CONTRATO DE ARRENDAMENTO
OBRAS NO ARRENDADO
CONSENTIMENTO DO SENHORIO
OBRAS NÃO AUTORIZADAS
PRAZO DE CADUCIDADE
Sumário

I - As obras não consentidas por escrito pelo senhorio constitui uma violação instantânea do contrato, sujeitas ao prazo de caducidade de um ano a contar do seu conhecimento pelo senhorio.
II - A caducidade do direito de resolução, verificada em relação ao primitivo senhorio, é oponível ao sucessor do direito de propriedade do imóvel onde se encontra o locado, não podendo este último alegar desconhecimento sobre o fundamento resolutivo.
III - A exigência de consentimento escrito para a realização de obras no locado constitui uma formalidade ad probationem e não ad substantian, ou seja, destina-se a provar o assentimento do senhorio, como medida de protecção do inquilino.

Texto Integral

Processo n.º 18995/22.1T8PRT.P1

Relatora: Anabela Andrade Miranda

Adjunto: Artur Dionísio Oliveira

Adjunto: Rodrigues Pires


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Sumário

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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I—RELATÓRIO

“A..., Unipessoal, Lda.”, sociedade comercial por quotas, com sede na Rua ..., ..., Sala ..., ..., Porto, intentou a presente acção de despejo, contra AA, residente na Rua ..., 2.º andar, ... Porto pedindo o despejo do locado e o pagamento de uma indemnização pelos danos causados.

A ré contestou.


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Proferiu-se sentença que julgou a acção totalmente improcedente e absolveu a ré dos pedidos.

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Inconformada com a sentença, a autora interpôs recurso finalizando com as seguintes

Conclusões

1.ª) Sem prejuízo do respeito devido e institucional, parece-nos que, quer a matéria de facto, quer a matéria de direito foram deficientemente julgadas, quer porque a maioria dos elementos de prova carreados para os autos obrigariam a resposta diversa a alguns dos factos constantes nos dados como provados e, outrossim, nos dados como não provados, quer porque entendemos que foram ignoradas as disposições legais que deveriam presidir à solução jurídica correcta e adequada.

2.ª) A resposta à matéria de facto, ora em crise, não valorou devidamente os depoimentos das testemunhas arroladas pela apelante, sem que se consiga perceber os motivos, pois tais depoimentos foram isentos e credíveis. E menos se compreende uma vez que as testemunhas da autora não podem ser consideradas menos credíveis do que as indicadas pela ré, ora recorrida, até pelas profissões que desempenham, sendo ainda certo, que revelaram conhecimento directo dos factos em crise nos autos.

3.ª) Na matéria de facto dado como provada, nos pontos 15.º, 16.º e 19.º, o Tribunal “a quo” deu como assente por verdadeiro um facto essencial para decisão do litígio–autorização das obras pelo primitivo senhorio, pai dos vendedores.

4.ª) Entendeu o Tribunal “a quo” que o mesmo resulta provado dos depoimentos prestados pela corte de testemunhas apresentadas pela ré, ora apelada.

5.ª) Com o devido respeito não há um só depoimento credível nesse sentido, havendo apenas depoimentos no sentido de conhecerem as obras realizadas, há diversos anos, mas sobre a autorização não.

6.ª) O Tribunal “a quo” valorizou com especial ênfase o depoimento da primeira testemunha da ré, a Exma. Senhora BB, mas compulsada a sentença não se divisa qualquer referência à autorização dada pelo anterior senhorio. De resto é surpreendente a credibilidade emprestada a este depoimento, quando o próprio Meritíssimo Juiz, entre o 1m e 50s a 3m e 12s (ficheiro18995-22.1T8PRT_2023-11-20_15-03-46), questiona o depoimento da testemunha afirmando que é mau sinal começar a falar da porta sem ninguém a ter questionado sobre tal assunto.

7.ª) De igual modo, o Meritíssimo Juiz, entre os 24 m e 29s a 24m e 59s (ficheiro18995-22.1T8PRT_2023-11-20_15-03-46), volta a questionar o depoimento da testemunha BB, desta feita pelo facto de esta estar preocupada com questões cuja análise não lhe competia, como contratos e a porta.

8.ª) Mediante a leitura destes segmentos parece-nos óbvio que o Tribunal “a quo” ficou com sérias dúvidas sobre a credibilidade e isenção deste depoimento,

9.ª) Acresce que, o depoimento produzido pela testemunha BB sobre a caracterização da porta existente nas escadas comuns que impede o acesso ao piso superior, também comum, evidencia bem a sua falta de conhecimento acerca da factualidade em questão.

10.ª) Na verdade, a testemunha da autora, CC, empreiteiro de profissão, depõe, entre os 8m e 2s e os 8m e 32s (ficheiro 18995-22.1T8PRT_2023-11-20_11-49-38.mp3), no sentido de que a porta existente é uma porta de segurança. Também a testemunha da autora, DD, Professor de Direito da Escola de Direito da Universidade ..., depôs, entre os 3m e 59s e os 4m e 41s (ficheiro 18995-22.1T8PRT_2023-11-20_12-10-56.mp3), no sentido de a porta estar em bom estado, ser uma porta boa.

11.ª) Ora, a testemunha da ré, BB, “assevera” que a porta tem cerca de quarenta anos, é a mesma, nunca foi mudada e, “definitivamente”, não é uma porta de segurança, tal como se alcança do seu depoimento entre os 15m e 34s e os 16m e 24s (ficheiro18995-22.1T8PRT_2023-11-20_15-03-46).

12.ª) A própria ré, nas suas declarações de parte, contraria o depoimento da testemunha BB, tal como se constata na douta sentença: “A determinada altura mudou a porta e colocou uma melhor e que oferece mais segurança isto ainda em vida do Sr. EE (…)”.

13.ª) Analisadas, ainda que perfunctoriamente, as passagens indicadas deixam um rasto evidente de ignorância e fantasia acerca dos factos em questão, designadamente, no que respeita à materialidade essencial em juízo:

- A existência ou inexistência de autorização quer por parte do senhorio primitivo e pai dos vendedores do imóvel – EE -, quer por parte dos citados vendedores.

14.ª) De resto, nem a testemunha BB, nem as demais testemunhas, produziram qualquer afirmação credível acerca da autorização dada, diríamos mesmo, que não a produziram de todo. Na verdade, escrutinados os depoimentos da totalidade das testemunhas da ré não se divisa qualquer afirmação que sustente, minimamente, a tese vertida na sentença, segundo a qual a ré obteve a autorização do(s) senhorio(s) para edificar as construções nas zonas comuns do edifício.

15.ª) Os depoimentos das testemunhas da apelada incidiram sobre a existência das edificações (facto indisputado) mas não acerca da materialidade essencial nos autos – autorização do(s) senhorio(s) para realizar as obras, facto este crucial e relevante para a decisão da causa em qualquer das soluções de direito plausíveis.

16.ª) É mister afirmar que, compulsada a sentença, no que respeita à fundamentação de facto, não se antolha a mais singela linha no que tange à descrição do depoimento de qualquer uma das testemunhas da ré que afirmasse a existência da autorização dada pelo senhorio primitivo, ou qualquer outro.

17.ª) O único depoimento que sustenta a tese da ré da obtenção de autorização do primitivo senhorio é o da própria ré em sede de declarações de parte, conforme se alcança da, aliás, Douta Sentença: “Esclareceu que fez as obras no terraço há cerca de 46 anos por causa da humidade na casa. Essas obras foram feitas com expressa autorização do dono da casa, Sr. EE.”; “A determinada altura mudou a porta e colocou uma melhor e que oferece mais segurança isto ainda em vida do Sr. EE e com a expressa autorização deste.”

18.ª) Acresce que o Tribunal “a quo” não levou em linha de conta toda a prova documental carreada para os autos pela recorrente, maxime, o documento junto pela apelante em 23 de Maio de 2023, com a referência 35722730, assinado pelos vendedores do imóvel no qual, para o que aqui interessa, afirmam o seguinte:

- “d) Mais declaram que, no caso de a cobertura do terraço não se encontrar totalmente devoluta, por ocupação de pessoas ou bens, essa mesma ocupação dever-se-á ter como ilícita e sem título dado que não foi autorizada pelos declarantes e não têm conhecimento que anteriores proprietários tenham dado o consentimento.”

19.ª) O documento em questão não foi impugnado pela ré, ora recorrida.

20.ª) Na verdade, a apelada, notificada do documento junto com o requerimento da apelante – “Declaração” a negar a existência de autorização e afirmar a ilicitude das edificações –, não impugnou o respectivo teor, pelo que esse documento, cuja existência e função servia expressamente para tal fim (negar a existência de autorização e afirmar a ilicitude das edificações), tem de ser considerado como procedente e verdadeiro, nos termos do artigo 374.º do Código Civil.

21.ª) Isto é, cabe à parte contra quem é apresentado o documento pronunciar-se acerca do mesmo, impugnado expressamente o seu teor e os efeitos de que a contraparte se pretende fazer valer. Se não o fizer, remetendo-se a manifesto silêncio, reconhece, de forma tácita, a validade do seu teor – o silêncio vale como reconhecimento.

22.ª) À recorrida foi concedida a oportunidade de esgrimir a sua defesa quanto ao teor e veracidade do mesmo, mas manteve-se silente; foi-lhe atribuída a faculdade de deduzir impugnação, quer da sua admissão, quer da sua força probatória, tendo ignorado tal faculdade, não merecendo qualquer posição expressa por parte da apelada, que sempre deveria ser tomada no prazo geral de 10 (dez) dias, a contar da notificação do requerimento da autora com que foi apresentado – Cfr. n.º1 e n.º2 do artigo 149.º do Código de Processo Civil.

23.ª) Destarte, falhou a recorrida a impugnação tempestiva dos meios de prova que, no caso, tratando-se de um documento, sempre seria com o objectivo de afastar, se não a sua autenticidade, pelo menos a sua força probatória.

24.ª) Atendendo à não impugnação do documento denominado “Declaração”, junto aos autos, deve-se ter por reconhecida a sua autenticidade, com igual força probatória do seu teor, pelo que o Tribunal “a quo” deveria ter admitido como provados os factos nos precisos termos em que emergem do documento, no caso a inexistência de autorização dos senhorios e a consequente ilicitude das obras realizadas. – Cfr. artigo 376.º, n.º1 do Código Civil.

25.ª) Sendo certo que a análise de tal documento deveria, ainda, ter sido articulado com o depoimento de parte do legal representante da autora, ora recorrente, Exmo. Senhor FF que, entre o 1m e 46s e os 2m e 48s (ficheiro 18995-22.1T8PRT_2023-11-20_11-30-55.mp3), depôs no sentido de que na visita ao imóvel depararam-se com as obras e que os vendedores do imóvel afirmaram que iria ser tudo reposto e, se não fosse, fariam uma declaração no sentido da inexistência de autorização, tendo cumprido tal promessa ao assinarem o documento em questão.

26.ª) Tudo sopesado, e acima de tudo conjugando a prova testemunhal com a prova documental existente nos autos, entendemos, que a fundamentação vertida na sentença é errada e não pode subsistir, não podendo pois dar-se como provada a existência da autorização do primitivo senhorio para a realização das edificações.

27.ª) Desta sorte, a matéria de facto vertida nos pontos 15.º, 16.º e 19.º dos factos provados, deve ser considerada como não provada, fixando-se que a ré realizou as obras sem autorização do(s) senhorio(s).

28.ª) Na matéria de facto dado como não provada, nos pontos 2.º e 3.º, o Tribunal “a quo” deu como não provados o facto de a cobertura do edifício se destinar a terraço; e que as obras realizadas no terraço não tiveram autorização da Câmara Municipal ....

29.ª) A decisão da primeira instância é deveras incompreensível, na justa medida em que a recorrente juntou com a sua petição inicial a certidão predial urbana do edifício em questão, onde se pode ler o seguinte: “Descrição: Casa de loja e 2 andares, com a cobertura em terraço, formando tudo um bloco composto por 4 prédios gémeos.”

30.ª) Ora, não tendo sido a certidão impugnada, não se afigura legalmente possível que a primeira instância contrarie o previsto na mesma. Nestes termos, era imperativo que o Tribunal “a quo” desse como provado que a parte superior do prédio se destina a um terraço, devendo, nessa sequência, a matéria de facto vertida no ponto 2.º dos factos não provados ser considerada como provada, concluindo-se que a cobertura do edifício se destina legalmente a terraço.

31.ª) A primeira instância decidiu que a apelante, não provou que a edificação efectuada pela apelada foi realizada sem a autorização da Câmara Municipal ..., contrariando o vertido no documento junto pela citada Câmara e inserido no aplicativo CITIUS, em 14 de Julho de 2023, com a referência n.º 36232087, documento admitido nos autos e, também, não impugnado.

32.ª) Compulsado o citado documento constata-se que a única licença existente, referente ao prédio em questão é a licença de obra n.º 396/1951, pelo que adoptando-se um encadeado lógico, coerente e consequente, a decisão sobre a legalidade ou ilegalidade das obras realizadas pela apelada apenas poderia concluir pela ilegalidade das edificações, desde logo, por inexistência de licença.

33.ª) No sentido da ilegalidade das obras realizadas pela apelada depôs também a testemunha GG, Arquitecta de profissão, entre os 4m e 9s a 4m e 43 (ficheiro 18995-22.1T8PRT_2023-11-20_12-23-06.mp3) explicando que ao iniciar o processo para a constituição da propriedade horizontal constatou que as obras realizadas pela ré eram ilegais, uma vez que o prédio em questão já tinha a cércea máxima permitida, explicando ainda, entre os 11m e 42s a 11m e 52s (mesmo ficheiro) que a obra ilegal não é passível de ser legalizada.

34.ª) Apesar de o depoimento da citada testemunha ter sido elogiado pelo Meritíssimo Juiz, o depoimento foi ignorado e, em consequência, decidiu-se dar como não provado que estamos perante uma construção ilegal. Não se compreende, de todo qual a intelecção que autoriza tal decisão, pelo que o ponto n.º3 dos factos não provados deverá ser considerado como provado, concluindo-se pela falta de licença camarária e consequente ilegalidade das obras.

35.ª) Sob o ponto 12.º da matéria de facto dada como não provada, o Tribunal “a quo” deu como não provado o facto de a ré ter procedido à realização das obras sem a devida e formal autorização do senhorio. Evitando fastidiosa tautologia, e em obediência ao princípio de economia processual, reitera-se, mutatis mutandis, o que foi explanado entre o terceiro ponto e vigésimo sétimo das presentes conclusões, terminando, de igual modo, com a asserção de que houve um erro de julgamento pelo que se impõe uma alteração da valoração realizada, considerando, desta feita, provado a inexistência de autorização devida e formal do(s) senhorio(s).

36.ª) No que respeita aos pontos 4.º,5.º,7.º e 15.º da matéria de facto dada como não provada, o Tribunal “a quo” deu por não provados os seguintes factos: (i) a inexistência da licença camarária coloca a segurança do prédio em risco; (ii) há risco para a segurança pública, mormente em caso de incêndio, atendendo a que os bombeiros estão impedidos de aceder à parte superior do prédio; (iii) estão em risco os restantes habitantes do prédio, uma vez que é impossível à autora deslocar-se ao telhado do prédio para efectuar obras de reparação que, eventualmente, se afigurem necessárias ou para proceder a obras de conservação e beneficiação.

37.ª) A este propósito, atente-se ao depoimento da testemunha, CC, empreiteiro de profissão, que entre os 8m e 2s e os 8m e 32s (ficheiro 18995-22.1T8PRT_2023-11-20_11-49-38.mp3), depôs de modo assertivo no sentido de que se os Bombeiros quiserem aceder à parte superior do edifício estavam impedidos de o fazer, em virtude da existência de uma porta de segurança que não seria arrombada com facilidade, mas apenas com recurso a marretas e serralheiros;

38.ª) Sendo ainda importante referir outra passagem do depoimento desta testemunha, entre os 9m e 43s e os 10m e 09s (mesmo ficheiro), no qual expressamente refere que não há acesso para se poder fazer qualquer reparação relacionada com partes vitais do edifício, como tanques de água, tubagens dos respiros dos esgotos e da parte eléctrica, uma vez que estas se encontram na parte superior do edifício.

39.ª) O depoimento desta testemunha da autora foi isento, objectivo, preciso, pormenorizado, estribado em conhecimentos técnicos e, sobretudo, fruto da observação que fez no local, sendo certo que inexiste no processo qualquer prova testemunhal ou documental que contrarie as asserções da testemunha. Das afirmações efectuadas pela testemunha, empreiteiro de profissão, apenas se pode concluir pela existência de um perigo real para a segurança do edifício e das pessoas que nele habitam. Pretender afirmar o contrário não é só forçado, é também descabido e sem qualquer adesão à realidade.

40.ª) Destarte, a matéria de facto vertida nos pontos 4.º, 5.º, *7.º e 15 dos factos não provados deve ser considerada como provada, concluindo-se pela existência de risco para a segurança pública, devido à dificuldade de acesso ao piso superior do edifício, mormente, pelos Bombeiros, ou por qualquer outro profissional de construção civil.

41.ª) No que respeita à apreciação da matéria de facto, a sentença apresenta-se rígida, obliterando toda a prova apresentada pela autora, postergando-a e carimbando-a de assaz inútil, mesmo quando provêm de documentos não impugnados ou de depoimentos que merecerem credibilidade.

42.ª) Ainda que de modo telegráfico, e nunca olvidando o respeito devido, a leitura da douta sentença deixa uma sensação latejante de que mesma prestou tributo a um anelo de realizar, aquilo que foi generosamente concebido como uma espécie de “protecção social” – proteger uma veneranda de uma sociedade imobiliária. Na verdade, a decisão parece ungida de uma ortodoxia que os factos não autorizam, ao ponto de sufragar a manutenção de edificações ilegais que comprometem a segurança pública.

43.ª) Não ressuma da sentença uma análise criteriosa, serena e objectiva de toda a prova produzida, denotando a mesma um ignorar absoluto da prova documental junta e uma apreciação incongruente dos depoimentos testemunhais.

44.ª) É mister sublinhar que, não só se afigura suficiente que os meios de prova abrem a porta a um entendimento diferente, como diríamos mesmo que tais meios de prova conduzem a uma reposta diversa da encontrada – apontam um caminho oposto à da decisão em crise.

45.ª) Destarte, devem as respostas aos supra-identificados pontos, quer dos factos provados ou dos factos não provados, ser alteradas no propugnado sentido, isto é, considerando a matéria de facto vertida nos pontos 15.º, 16.º e 19.º dos factos provados, como não provada; a matéria de facto vertida nos pontos 4.º, 5.º, 7.º e 15.º dos factos não provados deve ser considerada como provada.

46.ª) O preclaro Aresto da Relação do Porto, com data de 5 de Maio de 2012, sustenta que há lugar à aplicação do NRAU nos casos em que na data da propositura da acção vigora o novo regime e não existem normas transitórias que tutelem o direito invocado.

47.ª) O Tribunal “a quo” não podia ter dado como provada a autorização do senhorio, uma vez que é consabido que sem autorização por escrito do senhorio o arrendatário não pode efectuar obras no prédio arrendado – Cfr. n.º 2 do art. 1074.º do Código Civil – pelo que a ré para fazer prova da autorização dada para a realização das obras de edificação teria de exibir a autorização escrita do senhorio – o que não sucedeu!

48.ª) Quer em sede de Jurisprudência, quer em sede de Doutrina, é pacífico que a realização de obras, de conservação ordinária ou extraordinária, no arrendado, sem autorização por escrito do senhorio, é ilícita e corresponde a um incumprimento contratual.

49.ª) É sobre a apelante que impendia o ónus da prova de que foi a ré, inquilina, a realizar as obras, uma vez que tal facto é constitutivo do seu direito, já que é neste facto e na falta da autorização do senhorio que funda o seu direito à resolução do contrato. Ora, resulta de segmentos dos factos dados como provados que foi a apelada, a executar as obras em questão – “(…) a R. foi a última locatária a tapar o respetivo terraço.” Cfr. ponto 19.º dos factos provados – pelo que a autora cumpriu o seu ónus de provar que as obras foram realizadas pela ré, ora apelada, enquanto inquilina.

50.ª) Ora, tendo sido as obras realizadas pela apelada, e realizadas sem autorização formal prevista na lei, ou seja, autorização escrita, é indiscutível, quer em sede de Jurisprudência quer em sede de Doutrina, que ao inquilino está vedado o direito de alterar ou transformar o objecto arrendado.

51.ª) A Jurisprudência maioritária sustenta que as obras não autorizadas, tornam inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento, pelo que justificam a declaração de resolução do contrato ao abrigo do NRAU - Cfr. Acórdãos da Relação do Porto de 23 de Fevereiro de 2012 e de 7 de Maio de 2012 e, ainda, o Aresto da Relação de Lisboa, de 14 de Maio de 2009.

52.ª) Desta sorte, o comportamento da ré preenche a cláusula geral resolutiva prevista no n.º 2 do artigo 1083.º, atenta não só a sua gravidade e as suas consequências, pelo que entendemos com base no acervo factual dos autos integra, sem mácula, um incumprimento por banda da ré, que pela sua gravidade e consequências, torna inexigível a manutenção do contrato de arrendamento.

53.ª) Acresce ainda que, para além da resolução imediata do contrato de arrendamento, a apelante tem ainda o direito de reclamar a demolição das obras ilícitas. Conforme ensina Henrique Mesquita, quando o arrendatário realiza obras de inovação ou transformação pratica um facto ilícito, ocorrendo uma violação contratual, pelo que o senhorio tem o direito de exigir que as obras sejam demolidas e o imóvel restituído ao estado anterior à violação cometida.

54.ª) Destarte, conclui-se pela existência de manifesto erro na determinação da norma jurídica a aplicar – o artigo a invocar é o n.º 2 do artigo 1074.º do Código Civil, determinando-se que a apelante logrou fazer a prova da inexistência autorização escrita do senhorio primitivo para a realização das edificações em questão.


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A ré apresentou resposta concluindo da seguinte forma:

A. A RTE DISCORDA SIM DA OPINIÃO DO TRIBUNAL A QUO, MAS NÃO BASTA A MERA DISCORDÂNCIA PARA QUE A MATÉRIA DADA COMO PROVADA E NÃO PROVADA POSSA SER OBJETO DE ALTERAÇÃO, TEM DE SE DEMONSTRAR CONCRETAMENTE ONDE ESTÁ O ERRO DE APRECIAÇÃO DA PROVA, NO CASO TESTEMUNHAL.

B. O TRIBUNAL A QUO FEZ UMA INTERPRETAÇÃO CORRECTA DA PROVA PRODUZIDA E NADA LHE PODE SER APONTADO.

C. OUVINDO A GRAVAÇÃO DE TAL DEPOIMENTO, BB CONFORME REFERIDO NA MOTIVAÇÃO DA RTE DILIGENCIA_18995-22.1T8PRT_2023-11-20_15-03-46, É BEM PATENTE QUE A REFERIDA TESTEMUNHA TEM CONHECIMENTO BEM CLARO DOS FACTOS E CONHECIMENTO DIRECTO JÁ QUE A MESMA VIVEU NO PRÉDIO, ATÉ ANTES DE A RDA TER ARRENDADO O LOCAL.

D. E EXPLICOU CLARAMENTE A EXISTÊNCIA DA PORTA, MAS MELHOR EXPLICOU A EXISTÊNCIA DA MESMA, E QUEM A COLOCOU NO LOCAL, TENDO FICADO BEM CLARO QUE QUEM COLOCOU A PORTA NÃO FOI A RDA MAS SIM UM ANTERIOR INQUILINO.

E. REFERE AINDA QUE O 2º ANDAR FOI “OFERECIDO” O ARRENDAMENTO AOS SEUS PAIS, POR TER MAIS UM PISO, O QUARTO DO TERRAÇO E O TERRAÇO, MAS QUE OS MESMOS RECUSARAM POR O VALOR DA RENDA SER MAIS CARO DO DO 1º ANDAR ONDE RESIDIAM, E POR A SUA MÃE NÃO QUERER POR TER MAIS ESCADAS. E PARA TAL ATÉ SE LEMBRA QUE OS ANTERIORES INQUILINOS TINHAM UM FIO QUE ABRIA A PORTA DA ESCADA, E QUE DEPOIS MAIS TARDE A RDA COLOCOU UM SISTEMA AUTOMÁTICO, O SENHORIO INICIAL ERA HH E FOI ESTE QUE ARRENDOU, E NO TEMPO DESTE JÁ EXISTIA A PORTA NA ESCADAS, OS 2º ANDARES TINHAM MAIS UM QUARTO EM CIMA NO TERRAÇO, POR ISSO O ARRENDAMENTO ERA MAIS CARO, E A VEDAÇÃO DO TERRAÇO FOI DEPOIS DOS OUTROS TEREM VEDADO, SENDO ELA A ÚLTIMA A FECHAR O TERRAÇO, E PRESUME A AUTORIZAÇÃO DO SENHORIO, JÁ TINHA A PORTA QUE FOI COLOCADA PELO ANTERIOR INQUILINO, SENDO SE SE TRATAVA DE UMA PORTA DE MADEIRA E NÃO ERA BLINDADA O TERRAÇO HÁ 52 ANOS JÁ ESTAVA FECHADO E A D AA FOI A ÚLTIMA, QUANDO A D AA FOI PARA LÁ TUDO ESTAVA LÁ COM EXCEPÇÃO DA COBERTURA DO TERRAÇO, OS 2ºS ANDARES TINHAM TODO ACESSO AO TERRAÇO E AO QUARTO QUE LÁ TINHA, NO NUMERO DE POLÍCIA A SEGUIR PELO MENOS NESSE HAVIA UMA PORTA IGUAL À DA D. AA, NO TERRAÇO TINHA UM QUARTO CUJA ENTRADA ERA FEITO PELA ESCADA DE ACESSO A ESSE PISO, E DEPOIS DA COBERTURA DO TERRAÇO, ESSA PARTE PASSOU A SER USADO COMO ARRUMOS, MINUTOS 05:20 A 14:46, 15:10 A 15:52, 16:00 A 19:07, 25:00 A 31:09.

F. FICOU BEM CLARO PARA O TRIBUNAL A QUO, QUE EFECTIVAMENTE A PORTA NEM SEQUER FOI COLOCADA NO LOCAL PELA RDA, MAS SIM PELO ANTERIOR INQUILINO, OU SEJA, A PORTA ESTÁ NO LOCAL HÁ MAIS DE 59 ANOS, POIS É ESSE O TEMPO EM QUE A RDA É ARRENDATÁRIA DO LOCAL.

G. O QUE RESULTA CLARAMENTE DE TODA A PROVA TESTEMUNHAL É QUE A PORTA SEMPRE EXISTIU, E QUE NEM SEQUER FOI A RDA QUE A COLOCOU, OU SEJA, COMO JÁ SE DISSE, A RDA QUANDO ARRENDOU O LOCAL, JÁ TAL PORTA EXISTIA.

H. A EXISTÊNCIA DA REFERIDA PORTA É, AO CONTRÁRIO DO QUE A RTE PRETENDE FAZER CRER, CONFIRMADO POR TODAS AS RESTANTES TESTEMUNHAS QUE A RDA APRESENTOU NOMEADAMENTE A II, DEPOIMENTO GRAVADO EM DILIGENCIA_18995-22.1T8PRT_2023-11-20_15-42-17, QUE REFERIU QUE A PORTA SEMPRE EXISTIU NAS ESCADAS, E SEMPRE CONHECEU O TERRAÇO QUE FOI FECHADO PORQUE TINHA HUMIDADES, E USAVA O TERRAÇO COMO SE FOSSE DELA, E SEMPRE CONHECEU A PORTA NAS ESCADAS, A TESTEMUNHA MOROU NO MESMO PRÉDIO NA RUA ..., MINUTOS 2:04 A 5:00”, PEDIU AO SENHORIO PORQUE CAIA ÁGUA NO QUARTO, E IA AO TERRAÇO PRA JOGAR QUARTAS, SEMPRE CONHECEU A PORTA, MAS NÃO SABE SE SERIA A MESMA PORTA, MINUTOS 5:00 A 7:53.

I. A TESTEMUNHA JJ, QUE, COMO É REFERIDO PELO TRIBUNAL A QUO, “O SEU DEPOIMENTO FOI RELEVANTÍSSIMO PARA A SE DAR COMO PROVA A EXISTÊNCIA DA PORTA ASSIM COMO A COBERTURA DO TERRAÇO HÁ CERCA DE 40 ANOS, E O SEU USO EXCLUSIVO PELA RÉ AO LONGO DO TEMPO.” NEGRITO NOSSO.

J. OUVINDO O DEPOIMENTO, GRAVADO NA DILIGENCIA_18995-22.1T8PRT_2023-11-20_15-51-27, NOMEADAMENTE NOS MINUTOS 2:28 A 3:00, 3:20 A 3:45, 5:20 A 6:24, E 6:48 A 7:35.

K. RESULTA DESTE DEPOIMENTO O CONHECIMENTO DIRECTO DA EXISTÊNCIA DA PORTA, HÁ MAIS DE 40 ANOS, PELO MENOS, E DA UTILIZAÇÃO DO TERRAÇO E DAS RAZÕES DA SUA COBERTURA, PORQUE HAVIA MUITA HUMIDADE NOS QUARTOS, A D. AA PEDIU AO SENHORIO, E OS OUTROS PRÉDIOS JÁ TINHAM FEITO A MARQUISE E ELA FOI A ÚLTIMA A FAZER E TAL TERIA OCORRIDO HÁ CERCA DE 40 ANOS. QUANTO À PORTA REFERIU A SUA EXISTÊNCIA DESDE SEMPRE.

L. A TESTEMUNHA LUCÍLIA ESMERALDA SILVA SANTOS, CUJO DEPOIMENTO ESTÁ GRAVADO NA DILIGENCIA_18995-22.1T8PRT_2023-11-20_16-01-18, CONFIRMOU O DEPOIMENTO DAS ANTERIORES TESTEMUNHAS E REFERIU CONHECER O TERRAÇO, QUE ATÉ TINHA ONDE TINHA MAIS UM QUARTO E NAS ESCADAS REFERIU A EXISTÊNCIA DE UMA PORTA QUE SEMPRE CONHECEU, E QUE O TERRAÇO FOI COBERTO POR HAVER HUMIDADES E COM AUTORIZAÇÃO DO SENHORIO, TENDO DEIXADO TODA A GENTE A COBRIR OS TERRAÇOS E D AA FOI A ÚLTIMA (NEGRITO NOSSO) E TAPADO HÁ MAIS DE 40 ANOS E COM UM QUARTO AO LADO, E A PORTA QUE LÁ ESTÁ É MELHOR DO QUE QUE LÁ ESTAVA, SENDO RELEVANTE O DEPOIMENTO NOS MINUTOS “2:10 A 4:20”, “4:34 A 5:47.”

M. A TESTEMUNHA KK, CUJO DEPOIMENTO ESTÁ GRAVADO NA DILIGENCIA_18995-22.1T8PRT_2023-11-20_16-01-18, CONFIRMOU O QUE AS ANTERIORES TESTEMUNHAS DISSERAM RELATIVAMENTE À EXISTÊNCIA DA PORTA NA ESCADA, HÁ MAIS DE 40 ANOS A COBERTURA DO TERRAÇO E QUE TAL SE DEVEU A HUMIDADES, E REFERIU QUE MINUTOS “2:00 A 4:36”.

N. AO CONTRÁRIO DO QUE É DITO E REFERIDO PELA RTE NENHUMA DAS TESTEMUNHAS DA RTE CONTRARIA NADA DOS DEPOIMENTOS DESTAS TESTEMUNHAS, PORQUE APENAS CONHECEM O PRÉDIO DESDE 2022 E COMO TAL DESCONHECEM O QUE SE PASSOU ANTES E AS RAZÕES DO MESMO.

O. SENDO MUITO ESTRANHO QUE, EXISTIDO A PORTA HÁ MAIS DE 40 ANOS, PELO MENOS, MAS EM BOM RIGOR HÁ MAIS DE 59 ANOS, POIS COMO SE RETIRA DO DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA BB DOS SANTOS, JÁ ACIMA REFERIDO, A PORTA EXISTIA NAS ESCADAS ANTES DA RDA IR PARA O PRÉDIO, OU SEJA, A EXISTÊNCIA DA PORTA TEM MAIS DE 60 ANOS E JÁ VEM DO ANTERIOR PROPRIETÁRIO, AINDA ANTES DO PAI DOS VENDEDORES À AGORA RTE

P. NÃO HAVENDO QUALQUER ERRO NA APRECIAÇÃO DA PROVA NADA HÁ A ALTERAR DEVENDO MANTER-SE TANTO A MATÉRIA DADA COMO PROVADA COMO A DADA COMO NÃO PROVADA.

Q. AS REGRAS DE EXPERIÊNCIA COMUM E COM BASE NA PROVA TESTEMUNHAL LEVAM-NOS A CRER QUE SE FOI FEITA UMA OBRA PARA OBVIAR A HUMIDADES ADVINDAS DO TERRAÇO, OU SEJA NO INTERESSE DO PRÓPRIO SENHORIO, E SE TODOS OS OUTROS INQUILINOS DAS ENTRADAS DO PRÉDIO JÁ AS TINHAM COBERTO O TERRAÇO, SENDO A RDA A ÚLTIMA A FECHAR O MESMO, TERÁ SEMPRE DE PRESUMIR O CONSENTIMENTO DO SENHORIO, QUE ALIÁS, POR MAIS DE 40 ANOS NADA FEZ, APESAR DE TAIS OBRAS SEREM VISÍVEIS DA RUA

R. DESCONHECENDO-SE EM CONCRETO O QUE DIZ O CONTRATO DE ARRENDAMENTO, O QUE SE PODE PRESUMIR É QUE O ARRENDAMENTO DA RDA INCLUÍA O TERRAÇO, ALIÁS COMO RDA AFIRMA EM SEDE DE DECLARAÇÕES DE PARTE QUE FORAM CONSIDERADAS CREDÍVEIS PELO TRIBUNAL A QUO E É CORROBORADO PELA TESTEMUNHA BB.

S. CABIA À RDA FAZER PROVA DE TINHA AUTORIZAÇÃO DOS SENHORIOS, O QUE FICOU POR DEMAIS DEMONSTRADO;

T. RESULTA DA PROVA PRODUZIDA QUE NEM SEQUER FOI A RDA QUEM COLOCOU A PORTA, APENAS A ALTEROU PARA UMA MELHOR, E COM AUTORIZAÇÃO DO SENHORIO.

U. ROCANDO A MÁ-FÉ VIR, MAIS DE 40 ANOS DEPOIS ALEGAR OBRAS ILEGAIS, PARA INTENTAR UMA ACÇÃO DE DESPEJO, COM UM ARRENDAMENTO COM MAIS DE 59 ANOS.

V. ALEGANDO FACTOS QUE NÃO PODIAM IGNORAR QUE EXISTIAM DE ACTO.

W. A SER VERDADE QUE OS ANTERIORES SENHORIOS, FICARAM ESPANTADOS COM O QUE LÁ ENCONTRARAM EM 2022, SÓ A ELES PODE SER ATRIBUÍDO TAL FACTO COMO MAUS SENHORIOS QUE NÃO ZELAVAM PELA MANUTENÇÃO DO QUE ERA SEU POIS, A ACREDITAR-SE NO QUE DISSERAM, NÃO IAM AO PRÉDIO HÁ PELO MENOS 40 ANOS, OU DIGA-SE, ATÉ HÁ MAIS DE 59 ANOS, POIS A PORTA FOI COLOCADA AINDA NO TEMPO DO ANTERIOR SENHORIO.

X. SERÁ QUE QUANDO COMPRARAM O PRÉDIO AO ANTERIOR PROPRIETÁRIO SE DERAM AO TRABALHO DE ANTES IREM VISITAR O QUE COMPRARAM.

Y. E A MESMA PERGUNTA TERÁ DE SER FEITA AOS ACTUAIS PROPRIETÁRIO, ENTÃO FICAM ESPANTADOS COM A EXISTÊNCIA DE UMA PORTA NA ESCADA SÓ DEPOIS DE COMPRAREM, NOVA PERGUNTA ANTES FORAM VISITAR O PRÉDIO.

Z. E PORQUE NÃO TENTARAM FALAR COM A RDA ANTES DE FAZEREM A COMPRA, PARA EVITAREM DEPOIS DISSABORES.

AA. OS ANTERIORES PROPRIETÁRIOS NUNCA ANTES TINHAM LEVANTADO QUALQUER PROBLEMA RELATIVAMENTE À PORTA E À COBERTURA DO TERRAÇO, MAS AGORA PARECE QUE TUDO IGNORAM, FAZENDO-SE DE ESPANTADOS.

BB. SE SÓ AGORA TOMARAM CONHECIMENTO É POR CULPA ÚNICA E EXCLUSIVA SUA, SEJA POR DESLEIXO, SEJA POR QUALQUER OUTRA RAZÃO.

CC. NÃO PODEM É AGORA, PASSADOS MAIS DE 40 ANOS, PELO MENOS, DE UMA OBRA DE COBERTURA DO TERRAÇO, DIGA-SE POR CAUSA DE INFILTRAÇÕES, E CUJO USO EXCLUSIVO ESTAVA REFLETIDO NO VALOR DA RENDA MAIS CARO DO QUE O 1º ANDAR, VIR DIZER QUE TAIS OBRAS SÃO ILEGAIS PORQUE NÃO DERAM AUTORIZAÇÃO POE ESCRITO.

DD. ESTAMOS AQUI PERANTE UM MANIFESTO VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM, E ROÇANDO A MÁ-FÉ PROCESSUAL QUE DEEV SER ANALISADA.

EE. NÃO HÁ QUALQUER CONTRADIÇÃO ENTRE O QUE DIZEM AS TESTEMUNHAS DA RDA, E AS TESTEMUNHAS DA RTE, ATÉ PORQUE UMAS REFEREM O QUE SE REFEREM A UM PASSADO, QUE É O QUE INTERESSA, E AS OUTRAS SE REFEREM AO PRESENTE QUE NÃO INTERESSA PARA A DECISÃO DO CASO.

FF. A DECLARAÇÃO JUNTA AOS AUTOS PELA RTE, EM PRIMEIRO LUGAR NÃO É UM DOCUMENTO AUTÊNTICO, E COMO TAL NÃO TEM A VELEIDADE DE FAZER FÉ POR SI SÓ, ALÉM DISSO É UM DOCUMENTO QUE VALE APENAS SE SÓ NAS RELAÇÕES ENTRE OS VENDEDORES E OS COMPRADORES E NÃO TEM QUALQUER APLICAÇÃO NOS PRESENTES AUTOS, NEM QUALQUER INTERESSE, JÁ QUE A RDA NÃO FOI TIDA NEM ACHADA NO MESMO.

GG. SENDO DOCUMENTO PARTICULAR É DE LIVRE APRECIAÇÃO PELO TRIBUNAL A QUO, SENDO QUE A VERDADE É QUE SE APUROU QUE O QUE É DITO PELOS ANTERIORES PROPRIETÁRIOS ATÉ É FALSO, POIS RESULTOU DA PROVA TESTEMUNHAL QUE EFECTIVAMENTE OS TERRAÇOS E A PORTA TIVERAM AUTORIZAÇÃO DOS ANTERIORES PROPRIETÁRIOS, NOMEADAMENTE DO INICIAL PROPRIETÁRIO O HH, QUE DEPOIS VENDEU AO PAI DOS DECLARANTES.

HH. O PAI DOS DECLARANTES FALECEU HÁ CERCA DE 20 ANOS, E SE OS SEUS SUCESSORES NUNCA FORAM AO PRÉDIO NESSE PERÍODO VER O QUE TINHAM HERDADO E VER QUE NO ANDAR DA RDA EXISTIA UMA PORTA NA ESCADA E QUE TODOS OS TERRAÇOS ESTAVAM COBERTOS NÃO É PLAUSÍVEL.

II. E SE ISSO DE FACTO ACONTECEU DEMONSTRA DA PARTE DESSES HERDEIROS UMA MANIFESTA, PELO MENOS NEGLIGÊNCIA OU INCÚRIA.

JJ. NÃO PODEM É ESSAS PESSOAS APROVEITAR-SE DA SUA INCÚRIA E NEGLIGÊNCIA PARA DEPOIS SE VIREM FAZER DE ESPANTADOS E AMEAÇAR COM DESPEJO POR FALTA DE AUTORIZAÇÃO DE OBRAS, CONVENCENDO AINDA O COMPRADOR DE QUE NÃO TINHAM CONHECIMENTO DESSAS OBRAS, QUE TODA A GENTE PODIA VER DA RUA HÁ MAIS DE 40 ANOS, PELO MENOS, SEM QUE SE CONSIDERE TAL DE MANIFESTA MÁ-FÉ.

KK. DEMONSTRANDO-SE QUE O TEOR DA DECLARAÇÃO É MANIFESTAMENTE FALSA NÃO PODIA NEM TINHA O TRIBUNAL A QUO DE O VALIDAR O TER EM CONTA APENAS PORQUE NÃO TERIA SIDO IMPUGNADO.

LL. UMA MENTIRA NUNCA PODE PASSAR A SER VERDADE APENAS E SÓ PORQUE UM DETERMINADO DOCUMENTO JUNTO POR UMA DAS PARTES NÃO SEJA IMPUGNADO PELA OUTRA.

MM. CADA UMA FAZ AS DECLARAÇÕES QUE ENTENDE E ISSO NÃO É PROVA DE QUE O QUE DIZ É VERDADE, E TAL ALIÁS, NÃO ACONTECE MESMO QUE TAL DOCUMENTO SEJA EXARADO POR NOTÁRIO, ALIÁS O NOTÁRIO APENAS PODE CERTIFICAR QUE DETERMINADA PESSOA FEZ TAL DECLARAÇÃO E NÃO QUE O TEOR DA DECLARAÇÃO FEITA SEJA VERDADE OU CORRESPONDA Á VERDADE.

NN. QUANTO Á NORMA APLICÁVEL, AO CONTRÁRIO DO QUE REFERE A RTE, NÃO HÁ APLICAÇÃO DA NRAU E EM BOM RIGOR, NEM SEQUER DA RAU, JÁ QUE O PRESENTE CONTRATO FOI CELEBRADO HÁ MAIS DE 59 ANOS, E NÃO ALEGOU NEM DEMONSTROU A RTE QUE EFECTIVAMENTE ALGUMA VEZ TENHA FEITO TRANSITAR O CONTRATO QUE PARA A RAU QUER PARA A NRAU.

OO. ESTANDO A OBRA DA COBERTURA DO TERRAÇO CONCLUÍDA HÁ MAIS DE 40 ANOS À VISTA DE TODOS, NÃO PODE AGORA PASSADO TODO ESSE TEMPO VIR ALEGARQUE A MESMA NÃO TEM AUTORIZAÇÃO, SEJA LEGAL OU ILEGAL.

PP. DEMONSTROU-SE ATÉ QUE TAL OBRA FOI FEITA NO INTERESSE E COM A AUTORIZAÇÃO DO SENHORIO, OU PELO MENOS COM CONHECIMENTO DO MESMO, PARA EVITAR AS HUMIDADES NOS QUARTOS. OU SEJA, QUEM TERIA DE FAZER AS OBRAS ERA O SENHORIO E NÃO A INQUILINA, POIS HAVENDO HUMIDADES E INFILTRAÇÕES NA CADA DA RDA ERA À RTE QUE CABIA FAZER AS OBRAS. NÃO O FEZ, A RDA SUBSTITUIU-SE À RTE PARA EVITAR A DEGRADAÇÃO DO PRÉDIO, ALIÁS COMO TODOS OS OUTROS FIZERAM. VIR AGORA DIZER QUE A OBRA É ILEGAL, PARA SUSTENTAR UMA ACÇÃO DE DESPEJO NÃO FAZ QUALQUER SENTIDO, E COMO JÁ SE DISSE ROÇA A MÁ-FÉ PROCESSUAL.

QQ. O TRIBUNAL A QUO TENDO EM CONTA A PROVA PRODUZIDA, E BEM, NEM SEQUER ACHOU NECESSÁRIO PRONUNCIAR-SE SOBRE A ALEGADA CADUCIDADE DO DIREITO INVOCADO.

RR. MAS ATÉ PODERIA TER-SE PRONUNCIADO, TENDO EM CONTA QUE FICOU PROVADO E RESULTOU DA PROVA TESTEMUNHAL.

SS. O QUE FICOU SOBEJAMENTE DEMONSTRADO É QUE AS OBRAS FEITAS NO LOCADO TÊM MAIS DE 40 ANOS, NA COBERTURA DO TERRAÇO, E MAIS DE 59 QUANTO À COLOCAÇÃO DA PORTA NAS ESCADAS.

TT. O CONTRATO DE ARRENDAMENTO TEM MAIS DE 57 ANOS.

UU. TRATA-SE DE CONTRATO DE ARRENDAMENTO CELEBRADO ANTES DA ENTRADA EM VIGOR DO NOVO REGIME DO ARRENDAMENTO URBANO (NRAU) - A ENTRADA EM VIGOR OCORREU EM 28.6.2006 – ART.º 65.º DO NRAU, APROVADO PELA LEI N.º 6/2006, DE 27.02 - E MESMO ANTES DA ENTRADA EM VIGOR DO REGIME DO ARRENDAMENTO URBANO (RAU, APROVADO PELO DEC.-LEI N.º 321-B/90, DE 15.10).

VV. POR SUA VEZ O DIREITO DE RESOLUÇÃO DO CONTRATO FOI EXERCIDO JÁ NO DECURSO DA VIGÊNCIA DO NRAU.

WW. PÕE-SE, NO CASO, UM PROBLEMA DE APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO, HAVERÁ QUE APURAR SE A LEI NOVA NOS APONTA A SOLUÇÃO.

XX. ORA, NO N.º 1 DO ARTIGO 59.º DO NRAU ESTIPULA-SE QUE “O NRAU APLICA-SE AOS CONTRATOS CELEBRADOS APÓS A SUA ENTRADA EM VIGOR, BEM COMO ÀS RELAÇÕES CONTRATUAIS CONSTITUÍDAS QUE SUBSISTAM NESSA DATA, SEM PREJUÍZO DO PREVISTO NAS NORMAS TRANSITÓRIAS”.

YY. NO QUE CONCERNE AOS FUNDAMENTOS DE RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO E À FORMA DE A ELE PROCEDER, NADA É REFERIDO NAS NORMAS TRANSITÓRIAS.

ZZ. FACE À REGRA GERAL EXPRESSAMENTE ENUNCIADA NO N.º 1 DO ARTIGO 59.º DO NRAU (“O NRAU APLICA-SE AOS CONTRATOS CELEBRADOS APÓS A SUA ENTRADA EM VIGOR, BEM COMO ÀS RELAÇÕES CONTRATUAIS CONSTITUÍDAS QUE SUBSISTAM NESSA DATA (…))”, A LEI NOVA ABRANGERÁ AS RELAÇÕES JÁ CONSTITUÍDAS, MAS, UMA VEZ QUE NA NOVA LEI NADA É DITO EM CONTRÁRIO, FICARÃO RESSALVADOS OS EFEITOS JÁ PRODUZIDOS PELOS FACTOS QUE A LEI SE DESTINA A REGULAR (PARTE FINAL DO N.º 1 DO ART.º 12.º DO CÓDIGO CIVIL: “PRESUME-SE QUE FICAM RESSALVADOS OS EFEITOS JÁ PRODUZIDOS PELOS FACTOS QUE A LEI SE DESTINA A REGULAR”).

AAA. QUANTO AO QUE SE DEVE ENTENDER POR “EFEITOS JÁ PRODUZIDOS PELOS FACTOS QUE A LEI SE DESTINA A REGULAR”, SUBSCREVE-SE A LIÇÃO DE BAPTISTA MACHADO (“SOBRE A APLICAÇÃO NO TEMPO DO NOVO CÓDIGO CIVIL”, LIVRARIA ALMEDINA, 1968, PÁGINAS 126 A 129):

“(…) SE UMA CAUSA LEGAL OU CONVENCIONAL DE RESOLUÇÃO DO CONTRATO SE VERIFICOU SOB A LEI ANTIGA, MAS O DIREITO DE RESOLUÇÃO AINDA NÃO FOI EXERCIDO NOS TERMOS DESSA LEI (ATRAVÉS DUMA COMUNICAÇÃO ESCRITA À OUTRA PARTE, P. EX., OU ATRAVÉS DUMA ACÇÃO JUDICIAL, SE A LA EXIGIA O RECURSO AOS TRIBUNAIS) PODERÁ DIZER-SE QUE A LEI NOVA QUE, SUPRIMINDO CERTA CAUSA LEGAL DE RESOLUÇÃO OU PROIBINDO CERTA CONDIÇÃO RESOLUTIVA, QUEIRA APLICAR-SE A CONTRATOS PASSADOS ENCONTRA DIANTE DE SI UM EFEITO JÁ PRODUZIDO, UMA SITUAÇÃO JURÍDICA JÁ CONSTITUÍDA, UM DIREITO JÁ CRIADO? (…). RESPONDEREMOS AFIRMATIVAMENTE: A VERIFICAÇÃO DO FACTO CAUSA DE RESOLUÇÃO FEZ SURGIR UM DIREITO POTESTATIVO NA ESFERA JURÍDICA DAQUELA DAS PARTES A QUEM A LEI OU A CLÁUSULA NEGOCIAL ATRIBUÍA O DIREITO DE RESOLUÇÃO.

BBB. A CIRCUNSTÂNCIA DE ESSE DIREITO AINDA SE NÃO TER TORNADO EFICAZ, POR NÃO TER SIDO EXERCIDO, NÃO CONTA.

CCC. A LEI NOVA HÁ-DE RESPEITAR O DIREITO POTESTATIVO ANTERIOR, SÓ PODENDO AFECTAR, ISSO SIM, O SEU MODO DE EXERCÍCIO (EXIGINDO, POR EXEMPLO, COMUNICAÇÃO POR ESCRITO DA VONTADE DE RESOLVER, OU EXIGINDO, POR EXEMPLO, RECURSO A UMA INSTÂNCIA JURISDICIONAL, QUE DEVERÁ INTERVIR PARA APRECIAR A EXISTÊNCIA DA CAUSA DE RESOLUÇÃO E O DIREITO À MESMA, SEGUNDO A LEI NOVA, LIMITANDO-SE, QUANTO AO MAIS, A RECONHECER O DIREITO À RESOLUÇÃO E A DECLARAR ESTA).

DDD. O FACTO QUE FUNCIONA COMO CAUSA DE RESOLUÇÃO É, NA VERDADE, FACTO CONSTITUTIVO DUM DIREITO - DUM DIREITO POTESTATIVO.

EEE. NÃO SE PENSE QUE A ACTIVIDADE POSTERIOR EXIGIDA AO TITULAR DESSE DIREITO PARA QUE ELE SE TORNE EFICAZ INTEGRA O PROCESSO CONSTITUTIVO DO DIREITO (O TATBESTAND OU A FATTISPECIE CONSTITUTIVA).

FFF. COM EFEITO, UMA COISA SÃO OS REQUISITOS DA CONSTITUIÇÃO DUM DIREITO (OS FACTOS CONSTITUTIVOS) OUTRA COISA SÃO OS REQUISITOS DE EFICÁCIA DO MESMO DIREITO. (…) SE A LEI NOVA VEM TORNAR O EXERCÍCIO DO DIREITO POTESTATIVO DEPENDENTE DA VERIFICAÇÃO DE QUALQUER FACTO QUE NÃO DEPENDA APENAS DA VONTADE DO TITULAR DO DIREITO, ELA JÁ NÃO É UMA LEI RELATIVA AO MODO DE EXERCÍCIO DO DIREITO POTESTATIVO MAS UMA LEI RELATIVA AO MODO DE CONSTITUIÇÃO DESSE DIREITO: COM EFEITO, VEM ALTERAR A FATTISPECIE CONSTITUTIVA (…). ASSIM, SE A LEI ANTIGA CONCEDE O DIREITO DE RESOLUÇÃO PELO NÃO CUMPRIMENTO TEMPESTIVO NAS OBRIGAÇÕES DE PRAZO CERTO, MAS A LEI NOVA VEM DETERMINAR QUE O NEGÓCIO JURÍDICO SÓ PODE SER RESOLVIDO SE O DEVEDOR, DEPOIS DE AVISADO PELO CREDOR, NÃO CUMPRIR DENTRO DUM PRAZO RAZOÁVEL FIXADO POR ESTE, O QUE ELA FAZ É EXIGIR UM NOVO PRESSUPOSTO DE FACTO PARA A CONSTITUIÇÃO DO DIREITO POTESTATIVO DE RESOLUÇÃO.

GGG. TRATA-SE PORTANTO, CLARAMENTE, DUMA LEI SOBRE O MODO DE CONSTITUIÇÃO DO DIREITO POTESTATIVO, NÃO SOBRE O SEU MODO DE EXERCÍCIO. (…) IMAGINEMOS A SEGUINTE HIPÓTESE: A LEI ANTIGA ATRIBUI AO SENHORIO O DIREITO DE RESOLVER O CONTRATO SE O ARRENDATÁRIO NÃO PAGAR A RENDA NO TEMPO E LUGAR PRÓPRIOS; A LEI NOVA VEM ESTABELECER, PORÉM, QUE AQUELE DIREITO À RESOLUÇÃO CESSA SE O ARRENDATÁRIO PAGAR OU FIZER O DEPÓSITO LIBERATÓRIO NO PRAZO DE OITO DIAS A CONTAR DO COMEÇO DA MORA.

HHH. POIS BEM, O QUE A LEI NOVA FAZ AO ESTABELECER ESTA MORATÓRIA LEGAL É JUSTAMENTE FIXAR UM NOVO PRESSUPOSTO PARA QUE SURJA O DIREITO DE RESOLUÇÃO: O DECURSO DO PRAZO DE OITO DIAS ALÉM DA ENTRADA EM MORA SEM QUE A MESMA SEJA EXPURGADA.

III. O NRAU ENTROU EM VIGOR EM 28 DE JUNHO DE 2006 (ART.º 65.º N.º 2).

JJJ. OS FACTOS INVOCADOS NESTA AÇÃO PARA FUNDAR A RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO (REALIZAÇÃO DE OBRAS), OCORRERAM ANTES DAQUELA DATA, HÁ MAIS DE QUARENTA E CINQUENTA E NOVE ANOS.

KKK. ASSIM, APLICAR-SE-IA EVENTUALMENTE AO CASO SUB JUDICE O RAU, QUE ENTÃO VIGORAVA (NESTE SENTIDO, CFR., V.G., ACÓRDÃOS DO STJ, DE 05.7.2007, PROCESSO 07B193 E 18.12.2007, PROCESSO 07B43452, E DA

LLL. RELAÇÃO DE LISBOA, 25.9.2007, PROCESSO 5180/2007-7 E 22.01.2008, PROCESSO 7493/20071, TODOS NA INTERNET, DGSI-ITIJ).

MMM. NOS TERMOS DO ART.º 65º DO RAU, A AÇÃO DE RESOLUÇÃO ESTÁ SUJEITA A UM PRAZO DE CADUCIDADE: “DEVE SER PROPOSTA DENTRO DE UM ANO, A CONTAR DO CONHECIMENTO DO FACTO QUE LHE SERVE DE FUNDAMENTO, SOB PENA DE CADUCIDADE” (N.º1).

NNN. VISA-SE, POR UM LADO, OBRIGAR O SENHORIO A TOMAR UMA POSIÇÃO DEFINITIVA ACERCA DA MANUTENÇÃO OU NÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO, POUPANDO O INQUILINO A UMA SITUAÇÃO DE INCERTEZA CUJO PROLONGAMENTO NO TEMPO PODE DESEQUILIBRAR A RELAÇÃO NEGOCIAL E, POR OUTRO, IR AO ENCONTRO DO INTERESSE GERAL NA SEGURANÇA DO COMÉRCIO JURÍDICO, QUE SERIA POSTO EM CAUSA PELO ARRASTAMENTO DA INCERTEZA ACERCA DA SUBSISTÊNCIA OU NÃO DO NEGÓCIO ENVOLVENDO O LOCADO.

OOO. O ALUDIDO PRAZO, “QUANDO SE TRATE DE FACTO CONTINUADO OU DURADOURO, CONTA-SE A PARTIR DA DATA EM QUE O FACTO TIVER CESSADO” (Nº 2 DO ART.º 65º).

PPP. A REALIZAÇÃO DE OBRAS ALEGADAMENTE ILEGAIS CONSTITUI VIOLAÇÃO INSTANTÂNEA DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO.

QQQ. TAL VIOLAÇÃO TRADUZ-SE NUMA CONDUTA QUE SE VERIFICA COM A FEITURA DAS OBRAS CUJA LICITUDE SE QUESTIONA.

RRR. O RESULTADO DA OBRA É PERENE (PERENIDADE ESSA QUE, ALIÁS, CONTRIBUI PARA O AJUIZAMENTO DA ILICITUDE DA OBRA), MAS O DECURSO DO TEMPO SUBSEQUENTE À REALIZAÇÃO DA OBRA É IRRELEVANTE PARA O EFEITO DE CONSTITUIÇÃO DO DIREITO DE RESOLUÇÃO DO CONTRATO E PARA A FORMAÇÃO DA VONTADE DO SENHORIO, NO SENTIDO DE MANTER OU DE PÔR FIM AO CONTRATO.

SSS. ASSIM, O PRAZO DE CADUCIDADE DO DIREITO DE PEDIR A RESOLUÇÃO DO CONTRATO CONTA-SE A PARTIR DA DATA EM QUE O SENHORIO (OU O SEU REPRESENTANTE – PARTE FINAL DO N.º 1 DO ART.º 259.º DO CÓDIGO CIVIL) TEVE CONHECIMENTO DAS OBRAS.

TTT. ORA ESTANDO AS OBRAS CONCLUIDAS Á MAIS DE 40 ANOS É MANIFESTO QUE OCORRE A ALUDIDA CADUCIDADE.

UUU. AO CONTRÁRIO DO QUE FOI ALEGADO NAS, ALIÁS, DOUTAS ALEGAÇÕES DA RTE, NADA HÁ A ALTERAR QUANTO Á MATÉRIA DE FACTO TANTO QUANTO À MATÉRIA DADA COMO PROVADA COMO À MATÉRIA DADA COMO NÃO PROVADA.

VVV. ASSIM SENDO E TENDO A DOUTA SENTENÇA FEITO A CORRECTA INTERPRETAÇÃO DA PROVA E DE SEGUIDA A SUA COMPLETA INTEGRAÇÃO, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DA LEI, FEZ A MESMA PLENA JUSTIÇA, PELO QUE NADA LHE HÁ A APONTAR, DEVENDO A MESMA SER MANTIDA NA SUA INTEGRA.


*

II—Delimitação do Objecto do Recurso

As questões principais decidendas, delimitadas pelas conclusões do recurso, consistem em saber se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto indicada e se o fundamento de resolução do contrato de arrendamento (realização de obras não consentidas) ficou demonstrado pela senhoria.


*

Da Modificabilidade da Decisão sobre a matéria de facto

Nos termos do artº. 662º. do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

À luz deste normativo, cumpre reanalisar a decisão proferida sobre os pontos de factos em causa.

Discorda a recorrente da resposta positiva dada aos factos descritos nos pontos 15, 16 e 19, os quais se resumem à autorização das obras realizadas pela ré, concedida pelo primitivo senhorio, há mais de 40 anos.

Para tanto, argumenta que nenhuma das testemunhas arroladas pela ré confirmou essa autorização do senhorio, acrescentando que, na sua opinião, não se mostraram credíveis principalmente a testemunha BB.

O tribunal a quo, após ter exposto os depoimentos das testemunhas e as declarações das partes não teve qualquer dúvida em concluir que “Tudo sopesado a prova produzida é esmagadora no sentido de que o terraço foi coberto com autorização do primitivo proprietário e há mais de 40 anos e que sempre foi utilizado, de forma exclusiva, pela ré. Também se provou de forma cabal que a porta existente nas escadas foi colocada há mais de 40 anos com a concordância do dono do prédio.”

Procedeu-se à audição de todos os depoimentos bem como das declarações prestadas pelo representante da autora e pela ré e após a respectiva valoração não podemos deixar de concordar totalmente com a decisão.

Em primeiro lugar, as testemunhas da autora, como se referiu na sentença, revelaram não ter conhecimento dos factos ocorridos anteriormente à aquisição (recente) do prédio pela autora.

Ao invés, as testemunhas da ré, BB, II, LL, MM e KK, vizinhas e amigas da ré demonstraram conhecer bem o locado e a realidade aí existente desde há mais de 40 anos.

A testemunha BB foi considerada credível, e bem, pelo tribunal pese embora a sua vontade de se antecipar às perguntas, o que é compreensível por conhecer a ré desde os 12 anos de idade. É natural também que não conheça a porta que foi substituída recentemente porque referiu que a irmã, moradora no prédio, faleceu há 13 anos.

Aliás, sobre a colocação da porta esclareceu que quem a colocou foram os anteriores inquilinos porque a senhora (que terá tido uma trombose) tinha dificuldade em andar. A abertura da porta era feita com um cordel. Quando saiu do prédio, onde residia com os pais e irmã para casar, há 52 anos, já existia a porta e o terraço fechado.

Todas as demais testemunhas acima mencionadas confirmaram, sem qualquer hesitação, a existência da porta e a cobertura do terraço há mais de 40 anos; e que o terraço foi fechado por causa de problemas de humidades não só pela ré como também pelos restantes inquilinos.

A ré esclareceu que reside no locado há 59 anos, mediante contrato de arrendamento celebrado numa altura em que que já existia a porta nas escadas e queixou-se ao primitivo senhorio que tinha muitas humidades nos quartos. Foi a última inquilina a fechar o terraço e pediu também ao senhorio para colocar uma porta melhor, mas não é blindada.

A autorização do senhorio ficou claramente provada através de presunções judiciais uma vez que há mais de 40 anos (o primitivo senhorio terá falecido há cerca de 20 anos segundo a Ré) que o senhorio, Sr. EE, conhecia a existência da porta nas escadas pois arrendou o espaço em causa à ré com a dita porta de madeira bem como das obras feitas pelos inquilinos nos terraços para solucionar o problema da humidade no interior das respectivas habitações. Essa obra no terraço é visível do exterior pelo que se não tivesse sido dada autorização naturalmente que, durante tantos anos, o senhorio tinha reagido contra essa situação, o que não sucedeu.

Quanto à “declaração” dos vendedores do prédio, filhos do primitivo senhorio, não tem qualquer relevância pois reconhecem desconhecer se o pai deu autorização à ré para realizar as obras no terraço.

No que concerne à matéria de facto dada como não provada dos pontos 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 7.º e 15.º referentes ao destino da cobertura, ilegalidade administrativa das obras e segurança do prédio não têm qualquer utilidade para a decisão da causa, uma vez que foi o próprio senhorio que concedeu autorização, há mais de 40 anos, para os inquilinos cobrirem o terraço. Ou seja, trata-se de um problema de natureza urbanístico que carece de legalização ou caso não seja possível, como afirmou a testemunha GG, de reposição ao estado anterior; as duas soluções alternativas são da competência da edilidade, determinadas no âmbito de um processo administrativo.

Em resumo, não se impõe a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto relevante, mantendo-se o quadro factual fixado pelo tribunal a quo inalterado.


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III—FUNDAMENTAÇÃO

FACTOS PROVADOS (elencados na sentença)

1.A autora é dona e legítima proprietária do prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, composto de casa de loja e 2 andares, com a cobertura do terraço, formando tudo um bloco composto por 4 prédios gémeos, a que corresponde o artigo matricial n.º ... da freguesia ..., concelho do Porto, Distrito do Porto, descrito na CRP do Porto sob o artigo n.º ....

2.Por documento escrito denominado “contrato de arrendamento” celebrado em data não concretamente apurada, mas há mais de 57 anos, o primitivo dono do imóvel, Exmo. Senhor EE – entretanto já falecido, deu de arrendamento o 2.º andar do prédio sito na Rua ..., Porto, à aqui ré.

3.Cuja posição contratual foi assumida pela autora em virtude de aquisição do sobredito imóvel operada em 28.06.2022 (vinte e oito de Junho de dois mil e vinte e dois).

4.Aquisição essa efectuada aos herdeiros do sobredito EE – NN, OO e PP.

5.O arrendado, situado no segundo andar do imóvel em questão, destinava-se a habitação própria e permanente da ré, sem a faculdade de o poder sublocar, conforme acordado à data pelas partes.

6.A renda anual da locação encontra-se actualmente fixada em € 354,36 (trezentos e cinquenta e quatro euros e trinta e seis cêntimos), a ser paga em duodécimos de € 29,53 (vinte nove euros e cinquenta e três cêntimos).

7.Em 28.06.2022 (vinte e oito de Junho de dois mil e vinte e dois) a ora autora passou a ser proprietária plena do locado, tendo dirigido uma missiva à ré com o intuito de lhe comunicar a alteração da propriedade bem como a alteração do modo de pagamento da renda.

8.A autora fez deslocar ao prédio acima mais bem descrito, uma equipa de construtores civis, para delinearem um projecto de requalificação do referido prédio urbano, bem como para apresentarem junto da Câmara Municipal ..., um pedido de constituição de propriedade horizontal para o sobredito prédio urbano.

9.A autora solicitou ao Senhor CC, em Julho do corrente ano – em data que a autora não consegue precisar - que contactasse a ré no sentido de demolir a porta.

10.O Senhor CC contactou pessoalmente a ré que recusou tal solicitação.

11.Apesar da solicitação da autora para que a ré demolisse as obras efectuadas e restituísse a área indevidamente ocupada, a ré recusa-se.

12.O imóvel cujo despejo é pedido nos presentes autos, constitui casa de morada de família.

13.O anterior senhorio em meados do mês do mês de maio deste ano invadiu o locado, casa de morada de família da R. com mais duas pessoas de marretas na mão destruindo uma das paredes, entrando assim à força no locado, sem que antes tivesse pedido à R. para entrar.

14.Confrontou a R. e disse-lhe que esta fez uma obra ilegal e por isso tinha de sair.

15.Ao que a R. respondeu que as obras feitas no locado foram autorizadas pelo seu falecido pai, anterior proprietário, há mais de quarenta anos, a todos os locatários do prédio, tendo todos feitos as obras e por isso não ia sair.

16.Há cerca de quarenta anos que o primitivo senhorio, pai de OO e de PP, teve conhecimento e autorizou as obras de tapar o terraço, e que sempre foram visíveis do exterior, que a R. efetuou no locado de modo a evitar as infiltrações sucessivas, de que a R. era vítima.

17.Há mais de cinquenta e sete anos foi celebrado o contrato de arrendamento entre a R. e o primitivo senhorio, EE.

18.O primitivo senhorio já arrendou o locado com uma porta nas escadas.

19.O terraço foi tapado há mais de 40 (quarenta) anos, com autorização do primitivo senhorio, pela R., que lhe disse que podia tapar o terraço, tal qual autorizou aos outros locatários que pouco antes da R. também taparam os respetivos terraços, aliás a R. foi a última locatária a tapar o respetivo terraço.


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Factos não provados:

1.Sendo que, qual não é o espanto da aqui autora, quando é informada por essas mesmas pessoas que se revela inviável quer a apresentação da propriedade horizontal do prédio, quer a realização de orçamentos para a realização de obras de requalificação no prédio em que reside a aqui ré, porquanto esta última havia construído uma porta blindada nas escadas de acesso ao piso superior do prédio sito na Rua ..., Porto.Com a construção da supra aludida porta blindada, a ré impede o acesso da Autora, seus legais representantes e/ou qualquer outra pessoa por aquela nomeada, de aceder à totalidade do sótão do aludido prédio, porquanto tal acesso se encontra bloqueado.

2.Nesse seguimento, veio a autora a apurar que a ré efectuou obras no sótão do prédio, pese embora o mesmo se destine legalmente a terraço – conforme abundantemente o demonstra a caderneta predial do referido prédio – fazendo uma fruição exclusiva do mesmo.

3.Sem que para tal tenha colhido a autorização dos senhorios e/ou da Câmara Municipal ....

4.Acresce que, ao não obter a necessária licença camarária para a realização de tal alteração, é a segurança do prédio que fica em risco.

5.E, em consequência, há um risco para a segurança pública, mormente, em caso de incêndio, na justa medida em que essa alteração impede o acesso dos Bombeiros à parte superior do prédio.

6.A ré teve o desplante de efectuar obras de alteração ilícitas no exterior locado que se lhe encontra arrendado, vivendo num “duplex” ilegal, que priva a autora de aceder ao piso superior do prédio.

7.Colocando, em última análise, em risco todos os condóminos do prédio, porquanto é impossível à autora deslocar-se ao telhado do prédio para efectuar obras de reparação que eventualmente se afigurem necessárias.

8.A ré blindou entre pisos o acesso ao piso superior do prédio, efectuando também alterações ao nível do próprio prédio propriedade da aqui Autora.

9.É que, a autora não consegue aceder ao terraço do mesmo, pois não dispõe das chaves de acesso ao piso superior, cuja passagem está impedida, por força desta porta que a ré ali mandou construir e instalar, arrogando-se à utilização exclusiva das escadas e do piso superior.

10.Tendo então o Senhor CC solicitado que fossem exibidos os respectivos documentos de autorização.

11.Ao que a ré respondeu, de viva voz, que não tinha nada que apresentar e que só fazia em Tribunal.

12.Do que se veio de alegar, ressuma que a ré procedeu à realização de obras sem a devida e formal, autorização do senhorio, procedendo a alterações substanciais no imóvel em propriedade plena da autora.

13.Na verdade, a ré levou a cabo uma manifesta ampliação da área disponível do imóvel objecto da locação, ao erguer uma porta no patamar comum que dá acesso às escadas (únicas) que permitem ascender ao piso superior, de modo a ocupar o referido piso, que fez seu para ocupação exclusiva e permanente.

14.Isto é, com tais obras a ré procedeu a uma extensão da área primitiva do arrendamento (a única para a qual tem contrato) para zonas comuns do imóvel e que, de igual modo, impedem o acesso da autora às escadas que dão acesso ao andar superior ilicitamente ocupado pela ré.

15.A actuação da ré impede não só a autora de aceder à parte superior do prédio, designadamente para proceder a obras de conservação e beneficiação, numa área não abrangida pelo contrato de arrendamento celebrado com a ré;

16.Sendo certo, que as mesmas serviram o propósito de criar um novo espaço não incluído no contrato, à custa de área comum ao restante imóvel e crucial para o acesso ao piso superior.

17.As obras efectuadas pela Ré implicam para o imóvel da autora, em propriedade plena, uma alteração substancial com prejuízo funcional e estético de carácter permanente, não possibilitando a normal utilização do imóvel.

18.Tendo em seguida, o anterior senhorio dito que ia receber ação de despejo.

19.Logo após o falecimento do primitivo senhorio, o OO visitou o locado e perguntou à R, na sala do 3.º piso, se lhe podia pagar mais pelo locado pois tinha uma bela casa, ao que a R. disse que não podia pagar mais pois já era viúva, e tem hoje 78 anos.

20.À R. não foram comunicadas as condições do negócio translativo de propriedade para exercer o direito de preferência, desconhecendo ainda hoje o negócio efetivamente efetuado uma vez que não lhe foi enviada a escritura do negócio translativo de propriedade, não obstante.

21.Os anteriores senhorios, herdeiros do primitivo senhorio, EE, não comunicaram as condições do negócio translativo de propriedade à R. nem a posterior transmissão de propriedade referente ao locado.

22.Só em xx recebeu uma carta da A. a comunicar que as rendas deveriam passar a ser transferidas para a sua conta, sem que juntasse documento comprovativo do negócio translativo de propriedade.

23.A R. nunca recebeu terceiros em Julho, mas em Março do presente ano, um senhor a identificar-se como indo da parte do senhorio OO, para tirar uma cópia da chave da rua, ao que a R. se negou.

24.Pelo exposto, dos autos resulta uma conduta da A. censurável em tentar obter um benefício à custa da R. quando sabe já não ter direito e fazer maus uso dos meios processuais, motivo pelo qual deve ser condenada como litigante de má fé.


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IV-DIREITO

A autora pretende resolver o contrato de arrendamento, celebrado com a ré, há mais de 57 anos, fundamentando-se, para esse efeito, na execução de obras no locado, sem autorização do senhorio.

A extinção do contrato de arrendamento, por iniciativa do senhorio, pode operar-se através da figura da resolução desde que seja legalmente fundamentada.

No Código Civil de 1966, vigorava um “numerus clausus de causas de resolução, só podendo o senhorio resolver o contrato nos casos previstos na lei (art. 1093.º).”[1]

Nos termos do citado art. 1093.º, al. d) do C.Civil o senhorio podia resolver o contrato se o arrendatário, sem o seu consentimento escrito, fizesse obras que alterassem a estrutura externa do prédio ou a disposição interna das divisões do mesmo ou que causassem no prédio deteriorações consideráveis, também não consentidas e que não pudessem ser justificadas nos termos dos arts. 1043.º ou 1092.º. (sublinhado nosso)

A referida disposição legal foi acolhida, sem alterações, no art. 64.º, al. d) do Regime de Arrendamento Urbano (RAU).

Mediante a celebração de um contrato de arrendamento habitacional, o senhorio concede ao arrendatário o uso do objecto locado mas não lhe transmite o direito de alterar, de forma substancial, quer a disposição interna das divisões quer a estrutura externa do prédio e muito menos lhe consente deteriorações relevantes no prédio.

Um comportamento deste jaez do inquilino traduz uma violação grave das suas obrigações de gozo e manutenção das utilidades do arrendado, tal como lhe foi cedido, motivo pelo qual permite a resolução do contrato pelo senhorio.

O actual art. 1083º, n.º 1 do Cód. Civil, introduzido pela Lei n.º 6/2006 de 27.02 (NRAU), consagrou uma cláusula geral admitindo que “qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte.”

O n.º 2 esclarece que «é fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente, quanto à resolução pelo senhorio:

a) A violação de regras de higiene, de sossego, de boa vizinhança ou de normas constantes do regulamento do condomínio;

b) A utilização do prédio contrária à lei, aos bons costumes ou à ordem pública;

c) O uso do prédio para fim diverso daquele a que se destina, ainda que a alteração do uso não implique maior desgaste ou desvalorização para o prédio;

d) O não uso do locado por mais de um ano, salvo nos casos previstos no n.º 2 do artigo 1072.º;

e) A cessão, total ou parcial, temporária ou permanente e onerosa ou gratuita, do gozo do prédio, quando ilícita, inválida ou ineficaz perante o senhorio.»

Apesar de não constar do elenco das causas de resolução as obras não consentidas pelo senhorio, uma vez que a descrição é meramente exemplificativa, reconhece-se que a prática desses actos pode justificar a cessação do contrato de arrendamento por parte do senhorio desde que, pela sua gravidade ou consequências, se torne inviável a continuação da relação locatícia.

Segundo Pinto Furtado[2] “A não reprodução resulta de se ter expressamente previsto, agora, quanto ao arrendatário, que ele “apenas” pode executar “quaisquer obras” quando “o contrato o faculte ou quando seja autorizado por escrito, pelo senhorio” (art. 1074-1 CC).”

Concluindo que actualmente ““quaisquer obras” não autorizadas por escrito são fundamento de resolução”.[3]

No mesmo sentido de um alargamento deste fundamento, Menezes Leitão[4] observa que “(…) todas as (obras) que não sejam permitidas por aquelas disposições passaram a constituir fundamento de resolução do contrato, independentemente das suas características.”

Verificando-se uma sucessão de leis no tempo, cumpre determinar qual é o regime aplicável ao caso dos autos.

A citada Lei n.º 6/2006 de 27.02 que aprovou o novo regime do arrendamento urbano (NRAU), revogou o RAU previsto no Dec.-Lei n.º 321-B/90 de 15.10 (em vigor desde 18.11.1990) e estabeleceu um regime transitório, nos arts. 26.º a 28.º, para os contratos celebrados anteriormente à data de entrada em vigor do NRAU.

Nos termos do art.º 59.º, n.º 1 o novo regime aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo das normas transitórias.

As normas transitórias estabelecidas nos arts. 26.º a 58.º incidem sobre à transmissão por morte, duração dos contratos, denúncia, transição para o NRAU e actualização das rendas dos contratos habitacionais celebrados antes e na vigência do RAU e dos não habitacionais celebrados antes e na vigência do Dec.-Lei n.º 257/95 de 30.09.

Nesta matéria de conflito de normas de natureza locatícia, o princípio é o da aplicação imediata, ou seja, a lei nova aplica-se imediatamente, substituindo a anterior mesmo em relação aos contratos celebrados anteriormente à sua entrada em vigor.

Apesar do princípio da não retroactividade da lei, esta aplica-se ao conteúdo das relações jurídicas estabelecidas anteriormente—v. art. 12.º, n.º 2 do C.Civil.

E mesmo que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, como sucede neste novo regime do arrendamento urbano, apenas ficam salvaguardados os efeitos jurídicos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular-cfr. art. 12.º, n.º 1 do C.Civil.

Sobre o significado dos “efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular”, Baptista Machado[5] esclarece:

“(…) Se uma causa legal ou convencional de resolução do contrato se verificou sob a Lei Antiga, mas o direito de resolução ainda não foi exercido nos termos dessa lei (através duma comunicação escrita à outra parte, p. ex., ou através duma acção judicial, se a LA exigia o recurso aos tribunais) poderá dizer-se que a Lei Nova que, suprimindo certa causa legal de resolução ou proibindo certa condição resolutiva, queira aplicar-se a contratos passados encontra diante de si um efeito já produzido, uma situação jurídica já constituída, um direito já criado? (…). Responderemos afirmativamente: a verificação do facto causa de resolução fez surgir um direito potestativo na esfera jurídica daquela das partes a quem a lei ou a cláusula negocial atribuía o direito de resolução. A circunstância de esse direito ainda se não ter tornado eficaz, por não ter sido exercido, não conta. A Lei Nova há-de respeitar o direito potestativo anterior, só podendo afectar, isso sim, o seu modo de exercício (exigindo, por exemplo, comunicação por escrito da vontade de resolver, ou exigindo, por exemplo, recurso a uma instância jurisdicional, que deverá intervir para apreciar a existência da causa de resolução e o direito à mesma, segundo a Lei Nova, limitando-se, quanto ao mais, a reconhecer o direito à resolução e a declarar esta). O facto que funciona como causa de resolução é, na verdade, facto constitutivo dum direito - dum direito potestativo. Não se pense que a actividade posterior exigida ao titular desse direito para que ele se torne eficaz integra o processo constitutivo do direito (o Tatbestand ou a fattispecie constitutiva). Com efeito, uma coisa são os requisitos da constituição dum direito (os factos constitutivos) outra coisa são os requisitos de eficácia do mesmo direito. (…)Imaginemos a seguinte hipótese: a lei antiga atribui ao senhorio o direito de resolver o contrato se o arrendatário não pagar a renda no tempo e lugar próprios; a lei nova vem estabelecer, porém, que aquele direito à resolução cessa se o arrendatário pagar ou fizer o depósito liberatório no prazo de oito dias a contar do começo da mora. Pois bem, o que a lei nova faz ao estabelecer esta moratória legal é justamente fixar um novo pressuposto para que surja o direito de resolução: o decurso do prazo de oito dias além da entrada em mora sem que a mesma seja expurgada. Por conseguinte, mesmo na hipótese de a Lei Nova ser aplicada aos contratos de arrendamento anteriores, ela não se aplicará ao direito de resolução se a dívida de renda se venceu na vigência da Lei antiga – salvo cláusula expressa de retroactividade aposta à lei Nova. A doutrina que acabámos de expor aparece consagrada na 2.ª parte do n.º 1 do art.º 12, pelo que respeita às disposições da lei nova afectadas duma cláusula de retroactividade: mesmo que a lei nova seja retroactiva, “presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.”

Este princípio da não retroactividade da lei é aplicável às leis que dispõem sobre o direito probatório material.[6]

Numa palavra, a nova lei não se aplica a efeitos de factos ocorridos anteriormente à sua entrada em vigor na ordem jurídica por força da parte final do n.º 1 do art. 12.º do C.Civil.

Considerando o referido alargamento deste fundamento resolutivo, e que os factos (colocação da porta e cobertura do telhado) ocorreram há mais de 40 anos, afigura-se-nos que não são enquadráveis no actual art. 1083º, n.º 1 do Cód. Civil mas sim no art. 1093.º do C.Civil ou no art. 64.º do RAU, que o reproduz literalmente.

Importa não esquecer que a ré, na contestação, invocou a caducidade do direito da autora por já ter decorrido um ano desde o conhecimento dessas obras.

Esta questão não foi decidida, devendo ser sanada nesta sede, por se tratar de uma nulidade de conhecimento oficioso.

Nesta matéria, o regime da caducidade não sofreu alterações desde o art. 1094.º, n.ºs 1 e 2 do C.Civil (C.C. de 1966) prescrevendo o art. 1085.º que o prazo de caducidade é de um ano a contar do conhecimento do facto que lhe serve de fundamento, salvo se for continuado ou duradouro hipótese em que se o prazo se completa decorrido um ano após a cessação da infracção (n.ºs 1 e 3).

A respeito do 1094.º do C.Civil, Pereira Coelho[7] distinguia violações instantâneas e duradouras do seguinte modo: “Cremos que a violação deveria qualificar-se como instantânea quando a conduta violadora fosse uma só, realizada ou executada em dado momento temporal, embora os seus efeitos permanecessem ou se protraíssem no tempo (als. d) e f) do n.º 1 do art. 1093.º); a violação só deveria ter-se como continuada quando o processo de violação do contrato se mantivesse em aberto, alimentada pela conduta persistente do locatário (als. b), c), e), g), h) e i)).”

Acrescentando que “no 1.º caso o senhorio já disporia de todos os elementos para tomar uma decisão (…); só no 2.º se justificaria que a lei lhe desse a possibilidade de decidir, em função das circunstâncias, e enquanto a conduta violadora se mantivesse, sobre a resolução ou não resolução do contrato.”

Portanto, as obras não consentidas por escrito pelo senhorio previstas como causa de resolução do contrato na al. d), n.º 1 do art. 1093.º do C.Civil constitui uma violação instantânea do contrato, sujeita ao prazo de caducidade de um ano a contar do seu conhecimento pelo senhorio.

No caso em apreço não só se provou o conhecimento dessas obras pelo senhorio há mais de 40 anos, como também ficou demonstrado que foi o próprio que deu o seu consentimento para que o inquilino procedesse à colocação da porta nas escadas e à cobertura do terraço.

Conclui-se, deste modo, que o direito de resolução que a autora pretende exercer, após o decurso de um longo período temporal, com vista a obter a cessação do contrato de arrendamento, caducou há muitos anos.

Na réplica argumentou-se que a autora apenas teve conhecimento dessas alterações no locado há menos de um ano atenta a data recente da aquisição do prédio.

Todavia, cumpre esclarecer que segundo o art. 1057.º do C.Civil o adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato sucede nos direitos e obrigações do locador, sem prejuízo das regras do registo.

Portanto, no caso de ser alienado o prédio arrendado o adquirente “não pode invocar a ignorância do contrato de locação para se eximir ao seu cumprimento, salvo se a locação estava sujeita a registo…”[8]

Neste sentido o Acórdão do STJ, de 29/01/2014,[9] explicou a razão de ser desta interpretação da lei: “Em primeiro lugar, porque o senhorio não pode transmitir mais direito do que o que tinha. O autor sucedeu na posição de senhorio porque comprou o prédio, nos termos previstos no artigo 1057º do Código Civil; se, antes da transmissão, se iniciou a contagem do prazo de um ano para resolução do contrato de arrendamento, o prazo não se interrompe com a substituição do proprietário, a contagem prossegue. O direito à resolução mantém a consistência de que gozava anteriormente.

Em segundo lugar, porque o adquirente não fica desprotegido, caso não tenha sido advertido pelo anterior proprietário: o regime da anulabilidade por erro, por exemplo, protege-o em tal eventualidade.

Em terceiro lugar, porque é bom de ver que a razão de ser da caducidade sairia frustrada, uma vez que a situação do arrendatário não se consolidaria, não obstante o anterior proprietário ter tomado conhecimento da realização das obras antes da transmissão e ter optado por não propor acção de despejo.”

Mesmo que assim não se entendesse, a situação seria enquadrável na figura do abuso do direito na vertente de venire contra factum proprio, pelo que não seria aceitável pela ordem jurídica.

Note-se que desde há cerca de quarenta anos que o primitivo senhorio, para além de ter arrendado o locado com uma porta nas escadas, não só teve conhecimento como autorizou as obras de tapagem do terraço (visíveis do exterior) que a ré efectuou no locado de modo a evitar as infiltrações sucessivas, que prejudicavam e dificultavam a utilização do arrendado.

Também autorizou outros locatários, que, pouco antes da ré, também taparam os respetivos terraços.

Não se concebe que o senhorio, após ter dado o seu assentimento a alterações no locado, executadas há mais de 40 anos, pretenda despejar a arrendatária que aí reside há 57 anos, com esse fundamento.

Pese embora o direito de resolução do contrato já ter caducado há muitos anos, sempre a acção teria de ser julgada improcedente por ter ficado demonstrado o consentimento do senhorio na realização dessas obras.

A autora argumenta que não é admissível considerar provado o consentimento do senhorio por não ter sido reduzido a escrito, como a lei exige.

Na verdade, a lei actual tal como a pretérita exige uma declaração escrita do senhorio de anuência nas obras que o arrendatário pretende executar no locado.

Apenas ficou provado o consentimento verbal do primitivo senhorio no que concerne à obra realizada no telhado pois a porta existente nas escadas já existia quando o espaço foi dado à ré de arrendamento.

Em primeiro lugar, tem sido entendido que essa exigência constitui uma formalidade ad probationem e não ad substantian, ou seja, destina-se a provar o assentimento do senhorio.

Sobre esta questão da validade da autorização verbal da realização de obras pelo senhorio, a jurisprudência do STJ[10] tem declarado que “a razão de ser da necessidade de autorização escrita é a proteção das partes uma em relação à outra – do arrendatário, face às consequências da realização de obras ilícitas, fundamento de resolução do contrato e de eventual pedido de indemnização; do senhorio, perante a eventualidade de o inquilino, “quando acionado, para retardar o seu despejo, invocar a realização de obras de conservação, pelas quais pede, em reconvenção, que seja indemnizado, subindo o valor da causa e a sua manutenção no prédio no exercício de um direito de retenção” (Pinto Furtado, Comentário cit., pág. 355). Ou seja, para além da facilidade de prova, não estão presentes as razões que levam ao afastamento do princípio da liberdade de forma e a imposição de forma legal.”.

Não se deve confundir a exigência da forma escrita destinada a provar um determinado facto daquela que o art. 364.º n.º 2 do C.Civil prevê para prova da declaração negocial. Só esta última pode ser substituída por confissão expressa, judicial ou extrajudicial.

Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela[11] “As regras estabelecidas no artigo 364.º só têm aplicação, obviamente, às declarações negociais ou outros elementos que devam constar do documento.”

Neste caso, não se trata de exigir a prova de uma declaração contratual, através da forma escrita, mas apenas de facilitar a prova de um acto unilateral jurídico referente ao consentimento do senhorio para a realização de alterações no locado.

Assim sendo, é admissível, para além da confissão, a prova testemunhal para averiguar se esse consentimento foi efectivamente prestado, em que circunstâncias e a sua razão de ser, como sucedeu no presente caso.

De qualquer modo, reiteramos que sempre seria subsumível ao instituto do abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, nesta hipótese de se provar o consentimento verbal e, pese embora esse facto, o senhorio invocar a falta de documento escrito para fundamentar o despejo.

Em suma, por todas as razões aduzidas, impõe-se a confirmação da sentença.


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V-DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso, e em consequência, confirmam a sentença.

Custas pela Autora.

Notifique.


Porto, 10/9/2024
Anabela Miranda
Artur Dionísio Oliveira
Rodrigues Pires
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[1] Coelho, Pereira, Arrendamento, Coimbra, 1988, pág. 277.
[2] Manual do Arrendamento Urbano, 2011, vol. II, 5.ª edição, pág. 1122.
[3] Ob. cit., pág. 1123.
[4] Arrendamento Urbano, 7.ª edição, pág. 127.
[5] “Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil”, Almedina, 1968, págs. 126 a 129.
[6] Lima, Pires de, Varela, Antunes, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição, pág. 61, nota 1.
[7] Ob. cit. pág. 291, nota 1.
[8] Seia, Jorge Alberto Aragão, Arrendamento Urbano, Anotado e Comentado, 4.ª edição, Almedina, pág. 376.
[9] Rel. Maria dos Prazeres Beleza, disponível em www.dgsi.pt.
[10] Processo 5455/15.6T8LSB.L1, citado no Acórdão de 10/09/2020, rel. por Maria do Rosário Morgado, disponível em www.dgsi.pt.
[11] Código Civil Anotado, vol. I, pág. 323, nota 5.