
Na jurisprudência sobre esta matéria, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.10.2022, Isaías Pádua, 3070/20, Sumários, onde é afirmado que:
 «I - O aval é uma garantia (pessoal) prestada à obrigação cartular do avalizado, não sendo o avalista sujeito da relação jurídica existente entre o portador e o subscritor da livrança, mas apenas da relação subjacente à obrigação cambiária estabelecida entre ele o avalizado.
II - Sendo a obrigação do avalista uma obrigação independente e (materialmente) autónoma da do avalizado, a mesma vive e subsiste independentemente da obrigação do último, salvo no caso da obrigação a que este se vinculou ser nula por vício de forma.»
No que tange à densificação do “vício de forma” a que alude o artigo 32º II da LULL, «Estarão aqui em causa aquelas situações, raras e contadas, em que o simples exame do título, na sua aparência objetiva, permite concluir que a obrigação do avalizado não se constituiu validamente ou, a fortiori, não se constituiu de todo. Suponha-se, por exemplo, o aval que se deu por um endossante que excluiu totalmente a sua responsabilidade; ou por um sacado que recusou o aceite; ou por um endossante parcial, etc.» - Carolina Cunha, Manual de Letras e Livranças, Almedina, 2016, pp. 42-43.
Ora, num cenário de procedência das alegações do embargante no sentido de que as cláusulas contratuais gerais dos contratos de mútuo e de cartão de crédito não foram devidamente comunicadas e informação, a sanção daí emergente será a sua exclusão dos contratos em causa (cf. Artigo 8º do Decreto-lei nº 446/85), subsistindo os contratos com aplicação na parte afetada das normas supletivas legais , com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos (Artigo 9º, nº 1, do Decreto-lei nº 446/85).
Ora, a previsão da prestação de garantia por aval ao contrato de mútuo não tem de constar de documento escrito, provando-se o mútuo por simples documento escrito (cf. Artigo 396º do Código Comercial e Decreto-lei nº 32765, de 29.4.1943).
Por outro lado, na eventualidade de ser excluída a cláusula que estipula um pacto de preenchimento, faltando esse acordo expresso, o preenchimento da livrança deve ser feito segundo os limites da relação subjacente que determina a criação cambiária e os costumes do tráfico (Paulo Sendin, Letra de Câmbio, Vol. I, pp. 190-191). Conforme refere Carolina Cunha, Manual de Letras e Livranças, 2016, p. 189: «(…) o sujeito que avaliza ainda em branco o título que sabe destinado a suportar a obrigação cambiária do avalizado, a quem sem mais entrega o documento assinado, está a manifestar a vontade de que o preenchimento se faça nos mesmos termos que vierem a vigorar para a concretização da obrigação cambiária desse avalizado: nem mais, nem menos.»
De tudo o que fica dito resulta que, mesmo a excluírem-se cláusulas contratuais conforme pretensão enunciada pelos Embargantes, o aval persiste porquanto é uma obrigação cambiária autónoma e tal exclusão de cláusulas não integra o vício de nulidade da obrigação garantida por um vício de forma (cf. Artigo 32º da LULL). Dito de outra forma, a exclusão das cláusulas nos termos do Artigo 8º do Decreto-lei nº 449/85 integra um vício de inexistência jurídica dessas cláusulas e não de nulidade (cf., por todos, Ana Filipa Morais Antunes, Comentário à Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, p. 185) pelo que a obrigação do avalista se mantém com referência à obrigação cambiária do avalizado. Consequentemente, também não é convocável o disposto no nº 2 do Artigo 9º da LCCG porquanto a nulidade aqui cominada para os contratos não deriva de uma nulidade por vício de forma, entroncado sim no vício da inexistência de cláusulas contratuais ex vi Artigo 8º.
A jurisprudência do STJ tem reiterado interpretação que conduz ao mesmo resultado da persistência do aval prestado. Assim:
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.1.2012, Hélder Roque, 1379/09:
Não contendendo a falta de prévia explicação das cláusulas do contrato subjacente ao subscritor de uma livrança, nem a falta da entrega de uma cópia do contrato ao mesmo com a respetiva forma, a eventual nulidade daí resultante não altera a obrigação do avalista, que se mantém, porquanto não tem a ver com as condições externas de forma do ato de onde emerge a livrança garantida, com os requisitos de validade extrínseca da mesma, sendo certo que só a nulidade por vício de forma compromete, simultaneamente, a eficácia cambiária do título.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.10.2013, Alves Velho, 4720/10:
Quando o avalista tenha tomado parte no pacto de preenchimento de livrança em branco, subscrevendo-o, devam ser qualificadas de imediatas as relações entre ele e o tomador ou beneficiário da livrança – pois que não há, nesse caso, entre o avalista e o beneficiário do título interposição de outras pessoas -, o que confere ao dador da garantia legitimidade para arguir a exceção, pessoal, da invalidade do pacto de preenchimento.
Se o avalista opta por lançar mão da invalidade da cláusula que integra pacto de preenchimento em que interveio, com a respetiva exclusão do contrato, autoexclui-se da intervenção no acordo de preenchimento e, consequentemente, do posicionamento que detinha no campo das relações imediatas com a beneficiária da livrança, a coberto das quais poderia invocar e fazer valer a exceção do preenchimento abusivo.
Para que se coloque uma questão de preenchimento abusivo, enquanto exceção pessoal do obrigado cambiário, é necessário que se demonstre a existência de um acordo, em cuja formação tenham intervindo o avalista e o tomador-portador do título, acordo que este último, ao completar o respetivo preenchimento tenha efetivamente desrespeitado.
Se, em substituição do pacto inválido e excluído nenhum outro se invoca, como obrigação desrespeitada no ato de preenchimento da livrança, então não há objeto sobre o qual possa ser alegado e discutido preenchimento abusivo, carecendo o avalista de fundamento para discutir uma eventual exceção, por isso que nenhuma violação de convenção consigo celebrada imputa aos demais signatários do título cambiário, por via da qual se mantivesse nas relações imediatas.
Assim sendo, sobra a posição jurídica de avalista, assumindo o aval a sua plena autonomia, mantendo-se aquele obrigado nos precisos termos resultantes da obrigação cambiária inerente ao aval dado.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.5.2014, Tavares de Paiva, 1419/11:
A exclusão das cláusulas relativas ao preenchimento não afeta os avales prestados (negócio cambiário) quanto à obrigação do avalizado (art.º 32º da LULL).
Em suma: o apuramento dos factos alegados pelos Embargantes no sentido de que ocorreu uma falta de comunicação e informação de cláusulas contratuais gerais é inócuo para a apreciação de mérito porquanto, consoante visto e mesmo a ocorrer, não bule com a persistência e validade do aval que prestaram. Nesta precisa medida, não ocorre nulidade porquanto a omissão de pronúncia só se reporta a factos e questões que, a provarem-se, são suscetíveis de relevar na apreciação final de mérito. Por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve ampliar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) em causa forem insuscetíveis de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente.
Impugnação da decisão da matéria de facto (conclusões J) a T)).
Os apelantes pretendem que o facto não apurado sob B) seja revertido em facto provado, argumentando que o tribunal a quo se louvou na testemunha FF, mas o depoimento desta foi em sentido oposto àquele que o tribunal a quo plasmou na sentença, resultado de tal depoimento que a CGD, à data da celebração dos negócios, não comunicou nem informou os embargantes do conteúdo das cláusulas em crise. Mais sustentam que o tribunal não pode aceitar o facto de, alegadamente, a colocação à disposição dos apelantes do conteúdo do contrato satisfazer as exigências legais.
O facto não provado sob B) tem a seguinte redação:
«A CGD apresentou aos executados as minutas dos contratos, incluindo as livranças dadas à execução, exigindo que as assinassem de uma só vez, como condição de efetiva entrega do capital mutuado.»
O tribunal a quo fundamentou essa resposta nestes termos:
«No que tange ao facto descrito sob a alínea B) foi infirmado pela prova testemunhal produzida, bem como pelas regras de experiência comum, não sendo crível, dado se tratar de contrato de renegociação de contrato igualmente titulado por livrança que os embargantes, dada sua qualidade de sócio gerentes da sociedade devedora, desconhecessem o sentido e alcance da aposição de aval numa livrança.
Por outro lado, não foi alegado nem provado que os embargantes tivessem solicitado esclarecimentos relativamente aos termos dos contratos e dos pactos de preenchimentos neles contidos e por si assinados na qualidade de avalistas e de legais representantes da sociedade devedora, quer aquando da formação quer na vigência do contrato.»
Apreciando.
Os executados foram demandados enquanto avalistas de duas livranças que foram dadas como garantia de um contrato de mútuo e de um contrato de cartão de crédito.  Conforme deflui da análise feita supra a propósito da questão a decidir i. (Nulidades da sentença), a aferição das vicissitudes inerentes aos deveres de comunicação e de informação de cláusulas contratuais gerais é inócua para o caso em apreço atenta a autonomia do aval e o regime do Artigo 32º da LULL.
Dentro da mesma linha de raciocínio, a reversão do facto não provado B) para provado é também inócua para a apreciação final de mérito. Dito de outra forma, mesmo a ser tida como provada a matéria vertida na al. B), tal não bule com a persistência e validade do aval, sendo os executados – repete-se – demandados enquanto avalistas.
O direito à impugnação da decisão de facto não subsiste a se mas assume um caráter instrumental face à decisão de mérito do pleito. Deste modo, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente.[3] Dito de outra forma, o princípio da limitação dos atos, consagrado no Artigo 130º do Código de Processo Civil,  deve ser observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto se a análise da situação concreta evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projete na decisão de mérito a proferir – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.5.2017, Isabel Pereira, 4111/13.
Termos em que, em observância destes princípios, este Tribunal da Relação não apreciará a impugnação de facto em causa.
Violação dos deveres de comunicação e informação (conclusões V) a DD)).
Sustentam os apelantes que, atenta a violação dos deveres de comunicação e informação decorrentes do regime das cláusulas contratuais gerais, as cláusulas constantes dos pontos 24 e 27 do contrato de mútuo identificado no ponto 1 do requerimento executivo  e o conteúdo da minuta a p. 35 daquela peça processual (facto provado 5), respeitante ao mútuo do cartão de crédito, bem como os dizeres no verso das livranças, devem ser consideradas excluídas nos termos do disposto nas alíneas a) e b) do artigo 8.º do RCCG, por violação do disposto nos arts. 5.º e 6.º do mesmo diploma legal.
Apreciando.
Quanto aos dizeres no verso das livranças (“Bom por aval ao subscritor”), há que recordar que a LULL resulta de uma Convenção Internacional da qual Portugal é Parte pelo que o regime do Decreto-lei nº 446/85 não se aplica a tal dizer porquanto o mesmo  resulta de convenção internacional vigentes em Portugal (cf. Artigo 3º, al. b), do Decreto-lei nº 446/85 e Artigo 31º da LULL: «Exprime-se pelas palavras “bom para aval” ou por qualquer fórmula equivalente; é assinado pelo dador do aval»).
Quanto ao mais, a questão já foi analisada e desenvolvida nos pontos i. e ii. das questões a decidir, em sentido negativo à pretensão dos apelantes, pelo que aqui nos limitamos a remeter para o que já foi enunciado e fundamentado supra.
Momento do vencimento da livrança (conclusões FF) a OO)).
Sustentam os apelantes que:
§ A exequente não pode socorrer-se da data da declaração da insolvência da sociedade como sendo o momento do vencimento do título cambiário uma vez que os contratos registavam incumprimento desde 26.1.2019;
§ A exequente preferiu preencher a livrança mais tarde como o propósito de contornar o regime da prescrição;
§ A possibilidade conferida à exequente de preencher livremente as livranças confere-lhe um poder de dilatar infinitamente no tempo a cobrança do crédito cambiário, o que contraria os ditames da boa fé objetiva nos contratos sujeitos ao regime das CCG (artigo 15º), proporcionando a criação de créditos imprescritíveis;
§ Deverá ser aplicado o regime do Artigo 781º do CC porquanto se trata de uma obrigação unitária cujo pagamento foi parcelado em frações.
Apreciando.
Os contratos de mútuo e de emissão e utilização de cartão de crédito registaram incumprimento desde 26.1.2019 (facto 12), vindo a sociedade mutuária e beneficiária do cartão a ser declarada insolvente em 16.9.2020 (facto 9). Em outubro e novembro de 2021, a embargada elaborou cartas dirigidas e remetidas aos embargantes, comunicando o preenchimento da livrança relativa a cada um dos contratos, interpelando para o pagamento (factos 13 e 14), sendo as datas apostas nas livranças as de 28.10.2021 e 8.11.2021.
No que tange ao preenchimento de livranças em branco com aposição do montante em dívida e data do seu vencimento, num contexto em que o/a avalizado foi declarado insolvente, a jurisprudência do STJ tem sido bastante clara e taxativa. Assim:
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.6.2019, Bernardo Domingos, 1025/18:
I - Numa livrança em branco, o prazo de prescrição de três anos previsto no artigo 70º ex vi do artigo 77º, da LULL conta-se a partir da data de vencimento que venha a ser aposta no título pelo respetivo portador, quer essa data coincida ou não com o incumprimento do contrato subjacente ou com o vencimento da obrigação subjacente, nomeadamente quando esse vencimento decorre da insolvência do subscritor, em conformidade com o preceituado no artigo 91º, n.º 1, do CIRE.
II - Os avalistas de livrança em branco, destinada a caucionar um contrato de abertura de crédito em conta-corrente, atribuem ao portador o direito de preencher o título nos termos constantes do pacto de preenchimento.
III - Havendo pacto de preenchimento, tal pacto deve ser objeto de interpretação à luz dos critérios previstos no artigo 236º e seg. do Código Civil.
IV - Tendo o avalista intervindo na celebração do pacto de preenchimento, tal como o subscritor, é-lhe possível opor ao beneficiário a exceção material de preenchimento abusivo do título.
V - O prazo de prescrição de três anos previsto no artigo 70º da LULL é aplicável ao aceitante/subscritor e ao respetivo avalista, pois que este último responde nos mesmos termos que a pessoa por si afiançada.
VI - Enquanto não for preenchida a livrança em branco, com os elementos essenciais referidos no art.º 76º da LULL, designadamente a data de vencimento, não é possível conhecer da eventual prescrição do crédito cambiário, nem tão pouco do eventual abuso de preenchimento.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6.9.2022, José Rainho, 3940/20:
I - A LULL não fixa o prazo dentro do qual deve ser preenchida a livrança entregue em branco, tão pouco o fazendo qualquer outro dispositivo legal. Será normalmente o acordo de preenchimento subjacente à emissão da livrança em branco que define os termos do preenchimento.
II - Nada tendo sido estabelecido diversamente em sede de acordo de preenchimento, é direito potestativo do portador preencher a livrança com uma qualquer data de vencimento ulterior ao momento do alegado incumprimento da subscritora.
III – Ainda que em ambas as situações releve o decurso do tempo, não há que confundir entre prescrição da obrigação cartular e exercício abusivo, na modalidade da chamada supressio, do direito ao preenchimento da livrança em branco.
IV – Mostrando-se que entre a data de vencimento aposta na livrança e o exercício do crédito cartular contra o avalista da subscritora não passaram mais de três anos, é quanto basta para se concluir pela improcedência da prescrição estabelecida no art.º 70.º da LULL.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.3.2023, Tibério Silva, 617/21:
I - A lei não fixa o prazo dentro do qual deve ser preenchida a livrança entregue em branco, importando ter em conta, nessa matéria, o que se tenha acordado no pacto de preenchimento subjacente à respetiva emissão.
II. A declaração de insolvência da subscritora da livrança determina, nos termos do nº1 do art.º 91º do CIRE, o imediato vencimento da obrigação que emergia da relação subjacente, mas daí não se retira que tal declaração constitua o termo inicial do prazo de prescrição da livrança (3 anos, nos termos do art.º 70º da LULL).
III. Tendo ficado acordado que a data de vencimento seria fixada pela credora quando, em caso de incumprimento pela cliente das obrigações assumidas, decidisse preencher a livrança, não há que tomar como ponto de partida a data de declaração de insolvência da devedora, subscritora da livrança, para aferir da existência de prescrição relativamente à instauração de execução contra o avalista, mas a data de vencimento aposta pela credora nessa livrança.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.11.2022, Ferreira Lopes, 250/21:
I - A declaração de insolvência da subscritora da livrança determina, nos termos do nº1 do art.º 91º do CIRE, o imediato vencimento da obrigação que para a mesma emergia da relação subjacente ou fundamental;
II - Não se segue daqui que a declaração de insolvência constitua o termo inicial da prescrição de livrança emitida pro solvendo, que é de 3 anos, nos termos do art.70º da LULL;
III - Não tendo sido acordado diversamente, é direito potestativo do portador preencher a livrança com qualquer data posterior ao vencimento da obrigação subjacente, nomeadamente quando o vencimento decorre da insolvência da subscritora;
IV - E daí que o prazo de prescrição só comece a correr a partir do dia do vencimento aposto por quem devia preenchê-la;
V - Não é abusivo o comportamento do portador que completa o preenchimento da livrança apondo-lhe como data de vencimento 24.07.2019, cerca de cinco anos e meio posterior ao da insolvência da subscritora do título cambiário.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.6.2022, Graça Trigo, 1819/20:
I. Apenas após preenchimento da livrança é possível discutir o eventual preenchimento abusivo da mesma, quer por incumprimento do pacto de preenchimento, quer por eventual exercício abusivo do direito ao livre preenchimento da livrança.
II. A questão da prescrição da obrigação cambiária opera apenas a jusante, isto é, o prazo de prescrição apenas poderá ser contabilizado após análise da existência ou não de preenchimento abusivo nas duas vertentes referidas em I. e após determinação da data de vencimento efetivamente visada pelas partes ou, na ausência de previsão contratual, na data de vencimento imposta pelo princípio da boa-fé.
III. No caso dos autos, não tendo sido acordado entre as partes uma data-limite para o preenchimento da livrança e não resultando a fixação de tal data do princípio da boa-fé, não se revela como abusivo o preenchimento da livrança nas circunstâncias descritas nos autos, seja na vertente de violação do pacto de preenchimento, seja na vertente de abuso do direito ao livre preenchimento da livrança.
IV. Perante tal conclusão, constando da livrança como data de vencimento 15-01-2020, e tendo a ação executiva sido instaurada em 17-03-2020, conclui-se pela não verificação da exceção de prescrição.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.6.2023, Olinda Garcia, 9036/19:
I- No quadro da jurisprudência sedimentada no STJ, não é o simples decurso do tempo de inação do credor, portador de uma livrança assinada em branco, que permite concluir automaticamente pela existência de um comportamento abusivo no preenchimento e vencimento dessa livrança.
II- Para se concluir que existe preenchimento abusivo pelo decurso do tempo, terão de ser demonstradas circunstâncias que permitam sustentar a convicção do devedor no sentido de que, para além de determinado tempo de inação, o credor já não exercerá o direito.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.4.2021, Fernando Samões, 7268/18:
I. O abuso de direito, na modalidade de supressio, tutela a confiança do beneficiário, perante a inação do titular do direito, devendo, para ser relevante, verificar-se um não exercício prolongado, uma situação de confiança, uma justificação para essa confiança, um investimento de confiança e a imputação da confiança ao não-exercente.
II. O mero decurso do tempo, sem que tenha sido exigido o pagamento da dívida por parte do credor, não é suscetível de criar no devedor a confiança de que não lhe vai mais ser exigido o cumprimento da obrigação que sobre ele impende.
III. Não abusa do direito a credora que instaura uma execução com base em livranças, assinadas pela subscritora e pelo avalista, que lhe foram entregues aquando da celebração de contratos de garantia bancária e que preencheu de acordo com esses contratos, apondo-lhes data de vencimento cerca de 8 anos após poder exigir o cumprimento da obrigação subjacente aos devedores.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.10.2023, Vaz Tomé, 478/21:
IV - Ao dar o aval ao subscritor em livrança em branco, fica o avalista sujeito ao direito potestativo do portador de preencher o título nos termos constantes do pacto de preenchimento.
V - O mero decurso do tempo, sem que tenha sido exigido o pagamento da dívida por parte do credor, não é suscetível de, sem mais, criar no devedor a confiança de que não lhe vai mais ser exigido o cumprimento da obrigação que sobre ele impende. Não se verifica o abuso do direito à reforma judicial de uma livrança quando, de um lado, não se contraria manifestamente a boa-fé e, de outro, não se verifica a violação de condutas por parte do seu titular.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.12.2023, Lima Gonçalves, 3865/21:
Em princípio, não é abusivo o comportamento do portador que completa o preenchimento da livrança, apondo-lhe uma data de vencimento muito posterior ao da data da declaração da insolvência.
No caso em apreço, não resulta dos pactos de preenchimento a estipulação de uma data-limite para o vencimento das livranças a contar do incumprimento verificado ou mesmo da insolvência da mutuária e beneficiária do cartão de crédito, sendo estipulado que a Caixa poderá fixar a data de vencimento quando decidir preencher a livrança. Por outro lado, a possibilidade conferida à mutuante Caixa de considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de incumprimento de obrigação decorrente do contrato ou de insolvência da cliente não constitui cláusula de funcionamento automático, exigindo uma subsequente interpelação autónoma por parte da mutuante aos devedores, cuja ocorrência não está demonstrada no caso (cf. Artigo 781º do Código Civil; cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14.10.2021, Fernando Baptista 475/04, de 11.5.2022, Isaías Pádua, 1511/19, de 30.6.2022, Vieira e Cunha, 1736/19).
Deste modo, não existia nenhum prazo legal ou convencionado com termo inicial fixo para a mutuante/detentora proceder ao preenchimento das livranças, designadamente a partir de 26.1.2029 conforme argumentam os apelantes. Tendo a insolvência da mutuária ocorrido em 16.9.2020, era perfeitamente lícito à exequente proceder ao preenchimento das livranças em outubro e novembro de 2021, exigindo o seu pagamento, com aposição da data de vencimento em 28.10.2021 e 8.11.2021, respetivamente. Face a esta proximidade temporal, não é divisável qualquer argumentação no sentido de que ocorra um decurso de tempo minimamente idóneo a suscitar a convicção de que as livranças nem seriam acionadas, muito pelo contrário.
A invocação do regime do Artigo 15º do Decreto-lei nº 446/85 é despropositada porquanto tal norma não é aplicável diretamente ao pacto de preenchimento, sendo apenas convocável o instituto geral da boa fé (Artigo 762º, nº 2, do Código Civil), quando existam factos que deem respaldo a tal aplicação, não sendo esse o caso.
Preenchimento abusivo e prescrição da livrança (conclusões PP) a RR)).
Argumentam os apelantes que, tendo cessado o pagamento em 26.1.2019 das prestações convencionadas em ambos os contratos e mostrando-se aposta nas livranças  a data de vencimento de 28.10.2021 e 08.11.2021, estamos perante um preenchimento abusivo da livrança, objetivamente frustrador do funcionamento do prazo de prescrição previsto no art.º 70º da LULL. Nessa medida, aduzem que, para efeitos de verificação da ultrapassagem deste prazo, deve considerar-se que a data do vencimento das livranças é a de, pelo menos, 26 de janeiro de 2019, pelo que o crédito cambiário exequendo se encontrava já prescrito à data da citação para os termos da execução, pelo decurso do prazo de 3 anos previsto no art.º 70º da LULL, uma vez visto que a mesma apenas foi interrompida em 7/3/2022 (cf. art.º 323.º, n.º 2, do Código Civil), pois, entretanto, não ocorreu qualquer causa de suspensão ou de interrupção, legalmente prevista.
Apreciando.
Consoante se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.6.2022, Graça Trigo, 1819/20:
I. Apenas após preenchimento da livrança é possível discutir o eventual preenchimento abusivo da mesma, quer por incumprimento do pacto de preenchimento, quer por eventual exercício abusivo do direito ao livre preenchimento da livrança.
II. A questão da prescrição da obrigação cambiária opera apenas a jusante, isto é, o prazo de prescrição apenas poderá ser contabilizado após análise da existência ou não de preenchimento abusivo nas duas vertentes referidas em I. e após determinação da data de vencimento efetivamente visada pelas partes ou, na ausência de previsão contratual, na data de vencimento imposta pelo princípio da boa-fé.
III. No caso dos autos, não tendo sido acordado entre as partes uma data-limite para o preenchimento da livrança e não resultando a fixação de tal data do princípio da boa-fé, não se revela como abusivo o preenchimento da livrança nas circunstâncias descritas nos autos, seja na vertente de violação do pacto de preenchimento, seja na vertente de abuso do direito ao livre preenchimento da livrança.
Na clarificação pertinente deste acórdão, primeiro há que cuidar da observância do pacto de preenchimento e só depois haverá que aquilatar da prescrição da obrigação cambiária.
Ora, conforme já foi visto no ponto anterior, não está demonstrada a violação do pacto de preenchimento nomeadamente quanto à existência de datas-limite para preenchimento da livrança e fixação do seu vencimento. Em conformidade, a aferição do prazo de prescrição de três anos (Artigo 70º da LULL) afere-se em função das datas efetivamente apostas nas livranças, as quais foram 28.10.2021 e 8.11.2021. Considerando que os executados foram citados em 7.3.2022 e 16.9.2022, é manifesto que não estavam decorridos três anos entre as datas de vencimento das livranças e a citação dos executados.
Nulidade dos pactos de preenchimento por indeterminabilidade do objeto (conclusões SS) a WW).
Argumentam os apelantes que os pactos de preenchimento padecem de nulidade por indeterminabilidade do objeto, não consignando critérios objetivos e limitativos da garantia prestada, escudando-se nomeadamente nas circunstâncias de o primeiro remeter para “as obrigações assumidas” correspondentes  “ao total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo” e o segundo referir que a “importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes da utilização do cartão incluindo as verbas que se encontrem em dívida na modalidade de pagamento fracionados e os saldos negativos de quaisquer contas de depósitos”.
Apreciando.
Apesar dos apelantes se reportarem expressamente à nulidade dos pactos de preenchimento por indeterminabilidade do objeto, em rigor, o que os apelantes pretenderão arguir é a nulidade do aval por indeterminabilidade do objeto na medida em que aquela, a ocorrer, implica necessariamente esta.
A propósito desta temática, é pertinente a seguinte jurisprudência.
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7.10.2021, Domingos Fernandes, 1900/19:
O pacto ou contrato de preenchimento não está sujeito a forma especial, podendo ser expresso ou tácito, definindo-se, então, os seus contornos a partir da natureza da relação fundamental e dos usos do comércio, razão pela qual não é nulo por indeterminabilidade do objeto o pacto de preenchimento quando se conhece ab initio todos os contornos da referida relação, o montante global do financiamento, os juros e as demais cláusulas.
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30.2.2023, Laurinda Gemas, 15919/16:
Embora o montante da obrigação cambiária do Executado-Embargante e a data do respetivo vencimento não fossem conhecidos à data de emissão da livrança em que se baseia a execução (estando então aquela por preencher nesses campos), não é de considerar o aval nulo por indeterminabilidade do objeto (cf. art.º 280.º, n.º 1, do CC), uma vez que tais elementos são determináveis nos termos constantes do pacto de preenchimento, com referência às condições estipuladas no contrato de locação financeira imobiliária.
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22.5.2019, Carlos Portela, 3305/15:
«(…) não podemos esquecer que a nulidade da livrança pelo alegado carácter indeterminável das obrigações garantidas que decorre do disposto no artigo 280º do Código Civil, não é aplicável aos avales prestados.
Tudo isto, porque ao aval, cuja natureza é juridicamente distinto da fiança, não se lhe pode aplicar a solução chegada no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2001 de 23.01.2001, uma vez que a mesma foi proferida especificamente para os casos de uma fiança prestada para garantia de obrigações futuras e não para um aval genérico, atenta a sua natureza jurídica [cf. também Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.3.2009, Prazeres Beleza, 08B3815].»
Na doutrina, Carolina Cunha, Manual de Letras e Livranças, 2016, p. 195, afirma que:
 «A nossa jurisprudência, contudo, repõe o problema nos seus devidos termos: não é verdade que o negócio cambiário enferme de tal nulidade na medida em que a obrigação (melhor, a vinculação embrionariamente assumida através da assinatura) se possa dizer determinável nos termos do pacto de preenchimento – o que, geralmente, sucede. A determinabilidade advém do facto de se conhecer ab initio qual o montante da dívida garantia (o valor global do mútuo, da locação financeira, do crédito ao consumo, etc., bem como os juros e penas contratuais aplicáveis) e de se saber que o subscritor em branco responderá pela parte dela que, à data do incumprimento do contrato fundamental, estiver em dívida.»
É esse, precisamente, o caso em apreço porquanto se conhecia, ab initio, o montante global do financiamento (€22.500 e €2.500, respetivamente), ao qual acresciam os juros, comissões, despesas e demais encargos (facto 4), bem como juros, comissões, despesas e encargos incluindo os fiscais inerentes à livrança (facto 8). Ou seja, os contornos quantitativos da relação bancária foram definidos ab initio bem como elencados os critérios que permitiriam definir, futuramente, o valor total e parcial em dívida a cada momento. E esses parâmetros estão espelhados no pacto de preenchimento quando aí se estipula que «a importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança» e «a importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes da utilização do cartão (…) nomeadamente em capital, até ao montante de 2.500 euros, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e quaisquer encargos, incluindo os fiscais relativos à própria livrança».
Termos em que, sendo desnecessárias outras considerações, improcede também neste segmento a apelação.
A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito (cf. art.º 154º, nº1, do Código de Processo Civil; Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 303/2010, de 14.7.2010, Vítor Gomes, e 708/2013, de 15.10.2013, Maria João Antunes).
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes na vertente de custas de parte (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6 e 663º, nº 2, do Código de Processo Civil).

Lisboa, 10.9.2024
Luís Filipe Pires de Sousa
Ana Cristina Maximiano
Ana Mónica Mendonça Pavão
  
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[1] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª ed., 2022, p. 186.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., pp. 139-140.
Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana Luísa Geraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14, de 18.3.2021, Oliveira Abreu, 214/18, de 15.12.2022, Graça Trigo, 125/20, de 11.5.2023, Oliveira Abreu, 26881/15, de 25.5.2023, Sousa Pinto, 1864/21, de 11.7.2023, Jorge  Leal, 331/21, de 11.6.2024, Leonel Serôdio, 7778/21. O tribunal de recurso não pode conhecer de questões novas sob pena de violação do contraditório e do direito de defesa da parte contrária (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2014, Fonseca Ramos, 971/12).
[3] Cf.: Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 24.4.2012, Beça Pereira, 219/10, de 14.1.2014, Henrique Antunes, 6628/10, de 27.5.2014, Moreira do Carmo, 1024/12; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 3.10.2019, Paulo Reis, 582/17; Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23.1.2020, Tomé Gomes, ECLI:PT:STJ:2020:4172.16.4T8FNC.L1.S1., de 24.9.2020, Graça Trigo, 127.16, ECLI, de 19.5.2021, Júlio Gomes, 1429/18, de 14.7.2021, Fernando Baptista, 65/18, de 25.10.2022, Lima Gonçalves, 721/18, de 3.11.2023, Mário Morgado, 835/15; Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 14.7.2020, Rita Romeira, 1429/18, de 12.4.2021, Eusébio Almeida, 6775/19; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27.10.2022, Castelo Branco, 7241/18; Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25.5.2023, Albertina Pedroso, 1996/19.