SEGURO MULTI-RISCOS
CONTRATO DE SEGURO
DANOS
INDEMNIZAÇÃO
ABUSO DE DIREITO
Sumário

I - Para que haja abuso do direito exige-se que o excesso dos limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito seja manifesto, de tal forma que os tribunais só podem fiscalizar a moralidade dos atos praticados no exercício de direitos ou a sua conformidade com as razões sociais ou económicas que os legitimam, se houver manifesto abuso.
II – Não litiga em abuso do direito a seguradora que no decurso de um processo negocial com o seu segurado, o qual implica concessões recíprocas entre ambos, aceita reparar um dano que está excluído do âmbito da cobertura do contrato de seguro e que depois, gorada a possibilidade de uma solução consensual, já não aceita ressarci-lo por não estar abrangido por tal seguro.

Texto Integral

Proc. nº 126/23.2 T8BAO.P1
Comarca do Porto Este – Juízo de Competência Genérica de Baião

Apelação

Recorrente: AA

Recorrida: “A... – Companhia de Seguros, S.A.”

Relator: Eduardo Rodrigues Pires

Adjuntos: Desembargadores Rui Moreira e Fernando Vilares Ferreira

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO

O autor AA, residente na Rua ..., ..., ..., Porto, intentou a presente ação declarativa comum contra a ré “A... Companhia de Seguros, SA”, com sede no Largo ..., em Lisboa, peticionando a condenação desta no pagamento ao autor da quantia de 24.117,91€, a título de indemnização e compensação pelos danos sofridos, acrescido de juros vincendos à taxa legal desde a citação e até integral pagamento.

Peticiona alternativamente a condenação da ré no pagamento ao autor de indemnização a liquidar no decurso da presente ação, ou mesmo em execução de sentença, respeitante aos prejuízos que se vierem a apurar, resultantes da eliminação das deteriorações causadas pela ação da água, que venham a ser confirmadas pela perícia já requerida, caso se constate em sede de produção antecipada de prova que o valor inscrito nos orçamentos juntos aos autos está desatualizado e venha a ser confirmado valor superior ao indicado nos mesmos, acrescido do valor dos juros vincendos à taxa legal desde a citação e até integral pagamento.

Para tanto alega que é legítimo proprietário de um prédio misto, denominado de “Propriedade de ...”, composto por casa de habitação e azenha de azeite, terreiro, cultura com ramada, videiras em bardo, fruteiras e pomar, sito no Caminho ..., ..., na União de Freguesias ... e ..., concelho ..., inscritos na respetiva matriz predial urbana sob os artigos ..12 e ..14 e na matriz rústica sob o artigo ...52, descrito na Conservatória do Registo Predial de Baião sob o n.º ...2/041291 e aí registado a favor do autor.

Mais alega que, em data que não consegue precisar, um cilindro/termoacumulador elétrico, que se encontrava no primeiro andar soltou-se da parede, bem como a ligação à canalização da água, tendo ficado a jorrar água para o exterior, quer a que estava acumulada no interior do cilindro, mas também a que circulava no interior da canalização.

Alega ainda o autor que, em consequência do sinistro, sofreu prejuízos no montante de 24.117,91€.

Por fim, alega que a responsabilidade civil pelo risco de verificação de sinistro que afetasse o prédio supra descrito se encontrava transferida para a ré, que assumiu a responsabilidade pela regularização do ocorrido, embora existindo divergências quanto ao montante pelo qual o autor deveria ser ressarcido.

Devidamente citada, a ré apresentou contestação, pugnando pela improcedência parcial do pedido, invocando exclusões contratuais.

Realizou-se audiência prévia em que se fixou o valor da causa, se identificou o objeto do litígio e se enunciaram os temas de prova.

Procedeu-se à realização de audiência de julgamento com observância do legal formalismo.

Seguidamente proferiu-se sentença que julgou a ação parcialmente procedente, por provada e, em consequência, condenou a ré “A... Companhia de Seguros, SA” a pagar ao autor AA indemnização no montante de 14.695,22€, acrescido do valor correspondente de IVA no montante de 3.379,90€, por ser esse o valor adequado à reparação dos danos cobertos pelo seguro, sendo ainda o valor de 14.695,22€ acrescido de juros moratórios vencidos e vincendos, calculados à taxa de 4%, desde a citação e até integral pagamento.

A ré foi absolvida do demais peticionado.

Inconformado com o decidido, o autor interpôs recurso que finalizou com as seguintes conclusões:

A) Por via do presente recurso, o Autor pretende a alteração para PROVADOS dos factos não provados G, H e I.

B) Os concretos meios probatórios que impõem decisão diversa quanto a tais pontos da matéria de facto são o relatório pericial junto aos autos em 09.09.2023 (resposta ao quesito 12), os documentos e vídeos juntos aos autos, esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito em sede de audiência de discussão e julgamento e a prova testemunhal também aí produzida, concretamente as testemunhas inquiridas pela mandatária do A., BB e CC.

C) Resulta assim da referida prova que, na sequência do sinistro, de facto o espaço referido em 2 dos factos provados não tinha condições de segurança e utilização, tal como se encontrava, ou seja, estava sem condições de ser usado para os fins a que se destina.

D) Aliás, é notório e evidente que um espaço com patologias como as que constam do relatório pericial e que resultaram provadas na sentença, não é passível de ser utilizado para o fim a que se destina.

E) Note-se que aquele é um espaço de convívio e lazer, onde quem lá vai pretende usufruir do espaço e gozar dele plenamente para fugir à rotina da cidade. Pretende jogar na mesa de bilhar ali existente, jogar pingue pongue, o que não pode fazer. Pretende relaxar, descontrair, ao invés de estar constantemente preocupado com buracos, desníveis e tábuas levantadas.

F) Com os danos que a dependência apresentava não se podia aí circular livremente, o chão não estava plano, estava irregular, não era um sítio agradável para receber pessoas, sendo certo que era lá que o A. recebia e convivia com os seus familiares e amigos.

G) Assim, os danos causados na dependência não provocaram “meros constrangimentos” porque não só perturbaram a utilização do espaço, como também colocaram em perigo a integridade física de quem o utiliza.

H) Sem prescindir, mesmo que se entendesse como resulta da douta sentença recorrida, que o espaço continuou a ser utilizado, embora com constrangimentos, nem assim se pode afastar a privação do uso, como o fez o Tribunal a quo.

I) Com efeito, se o proprietário do bem não o pode utilizar plenamente para os fins a que o mesmo se destina, é manifesto que fica privado do seu uso, ainda que a privação não seja plena.

J) Em suma, no nosso modesto entendimento, o Tribunal a quo fez uma errada apreciação da prova quanto ao facto cuja alteração se pretende, pelo que deve ser alterado para PROVADO o facto G) da factualidade não provada.

K) Do mesmo modo e com base na mesma prova é manifesto que resultou provado não ser possível circular na dependência dos factos provados, de forma segura.

Assim sugere-se a alteração deste facto para provado, passando a sua redação a ser a seguinte: “Não é possível circular na dependência referida em 2) dos factos provados, de forma segura.”

L) Quanto ao ponto I dos factos provados entendemos também que a Sra. Juiz do Tribunal a quo fez uma errónea apreciação da prova produzida em julgamento e junta aos autos. Com efeito, do relatório pericial junto aos autos, resulta que existia no local do sinistro uma televisão, qual a sua marca e características. Veja-se o ponto 11 do relatório pericial. Do mesmo modo, os vídeos juntos aos autos são demonstrativos da televisão que existia no local e que ficou danificada em consequência do sinistro.

M) Impõe-se assim a alteração deste facto para provado, com a seguinte redação:

Na data em que foi constatada a existência da inundação, a televisão que existia no local com as características referidas em 28 dos factos provados por causa do contacto com a água deixou de funcionar.

N) Decidiu a Sra. Juiz do Tribunal a quo, ser a R. responsável pela reparação dos danos que se demonstrou terem ocorrido no imóvel por si seguro e abrangidas pelo contrato em virtude do sinistro em causa nos autos, tudo conforme consta da página 24 da sentença. Na fixação do valor dos danos baseou-se no relatório pericial junto aos autos datado de 09.09.2023, com exceção dos “trabalhos de movimentação de mesa de bilhar.”

O) De forma completamente discricionária, aleatória e injustificada, na douta sentença recorrida, a Sra. Juiz, nesta parte, julgou equitativa a fixação do valor de 650,00€ (seiscentos e cinquenta euros) quando no relatório pericial junto aos autos e no ponto 26 dos factos provados, considerou que o valor da reparação é de 950,00€ (novecentos e cinquenta euros).

P) Deste modo, a fixação do valor da reparação não pode ser feita com base na equidade, mas sim com base no valor real e efectivo da reparação do bem.

Requer-se assim a V. Exas. que para os trabalhos de movimentação da mesa do bilhar seja fixada ao A. uma indemnização, no valor de 950,00€ (novecentos e cinquenta euros) + IVA, valor esse que resulta do artigo 26 dos factos provados, alterando-se assim a sentença em conformidade.

Q) Enquadrando-se a queda do cilindro na cobertura de queda acidental de mobiliário fixo, deve a R. ser condenada a indemnizar o A. pelo valor equivalente à sua substituição, no montante de 350,00€ (trezentos e cinquenta euros), conforme resulta do ponto 17) dos factos provados.

R) No que diz respeito ao televisor, estando provado que a aquisição de um televisor de marca LG com 32 polegadas, no mercado da especialidade, atualmente implica o dispêndio de valor nunca inferior a 210,00€ e alterando-se, como se espera o ponto i) da matéria de facto não provada para provado, com a redação proposta, deve a R. ser condenada a pagar ao A. o referido valor.

S) De forma sumária a Sra. Juiz do Tribunal a quo considerou que não se mostra contratado a cobertura da privação do uso do imóvel e que, face a isso, porque o dano não está previsto, não é ressarcível.

T) No âmbito do contrato de seguro, ainda que sem cobertura facultativa e mesmo na ausência de cláusula nesse sentido, a seguradora pode ser responsabilizada pelo “dano da privação do uso” se não proceder de harmonia com o princípio da boa-fé.

U) Para que possa ser efetivada a indemnização com o dito fundamento, não basta a mera privação do uso, antes sendo necessário que se preencham os restantes requisitos da responsabilidade civil maxime a existência de um prejuízo ressarcível.

V) Neste vaso, a Ré violou o direito de gozo e fruição do Autor, impossibilitando-o de dispor livremente das faculdades contidas no seu direito de propriedade, uma vez que, mesmo alegando que “se propôs honrar o contrato de seguro celebrado com o A. liquidando-lhe os valores devidos (e não devidos)”, não emitiu recibo de indemnização capaz de garantir cabalmente a reparação dos danos que resultaram do sinistro e consequente inundação.

W) Ora, em relação ao dano da privação do uso, equivalente aos lucros cessantes pela não utilização da coisa segurada, a posição maioritária propugna o entendimento de que, mesmo não estando esta dano coberto pela apólice de seguro facultativo, existe o dever de indemnizar, sempre que se verifique que a seguradora ao não agir com prontidão e diligência, atrasou, injustificadamente e de forma abusiva, o desfecho do processo de sinistro, causando danos ao segurado.

X) Entendemos que a Ré deve ser condenada no pagamento da indemnização pela privação de uso da dependência, porque não fez uma proposta de reparação de danos coincidente com as cláusulas do contrato de seguro, estando por isso, “disfarçadamente”, a assumir a responsabilidade pelo sinistro.

Z) Se é verdade que a R. assumiu a responsabilidade por parte dos danos, não é menos verdade que não os assumiu na totalidade, obrigando o A. a instaurar a presente ação e enquanto isso continuou privado do uso da dependência e, além disso, foi apresentada uma proposta para regularização do sinistro, a qual foi feita [em] três momentos diferentes, a primeira dois meses após o sinistro, a segunda 4 meses e a última 6 meses.

AA) A violação de deveres acessórios de conduta, como se entende certificar neste caso, constitui a seguradora na obrigação de indemnização pelos danos que dessa forma hajam sido causados ao segurado.

BB) In casu, a R. violou deveres laterais e secundários do contrato de seguro (deveres acessórios fundados nas regras de conduta segundo os ditames da boa fé), por ter recebido a participação, só meses depois, o último 6 meses depois, é que assumiu parte da responsabilidade do sinistro.

CC) Estes deveres laterais são normalmente denominados pela doutrina e pela jurisprudência como “deveres acessórios de conduta” e radicam no nosso ordenamento jurídico na existência de um “dever geral de boa fé” decorrente do disposto no nº 2 do artigo 762º do Código Civil onde se estabelece que no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé.

DD) Tal significa que de acordo com o princípio da boa-fé as empresas de seguros devem assegurar uma gestão célere e eficiente dos processos de sinistro e proceder com adequada prontidão e diligência às averiguações e peritagens necessárias ao reconhecimento do sinistro e à avaliação dos danos.

EE) Assim, apesar da cobertura de privação do uso não se encontrar contemplada no contrato de seguro, assistirá ao tomador o direito de ser indemnizado pelos prejuízos que sofreu em consequência do sinistro ocorrido, por ter ficado privado do uso do imóvel, tendo a indemnização origem na responsabilidade contratual, por violação dos deveres acessórios de conduta por parte da seguradora.

FF) Em face de tudo o exposto, não obstante o dano da privação do uso não se encontrar contemplado no contrato de seguro, porque a R. violou deveres acessórios de conduta, deve ser condenada a pagar ao A. a indemnização devida pela privação do uso do imóvel desde, pelo menos, a data do sinistro até à data da elaboração do relatório pericial, data a partir da qual o A. pôde reparar a dependência, fixando-se assim a indemnização no quantitativo mensal de 150,00€ x 17 meses, o que totaliza o valor de 2.550,00€ (dois mil quinhentos e cinquenta euros).

Pretende assim que a decisão recorrida seja revogada na parte em que não condenou a ré nos montantes peticionados nos autos, sendo substituída por outra que condene a ré a indemnizar o autor:

- pelos trabalhos de movimentação da mesa de bilhar, no valor de 950,00€, acrescido de IVA;

- pelo custo de aquisição do termoacumulador, referido em 17 dos factos provados, no valor de 350,00€, acrescido de IVA;

- pelo custo de aquisição da televisão referida em 18 dos factos provados, no valor de 210,00€, acrescido de IVA;

- pela privação do uso do imóvel desde, pelo menos, a data do sinistro (maio de 2022) até à data da elaboração do relatório pericial, data a partir da qual o autor ficou em condições de poder reparar a dependência, no valor de 2.550,00€ (150,00€ x 17 meses).

A indemnização global devida ao autor deve ser fixada no montante de 21.682,92€, sendo o valor de 2.550,00€ pela privação do uso do imóvel e o valor de 15.555,22€, a que acresce IVA à taxa legal de 23% no valor de 3.557,70€, o que perfaz o montante global de 19.132,92€, pela reparação dos restantes danos.

Sobre os valores de 15.555,22€ e 2.550,00€, no valor global de 18.105,22€, devem acrescer os juros moratórios vencidos e vincendos, calculados à taxa legal de 4% desde a citação até integral pagamento.

A ré apresentou resposta ao recurso.

O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.[1]

Cumpre então apreciar e decidir.

*

FUNDAMENTAÇÃO

O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.

*

As questões a decidir são as seguintes:

I – Reapreciação da decisão proferida sobre a matéria de facto;

II – Valor da indemnização fixada pelos trabalhos de movimentação da mesa de bilhar;

III – Indemnização respeitante ao cilindro termoacumulador e ao televisor;

IV Indemnização pela privação do uso do imóvel.

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São os seguintes os factos dados como provados na sentença recorrida:

1) O Autor é titular de um prédio denominado de “Propriedade de ...”, composto por casa de habitação e azenha de azeite, terreiro, cultura com ramada, videiras em bardo, fruteiras e pomar, sito no Caminho ..., ..., na Freguesia ... e ..., concelho ..., inscritos na respectiva matriz predial urbana sob os artigos ..12 e 14 e na matriz rústica sob o artigo ...52, descrito na Conservatória do Registo Predial de Baião sob o n.º ...02 e aí registado a favor do Autor pela ap. ...04 de 2017/06/07.

2) No imóvel referido em 1) mostra-se implantada dependência com cozinha (incluindo churrasqueira), duas casas-de-banho, bem como salão de jogos com mesa de bilhar, com cerca de cem quilos, e televisão.

3) Durante as férias e fins de semana, com frequência não concretamente apurada, o Autor, a família e amigos utilizavam para conviver a dependência referida em 2).

4) Antes de Maio de 2022 na casa-de-banho do 1º andar da dependência referida em 2), anexa à cozinha, estava instalado um cilindro/termoacumulador eléctrico, fixado na parede, com ligação à canalização da água.

5) Em data não concretamente apurada, por razões que se desconhece, o cilindro soltou-se da parede, caindo no chão.

6) Com o impacto da queda no solo, o cilindro rebentou, soltou-se a ligação à canalização da água, tendo ficado a jorrar água para o exterior, quer a que estava acumulada no interior do cilindro, mas também a que circulava no interior da canalização.

7) A dependência referida em 2) ao nível do 1º andar, ficou com água e devido à quantidade de água libertada do interior da canalização, ocorreu a sua infiltração na placa que divide os dois pisos e paredes, encharcando-as, que caiu para o rés-do-chão, através da placa, mas que também escorreu pela escadaria que dá acesso ao rés-do-chão, onde ficou depositada.

8) O excesso de água foi removido do interior dos identificados compartimentos com recurso a vassoura, esfregona e baldes.

9) Por causa da infiltração de água foram realizados diversos furos na placa em betão que liga os dois pisos (rés-do-chão e primeiro andar).

10) O acesso ao piso inferior é feito através duma escadaria, toda ela revestida em madeira maciça de carvalho nacional, já o chão é totalmente revestido a madeira maciça, neste caso, carvalho francês “parquet chene massif choix campagne”, com encaixe lateral, tratando-se de pisoflutuante, tendo ficado ambos em contacto com a água, completamente submersos, que atingiu cerca de 10 cm de altura.

11) A madeira aplicada na escadaria e no soalho, em consequência do contacto com a água, ficou inchada/empolada/arqueada e levantou quer ao nível da escadaria, quer do rés-do-chão, incluindo os rodapés, que se desligaram da parede e o ripado em madeira sobre o qual foi aplicado o soalho flutuante.

12) Actualmente, a madeira (escadaria, rodapés e soalho) está empenada e deformada, não sendo possível a sua reutilização.

13) No rés-do-chão existe um compartimento destinado a arrecadação que é utilizada para armazenamento e organização de materiais, nomeadamente, árvore de natal e suas decorações, estruturas em madeira para guardar garrafas de vinho e outros.

14) A água atingiu o interior do quadro eléctrico e suas ligações, provocando curto-circuito.

15) Em consequência do contacto com a água existe uma fissura vertical no vértice das paredes localizadas a sudoeste e sudeste, em toda a altura das paredes, que já possui uma abertura superior a 1 cm.

16) Em consequência do contacto com a água a estrutura da mesa de bilhar que possui um folheado em madeira de raiz de nogueira ficou com fissuras, bem como um perfil de alumínio de porta janela ficou estragado.

17) O Termoacumulador referido em 4) que ficou danificado, à data de 12/08/2022 implicava o dispêndio de valor nunca inferior a 390,00€, e actualmente o valor de cerca de 350,00€.

18) A aquisição de um televisor da marca LG com 32 polegadas, no mercado da especialidade, actualmente, implica o dispêndio de valor nunca inferior a 210,00€.

19) A reparação do tecto destinado a eliminar furos referidos em 9) importa os seguintes trabalhos com os seguintes custos aproximados, ao qual acresce IVA:





20) A reparação da parede das escadas referidas em 7) importa os seguintes trabalhos com os seguintes custos aproximados, ao qual acresce IVA:





21) A execução de pintura dos tectos e paredes importa os seguintes trabalhos com os seguintes custos aproximados, ao qual acresce IVA:

22) A eliminação da fissura vertical localizada no vértice das paredes localizadas a sudoeste e sudeste, no rés do chão do piso atingido pela água importa os seguintes trabalhos com os seguintes custos aproximados, ao qual acresce IVA:





23) A reparação de perfil de alumínio de porta janela importa os seguintes trabalhos com os seguintes custos aproximados, ao qual acresce IVA:





24) A substituição de soalho de madeira importa os seguintes trabalhos com os seguintes custos aproximados, ao qual acresce IVA:

25) A reparação de mosaico na entrada da dispensa importa os seguintes trabalhos com os seguintes custos aproximados, ao qual acresce IVA:





26) A compostura da mesa de bilhar importa os seguintes trabalhos com os seguintes custos aproximados, ao qual acresce IVA:





27) Para reparos na instalação eléctrica importa proceder aos seguintes trabalhos com os seguintes custos aproximados, ao qual acresce IVA:





28) Após Maio de 2022 o espaço referido em 2) deixou de ter fornecimento de energia eléctrica e abastecimento de água.

29) A Apólice ...16 corresponde a um contrato de seguro multirriscos habitação, estando contratada entre Autor e Ré, conforme condições da Apólice, para o objecto seguro “imóvel” as seguintes coberturas:




30) Das condições gerais, especiais e particulares do acordo aludido em 29), cuja cópia se encontra em ref.ª 8732208 Doc. n.º 1 e que aqui se dá por integralmente reproduzida, consta, designadamente, o seguinte:

“CAPÍTULO I

DEFINIÇÕES, OBJECTO E GARANTIAS DO CONTRATO

(…) CLAUSULA 1.ª – OBJECTO, GARANTIAS DO CONTRATO E EXCLUSÕES

(…)

6. COBERTURAS FACULTATIVAS

6.01 O contrato pode ainda garantir, facultativamente, quando contratadas, as seguintes coberturas

(…)

DANOS AOS BENS SEGUROS POR ROTURA DE CANALIZAÇÕES INTERIORES

O QUE ESTÁ SEGURO

Pagamento, até ao limite do valor fixado nas Condições Particulares, de indemnização por danos directamente causados aos bens seguros em consequência de:

A) Rotura, defeito, entupimento ou transbordamento, súbito e imprevisível, da rede interior de distribuição de água e esgotos do edifício, incluindo os sistemas de esgoto de águas pluviais, assim como dos aparelhos ou utensílios ligados à rede de distribuição de água e de esgotos e respectivas ligações;

B) torneiras deixadas abertas durante a falta de abastecimento de água não imputável ao Segurado, quando esta seja:

(i) Comprovada pelos respectivos serviços abastecedores; ou

(ii) Decorrente da falta de energia eléctrica comprovada pelos respectivos serviços abastecedores.

EXCLUSÕES ESPECÍFICAS

1. Para além das exclusões previstas no número 5 da presente clausula, esta cobertura também não garante:

A) Danos provocados por infiltrações através de paredes, tetos, portas, janelas, clarabóias, terraços ou marquises, bem como por goteiras, humidade, condensação e ou oxidação, excepto quando directamente resultantes dos riscos previstos na alínea a) do âmbito desta cobertura;

B) Danos devidos a pesquisas e reparação de roturas, defeitos ou entupimentos;

C) Danos causados em edifícios, em caso de falta de manutenção da respectiva rede, existindo vestígios claros e inequívocos de que esta se encontra deterioradas ou danificada, evidenciados por oxidação, infiltrações ou manchas;

D) Danos provocados por instalações provisórias e ou que obedeçam às regras técnicas de execução e montagem;

E) Danos que sejam consequência de facto com origem fora do edifício;

F) A reparação ou substituição dos equipamentos em que o sinistro tenha tido origem nomeadamente, os equipamentos sanitários e seus acessórios, caldeiras, acumuladores, esquentadores, radiadores, ar condicionado e, em geral, de qualquer aparelho ligado, incluindo electrodomésticos, a instalações fixas.

2. Salvo convenção em contrário, constante das condições particulares, esta cobertura não garante os danos decorrentes de obras efectuadas no local de risco.

(…)

QUEDA ACIDENTAL DE MOBILIÁRIO FIXO

O QUE ESTÁ SEGURO

1. Pagamento, até ao limite do valor fixado nas Condições Particulares, de indemnização por danos causados, na sequência de despendimento fortuito e acidental, de mobiliário fixo (aparafusado ou encastrado) a paredes da residência segura ou de candeeiros de tecto pu parede, aos seguintes bens:

A) Aos próprios móveis despendidos, aos objectos neles contidos e a quaisquer bens existentes nas imediações, desde que estejam seguros pelo presente contrato;

B) nas paredes e no soalho directamente afectados pela queda dos bens referidos na alínea anterior, desde que seguros pelo presente contrato.

2. As garantias concedidas por esta cobertura não são cumulativos com qualquer outra concedida por este contrato e que garanta os mesmos bens e riscos.(…)”.

31) O Autor participou sinistro junto da Ré, que assumiu a responsabilidade pela regularização do mesmo.

32) A Ré emitiu os seguintes recibos de indemnização a favor do Autor:

i- 0000000001. Datado de 23.05.2022, no valor de 9.996,28€, referente à Cobertura “Danos aos bens seguros por rotura de canalizações interiores”;

ii- 0000000003. Datado de 23.05.2022, no valor de 390,00€, referente à Cobertura “Queda acidental de mobiliário fixo” – aditamento Danos em cilindro

iii- 004. Datado de 21.11.2022, no valor de 550,00€, referente à Cobertura “Danos aos bens seguros por rotura de canalizações interiores” – aditamento trabalhos de movimentação de mesa de bilhar.

33) O Autor recusou-se a receber os valores mencionados em 32) por não concordar com os mesmos por não corresponderem aos orçamentos recolhidos por si.

*

São os seguintes os factos dados como não provados:

a) A saída de água referida em 6) dos factos provados só foi interrompida quando esta atingiu o interior do quadro eléctrico localizado no rés-do-chão.

b) A contínua libertação de água desligou o fornecimento/abastecimento de água.

c) O Autor foi alertado pelo sistema de segurança/alarme “securitas” instalado na habitação, para a existência de falha anómala no fornecimento de electricidade, através de contacto telefónico ocorrido em Maio de 2022.

d) Uma vez alertado, o Autor deslocou-se imediatamente ao local, tendo-se deparado com água com uma altura de cerca de 8 a 10 cm nos dois pisos (rés-do chão e primeiro andar).

e) O Autor foi obrigado a proceder como referido em 9) dos factos provados.

f) Actualmente, toda a madeira (escadaria, rodapés e soalho) continua a deteriorar-se.

g) Por causa da inércia da Ré em regularizar a situação, o Autor encontra-se privado da utilização deste espaço de lazer, desde Maio de 2022, incluindo o período das férias do Verão de 2022 e todos os fins-de-semana subsequentes, incluindo os fins-de-semana das festividades do Natal e Ano Novo, e bem assim da Páscoa, privação que se mantém até à presente data.

h) Não é possível circular na dependência referida em 2) dos factos provados.

i) Na data em que foi constatada a existência da inundação uma televisão que existia no local por causa do contacto com a água deixou de funcionar.

*

Passemos à apreciação do mérito do recurso.

I. Reapreciação da decisão proferida sobre a matéria de facto

1. O autor/recorrente impugna a decisão fáctica da 1ª Instância no que toca aos factos não provados g), h) e i) que têm a seguinte redação:

- g) Por causa da inércia da Ré em regularizar a situação, o Autor encontra-se privado da utilização deste espaço de lazer, desde Maio de 2022, incluindo o período das férias do Verão de 2022 e todos os fins-de-semana subsequentes, incluindo os fins-de-semana das festividades do Natal e Ano Novo, e bem assim da Páscoa, privação que se mantém até à presente data.

- h) Não é possível circular na dependência referida em 2) dos factos provados.

- i) Na data em que foi constatada a existência da inundação uma televisão que existia no local por causa do contacto com a água deixou de funcionar.

Pretende que os mesmos sejam havidos como provados, propondo que, quanto às alíneas h) e i), as mesmas transitem para a factualidade assente com a seguinte redação:

- “Não é possível circular na dependência referida em 2) dos factos provados, de forma segura.”

- “Na data em que foi constatada a existência da inundação, a televisão que existia no local com as características referidas em 28 dos factos provados por causa do contacto com a água deixou de funcionar.”

Como meios probatórios no sentido das alterações pretendidas indica o recorrente o relatório pericial junto aos autos em 9.9.2023 e excertos dos esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito em audiência e dos depoimentos produzidos pelas testemunhas CC e BB, sendo feita ainda uma referência vaga e imprecisa aos documentos e vídeos juntos aos autos.

Como se mostram cumpridos os ónus previstos no art. 640º do Cód. de Proc. Civil, iremos então proceder à reapreciação dos pontos factuais impugnados.

2. Ao quesito 12º [Os compartimentos tal como se apresentam atualmente estão aptos a serem utilizados para o fim a que se destinam, sem necessidade de qualquer intervenção de eliminação das deteriorações que apresentam, permitindo no imediato que o Autor dele retire todas as suas utilidades?] o Sr. Perito deu a seguinte resposta:

- “Não. Os compartimentos em causa foram executados para serem espaços de utilização habitacional, pelo que, face às diversas patologias construtivas já descritas neste relatório, verifica-se que o seu estado atual de conservação não permite a utilização dos mesmos para a função que foram construídos.”

Por seu turno, ao quesito 11º [Identificar qual o modelo do cilindro e do televisor que existiam no local e que ficaram inutilizados na sequência do sinistro? E identificar qual o seu valor atual de mercado para a aquisição de novos equipamentos para a substituição dos destruídos?] o Sr. Perito, na parte relevante, respondeu pelo seguinte modo:

- O televisor é de marca LG, modelo 32LB2R-ZH de 32” (modelo descontinuado). Um modelo equivalente da marca em causa tem um custo de 210,00€.

Em esclarecimentos prestados na audiência, o Sr. Perito – Eng. DD - disse que a dependência referida no nº 2 não tinha luz, acrescentando que fizeram uma ligação direta, um bypass, a fim de continuarem a ter luz na piscina e a poderem utilizar. Referiu ainda que essa dependência funciona como espaço de apoio ao edifício principal e que o aspeto do recinto de jogo é aparentemente normal. Mas mais adiante referiu que o espaço onde está a mesa de bilhar “não está transitável para condições normais”. Disse a propósito que o chão à volta da mesa de bilhar apresenta anomalias, “todo aquele chão mexeu”. E embora não impeça que se ande por cima, não era aquilo que lá estava antes (algumas tábuas estão levantadas). Referiu depois que é possível jogar lá bilhar.

CC é enteada do autor. Disse que caiu água em cima da mesa de bilhar. Na dependência referida no nº 2 não há luz. Para a ter é necessário uma gambiarra, uma lanterna, alguma coisa para iluminar. Por isso, não utilizam o espaço, não é prático, nem é comodo estar lá com pessoas. Acrescentou que o chão junto ao bilhar está empolado, irregular e atualmente não é um sítio agradável para receber pessoas. Não tem as condições. Referiu ainda que entretanto compraram uma extensão para terem luz e poderem receber lá pessoas em épocas festivas, para, por exemplo, poderem fazer o cabrito no forno a lenha. Disse também que a televisão está estragada.

BB é cunhado do autor. Disse que caiu água na mesa de bilhar, que a dependência cheira a mofo e o chão está irregular. Por isso, nunca mais foi usada. No entanto referiu, mais adiante, que continuaram a usar a grelha, mas não o tendo feito à noite. Porém, acrescentou depois que uma vez o fizeram, ligando uma gambiarra.

3. A Mmª Juíza “a quo”, relativamente aos pontos factuais impugnados, escreveu o seguinte em sede de motivação de facto:

“… o Tribunal está convicto de que o fornecimento e abastecimento de água após Maio de 2022 deixou de ser realizado na dependência em apreço – facto provado 28) – mas não se apurou, com certeza, da prova realizada que o estado do quadro eléctrico não permita o fornecimento de água e electricidade na aludida dependência, e que não se mantenha apenas desligado em face do zelo e cuidado do Autor.

(…)

(…) a Testemunha CC minuciou eventos, após o sucedido nos autos, em que a dependência referida em 2) foi utilizada, com constrangimentos, é certo, mas utilizada, portanto, não se conclui que o Autor se encontra privado de utilização daquela. O mesmo sucede com a circulação no espaço, aliás basta verificar os fotogramas juntos aos autos em sede de contestação ou juntos com o relatório pericial a que já se fez referência, para se constatar que é possível circular, com constrangimentos, como decorre e se conclui das regras da experiência e ditames da lógica.

Ponderando as incoerências detectadas entre os depoimentos das Testemunhas BB e CC (até quanto ao momento de chegada do Autor ao local dos autos) estes depoimentos foram insuficientes e inaptos, para levar o Tribunal a concluir que, naquele momento, também existia no local uma televisão, que por causa do contacto com a água deixou de funcionar, ainda que um equipamento desses se mostre retratado em dois ficheiros de imagem juntos com a petição inicial – através dos quais não se consegue aferir as características do equipamento em questão, sendo que além do mais se presume não terem os fotogramas sido realizados no mesmo dia em que o evento danoso foi conhecido, pelo que tais fotogramas são insuficientes para a prova do facto, a saber i).

4. Deverá a Relação alterar a decisão factual se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa – cfr. art. 662º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil.

Sucede que a Relação, nesta reapreciação, goza de autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção sobre os meios de prova sujeitos a livre apreciação, sem exclusão do uso de presunções judiciais.

Como tal, a livre convicção da Relação deve ser assumida em face dos meios de prova que estão disponíveis, impondo-se que o tribunal de recurso sustente a sua decisão nesses mesmos meios de prova, descrevendo os motivos que o levam a confirmar ou infirmar o resultado fixado em 1ª instância.[2]

De salientar ainda que o valor probatório da perícia, aqui de inegável relevo, é livremente apreciado pelo tribunal – cfr. arts. 489º do Cód. de Proc. Civil e 389º do Cód. Civil.

5. Ora, da avaliação que fazemos do teor do relatório pericial, dos esclarecimentos prestados em audiência pelo Sr. Perito e dos depoimentos das testemunhas CC e BB, o que sempre se conjugará com as fotografias anexas à perícia, entendemos que a decisão factual da 1ª Instância relativamente ao uso da dependência afetada pelo sinistro se mostra acertada.

Com efeito, mesmo que em consequência do sinistro a utilização do espaço em causa nos autos tenha sofrido limitações e constrangimentos, certo é que ele continuou a ser usado, tanto como apoio à piscina, através da instalação de um bypass para o fornecimento de luz, como até de forma mais alargada com a utilização da grelha e do forno de lenha, o que decorre dos depoimentos das testemunhas CC e BB.

E quanto à circulação na dependência, a mesma, da mera observação das fotografias anexas ao relatório pericial, mostra-se inequívoca.

Deste modo, os factos constantes das alíneas g) e h) manter-se-ão como não provados.

6. No tocante à televisão, em sintonia com a 1ª Instância, entendemos que os meios probatórios produzidos nos autos são insuficientes para que se possa dar como provado que esta existisse no local no momento do sinistro e que tivesse deixado de funcionar em consequência do contacto com a água, salientando-se que o relatório pericial e as fotografias dele constantes, muito posteriores ao sucedido, nada esclarecem a tal propósito.

A mera afirmação da testemunha CC de que a televisão está estragada é também insuficiente para tal efeito.

Por conseguinte, a impugnação fáctica do autor/recorrente improcede “in totum”.

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II. Valor da indemnização fixada pelos trabalhos de movimentação da mesa de bilhar

Na sentença recorrida a Mmª Juíza “a quo”, no que concerne aos trabalhos de movimentação da mesa de bilhar, fixou o respetivo montante indemnizatório no valor de 650,00€ por o considerar equitativo, o que teve a discordância do autor em via recursiva.

Sustenta este que tal fixação foi feita de modo arbitrário, uma vez que no ponto 26 dos factos provados se deu como assente que a desmontagem, remoção e reposição no local da mesa de jogo, incluindo reparação de fendas no revestimento e outros trabalhos necessários, ascende a 950,00€.

Vejamos então.

Com efeito, no nº 26 da matéria de facto deu-se como assente que a compostura da mesa de bilhar, envolvendo a sua desmontagem, remoção e reposição no local, incluindo ainda a reparação de fendas no revestimento e outros trabalhos necessários, importa em 950,00€, valor a que acresce IVA.

A Mmª Juíza “a quo”, apelando a um mero juízo equitativo que em nada concretizou, decidiu reduzir este valor, que reportou aos trabalhos de movimentação da mesa de bilhar, à importância de 650,00€.

Porém, não vislumbramos motivo para operar esta redução, razão pela qual entendemos que este segmento indemnizatório deverá ser elevado para 950,00€, ao qual acrescerá IVA, o que impõe a procedência do recurso neste segmento.

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III. Indemnização respeitante ao cilindro termoacumulador e ao televisor

1. a) No tocante à indemnização peticionada relativamente à substituição/reparação do cilindro/termoacumulador, a Mmª Juíza “a quo” desatendeu-a com a seguinte argumentação:

“O Autor contratou ainda cobertura por queda acidental de mobiliário fixo, que prevê o pagamento de indemnização por danos causados, na sequência de desprendimento fortuito e acidental, de mobiliário fixo (aparafusado ou encastrado) a paredes da residência segura relativamente, entre outros, aos próprios móveis despendidos, aos objectos neles contidos e a quaisquer bens existentes nas imediações, desde que estejam seguros pelo contrato.

Porém, prevê-se ainda naquele contrato, que as garantias concedidas pela cobertura por queda acidental de mobiliário fixo não são cumulativos com qualquer outra concedida por este contrato e que garanta os mesmos bens e riscos.

No contrato de seguro, o risco constitui um elemento essencial ou típico dessa espécie contratual, o qual se traduz na possibilidade de ocorrência de um evento futuro e incerto, de natureza fortuita, com consequências desfavoráveis para o segurado.

Por sua vez, o sinistro é a ocorrência concreta do risco assim previsto, devendo reunir as mesmas características com que é ali configurado.

Assim, no caso dos autos, o sinistro que se consubstanciou na ocorrência do risco foi que em data não concretamente apurada, por razões que se desconhece, o cilindro - aparelho ou utensílio ligado à rede de distribuição de água e de esgotos e respectivas ligações/ mobiliário fixo (aparafusado ou encastrado) a paredes da residência segura - desprendeu-se da parede, caindo no chão, sendo que com o impacto da queda no solo, o cilindro rebentou, soltou-se a ligação à canalização da água, tendo ficado a jorrar água para o exterior, quer a que estava acumulada no interior do cilindro, mas também a que circulava no interior da canalização.

Ou seja, o mesmo risco é garantido por duas coberturas - DANOS AOS BENS SEGUROS POR ROTURA DE CANALIZAÇÕES INTERIORES e QUEDA ACIDENTAL DE MOBILIÁRIO FIXO - logo no caso dos autos não é de aplicar a cobertura denominada QUEDA ACIDENTAL DE MOBILIÁRIO FIXO.

Não vem alegada qualquer circunstância, designadamente omissão do dever de informação e esclarecimento, que permita desconsiderar aquela exclusão, sendo que a circunstância de a Ré se ter predisposto a efectuar o pagamento de “Danos em cilindro” [facto provado 32) ii)], não consubstancia um aditamento ou alteração ao contrato inicialmente contratado, sendo plausível, no âmbito da execução de contractos que uma das partes faça concessões à outra, em prol da boa fé e das boas relações comerciais.

Não se crê que com isso se criem expectativas à contraparte dignas de protecção, fora do âmbito extrajudicial, ou seja, em sede judicial. Donde, o pagamento/reparação de cilindro não tem cabimento.

Relembrando, o contrato dos autos tem como objecto um imóvel, e não bens móveis, sendo certo que certos bens móveis podem, se assim estiver previsto ser substituídos ou ser prestado o devido pagamento.

No caso dos autos, não se demonstrou que a cobertura se estenda a bens móveis.”

Temos esta argumentação por correta, atendendo a que resulta das exclusões previstas no contrato de seguro que as garantias concedidas pela cobertura “queda acidental de mobiliário fixo” não podem ser cumuladas com qualquer outra concedida pelo contrato e que garanta os mesmos bens e riscos.

b) Contudo, o autor/recorrente vem salientar que, em sede extrajudicial, a ré/seguradora aceitou reparar este dano, conforme flui do facto provado nº 32, ii), de tal modo que ao entender posteriormente não o reparar litiga em abuso do direito na modalidade de “venire contra factum proprium”.

Não cremos que tal ocorra.

Dispõe o art. 334º do Cód. Civil que «é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.»

Para que haja abuso do direito exige-se que o excesso seja manifesto. Os tribunais só podem, por isso, fiscalizar a moralidade dos atos praticados no exercício de direitos ou a sua conformidade com as razões sociais ou económicas que os legitimam, se houver manifesto abuso. MANUEL DE ANDRADE refere-se aos direitos exercidos em termos clamorosamente ofensivos da justiça (in “Teoria Geral das Obrigações”, pág. 63) e às “hipóteses em que a invocação e aplicação de um preceito de lei resultaria, no caso concreto, intoleravelmente ofensiva do nosso sentido ético-jurídico, embora lealmente se aceitando como boa e valiosa para o comum dos casos a sua estatuição”.

Ora, para determinar os limites impostos pela boa-fé e pelos bons costumes, há que atender de modo especial às conceções ético-jurídicas dominantes na coletividade. Já no que respeita ao fim social ou económico do direito, deverão considerar-se os juízos de valor positivamente consagrados na lei cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., págs. 298/9.

O fim económico e social de um direito traduz-se, essencialmente, na satisfação do interesse do respetivo titular no âmbito dos limites legalmente previstos. O agir de boa-fé envolve a atuação nas relações em geral e em especial no quadro das relações jurídicas, honesta e conscienciosamente, isto é, numa linha de correção e probidade, não procedendo de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável tolera. Os bons costumes são, por seu turno, o conjunto de regras de comportamento relacional, acolhidas pelo direito, variáveis no tempo e, por isso, mutáveis conforme as conceções ético-jurídicas dominantes na coletividade em determinado tempo.

O abuso do direito constitui, pois, uma fórmula tradicional para exprimir a ideia do exercício disfuncional de posições jurídicas. Funciona como limite ao exercício de direitos quando a atitude do seu titular se manifeste em comportamento ofensivo do sentido ético-jurídico da generalidade das pessoas em termos clamorosamente opostos aos ditames da lealdade e da correção imperantes na ordem jurídica.
No abuso do direito há uma atuação humana estritamente conforme com as normas imediatamente aplicáveis, mas que, tudo visto, se apresenta ilícita por contrariedade ao sistema, no seu todo - Cfr. MENEZES CORDEIRO, “Litigância de Má Fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa “in Agendo””, Almedina, 2006, pág. 33.

Por seu lado, para ALMEIDA COSTA (in “Direito das Obrigações”, Almedina, 11º ed., pág. 83) o princípio do abuso do direito constitui um dos expedientes técnicos ditados pela consciência jurídica para obtemperar, em algumas situações particularmente clamorosas, aos efeitos da rígida estrutura das normas legais. Ocorrerá tal figura de abuso quando um determinado direito – em si mesmo válido – seja exercido de modo que ofenda o sentimento de justiça dominante na comunidade social.

Acontece que a circunstância de a ré seguradora, na sequência do processo negocial havido com o autor, ter emitido recibos de indemnização no valor global de 10.936,28€, aí englobando num deles a importância correspondente aos danos no cilindro – 390,00€ -, tendo posteriormente vindo a considerar, ao não alcançar acordo com o segurado, que tais danos não estavam abrangidos pela cobertura do seguro, não significa que esta esteja a litigar em abuso do direito.

Em qualquer processo negocial é natural que as partes façam concessões uma à outra, de tal modo que a seguradora pode, no decurso desse processo e no contexto de uma boa relação comercial, aceitar reparar um dano, mesmo que esse dano, face ao que consta das condições do contrato, esteja excluído do âmbito da respetiva cobertura.

No entanto, gorada a possibilidade de uma solução consensual, se a seguradora, escudada no teor das exclusões previstas no contrato, não aceitar reparar os danos no cilindro, por os considerar não abrangidos pela sua cobertura, isso não implica abuso do direito, desde logo porque esse abuso terá que envolver um excesso manifesto dos limites impostos pela boa fé, o que não ocorre no caso dos presentes autos.

2. No que concerne ao televisor, segmento em que o autor/recorrente reclama a importância de 210,00€, a sua pretensão recursiva também não pode proceder, uma vez que permaneceu como não provado, conforme se expôs em I. 6., que na data em que foi constatada a existência da inundação uma televisão que existia no local por causa do contacto com a água deixou de funcionar – facto não provado i).

Como tal, nesta parte (cilindro termoacumulador; televisor), improcede o recurso interposto pelo autor.

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IV. Indemnização pela privação do uso do imóvel

1. Por fim, o autor/recorrente reclamou também uma indemnização pela privação do uso do imóvel no valor de 150,00€ diários desde maio de 2022, que à data da propositura da ação perfazia 1.500,00€.

Na sentença recorrida a atribuição deste segmento indemnizatório foi desatendida nos seguintes termos:

“Por outro lado, não se mostra contratado a cobertura de privação de uso do imóvel.

Assim, contratualmente o dano (…) de privação de uso não estando previsto não é ressarcível.

(…)

Há que referir ainda que o Autor não logrou provar que a Ré não cumpriu com a obrigação a que estava adstrita, ou que o tenha feito de modo imperfeito, na medida em que resultou demostrado que a Ré se disponibilizou a indemnizar o Autor, assumiu inclusivamente o pagamento de montante excluído contratualmente.

Mais não é despiciendo ponderar que o valor oferecido pela Ré – 11.695,22€ cf. facto provado 32) – não se afasta exponencialmente do somatório dos montantes supra-referidos (se tivermos em conta o valor sem IVA).

A ser assim, sempre seria de afastar o ressarcimento pelo não uso (não provado) da dependência dos autos.”

Em sede recursiva, o autor sustenta a procedência deste montante indemnizatório, pugnando previamente, nesse sentido, pela alteração da factualidade assente no que concerne aos factos dados como não provados sob as alíneas g) e h).

E quanto à circunstância de a cobertura do dano de privação de uso não se achar contratada defende que, apesar dessa situação, o dever de indemnizar por parte da seguradora existe, pois esta não agiu com prontidão e diligência na resolução do sinistro, o que significa ter violado deveres acessórios de conduta.

Vejamos então.

2. Sucede que, não tendo sido alterada a factualidade não provada no que tange às alíneas g) e h), pelos motivos que atrás se expuseram em I.5., a indemnização pela privação do uso do imóvel fica desde logo arredada, porquanto a ocorrência deste dano não se provou.

Ou seja, se não se prova a privação do uso, nunca poderá ser atribuído o segmento indemnizatório, que com esse fundamento, é reclamado pelo autor/recorrente, o que torna desnecessária a apreciação da demais argumentação apresentada pelo autor/recorrente que, face à não contratação desta cobertura, se centrava na eventual violação de deveres acessórios de conduta por parte da ré seguradora.

Assim sendo, mostrando-se desnecessários outros considerandos, improcederá, nesta parte (privação do uso), o recurso interposto.

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Em suma: o recurso interposto pelo autor procede apenas no que toca à indemnização devida pelos trabalhos de movimentação da mesa de bilhar que será elevada para 950,00€, perfazendo a indemnização global a importância de 14.995,22€.

A esta importância acresce o valor correspondente a IVA no montante de 3.448,90€.

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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. de Proc. Civil):

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DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelo autor AA e, em consequência, condena-se a ré “A... – Companhia de Seguros, S.A.” a pagar-lhe indemnização no montante global de 14.995,22€ (catorze mil novecentos e noventa e cinco euros e vinte e dois cêntimos), acrescida do valor correspondente a IVA no montante de 3.448.90€ (três mil quatrocentos e quarenta e oito euros e noventa cêntimos).

O valor indemnizatório – 14.995,22€ - será também acrescido de juros moratórios vencidos e vincendos, calculados à taxa de 4% desde a citação e até integral pagamento.

As custas serão suportadas pelo autor e pela ré na proporção do decaimento, que se fixa, em ambas as instâncias, em 23% para o autor e em 77% para a ré.


Porto, 10.9.2024

Eduardo Rodrigues Pires

Rui Moreira

Fernando Vilares Ferreira


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[1] A ré seguradora apresentou ainda um pedido de retificação do dispositivo da sentença, ao abrigo do art. 614º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, o qual foi indeferido pela Mmª Juíza “a quo”.   
[2] Cfr. ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e PIRES DE SOUSA, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, págs. 823 e 825.