REJEIÇÃO DO RECURSO
FALTA DE CONCLUSÕES
PRECLUSÃO
Sumário

O direito ao recurso, do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva não implicam o atropelo das regras processuais, claras e precisas. O respetivo incumprimento implica nos efeitos jurídicos processuais estabelecidos na lei, que não podem ser afastados a coberto dos direitos constitucionais consagrados e regras atinentes à garantia dos direitos do Homem.

Texto Integral

Acordam em Conferência os Juízes no Tribunal da Relação de Évora

Foi proferida a seguinte decisão pela ora relatora:
«A Requerente (…) apresentou-se a interpor recurso do despacho que indeferiu a realização de segunda perícia.
O Recorrido (…), no âmbito das contra-alegações, logo assinalou que a alegação do recurso não contemplava conclusões.
Na sequência disso, a Recorrente apresentou novo requerimento de interposição de recurso, seguido de alegações, as quais comportam a motivação do recurso, reproduzindo a anteriormente apresentada, sendo seguida de conclusões.
Recebido o processo neste Tribunal da Relação, foi proferido despacho auscultando a Recorrente sobre o indeferimento do requerimento de interposição do recurso por a alegação não conter conclusões, nem a Recorrente ser admitida a renovar o ato praticado.
A Recorrente veio sustentar que a alegação está completa e que, por isso, a 1.ª Instância permitiu a subida do recurso; que o documento incompleto pode, dentro do prazo, ser complementado ou corrigido, sem alterar a sua essência, substância e fundamento e não acarrete prejuízos para a contraparte ou engulho no andamento processual; que o requerimento de alegações e o seu complemento, contendo as conclusões, é um ato só, unitário, complementado.
Ora vejamos.
Nos termos do disposto no artigo 639.º/1, do CPC, sobre o Recorrente recai o ónus de apresentar a alegação e de formular conclusões, o que consiste na indicação, de forma sintética, dos fundamentos por que pede a alteração ou a revogação da decisão.
O requerimento de interposição do recurso deve ser indeferido quando a alegação não contenha conclusões – cfr. artigo 641.º/2, alínea b), do CPC. A alegação de recurso apresentada pela Recorrente não contempla conclusões.
Afigura-se não ser a Recorrente admitida a juntar novas alegações, contendo conclusões.
Por um lado, a prática do ato extingue o prazo em curso. A parte que pratica determinado ato no processo, exerce o correspondente direito processual, com o que resulta exaurido o direito a renovar ou repetir o ato praticado, a substituí-lo, a praticá-lo de novo. O direito a praticar o ato no processo resultou consumado com o respetivo exercício.
Neste sentido, cfr. Ac. TRP de 15/11/2018 (Filipe Caroço):
«Praticado o ato, o mesmo fica consumado, apenas com a possibilidade de retificação prevista na lei (artigo 146.º). De tal modo é assim que o tribunal não tem que aguardar pelo decurso integral do prazo para fazer prosseguir o processo depois de o ato ter sido praticado
Por outro lado, a alteração de conteúdo de peças processuais apresentadas pelas partes apenas é admitida nos termos estatuídos no artigo 146.º do CPC, a saber:
1 - É admissível a retificação de erros de cálculo ou de escrita, revelados no contexto da peça processual apresentada.
2 - Deve ainda o juiz admitir, a requerimento da parte, o suprimento ou a correção de vícios ou omissões puramente formais de atos praticados, desde que a falta não deva imputar-se a dolo ou culpa grave e o suprimento ou a correção não implique prejuízo relevante para o regular andamento da causa.
Assim, o erro de cálculo ou de escrita que se revele no contexto da peça processual pode ser retificado e os vícios ou omissões puramente formais de atos praticados podem ser suprimidos ou corrigidos, desde que se enquadrem na referida previsão.
No entanto, sem prejuízo de disposição expressa, “o n.º 2 do artigo 146.º não permite superar o efeito do incumprimento de algum ónus que impenda sobre as partes, visando tão só permitir a correção de aspetos meramente formais de ato que tenha sido tempestivamente praticado.”[1]
Donde, as peças processuais apresentadas pelas partes no processo não podem ser alteradas, completadas ou retificados senão nos termos ali previstos.
A apresentação de novo requerimento de interposição de recurso instruído com alegações contendo conclusões não consubstancia a retificação de erro de cálculo ou de escrita que se revele no contexto do requerimento de interposição de recurso instruído com alegações desprovidas de conclusões anteriormente apresentado, nem a falta de conclusões neste consiste em vício ou omissão puramente formal. Antes configura a pretensão de substituição da peça processual anteriormente apresentada pela subsequente, com termos substancialmente diversos da anterior.
A Recorrente não pode, assim, ser admitida a apresentar novo requerimento com vista a integrar as conclusões na alegação do recurso.
Neste sentido, cfr. Ac. TRP de 15/11/2018, já citado:
«sendo nulo o ato de apresentação das segundas contra-alegações, o mesmo não produz qualquer efeito, valendo o ato de apresentação das primeiras contra-alegações.»
Ac. TRP de 18/05/2020 (Jerónimo Freitas):
«Fora do âmbito de aplicação do artigo 146º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, destinado a suprir deficiências formais de atos processuais das partes, não é legalmente admissível a apresentação de duas alegações de recurso, nem a substituição de umas por outras, ainda que dentro do prazo legal. Uma vez praticado o ato, fica esgotada a possibilidade de o voltar a praticar – ainda que dentro do prazo legalmente fixado para o efeito – de modo a garantir a estabilidade da instância, o respeito das expectativas legítimas das partes, bem como a igualdade de oportunidades entre as mesmas
Nestes termos, considera-se inexistente, sem qualquer efeito, o requerimento de interposição de recurso, instruído com as alegações, apresentado a 17/09/2023.
O requerimento de interposição de recurso apresentado a 15/09/2023 é de indeferir por a alegação do recurso não conter conclusões – cfr. artigo 641.º/2, alínea b), do CPC.
A que não obsta o facto de o recurso ter sido admitido na 1.ª Instância – cfr. artigo 641.º/5, do CPC.
Termos em que se decide pelo indeferimento do requerimento de interposição do recurso.»

A Recorrente, inconformada, apresentou-se a interpor recurso de revista para o STJ. Contra o decidido, em sede de conclusões, invoca o seguinte:
«1º A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, numa linha muito bem sedimentada em consonância com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, tem privilegiado soluções que visem não obstaculizar o acesso ao direito a que uma causa a que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo, no termos do n.º 4 do artigo 20.º da CRP e artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
2º A lei processual portuguesa também se inclina para a promoção da justiça tendente a evitar a sua obstaculização, designadamente o artigo 5.º, n.º 1, alínea b), do CPC: “Às partes cabe alegar os factos que sejam complementado ou concretizações dois que as partes hajam alegado”. Ou ainda o n.º 2 ao artigo 142.º do CPC: “Deve ainda o juiz admitir requerimento da parte para suprimento ou correção de vicio ou omissões…”. Não existe fundamento, para o Tribunal ad quem não admitir recurso em que a recorrente não viu tribunal a quo proceder a indeferimento, mas sim a admitir como era da competência deste, a complementação de um documento unitário que são as alegações, que obrigatoriamente têm de conter conclusões. Verificou-se erro na interpretação da lei aplicável.
3º Nada na lei positiva impede que as alegações sejam complementadas dentro do prazo legal do recurso. “Deve ainda o juiz admitir o requerimento da parte o suprimento para correção quando não implique prejuízo relevante para o regular andamento da causa”. Ora recusar dentro do prazo do recurso alegações completas corrigidas com as conclusões, é precisamente obstaculizar o acesso ao direito opondo-se ao princípio Constitucional de que todos têm direito a que uma causa onde intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo nos termos do n.º 4 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa e artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
A não aplicação daquela legislação e princípios ali contidos configura a referida omissão como uma das nulidades previstas no n.º 1 do artigo 615.º do CPC, inquina o acórdão ferindo – o de nulidade.
4º Em 17/09/2023, a recorrente corrigiu as suas alegações apresentando conclusões, em relação às alegações apresentadas em 15/09/2023, como aquele requerimento de alegações / conclusões é peça unitária, única, por não existir alegações sem conclusões, a peça é corrigível dentro do prazo do recurso, a isto a lei positiva não se opõe, pelo contrario permite. Pelo que a peça processual alegações /conclusões não deve ser considerada inexistente como declarou a Relação, nem o requerimento como apenas alegações incompleto e com necessidade de ser corrigido, complementado, apresentado em 15/09/2023, não deve ser indeferido por não conter conclusões, por aquelas serem corrigidas/complementadas em 17/09/2023, com as conclusões.
O documento é unitário não existem alegações sem conclusões, e a lei permite dentro do prazo do recurso a sua correção tal como foi efetuada.
Não devia merecer censura da 2ª instância, tal como não mereceu na 1ª instância. Os princípios de confiança da colaboração e da igualdade das partes e sobretudo do primado da substância sobre a forma visa assegurar, sempre que possível a prevalência de fundo sob a forma pretendendo que o processo e a sua tramitação possam ter a maleabilidade necessária para funcionar como um instrumento, e não como obstáculo, para alcançar a verdade material e concretização dos direitos das partes. De harmonia com a consignada no artigo 547.º do CPC: “O Juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais do fim que visam atingir assegurando um processo equitativo”. Ademais foi violado pela Relação o dever de motivação e de fundamentação das decisões judiciais previstas no artigo 205.º, n.º 1, da CRP e dos artigos 154.º, n.º 1 e 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, o que reconduz ao erro de julgamento e nulidade do acórdão.
5º É no caminho do justo e da retidão, do legítimo e adequado que o caminho da decisão deve trilhar, pois tendo sido dado conhecimento à parte contrária das alegações com conclusões apresentadas em 17/09/2023, a parte contrária não reagiu. Com apresentação de 15/09/2023, o prazo não exauriu, nem se extinguiu, pois o prazo do recurso e dentro do que é possível apresentar requerimentos é fixo e, findo o qual não é possível apresentar quaisquer requerimentos. Nesta situação não se coloca o argumento que o Tribunal utilizou, a partir do ato praticado pode prosseguir a tramitação sem respeitar que o prazo fixo se extinga no seu término. A extinção do prazo é perentório, e, a partir do seu término é proibido a apresentação de requerimentos e não antes.
Ao apresentar as alegações / conclusões dentro do prazo de 15 dias do recurso em 17/09/2023, está perfeitamente em tempo. Não se trata de duas alegações nem de renovação das alegações apresentadas em 15/09/2023, mas sim de alegações complementadas com conclusões que colhe toda a cobertura legal nas leis processuais, constitucionalmente consagrada e apoiado na jurisprudência. Não existem alegações sem conclusões, é como uma única moeda com duas faces. É um documento unitário, e, em situação alguma deverá ser impedido de ser complementado sob pena de denegação da justiça. Também não afeta a estabilidade da instância, nem o respeito das expectativas legitimas das partes, até porque á parte contrária foi dado conhecimento por notificação e aquela não reagiu ao requerimento de 17/09/2023, nem foi colocada em causa a igualdade de oportunidades entre as partes.
A Relação violou a lei substantiva o que reconduz sempre a um erro de interpretação ou de determinação da norma aplicável ou de aplicação do direito o que reconduz a erro de julgamento ao começar na interpretação e subsunção dos factos e do direito, a qualificação entendida pela 2ª instância em qualquer das circunstâncias afeta e vicia a decisão proferida pelas consequências que acarreta de um desacordo ou equívoco da sua inexata qualificação jurídica como enuncia a lei conduz ao erro. São violados pelo douto acórdão impugnado nas alíneas b) c) e e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, padecendo nessa conformidade do vicio de nulidade, levando á revogação ao douto acórdão.»
Com fundamento no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ de 20/01/2010, o referido requerimento foi admitido como requerimento para a conferência prevista no artigo 700.º/3, do CPC.

Apreciando
Não merecem acolhimento os argumentos tendentes a afirmar que foram efetuadas conclusões pela Recorrente, que ambos os autos praticados configuram um único ato processual de interposição de recurso instruído de alegações e estas, de conclusões.
O direito ao recurso, do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva não implicam o atropelo das regras processuais, claras e precisas. O respetivo incumprimento implica nos efeitos jurídicos processuais estabelecidos na lei, que não podem ser afastados a coberto dos direitos constitucionais consagrados e regras atinentes à garantia dos direitos do Homem.
O que vale relativamente ao invocado princípio da cooperação, consagrado no artigo 7.º do CPC: contende com a atividade processual das partes, dos mandatários e do tribunal para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio, não constituindo fundamento para se acolher a prática de atos no processo em manifesta violação das regras procedimentais estabelecidas.
De outro modo, a acolher-se a pretensão da Recorrente, quaisquer normais procedimentais seriam postergadas em ordem a permitir a apreciação das questões materiais suscitadas no processo, ainda que de forma indevida.
As razões e fundamentos subjacentes à decisão de indeferimento de interposição do recurso mostram-se exaradas na decisão singular proferida, as quais não foram colocadas em causa por argumento bastante por parte da Recorrente.
Certo é que ocorreu a preclusão consumptiva, a preclusão causada pelo exercício do ato, que não pode ser renovado. O respetivo exercício consome o direito de vir a praticar de novo o mesmo ato.[2]
Neste sentido, cfr. ainda o recente Ac. TRE de 06/06/2024 (Tomé de Carvalho):
«(…) 7 – A preclusão corresponde a uma perda de uma faculdade processual de realizar um ato processual ou a extinção do direito de rever o ato já praticado.
8 – A preclusão pode ser causada pelo exercício do ato, que não pode ser renovado, dado que, neste caso, se está perante um caso de preclusão consumptiva.»

O despacho reclamado não enferma, pois, das apontadas nulidades nem nele se incorreu em erro na aplicação do direito.


DECISÃO
Por todo o exposto, acordam, em conferência, os juízes nesta Relação em confirmar o despacho reclamado, reiterando os seus precisos termos.

Custas pela Reclamante.
Évora, 12 setembro de 2024
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Rosa Barroso
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[1] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, CPC Anotado, vol. I, 2.ª edição, pág. 186.
[2] Wladimir Brito, Teoria Geral do Processo, 2019, pág. 302.