PERSI
EXTINÇÃO
FIADOR
Sumário

1 – O disposto no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, não é aplicável ao cliente bancário, mas unicamente ao fiador.
2 – A comunicação, pela instituição de crédito, da extinção do PERSI, deve mencionar a norma legal ao abrigo da qual esta ocorreu.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Processo n.º 2118/22.0T8ENT.E1

Exequente/recorrente: (…) STC, S.A..

Executado/recorrido: (…).

Sentença recorrida:

A) Julgou válida e, como tal, homologou a desistência da instância relativamente à executada falecida (…);

B) Julgou oficiosamente verificada a excepção dilatória inominada insanável decorrente do desrespeito, pelo primitivo exequente, Banco (…), S.A., da demonstração da válida comunicação, ao executado (…), da extinção do procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI), instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, e, em consequência, indeferiu liminarmente, quanto ao mesmo, o requerimento executivo.

Conclusões do recurso:

1. O Banco (…) celebrou, a 21 de Dezembro de 2018, um contrato de crédito pessoal com (…) e (…).

2. A 07/06/2021, o banco cedente deu conhecimento, aos executados, da mora existente e dos valores em dívida.

3. Na mesma comunicação, o banco cedente deixou bem patente que o banco informou os executados que permaneciam em mora com as responsabilidades de créditos contratadas, motivo pelo qual informou que nessa data seriam integrados no PERSI – Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento.

4. Tudo em estrita obediência com o artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 227/2012.

5. Os executados não requereram, junto do banco, a sua integração no PERSI.

6. Entende a apelante que tal facto deveria ser considerado como provado, o que não sucedeu, tendo o tribunal a quo considerado a execução extinta em relação ao executado (…), porquanto a execução já se mostra extinta quanto ao executado (…), por falecimento deste.

7. Pelo que, deverá revogar-se a douta decisão impugnada, determinando-se que a execução prossiga os seus termos contra o executado (…).

Questões a decidir:

1 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;

2 – Integração do recorrido em PERSI;

3 – Conformidade da comunicação de extinção do PERSI com o disposto no n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10.

Factos julgados provados pelo tribunal a quo:

1 – Em 08.07.2022, o Banco (…), S.A. instaurou a presente execução para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo comum ordinário, contra (…) e (…), apresentando, para valer como título executivo, uma livrança alegadamente subscrita pelo primeiro executado e avalizada pela segunda, vencida em 05.07.2022 e cujo restante teor se considera integralmente reproduzido, designadamente na parte em que nela consta «Contrato de Crédito ILS n.º (…)».

2 – No requerimento executivo, alegou o seguinte:

«1.º: O Exequente é dono e legítimo portador de uma livrança do montante de € 22.007,46, vencida em 05/07/2022, subscrita por (…) e avalizado por (…).

2.º: A referida livrança é proveniente de um contrato de financiamento internamente designado por ILS n.º (…).

3.º: Apresentada a pagamento na respetiva data de vencimento, e apesar das insistências efetuadas nesse sentido, a livrança não foi paga na data do seu vencimento, nem posteriormente (…).

4.º: Pelo pagamento da importância titulada pela livrança em apreço é responsável o subscritor e o avalista.

5.º: Até à presente data, os Executados não procederam ao pagamento da importância titulada pela livrança em execução, pelo que estão a dever ao Exequente a quantia de € 22.007,46, à qual acrescem juros de mora no valor de € 14,90 e imposto de selo no valor de € 0,60, bem como os juros vincendos até efetivo e integral pagamento. (…)».

3 – Além da livrança exequenda, ao requerimento executivo juntou cópia do invocado contrato de crédito pessoal, cujo teor se tem de igual modo por reproduzido in totum, no qual surge como mutuário o aqui executado (…) e como avalista a executada (…).

4 – Conclusos os autos para prolação de despacho liminar, eis o que fizemos constar da ref.ª 90913705 de 06-09-2022:

«Antes de mais, considerando a concreta natureza do crédito que esteve na base da emissão da livrança dada à execução, importa esclarecer se o exequente deu cumprimento ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) estipulado no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, pelo menos no que tange ao executado não avalista.

De facto, e na esteira do que tem sido pacificamente entendido ao nível jurisprudencial, sendo o PERSI obrigatório, o seu cumprimento consubstancia uma condição objectiva de procedibilidade para a execução, impondo-se, por conseguinte, perante o seu eventual desrespeito, a absolvição do executado da instância por procedência de excepção dilatória inominada insanável, de conhecimento oficioso – artigos 573.º, n.º 2 e 578.º do Código de Processo Civil.

Destarte, convido o exequente a alegar e demonstrar, no prazo de 10 (dez) dias, o que tiver por conveniente a propósito da questão ora suscitada, juntando cópias do contrato e das comunicações de integração e de extinção do PERSI».

5 – Com a resposta vertida na ref.ª 9011462, de 19-09-2022 juntou, entre outros, os seguintes documentos que ora relevam:

1.º - Carta datada de 07.06.2021, tendo como destinatário o aqui executado (…) e o seguinte teor:

«(…) Assunto: Responsabilidades em incumprimento

N/Ref.ª: (…)

Como é do conhecimento de V. Exa. encontram-se ainda por regularizar as responsabilidades de crédito melhor identificadas no quadro em anexo. Face ao exposto, na data de emissão desta carta, foi V. Exa. integrado(a) no PERSI – Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (*) e está a ser acompanhado por uma Unidade de Recuperação.

No caso de, entretanto, já ter procedido à regularização dos valores identificados, ou estar em curso a formalização de um acordo de pagamento ou de uma proposta de reestruturação, agradecemos que considere esta carta sem efeito.

Na eventualidade de não ter condições para regularizar integralmente os valores em atraso, deverá V. Exa. enviar-nos no prazo máximo de 10 dias, a documentação abaixo indicada, comprovativa da sua situação financeira, para que se possa proceder a uma avaliação correcta da capacidade financeira de V. Exa. e ponderar pela apresentação de eventual proposta de regularização:

(a) cópia da última certidão de liquidação do imposto sobre o rendimento de pessoas singulares disponível;

(b) comprovativo do rendimento auferido por V. Exa., nomeadamente a título de salário, remuneração pela prestação de serviços ou prestações sociais;

(c) descrição e quantitativo dos encargos que V. Exa. suporta, nomeadamente com obrigações decorrentes de contratos de crédito, incluindo os celebrados com outras instituições de crédito.

(…)

Para mais informações agradecemos que contacte os nossos serviços através do telefone (…) ou através dos canais habituais.

Informamos que existe uma rede de apoio ao consumidor endividado. As informações sobre esta rede poderão ser consultadas no Portal do Consumidor, disponível em www.consumidor.pt.

(…)

(*) Criado pelo DL 227/2012, de 25 de Outubro de 2012, cujas condições se encontram descritas no documento em anexo. (…)»;

2.º - Carta datada de 06.09.2021, tendo de igual modo como destinatário o aqui executado (…) e, neste caso, o seguinte teor:

«(…) Assunto: Responsabilidades em incumprimento

N/Ref.ª: (…)

Vimos por este meio informar que, na sequência de terem decorrido 91 dias da integração de V. Exa. no PERSI – Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento e permanecendo em mora as responsabilidades de crédito melhor identificadas no quadro em anexo, consideramos extinto o referido procedimento (*).

Assim, se decorridos que sejam 15 dias sobre a data de emissão desta carta se mantiverem por regularizar as responsabilidades de crédito melhor identificadas no quadro em anexo, iremos de imediato e sem precedência de qualquer outra notificação, promover a resolução do(s) contrato(s) e a execução judicial dos créditos.

Sem prejuízo do referido anteriormente, relembramos que ainda poderá contactar a Unidade de Recuperação através do telefone 707 50 00 50, com vista à regularização extrajudicial das referidas responsabilidades de crédito. (…)

Informamos que existe uma rede de apoio ao consumidor endividado. As informações sobre esta rede poderão ser consultadas no Portal do Consumidor, disponível em www.consumidor.pt.

(…)

(*) Decorre do DL 227/2012 de 25 de Outubro. (…)».

6 – Seguiu-se o despacho proferido sob a ref.ª 91146828, de 04.10.2022, nos termos do qual se facultou ao exequente a possibilidade de «[e]xercer, querendo, o respetivo contraditório acerca da eventual adopção do entendimento de acordo com o qual a carta de comunicação de extinção do PERSI dirigida ao executado (…) com data de 06-09-2021 não é suscetível de traduzir o cabal cumprimento do disposto no artigo 17.º, n.ºs 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, por não indicar de forma conveniente a concreta base legal em que assenta e as concretas razões pelas quais foi considerada inviável a manutenção do procedimento».

7 – A resposta surgiu por intermédio da ref.ª 9189174, de 17-11-2022:

«1. Dispõe o artigo 17.º, n.º 1, do regime do PERSI que o referido procedimento extingue-se “No 91.º dia subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento, salvo se as partes acordarem, por escrito, na respetiva prorrogação”.

2. Ora, tendo decorrido o prazo legalmente estipulado (91 dias), sem que o Executado tivesse regularizado a mora ou, sequer, apresentado qualquer proposta nesse sentido, o Banco, legitimamente, considerou extinto o referido procedimento.

3. Sendo que as missivas foram remetidas para a morada indicada pelos Executados aquando da celebração do contrato em apreço, sendo que a lei não exige o envio de carta registada com aviso de receção, mas tão-somente que o cliente/destinatário seja informado mediante comunicação em “suporte duradouro” – cfr. artigo 3.º, alínea h), do Decreto-Lei 227/2012, de 25 Outubro que estabelece “Suporte duradouro” qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas”. (…)».

8 – Entretanto, estando documentado nos autos que a executada (…) faleceu em 19-07-2020 (cfr. ref.ª 92805714 de 14-3-2023), ou seja, muito antes da instauração da execução, o exequente veio «requer a extinção da execução quanto ao Executado falecido, prosseguindo os autos quanto ao executado sobrevivo» (ref.ª 10393530 de 07-02-2024).


*


1 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:

O recorrente afirma que «o Tribunal a quo considerou como não provado o seguinte facto, com relevância para o recurso: 1) a cedente do crédito comunicou aos executados a faculdade de requererem a sua própria integração no PERSI», considerando que isso constitui «um crasso erro de julgamento, pois face às regras de experiência comum e à prova documental, resulta que os Executados Embargantes foram notificados, mediante carta, do incumprimento contratual em que estavam a incorrer, bem como da possibilidade em requererem que lhes fosse aplicado o PERSI

O recorrente não tem razão.

Note-se, em primeiro lugar, que não é exacto que o tribunal a quo tenha julgado não provado que o Banco (…) comunicou, aos executados, a faculdade de requererem a sua integração em PERSI. Na realidade, nem sequer houve pronúncia do tribunal a quo sobre esse facto. Nem podia haver, porquanto o mesmo facto, nem foi alegado, nem é mencionado nas comunicações juntas aos autos pelo Banco (…).

A versão alegada pelo Banco (…) é completamente diversa daquela que a recorrente pretende ver julgada provada. O Banco (…) alegou que, em face do incumprimento, diligenciou, junto dos executados, pela cobrança extrajudicial do seu crédito e, em cumprimento do disposto no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, integrou-os (o que é, obviamente, diferente de lhes comunicar a possibilidade de eles solicitarem a sua integração) em PERSI. As comunicações juntas aos autos pelo Banco (…) apontam nesse sentido. E foi nessa versão factual que o tribunal a quo baseou a sua decisão.

Sendo assim, nem o tribunal a quo tinha de se pronunciar sobre o facto que o recorrente pretende agora ver inserido no enunciado da matéria de facto provada, nem, a fazê-lo, teria suporte probatório para isso. Daí que a pretensão do recorrente que vimos analisando careça de fundamento.

2 – Integração do recorrido em PERSI:

A presente execução foi instaurada contra (…) e (…), o primeiro na qualidade de subscritor da livrança e a segunda na de avalista.

Atenta a extinção da instância relativamente à executada (…), está apenas em causa a situação do executado (…), único recorrido.

O recorrente sustenta que o recorrido nunca solicitou a sua integração em PERSI, pelo que a execução deverá prosseguir.

Esta pretensão não faz sentido.

O recorrente afirma ter o Banco (…) comunicado, ao recorrido, que fora integrado em PERSI no dia 07.06.2021 (conclusão 3), e que o recorrido não requereu a sua integração em PERSI (conclusão 5). Ora, é natural que o recorrido não tenha feito tal requerimento, atendendo a que o Banco (…) lhe comunicou que já o integrara em PERSI. Seria absurdo o recorrido requerer a sua integração em PERSI após o Banco (…) lhe comunicar já ter procedido a essa integração por sua iniciativa, como é óbvio. Só por isso, nunca poderia a omissão de requerimento de integração em PERSI prejudicar o recorrido.

O recorrente invoca o disposto no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, de cujo n.º 2 resultaria, na sua leitura, que o PERSI é «obrigatório para o devedor apenas no caso deste último o solicitar». Porém, não é assim. O referido artigo 21.º regula a situação do fiador, pelo que não é aplicável ao recorrido, que é o subscritor da livrança. O Banco (…) tinha o dever de integrar o recorrido em PERSI, nos termos do n.º 1 do artigo 14.º, com referência à alínea a) do artigo 3.º, ambos daquele diploma legal, sem necessidade de solicitação nesse sentido.

Como anteriormente referimos, o Banco (…) cumpriu esse dever. Daí que a estratégia adoptada pelo recorrente nas suas alegações seja incompreensível. É pacífico que o recorrido foi integrado em PERSI, em conformidade com o disposto no artigo 14.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 227/2012, não fazendo, por isso, sentido a discussão sobre se ele solicitou ou devia ter solicitado essa integração. O fundamento pelo qual o tribunal a quo indeferiu o requerimento executivo reporta-se, não à integração do recorrido em PERSI, mas sim à forma como o Banco (…) comunicou a extinção deste ao recorrido, considerada desconforme com o disposto no n.º 3 do artigo 17.º daquele diploma legal.

3 – Conformidade da comunicação de extinção do PERSI com o disposto no n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10:

Sobre esta questão, as alegações de recurso não contêm uma única palavra.

Dado tratar-se de uma questão de conhecimento oficioso, diremos que o sentido da decisão do tribunal a quo é o correcto.

A jurisprudência, desde logo a desta Relação, encontra-se dividida sobre a questão da suficiência da menção de que o procedimento se extinguiu na sequência de terem decorrido 91 dias desde a integração em PERSI sem que o cliente bancário tenha regularizado a sua situação perante a instituição de crédito. Dessa divergência dá conta a sentença recorrida, com exaustiva fundamentação, o que nos dispensa de maior desenvolvimento.

Porém, relativamente ao outro fundamento da decisão tomada pelo tribunal a quo, não há divergência: o n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012 exige que a comunicação, pela instituição de crédito, da extinção do procedimento, deve descrever o fundamento legal dessa extinção, o que só pode significar a obrigatoriedade de indicação da norma legal ao abrigo da qual a mesma ocorreu. Ora, a comunicação da extinção do procedimento ao recorrido não contém tal indicação, pelo que, no que toca a este fundamento, a decisão do tribunal a quo é inatacável.

Sendo assim, sem necessidade de tomarmos posição sobre a questão enunciada em primeiro lugar (com o que evitamos desnecessárias divergências neste colectivo), concluímos que o tribunal a quo decidiu correctamente, improcedendo o recurso.


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Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas a cargo do recorrente.

Notifique.


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Sumário: (…)

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Évora, 12.09.2024

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

Maria Domingas Simões (1.ª adjunta)

Eduarda Branquinho (2.ª adjunta)