NEGÓCIO JURÍDICO
NULIDADE
PRESCRIÇÃO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
SIMULAÇÃO RELATIVA
NEGÓCIO DISSIMULADO
Sumário

I – Não pode proceder, nem teria qualquer efeito, a invocação da prescrição dos direitos e deveres emergentes de um negócio jurídico nulo, pois a prescrição pressupõe, logicamente, a validade dos direitos a ela sujeitos e, por conseguinte, do negócio de que emergem.
II – Mas nada obsta à invocação da prescrição dos direitos e deveres que a lei faz decorrer da própria nulidade, que não se confundem com os direitos e deveres contratuais considerados nulos, a não ser que estejam em causa direitos indisponíveis ou legalmente isentos de prescrição.
III – O artigo 286.º do CC não a consagra a imprescritibilidade da nulidade e dos direitos dela decorrentes; o que resulta dessa norma é, tão somente, que arguição da nulidade não está sujeito a um prazo de caducidade, em oposição ao que resulta do artigo 287.º do mesmo código para a arguição da anulabilidade.
IV – Não estipulando a lei um prazo especial para a prescrição daqueles direitos legais, os mesmos estão sujeitos ao prazo ordinário de 20 anos previsto no artigo 309.º do CC.
V – Nada impede os herdeiros legitimários de agir em vida do autor da sucessão, invocando a nulidade de negócios celebrados por este (por configurarem um contrato sucessório não previsto na lei, por terem sido celebrados em fraude à lei ou por serem simulados) que lhes causem prejuízos.
VI – Esta conclusão mantém-se mesmo que esteja em causa uma simulação relativa e que o negócio dissimulado constitua uma liberalidade eventualmente sujeita a redução por inoficiosidade, ainda que o direito a esta redução por inoficiosidade não possa ser exercido antes da abertura da sucessão.
VII – O artigo 306.º, n.º 1, do CC, adoptou o sistema objectivo, que dispensa o conhecimento, por parte do credor, dos elementos essenciais do seu direito, iniciando-se o decurso do prazo de prescrição “quando o direito puder ser exercido”, ou seja, quando o direito estiver em condições objectivas de o titular o poder actuar.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
AA e BB intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra:
1- CC, que também usa e é conhecido por DD, e mulher EE;
2- FF;
3- GG;
4- HH;
5- II;
6- JJ;
7- KK, que veio aos autos esclarecer que o seu nome é LL;
8- A..., S.A.
Na petição inicial deduziram incidente de intervenção principal provocada, pelo lado activo, de:
9- MM;
10- NN;
11- OO;
12- PP.
Concluíram formulando o seguinte pedido:
«Termos em que deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e, por via disso:
i. ser declarada a anulação, por nulidade decorrente da celebração de contrato sucessório e fraude à lei dos contratos de cessão de quotas de 28 de Julho de 1986 e dos aumentos de capital de 25 de Setembro de 1986, 4 de Maio de 1987, 17 de Julho de 1991, 27 de Julho de 2001 e 23 de Novembro de 2007 da sociedade, devidamente identificados nos artigos 62.º a 101.º supra, bem como de todos os actos subsequentes que dele dependam.
ii. ser declarada a anulação, por nulidade decorrente de venda de coisa alheia dos contratos de compra e venda de acções a que se alude nos artigos 105.º e 106.º supra, bem como de todos os actos subsequentes que dele dependam;
iii. serem declarados sem qualquer efeito tais negócios e actos, bem como suas escrituras, factos declarados e registos, bem como os subsequentes que dele dependam, com todas as consequências legais, ordenando-se o cancelamento de todo ou qualquer acto ou registo que tenha sido ou venha a ser feito com sua base e de qualquer outro de sentido contrário, nomeadamente os que actualmente figuram no registo comercial;
iv. ser a aludida participação social ou o seu valor à data da abertura da sucessão restituída, neste caso pelo CC, à herança de QQ e, depois, da RR.
Em alternativa:
v. ser declarada a anulação, por nulidade decorrente de simulação, dos contratos de cessão de quotas de 28 de Julho de 1986 e dos aumentos de capital de 25 de Setembro de 1986, 4 de Maio de 1987, 17 de Julho de 1991, 27 de Julho de 2001 e 23 de Novembro de 2007 da sociedade, devidamente identificados nos artigos 62.º a 101.º supra e a validade da doação subsistente;
vi. ser declarada a existência de uma atribuição patrimonial a título gratuito, por conta da legítima, efectuada pelo QQ ao CC, correspondente a uma participação social de 45% do capital social da sociedade “A..., S.A.”, que deverá ser conferida para efeito de eventual redução por inoficiosidade na partilha aberta por óbito de QQ, com o valor a determinar nos presentes autos ou ulteriormente em execução de sentença.
Em qualquer caso:
vii. ser admitida a pretendida intervenção principal provocada activa e ordenada a citação dos intervenientes para, como autores, intervirem nos autos”.

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Admitida a requerida intervenção principal e citados os intervenientes, a chamada SS veio aos autos declarar que não adere à petição inicial, antes corroborando a descrição dos factos e o enquadramento legal propugnados na contestação apresentada pelos réus identificados sob os n.ºs 1 a 4, acrescentando que não tem qualquer interesse na acção (manifestando mesmo o propósito de desistir dos pedidos).
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Constatado o falecimento do réu II, foram habilitados como seus sucessores TT e os co-rés JJ e LL.
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A ré identificada sob o n.º 8, os réus identificados sob os n.ºs 6 e 7, os réus identificados sob os n.ºs 1 a 4 e os sucessores habilitados do réu identificado sob o n.º 5 apresentaram diferentes contestações, tendo a primeira e os penúltimos arguido a prescrição do direito dos autores.
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Notificados para o efeito, os autores responderam às excepções invocadas nas diversas contestações, designadamente a excepção de prescrição, pugnando pela sua improcedência.
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Realizada audiência prévia e frustrada a conciliação das partes, foi proferido saneador-sentença, que termina com o seguinte dispositivo:
«Tudo ponderado, nos termos das disposições legais acima referidas, julgo procedente a excepção peremptória de prescrição invocada pelos réus e, em consequência, absolvo-os dos pedidos contra si formulados pelos autores».
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Inconformados, os autores apelaram desta decisão, formulando as conclusões que a seguir se transcrevem (mantendo as opções gráficas e ortográficas do seu autor):
«A) AO JULGAR PROCEDENTE A EXCEPÇÃO DA PRESCRIÇÃO O DOUTO SANEADOR-SENTENÇA OFENDEU O ESTABELECIDO PELO ARTIGO 286.º DO CÓDIGO CIVIL;
B) O INSTITUTO DA PRESCRIÇÃO É INAPLICÁVEL AOS EFEITOS DA DECLARAÇÃO DA NULIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO – CFR ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE 16 DE NOVEMBRO DE 2023;
C) “PRIMUS”, PRECISAMENTE PORQUE SÃO RAZÕES DE INTERESSE PÚBLICO QUE PRESIDEM À APLICAÇÃO DO INSTITUTO DA NULIDADE ABSOLUTA E À DESTRUIÇÃO RETROACTIVA E ORIGINÁRIA DOS EFEITOS DO NEGÓCIO, POR SE TRATAR DE NORMAS IMPERATIVAS QUE O DIREITO ENTENDE DEVER IMPOR À SOCIEDADE, POR VALORES MAIORES DO BENEFÍCIO DA COMUNIDADE;
D) “SECUNDUS”, A NULIDADE ABSOLUTA ESTÁ AFASTADA DA DISPONIBILIDADE DAS PARTES E TEM OBRIGATORIAMENTE DE SER CONHECIDA INDEPENDENTEMENTE DAS VONTADES PARTICULARES DOS SUJEITOS NEGOCIAIS, POIS TRATA-SE DE INSTITUTO QUE O TRIBUNAL TEM O PODER/DEVER DE CONHECER OFICIOSAMENTE;
E) “TERTIUS”, A IMPOSSIBILIDADE LEGAL DE CONFIRMAÇÃO DE ANO NULO, TRADUZ-SE, OBJECTIVAMENTE, NA INADMISSIBILIDADE DA SANAÇÃO DO VÍCIO DE QUE PADECE, O QUE É LOGICAMENTE INCOMPATÍVEL COM A HIPÓTESE DE AQUELE PODER SER CONVALIDADO PELO SIMPLES DECURSO DO TEMPO;
F) “QUARTUS”, A NULIDADE OBRIGA À RESTITUIÇÃO DE TUDO O QUE FOI PRESTADO, OU SEJA, CONSTITUI UMA FORMA LEGAL DE LIQUIDAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO E FAZ VERDADEIRAMENTE DESAPARECER “OPE LEGIS” A REALIDADE QUE ATÉ ENTÃO LHE ESTAVA SUBJACENTE, PELO QUE, POR FORÇA DE ELEMENTAR LÓGICA, SE PRECLUDE COMPLETAMENTE A POSSIBILIDADE DA SUA APLICAÇÃO À DECLARAÇÃO DE NULIDADE;
G) “QUINTUS”, AS RAZÕES QUE DETERMINAM QUE A USUCAPIÃO (PRESCRIÇÃO AQUISITIVA) SE SOBREPONHA À DECLARAÇÃO DE NULIDADE DO NEGÓCIO QUE ESTEVE NA ORIGEM DA SITUAÇÃO POSSESSÓRIA CONDUCENTE À USUCAPIÃO NÃO SÃO TRANSPONÍVEIS PARA A PRESCRIÇÃO, NÃO HAVENDO A MÍNIMA E POSSÍVEL ANALOGIA ENTRE UMA FIGURA E OUTRA QUE JUSTIFIQUE A APLICAÇÃO DAS MESMAS REGRAS A UM E OUTRO INSTITUTO;
H) AO JULGAR PROCEDENTE A EXCEPÇÃO DA PRESCRIÇÃO O DOUTO SANEADOR-SENTENÇA OFENDEU O ESTABELECIDO PELO ARTIGO 306.º DO CÓDIGO CIVIL;
I) O PRAZO DE PRESCRIÇÃO DO DIREITO INVOCADO INICIA-SE, NOS TERMOS DO ESTABELECIDO PELO ARTIGO 306.º DO CÓDIGO CIVIL QUANDO O DIREITO PUDER SER EXERCIDO, PELO QUE NENHUMA DÚVIDA PODE EXISTIR QUE O PRAZO ORDINÁRIO DE PRESCRIÇÃO DE 20 ANOS APENAS SE INICIA COM A ABERTURA DA SUCESSÃO;
J) DE QUALQUER FORMA A SUCESSÃO DE CONTRATOS E ACTOS DA INICIAL ESTÃO ENQUADRADOS COMO INSTRUMENTOS PARTICULARES DE UM PROCESSO VOLITIVO COMPLEXO E FORMADO NA SUA PLANEADA EXECUÇÃO CONJUNTA AO LONGO DO TEMPO, O QUAL APESAR DE INICIADO EM 1986, SÓ SE COMPLETOU, DE FACTO E NA VERDADE, EM 2007, PELO QUE SÓ A PARTIR DAÍ SE PODERIA DE FACTO INICIAR O DECURSO DO PRAZO PRESCRICIONAL DE 20 ANOS;
K) AO DEFENDER CADUCO O DIREITO À REDUÇÃO DE LIBERALIDADE INOFICIOSA, O DOUTO SANEADOR-SENTENÇA OFENDEU O ESTABELECIDO PELO ARTIGO 2178.º DO CÓDIGO CIVIL;
L) ESTE PRAZO DE CADUCIDADE APENAS SE APLICA QUANDO A LIBERALIDADE SEJA EFECTUADA A FAVOR DE QUE NÃO SEJA HERDEIRO LEGITIMÁRIO DO AUTOR DA SUCESSÃO - CFR ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE 9 DE ABRIL DE 2002 E ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DO PORTO DE 8 DE OUTUBRO DE 2018;
M) EM QUALQUER CASO, O ACTO DE ACEITAÇÃO DA HERANÇA ASSUMIU UMA FORMA COMPLEXA E NÃO DECORRE EXCLUSIVAMENTE DO CONTRATO DE PARTILHA OUTORGADO ENTRE OS HABILITADOS HERDEIROS DO AUTOR DA SUCESSÃO EM 4 DE JANEIRO DE 2013, MAS TAMBÉM PELO CONTRATO DE RECTIFICAÇÃO DESSA MESMA PARTILHA DE 24 DE NOVEMBRO DE 2014;
N) VERIFICANDO-SE QUE O INVENTÁRIO DE QUE É CAUSA PREJUDICIAL DA PRESENTE ACÇÃO SE MOSTRA INSTAURADO EM 17 DE DEZEMBRO DE 2015, NÃO ESTÁ CADUCO, MESMO EM TAL INTERPRETAÇÃO, O DIREITO A SUSCITAR TAL QUESTÃO».
Terminam pugnando que, na procedência da apelação, se revogue o saneador-sentença recorrido e se ordene o prosseguimento dos autos.
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A ré identificada sob o n.º 8, os sucessores do réu identificado no n.º 5 e os réus identificados sob os n.ºs 1 a 4 responderam à alegação dos recorrentes, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Para o caso de proceder a apelação, a ré identificada sob o n.º 8 requereu a ampliação do objecto do recurso, solicitando o conhecimento das excepções dilatórias de nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial (por ininteligibilidade da causa de pedir e por contradição entre a causa de pedir e o pedido) e de ilegitimidade processual da ré/recorrida. Para a mesma hipótese, mais solicitou a apreciação das questões não conhecidas pelo tribunal a quo.
Também os sucessores do réu identificado no n.º 5 requereram, na hipótese de o recurso proceder, o conhecimento da excepção de abuso de direito e a ampliação do objecto do recurso, para nele ser conhecida a questão da incompetência material do Tribunal a quo para julgar os pedidos de “anulação, por nulidade” dos aumentos de capital de 25 de Setembro de 1986, 4 de Maio de 1987, 17 de Julho de 1991, 27 de Julho de 2001 e 23 de Novembro de 2007 da A....
A ampliação do objecto do recurso em caso de procedência da apelação foi igualmente requerida pelos réus identificados sob os n.ºs 1 a 4, solicitando a reapreciação da decisão sobre matéria de facto, bem como das excepções de ilegitimidade passiva, de incompetência material e de nulidade do processado por ineptidão da petição inicial.
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II. Objecto do Recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, como decorre do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), não podendo o Tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC). Não obstante, o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do citado diploma legal).
As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes, são as seguintes:
- A inaplicabilidade da prescrição ao direito de arguir a nulidade dos negócios jurídicos e/ou aos direitos decorrentes da declaração desta nulidade;
- Concluindo-se pela aplicabilidade, o não esgotamento do prazo prescricional no caso concreto, tendo em conta a data em que o mesmo se iniciou;
- Concluindo-se pelo esgotamento do prazo de prescrição, a caducidade do direito à redução da liberalidade em causa nestes atos por inoficiosidade.
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III. Fundamentação
A. Os factos
Consta o seguinte da fundamentação de facto da decisão recorrida:
«São os seguintes, no essencial, os factos que considero provados para conhecimento da referida excepção peremptória (factos provados por acordo das partes, prova documental bastante ou, ainda porque assim alegados pelos autores, nesse sentido se devendo considerar como “provado” que os autores alegam tal facto na sua petição inicial):
1) Está pendente sob o n.º ..., pelo cartório da Notária UU, o processo de inventário em que são inventariados QQ e RR, no qual se discute, entre o mais, a validade dos contratos de cessão de quotas que são objecto da presente acção e a sua nulidade, por simulação, questão que foi aí decidido ser causa prejudicial daquelas partilhas, a dirimir perante os Tribunais Judiciais;
2) Em vida, aquele QQ pretendeu dispor da sua sucessão a favor do CC, seu filho, por ser sua vontade assegurar a continuação na sociedade “A...” através dele, fim que prosseguiu mediante a participação, nesse propósito, do II e da própria sociedade;
3) De facto, o QQ, decidiu, nesse propósito, de comum acordo com o seu filho CC, em execução de plano previamente gizado, também com o fito de prejudicar os demais filhos e seus herdeiros, transmitir a sua participação social na sociedade para a própria “A...”, de modo a beneficiar aquele seu filho através do respectivo património social nela acumulado;
4) Com a intenção de vir depois a anular a participação social assim transmitida através de sucessivos aumentos de capital por incorporação de reservas societárias, maquinando-o, como se disse, com a colaboração e participação da própria sociedade e do seu referido sócio;
5) Pois que o II deu o seu assentimento a esse plano, comprometendo-se a fazer tudo o que fosse necessário para o executar, não só dispondo da sua própria quota na sociedade, mas também no sentido de formar todas as deliberações sociais que se revelassem necessárias a tal pernicioso propósito;
6) Então, aqueles concertaram-se para executar uma complexa operação, em primeira linha, através de contratos de cessões de participações sociais e, depois, de subsequentes aumentos de capital da sociedade, que todos realizaram com a intenção, vontade e propósito de contornar, em embuste, as regras legais que presidem à sucessão;
7) De forma a encabeçar desde logo o filho CC, escolhido pelo QQ, em vez dos demais, na parte deste na sociedade, antecipando e ultrapassando, com o acervo dos infra identificados negócios e actos aquelas regras legais, instrumentalizando a esse apontado fim as normas societárias, em prejuízo também do interesse social e da sociedade e em benefício ilícito daquele filho;
8) Assim sintetizada a sua causa de pedir, está em causa na presente acção a anulação, por nulidade decorrente de contrato sucessório, fraude à lei ou simulação, dos contratos de cessão de quotas de 28 de Julho de 1986 e dos aumentos de capital da sociedade de 25 de Setembro de 1986, 4 de Maio de 1987,17 de Julho de 1991, 27 de Julho de 2001 e 23 de Novembro de 2007 e também a anulação, por venda de coisa alheia, de contrato(s) de compra e venda de acções realizado(s) em data indeterminada, todos da sociedade “A...”;
9) De onde se extraí, como sua decorrência e de forma alternativa, a restituição à sua herança daquela participação social na sociedade ou da quantia correspondente ao seu valor, ou, pelo menos, a sua conferência na respectiva partilha, para efeito da sua eventual redução por inoficiosidade;
10) Em 11 de Fevereiro de 2011, faleceu QQ, no estado de casado em primeiras núpcias e no regime da separação de bens com RR, que também usava e era conhecida por RR;
11) O autor da sucessão, fez testamento, lavrado no dia 08 de Fevereiro de 1990, exarado a folhas 46 e seguintes do livro ..., do extinto quinto Cartório Notarial do Porto, pelo qual legou à sua esposa, RR, e para o caso desta lhe sobreviver, o usufruto vitalício dos bens que viessem a preencher os quinhões dos seus descendentes na sua herança;
12) Sucederam-lhe como seus herdeiros legítimos:
a) sua identificada mulher RR;
b) seu filho, CC;
c) seu filho, VV, casado com NN, sob o regime da separação de bens;
d) sua filha, MM;
e) seu neto AA, filho do filho pré-falecido do autor da sucessão, WW;
f) sua neta, BB, filha do filho préfalecido do autor da sucessão, WW;
13) Entretanto, em 06 de Março de 2012, faleceu a referida RR, que também usava e era conhecida por RR, no estado de viúva do finado QQ;
14) A autora da sucessão fez testamento, lavrado no dia 30 de Janeiro de 2004, exarado a folhas 76 e seguintes do competente Livro ...-B, do extinto Oitavo Cartório Notarial do Porto pelo qual legou instituiu vários legados a sua filha MM;
15) Sucederam-lhe como seus herdeiros legítimos:
a) seu filho, CC;
b) seu filho, VV, casado com NN, sob o regime da separação de bens;
c) sua filha, MM;
d) seu neto AA, filho do filho pré-falecido do autor da sucessão, WW;
e) sua neta, BB, filha do filho préfalecido do autor da sucessão, WW;
15) Por escrito de 04 de Janeiro de 2013, os identificados herdeiros de QQ e RR procederam à partilha dos bens imóveis e parte dos bens móveis que integravam as respectivas heranças, através de documento particular com termo de autenticação lavrado pelo solicitador XX, a fls. 65, do seu livro de notas ...-A;
16) Por escrito de 24 de Novembro de 2014, todos os aí outorgantes rectificaram esse contrato de partilha;
17) A soma dos bens em partilha em tais contratos, tal como atribuído por todos os interessados, face à rectificação operada, foram:
a) da herança aberta por óbito de QQ, de €113.510,00;
b) da herança aberta por óbito de RR, de €916.229,50;
18) Entretanto, em 03 de Setembro de 2015, faleceu VV, no estado de casado no regime da separação de bens com NN;
19) O autor desta sucessão fez testamento, lavrado no dia 23 de Março de 2015, exarado a folhas 5 e seguintes do competente Livro ...-B, do Cartório da Notária YY;
20) Sucederam-lhe como seus herdeiros legítimos:
a) sua referida mulher, NN;
b) seu filho, OO;
c) seu filho, PP, casado com ZZ, sob o regime da separação de bens;
21) Gira desde 1908 a então sociedade comercial por quotas “B..., Limitada”, que, entretanto, mudou a sua denominação social para “A...”, na forma de sociedade anónima, tendo por objecto a indústria e comércio de cordoaria, de fibras naturais e sintéticas, redes e cabos metálicos;
22) Em meados da década de 1980, as participações sociais da sociedade encontravam-se assim distribuídas entre os seus sócios, com as seguintes quotas e percentagem relativa do capital social:
• II 55.000.000$00, correspondente a 50,00% do capital social;
• QQ 49.500.000$00, correspondente a 45,00% do capital social;
• CC 5.500.000$00, correspondente a 5,00% do capital social;
23) Pelo menos no primeiro semestre de 1986, o falecido QQ conluiou-se com o seu filho CC no sentido de lhe entregar, transmitindo-a, a titularidade da participação social de 45% que detinha na sociedade, com o indicado valor nominal de 49.500.000$00 e representada por aquela quota, em prejuízo dos seus demais herdeiros já supra identificados;
24) Tentaram então, convencer os seus demais filhos a dar autorização para a realização de uma suposta cessão onerosa daquela quota a efectuar pelo QQ ao seu filho CC, que o pai dos aqui autores, WW, então ainda vivo, recusou;
25) Perante tal recusa, naquele denunciado fim e de acordo com o entre eles planeado, em 28 de Julho de 1986, o falecido QQ declarou ceder aquela quota com o valor nominal de 49.500.000$00 que detinha na “A...”, à própria sociedade, pelo preço declarado de 72.030.000$00, através de escritura pública outorgada a fls. 9 e seguintes do livro de notas para escrituras diversas ...-D, do então Cartório Notarial da Maia;
26) No mesmo acto notarial, o II, dividiu a quota que possuía na sociedade com o valor nominal de 55.000.000$00 em duas quotas, uma de 30.250.000$00, que reservou para si e outra de 24.750.000$00, que declarou ceder ao CC, por preço declarado correspondente ao do valor nominal;
27) Os autores não podem afirmar com segurança se os preços declarados, respectivamente de 72.030.000$00 e de 24.750.000$00 foram efectivamente pagos, suspeitando que não foram;
28) O propósito daquelas divisão e cessão efectuada pelo II ao CC foi apenas o de restabelecer as posições relativas existentes antes da cessão efectuada à sociedade no mesmo acto notarial, de forma a que se mantivesse o equilíbrio de poder entre os dois sócios, repondo o balanço de forças anteriormente existente entre ambos eles, de metade do capital social para cada um;
29) Posteriormente, logo no dia 25 de Setembro de 1986, como únicos sócios da “A...”, o CC e o II aumentaram o capital social da sociedade para 395.000.000$00, mediante um aumento de 285.000.000$00 por incorporação de reservas livres de 72.205.005$37, de reservas de reinvestimento de 84.687.941$00, de reservas de reavaliação de 14.853.149$56, de outras reservas de reavaliação de 61.469.329$60 e ainda de outras reservas de reavaliação de 51.784.574$47, através de escritura pública outorgada a fls. 71 e seguintes do livro de notas para escrituras diversas ...-C, do então Cartório Notarial da Maia».
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B. O direito
1. O tempo é um facto jurídico não negocial, susceptível de influir nas mais diversas relações jurídicas e em diferentes domínios do direito civil. Entre os mais relevantes efeitos jurídicos do decurso do tempo destacam-se a prescrição e a caducidade.
No que concerne à prescrição extintiva (assim denominada por oposição à prescrição aquisitiva), desde logo porque, quando invocada (ela não opera ipso jure – cfr. artigo 303.º do CC), pode legitimar a recusa do cumprimento da obrigação, se o correspondente direito não tiver sido exercido durante certo lapso de tempo estabelecido na lei (cfr. artigo 298.º, n.º 1, do CC), assim a transformando numa obrigação natural, nos termos do artigo 304.º, n.º 2, do CC.
Embora não lhe sejam totalmente estranhas razões de justiça, a prescrição extintiva é um instituto endereçado, fundamentalmente, à realização de objectivos de conveniência ou oportunidade, partindo a sua fundamentação legal da ponderação da inércia do titular do direito, que faz presumir a renúncia ao mesmo ou, pelo menos, o torna indigno de tutela jurídica, em harmonia com o velho aforismo dormientibus non succurrit jus (Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, p. 446).
Visando a prescrição satisfazer a necessidade social de segurança jurídica, de certeza dos direitos, e assim proteger o interesse do sujeito passivo, tem como efeito dispensar a protecção do sujeito activo, atendendo ao seu desinteresse ou inércia em exercitar o seu direito. Compreende-se que razões de certeza e de segurança nas relações jurídicas imponham que a inércia prolongada do credor envolva consequências desfavoráveis para o exercício tardio do direito, em defesa da expectativa do devedor de se considerar dispensado de cumprir, tendo inclusivamente em conta a dificuldade que este poderia ter de, passado muito tempo, fazer prova do cumprimento que, porventura, tivesse feito (Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, p. 554). O instituto em causa tem, assim, subjacente a inércia do titular do direito, conjugada com o interesse objectivo numa adaptação da situação de direito à situação de facto (Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, p. 637). Parece, assim, dever situar-se o fundamento último da prescrição na negligência do credor em não exercer o seu direito durante um período de tempo razoável, em que seria legítimo esperar que ele o exercesse, se nisso estivesse interessado.
Assim, decorrido o prazo da prescrição, o devedor pode, se quiser, opor-se à pretensão do titular do direito e recusar-se a cumprir, sem ter de usar de outro meio de defesa para além da simples invocação do decurso do tempo.
2. Na decisão recorrida afirma-se o seguinte:
«Como dito acima, a nulidade é invocável a todo o tempo, por qualquer interessado (art. 286 do Código Civil).
O facto de a lei preceituar que a nulidade pode ser invocável a todo o tempo, porém, não significa que não tenha prazo, pois que a segurança jurídica unitária do sistema, impõe que, decorrido o necessário tempo para o efeito, todos os actos jurídicos, mesmo que inválidos, se consolidem (com excepção da inexistência, que não vem ao caso).
É assim que, não prevendo a lei outro prazo, seja aplicável o disposto no art. 309 do Código Civil, isto é, o prazo ordinário de prescrição de vinte anos.
Ora, não se vislumbrando, nem tendo sido alegadas, quaisquer causas de interrupção da prescrição, desde aquela data de 1986, há muito que decorreu aquele prazo de 20 anos (mais precisamente, em 2006).
Tendo decorrido tal prazo, o acto consolidou-se na esfera jurídica dos interessados e de terceiros intervenientes, não podendo ser agora impugnado.
Sendo tal acto de cessão de quotas sociais válido, porque como tal se consolidou pelo decurso do tempo, tal validade estende-se aos actos subsequentes praticados pelos detentores das quotas sociais adquiridas (posteriores aumentos de capital e cessões).
Ou seja, não podendo ser impugnado o acto notarial de 28 de Julho de 1986, em que o falecido QQ declarou ceder a suo quota social à “A...”, e em que II, dividiu a quota que possuía na sociedade em duas quotas, reservando uma para si e declarando ceder a outra ao CC, a sua consolidação e validade estende-se aos demais actos/negócios jurídicos posteriormente efectuados pelos seus intervenientes e também impugnados pelos autores».
Os recorrentes insurgem-se contra este entendimento, alegando que o instituto da prescrição é inaplicável aos efeitos da declaração da nulidade do negócio jurídico.
Invocam, em defesa da sua tese, o ac. do STJ, de 16.11.2023 (proc. n.º 567/20.7T8VFR.P1.S1).
Contudo, o caso concreto decidido neste aresto não tem qualquer paralelo com a situação em apreço nos presentes autos, nem se afigura que o referido acórdão pretenda solucionar ou, sequer, vise a questão a decidir neste recurso. Por conseguinte, não cremos que aquela jurisprudência seja transponível para o nosso caso.
No caso apreciado pelo STJ, estava em questão o pagamento de fornecimentos de electricidade, tendo a ré invocado a prescrição desse direito, por terem decorrido mais de seis meses sobre a prestação desse serviço, nos termos da Lei dos Serviços Públicos Essenciais, ou, no caso de não se considerar aplicável este diploma legal, pelo decurso do prazo quinquenal previsto na alínea g), do artigo 310.º, do CC (invocando ainda a título subsidiário o decurso do prazo de prescrição da obrigação de restituir com fundamento em enriquecimento sem causa). Tendo sido declarada oficiosamente a nulidade do contrato em causa, ficou naturalmente prejudicada a questão da prescrição dos direitos e obrigações dele emergentes, limitando-se o tribunal a aplicar o regime jurídico da nulidade, com base no qual a ré foi condenada a restituir à autora o valor equivalente às prestações que havia recebido ao abrigo do contrato declarado nulo, concluindo que tal obrigação de restituição não está, obviamente, sujeita aos curtos prazos de prescrição consagrados na Lei dos Serviços Públicos Essenciais ou no artigo 310.º do CC para as prestações periodicamente renováveis.
Naquele aresto nada se decidiu sobre a eventual prescrição desta obrigação legal de restituição e do correspondente direito pelo decurso do prazo ordinário de 20 anos previsto no artigo 309.º do CC, até porque era manifesto que não havia decorrido tal prazo.
O que o STJ decidiu com toda a clareza no referido acórdão – em termos que se nos afiguram inquestionáveis – foi que o devedor não pode fazer uso da prescrição extintiva para se recusar a cumprir um dever emergente de um negócio jurídico se este for nulo, pois a invocação da prescrição de um direto emergente de um determinado negócio e da correspondente obrigação depende, naturalmente, da validade desse mesmo negócio; sendo este considerado nulo pelo tribunal, os direitos e obrigações dele emergentes deixam de existir, pelo que não é sequer equacionável a sua prescrição; o regime aplicável passa, então, a ser o da nulidade e dos seus efeitos, não podendo confundir-se a obrigação de restituição prevista no artigo 289.º do CC com o cumprimento da obrigação negocial, sendo distintos os respectivos regimes jurídicos.
Diferentemente, no caso destes autos, não se exige qualquer prestação emergente de algum dos contratos alegados pelos autores, pelo que não se discute a aplicabilidade de algum prazo de prescrição aos direitos e obrigações emergentes desses contratos. O que os autores vêm pedir é a declaração da nulidade dos aludidos contratos, com os respectivos efeitos legais, mormente a restituição da participação social em discussão nos autos, ou do seu valor à data da abertura da sucessão, às heranças de QQ e de RR.
E o que importa aqui decidir é, precisamente, se esta tutela jurídica – a declaração da nulidade dos contratos e a obrigação de restituição dela decorrente – está sujeita à prescrição pelo decurso do prazo ordinário de 20 anos previsto no artigo 309.º do CC.
É certo que o acórdão do STJ citado pelos recorrentes começa por identificar a questão jurídica que lhe cumpre analisar em termos aparentemente muito latos: «Declarada oficiosamente a nulidade de determinado negócio jurídico, encontram-se (ou não) os seus efeitos, consignados no artigo 289º, nº 1, do Código Civil, condicionados e/ou paralisados pelo instituto da prescrição extintiva, invocado oportunamente pela parte interessada, que nesse caso prevaleceria (ou não)».
Mas logo acrescenta o seguinte: «Considerando a possibilidade do funcionamento prevalecente do instituto da prescrição extintiva prevista no artigo 310.º, alínea g), do Código Civil, as obrigações da Ré encontrar-se-iam prescritas, devendo ser, portanto, absolvida do pedido». Volta, assim, a cingir a questão decidenda à aplicabilidade da prescrição extintiva das prestações periodicamente renováveis.
Prossegue o referido aresto nos seguintes termos:
«Na sentença argumentou-se que:
Tratando-se a obrigação de restituição de uma obrigação legal, decorrente do artigo 289.º, n.º 1, do Código Civil, deixamos de estar perante obrigações periódicas mensais e passamos a estar face a uma obrigação de restituição, não sendo, por isso, aplicáveis os prazos mais curtos de prescrição previstos no artigo 310º, alínea g) e no artigo 482º, ambos do Código Civil.
(…) É contraditório afirmar, por um lado, que o negócio nulo e insusceptível de produzir efeitos ab initio, e por outro, que desse negócio nulo possam emergir obrigações que com o decurso do tempo se venham a extinguir com base no instituto da prescrição.
Sustentar que o direito à invocação da nulidade, não sendo indisponível nem sendo declarado legalmente imprescritível, está sujeito à prescrição, é contraditório com a afirmação legal de que a nulidade é invocável a todo o tempo (artigo 286º do Código Civil), sendo pelo contrário um daqueles direitos potestativos que não está sujeito a prescrição (veja-se o nº 1 do artigo 298º do Código Civil).
De facto, se a invocação da nulidade, legalmente, pode ser feita a todo o tempo, isso significa que não tem de ser invocada dentro do prazo de vinte anos, como seria se a tal invocação fosse aplicável o instituto da prescrição».
De seguida, contrapõe esta tese com a propugnada pela recorrente, que descreve assim:
«A norma relativa à prescrição da obrigação é susceptível de ser aplicada ao negócio que, entretanto, foi considerado nulo, prevalecendo assim a prescrição sobre o regime da nulidade.
Mesmo aceitando-se a ideia, no plano dos princípios, que o negócio nulo não produz efeitos como negócio jurídico, o certo é que existe de facto na vida social e jurídica e produz efeitos legais.
O negócio jurídico no caso em apreço foi celebrado, executado e cumprido pelas partes e, durante a sua vigência, produziu todos os seus efeitos, como se de um negócio válido se tratasse, só vindo a ser declarado nulo em resultado da intervenção oficiosa do tribunal.
Logo, a nulidade não é susceptível de fazer desaparecer o negócio jurídico pelo que, por esta razão, pode a prescrição ser invocada e reconhecida.
O facto de a nulidade poder ser invocada a todo o tempo não afasta o princípio da inderrogabilidade da prescrição, razão pela qual esta pode, ainda neste contexto, ser invocada pela parte a quem aproveita.
Estribou-se ainda no decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 7 de Março de 2019 (relator Barroca Penha), proferido no processo nº 876/18.5T8BRG.G1; no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25 de Maio de 2017 (relator Mata Ribeiro), proferido no processo nº 1123/09.6TBOLH-G.E1; no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19 de Maio de 2020 (relatora Isabel Salgado), proferido no processo nº 5598/18.4T8LSB.L1, todos publicados in www.dgsi.pt».
De seguida, faz uma síntese destes acórdãos.
Por fim, o aresto que vimos analisando toma posição nesta contenda, afirmando o seguinte:
«A declaração de nulidade do negócio jurídico gera, por força de norma imperativa da lei (artigo 289º, nº 1, do Código Civil), a obrigação de restituição de tudo aquilo que houver sido prestado (ou do valor correspondente), gerando-se assim uma relação de liquidação. (…)
Esta nova realidade jurídica que resulta da declaração de nulidade do negócio é diversa, por sua própria natureza, da que existia no plano meramente contratual (sem a declaração de nulidade) e que se reconduzia, neste caso, à consensual fixação e vigência duradoura de um conjunto de prestações periódicas e sucessivas a cargo da Ré, como contrapartida pelo serviço prestado continuamente pela A. em seu favor. (…)
Porém, com a declaração oficiosa de nulidade do negócio deixou agora de ser possível considerar, no plano jurídico, o regime de prestações periódicas mensais antes convencionadas, com a estrutura concreta que assumiam, e que era vivenciado entre as partes contraentes, sem deixar contudo de salvaguardar-se a prestação continuada que foi realizada pela fornecedora (A.) (que não pode ser objecto de qualquer tipo de restituição) e os efeitos associados ao pontual cumprimento das ditas prestações periódicas pela contraparte (que não justificam, por sua natureza, qualquer tipo de devolução dos montantes envolvidos).
Com o automático desaparecimento, no plano jurídico, dessa anterior e concreta realidade, por força de norma imperativa da lei, ficará inevitavelmente prejudicada a hipótese do funcionamento da prescrição extintiva (que nada tem rigorosamente a ver, em termos da sua natureza, estrutura jurídica e finalidades típicas, com a denominada prescrição aquisitiva – como acertada e desenvolvidamente se explicou no acórdão recorrido -, e cuja similitude a recorrente para estes efeitos indevidamente invocou), uma vez que não se pode atender, neste momento, à vigência da obrigação de pagamento periódico a que respeitavam as facturas juntas aos autos. (…)
Não deixa de ser deveras sintomático, para a discussão que nos ocupa, que os ditos autores [referindo-se aos autores que antes citou e que defendem que a nulidade não preclude a invocabilidade da prescrição aquisitiva] não tenham feito a mais leve alusão, neste mesmo contexto, à figura da prescrição extintiva, de verificação muito mais vulgar e frequente, dado a maior abertura e menor exigência dos seus requisitos legais, sendo os prazos em que assentam, em regra, mais curtos do que aqueles que estão na base da prescrição aquisitiva (de tal forma longos que permitem por isso, na sequência de uma situação de manutenção prolongada da posse, a aquisição originária de um direito de natureza real).
Daí inexistir cabimento legal para avocar o pretenso funcionamento do instituto da prescrição extintiva, figura jurídica que não prescinde da validade do negócio enquanto seu pressuposto básico e essencial, que lhe imprime a inerente e necessária configuração (ontologicamente diferente de uma relação de liquidação).
Por outro lado, a circunstância objectiva de o negócio ter existido no plano real e concreto dos factos experienciados pelos celebrantes, inclusive durante longos anos a fio até ser oficiosamente declarado nulo pelo tribunal, não altera de modo algum esta análise de cariz jurídico, bem como a inerente conclusão que se extraiu.
É óbvio e manifesto que a declaração de nulidade do negócio não significa, nem quer dizer, que nada aconteceu afinal entre as partes, como se tudo não tivesse passado de pura ficção, o que é desmentido pela simples constatação da existência inegável de uma relação de facto que aquelas entre si construíram para prosseguir no terreno os recíprocos interesses concretos de que eram titulares. (…)
E também há que reconhecer que existem efeitos jurídicos que se produzem em consequência desta mesma relação de facto, não obstante a declaração de nulidade do negócio que venha a ser declarada. (…)
Assim:
Na sequência da própria previsão normativa do artigo 289º, nº 3, do Código Civil, operam as vicissitudes associadas ao regime da posse e, nesse preciso contexto, pode verificar-se, como se assinalou, a prescrição aquisitiva, que constitui uma aquisição originária do direito de propriedade, fundada no instituto da usucapião, nos termos gerais do artigo 1287º do Código Civil.
Dever-se-á reconhecer e salvaguardar outrossim o funcionamento das regras da acessão, verificados que sejam os respectivos requisitos.
Dever-se-á observar ainda, em relação ao contraente de boa fé, o conjunto de normas respeitantes ao direito a frutos e benfeitorias. (…)
E, principalmente, há que assinalar que o modo de execução efectiva e voluntária que moldou esta relação de facto, a qual se constituiu e perdurou no tempo, condicionará necessariamente os contornos dos efeitos associados ao objecto do dever de restituição determinado pela declaração de nulidade do negócio.
Contudo, quando a lei, por motivos de interesse público que ultrapassam, como se compreende, a natureza meramente privatística do negócio, fulmina de nula e de nenhum efeito a relação em apreço, produz-se uma consequência própria e incontornável no plano puramente jurídico que exclui, por si, a aplicação de outros regimes (neste caso de prescrição extintiva) que tinham como pressuposto essencial, indispensável e decisivo, a sua intocada validade.
(…) O direito do devedor de contrapor ao credor a paralisação/extinção do crédito pela prescrição assentava na possibilidade de ter o negócio como juridicamente válido na sua configuração inicial.
Se em vez da obrigação (inicial) do pagamento de determinada prestação periódica ficarmos apenas face a uma simples relação de liquidação de tudo o que houver sido prestado (e concretamente do preço não pago pelo fornecimento efectivo de todos os serviços de energia eléctrica que beneficiaram materialmente o seu utente) perde-se irreversivelmente a delimitação temporal que constituía a referência indispensável e justificativa do funcionamento deste instituto da prescrição.
A situação ainda é mais clara quando estão em causa – como sucede na situação sub judice – prazos especiais (e excepcionalmente curtos) de prescrição (extintiva) que estão intimamente conexionados com a natureza periódica dos pagamentos que deveriam ter sido realizados.
Não é possível, perante uma declaração de nulidade do negócio, pretender salvaguardar um regime jurídico que apenas era aplicável nessas exactas circunstâncias (e não noutras)».
A argumentação assim longamente transcrita vem corroborar o que começámos por afirmar: o que o STJ afirmou e decidiu neste acórdão foi que, declarado nulo um contrato de fornecimento de electricidade, deixa de ser aplicável o regime legal da prescrição das prestações periodicamente renováveis, previsto no artigo 310.º, al. g), do CC (bem como o regime legal da prescrição das dívidas por serviços públicos essenciais), na medida em que estes regimes prescricionais pressupõem a validade do referido contrato.
Porém, no acórdão do STJ acrescenta-se ainda o seguinte:
«De enfatizar ainda que a circunstância da nulidade ser invocável a todo o tempo por qualquer interessado e poder ser, nessas mesmas circunstâncias, declarada oficiosamente pelo tribunal, conforme consagra o artigo 286º do Código Civil, é logicamente incompatível com a possibilidade de avocação da figura da prescrição, destinada a evitar/paralisar a produção dos seus efeitos jurídicos próprios.
Sendo o negócio nulo, por razões que se prendem com interesses públicos e imperativos que a lei quer primacialmente salvaguardar, e não existindo limites temporais para essa mesma declaração de nulidade, as partes deixam, em consequência, de poder dispor ou influir sobre o conteúdo do negócio que é assim invalidado.
Tudo se transforma, como se assinalou, numa pura relação de liquidação, pelo que há que integrar ou equiparar a situação sub judice (de declaração de nulidade do negócio) na figura dos direitos que se tornam indisponíveis, nos termos e para os efeitos do artigo 298º, nº 1, do Código Civil.
Ou seja, não é possível admitir que a declaração (imposta legalmente) de que o negócio é nulo, e que por isso não produziu qualquer efeito ab initio, comporte a contraditória possibilidade de uma das partes, uma vez declarada a nulidade, ainda conseguir paralisar qualquer direito de que outra seja titular no âmbito do mencionado dever de restituição, com fundamento, directo e exclusivo, nos concretos termos de um negócio que nessa altura já não vale, nem nunca valeu aliás juridicamente, desde a sua origem».
Esta argumentação, mais concretamente nos seus 1.º e 3.º parágrafos, parece corroborar a tese dos recorrentes, segundo a qual a declaração da nulidade dos negócios jurídicos e os efeitos desta declaração são imprescritíveis.
Tendo, porém, em conta o contexto destas afirmações, bem como o teor dos parágrafos 2.º e 4.º do excerto acima transcrito, não cremos que o STJ tenha pretendido ir além da conclusão que exarou no sumário do acórdão: «Declarada oficiosamente a nulidade do negócio jurídico, nos termos dos artigos 286º e 289º, nº 1, do Código de Civil, não pode o devedor fazer uso, em sua defesa, do instituto da prescrição extintiva previsto no artigo 310º, alínea g), do mesmo diploma legal». Até porque, interpretada naquele sentido mais lato, estaríamos perante uma argumentação irrelevante para a decisão da causa.
Seja como for, não partilhamos da tese preconizada pelos recorrentes.
Em defesa dessa tese, os recorrentes começam por afirmar que «são razões de interesse público que presidem à aplicação do instituto da nulidade absoluta e à destruição retroactiva e originária dos efeitos do negócio, por se tratar de normas imperativas que o direito entende dever impor à sociedade, por valores maiores do benefício da comunidade».
Mas, como vimos, são igualmente razões de interesse público que presidem à aplicação do instituto da prescrição, mormente razões de certeza e segurança jurídica. Como se escreve no ac. do TRP, de 16.12.2015 (proc. n.º 638/12.3TBFLG.P1), no instituto jurídico-legal da prescrição «o legislador joga com valores contraditórios motivados pela justiça, equidade e ética», sendo aquele instituto «determinado por razões de ordem pública».
Assim se compreende a inderrogabilidade do regime da prescrição, consagrada no artigo 300.º do CC nos seguintes termos: «São nulos os negócios jurídicos destinados a modificar os prazos legais da prescrição ou a facilitar ou dificultar por outro modo as condições em que a prescrição opera os seus efeitos». Assim se compreende, igualmente, que a renúncia da prescrição só seja admitida depois de haver decorrido o prazo prescricional (cfr. art. 302º, n.º 1, do CC).
E não vislumbramos qualquer razão para postergar os interesses servidos pelo instituto da prescrição – cujo regime legal já afasta a sua aplicação nos casos em que a mesma seria intolerável, como sucede com os direitos indisponíveis – exclusivamente em prol dos interesses servidos pelo instituto da nulidade dos negócios jurídicos.
Afirmam de seguida os recorrentes que a nulidade absoluta está afastada da disponibilidade das partes e tem obrigatoriamente de ser conhecida independentemente das vontades particulares dos sujeitos negociais, pois trata-se de instituto que o tribunal tem o poder/dever de conhecer oficiosamente.
Esta alegação remete-nos para o disposto no artigo 298.º, n.º 1, do CC, nos termos do qual estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.
Mas, ao contrário do que afirmam os recorrentes, a possibilidade de conhecimento oficioso da nulidade não corresponde nem tem como consequência a indisponibilidade dos direitos baseados nesse vício genético dos negócios jurídicos. O direito de invocar a nulidade de um negócio jurídico e, com esse fundamento, exigir a restituição do que foi prestado ou o seu equivalente pecuniário, não configura um direito indisponível. Pelo contrário, cremos não suscitar dúvidas que a parte pode abster-se de exercer o seu direito a pedir a restituição baseada na nulidade do negócio, pode confessar a existência ou a inexistência da causa dessa nulidade (ressalvados os limites decorrentes da prova vinculada) e pode confessar, desistir ou transigir no pedido da acção em que se discuta tal nulidade (seja por acção ou por excepção).
Por outro lado, os recorrentes não invocaram, nem se vislumbra existir, qualquer preceito legal que isente aqueles direitos de prescrição.
E não se diga que tal isenção decorre do artigo 286.º do CC, nos termos do qual a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado. Como afirmam os recorridos, «do que se trata naquele artigo 286.º do CCiv é de convencionar que o vício da nulidade, por oposição ao que se descobre nos casos de anulabilidade, não conhece um prazo de arguição específico, pelo que, designadamente, não lhe é transponível o regime da caducidade do exercício do direito, e que nos casos de anulação se fixou em 1 ano após a cessação do vício, como estabelece o artigo 287.º do CCiv.»
Em suma, não vislumbramos qualquer preceito ou princípio legal que obste à prescrição do direito em causa.
Afirmam também os recorrentes que a impossibilidade legal de confirmação do acto nulo (cfr. artigo 288.º do CC a contrario sensu) traduz-se, objectivamente, na inadmissibilidade da sanação do vício de que padece, o que é logicamente incompatível com a hipótese de aquele poder ser convalidado pelo simples decurso do tempo.
Refira-se, antes de mais, que ao contrário do que pressupõem os recorrentes, a lei não consagra uma impossibilidade absoluta de confirmação dos actos nulos. Excepcionalmente, a lei admite a confirmação de determinados actos nulos, como sucede, por exemplo, em matéria testamentária, por força do disposto no artigo 2309.º do CC.
Seja como for, a prescrição dos direitos decorrentes da nulidade do negócio jurídico não tem como efeito convalidar este negócio nulo. Decorrido o prazo de prescrição, a nulidade mantém-se, com todas as suas consequências, mas os direitos dela decorrentes, nomeadamente o direito à restituição das prestações ou do seu equivalente pecuniário, transformam-se em obrigações naturais, nos termos já expostos. Não existe, portanto, qualquer contradição lógica entre a referida prescrição e a regra geral da não sanação da nulidade mediante confirmação.
Os recorrentes afirmam ainda que a nulidade obriga à restituição de tudo o que foi prestado, ou seja, constitui uma forma legal de liquidação do negócio jurídico e faz verdadeiramente desaparecer “ope legis” a realidade que até então lhe estava subjacente, pelo que, por força de elementar lógica, se preclude completamente a possibilidade da sua aplicação (querendo certamente referir-se à prescrição) à declaração de nulidade.
É verdade que a nulidade tem como efeito a restituição das prestações efectuadas ao abrigo do negócio viciado – embora com as excepções e as especificidades previstas na lei –, constituindo «uma forma legal de liquidação do negócio jurídico». Mas, por isso mesmo, não é verdade que faça desaparecer a realidade que até então lhe estava subjacente. Como vimos anteriormente é, precisamente, porque essa realidade subsiste do ponto de vista ontológico, mas não pode produzir os efeitos jurídicos próprios do negócio julgado nulo, que a lei regula os efeitos da nulidade. E também já vimos que não existe qualquer óbice lógico ou lógico-jurídico à aplicação do instituto da prescrição aos direitos decorrentes da nulidade; tal óbice apenas se verificaria relativamente à aplicação do instituto da prescrição aos direitos emergentes de um negócio declarado nulo, o que, mais uma vez o dizemos, não está aqui em causa. De resto, como afirmam os recorridos, «a dita relação de liquidação não é exclusivo do vício da nulidade, valendo expressamente em matéria de anulabilidade, como ainda, por via da remissão prevista no artigo 433.º do CCiv, nas hipóteses de resolução de negócio jurídico; e não cabe dúvida de que, quanto a estes, não há como sustentar que a prescrição do direito à respetiva invocação não deva ter lugar».
Os recorrentes afirmam, por fim, que as razões que determinam que a prescrição aquisitiva se sobreponha à declaração de nulidade do negócio que esteve na origem da situação possessória conducente à usucapião não são transponíveis para a prescrição extintiva, não havendo a mínima analogia entre uma figura e outra que justifique a aplicação das mesmas regras a um e outro instituto.
Admitimos que assim é. De resto, a analogia ou a similitude destas situações é um argumento utilizado pela jurisprudência que defende que a prescrição extintiva, a par da extinção aquisitiva, prevalece sobre a nulidade. Ora, como decorre do que vimos expondo, não cremos que a questão a decidir nestes autos se traduza numa escolha entre a prevalência da nulidade ou a prevalência da prescrição, como se estas se excluíssem reciprocamente. Tal sucede se estivermos a discutir a prescrição de direitos emergentes de um negócio nulo, como sucedeu no acórdão do STJ que começámos por analisar. Mas estes dois institutos são perfeitamente compagináveis quando discutimos a prescrição dos direitos decorrentes da própria declaração de nulidade, como sucede no nosso caso.
Em defesa do entendimento que preconizamos, os próprios recorrentes citam os acórdãos do TRG, de 07.03.2019 (proc. n.º 876/18.5T8BRG.G1), do TRE, de 25.05.2017 (proc. n.º 1123/09.6TBOLH-G.E1) e do TRL, de 19.05.2020 (proc. n.º 5598/18.4T8LSB.L1-7), onde são esgrimidos alguns dos argumentos já antes analisados, incluindo alguns que não sufragamos na sua totalidade, de que é também exemplo a conclusão, constante do primeiro daqueles acórdãos, de que «razões de segurança e certeza jurídica impõem, em nosso ver, que o instituto da prescrição, nos termos acima delineados, prevaleça sobre a possibilidade de invocação da nulidade do negócio jurídico a todo tempo, devendo assim esta considerar-se precludida sempre que o direito emergente do mesmo negócio, sem a invalidade imputada, se mostre já extinto por prescrição». Com efeito, como resulta do anteriormente exposto, cremos que a improcedência da invocação da nulidade não decorre da prescrição dos direitos emergentes do negócio nulo, mas da prescrição dos direitos decorrentes daquela nulidade, que não se confundem com aqueles.
Deste modo, aproximamo-nos mais da conclusão constante do sumário do segundo daqueles acórdãos, onde se afirma que «[e]mbora a nulidade do negócio seja invocável a todo o tempo (…) e possa ser declarada oficiosamente pelo tribunal (cfr. artigo 286.º do Código Civil), tal não significa, que à restituição da importância mutuada não seja aplicável prazo prescricional e possa ser reconhecida a prescrição do direito a tal quantia pelo decurso do tempo, não obstante a nulidade do negócio que importa a restituição, sendo de concluir que as obrigações decorrentes de negócios nulos não são imunes à eficácia da prescrição».
Imagine-se que, declarado nulo um determinado contrato de compra e venda, é o vendedor condenado a restituir o preço que recebeu (e o comprador condenado a restituir a coisa vendida). Se o direto à restituição do preço estivesse isento de prescrição, o comprador poderia exigir essa restituição decorridos 30, 40, 50 ou mais anos, sem que se descortine qualquer fundamento plausível para esta imprescritibilidade do crédito. Pelo contrário, tal solução fere o sentido de justiça da comunidade, na medida em que atinge no seu âmago a segurança e a certeza do comércio jurídico. Mas o mesmo sucede no caso em que, depois de pago o preço, o comprador se apresenta a arguir a nulidade do contrato e a solicitar a devolução do preço que pagou, ao fim de 30, 40 ou 50 anos. Mesmo que se prontifique para restituir a coisa, esta imprescritibilidade do direito à restituição com fundamento da nulidade é igualmente ofensiva da segurança e certeza do comércio jurídico que qualquer sociedade almeja.
O entendimento que vimos preconizando está igualmente subjacente no ac. do TRP, de 16.12.2015, já antes citado, onde se escreve o seguinte:
«Já dissemos que não está aqui em causa a apreciação da responsabilidade do intermediário decorrente do contrato de intermediação financeira, por ter sido declarado nulo. Por isso, não pode equacionar-se sequer a aplicação deste preceito legal [referindo-se ao artigo 342.º do Código dos Valores Mobiliário, que prevê um prazo de prescrição de dois anos para a responsabilidade do intermediário financeiro].
(…) Acresce que o direito do autor foi reconhecido com base na nulidade do contrato celebrado e cujo incumprimento foi por ele invocado, pelo que o prazo prescicional seria de 20 anos que, como é óbvio, ainda não decorreram».
A leitura dos acórdãos citados suscita uma outra questão: a de saber se o que prescreve são apenas os direitos decorrentes da nulidade do negócio ou também o próprio direito de invocar a nulidade.
Cremos que a questão é desprovida de relevância prática. Em qualquer dos casos a invocação da prescrição confere ao devedor a faculdade de recusar o cumprimento das obrigações que a nulidade do negócio lhe impõe – no caso concreto, a obrigação de restituir às heranças a participação social ou o seu valor ou de conferir esse valor para efeitos de eventual redução por inoficiosidade.
Em todo o caso, tendemos a considerar que, conceptualmente, será mais rigoroso afirmar que a prescrição incide sobre os direitos substantivos emergentes da nulidade do negócio e não sobre o direito de invocar essa nulidade.
Pelas razões que ficaram expostas, concluímos pelo acerto da decisão recorrida ao considerar aplicável ao presente caso o prazo ordinário de prescrição previsto no artigo 309.º do CC.
3. Alegam os recorrentes que, por força do disposto no artigo 306.º, n.º 1, do CC (nos termos do qual o prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido), tal prazo apenas se iniciou com o óbito de QQ, ocorrido em 11.02.2011, ou seja, com a abertura da sucessão, pelo que os seus direitos não prescreveram.
Esta afirmação parece ter subjacente o entendimento de que os autores apenas podiam exercer os direitos em causa depois de serem chamados à titularidade das relações jurídicas do falecido (cfr. artigos 2031.º e 2032.º do CC).
Afigura-se manifesto que não têm razão.
No que respeita à alegada nulidade dos contratos descritos na petição inicial por configurarem um contrato sucessório não previsto na lei (cfr. artigo 2028.º do CC) ou por terem sido celebrados em fraude à lei, não se consegue vislumbrar – nem os recorrentes esclarecem – qual era o óbice ao reconhecimento judicial daquele vício e dos direitos dele decorrentes, maxime do direito à restituição da participação social objecto dos referidos negócios, ou do seu valor pecuniário, à herança aberta por óbito do primitivo titular, antes da abertura da sucessão deste.
Na verdade, não conseguimos descortinar qualquer preceito legal que impedisse os recorrentes de agir em vida do autor da sucessão, invocado a nulidade dos actos deste que lhes causam prejuízos. Pelo contrário, a norma geral do artigo 286.º do CC, segundo a qual a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado (tantas vezes invocada pelos recorrentes na sua alegação), não deixa dúvidas de que os herdeiros de determinada pessoa, prejudicados com algum acto nulo praticado por esta, não têm de aguardar que sejam encabeçados na titularidade das relações jurídicas do autor da sucessão para invocarem aquela nulidade e exercerem os direitos dela decorrentes.
Também não descortinamos qualquer outro óbice, de natureza teórica ou prática, ao exercício dos referidos direitos em vida do referido autor da sucessão.
No que respeita ao pedido (alternativo) de declaração da nulidade por simulação (relativa), é a própria lei que, no artigo 242.º, n.º 1, do CC, atribui legitimidade aos herdeiros legitimários para agir em vida do autor da sucessão, invocando a nulidade dos negócios por este simuladamente feitos com o intuito de os prejudicar. Tal significa que os direitos tuteláveis por via da acção simulatória podem ser exercidos desde a celebração dos negócios simulados, pelo que se inicia nessa data o respectivo prazo de prescrição, nos termos previstos no artigo 306.º do CC.
Não se ignora que a redução de liberalidades por inoficiosidade se destina a garantir a intangibilidade da legítima e integra as próprias operações de partilha da herança, pelo que pressupõe a abertura da sucessão e o cálculo da massa hereditária e da legítima.
Mas esta redução não se erige como um direito decorrente da simulação relativa. Configura apenas uma consequência, meramente eventual, das liberalidades (entre vivos ou por morte) realizadas pelo autor da sucessão, que ofendam a legítima dos herdeiros legitimários.
De resto, como já deixámos implícito, a apreciação do pedido de redução por inoficiosidade configura um incidente próprio do processo de inventário, não podendo ser apreciado e decidido na acção de simulação, ainda que nesta se discuta a existência da liberalidade enquanto negócio dissimulado. Neste caso, a acção de simulação constituirá causa prejudicial do incidente de redução por inoficiosidade, mas não o meio próprio para efectivar tal redução.
Por outro lado, saber se uma determinada liberalidade tem de ser efectivamente reduzida para assegurar a intangibilidade da legítima é irrelevante para a apreciação da simulação ou para o apuramento da existência de um negócio dissimulado, pois não constitui requisito legal da nulidade por simulação nem é pressuposto da existência do negócio dissimulado, mesmo quando este corresponda a uma liberalidade. Como é consabido, os requisitos da simulação relativa são, tão somente, a divergência entre a vontade real e a vontade declarada, o acordo simulatório (pactum simulationis) e o intuito de enganar (animus decipendi) ou de prejudicar (animus nocendi) terceiros, onde a lei inclui os herdeiros legitimários que venham impugnar o negócio simulado para defender as suas legítimas. A simulação será relativa ou absoluta consoante exista ou não, por detrás e para além do negócio aparente ou simulado, qualquer outro negócio de tipo ou conteúdo diverso. Sendo este negócio dissimulado uma liberalidade, a lei não exige aos herdeiros legitimários, para a procedência da acção de simulação, prova da sua inoficiosidade. Verificados os pressupostos legais da simulação e a existência de um negócio dissimulado, a acção de simulação procede. Se a liberalidade em que se traduz o negócio dissimulado válido tem de ser reduzida ou não, é assunto a apurar em sede de partilha.
Nestes termos, embora o direito à redução da liberalidade por inoficiosidade não possa ser exercido antes da abertura da sucessão, nada impede que a acção de simulação onde se pede o reconhecimento do negócio dissimulado que configura uma liberalidade seja proposta ainda em vida do autor da sucessão, ou seja, nada impede que os direitos decorrentes da declaração da simulação relativa sejam exercidos desde o momento em que o respectivo negócio foi celebrado, ainda que as consequências do negócio dissimulado sobre as operações de partilha da herança apenas se produzam depois da abertura da sucessão.
Em face do exposto, concluímos que os direitos dos autores decorrentes da nulidade dos negócios descritos na petição inicial podiam ser exercidos desde a celebração desses negócios, pelo que o prazo de prescrição se iniciou de imediato.
4. Alegam ainda os recorrentes que os sucessivos contratos e actos referidos na petição inicial estão enquadrados como instrumentos particulares de um processo volitivo complexo e formado na sua planeada execução conjunta ao longo do tempo, o qual apesar, de iniciado em 1986, só se completou, de facto e na verdade, em 2007, pelo que só a partir daí se poderia iniciar o decurso do prazo prescricional de 20 anos.
Mais uma vez não assiste razão aos recorrentes.
É a seguinte a tese exposta pelos autores na petição inicial:
QQ, CC e II, então titulares de, respectivamente, 45%, 5% e 50% do capital social da sociedade “A...”, na execução de um plano previamente gizado, com o fito de beneficiar o segundo em prejuízo dos demais herdeiros do primeiro, decidiram transmitir a participação social deste para a própria sociedade, com a intenção de, depois, anular essa participação social através de sucessivos aumentos de capital por incorporação de reservas societárias, de modo a que, no final, II mantivesse na sua titularidade 50% do capital social e CC passasse a deter os restantes 50%, o que, na prática, se traduzia na transferência da quota de 45% originariamente detida por QQ para o seu filho CC.
Na sequência da cessão realizada em 1986, 45% do capital social passou a ser detido pela própria sociedade A..., S.A., cabendo a II uma participação de 27,50% e a CC duas participações, de 22,50% e 5%.
Por força do primeiro aumento do capital social, realizado em 25.09.1986, apenas subscrito por CC e II, aquele passou a estar distribuído da seguinte forma: II – 43,73%; CC – 43,73%; A..., S.A.: 12,53%.
Por força do segundo aumento do capital social, realizado em 04.05.1987, apenas subscrito por CC e II, aquele passou a estar distribuído da seguinte forma: II – 46,46%; CC – 46,46%; A..., S.A.: 7,07%.
Por força do terceiro aumento do capital social, realizado em 17.07.1991 (altura em que a sociedade foi transformada em sociedade anónima), apenas subscrito por CC e II na parte em que ocorreu por incorporação de reservas, mas também por JJ, KK, EE, FF, GG e HH (todos filhos de CC ou II) na parte que ocorreu por entradas em dinheiro, as participações societárias passaram a estar distribuído da seguinte forma: II – 48,323%; CC – 48,323%; A..., S.A. – 3,300%; JJ – 0,013%; KK – 0,013%; EE – 0,006%; FF – 0,006%; GG – 0,006%; HH – 0,013%.
Em 27.07.2012 ocorreu um quarto aumento por incorporação de reservas, com o reforço de apenas 3.615.000$00, que não teve expressão significativa no capital ou na sua distribuição entre os accionistas, que manteve a já aludida distribuição proporcional.
Em 23.11.2007 ocorreu um quinto aumento por incorporação de reservas, sem subscrição pela sociedade, mais uma vez sem expressão significativa no capital ou na sua distribuição entre os accionistas, que manteve a já aludida distribuição proporcional.
Posteriormente, os referidos II, CC, JJ, KK, EE, FF, GG e HH, directamente ou mediante prévias transmissões entre si, transmitiram para a socidade CC – SGPS, S.A. (cujo capital social era detido por CC, EE, FF, GG e HH) a totalidade das acções que detinham, representativas da totalidade do capital social da “A...”.
Em Novembro de 2010, os accionistas da sociedade C... – SGPS, S.A. venderam as suas participações nesta sociedade a um grupo económico internacional de origem norte-americana, conhecido por “D...”, nela se incluindo, enquanto seu único activo, a totalidade do capital social da sua participada “A...”.
Após a aquisição da totalidade daquelas acções, em 16 de Novembro de 2011, o novo accionista deliberou extinguir as acções próprias de que era titular a sociedade “A...”, incluindo as que são objecto da presente acção.
Perante esta descrição dos factos, a afirmação dos recorrentes de que o plano gizado por QQ, CC e II tinha como propósito final a anulação da participação social que começou por ser transmitida para a própria sociedade, levada ao limite, levar-nos-ia a concluir que a execução deste plano não terminou com o quinto aumento do capital social, mas apenas em 16.11.2011, quando foi deliberada a extinção das acções de que era titular a sociedade “A...”. Ora, este negócio de Novembro de 2011, como o anterior negócio de Novembro de 201o, não foram impugnados pelos autores. De resto, os demais negócios celebrados posteriormente ao quinto aumento de capital, maxime as transmissões descritas nos artigos 105.º e 106.º da petição inicial, foram impugnadas com fundamento na nulidade da venda de coisa alheia, e não por integrarem o “processo volitivo” que os autores consideram um contrato sucessório não previsto na lei, um negócio em fraude à lei ou um negócio simulado.
Isto revela que os próprios recorrentes admitem que o “complexo processo volitivo” aqui impugnado não se completou nem se tornou perfeito apenas com a referida anulação da participação social transmitida por QQ para a sociedade.
O que os autores descrevem na petição inicial é a execução de um plano que, na sua essência, visava uma modificação subjectiva na titularidade do capital social originariamente detido por QQ, apta para atribuir ao seu filho CC o poder de exercer os respectivos direitos sociais (v.g. voto, distribuição de lucros, etc), tal como é afirmando no artigo 123.º da petição inicial. Matematicamente, este desiderato apontava no sentido de CC passar a deter 50% do capital social (os seus 5% originários mais os 45% do seu pai), sendo os restantes 50% detidos por II. Sabemos que este resultado matemático nunca foi concretizado. Mas o propósito do plano gizado não deixou de ser alcançado por via do controlo da quase totalidade do capital social por II e CC, em partes iguais, assim mantendo a “relação de poderes” originariamente existente, com a única diferença de que um dos dois “blocos” passou a ser encabeçado por CC, em substituição do seu pai QQ.
Ora, este propósito foi alcançado muito antes dos dois últimos aumentos de capital, que os próprios autores admitem não ter tido expressão significativa no capital ou na sua distribuição entre os accionaistas, antes mantendo a anterior distribuição proporcional.
Tal distribuição era, em 17.07.1992, de 48,323% para de II, 48,323% para AAA, correspondendo a participação que QQ havia transmitido para a própria sociedade a apenas 3,300% do capital social (a que acresciam as participações sociais dos restantes seis accionistas com pesos relativos de 0,013% ou 0,006% e que, no total, perfaziam 0,057%).
Ou seja, nesta data, CC já detinha uma participação social praticamente correspondente à soma das participações sociais originariamente detidas por si e pelo seu pai, sendo o capital social quase integralmente detido por si e pelo acionista II, à semelhança que que sucedia originariamente entre este QQ.
De resto, este equilíbrio de forças já existia desde a cessão realizada em Julho de 1986, a partir da qual a maioria do capital social passou a ser detido por estes dois, cabendo à própria sociedade uma participação cujo peso relativo foi diminuindo de 45% em 1986, para 12,53% em Setembro desse mesmo ano, 7,7% em Maio de 1987 e 3,3% em Julho de 1991.
Nestes termos, não vemos qualquer fundamento válido para afirmar que os autores apenas podiam ter exercido os direitos decorrentes da nulidade dos negócios acima descritos a partir de 23.11.2007, data do quinto aumento do capital social. Ainda que não se revelasse possível fazê-lo logo a partir de 28.07.1986, por estarmos então perante o que aparentava ser uma mera cessão onerosa de participação social, não se vislumbra que não o pudessem fazer a partir do aumento de capital de 25.09.1986, que na própria alegação dos autores dá seguimento ao projecto de transmissão da participação social de QQ para o seu filho CC, em prejuízo dos demais herdeiros legitimários daquele, ou pelo menos a partir de 17.07.1991, data em que se consolida a distribuição das participações sociais, que não foi significativamente alterada com os aumentos de capital de 2001 e 2007. Em qualquer destes casos, na data em que esta acção foi proposta, já haviam decorrido mais de 20 anos sobre a data do facto lesivo, pelo que estão prescritos os direitos que os autores pretendem exercer por via da mesma.
De resto, como se afirma no acórdão do STJ, de 22.09.2016 (proc. n.º 125/06.9TBMMV-C.C1.S1), «[n]esta matéria, o art.º 306º, n.º 1, do Cód. Civil, adoptou o sistema objectivo, que, como atrás se salientou, dispensa qualquer conhecimento, por parte do credor, dos elementos essenciais referentes ao seu direito, iniciando-se o decurso do prazo de prescrição “quando o direito puder ser exercido”, sendo que a injustiça a que tal sistema possa dar lugar é temperada pelas regras atinentes à suspensão e interrupção da prescrição (art.ºs 318º a 327º, do Cód. Civil). A expressão constante daquela disposição (art.º 306º, n.º 1, do Cod. Civil), “quando o direito puder ser exercido” deve ser interpretada no sentido de o prazo de prescrição se iniciar quando o direito estiver em condições (objectivas) de o titular o poder actuar, portanto desde que seja possível exigir do devedor o cumprimento da obrigação, isto é, ocorre a partir do momento em que o credor tem a possibilidade de exigir do devedor que realize a prestação devida e, uma vez iniciado o prazo de prescrição de qualquer direito, a respectiva contagem prossegue a menos que ocorra qualquer suspensão ou interrupção (art.ºs 318º e ss do Cód Civil), não relevando sequer a sua transmissão (art.º 308º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Civil)».
No caso dos autos, o direito de invocar a nulidade da transmissão da participação social e de requerer a sua restituição estava, objectivamente, em condições de ser exercido a partir do momento em que foi praticado o primeiro acto de transmissão dessa participação, relativamente ao qual já se verificavam todos os fundamentos invocados para demonstrar a nulidade – seja por celebração de contrato sucessório não previsto na lei, por fraude à lei ou por simulação. Os aumentos de capital que se seguiram a esta transmissão nada acrescentam, em termos de fundamentos da nulidade, traduzindo meros desenvolvimentos do prévio acordo nulo.
Em suma, concluímos, tal como o tribunal a quo, pela prescrição do direito de, com fundamento na nulidade dos negócios antes mencionados, exigir a restituição da participação social em causa às heranças abertas por óbito de QQ e da mulher, MM, falecida posteriormente àquele.
5. Por fim, quanto à nulidade dos contratos de compra e venda de acções mencionados nos artigos 105.º e 106.º da petição inicial e dos actos destes dependentes, é absolutamente claro que a sua apreciação e eventual procedência estão totalmente dependentes da apreciação e da procedência da nulidade da transmissão da participação social antes descrita.
Do mesmo modo, a apreciação e procedência do pedido para que o valor da referida participação social seja conferido para efeitos de eventual redução por inoficiosidade está igualmente dependente da apreciação e procedência do pedido de declaração de nulidade por simulação e de reconhecimento da existência do alegado negócio dissimulado.
Ora, estando prescritos os direitos de que estes estão dependentes, é inevitável a sua improcedência.
Em conclusão, improcedem as conclusões formuladas pelos recorrentes sob as alíneas A) a J), pelo que fica predicada a apreciação das conclusões subsidiariamente formuladas sob as alíneas K) a N), tal como fica prejudicado o conhecimento da ampliação do objecto do recuso, bem como das questões não apreciadas pelo tribunal a quo, nos termos solicitados por parte dos recorridos.
Na total improcedência da apelação, as respectivas custas são da responsabilidade dos recorrentes, nos termos do disposto no artigo 527.º do CPC.
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Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
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IV. Decisão
Pelo exposto, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto julgam improcedente a apelação e, consequentemente, mantêm a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Registe e notifique.
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Porto, 10 de Setembro de 2024
Artur Dionísio Oliveira
João Proença
Alexandra Pelayo