INSOLVÊNCIA
PRESTAÇÃO
MORA
SUPRIMENTOS
Sumário

A mora, ainda que por um ano, da sociedade devedora no cumprimento de uma prestação, em dinheiro, devida a um sócio, não converte o crédito em suprimento.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

1200/23.0T8OLH-C.E1

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório
1. Sporting Clube (…), pessoa coletiva n.º (…), com sede em Estádio (…), Rua da (…), Olhão, requereu a declaração da insolvência de Sporting Clube (…) Futebol, SAD, pessoa coletiva n.º (…), com sede em Estádio (…), Rua da (…), Olhão.
Alegou, em resumo, que a Requerida se encontra impossibilitada de cumprir as suas obrigações, designadamente, o pagamento das rendas do “prédio estádio de futebol”, designado por Estádio (…), sito em (…), do qual a Requerente é senhoria e a Requerida arrendatária, rendas que se venceram ao longo dos anos de 2018 a 2022 e expressam o valor global de € 171.010,29, as quais não se mostram pagas pela Requerida apesar de, por diversas vezes, haver sido interpelada para o efeito.
Concluiu pedindo a insolvência da Requerida.

2. A Requerida de mão própria, via email (refª 12273464), apresentou oposição, ratificada pelo Ilustre Mandatário que veio posteriormente a constituir, suscitando a irregularidade da procuração do Ilustre Mandatário subscritor da petição inicial e considerando, em resumo, que o Autor não é titular do crédito que invoca.
Concluiu pela absolvição do pedido.

3. Houve lugar à audiência final e depois foi proferida sentença, em cujo dispositivo se consignou:
(…) tendo por reconhecida a situação de total impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas, julgo procedente a presente ação e, em consequência:
a) Declaro a insolvência da sociedade Sporting Clube (…) Futebol, SAD, pessoa coletiva n.º (…), com sede em Estádio (…), Rua da (…), 8700-395 Olhão;
b) Fixo a residência ao presidente do conselho de administração na mencionada;
c) Como Administrador da Insolvência nomeio, após sorteio eletrónico, nomeio o Senhor Dr. (…);
d) Por ora não se nomeia Comissão de Credores;
e) Ordeno a imediata apreensão, para imediata entrega ao administrador da insolvência, dos elementos da contabilidade da insolvente e de todos os seus bens, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos (artigo 36.º alínea g), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas);
f) Fixo em 30 dias o prazo para a reclamação de créditos (artigo 36.º, n.º 1, alínea j), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas);
g) Designa-se para a realização da assembleia de credores de apreciação do relatório, a que se refere o artigo 156.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o próximo dia 12 de julho de 2024, pelas 14 horas;
h) Dê publicidade à sentença nos termos dos artigos 37.º, n.os 7 e 8, e 38.º, n.º 8, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;
i) Cite os cinco maiores credores, logo que sejam conhecidos, nos termos do artigo 37.°, n.os 3 e 5, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e os demais credores e outros interessados nos termos do artigo 37.º, n.º 7, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;
j) Remeta certidão à Conservatória do Registo Comercial competente, no prazo de 5 dias, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 38.º, n.º 2, alínea b), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e artigo 9.º, alíneas i) e l), do Código de Registo Comercial;
k) Avoco todos os processos de execução fiscal pendentes contra a insolvente a fim de serem apensados ao presente processo (artigo 181.º, n.os 2 e 4, do Código de Processo Tributário);
l) Comunique a presente sentença à Autoridade Tributária e Aduaneira, à Repartição de Finanças competente e ao IGFSS;
m) Proceda à citação nos termos do artigo 80.º, n.º 1, do Código de Processo Tributário;
n) Comunique a presente decisão ao Fundo de Garantia Salarial, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 37.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”.

3. A Requerida recorre da sentença, motiva o recurso e conclui:
“I – Apenas os factos podem sem declarados provados por confissão.
II – A mera afirmação da recorrente que a recorrida «nunca durante a sua existência efetuou qualquer suprimento, apesar de ser acionista, mesmo sabendo das debilidades existentes, tendo inclusivamente desprovido a mesma de recursos financeiros em larga escala ao longo dos anos» não só, pelo seu contexto, revela que a recorrente se refere à capitalização por via da entrega de dinheiro como não é susceptível de integrar a norma do artigo 352.º do CC na parte em que se refere a uma qualificação jurídica.
III – Deve ser modificado o ponto 21 dos factos provados para A Requerida encontra-se numa situação económica difícil desde o ano de 2014 mas a Requerente nunca durante a sua existência efetuou qualquer entrega de dinheiro, apesar de ser acionista, mesmo sabendo das debilidades existentes.
IV – Deve ser aditado o ponto 25 aos factos provados: A requerente, por pelo menos um ano e meio, não usou de qualquer meio para obrar o crédito que detinha sobre a requerida relativo às rendas devida pela utilização do prédio urbano identificado em 5.
V – A recorrida é credora de montantes que não cobrou da recorrente por mais de um ano (desde 2018 ou desde 2022), sendo a recorrida accionista da requerida, com participação robusta e com direitos especiais de direcção e controle efectivo da recorrente e, por isso, tais créditos qualificados forçosamente como suprimentos.
VI – Decorre do artigo 245.º, n.º 2, do CSC que os credores por suprimentos não podem requerer a insolvência do devedor.
VII – A recorrida é parte ilegítima para requerer a insolvência da recorrente porquanto os créditos de que se arroga credora são unicamente suprimentos.
VIII – A recorrida não tem legitimidade para requerer a insolvência da recorrente.
IX – A douta sentença que declarou a insolvência da recorrente deve ser revogada, declarando-se que a recorrida não tem legitimidade para requerer a insolvência da recorrente e absolvendo-se a última do pedido, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”
Respondeu a Requerente por forma a concluir pela improcedência do recurso.
Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Objeto do recurso
Considerando que o objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 4 e 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), que nos recursos se apreciam questões e não razões ou argumentos e que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido, o recurso coloca as seguintes questões: (i) a impugnação da decisão de facto, (ii) se a Recorrida, por credora de suprimentos, não tem legitimidade para requerer a insolvência da Recorrente.

III. Fundamentação
1. Factos
1.1. A decisão recorrida julgou assim os factos:
Provado:
1.º A Requerente é uma associação desportiva que tem por objeto a participação, numa ou mais modalidades, em competições desportivas, na promoção e organização de espetáculos desportivos e no fomento ou desenvolvimento de atividades relacionadas com a prática desportiva da modalidade ou modalidades que estas sociedades têm por objeto.
2.º A Requerida é uma sociedade anónima desportiva que tem por objeto: “participação nas competições desportivas de futebol, bem como a promoção e organização de espectáculos desportivos e o fomento ou desenvolvimento de actividades relacionadas com a prática desportiva de futebol”.
3.º Integram o conselho de Administração da Requerida (…), enquanto presidente, (…), enquanto vice-presidente e (…), enquanto vogal.
4.º O capital social da Requerida está distribuído por:
a. 80% das ações possuídas por (…), Lda.;
b. 20% das ações possuídas pela Requerente.
5.º A Requerente é a única proprietária do prédio urbano sito em (…), freguesia e concelho de Olhão, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º (…) e ali registada a aquisição da propriedade a seu favor pela Ap. (…), de 12 de novembro de 1973.
6.º Mediante escrito particular datado de 1 de julho de 2017 a Requerente Sporting Clube (…) declarou arrendar à Requerida Sporting Clube (…), Futebol SAD, Estádio de futebol, denominado “Estádio (…)”, sito em (…), freguesia de Olhão, concelho de Olhão, inscrito na matriz predial urbana da dita freguesia sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º (…), da indicada freguesia, com o alvará de utilização n.º …/1994, emitido pela Câmara Municipal de Olhão em 30/12/1994”, correspondendo atualmente ao prédio mencionado em 5.º, pelo prazo de um ano, com início a partir de 1 de julho de 2017, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos, mediante o pagamento da renda mensal de seis mil euros.
7.º A renda deveria ser paga, mensalmente, por transferência bancária, para a conta identificada no contrato de arrendamento, no primeiro dia útil ao mês anterior a que diz respeito.
8.º Desde a celebração e por força do contrato de arrendamento, a Requerida tem utilizado o locado como sede e como centro da sua atividade, nomeadamente no que toca à atividade de futebol sénior.
9.º A Requerida fez o último pagamento de renda à Requerente respeitante à renda de março de 2018.
10.º A Requerida não procedeu ao pegamento das seguintes faturas emitidas relativas a rendas vencidas:
a. Fatura n.º 1026, de 19/04/2018, no valor total de € 6.000,00, encontrando-se pendente de pagamento o montante de € 902,10;
b. Fatura n.º 1030, de 04/05/2018, no valor total de € 6.000,00;
c. Fatura n.º 1036, de 04/06/2018, no valor total de € 6.000,00;
d. Fatura n.º 1041, de 11/07/2018, no valor total de € 6.000,00;
e. Fatura n.º 1046, de 08/08/2018, no valor total de € 6.000,00;
f. Fatura n.º 1056, de 24/08/2018, no valor total de € 3.351,88;
g. Fatura n.º 1060, de 04/09/2018, no valor total de € 6.000,00;
h. Fatura n.º 1063, de 04/09/2018, no valor total de € 32,50;
i. Fatura n.º 1067, de 10/10/2018, no valor total de € 6.000,00;
j. Fatura n.º 1069, de 10/10/2018, no valor total de € 32,50, encontrando-se pendente de pagamento o montante de € 8,46;
k. Fatura n.º 1074, de 06/11/2018, no valor total de € 6.000,00;
l. Fatura n.º 1075, de 06/11/2018, no valor total de € 32,50;
m. Fatura n.º 1078, de 06/12/2018, no valor total de € 6.000,00;
n. Fatura n.º 1079, de 06/12/2018, no valor total de € 32,50;
o. Fatura n.º 1080, de 06/12/2018, no valor total de € 2.440,06;
p. Fatura n.º 1118, de 06/05/2019, no valor total de € 4.000,00, encontrando-se pendente de pagamento o montante de € 2.964,29;
q. Fatura n.º 1125, de 03/06/2019, no valor total de € 4.000,00;
r. Fatura n.º 1131, de 01/07/2019, no valor total de € 6.000,00;
s. Fatura n.º 1140, de 01/08/2019, no valor total de € 6.000,00;
t. Fatura n.º 1155, de 05/09/2019, no valor total de € 6.000,00;
u. Fatura n.º 1161, de 02/10/2019, no valor total de € 6.000,00;
v. Fatura n.º 1164, de 07/11/2019, no valor total de € 6.000,00;
w. Fatura n.º 1173, de 03/12/2019, no valor total de € 6.000,00;
x. Fatura n.º 1184, de 02/01/2020, no valor total de € 6.000,00;
y. Fatura n.º 1191, de 03/02/2020, no valor total de € 6.000,00;
z. Fatura n.º 1198, de 02/03/2020, no valor total de € 6.000,00;
aa. Fatura n.º 1201, de 05/03/2020, no valor total de € 97,50;
bb. Fatura n.º 1202, de 06/04/2020, no valor total de € 32,50;
cc. Fatura n.º 1203, de 06/04/2020, no valor total de € 6.000,00;
dd. Fatura n.º 1212. de 06/05/2020, no valor total de € 6.000,00;
ee. Fatura n.º 1215, de 05/06/2020, no valor total de € 6.000,00;
ff. Fatura n.º 1220, de 02/07/2020, no valor total de € 6.000,00;
gg. Fatura n.º 1225, de 22/07/2020, no valor total de € 97,50;
hh. Fatura n.º 1228, de 04/08/2020, no valor total de € 6.000,00;
ii. Fatura n.º 1237, de 21/09/2020, no valor total de € 6.000,00;
jj. Fatura n.º 1239, de 21/09/2020, no valor total de € 65,00;
kk. Fatura n.º 1243, de 07/10/2020, no valor total de € 6.000,00;
ll. Fatura n.º 1247, de 10/11/2020, no valor total de € 6.000,00;
mm. Fatura n.º 1250, de 10/11/2020, no valor total de € 65,00;
nn. Fatura n.º 1256, de 10/12/2020, no valor total de € 6.000,00;
oo. Fatura n.º 1255, de 10/12/2020, no valor total de € 32,50;
pp. Fatura n.º 1281, de 23/06/2021, no valor total de € 195,00;
qq. Fatura n.º 1282, de 23/06/2021, no valor total de € 175,00;
rr. Fatura n.º 1286, de 14/07/2021, no valor total de € 193,50;
ss. Fatura n.º 1299, de 10/11/2021, no valor total de € 195,00;
tt. Fatura n.º 1315, de 08/03/2022, no valor total de € 97,50.
11.º Não foram ainda faturados os montantes relativos a rendas vencidas no período decorrido entre fevereiro de 2021 e junho de 2022.
12.º Até à presente data, as faturas emitidas ainda não foram pagas pela Requerida.
13.º Por diversas vezes já foi a Requerida interpelada a cumprir os pagamentos em atraso para com a Requerente, não tendo feito nunca esse pagamento.
14.º Desde o ano de 2018 que a Requerente começou a suspeitar que a Requerida estaria numa grave situação económica e financeira.
15.º A Requerida Sporting Clube (…), Futebol S.A.D. requereu em 6 de dezembro de 2019, nos autos do processo n.º 1257/19.9T8OLH, do juiz 1 deste Tribunal, Processo de Especial de Revitalização pelo que ali foi aprovado e homologado, por sentença de 3 de agosto de 2020, transitada em julgado em 30 de março de 2021.
16.º Por via do plano referido em 15.º a Requerida propunha-se manter a atividade e implementar medidas de reestruturação e consolidação financeira da sociedade incluindo acordo de pagamento dos créditos reconhecidos sendo que, quanto aos créditos subordinados estabelecia-se o perdão total e, em alternativa, caso assim o pretendessem, a transformação dos créditos em capital da sociedade.
17.º Por via do mencionado em 16.º as rendas vencidas até à aprovação do plano de recuperação foram consideradas perdoadas.
18.º Mediante notificação judicial avulsa a Requerida foi notificada em 26 de julho de 2022, na pessoa de (…), por contacto com Agente de Execução, de que a ora Requerente considerava, relativamente ao contrato de arrendamento mencionado em 6.º, encontrarem-se em dívida as rendas relativas aos meses de abril de 2018 e seguintes, num total de 51 meses em dívida, perfazendo um montante de € 271.866,39 após abatimentos esporádicos e que, por via disso, resolvia o contrato de arrendamento, devendo o arrendado ser desocupado pela Requerida e entregue à Requerente no prazo de 1 mês a contar da receção daquela notificação, para além de exigir o pagamento das rendas.
19.º A entrega do prédio referido em 5.º à Requerida apenas ocorreu em junho de 2023.
20.º A Requerida encontra-se totalmente impossibilitada de assegurar, de forma definitiva, o cumprimento das suas obrigações vencidas.
21.º A Requerida encontra-se numa situação económica difícil desde o ano de 2014 mas a Requerente nunca durante a sua existência efetuou qualquer suprimento, apesar de ser acionista, mesmo sabendo das debilidades existentes.
22.º A Requerida apresenta dívidas ao Instituto da Segurança Social, I. P., relativas a contribuições e cotizações, nos seguintes termos:
Data de Referência Contribuições Juros Vencidos
2013/07 - € 23,64
2013/08 - € 393,39
2013/09 - € 636,34
2013/10 - € 1.173,54
2013/11 - € 1.392,54
2013/12 - € 1.061,58
2014/01 - € 1.597,92
2014/02 - € 1.285,14
2014/03 € 6.431,68 € 7.283,61
2014/04 € 38.118,85 € 11.732,72
2014/06 € 24.603,52 € 7.508,23
2014/07 € 11.866,78 € 3.553,50
2014/08 € 17.255,15 € 5.124,57
2014/09 € 16.474,54 € 4.799,38
2014/10 € 15.972,29 € 4.579,57
2014/11 € 12.098,88 € 3.413,00
2014/12 € 16.744,62 € 4.646,49
2015/01 € 12.399,81 € 3.384,47
2015/02 € 16.566,61 € 4.445,90
2015/03 € 14.233,69 € 3.755,19
2015/04 € 14.052,17 € 3.643,25
2015/05 € 12.928,85 € 3.292,60
2015/06 € 17.921,29 € 4.482,26
2015/07 € 4.201,57 € 1.031,27
2015/08 € 5.904,36 € 1.422,73
2015/09 € 8.409,00 € 1.988,16
2015/10 € 9.384,00 € 1.949,79
2015/11 € 7.704,40 € 1.751,25
2015/12 € 7.541,53 € 1.679,70
2016/01 € 6.486,27 € 1.416,67
2017/12 € 250,18 € 57,36
2018/01 € 3.126,50 € 914,88
2018/02 € 3.281,37 € 1.003,72
2018/03 € 4.536,77 € 961,88
2018/04 € 2.842,64 € 846,50
2018/05 € 2.089,58 € 614,08
2018/06 € 1.702,48 € 493,15
2018/07 € 889,38 € 254,17
2018/08 € 1.469,53 € 413,82
2018/09 € 1.500,87 € 416,49
2018/10 € 1.500,87 € 410,42
2018/11 € 1.500,87 € 404,35
2018/12 € 1.500,87 € 398,28
2019/01 € 1.451,72 € 379,51
2019/02 € 3.340,26 € 868,84
2019/03 € 6.916,06 € 1.106,02
2019/04 € 4.366,22 € 1.088,63
2019/05 € 6.043,41 € 1.482,66
2019/06 € 2.944,24 € 710,53
2019/07 € 1.822,30 € 432,28
2019/08 € 1.822,30 € 424,95
2019/09 € 1.260,04 € 288,72
2019/10 € 861,18 € 193,92
2020/10 € 2.201,70 € 420,12
2021/01 - € 41,58
2021/02 - € 94,32
2021/03 € 566,73 € 152,82
2021/12 € 774,43 € 110,01
2022/01 € 723,98 € 100,16
2022/02 € 612,35 € 82,37
2022/03 € 612,35 € 80,07
2022/04 € 612,35 € 77,77
2022/05 € 807,13 € 109,84
2022/06 € 895,97 € 107,13
2022/07 € 489,98 € 54,91
2022/08 € 489,98 € 54,91
2022/09 € 489,98 € 53,07
2022/10 € 489,98 € 51,23
2022/11 € 489,98 € 49,39
2022/12 € 489,98 € 47,55
2023/01 € 528,20 € 48,59
2023/02 € 528,20 € 45,95
2023/03 € 528,20 € 43,31
2023/04 € 528,20 € 40,67
2023/05 € 528,20 € 38,03
2023/06 € 528,20 € 35,39
2023/07 € 528,20 € 30,16
2023/08 € 264,10 € 15,08
2023/09 € 264,10 € 13,76
2023/10 € 264,10 € 12,44
2023/11 € 264,10 € 9,16
2023/12 € 264,10 € 7,84
2024/01 € 264,10 € 5,88
2024/02 € 264,10 € 5,88
Total € 370.612,47 € 110.652,95.
23.º A Requerida deve à Administração Tributária a título de impostos (IRC, IRS e IVA), coimas e juros o montante de € 669.202,77 e juros de mora no montante de € 259.399,07 bem como custas no valor de € 31.826,21, perfazendo € 960.428,05.
24.º Actualmente a Requerida não se encontra inscrita em qualquer competição desportiva de futebol profissional, nacional ou regional e não lhe são conhecidos quaisquer atletas ao seu serviço, nem possui instalações ou campo desportivo para o exercício da sua atividade.

Não provado:
a) Que o contrato de arrendamento mencionado em 5.º tenha sido “rescindido” no dia 13 de Fevereiro de 2020, por carta registada, recebida na sede da Ré ou que a Ré, em conformidade com isso, tenha procedido à entrega do local em momento anterior ao referido em 19.º;
b) Que a Autora se tenha eximido a emitir faturas a partir de dezembro de 2020 referentes a rendas;
c) Que a Autora tenha feito sua, indevidamente, verbas de direitos de solidariedade de atletas que pertencessem à Ré num valor não inferior a € 80.000,00.

2. Se a Recorrida, por credora de suprimentos, não tem legitimidade para requerer a insolvência da Recorrente
A Recorrente suscita a falta de legitimidade da Recorrida/requerente para requerer a sua insolvência e, com este exclusivo fundamento de direito, pretende a revogação da sentença que a declarou insolvente.
A razão, argumenta, resulta do crédito da Recorrida dever ser qualificado como suprimentos e não permitir a lei, aos credores por suprimentos, requererem a insolvência do devedor.
A ilegitimidade assim suscitada reporta uma questão material ou substantiva; trata-se de verificar se o direito a que a Recorrida se arroga tem fundamento, admitido – ou não questionado – o seu interesse em demandar.
Segundo o artigo 245.º, n.º 2, 1ª parte, do Código das Sociedades Comerciais (CSC), “os credores por suprimentos não podem requerer, por esses créditos, a falência da sociedade”.
A alegação da Recorrente segundo a qual aos credores por suprimentos não é lícito requerer a insolvência da sociedade está, assim, certa; a questão está na subsunção dos factos ao direito, ou seja, na dificuldade, intransponível dir-se-á, de qualificar o crédito da Recorrida como crédito por suprimentos.
Sobre o contrato de suprimento o artigo 243.º do CSC dispõe assim:
1 - Considera-se contrato de suprimento o contrato pelo qual o sócio empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível, ficando aquela obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade, ou pelo qual o sócio convenciona com a sociedade o diferimento do vencimento de créditos seus sobre ela, desde que, em qualquer dos casos, o crédito fique tendo carácter de permanência.
2 - Constitui índice do carácter de permanência a estipulação de um prazo de reembolso superior a um ano, quer tal estipulação seja contemporânea da constituição do crédito quer seja posterior a esta. No caso de diferimento do vencimento de um crédito, computa-se nesse prazo o tempo decorrido desde a constituição do crédito até ao negócio de diferimento.
3 - É igualmente índice do carácter de permanência a não utilização da faculdade de exigir o reembolso devido pela sociedade durante um ano, contado da constituição do crédito, quer não tenha sido estipulado prazo, quer tenha sido convencionado prazo inferior; tratando-se de lucros distribuídos e não levantados, o prazo de um ano conta-se da data da deliberação que aprovou a distribuição.
4 - Os credores sociais podem provar o carácter de permanência, embora o reembolso tenha sido efectuado antes de decorrido o prazo de um ano referido nos números anteriores. Os sócios interessados podem ilidir a presunção de permanência estabelecida nos números anteriores, demonstrando que o diferimento de créditos corresponde a circunstâncias relativas a negócios celebrados com a sociedade, independentemente da qualidade de sócio.
5 - Fica sujeito ao regime de crédito de suprimento o crédito de terceiro contra a sociedade que o sócio adquira por negócio entre vivos, desde que no momento da aquisição se verifique alguma das circunstâncias previstas nos n.os 2 e 3.
6 - Não depende de forma especial a validade do contrato de suprimento ou de negócio sobre adiantamento de fundos pelo sócio à sociedade ou de convenção de diferimento de créditos de sócios”.
O suprimento tem sempre como fonte um negócio jurídico entre a sociedade e um sócio [neste sentido, Meneres Pimentel, Código das Sociedades Comerciais, pág. 211] e pode revestir três modalidades: (i) mútuo de dinheiro ou outra coisa fungível; (ii) diferimento de vencimento de créditos de sócios; (iii) aquisição pelo sócio, por negócio entre vivos, de um crédito diferido de terceiro contra a sociedade.
Sem a formação de um acordo de vontades entre o sócio e a sociedade mediante o qual o primeiro declara mutuar à segunda dinheiro ou outra coisa fungível e esta se obriga a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade ou o sócio declara diferir o vencimento de créditos que detenha sobre a sociedade, o contrato de suprimento não se realiza.
O crédito por suprimentos deverá ter carácter de permanência, nisto se distinguindo de um mútuo comum.
Os números 2 e 3 fixam os seguintes índices do carácter de permanência, do crédito: i) a estipulação de um prazo de reembolso do crédito superior a um ano; ii) o deferimento do vencimento do crédito superior a um ano iii) a não exigência de reembolso durante um ano após a constituição do crédito iv) o não levantamento de lucros distribuídos, decorrido um ano sobre a deliberação de distribuição.
Trata-se de presunções ilidíveis pelos sócios (artigo 243.º, n.º 4, 2ª parte, do CSC); “os sócios podem ilidir a presunção (os índices) de permanência, demonstrando que se trata de negócios independentes da sua qualidade de sócio” [António Menezes Cordeiro, Código das Sociedades Comerciais, anotado, 2ª ed. pág. 721] e, à parte isto, repete-se, a verificação dos respectivos factos base fazem presumir o carácter de permanência do crédito, não fazem presumir a existência do negócio jurídico (mútuo ou diferimento) fonte do suprimento.
As conclusões do recurso não fazem uso desta distinção e daqui a sua falta de fundamento.
A Recorrida, segundo se prova, é titular de 20% do capital social da Recorrente [ponto 4 dos factos provados] e credora desta por rendas vencidas e não pagas ao longo dos anos de 2018 e 2022 [pontos 6, 10 e 11 dos factos provados]; assente nestes factos, especialmente na circunstância da Recorrida ser credora de montantes que não cobrou a Recorrente por mais de um ano esta qualifica o crédito “forçosamente como suprimentos” [cls. V].
Ora, a não utilização pelo sócio credor da faculdade de exigir o reembolso devido pela sociedade durante um ano faz presumir, como se viu, o carácter de permanência do crédito, relativamente ao qual exista, entre o sócio e a sociedade, um negócio de deferimento do vencimento do crédito, mas não faz presumir, como se defende no recurso, o contrato de suprimento ou, mais aproximado à construção recursiva, não faz presumir o negócio de deferimento do vencimento do crédito.
A mora, ainda que por um ano, da sociedade devedora no cumprimento de uma prestação, em dinheiro, devida a um sócio não converte o crédito em suprimento.
A Recorrente não prova, nem alegou, qualquer acordo de deferimento do vencimento do crédito de rendas titulado pela Recorrida – ao invés, prova-se que esta, por diversas vezes, a interpelou para pagamento [ponto 13.º dos factos provados] – nem o acordo de diferimento se presume ante os factos provados.
O crédito não tem a natureza de suprimento e a Recorrida não se mostra impedida de requerer a insolvência da Requerente.
Havendo sido este o sentido da decisão recorrida, resta confirmá-la.
Solução que prejudica o conhecimento da remanescente questão colocada no recurso – a impugnação da decisão de facto – uma vez que não se altera em função do resultado de tal conhecimento (os factos impugnados, seja na sua formulação actual, seja na solução preconizada no recurso, não concorrem para a decisão).
Improcede o recurso.

3. Custas
Vencido no recurso, incumbe à Recorrente o pagamento das custas (artigo 527.º, nºs 1 e 2, do CPC).

Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
(…)

IV. Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto, na improcedência do recurso, em confirmar a decisão recorrida.
Custas, pela Recorrente.
Évora, 12/09/2024
Francisco Matos
Eduarda Branquinho
Maria Domingas Simões