ACIDENTE DE VIAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REQUISITOS
Sumário

I – Face ao incumprimento pela recorrente de ónus previstos no artigo 640.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, alínea a), do CPC, é de rejeitar o recurso, na parte respeitante à impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
II – Se a solução que a recorrente defende para o litígio se baseia em factualidade que não se encontra provada, mostra-se prejudicada a apreciação da questão suscitada.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Processo n.º 1523/22.6T8PTM.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro
Juízo Central Cível de Portimão

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório

(…) intentou a presente ação declarativa, com processo comum, contra (…) – Companhia de Seguros, S.A., pedindo a condenação da ré a pagar-lhe: i) a título de responsabilidade civil, a quantia de € 9.830,87, acrescida de juros de mora contados ao dobro da taxa legal, desde 16-10-2019 até efetivo e integral pagamento; ii) a título de incumprimento do dever de resposta fundamentada, o montante de € 81.400,00, acrescido de juros de mora contados ao dobro da taxa legal, desde 16-10-2019 até efetivo e integral pagamento.
Baseia o pedido formulado em acidente de viação que descreve, ocorrido no dia (…), na Urbanização (…), em Aljezur, em que o veículo ligeiro de passageiros de matrícula (…) – relativamente ao qual havia a ré assumido a responsabilidade civil emergente de danos causados a terceiros –, conduzido por (…), embateu, por culpa que imputa em exclusivo ao respetivo condutor, no veículo ligeiro de passageiros de matrícula (…), conduzido pela autora, causando-lhe lesões, tendo sofrido danos patrimoniais e não patrimoniais, como tudo melhor consta da petição inicial.
A ré contestou, defendendo-se por impugnação, aceitando a transferência da responsabilidade civil em causa e impugnando parte da factualidade alegada na petição inicial, como tudo melhor consta do articulado apresentado, pugnando pela improcedência da ação.
Dispensada a audiência prévia, foi fixado o valor à causa e proferido despacho saneador, após o que se identificou o objeto do litígio e se enunciou os temas da prova.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença, na qual se julgou improcedente a ação e se absolveu a ré do pedido, condenando-se a autora nas custas respetivas.
Inconformada, a autora interpôs recurso desta decisão, pugnando pela respetiva revogação e substituição por outra que julgue a ação procedente, terminando as alegações com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«1ºAs questões a serem apreciadas no presente recurso são:
A) a dinâmica do acidente, determinando a responsabilidade na ocorrência do mesmo
B) os danos causados na esfera da autora em consequência do embate.
C) Assunção da responsabilidade pelo acidente por parte da ré; - Conhecimento pela ré dos danos sofridos pela autora
2º - No caso concreto, em face do material probatória, documental e testemunhal angariado para os presentes autos, deveria não constar o artigo 12 da matéria dada como provada, ao invés, deveria constar da matéria dada como provada que o veículo da A, como se pode verificar do anexo 5 do relatório junto a fls. 20, já estava para além do cruzamento, o que significa que já tinha iniciado a manobra, para virar para a sua moradia e que o veículo segurado na R. tentou ultrapassar o veículo da A. pela direita, razão pela qual se deu o embate e que o condutor daquele veículo, ou seja do veículo segurado na R., - circulava a uma velocidade excessiva.
3º- O veículo da A. circulava a uma velocidade de 10 Km/ H sendo que o veículo segurado na R, colidiu pela direita com o veículo da A, a uma velocidade de 50 a 55 Km/H.
4º - As conclusões reportadas no relatório junto a fls 20 são feitas com base essencialmente no croqui elaborado pela entidade policial, junto aos autos, que permitiu a testemunha (…), fazer uma reconstituição do acidente e esclarecer com rigor sobre a dinâmica do acidente, sendo que tal documento não foi devidamente valorado pelo douto tribunal
5º - O veículo segurado R., colidiu com o veículo da A. a uma velocidade de 50 a 55 km /hora.
6º - Ora, com base na velocidade mantida pelo veículo segurado na R., não se pode assumir que este para o veículo da A. tenha vindo da direita, mas que se aproximou por de trás e tentou ultrapassá-lo pela direita.
7º - As ultrapassagens são por regra feitas pela esquerda, muito mais tendo em conta a configuração da via, o que obriga a que o condutor do veículo que pretende efetuar a ultrapassagem, tenha cuidados redobrados, isto é, apenas a deverá fazer se se verificarem as condições de segurança para tal e exclusivamente pela esquerda, o que não sucedeu.
8º - O veículo segurado na R. esta igualmente obrigado a respeitar as regras do Código da Estrada aplicáveis a um veículo que passa ou ultrapassa, ou seja, a passar ou ultrapassar o (…) pela esquerda.
9º - A estrada percorrida pelo (…) e pelo (…) pode ser vista em linha reta por vários 100 m sem curva na área em questão.
10º - A análise dos danos nos veículos (…) e (…) permite indubitavelmente uma configuração de colisão, que foi compreensivelmente efectuada pela testemunha (…) no seu relatório e que foi novamente explicada na sua audição. Verificou-se então que o (…) colidiu com a parte traseira da porta do passageiro do (…) num ângulo relativo de 25 a 30°. Esta colisão ocorreu com o (…) a superar claramente a velocidade do (…). Os cálculos científicos apresentados pela referida testemunha revelaram uma velocidade de 50,4 a 55,3 km/h para o (…) e de 8,6 a 13,5 km/h para o (…) no momento da colisão.
11º - Realça-se que as fotografias dos dois veículos tiradas pelos agentes da polícia mostram danos de colisão no veículo (…) da autora, desde o início da porta do passageiro até à frente, na direção da caixa da roda, e danos na zona do para-choques dianteiro esquerdo e no arco da roda esquerda do veículo segurado na Ré.
12º- O veículo (…) da autora não estava, portanto, parado, o que resulta das próprias declarações da autora na sua audição, mas também do parecer da testemunha (…), bem como do facto de os testemunhas presentes no (…) não terem mencionado quaisquer luzes de travagem do veículo (…) da autora.
13º - Tendo em conta as declarações convincentes da autora na sua audição, o conteúdo da peritagem da testemunha (…) e as explicações científicas apresentadas na sua audição, bem como o testemunho do agente de polícia (…), deve afirmar-se que as violações das regras relevantes do Código da Estrada foram efectuadas pelo condutor do veículo segurado na R., sendo as mesmas, a causa do evento danoso, por violação da proibição de efetuar uma manobra de ultrapassagem pela direita, bem como por violação do dever acrescido de cuidado que lhe incumbe, e por desrespeito do limite de velocidade de 50 km/h na zona em causa.
14º - Pelo que somos a concluir que a responsabilidade exclusiva pelo acidente é do condutor do veículo segurado na R., ou seja, (…).
15º - A ré, enquanto responsável pelo seguro de responsabilidade civil do veículo (…) é, por conseguinte, obrigada a indemnizar a autora pelos danos sofridos.
16º - Nessa conformidade o Tribunal deveria ter considerado essa matéria para proferir a decisão final, sendo essencial que se pronunciasse sobre a mesma, para proferir uma decisão conscienciosa, porque a tanto o tribunal esta obrigado.
17º - Ora, salvo o devido respeito por diversa opinião, não pode a Recorrente, concordar com a apreciação da prova levada a cabo, discordando, consequentemente dos fundamentos que suportam a douta decisão prolatada quanto a matéria de facto e quanto á solução de direito.
18º - Impugnada a decisão da matéria de facto com base em meios de prova sujeitos à livre apreciação (in casu, documentos particulares, testemunhas ou presunções), com cumprimento dos requisitos previstos no artigo 640.º do CPC, cumpre à Relação proceder à reapreciação desses meios de prova e reflectir na decisão da matéria de facto a convicção que formar, nos termos do artigo 662.º.
19º - Ao contemplar diverso entendimento, o Meritíssimo Tribunal A Quo, incorreu em violação do artigos 640.º, 662.º do C.P.C. e 1.º, 12.º, 13.º, 14.º, 18.º, 21.º do Código da Estrada.
Por outro lado,
20º - Os danos alegados pela Recorrente, são compatíveis com o sinistro que se discute nos presentes autos.
21º - Devido aos ferimentos sofridos e ás fortes dores sofridas pela A., que perduraram por um longo período, à duração da incapacidade de trabalhar, à perda total do gozo das férias em consequência do acidente e necessidade de interromper as mesmas e regressar à Alemanha, para tratamento posterior, todos estes danos merecem a tutela do direito pelo que a R. deve pagar à Autora uma indemnização por danos morais num montante não inferior a 8.000,00 euros, montante que se peticiona.
22º - Dito isto e voltando ao caso concreto sub judice, atendendo que a culpa do acidente se deveu ao condutor segurado na Ré, pelo que que deverá ser arbitrada um valor mais alto, a título de indemnização os seguintes danos:
• Pedido de indemnização por danos morais de 8.000,00 euros,
• Danos materiais para aluguer de automóveis 425,00 euros
• 75,40 pagos pela participação do acidente automóvel
• 1.330,47 pagos pela peritagem aos perito (…)
• Total 9.830,87
23º - A Ré tem de pagar à Autora os custos do carro que alugou juntamente com o pagamento do depósito, num montante total de 425,50 euros, pois a empresa de aluguer de automóveis (…) não devolveu o depósito à Autora, mais uma franquia de 1.000,00 euros.
24º - Por outro lado, a indemnização, a título de danos não patrimoniais, deverá, como sabemos, compensar os lesados pelos danos físicos e morais sofridos e a sofrer.
26º - Também aqui inexistem critérios “exactos”, fixados por lei, determinando esta que, à míngua desses critérios, a indemnização seja arbitrada com base na equidade.
Assim, aplicando as regras da equidade, deve in casu, atender-se às consequências físicas e morais que para a recorrida resultaram do acidente, acima reproduzidas. As incapacidades, as dores e as consequências que ficam dos acidentes de viação constituem, em geral, para os lesados o fim de uma vida saudável e são ofensas ilícitas à personalidade física e moral das pessoas, direito fundamental consagrado constitucionalmente, pelo que o quantum indemnizatório deve constituir uma contrapartida digna e justa.
27º - A Autora deve ser ressarcida de todos os danos patrimoniais por si peticionados.
28º - Ao contemplar diverso entendimento, o Mmo. Tribunal a quo incorreu em violação dos artigos 494.º, 496.º, 566.º do Código Civil.
Por outro lado,
29º - A Recorrente, requereu a condenação da Ré nos custos inerentes pelo não atendimento dos prazos previstos no DL n.º 291/2007 no que respeita à assunção da responsabilidade pelo acidente.
30º - O DL n.º 291/2007, de 21 de Agosto regula o Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, estabelecendo o Capítulo III um conjunto de regras e procedimentos a observar pelas empresas de seguros com vista a garantir, de forma pronta e diligente, a assunção da sua responsabilidade e o pagamento das indemnizações devidas em caso de sinistro no âmbito do seguro de responsabilidade civil automóvel (artigo 31.º).
31º - Prevendo o artigo 36.º um conjunto de prazos a observar pela empresa de seguros com vista ao cumprimento dos seus deveres de diligência e prontidão.
32º - Estabelecendo o artigo 38.º (proposta razoável) do mesmo diploma que:
“1 - A posição prevista na alínea e) do n.º 1 ou no n.º 5 do artigo 36.º consubstancia-se numa proposta razoável de indemnização, no caso de a responsabilidade não ser contestada e de o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte.
2 - Em caso de incumprimento dos deveres fixados nas disposições identificadas no número anterior, quando revistam a forma dele constante, são devidos juros no dobro da taxa legal prevista na lei aplicável ao caso sobre o montante da indemnização fixado pelo tribunal ou, em alternativa, sobre o montante da indemnização proposto para além do prazo pela empresa de seguros, que seja aceite pelo lesado, e a partir do fim desse prazo.
3 - Se o montante proposto nos termos da proposta razoável for manifestamente insuficiente, são devidos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no n.º 1 até à data da decisão judicial ou até à data estabelecida na decisão judicial.
4 - Para efeitos do disposto no presente artigo, entende-se por proposta razoável aquela que não gere um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado.”
33º - O artigo 38.º, n.º 2, através da remissão para o seu n.º 1 e, deste para alínea e) do n.º 1 ou do n.º 5 do artigo 36.º estabelece como dever da seguradora cujo incumprimento é sancionado com o pagamento de juros em dobro: - Comunicar em 30 dias a assunção ou não assunção da responsabilidade e, no caso de assumir a responsabilidade e o dano ser quantificável no todo ou em parte, apresentar (outro não pode ser o sentido da expressão “consubstancia-se”) uma proposta razoável (aquela que não gere um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado).
34º - Decorre da factualidade que a seguradora não comunicou com a A. ou com alguém em sua representação. Logo, não contestou a sua responsabilidade nem apresentou qualquer proposta razoável de indemnização. E o dano é quantificável.
35º - Verificam-se os pressupostos de condenação da recorrida na taxa de juros agravada a que se reporta o artigo 38.º, n.º 2, do DL 291/2007, de 21 de agosto.
36º - São por isso devidos juros no dobro sobre o montante da indemnização que vier a ser fixado em definitivo pelo tribunal.
37º Decorre da factualidade que a seguradora não comunicou com a Autora ou com alguém em sua representação. Logo, não contestou a sua responsabilidade nem apresentou qualquer proposta razoável de indemnização. E o dano é quantificável.
38º - Desse modo deverá o cálculo da penalização prevista no artigo 40.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.07, ter em conta essa data inicial.
39º - Dispõe o artigo 40.º (resposta fundamentada) do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.07:
“1 - A comunicação da não assunção da responsabilidade, nos termos previstos nas disposições identificadas nos n.ºs 1 dos artigos 38.º e 39.º, consubstancia-se numa resposta fundamentada em todos os pontos invocados no pedido nos seguintes casos:
a) A responsabilidade tenha sido rejeitada;
b) A responsabilidade não tenha sido claramente determinada;
c) Os danos sofridos não sejam totalmente quantificáveis.
2 - Em caso de atraso no cumprimento dos deveres fixados nas disposições identificadas nos n.ºs 1 dos artigos 38.º e 39.º, quando revistam a forma constante do número anterior, para além dos juros devidos a partir do 1.º dia de atraso sobre o montante previsto no n.º 2 do artigo anterior, esta constitui-se devedora para com o lesado e para com o Instituto de Seguros de Portugal, em partes iguais, de uma quantia de (euro) 200 por cada dia de atraso.”
40º - Ora, a Ré só se pronunciou sobre o sinistro em sede judicial, na contestação. Violando desse modo o seu dever de “Comunicar a assunção, ou a não assunção, da responsabilidade no prazo de 30 dias úteis, a contar do termo do prazo fixado na alínea a), informando desse facto o tomador do seguro ou o segurado e o terceiro lesado, por escrito ou por documento eletrónico”, previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 36.º, concretizado no n.º 1 do artigo 38.º e abrangido pelo campo de previsão do artigo 40.º, todos do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.07.
41º - Logo, o incumprimento do dever de resposta fundamentada constitui a seguradora como devedora para com o lesado e para com o Instituto de Seguros de Portugal, em partes iguais, de uma quantia de (euro) 200 por cada dia de atraso.
42º - A expressão em partes iguais sugere uma quantia única em divisão igualitária.
31º-Nesse sentido o Ac. TRG de 10-09-2013, Proc. n.º 2463/12.2TBBRG.G1, in www.dgsi.pt:
“O incumprimento do dever de diligência por parte da seguradora gera o direito previsto no artigo 40.º, n.º 2, do DL. 291/2007, de 21 de Agosto, que deverá ser exercido por cada um dos seus titulares, lesado e ISP.”
43º - Discutida a causa essa alegação tornou-se evidente de que a Recorrida não tinha apresentado a proposta a que legalmente se encontrava obrigada, assim incumprido de forma grosseira o decreto-lei acima mencionado.
44º - Com efeito, face ao incumprimento da R., de harmonia com o quadro legal que rege este tipo de situações, deveria ter sido esta condenada a pagar os juros em dobro ( o que efetivamente sucedeu) e, além disso, deveria ter sido condenada a R. no pagamento de uma indemnização no montante diário de € 200,00 (sendo € 100 para o lesado e € 100 para o Instituto de Seguros de Portugal). Porem a Recorrente não têm legitimidade para requer o pagamento a favor daquele Instituto apenas o montante que lhe deverá ser pago.
45º - O que fez a título pessoal quando peticionou a condenação da Ré nos custos inerentes pelo não atendimento dos prazos previstos no DL 291/2007, de 21 de Agosto no que respeita à assunção da responsabilidade pelo acidente, onde se inclui, sem margem para dúvidas, este montante indemnizatório, que foi olimpicamente ignorado pelo Tribunal a quo.
46º - Ao não ter decido assim, violou o Mmo. Juiz a quo o douto entendimento dos artigos 31.º, 36.º, 38.º a 40.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto».
A ré apresentou contra-alegações, sustentando dever ser rejeitada a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, por incumprimento de ónus impostos pelo artigo 640.º do Código de Processo Civil, e pronunciando-se no sentido da manutenção do decidido.
Face às conclusões das alegações da recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar as questões seguintes:
- da impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
- da obrigação da ré indemnizar a autora.
Corridos os vistos, cumpre decidir.


2. Fundamentos

2.1. Decisão de facto

2.1.1. Factos considerados provados em 1.ª instância:
1. Em junho de 2019, a Autora pretendeu gozar férias em Portugal, na casa que tem em (…) e, assim, à sua chegada a Faro, em 19.06.2019, alugou um veículo ligeiro de passageiros da marca e modelo (…), com a matrícula portuguesa (…), junto da empresa de aluguer de automóveis (…), Rent a Car, no aeroporto de Faro conforme contrato de aluguer n.º (…) – fls. 12 verso/53 verso (art. 1.º da petição inicial).
2. O período de aluguer acordado foi de 6 dias até 24.06.2019 (art. 2.º da petição inicial).
3. Os custos de aluguer ascenderam a € 125,50, e o depósito necessário foi de € 300,00 (art. 3.º da petição inicial).
4. A (…), Rent a Car onerou a conta de cartão de crédito da Autora com um montante total de € 425,50 (art. 4.º da petição inicial).
5. No dia 23.06.2019, pelas 16:30 a Autora e (…) foram intervenientes num acidente de viação na (…), lote 55, … (art. 5.º da petição inicial, retificada a fls. 137 verso).
6. A Autora conduzia o veículo com matrícula (…) na via, na direção à sua casa em (…), de noroeste para sudeste, ou seja, vinda da costa – fls. 138 verso (art. 6.º da petição inicial, retificada a fls. 137 verso).
7. (…) conduzia o automóvel de passageiros com a matrícula (…), tendo a ré assumido a responsabilidade de indemnizar terceiros pelos danos que viesse a causar, conforme apólice n.° (…) – fls. 39 verso (art. 7.º da petição inicial).
8. Vindo do sentido em que circulava o veículo segurado na R., uma via de traçado retilíneo, a casa da A. fica do lado direito da via (arts. 8.º da petição inicial e artigo 5.º do Código de Processo Civil).
9. Na proximidade imediata da casa da Autora há um cruzamento em formato T – fls. 19 verso (art. 9.º da petição inicial).
10. No sentido em que a Autora circulava, o cruzamento em causa situava-se à sua direita (art. 10.º da petição inicial).
11. A via estava seca e havia um passeio à direita. A via tinha 8,80 m de largura, e não havia outros veículos a circular – fls. 17/118 (art. 11.º da petição inicial).
12. A Autora passara pelo cruzamento da via e, depois, encostou à esquerda, tendo imobilizado o veículo, para depois avançar e entrar na sua propriedade. Assim, avançou e aproximou-se do eixo da via, sensivelmente em frente do portão da sua casa, iniciando a manobra de virar à direita para aceder à sua propriedade, quando o (…), que seguia do lado direito da via, embateu no (…) que cortou a linha de circulação do … (arts. 12.º e 13.º da petição inicial e 5.º e 7.º da contestação).
13. O veículo (…) embateu no (…), num ângulo relativo de 25˚ a 30˚, sensivelmente antes do portão da casa da autora (cfr. os vestígios assinalados a fls. 118), a cerca de 3,40 m do passeio do lado direito, sendo que os veículos vieram a ficar imobilizados na posição que mostram as fotografias de fls. 18 e croqui de fls. 118, em termos compatíveis com o embate supra referido. O embate deu-se entre a parte dianteira do … e a porta frontal direita do … (art. 14.º da petição inicial).
14. Da colisão resultaram danos em ambos os veículos e quatro feridos ligeiros – fls. 121 (art. 15.º da petição inicial).
15. A GNR foi chamada ao local do acidente e elaborou a participação de acidente de viação com o número de registo (…) e NPAV (…) – fls. 13 (art. 16.º da petição inicial).
16. A Autora regressou à Alemanha, como previsto, no dia seguinte após o acidente (art. 21.º da petição inicial).
17. A Autora queixou-se de dores, situando-se as mesmas na coluna cervical e no tórax, pelo que procurou assistência médica e foi examinada por médico no dia 25.06.2019 (art. 22.º da petição inicial).
18. A Autora sofreu em consequência do acidente dor na zona da coluna cervical, do lado direito, mobilidade limitada a um certo grau, sem défices neurológicos. Dor acima do músculo trapézio do lado esquerdo, dor no tórax do lado direito, no decurso do arco costal, sem dispneia – fls. 68 (art. 23.º da petição inicial).
19. A Autora esteve sem trabalhar durante 14 dias (arts. 24.º e 28.º da petição inicial)
20. Queixando-se de dores, no mesmo dia 25.05.2019, pelas 14:50 horas, a Autora deslocou-se ao hospital do (…) em (…), na Alemanha (art. 25.º da petição inicial).
21. Foi elaborado o documento de fls. 69 verso (arts. 26.º e 29.º da petição inicial).
22. A empresa de aluguer de automóveis (…) não devolveu o depósito à Autora, mais uma franquia de 1.000,00 euros (art. 31.º da petição inicial).
23. A Ré não fez quaisquer declarações conclusivas à A. relativamente à assunção de responsabilidade, muito menos prometeu o pagamento ou apresentou qualquer proposta, sendo que a A. também não lhe comunicou ter sofrido qualquer dano corporal (art. 39.º da petição inicial e 26.º e 38.º da contestação).
24. A autora pagou € 75,40 pela participação do acidente automóvel e € 1.330,47 pela peritagem ao perito … (art. 48.º da petição inicial).

2.1.2. Factos considerados não provados em 1.ª instância:
Consignou-se na sentença que, além da resposta restritiva a alguns artigos, não se provou:
- Que o (…) circulasse em “velocidade excessiva” (art. 18.º da petição inicial).

2.2. Apreciação do objeto do recurso

2.2.1. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto
A apelante põe em causa a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida, defendendo a exclusão da matéria provada do facto constante do ponto 12 de 2.1.1. e o aditamento de determinado ponto a tal matéria.
A apelada sustenta, nas contra-alegações apresentadas, dever ser rejeitada a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, por incumprimento de ónus impostos pelo artigo 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC.
Antes de mais, cumpre verificar se a apelante cumpriu os requisitos impostos pelo preceito invocado pela apelada.
Sob a epígrafe Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe o citado artigo 640.º o seguinte:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.
Explicando o sistema vigente quando o recurso envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, afirma António Santos Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª edição, Coimbra, Almedina, 2018, págs. 165-166), além do mais, o seguinte: “a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; (…) e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente (…)”.
Analisando as conclusões das alegações de recurso, verifica-se que a apelante especifica o concreto ponto de facto que considera incorretamente julgado e a decisão que entende dever ser proferida sobre tal matéria, assim dando cumprimento aos ónus constantes das alíneas a) e c) do n.º 1 do citado preceito.
Porém, apesar de invocar o erro na apreciação da prova com fundamento em meios probatórios que se encontram gravados – designadamente as declarações prestadas pela autora, os depoimentos prestados pela testemunha (…) e pela mãe desta testemunha, que a apelante não identifica, bem como pelas testemunhas (…) e (…) –, não requer a reapreciação de tais meios de prova, não indicando as passagens da gravação em que se funda o recurso, nem transcrevendo quaisquer excertos que considere relevantes.
Não obstante alegar que foram incorretamente apreciados estes meios de prova, a apelante não requer a respetiva reapreciação, não indicando as passagens da gravação em que se funda o recurso, conforme impõe o citado artigo 640.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, alínea a).
Considerando que a autora se limita, nas alegações da apelação, a tecer considerandos sobre meios de prova produzidos em sede de audiência final, a qual foi gravada, não requerendo a reapreciação de meios de prova em que baseia a alteração da decisão de facto que preconiza, com indicação das concretas passagens da gravação em que se funda o seu recurso ou transcrição de algum excerto que considere relevante, cumpre concluir que não cumpriu os ónus impostos pelo artigo 640.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, alínea a), do CPC.
Decorrendo do estatuído no corpo do n.º 1 do citado artigo 640.º que o incumprimento pelo recorrente do indicado ónus é cominado com a rejeição do recurso, na parte respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, encontra-se afastada a possibilidade de a Relação convidar ao aperfeiçoamento das alegações, de forma a suprir tal omissão.
Rejeita-se, assim, o recurso, na parte respeitante à impugnação da decisão relativa à matéria de facto.

2.2.2. Obrigação de indemnização
Está em causa, no presente recurso, a responsabilidade civil emergente de embate ocorrido no dia 23-06-2019, na (…), em (…), entre o veículo ligeiro de passageiros de matrícula (…) – relativamente ao qual havia a ré assumido a responsabilidade civil emergente de danos causados a terceiros –, conduzido por (…), e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula (…), conduzido pela autora.
Discorda a recorrente da decisão da 1.ª instância, na parte em que considerou que o embate não ocorreu em resultado de conduta ilícita e culposa do condutor do veículo segurado na ré, pelo que se concluiu não assistir à ré a obrigação de indemnizar a autora pelos danos sofridos em consequência do sinistro.
Defende a recorrente, na apelação, que a responsabilidade pela ocorrência do embate cabe em exclusivo ao condutor do veículo segurado na ré.
Verifica-se, porém, que a solução que a recorrente defende para o litígio assenta em matéria de facto não considerada provada, designadamente relativa à velocidade a que seguia o veículo de matrícula (…) e à circunstância de ter o respetivo condutor iniciado uma manobra de ultrapassagem pela direita ao veículo conduzido pela autora, o que não se provou, sendo certo que não defende qualquer alteração da matéria de direito a apreciar com base na factualidade fixada pela 1.ª instância.
Como tal, a não alteração da matéria de facto considerada provada importa se considere prejudicada a apreciação da questão da obrigação de indemnização a cargo da ré, suscitada pela recorrente na apelação, baseada em factualidade que não se encontra provada.
Nesta conformidade, face à decisão proferida em 2.2.1. e à consequente não modificação da matéria de facto provada, cumpre considerar prejudicada a apreciação da questão de direito suscitada pela recorrente na apelação.
Improcede, assim, a apelação.

Em conclusão: (…)

3. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.
Évora, 12-09-2024
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite (Relatora)
Emília Ramos Costa (1.ª Adjunta)
Rui Machado e Moura (2.º Adjunto)