VENDA JUDICIAL
REMUNERAÇÃO
DESPESAS
Sumário

1 – A encarregada da venda tem direito à remuneração a fixar pelo tribunal, nos termos do artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais, pelas várias diligências realizadas com vista à concretização da venda do imóvel penhorado, ainda que esta não se tenha realizado por facto que não lhe é imputável.
2 – Nas situações em que não se completa a venda por motivos não imputáveis à encarregada de venda, esta tem direito a ser paga pelas despesas e outros custos de contexto que comprovadamente haja realizado no decurso do período em que desenvolveu a sua actividade, desde que consiga demonstrar esses gastos e a correspondente ligação com o trabalho realizado.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Processo n.º 3513/12.8TBPTM.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Execução de Silves – J1
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Acordam na secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
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I – Relatório:
Na presente execução proposta por “Banco (…), SA” contra (…) e outros, a pretérita encarregada de venda (“…, SA”) veio interpor recurso da decisão que não lhe fixou honorários e o pagamento de outras despesas.
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A presente execução hipotecária visava a cobrança da quantia de € 71.691,48.
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Foi penhorada a fracção hipotecada e seguiu-se a venda mediante, a que foi atribuído o valor base de € 35.515,00 e o montante anunciado de € 30.187,75.
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Não foram apresentadas propostas.
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A venda prosseguiu na modalidade de venda por negociação particular, sendo o Agente de Execução o Encarregado da Venda.
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Em 23 de Dezembro de 2013, o Encarregado da Venda/Agente de Execução notificou a sociedade “(…), SA” de que a mesma passaria a ter a seu cargo a referida venda.
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O Sr. Agente de Execução requereu o deferimento do pedido de auxílio da força pública para tomada do imóvel, desabitado, bem como do pedido de constituição da Encarregada de Venda como fiel depositária daquele.
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A 09/04/2014 foi deferida a requisição do auxílio da força pública.
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Entretanto, a Exequente apresentou proposta para a aquisição do bem, a qual foi notificada aos sujeitos processuais e comunicada ao Tribunal.
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Em 17/06/2014, face à discordância da Executada quanto à proposta da Exequente, o Agente de Execução tomou posição no processo e requereu decisão do Juiz.
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Em 04/03/2017, o Agente de Execução tomou decisão quanto à venda, no sentido do seu deferimento, pelo valor de € 24.120.00.
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Em 22/03/2017 foi proferida decisão adjudicação.
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Em 24/03/2017 foi emitido o correspondente título de adjudicação e o Agente de Execução procedeu à entrega coerciva das chaves do imóvel à Exequente.
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Em 05/05/2017, a “(…), SA” entregou uma factura no valor de € 1.483,38, correspondente a “diligências levadas a cabo enquanto Encarregada de Venda”, designadamente discriminando um valor de honorários referentes a prestação de serviços da Encarregada de Venda.
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A factura foi apresentada ao Agente de Execução.
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A execução foi declarada extinta em Maio de 2020.
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Posteriormente, a “(…), SA” juntou uma outra factura, no valor de € 2.102,71, respeitante a encargos administrativos e deslocações de viatura.
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A “(…), SA” reclamou assim um total de € 3.586,09, acrescida de juros de mora no montante de € 1.667,72.
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O Agente de Execução respondeu que a Encarregada da Venda não teve qualquer intervenção na venda, sem prejuízo de se estabelecer uma remuneração pelas deslocações realizadas.
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O Agente de Execução não deferiu qualquer pagamento e remeteu a decisão para o Juiz do processo.
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A Exequente pronunciou-se, invocando a prescrição dos eventuais créditos em causa.
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O Tribunal ordenou que o Sr. Agente de Execução pagasse a factura nos estritos termos do que considerasse pertinente.
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Acto contínuo, o Agente de Execução indeferiu qualquer pagamento por falta de prova das deslocações.
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A referida decisão foi notificada à Requerente em 12/12/2023.
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Nada foi dito ou requerido nos termos legais.
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Entretanto, em 19/01/2024, o Mandatário constituído insistiu nos pagamentos por requerimento.
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A reclamação em causa foi apresentada fora do prazo previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 723.º do Código de Processo Civil e não foi liquidada a taxa de justiça devida pelo incidente.
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Após ter enunciado as diversas intervenções processuais, na parte que interessa para a impugnação recursal, a decisão tem o seguinte conteúdo:
«Nem a Encarregada de Venda fez qualquer venda no processo; nem lhe foi deferido a entrega do cargo de fiel depositária.
(…)
E os autos prosseguiram com a troca desenfreada de requerimentos.
Mais: esta actuação abusiva tem-se multiplicado em todos os processos judiciais em que a dita Encarregada foi nomeada nos mesmíssimos termos, anos e anos depois de extintos e arquivados, com a criação de assinaláveis imbróglios processuais, incluindo com recursos…
Decidindo, sem mais delongas:
Não há lugar ao pagamento de qualquer remuneração à Requerente porque esta, simples e objectivamente não procedeu a qualquer venda no processo. São cristalinos os autos na demonstração cabal de que a venda se processou exclusivamente com intervenção da parte e do Agente de Execução.
2) Não há lugar ao pagamento de quaisquer despesas administrativas com cópias e quejandas, que não são do que uma manobra ardilosa de enriquecimento ilícito às custas das partes nos processos judiciais. Não há qualquer base legal para esse pagamento, nem comprovativo da sua efectivação.
3) As pretensas despesas de deslocação não são pagáveis autonomamente. Estão englobadas no valor (relevante) da remuneração prevista.
Desde quando uma mediadora imobiliária se faz pagar por despesas que teve com a promoção de uma venda que nunca concretizou? O mesmo vale para as Encarregadas de Venda que se apresentam a prestar serviços nos processos judiciais. Ou os pagamentos em Tribunal são concebidos e feitos em condições mais desvantajosas do que aqueles que vigoram no mercado?
4) O indeferimento das suas pretensões está decidido no processo, por decisões devidamente estabilizadas no processo.
5) A apresentação tardia deste tipo de facturas com valores exorbitantes e claramente prescritos – em processos já arquivados, com pagamentos consolidados e até com devedores insolventes – carece de fundamento legal e moral.
Cogita-se, porventura, a hipótese de ser este Tribunal a ordenar o pagamento desses valores agora invocados à custas dos contribuintes portugueses?
Este Tribunal de Primeira Instância não cauciona este tipo de actuação de Encarregadas de Venda, actuação essa que não se mostra idónea ao prosseguimento dos fins das acções executivas judiciais.
Indefere-se o incidente agora aventado».
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Inconformada com tal decisão, a recorrente apresentou recurso e as suas alegações continham as seguintes conclusões:
«I – O despacho recorrido viola o previsto nos artigos 833.º do CPC e 17.º/6, do RCJ.
II – É ao juiz da execução que incumbe decidir equitativamente pela fixação em apreço nos termos e para efeitos do Regulamento das Custas Processuais e dentro dos critérios ali balizados.
III – Pelo que não só é exigível o ressarcimento de despesas havidas em nome e por conta do processo, e de deslocação, como lhe são devidos honorários nos termos legais, os quais independentes de qualquer efectiva venda.
IV – A este propósito e a título de exemplo do quanto vem sendo entendimento generalizado da jurisprudência enuncia-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28-03-2019, in DGSI, quando expressa em resposta especifica à questão única a decidir que “consiste em saber se o encarregado da venda tem direito a receber a remuneração devida pela atividade que desenvolveu, apesar de não ter procedida à venda do bem penhorado”.
“A resposta à questão colocada prende-se com a interpretação e aplicação do n.º 1 do artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais. O recorrente entende que estando prevista proposta de venda, o recebimento de 5% do valor da venda não é devido à encarregada da venda quando esta não procede a qualquer venda, sob pena de violação do n.º 1 do artigo 17.º do Regulamento das Custas. Em sentido oposto entendeu a decisão recorrida, considerando-se que “apesar de não ter sido concretizada a venda, a encarregada da venda tem direito a receber a remuneração devida pelo labor desenvolvido tendo em vista a venda, não podendo ignorar-se que a mesma deslocou-se ao local, elaborou uma brochura que divulgou na sua plataforma eletrónica e enviou a mesma para a sua carteira de clientes, realizando outras diligências e obtendo um total de 16 propostas”. Ora, é evidente que não podemos deixar de acompanhar a interpretação seguida pelo tribunal a quo. Com efeito, sob a epígrafe “Remunerações fixas”, reza, na parte que aqui importa, os n.ºs 1 e 6 do artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais: 1 – As entidades que intervenham nos processos ou que coadjuvem em quaisquer diligências, salvo os técnicos que assistam os advogados, têm direito às remunerações previstas no presente Regulamento. 6 – Os liquidatários, os administradores e as entidades encarregadas da venda extrajudicial recebem a quantia fixada pelo tribunal, até 5% do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior, e o estabelecido na tabela IV pelas deslocações que tenham de efetuar, se não lhes for disponibilizado transporte pelas partes ou pelo tribunal.
Assim, resulta expressamente deste preceito legal que a entidade encarregada da venda (excluindo o agente de execução, pese embora este possa, ao abrigo do n.º 2 do artigo 833.º do CPC, ser encarregado da venda por negociação particular) recebe a quantia fixada pelo tribunal, até 5% do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior, e o estabelecido na Tabela IV pelas deslocações que tenham de efetuar, se não lhes for disponibilizado transporte pelas partes ou pelo tribunal – n.º 6 do artigo 17.º do RCP.
Donde, resulta do seu n.º 6 o critério a observar na quantificação dessa remuneração.
Na verdade, enquanto o seu n.º 1 estabelece a regra geral de que o encarregado da venda (entre outros), que colabore em diligências processuais, tem direito à remuneração prevista no Regulamento das Custas Processuais, o seu n.º 6 fixa os critérios que deve presidir à fixação em concreto dessa remuneração, em particular quando a taxa seja variável, como no caso concreto, até 5% do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior.
Salvador da Costa, in “Regulamento das Custas Processuais anotado”, 2013, 5.ª edição, Almedina, pág. 286, socorrendo-se de Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, refere a este propósito que «intervêm acidentalmente nos processos, além das testemunhas a que se reporta a alínea e) do n.º 1 deste artigo, os peritos, os tradutores, os intérpretes, os depositários, os encarregados de vendas, os técnicos e outros”.
Esta retribuição integra o conceito legal de encargos do processo, como decorre da alínea h) do n.º 1 do artigo 16.º do R.C.P., e entra na conta de custas da parte, são imputados na conta de custas da parte ou partes responsáveis por custas, na proporção da condenação – seu artigo 24.º.
Entender-se de outro modo, como defende o recorrente, a encarregada da venda, apesar das diligências efetuadas e encargos suportadas com vista à realização da venda não teria qualquer direito a remuneração sempre que a venda não chegasse a efetivar-se, o que seria totalmente inadmissível, violando-se, desde logo, o princípio geral previsto n.º 1 do citado artigo 17.º, ao prever a remuneração para quem coadjuve em qualquer diligência, independentemente do seu resultado, entenda-se.
Sumariando, nos termos do artigo 663.º/7, do Código de Processo Civil.
A sociedade nomeada, na execução, encarregada da venda, tem direito à remuneração a fixar pelo tribunal, até 5% do valor do processo, ao abrigo do disposto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais, pelas várias diligências realizadas com vista à concretização da venda do imóvel penhorado”.
V – Não existe qualquer decisão efectiva estabilizada no processo de indeferimento de definição e arbitragem do quanto previsto no artigo 17.º/6.
VI – A recondução a agente de execução para tal é nula por vicio de lei.
VII – Mesmo a decisão deste foi no sentido de que apenas avaliaria com a junção de comprovativos.
VIII – Tais comprovativos foram juntos e encontram-se nos autos, verificando-se omissão de avaliação.
IX – Como conhecido de todos e vertido em relatório a AE proveu actividade conforme expresso nas informações prestadas, sendo que para além de diversos contactos directos (presenciais e telefónicos), dirigiu-se e levou a cabo os actos procedimentais atinentes e comunicados, para consultoria, e apoio processual.
X – O artigo 17.º, n.º 6, do RCP diz expressamente que “(…) as entidades encarregadas da venda extrajudicial recebem a quantia fixada pelo tribunal, até 5% do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior, e o estabelecido na tabela iv pelas deslocações que tenham de efectuar, se não lhes for disponibilizado transporte pelas partes ou pelo tribunal”.
XI – Isto é, resulta a sapiência que, díspar àquela fixação, a título remuneratório deverá ser fixada pelo tribunal quantia “até 5% do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior”.
XI – Resulta ainda do dito critério legal que tal não depende de efectiva venda, sendo fixado precisamente valor remuneratório independentemente daquela, com respeito ao limite percentual, tendo como base ou o valor da causa ou dos bens administrados, se este for inferior. Sendo que inclusive no caso concreto as partes fixaram contratualmente e aquando da adjudicação do mandato o ressarcimento pré-determinado a 5% acrescido de IVA.
XII – Não é nem seria lógico que a Encarregada de Venda exercesse actividade profissional gratuitamente, adiantando inclusivamente despesas para exercer tal actividade de forma indefinida no tempo, despesas estas que, quiçá, poderia nem sequer ver devidamente tidas como verificadas e aceites nos autos…!
XIII – E assim se compreende porque a Encarregada de Venda Judicial tem uma natureza em similitude legal a liquidatário/administrador, e não é equiparável a uma qualquer agência imobiliária/mediador só pago com a venda, na medida em que não é, de todo, a sua actuação processual circunscrita às tarefas por aquelas desenvolvidas, competindo-lhe para além da promoção no mercado, uma vasta panóplia de procedimentos processuais e perante as partes, em respeito da Lei, ao que ademais é desde logo exemplo as exigências adstritas ao respectivo alvará de actividade.
XIV – Dirá ainda como é de conhecimento de experiência comum, que nenhuma empresa do ramo de mediação de venda actual, com algum sustento no mercado, fixa comissão abaixo de 5% + IVA em regime de exclusividade, sendo que, nem comummente, uma qualquer outra cobra abaixo de 3% + IVA, reiterando que as exigências atinentes à actividade de Encarregada de Venda (desde logo a nível de normas legais, requisitos e seguro adstrito), e a sua actuação e natureza de funções vão muito além das singelamente tipificadas àquelas (confusão comummente feita), tendo ainda em conta a reputação e respeito granjeado pela aqui Encarregada de Venda.
XV – Não incumbe sob a EVJ uma obrigação de resultados mas de meios.
XVI – Os actos processuais verificados que implicaram adjudicação, extinção e arquivamento dos autos, comunicações afectas e despachos havidos, assim como o quanto a título de apuramento de encargos e custas finais foi completamente alheio, não notificado e sonegado à EVJ, o que implica a respectiva nulidade no que a si contende,
XVII – Designadamente no que compreende a omissão processual e legal de apreciação prévia e fixação do quanto adstrito ao artigo 17.º, n.º 6, do RCP, que deveria ter sido promovida por partes, AE e oficiosamente pelo Juiz de Execução.
XVII – Requer assim em respeito e acrescento material, a suprimento da omissão havida, que é totalmente alheia à EVJ que em nenhum momento em tal qualidade contacta directamente com os autos ou tem acesso a sistema citius, e escorreito do mesmo, a exigível apreciação e fixação de ressarcimento de despesas e remuneração fixa nos termos e para efeitos do artigo 17.º/6, do RCJ, em acordo com o supra expresso e apresentado a juízo, tudo o quanto a ser imputado a credora sendo caso adiantado pelos respectivos cofres do Tribunal/IGFPJ.
XVIII – O escorreito processual inusitado é alheio à EVJ, viola aquele dispositivo legal, e não pode haver-se por regularizado.
XIX – É que ainda que em primeira linha possa ser ouvido o Sr. Agente de Execução e partes quanto à Nota de Honorários e Despesas apresentada e pagamento requerido, e este se possa pronunciar cabalmente, designadamente quanto ao que decorreu de suas funções e articulação com a EVJ, cabe ao Tribunal, e alçada de competência do juiz do processo, e não ao agente de execução, quando a questão se coloque no âmbito de uma execução, ou outros quaisquer autos díspares, a decisão sobre a remuneração e quanto devido Encarregado de Venda – vide a vasta jurisprudência citada.
XX – Esta conclusão decorre, por um lado do n.º 1 do artigo 17.º do RCP, mas ainda, do preceituado do artigo 719.º do CPC, que versa, além do mais, sobre a repartição de competência entre o AE e o juiz do processo, a quem compete a aplicação dos critérios legais previstos no artigo 17.º, n.º 6.
XXI – Espera assim mui respeitosamente, em respeito e dignificação da actividade profissional da Encarregada de Venda – e exigível moralização, na medida em que em diversos autos é desejado perpassar a execução de actos tendencialmente desagradáveis (como seja lidar com imóveis sujos ou com escassas condições de salubridade, devedores, a remoção de pessoas e bens, e/ou zonas inseguras) e respectivos custos a terceiros, tentando posteriormente não os suportar – o deferimento equitativo quanto a nota de despesas e honorários, sem reparo.
XXII – A ausência/omissão de apreciação para efeitos do artigo 17.º do RCP por parte de Juiz a Quo, a tentativa de perpassar de tal responsabilidade para outrem sem pronuncia ou apreciação cabal e capaz, à revelia de jurisprudência citada e por si conhecida, pese embora alertada neste e inúmeros outros processos, arrepia a Lei, e ao eximir-se da singela análise de equidade e determinação em graduação que exclusivamente lhe compete, e se solicita, é um desrespeito pelo que em alçada superior vastamente apreciado Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, sempre com o mui douto suprimento de V/ Exas., deverá ser dado provimento ao recurso e revogada/rectificada a decisão recorrida, e, em consequência, a final, ser determinado o pagamento à Encarregada de Venda nos termos legais requeridos.
Assim se fazendo a sã, material, equitativa e desejada Justiça».
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O “Banco (…), SA” apresentou resposta ao recurso, pugnando que deve ser negado provimento ao recurso e, em consequência, ser mantida a decisão recorrida.
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Admitido o recurso, foram observados os vistos legais. *
II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da possibilidade de pagamento de remuneração por venda não realizada e satisfação de outras despesas acessórias.
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III – Da factualidade com interesse com interesse para a justa resolução do recurso:
A factualidade com interesse para a justa decisão da causa consta do relatório inicial.

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IV – Fundamentação:
A matéria da remuneração dos encarregados de venda encontra-se estatuída no artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais[1]. Dispõe o n.º 1 do referido preceito que «as entidades que intervenham nos processos ou coadjuvem em quaisquer diligências, salvo os técnicos que assistam os advogados, têm direito às remunerações previstas no presente Regulamento».
Acrescenta o n.º 2 do referido dispositivo que «a remuneração de peritos, tradutores, intérpretes, consultores técnicos e liquidatários, administradores e encarregadas da venda extrajudicial em qualquer processo é efetuada nos termos do disposto no presente artigo e na tabela IV que faz parte integrante desde Regulamento».
Na articulação entre o número 6.º do citado artigo com a tabela IV anexa ao Regulamento das Custas Processuais resulta que a remuneração dos liquidatários, administradores e entidades encarregada da venda extrajudicial deverá ser fixada até 5% do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior.
No que respeita aos honorários, o Tribunal a quo sufragou o entendimento que não tendo havido qualquer venda/adjudicação com a intervenção da leiloeira, inexiste fundamento legal para a remuneração das encarregadas de venda em função da sua concretização.
Em contraposição, a sociedade recorrente entende que o despacho recorrido viola as obrigações contratuais advenientes do contrato celebrado entre os intervenientes processuais/autos e a Encarregada de Venda e as regras afectas à responsabilidade civil contratual, nos termos concertados nos artigos 833.º[2] do Código de Processo Civil e do 17.º, n.º 6, do Regulamento das Custas Processuais.
Temos aqui um esboço da distinção conceptual entre as figuras da obrigação de meios e da obrigação de resultado. Consensualmente, a obrigação de meios existe quando o devedor apenas se compromete a desenvolver, prudente e diligentemente, certa actividade para a obtenção de um determinado efeito, mas sem assegurar que o mesmo se produza; a obrigação de resultado ocorre quando o devedor, ao contrair a obrigação, se compromete a garantir a produção de certo resultado em benefício do credor ou de terceiro (o cumprimento envolve já a produção do efeito a que tende a prestação, havendo coincidência entre a realização da prestação debitória e a plena satisfação do interesse do credor), resultando o devedor adstrito à efectiva obtenção do fim pretendido pelo credor[3] [4] [5] [6].
Nas vendas judiciais, o encarregado de venda e a administração da justiça estabelecem um contrato processual, atípico, bilateral, que se inclui na categoria genérica dos contratos de prestação de serviços, subordinado às regras supletivas do contrato de mandato, com uma finalidade específica e tem regulamentação legal típica depositada no Código de Processo Civil e noutros instrumentos legais que regulam a retribuição do serviço prestado.
Todavia, não estamos aqui perante uma relação contratual de mandato típico em que a empresa encarregada de venda apenas se obriga simplesmente a praticar ou desenvolver determinada actuação, comportamento ou diligência com vista à produção do resultado pretendido pelo credor.
Na verdade, tal como resulta do enunciado normativo, em ordem a permitir o recebimento da remuneração definida por lei, em regra, neste tipo contratual existe uma obrigação de resultado mitigado, que se traduz na concretização de uma venda (ou de acto de conteúdo análogo), a qual está subordinada a um conjunto de regras e de procedimentos precipitados na sobredita legislação.
Apenas se este resultado negativo não for imputável à encarregada de venda, é que poderá, excepcionalmente, ser fixada uma remuneração. A verificar-se este cenário, já se decidiu com toda a razoabilidade que a encarregada da venda tem direito à remuneração a fixar pelo Tribunal, nos termos do artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais, pelas várias diligências realizadas com vista à concretização da venda do imóvel penhorado, ainda que esta não se tenha realizado por facto que não lhe é imputável[7].
Porém, não é isto que se passou na situação judicanda. A empresa encarregada de venda vinculou-se a realizar determinada venda por um preço mínimo, mas não o logrou obter. Efectivamente, como se diz na decisão recorrida a venda processou-se «exclusivamente com intervenção da parte e do Agente de Execução».
O agente de execução emitiu um juízo de ponderação negativo sobre a actividade realizada e não há assim lugar ao pagamento de qualquer remuneração.
Noutros autos de recurso com a mesma sociedade recorrente (Processo n.º 833/10.0TBBJA.E1 – Tribunal Judicial da Comarca de Beja – Juízo Local de Competência Cível de Beja – J1), em acórdão datado de 15/06/2023, defendemos que nas situações em que não se completa a venda por motivos não imputáveis à encarregada de venda, esta tem direito a ser paga pelas despesas e outros custos de contexto que comprovadamente haja realizado no decurso do período em que desenvolveu a sua actividade.
Porém, ao contrário da outra situação em que existiam relatos de visitas e uma identidade entre a actividade realizada e os comprovativos de despesa, no cenário em apreço não é possível fazer essa reconstituição.
E, além do mais, tal como é evidenciado por agente de execução, parte das despesas apresentadas tem origem numa zona geográfica distinta daquela onde se situa a sede da agora recorrente. Na verdade, em 12/12/2023, o agente de execução refere que «a referida entidade constava – à data, com morada no concelho de Lisboa, na Via do (…) – Parque das Nações, pelo que não se entende os valores cobrados a título de despesas de deslocação com início em Aveiro».
Não havendo assim comprovativos das deslocações efectuadas e das demais despesas realizadas não há lugar ao pagamento da quantia reclamada.
Nestes termos, julga-se improcedente o recurso apresentado e mantém-se a decisão recorrida.
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V – Sumário: (…)
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas do presente recurso a cargo da sociedade apelante, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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Processei e revi.
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Évora, 12/09/2024
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Mário João Canelas Brás


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[1] Artigo 17.º (Remunerações fixas)
1 - As entidades que intervenham nos processos ou que coadjuvem em quaisquer diligências, salvo os técnicos que assistam os advogados, têm direito às remunerações previstas no presente Regulamento.
2 - A remuneração de peritos, tradutores, intérpretes, consultores técnicos e liquidatários, administradores e entidades encarregadas da venda extrajudicial em qualquer processo é efectuada nos termos do disposto no presente artigo e na tabela iv, que faz parte integrante do presente Regulamento.
3 - Quando a taxa seja variável, a remuneração é fixada numa das seguintes modalidades, tendo em consideração o tipo de serviço, os usos do mercado e a indicação dos interessados:
a) Remuneração em função do serviço ou deslocação;
b) Remuneração em função do número de páginas ou fracção de um parecer ou relatório de peritagem ou em função do número de palavras traduzidas.
4 - A remuneração é fixada em função do valor indicado pelo prestador do serviço, desde que se contenha dentro dos limites impostos pela tabela iv, à qual acrescem as despesas de transporte que se justifiquem e quando requeridas até ao encerramento da audiência, nos termos fixados para as testemunhas e desde que não seja disponibilizado transporte pelas partes ou pelo tribunal.
5 - Salvo disposição especial, a quantia devida às testemunhas em qualquer processo é fixada nos termos da tabela iv e o seu pagamento depende de requerimento apresentado pela testemunha.
6 - Os liquidatários, os administradores e as entidades encarregadas da venda extrajudicial recebem a quantia fixada pelo tribunal, até 5 % do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior, e o estabelecido na tabela iv pelas deslocações que tenham de efectuar, se não lhes for disponibilizado transporte pelas partes ou pelo tribunal.
7 - Nas perícias médicas, os médicos e respectivos auxiliares são remunerados por cada exame nos termos fixados em diploma próprio.
8 - Nas acções emergentes de acidente de trabalho ou de doença profissional incumbe à pessoa legalmente responsável pelo acidente ou pela doença, ainda que isenta de custas, o pagamento da remuneração aos peritos e da despesa realizada com autópsias ou outras diligências necessárias ao diagnóstico clínico do efeito do sinistro ou da doença.
[2] Artigo 833.º (Realização da venda por negociação particular):
1 - Ao determinar-se a venda por negociação particular, designa-se a pessoa que fica incumbida, como mandatário, de a efetuar.
2 - Da realização da venda pode ser encarregado o agente de execução, por acordo de todos os credores e sem oposição do executado, ou, na falta de acordo ou havendo oposição, por determinação do juiz.
3 - Não se verificando os pressupostos do número anterior, para a venda de imóveis é preferencialmente designado mediador oficial.
4 - O preço é depositado diretamente pelo comprador numa instituição de crédito, à ordem do agente de execução ou, nos casos em que as diligências de execução sejam realizadas por oficial de justiça, da secretaria, antes de lavrado o instrumento da venda.
5 - Estando pendente recurso da sentença que se executa ou oposição do executado à execução ou à penhora, faz-se disso menção no ato de venda.
6 - A venda de imóvel em que tenha sido, ou esteja sendo, feita construção urbana, ou de fração dele, pode efetuar-se no estado em que se encontre, com dispensa da licença de utilização ou de construção, cuja falta de apresentação a entidade com competência para a formalização do ato faz consignar no documento, constituindo ónus do adquirente a respetiva legalização.
[3] Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5.ª edição, Coimbra, pág. 733.
[4] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 5.ª edição, Coimbra, pág. 72.
[5] Menezes Cordeiro, in Direito das Obrigações, vol. I, Lisboa, 1980, pág. 358.
[6] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24/10/2019, consultável em www.dgsi.pt.
[7] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28/03/2019, disponibilizado em www.dgsi.pt.