INSOLVÊNCIA CULPOSA
PRESUNÇÃO JURIS TANTUM
NEXO DE CAUSALIDADE
LIMITE DA INDEMNIZAÇÃO
INIBIÇÃO DO FALIDO
Sumário

I- Contrariamente ao que se verifica relativamente ao tipificado no  nº3 do art.186º do CIRE - que apenas consagra uma presunção “juris tantum” de culpa grave -, o apuramento de factualidade integradora do previsto na alínea h) do nº 2 – e nas demais alíneas desse normativo - consubstancia presunção inilidível ou presunção jure et de jure, da qualificação da insolvência como culposa, sem necessidade de prova do nexo de causalidade entre o facto e a insolvência ou o seu agravamento.
II- Naturalmente que esta presunção não determina que o afectado fique impedido de alegar e provar que não se verificaram os factos que a lei, pela sua gravidade, ali associa à existência de uma insolvência culposa, estando dessa forma garantido o direito previsto constitucionalmente a um processo equitativo.
III- Tendo ficado provado que na contabilidade da sociedade devedora relativa ao período de três anos não se encontravam reflectidos a integralidade dos montantes facturados e suportados pela mesma, não permitindo tal contabilidade saber o destino de quantias que deviam ter sido recebidas e suportadas pela sociedade, encontra-se verificada a presunção prevista na referida alínea h) do artigo 186º do CIRE.
IV- Faltando definitivamente todos os gerentes de uma sociedade por quotas, por força do disposto no art.º 253º, nº1, do CSC, todos os sócios assumem automaticamente os poderes de gerência, independentemente de qualquer designação ou aceitação e sem que seja lícita a renúncia.
V- Não tendo os demais sócios da insolvente que exerceram funções de gerência no período relevante para efeitos de qualificação da insolvência como culposa sido indicados pelo Administrador Judicial no respectivo parecer, nem por qualquer interessado, nem tendo sido ordenada a sua citação pelo juiz nos termos do nº 6 do art.º 188º do CIRE, não podem os mesmos vir a ser declarados afectados na sentença que conclua pela insolvência culposa.   
VI - Para além da dimensão preventiva de protecção do património de terceiros e do comércio, as medidas inibitórias previstas no art.º 189º, nº 2, do CIRE têm dimensão punitiva, intrínseca à tentativa de moralização do sistema.
VII- A responsabilização do afectado pela insolvência para efeitos da condenação na indemnização estabelecida na alínea e) do nº 2 e nº 4 do mesmo artigo 189º do CIRE, deve ser efectuada de acordo com os pressupostos gerais da responsabilidade civil, de natureza ressarcitória, mas limitada pelo montante máximo dos créditos não satisfeitos.

Texto Integral

Acordam as Juízas na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I - Relatório
V…, Lda, pessoa colectiva nº…, com sede na Rua …, foi declarada insolvente por sentença de 01.12.2013, transitada em julgado.
Na sentença que decretou a insolvência não foi aberto o incidente de qualificação da insolvência.
A insolvente apresentou requerimento pugnando pela qualificação da insolvência como culposa, com afectação dos sócios E… D… e R… G…, nos termos do artigo 186º, nº 1 e nº 2, alíneas b), e), f), h), e nº 3, alínea b), do CIRE.
Por despacho de 23.5.2016 foi declarado aberto o presente incidente.
O Sr. Administrador de Insolvência apresentou parecer no sentido da qualificação da insolvência como fortuita.
O Ministério Publico emitiu parecer pugnando pela qualificação da insolvência como culposa, nos termos das alíneas b), última parte, d), e), f) e g) do nº 2 do art.º 188º do CIRE e alínea b) do nº 3 do mesmo preceito legal, com afectação dos sócios E… D… e R… G…
Citados os propostos abrangidos pela qualificação da insolvência como culposa, apenas R… G… deduziu oposição, invocando a nulidade da citação e argumentando que não foi gerente, nem praticou qualquer acto de gestão da sociedade insolvente, sendo E… D… quem exerceu sozinho a gerência de facto.
C… B… e L… O…, sócios da Insolvente “V…, Lda.”, apresentaram resposta à oposição.
Foi apreciada a nulidade da citação invocada e proferido despacho saneador, indicando o objecto do litígio e enunciando os temas da prova.
Realizou-se audiência final e foi proferida sentença que qualificou como culposa a insolvência de V…, Lda, pessoa colectiva nº …, com sede na Rua …, e, em consequência:
a) Declarou afectados pela qualificação R… G… e E… D…;
b) Declarou R… G… inibido, pelo período de 2 (dois) anos, para a administração de património de terceiros;
c) Declarou E… D… inibido, pelo período de 2 (dois) anos, para a administração de património de terceiros;
d) Declarou R… G… inibido, pelo período de 2 (dois) anos, para o exercício do comércio, e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa;
e) Declarou E… D…inibido, pelo período de 2 (dois) anos, para o exercício do comércio, e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa;
f) Determinou a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por R… G… e por E… D…;
g) Condenou E… D… a indemnizar os credores conhecidos da sociedade insolvente V…, Lda, no montante €49.737,41 (quarenta e nove mil, setecentos e trinta e sete euros e quarenta e um cêntimos), até às forças do respectivo património;
h) Condenou R… G… a indemnizar os credores conhecidos da sociedade insolvente, V…, Lda., no montante de € 37.303,06 (trinta e sete mil, trezentos e três euros e seis cêntimos), até às forças do respectivo património.
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Inconformado, R… G… interpôs recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
A) O presente recurso vem interposto da sentença proferida Tribunal a quo no dia 29 de Janeiro de 2024, que qualificou como culposa a insolvência de V…, Lda, em consequência, declarou o Requerido R… G…, ora Recorrente, inibido, pelo período de 2 (dois) anos, para a administração de património de terceiros, declarou o Requerido R… G…, ora Recorrente inibido, pelo período de 2 (dois) anos, para o exercício do comércio e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa; para a administração de património de terceiros, determinou a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detido pelo Requerido R… G…, ora Recorrente, tendo-o condenado a indemnizar os credores conhecidos da sociedade insolvente, V…, Lda, no montante de €37.303,06 (trinta e sete mil, trezentos e três euros e seis cêntimos), até às forças do respectivo património.
B) Por outro lado, é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (artigo 615º, n.º 1, al. c) e d), do CPC).
C) No caso concreto, a douta sentença afectou a qualificação de insolvência culposa ao sócio R… G… quando dos factos dados como provados quem incumpriu os deveres elencados no artigo 186.º, n.º 2, alínea h), do CIRE, foram os gerentes de direito e de facto E… D… e C… B…, desde a data da constituição da sociedade até 19/09/2011, após 19/09/2011 até 12/03/2013 o gerente de facto E… D… e, após 12/03/2013 até à declaração de insolvência, os gerentes de direito e de facto C… B… e L… O…, tendo afastado a presunção do artigo 253º, n.º 1, do CSC, pois exerceram a gerência de facto, tiveram acesso às instalações, receberam clientes, emitiram facturas e fizeram encomendas, praticaram actos de gestão, logo estavam obrigados e entregar toda a documentação à Técnica Oficial de Contas. Foram estes os sócios que incumpriram com os deveres que lhe são impostos pelo Código das Sociedades Comerciais e pelo CIRE, e não o Recorrente, que nunca exerceu a administração de direito.
D) Sendo que era sobre estes (três) gerentes – E… D…, C… B… e L… O… – ainda que em momentos distintos, que incumbia a responsabilidade de a sociedade insolvente ter uma contabilidade organizada, sem irregularidades, tendo ficado provado que quem assumia as funções de gerente de facto, não zelou pela elaboração correcta e atempada da contabilidade, ao não ter entregue o exercício de 2012, e de 2013, não entregar o modelo 22 e a IES, que eram da responsabilidade dos sócios L… O… e C… B…, pois estas declarações são entregues em Julho do ano seguinte ao exercício, tendo estes tomado posse do estabelecimento em Março de 2013, ou seja, tiveram 5 (cinco) meses para reunir toda a documentação que se encontrava na sede da sociedade e entregar à Técnica Oficial de Contas para esta entregar o modelo 22 e a IES, mais ficou provado que a não entrega da declaração de IVA do 1º Trimestre de 2013 é da responsabilidade dos sócios C… e L… O… pois, ao terem tomado posse do estabelecimento comercial explorado pela sociedade em 12/03/2013, tiveram mais de 2 (dois) meses para entregar a documentação à Técnica Oficial de Contas, e não o fizeram, quanto ao ponto dado como provado 40) este facto é imputável ao gerente de facto E… D…, que não entregou ao gabinete de contabilidade o inventário, as vendas e os extratos para a reconciliação bancária do ano 2012.
E) A sentença é omissa do ponto de vista de fundamentação de direito e, portanto, nula, o que se argui, quando refere que não pode afectar aos Requerentes L… O… e C… B… pela qualificação da insolvência culposa, quando, em boa verdade, foram estes que contribuíram para que a mesma apresentasse uma contabilidade irregular e deficiente.
F) Pese embora tenha sido dado como provados os factos 6), 8), 27), 28), 29), 30), 31), e 32) e concluído, reiteradamente, ao longo da fundamentação de facto e de direito, que era o Requerido E… D… quem exercia, efectivamente, a administração de facto, veio o Tribunal a quo decidir, a final, declarar o Recorrente afectado pela qualificação da insolvência como culposa, e respectivas consequências legais, dado que este, e os restantes sócios, assumiram, após a destituição judicial de E… D…, os poderes de gerência e, por esse motivo, a qualidade de gerente de direito, acrescendo o facto de, por serem Requeridos no presente incidente o Recorrente e E… D… (gerente de facto), apenas estes, no entendimento do Tribunal a quo, podem ser afectados pela qualificação da insolvência como culposa (desonerando, pasmem-se, os demais sócios, L… O… e  C… B… por, apenas e tão-só, assumirem a qualidade de Requerentes no presente incidente).
G) Assim, resultada por demais evidente que o Tribunal a quo proferiu uma sentença obscura e ambígua, tendo feito tábua rasa dos factos dados como provados, da fundamentação de facto e de direito, da prova carreada para os autos, e, bem assim, das regras da experiência e do senso comum, da qual padece uma decisão incompreensível, irrazoável e desigual.
H) Existe erro no julgamento da matéria de direito, quando o douto Tribunal a quo não prova que o sócio R… G… teve conhecimento da destituição judicial do gerente E… D… e que, a partir desse momento, assumia a qualidade de gerente de direito, juntamente com os sócios C… B… e L… O…, ao abrigo do disposto no artigo 253º, n.º 1, do C.S.C., nem a data a partir da qual o mesmo passou a agir como gerente de direito.
I) No caso sub judice, resulta do depoimento da Técnica Oficial de Contas, N… G…, que foi “contratada” pelo Requerido E… D…, tendo sido a contabilista certificada responsável pela manutenção da contabilidade da sociedade insolvente até Junho de 2013.
J) Foi dado como provado o facto 35) – Por carta de 01/08/2013 enviada ao sócio L… O…, a Técnica Oficial de Contas informou a existência de uma dívida à contabilidade no valor de € 1.498,50 e a rescisão do contrato de prestação de serviços de contabilidade em 03/06/2013, com efeitos e 31/05/2013.
K) Foi ainda dado como provado o facto 36) – Por carta datada de 15/05/2013, a Técnica Oficial de Contas da sociedade insolvente comunicou a falta da entrega atempada da declaração de IVA referente ao 1º trimestre de 2013, dever este que incumbia aos sócios C… B… e L… O…, os quais tomaram a posse das instalações da insolvente em 12/03/2013 – factos provados 46) e 50).
L) A douta sentença é omissa do ponto de vista de fundamentação de direito e, portanto, nula, o que se argui, porque em momento algum dá como provado o facto de o sócio R… G… saber e ter perfeito conhecimento que era gerente de direito, em virtude da decisão judicial proferida. Se o sócio R… G… desconhecia que era gerente de direito, como é que poderia ter assumido os deveres e direitos de gerência, e, por conseguinte, ser afectado pela qualificação da insolvência da sociedade como culposa – existe omissão do Tribunal a quo quanto a este facto.
M) Para que o sócio R… G… possa ser afectado pela qualificação da insolvência como culposa, em virtude de ser gerente de direito, ao abrigo do artigo 253.º, n.º 1, do C.S.C., devia ter sido determinada a data em que começou a sua gerência de direito, pois tal facto não resulta da matéria dada como provada. Logo não poderia o douto Tribunal a quo fazer tal afectação de qualificação e determinar o montante de indemnização aos credores conhecidos da sociedade insolvente.
N) Mal andou o douto Tribunal a quo ao não indicar e fundamentar os motivos pelos quais determinou que o sócio R… G… deveria ser condenado a indemnizar em ¼ dos créditos não satisfeitos, quando omite em que data efectivamente começou a sua gerência de direito e a data de vencimento dos créditos reclamados, a fim de tal valor lhe ser imputado.
O) Foi apurado nos presentes autos que, a partir da data em que foi proferida a decisão de destituição do Requerido E… D… do cargo de gerente, pese embora este tenha continuado a exercer efectivamente funções, a sociedade insolvente deixou de ter gerentes nomeados.
P) Nos presentes autos, o Tribunal a quo identificou e deu como provado que desde a data da constituição da sociedade até 19/09/2011, exerceu a administração de facto e de direito C… B… e E… D…, após 19/09/2011 até 12/03/2013 temos como gerente de facto E… D… e, após 12/03/2013 até à declaração de insolvência, temos como gerentes de direito e de facto C… B… e L… O…
Q) Ao abrigo do disposto no artigo 253.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais, assumiram os poderes de gerência os sócios R… G…, L… O… e C… B… Contudo, o sócio R… G… por não ter tido conhecimento da decisão judicial de destituição de E… D… da gerência, e, por conseguinte, a sociedade insolvente ter deixado de ter gerentes nomeados, nunca foi investido nessa qualidade.
R) Salvo melhor entendimento, não foi intenção do legislador afastar os gerentes de facto e de direito, quando existam mais sócios, e sejam estes os requerentes do incidente, pois, se todos os gerentes de direito requeressem o incidente da qualificação, o Tribunal não podia afectar a qualificação da insolvência culposa aos mesmos, criando decisões desequilibradas, desiguais e violadoras dos princípios das liberdades, direito e garantias.
S) Nos presentes autos, o Tribunal a quo identificou e deu como provado que desde a data da constituição da sociedade até 19/09/2011, exerceu a administração de facto e de direito C…B… e E… D…, após 19/09/2011 até 12/03/2013 temos como gerente de facto E… D… e, após 12/03/2013 até à declaração de insolvência, temos como gerentes de direito e de facto C… B… e L… O…
T) Com efeito, não se compreende e entende o motivo pelo qual foi o sócio R… G… afectado pela qualificação da insolvência como culposa, dado ter sido o único sócio que NUNCA agiu como gerente de direito da sociedade.
U) No entanto, ao abrigo do disposto no artigo 253.º do C.S.C., veio o douto Tribunal a quo, na decisão recorrida, referir que o Requerido R… G…, ora Recorrente, empossado por via legal nos poderes de gerência, assumiu, igualmente, e por essa via, os deveres inerentes, entre os quais, o dever de garantia a elaboração de uma contabilidade organizada e sem irregularidades.
V) Ora, a verdade é que, entende o ora Recorrente que não devia ter sido afectado pela qualificação da insolvência da sociedade como culposa, dado que nunca agiu como
gerente de direito nem de facto, sendo que, para que lhe fosse possível assumir tais poderes de gerência, teria de ter tido prévio conhecimento de que a sociedade, à data, não tinha gerentes nomeados.
W) O mesmo já não se aplica aos sócios C… B… e L… O…, os quais tinham perfeito conhecimento que, após a destituição judicial de E… D… da gerência, a sociedade insolvente ficou sem gerentes nomeados, e, por esse motivo, assumiram a qualidade de gerente de direito, e, bem assim, a gerência de facto da sociedade a partir do momento em que tomaram a posse do estabelecimento insolvente, em 12/03/2013.
X) Ao afastar os sócios Requerentes da afectação da qualificação da insolvência da sociedade como culposa, o Tribunal a quo viola flagrante e grosseiramente o direito de igualdade, previsto no artigo 13.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
Y) Por outro lado, a douta sentença andou mal ao igualar a posição dos 3 (três) sócios, isto é, a de R… G…, com a de C… B… e de L… O…, por remissão e aplicação do disposto no artigo 253º, n.º 1, do C.S.C…
Z) Tendo declarado a afectação de apenas 1 (um) dos gerentes de direito, isto é, do Recorrente, pela qualificação da insolvência como culposa, pelo facto de assumir a qualidade de Requerido no presente incidente de qualificação, quando, a partir da destituição judicial do gerente E… D…, e ao abrigo do artigo 253.º do C.S.C., L… O… e C… B…, empossados por via legal nos poderes de gerência, assumiram, igualmente, e por esse via, os deveres inerentes, entre os quais, o dever de garantir a elaboração de uma contabilidade organizada e sem irregularidades, tendo sido “desonerados” por assumirem a qualidade de Requerentes.
AA) Com efeito, o douto Tribunal a quo tinha dois caminhos a seguir: ou declarava a afectação da qualificação da insolvência como culposa aos sócios E… D…, C… B… e L… O…, e absolvia o sócio R… G…, ou, não querendo declarar a afectação da qualificação da insolvência como culposa aos gerentes de direito e de facto L… O… e C… B…, usando da justificação “Uma vez que apenas são requeridos nestes autos E… D… e R… G…, apenas estes podem ser afetados pela qualificação da insolvência como culposa”, teria que absolver o sócio R… G…, e declará-lo não afectado pela qualificação.
BB) Não resta outra alternativa, mediante a prova produzida nos autos e dada como provada, que não seja a de declarar a sua não afectação pela qualificação da insolvência da sociedade “V…, Lda.” como culposa, absolvendo dos respectivos efeitos legais.
CC) Nestes termos, deverá ser concedido integral provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença proferida em 29 de Janeiro de 2024, substituindo-a por acórdão que determine a não afectação da insolvência culposa ao sócio R… G…, ora Recorrente, desta forma se fazendo correta e exacta interpretação e aplicação da matéria de facto provada nos autos.
Terminou peticionando que seja dado provimento ao recurso, revogada a sentença recorrida na parte em que declarou o requerido R… G…, recorrente, afectado pela qualificação da insolvência como culposa e substituindo a mesma por uma outra decisão que declare não afectado o recorrente.
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Não foram apresentadas Contra-Alegações.

A Mmª Juíza a quo proferiu despacho admitindo o recurso, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Pronunciou-se no sentido que a sentença não enferma das nulidades invocadas.
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Foram colhidos os vistos das Exmªs Adjuntas.
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II – Questões a decidir:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações do recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do mesmo Código). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Assim, em face das conclusões apresentadas pelo recorrente importa analisar e decidir o seguinte:
A- Da nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão e por falta de fundamentação e
B- da verificação dos pressupostos considerados na sentença recorrida para qualificação da insolvência como culposa e para a afectação do ora apelante e, concluindo-se pela afectação, da medida de inibição e da responsabilidade do recorrente em termos de indemnização dos credores.
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III - Fundamentação
A) Na sentença sob recurso foi considerada como provada a seguinte factualidade:
1) V…, Lda., pessoa colectiva nº…, com sede na Rua …, apresentou-se à insolvência em 22.11.2013.
2) V…, Lda., pessoa colectiva nº…, com sede na Rua …, foi declarada insolvente por sentença de 1.12.2013, transitada em julgado.
3) A sociedade insolvente foi constituída por contrato de sociedade registado pela Ap.10/20100426.
4) A insolvente tinha como objecto social restauração e bebidas com espaço de dança; organização de eventos (culturais e lúdicos); serviços de catering; produções para televisão; imprensa e para privados; edição de livros; realização de workshops, palestras; realização de concertos; importação e exportação de produtos alimentares e não alimentares; realização de exposições; mostras de multimédia e audiovisuais; formações em culinária.
5) A insolvente foi constituída com o capital social de €5.000,00, dividido em 4 quotas de €1.250,00 cada uma, pertencentes a E… D…, R… G…, L… O… e C… B…
6) A sociedade vinculava-se com a assinatura de dois gerentes, tendo sido nomeados na data da constituição os sócios E… D… e C… B…
7) Por AP.29 de 17.11.2011 mostra-se registada a cessação de funções de gerente de C… B…, por destituição, datada de 19.9.2011.
8) Por AP.6 de 30.10.2012 mostra-se registada a cessação de funções de gerente de E… D…, por destituição, datada de 4.4.2012.
9) Não há registo de nomeação do Requerido R… G… como gerente da sociedade insolvente.
10) Na data da apresentação à insolvência mostrava-se apenas registada a prestação de contas do exercício de 2010.
11) No âmbito da sua actividade comercial, a sociedade devedora explorava um estabelecimento de restaurante e bar denominado “M…”.
12) Por Ap. 25 de 9.8.2011, mostra-se registada a constituição da sociedade com a firma “T… da G… – Lda.”, NIPC: …, com o capital social de €100.000,00 e sede na Rua … em …
13) A sociedade referida em 12) tinha como sócios E… D…, titular de uma quota com o valor nominal de €32.500,00, R… G…, titular de uma quota com o valor nominal de €35.000,00, e A… B…, titular de uma quota com o valor nominal de €32.500,00.
14) A sociedade tinha como objecto social restauração e bebidas com espaço de dança; organização de eventos (culturais e lúdicos); serviços de catering; produções para televisão; imprensa e para privados; edição de livros; realização de workshops, palestras; realização de concertos; importação e exportação de produtos alimentares e não alimentares; realização de exposições; mostras de multimédia e audiovisuais; formações em culinária. Arrendamento e imóveis e aluguer de móveis.
15) A sociedade T…da G…, Lda, vinculava-se com a assinatura de um gerente, tendo sido nomeado gerente da sociedade o sócio E… D…
16) A sociedade T… da G…, Lda. explorava o estabelecimento denominado “R… C…”, que se dedicava à restauração, bebidas e espectáculos.
17) L… O… instaurou no Tribunal do Comércio de Lisboa, acção especial de destituição judicial de titulares de órgãos sociais, ao abrigo do nº 2 do artigo 1484º-B do Código de Processo Civil, pedindo (i) cautelarmente, a imediata suspensão de E… D… do cargo de gerente da sociedade insolvente, e (ii) a título principal, a sua destituição judicial por justa causa.
18) A acção referida em 17) foi julgada procedente, por sentença de 4.4.2012 proferida no processo nº 1394/11.8TYLSB, do 4º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, tendo sido decidido destituir judicialmente E… D… das funções de gerente da sociedade insolvente nestes autos.
19) A sentença foi objecto de recurso, tendo o acórdão que a confirmou transitado em julgado em 28.12.2012.
20) C… B… instaurou acção de anulação de deliberações sociais, que correu termos no 4º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, sob o processo nº 1457/11.0TYLSB.
21) Por decisão proferida a 18.6.2018, no Processo nº 1457/11.0TYLSB, o tribunal declarou-se materialmente incompetente para conhecer do pedido e, em consequência, absolveu os Réus da instância
22) Em 19.9.2011, realizou-se uma assembleia da sociedade devedora, da iniciativa de E… D…, com a seguinte ordem de trabalhos:
1. Destituição da gerente C… B…;
2. Nomeação de R… G…, na qualidade de sócio gerente da sociedade.
23) Os pontos da ordem de trabalhos obtiveram o voto favorável dos sócios E… D… e R… G…
24) No próprio dia das deliberações referidas em 23) ou no dia seguinte E… D… e R… G… substituíram a fechadura da porta da sede da V…, LDA, e não deram aos outros dois sócios L… O… e C… B… a nova chave da sede (e estabelecimento) da devedora.
25) Por carta registada com A/R com data de 12.11.2012, recebida em 13.11.2012, o sócio L… O… notificou o sócio e ex-gerente E… D… para entregar as chaves, valores e documentos respeitantes à sociedade devedora, sob pena de este responder civil e criminalmente pelas ofensas cometidas na usurpação do cargo de gerente.
26) Por decisão proferida no P.677/13.7TDLSB, transitada em julgado em 30.5.2016, proferida no J11 da Instância Local Criminal de Lisboa, E… D… foi condenado pela prática do crime de desobediência qualificada.
27) Nessa decisão o tribunal considerou provado, além do mais, que o ali arguido foi destituído da gerência da sociedade insolvente por sentença de 4.4.2012, proferida no P.1394/11.8TYLSB e, apesar disso, continuou a exercer a gerência, recusando-se a entregar as chaves da sociedade, situação que apenas cessou em Março de 2013, quando os sócios C… B… e L… O… trocaram a fechadura do estabelecimento explorado pela sociedade.
28) Após 4.4.2012, E… D… continuou a exercer as funções de gerente, a reter as chaves do estabelecimento “M…”, e a nele entrar e permanecer durante o horário de funcionamento.
29) Diariamente, E… D… servia bebidas a clientes recebendo o pagamento de clientes em dinheiro.
30) (…) Tendo movimentado o caixa do estabelecimento.
31) (…) E movimentado a conta da devedora no Banco BES.
32) Após 4.4.2012, E… D… recebeu cartas, facturas, extractos bancários e outros escritos postais que se encontravam fechados e dirigidos à devedora “V…, LDA.”.
33) Na carta com data de 18.7.2013, que a senhoria do imóvel sito na Rua …, nºs .. a .., com frente para a Rua …, nºs .. e .., freguesia de …, em Lisboa, remeteu à insolvente, consta que a insolvente não pagou as rendas dos meses de Maio, Junho, Julho e Agosto de 2013.
34) Em 2.8.2013 foi comunicado à insolvente, pela senhoria, a cessação do contrato de arrendamento por resolução, com fundamento em mora no pagamento de rendas superior a 2 meses, relativamente aos meses de Maio e Junho de 2013.
35) Por carta de 1.8.2013 dirigida a L… O…, a Técnica Oficial de Contas informou a existência de uma dívida à contabilidade no valor de €1.498,50 e a “rescisão do contrato de prestação de serviços contabilísticos” em 3.6.2013, com efeitos a 31.5.2013.
36) Por carta datada de 15.5.2013, a Técnica Oficial de Conta da insolvente comunicou a falta de entrega atempada da declaração de IVA referente ao 1º trimestre de 2013.
37) A devedora V…, LDA. foi autuada pela Polícia Municipal, por factos ocorridos em 19.1.2013, pelas 04:45 horas; 3.2.2013, pelas 02:40 horas; 17.2.2013, pelas 03:20 horas e 10.3.2013, pelas 02:45 horas, no âmbito de contraordenações pela violação do horário de funcionamento do estabelecimento.
38) No exercício de 2010, a insolvente apresentou um activo no valor de €81.300,33, um passivo no valor de €114.158,96, o capital próprio negativo de €32.858,63 e o resultado liquido do período negativo de €37.858,63.
39) No exercício de 2011 a insolvente apresentou um activo no valor de €109.636,74, um passivo no valor de €104.654,17, o capital próprio de €4.982,57 e o resultado líquido do período de €37.841,20.
40) No ano de 2012 não foram entregues ao gabinete de contabilidade o inventário, as vendas e os extractos para a reconciliação bancária.
41) Relativamente ao exercício de 2012, a sociedade insolvente não entregou a modelo 22 e a IES.
42) A insolvente não entregou a declaração referente ao IVA do 1º trimestre de 2013.
43) No Balancete Geral, por referência à data de 30.9.2012, a insolvente apresentava um activo no valor de €117.231,70, um passivo no valor de €171.889,33 e o capital próprio negativo de €54.657,63.
44) No Balancete Geral à data de 30.9.2012:
- A rubrica "Clientes ao balcão" apresenta um saldo devedor de €20.226,91.
- A conta n.º 221110128 - "T… da G…"- apresenta um saldo a crédito de €66.912,00, do qual €57.810.
- A conta 278 - "Outros Devedores e Credores" - apresenta um saldo a débito de €37.132,59, o qual inclui, entre outros, um valor de “E… D…”, no montante de €24.148,72, e do "R…", no montante de €602,86.
- Na conta 6261 consta - "Rendas": €21.000
- Na conta 62688 consta - "Despesas não documentadas": €327,40 - Na conta 63 consta "Gastos com pessoal": €19.270,49
- Na conta 6881 consta "Correcções relativas período anterior": €5.072,91
- Na conta 688832 consta - "Multas e Penalidades- Multas Não Fiscais”: €642,60
45) Foram emitidas 3 facturas à sociedade devedora, pela sociedade “T… da G…, Lda.”, com os nº A/2, de 22.3.2012, no valor de €33.825,00; nº A/5, de 25.5.2012, no valor de €9.840,00; e nº A/11, de 31.8.2012, no valor de €14.145,00, perfazendo €57.810,00.
46) No dia 12.3.2013, os sócios L… O… e C… B… reuniram na porta da sede social da sociedade insolvente, nos termos e para os efeitos do artigo 985º do Código Civil, tendo sido elaborado o escrito de fls. 81 a 83 do p.p., que aqui se dá por reproduzido.
47) O sócio R… G… foi convocado para estar presente, por carta registada com A/R, com data de 4.3.2013, enviada para a Rua J…, em …
48) A carta referida em 47) não foi recebida pelo destinatário, sendo devolvida ao remetente.
49) R… G… não compareceu à reunião.
50) Após a reunião referida em 46) os sócios L… O… e C… B… voltaram a ter acesso às instalações da sociedade insolvente.
51) C… B… solicitou ao BES – Corpo Santo, cópia do contrato de abertura da conta n.º 000904592319.
52) Em 27.9.2013, L… O… apresentou reclamação do BES - Corpo Santo - por não ter facultado cópia do contrato inicial de movimentação da conta, extractos bancários e saldo actual.
53) As contas relativas ao exercício de 2011 não foram aprovadas.
54) Nos autos foram verificados e graduados créditos no valor global de €201.520,33, entre os quais o crédito subordinado de C… B… no valor de €25.196,20, o crédito de L… O…, no total de €10.529,03 (comum €1.652,40 e subordinado €8.876,63) e o crédito subordinado de R… G…, no valor de €52.141,35.
55) Nestes autos apenas foi pago à credora verificada e graduada, S… M…, o valor de €166,74.
*
Foram considerados Não Provados os seguintes factos:
a) A acta da assembleia referida em 22) não está consignada no livro ou folhas soltas, nem numerada e rubricada.
b) Após a destituição da gerência de E… D… e até 11.4.2013, foram penhoradas as contas bancárias da devedora junto do Banco BES, por dívidas acumuladas nesse período.
c) Após 4.4.2012, E… D… efectuou levantamentos em dinheiro da conta da devedora.
d) E… D… negociou e dispensou todos os funcionários que se encontravam ao serviço da sociedade devedora, nomeadamente os colaboradores S… C…, A… C… e S… V…
e) Tendo a devedora ficado sem nenhum trabalhador ou prestador ao seu serviço.
f) E… D… subscreveu, o Acordo Anual Noite nº1039, em representação da sociedade devedora, com o fornecedor de bebidas “Primedrinks - Comercialização Bebidas Alcoólicas Produtos Alimentares, S.A.”, com início em Março de 2013 e fim em Dezembro de 2013, com cópia a fls. 151 do p.p.
g) Não existem documentos de suporte contabilístico às rubricas identificadas em 44).
h) A rubrica "Remunerações a pagar ao pessoal" apresenta um saldo devedor de €2.986,55, totalmente constituído durante o exercício 2012.
i) Os serviços titulados pelas facturas referidas em 45) são fictícios, nunca foram solicitados, nem prestados pela “T… da G…, Lda.” à devedora.
j) A conta n.º 221110128 - "T…, da G…, Lda"- apresenta um saldo a crédito de €66.912,00, do qual €57.810 constituído no exercício de 2012, e cujo respectivo custo (€47.000) se encontra contabilizado na rubrica "Subcontratos".
k) O Banco BES não permitiu aos sócios L… O… e C… B…, consultar extractos, nem terem acesso à conta bancária da devedora junto desse banco – (cf. fls. 93-96 e 114).
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Da rectificação do ponto 44- dos Factos Provados:
Sob o segundo parágrafo do ponto 44- dos Factos Provados consignou o tribunal o seguinte: “A conta n.º 221110128 - "T… da G…"- apresenta um saldo a crédito de €66.912,00, do qual €57.810”.
O valor de € 57.810,00 corresponde ao valor total das três facturas referidas no ponto 45) dos Factos Provados, facturas essas cujas cópias foram juntas aos autos principais com o requerimento da devedora de 25/11/2023.
Assim, atento o que já consta do referido ponto 45) e porque o segmento “do qual € 57.810” não corresponde a qualquer factualidade concreta, ao abrigo do disposto no art.º 662º, nº1, do C.P.Civil, determina-se a sua eliminação.
Em consequência, o segundo parágrafo do ponto 44- passará a ter a seguinte redacção:
A conta n.º 221110128 - "T… da G…"- apresenta um saldo a crédito de €66.912,00”.
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B) Da nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão e por falta de fundamentação
Começou o apelante por alegar que a sentença considerou-o afectado pela insolvência culposa, enquanto sócio da insolvente, quando dos factos dados como provados resulta que quem incumpriu os deveres elencados no artigo 186º, nº 2, alínea h), do CIRE, foram os gerentes E… D…, C… B… e L… O…. Era sobre estes que incumbia, ainda que em momentos distintos, a responsabilidade de a sociedade insolvente ter uma contabilidade organizada.
Disse ainda que a sentença é obscura e ambígua, tendo feito tábua rasa dos factos dados como provados, sendo uma decisão incompreensível.   
 De acordo com o disposto na alínea c) do art.º 615º do C.P.Civil, a sentença enferma de nulidade quando:
“c) Os fundamentos estejam em contradição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
Como se diz no Código de Processo Civil Anotado, vol. I., Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Almedina, 2ª edição, pág. 763, em anotação ao aludido art.º 615º: “A nulidade a que se reporta a 1ª parte da al. c) ocorre quando existe incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão, ou seja, em que a fundamentação do aponta num sentido que contradiz o resultado final. Situação que, sendo violadora do chamado silogismo judiciário, em que as premissas devem condizer com a conclusão, também não se confunde com um eventual erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe uma solução jurídica diferente”. 
O que consta dos factos provados é que no ano 2012 não foram entregues ao gabinete de contabilidade o inventário, as vendas e os extractos para a reconciliação bancária e que relativamente ao exercício de 2012, a sociedade insolvente não entregou a modelo 22 e a IES.
Com base nestes factos, entendeu a Mmª Juíza a quo que se encontra verificado o fundamento de qualificação da insolvência como culposa a que alude o art.º 186º, nº2, al. h) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, ou seja, que os gerentes de direito ou de facto, da insolvente incumpriram “(…) em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor”.
A questão relativa a saber os sujeitos que, de acordo com o estabelecido no nº 2 do artigo 189º do CIRE, devem ser considerados afectados pela qualificação como culposa encontra-se tratada na sentença e desta constam as razões pelas quais o tribunal a quo entendeu que, de acordo com o direito aplicável, o apelante deveria ser afectado e os demais sócios referidos não o poderiam ser.
Refere-se ali expressamente: “(…) após a destituição judicial de E… D… este continuou a agir como gerente de facto da sociedade insolvente
Por outro lado, os outros três sócios assumiram, nos termos do art.º 253º n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais, os poderes de gerência e, portanto, são de considerar gerentes de direito, nos termos e para os efeitos do art.189º n.º2 al. a) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Uma vez que apenas são requeridos nestes autos E… D… e R… G…, apenas estes podem ser afectados pela qualificação da insolvência como culposa.
Efectivamente, E… D… foi quem, à luz de todas as evidências, continuou a “dirigir” os destinos da sociedade.
Porém, R… G…, empossado por via legal nos poderes de gerência, assumiu igualmente, e por essa via, os deveres inerentes, entre os quais, o dever de garantir a elaboração de uma contabilidade organizada e sem irregularidades.
De facto, nos termos do disposto no art.º 65º do Código das Sociedades Comerciais um dos deveres dos gerentes é o de relatar a gestão e apresentar contas. Sendo certo que a manutenção da contabilidade organizada, propriamente dita, compete a um técnico, a responsabilidade, nomeadamente pela contratação de tal técnico e fornecimento dos elementos adequados ao mesmo, é sempre dos gerentes, a quem cabe o dever legal de apresentar contas aos sócios e a todos os terceiros a quem estas interessam, após aprovadas”. 
Atento o referido, não restam dúvidas que o invocado em termos de nulidade da sentença por contradição entre a fundamentação e a decisão não pode proceder. Não existe qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, constando da sentença as razões pelas quais apenas os requeridos, incluindo o apelante, podem ser afectados pela qualificação. Não existe também ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Por outro lado e pelos mesmos fundamentos, também não se verifica a nulidade por falta de fundamentação. Nesta parte, invocou o apelante que a sentença é omissa do ponto de vista da fundamentação de direito, uma vez que não justifica a conclusão segundo a qual não pode afectar os requerentes L… O… e C… B… pela qualificação culposa, quando foram estes que contribuíram para que a insolvente apresentasse uma contabilidade irregular e deficiente.
Sustentou ainda que em momento algum se deu como provado que o mesmo tinha conhecimento que passava a ser considerado gerente por força da destituição de E… D… e que também não são indicados os motivos pelos quais foi considerado que o apelante deveria ser condenado a indemnizar no montante equivalente a ¼ dos créditos reclamados.
De acordo com o disposto na alínea d) do referido artigo 615º do C.P.Civil, a sentença é ainda nula quando O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
A omissão de pronúncia está directamente relacionada com o comando fixado nº 2 do art.º 608º do CPC – segundo o qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
As questões aqui referidas são as questões relacionadas com o mérito da causa, balizadas pela pretensão deduzida, pela respectiva causa de pedir e pelas excepções peremptórias invocadas.
As questões a resolver não se confundem com os argumentos aduzidos, sendo constante a jurisprudência dos nossos tribunais no sentido que aquele preceito apenas impõe que o tribunal resolva todas as questões que as partes hajam submetido a julgamento – cfr, entre muitos outros, Ac. STJ, de 16/02/1995, Cons. Ferreira da Silva, BMJ 444, págs 595 e ss.       
O mesmo é defendido pela doutrina – cfr, entre outros, Lopes do Rego, Comentários ao CPC, vol. I, pág. 551, Lebre de Freitas e outros, CPC Anotado, 2ª vol., pág. 646 e Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, pág. 54.
A nulidade da sentença com fundamento na omissão de pronúncia só ocorre quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão (e cuja resolução não foi prejudicada pela solução dada a outras).
Como resulta da sentença e do excerto que supra se transcreveu, contrariamente ao invocado, constam da mesma as razões pelas quais apenas o apelante e E… D… foram considerados afectados pela qualificação da insolvência como culposa: apenas contra estes foi requerida a qualificação, não tendo os outros dois gerentes sido demandados nessa qualidade.
Também constam da sentença o fundamento com base no qual o apelante e os outros dois sócios assumiram, após a destituição judicial de E… D…, os poderes de gerência – por via do disposto no art.º 253º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais – e os critérios de que o tribunal se socorreu para fixação do montante da indemnização em que o apelante foi condenado. Citando novamente a sentença: “Volvendo ao caso em análise, releva considerar que os Requeridos não eram os únicos com poderes de gerência da sociedade insolvente nos anos de 2012 (parte) e 2013, precisamente aqueles a que respeitam as irregularidades na contabilidade que se apuraram.
Por outro lado, se é certo que E… D… exerceu, efectivamente e de facto poderes de gerência no período relevante, o mesmo não se pode dizer de R… G…, o qual terá estado sempre afastado de qualquer acto concreto de gestão corrente, bem como da tomada de decisões estratégicas.
Por outro lado, não podemos olvidar que, em virtude da situação de insolvência verificada nestes autos, não foram satisfeitos créditos no valor de €201.353,59. A este montante devem ser subtraídos os créditos pertencentes ao requerido R… G…, no valor de €52.141,35 (cf. art.189º n.º 2 al. d) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas). Temos, portanto, um passivo não satisfeito a considerar de €149.212,24.
Esse valor será o valor máximo da indemnização, à luz da referida alínea e) do n.º 2 do artigo 189º, mas não deve ser o valor total a ressarcir, porque parte dos créditos referidos pertencem aos outros dois sócios (também responsáveis pela irregularidade apontada), que não são requeridos nestes autos.
Ademais, inexiste um nexo causal evidente entre a conduta que determinou a qualificação da insolvência como culposa e a não satisfação daquele passivo, apesar de a mesma ser, à luz da lei, suficiente para a qualificação da insolvência como culposa.
Donde, na falta de outros elementos mais concretos, considerando o preenchimento de uma circunstância qualificativa, o valor global do passivo não satisfeito, e os titulares dos créditos em causa, o diminuto produto da liquidação e o papel de cada um dos Requeridos na gestão da sociedade, julga-se adequado, justo e proporcional a condenação do Requerido E… D… no pagamento de uma percentagem dos créditos não satisfeitos, correspondente a 1/3 do total, no valor de €49.737,41 e do Requerido R… G… no pagamento de uma percentagem dos créditos não satisfeitos que se fixa em 1/4 do total, a saber: €37.303,06”. 
As nulidades da sentença são vícios intrínsecos da própria decisão, deficiências da sua estrutura, o que não é confundível com o erro de julgamento, que é, segundo o recorrente, o que existirá e que infra será objecto de apreciação. 
 Pelo exposto e contrariamente ao invocado pelo recorrente, a sentença não enferma das nulidades invocadas.
*
C) Verificação dos pressupostos de qualificação da insolvência como culposa
Conforme consta da sentença ora sob recurso, entendeu o tribunal a quo que, face aos factos provados, se encontra preenchido o disposto no art.º 186º, nº2, alínea h) do CIRE e que assim não se pode deixar de concluir que a insolvência é culposa.
O artigo 185º indica claramente a finalidade do incidente de qualificação da insolvência: averiguar as razões que conduziram à situação de insolvência para qualificá-la numa das categorias tipificadas na lei.
Desta forma, a insolvência pode ser culposa ou fortuita.
Estabelece o artigo 186.º, n.º 1, do CIRE, que: “A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.”
São, assim, requisitos da insolvência culposa:
1) o facto inerente à actuação, por acção ou omissão, do devedor ou dos seus administradores, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência;
2) a culpa qualificada (dolo ou culpa grave);
3) e o nexo causal entre aquela actuação e a criação ou o agravamento da situação de insolvência.
Por sua vez, estabelece o n.º 2 deste artigo que se considera sempre culposa a insolvência do devedor quando os seus administradores tenham incorrido em algum dos comportamentos elencados nas suas diversas alíneas.
Como referem Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris – Sociedade Editora, 2015, pág. 680, o legislador veio estabelecer no nº 2 do mesmo artigo uma presunção inilidível que complementa a noção geral fixada no nº 1. O nº 3, mediante uma presunção ilidível, dá por verificada a existência de culpa grave quando ocorram determinadas circunstâncias ali previstas.
Continuam os mesmos autores que: “Segundo o nº 1, a insolvência culposa implica sempre uma atuação dolosa ou com culpa grave do devedor ou dos seus administradores, de direito ou de facto, determinados, estes, nos termos do art.º 6º. Essa atuação deve ter criado ou agravado a situação de insolvência em que o devedor se encontra.
Uma vez que o preceito nada dispõe, em particular, nessa matéria, as noções de dolo e de culpa grave devem ser entendidas nos termos gerais de Direito”.
A qualificação impõe que tenha ocorrido (pelo menos) uma conduta do devedor ou dos seus administradores, de facto ou de direito, na asserção do disposto no art.º 6º do CIRE que: 
- tenha criado ou agravado a situação de insolvência; 
- tal conduta seja dolosa ou com culpa grave, excluindo-se, assim, a culpa simples – neste sentido v.g., entre outros, Manuel Carneiro da Frada in “A responsabilidade dos administradores na insolvência”, ROA, Ano 66, Set. 2006, pág. 689;  
- tenha ocorrido nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, ou seja, nos três anos anteriores ao dia da entrada do requerimento inicial do processo de insolvência na secretaria do tribunal, relevando, para além desse prazo, todos os actos praticados entre aquele dia e a data de declaração de insolvência, nos termos previstos no art.º 4º, n.º 2, do CIRE.
A doutrina e a jurisprudência têm-se questionado sobre o alcance das presunções previstas nos nºs 2 e 3 do referido artigo 186º, nomeadamente, no que concerne a saber se é de presumir também o nexo de causalidade entre a conduta legalmente tipificada e a criação ou agravamento da situação de insolvência.
Relativamente às presunções previstas no n°2, tem sido entendimento maioritário que se tratam de presunções quer da existência de culpa grave, quer do nexo de causalidade.
Refere-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6/10/2011, P.46/07.8TBSVC-O.L1.S1, in www.dgsi.pt:
«1. A insolvência culposa implica sempre uma actuação dolosa ou com culpa grave do devedor ou dos seus administradores, a qual deve ter criado ou agravado a situação de insolvência em que o devedor se encontra.
2. O nº 2 do art.º 186.º do CIRE estabelece, em complemento da noção geral antes fixada no nº 1, presunções inilidíveis que, como tal, não admitem prova em contrário. Conduzindo, assim, necessariamente, os comportamentos aí referidos à qualificação da insolvência como culposa.
3. O nº 3 do mesmo art.º 186.º estabelece, por seu turno, presunções ilidíveis, que admitem prova em contrário, dando-se por verificada a culpa grave quando ocorram as situações aí previstas.
4. Não se dispensando neste nº 3 a demonstração do nexo causal entre o comportamento (presumido) gravemente culposo do devedor ou dos seus administradores e o surgimento ou o agravamento da situação de insolvência. Sendo, pois, necessário, nessas situações, verificar se os aí descritos comportamentos omissivos criaram ou agravaram a situação de insolvência, pelo que não basta a simples demonstração da sua existência e a consequente presunção de culpa que sobre os administradores recai. Não abrangendo tais presunções ilidíveis a do nexo causal entre tais actuações omissivas e a situação da verificação da insolvência ou do seu agravamento”. Esclarece-se igualmente no aresto em referência: “Definindo, assim, este preceito legal em que consiste a insolvência culposa, começando por fixar, para o efeito, uma noção geral no seu nº 1. Implica sempre, tal insolvência culposa, uma actuação dolosa ou com culpa grave do devedor ou dos seus administradores, a qual deve ter criado ou agravado a situação de insolvência em que o devedor se encontra. Deixando, contudo, tal actuação de ser atendida – devendo considerar-se as noções de dolo e de culpa grave, na falta de outro critério específico, nos termos gerais de Direito – para o efeito da qualificação da insolvência em análise, se não tiver ocorrido nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência. Estabelecendo, de seguida, em complemento da noção antes fixada, o seu nº 2, presunções inilidíveis, ou seja, presunções absolutas ou jure et de jure, não admitindo prova em contrário (cfr., ainda, art.º 350.º, nº 2 do CC). Conduzindo, assim, necessariamente, os comportamentos dos administradores aí referidos – sem prejuízo de se dever atender às circunstâncias próprias da situação de insolvência do devedor – à qualificação da insolvência como culposa.»
Aludindo ao Ac. do STJ supra citado, diz o Ac. da RG de 18/10/2018, relatora Maria Luísa Ramos, o qual pode ser consultado in www.dgsi.pt: «Com efeito, como se deduz do preceito legal em referência - art.º 186º do CIRE que regulamente a “Insolvência Culposa”, e é cabalmente esclarecido no Ac. STJ citado, apenas nas situações previstas no nº 3 do indicado artigo, estabelecendo este presunções ilidíveis, relativas ou juris tantum, que assim podem ser ilididas por prova em contrário, se exige a demonstração do nexo causal entre o comportamento (presumido) gravemente culposo do devedor ou dos seus administradores e o surgimento ou o agravamento da situação de insolvência, não abrangendo esta presunção ilidível a do nexo de causalidade entre tais actuações omissivas e a situação da insolvência verificada ou do seu agravamento, e, já não nas situações previstas no nº 2 do art.º 186º do CIRE, em que a lei estabelece presunções inilidíveis, ou presunções absolutas ou jure et de jure, que não admitem qualquer prova em contrário, conduzindo, assim, necessariamente, os comportamentos dos administradores referidos nas respectivas alíneas à qualificação da insolvência como culposa.
No mesmo sentido v. Luís Alberto Carvalho Fernandes e João Labareda C.I.R.E. Anot., Vol. II, Pags. 14 e 15. “...as previsões deste número 2, consubstanciam presunções jure et de jure de insolvência culposa, portanto em si mesmas definitivas, por não elidíveis”».
Como se refere no Ac. da Rel. de Guimarães de 09/04/2019, relatora: Margarida Almeida Fernandes, o qual também pode ser consultado in www.dgsi.pt: «Para facilitar a determinação de uma insolvência culposa o legislador optou estabelecer factos-índice da mesma, de diferente natureza, nos nº 2 e 3 do citado preceito.
Da verificação de algum dos factos-índices previstos no nº 2 resulta sempre a insolvência culposa do devedor que não seja pessoa singular. Encontramo-nos nesta sede perante presunções absolutas, iuris et de iure ou inilidíveis (não admitem prova em contrário – art.º 350º nº 2 in fine do C.C.), quer da culpa grave, quer do nexo de causalidade entre a conduta e a criação ou agravamento da situação de insolvência.
Mas, da verificação dos factos-índices previstos no nº 3 resulta apenas, quanto a nós, uma presunção ilidível da violação, com culpa grave, de obrigações impostas aos administradores do insolvente exigindo-se a subsequente prova do referido nexo de causalidade.
Esta tese baseia-se na letra da lei, pois, enquanto no nº 2 se refere “Considera-se sempre culposa a insolvência” (sublinhado nosso), no nº 3 alude apenas a “Presume-se a existência de culpa grave” inexistindo aqui qualquer presunção quanto à verificação dos demais requisitos previstos no nº 1. A propósito do nº 3 do citado preceito refere-se no Ac. da R.G. de 12/07/2017 (Conceição Bucho), in www.dgsi.pt “este normativo é claro e inequívoco, no sentido de que não admite, com o apoio mínimo no texto da lei que o artigo 9º, nº 2 do Código Civil exige, uma interpretação mais abrangente, que inclua no âmbito da presunção estabelecida no nº 3 do artigo 186º do CIRE também o exigido nexo de causalidade entre a actuação descrita naquele preceito legal e o despoletar da situação de insolvência ou do seu agravamento.” Esta é a posição da jurisprudência largamente maioritária defendida, entre outros, também pelos Ac. do S.T.J. de 06/10/2011 (Serra Baptista), da R.L. de 26/04/2012 (Ezaguy Martins), R.C. de 10/07/2013 (Falcão de Magalhães), R.E. de 08/05/2014 (Francisco Xavier), R.G. de 01/06/2017 (Maria João Matos) e de 11/07/2017 (José Cravo) todos consultáveis no www.dgsi.pt. Cremos que a doutrina maioritária também o defende - vide, entre outros, Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª ed., Quid Juris, p. 680-681; A. Soveral Martins, in Um Curso de Direito da Insolvência, 2016 – 2ª ed. ver. e actual., Almedina, p. 423.» Após a alteração introduzida pela Lei nº 9/2022, de 11/01, ficou claro que as situações tipificadas no nº 3 do art.º 186º do CIRE constituem meras presunções de culpa grave, sem presunção de causalidade quanto à situação de insolvência.
Todavia, não é isto que se verifica, como se viu, relativamente às situações elencadas no nº 2 do mesmo normativo, o qual dispõe, no que ora releva:
 “2 - Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham:
(…)
h) Incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor;
(…)”
No que se refere ao disposto nesta alínea e conforme se referiu no Ac. da RL de 25/01/2022, relatora: Fátima Reis Silva e subscrito pela ora relatora na qualidade de 2ª adjunta, acórdão esse proferido no Proc. 15973/18.9T8SNT-A.L1 e ao que sabemos, não publicado: “As condutas das alíneas h) e i) do nº2 do art.º 186º são de uma gravidade muito superior às previstas no nº3, e radicam em fundamentos de diverso grau. As condutas da al. h), que se analisam, sinteticamente em não manutenção de contabilidade, contabilidade dupla ou fictícia e irregularidades graves na contabilidade, prejudicam a compreensão da situação do devedor a terceiros e aos que com ele interagem possibilitando, por exemplo, a manutenção no mercado, de empresas zombie, a continuação da concessão de crédito sem qualquer hipótese real de recuperação, entre muitas outras consequências – ou seja, são de molde a presumir que se lhe segue a impossibilidade total do cumprimento de obrigações vencidas”.
Esta alínea do nº 2 do art.º 186º do CIRE compreende três situações distintas:
a) Incumprir, em termos substanciais, a obrigação de manter contabilidade organizada, ou
b) manter uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade; ou
c) praticar irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor.
O prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor apenas é exigível no terceiro grupo de casos, dado que nestes há contabilidade, que não se encontra falseada, mas que tem irregularidades.
As irregularidades podem ser mais ou menos graves e prejudicar ou não a compreensão da situação do devedor.
Ficou demostrado que:
- No ano de 2012 não foram entregues ao gabinete de contabilidade o inventário, as vendas e os extractos para a reconciliação bancária.
- Relativamente ao exercício de 2012, a sociedade insolvente não entregou a modelo 22 e a IES.
- A insolvente não entregou a declaração referente ao IVA do 1º trimestre de 2013.
- Por carta datada de 15.5.2013, a Técnica Oficial de Conta da insolvente comunicou a falta de entrega atempada da declaração de IVA referente ao 1º trimestre de 2013.
Considerando esta factualidade, temos que concluir que a contabilidade da devedora referente ao exercício de 2012 e também de 2013, não foi devidamente elaborada, pois para tanto era necessário que os documentos de suporte tivessem sido fornecidos, o que não aconteceu.  
Não foram cumpridas as obrigações fiscais, nem entregue a IES de 2012.
Manter a contabilidade organizada é uma obrigação permanente que segue as regras do Sistema de Normalização Contabilística aprovado pelo Decreto-Lei n.º 158/2009 de 13/07 (rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 67-B/2009 de 11/09), obrigatório para as sociedades comerciais (cfr. art.º 3º, nº1, al. a) do referido Decreto-Lei).
Culmina com a obrigação anual de prestação de contas prevista no aludido art.º 65º do CSC e pressupõe a organização diária e regularidade de todas as tarefas.
Tal obrigação decorre ainda do estatuído nos artigos 1º e 17º, nº 3 do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e, para efeitos fiscais, destina-se a permitir a determinação e controlo do lucro tributável das pessoas colectivas. A contabilidade deve estar organizada de acordo com a normalização contabilística e reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo através do lançamento dos respectivos documentos de suporte nas contas a que respeitam, de modo a permitir, no final de cada exercício, o apuramento dos saldos de cada rubrica e a elaboração do balanço que integra as demonstrações financeiras do exercício a apresentar em sede de prestação e depósito de contas. Pretende-se que a contabilidade proporcione informação acerca da real posição financeira e dos resultados das operações da empresa, informações que são úteis aos investidores, fornecedores e trabalhadores, mas imprescindíveis também aos próprios administradores e aos credores.
Encontra-se, assim, também preenchido o previsto na aludida alínea h) do nº 2 do art.º 186º, sendo que a contabilidade não estava devidamente organizada e continha irregularidades (v.g. falta de conciliação bancária e verificação de inventário) com influência na compreensão da situação patrimonial da sociedade.
A acção de insolvência foi instaurada em 22-11-2013, tendo os actos supra referidos tido lugar no período relevante para efeitos de qualificação da insolvência.
*
D) Da afectação do apelante, da medida de inibição e da responsabilidade do recorrente em termos de indemnização dos credores
Sustentou o apelante que dos factos provados resulta que quem incumpriu os deveres elencados no art.º 186º, nº 2, alínea h) do CIRE, foram os gerentes E… D…, C… B… e L… O… e que era sobre estes que incumbia, ainda que em momentos distintos, a responsabilidade de a sociedade insolvente ter uma contabilidade organizada.
Disse ainda que não ficou demonstrado que o mesmo tenha tido conhecimento da destituição judicial do gerente E… D… e que, a partir desse momento, assumia a qualidade de gerente da sociedade devedora, juntamente com os sócios C… B… e L… O…
Com estes fundamentos, conclui que não pode ser considerado afectado pela qualificação da insolvência.
Encontra-se provado que a insolvente foi constituída com o capital social de €5.000,00, dividido em 4 quotas de €1.250,00 cada uma, pertencentes a E… D…, R… G…, L… O… e C… B… A mesma vinculava-se com a assinatura de dois gerentes, tendo sido nomeados na data da constituição os sócios E… D… e C… B…
Pela Ap. 29 de 17.11.2011 mostra-se registada a cessação de funções de gerente de C… B…, por destituição, datada de 19.9.2011 e pela Ap. 6 de 30.10.2012 mostra-se registada a cessação de funções de gerente de E… D…, por destituição, datada de 4.4.2012. Não existe qualquer registo de nomeação de A… G… como gerente da sociedade insolvente.
Daqui resulta que entre a data da sua constituição e Setembro 2011 a sociedade insolvente teve dois gerentes, sendo que a partir dessa data e até Abril de 2012, foi gerente único E… D…
Ficou igualmente demostrado que L… O… instaurou no Tribunal do Comércio de Lisboa, acção especial de destituição judicial de titulares de órgãos sociais, ao abrigo do nº2 do artigo 1484º-B do Código de Processo Civil, pedindo (i) cautelarmente, a imediata suspensão de E… D… do cargo de gerente da sociedade insolvente, e (ii) a título principal, a sua destituição judicial por justa causa.
Esta acção correu termos sob o nº 1394/11.8TYLSB, do 4º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, tendo, por sentença de 4.4.2012, sido a mesma julgada procedente e destituído judicialmente E… D… das funções de gerente da sociedade insolvente nestes autos.
Deste modo, a partir desse momento a sociedade deixou de ter gerentes nomeados.
De acordo com o disposto no art.º 189º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, podem ser afectados pela qualificação da insolvência os “administradores de direito ou de facto”.
Se é verdade que, não obstante a sua destituição e após a mesma, E… D… praticou a actos de administração, também não se pode deixar de atender ao disposto no art.º 253º, nº 1, do CSC, o qual estabelece: Se faltarem definitivamente todos os gerentes, todos os sócios assumem por força da lei os poderes de gerência, até que sejam designados os gerentes.”
Por força deste normativo, faltando em definitivo os diversos gerentes, todos os sócios assumem os poderes de gerência até à designação de gerentes.
Como diz Raúl Ventura, in Comentário ao Código das Sociedades Comerciais. Sociedade por quotas, vol. III, Almedina, 2ª reimpressão, págs. 45 a 47:
“2. Para o de faltarem definitivamente todos os gerentes – (…), isto deve ser entendido como faltando todos os gerentes ordinários e todos os gerentes suplentes, se os houver – determina o art.º 253º, nº 1, que todos os sócios assumem por força da lei os poderes de gerência, até que sejam designados os gerentes.
(…)
3. O art.º 253º, nº1, não diz que, faltando definitivamente todos os gerentes, todos os sócios passam a ser gerentes; diz que todos os sócios assumem os poderes de gerência e que o fazem por força da lei. Esta última parte mostra ser desnecessária qualquer designação; a própria lei automaticamente faz os sócios assumirem esses poderes. E assim como não é necessária a designação, também não é necessária a aceitação, nem é lícita a renúncia, contra qual não vale a vontade de nenhum dos sócios. Também pelo mesmo motivo, não tem cabimento a inscrição no registo comercial.
(…)
Os poderes assumidos pelos sócios são todos os que pertencem aos gerentes que os sócios substituem. Se todos esses poderes dos gerentes são necessários, segundo a lei, para a vida da sociedade, todos eles continuam a sê-lo se a sociedade for gerida pelos sócios; portanto, administração stricto sensu e a representação activa e passiva”
Assim e considerando o estabelecido na referida norma, não restam dúvidas que, a partir de 04.04.2012, o apelante assumiu, independentemente da sua aceitação e de não resultar da matéria de facto provada a data em que o mesmo teve conhecimento que E… G… foi destituído de gerente, poderes de gerência relativamente à insolvente.
Incumbe aos gerentes em cada ano relatar e apresentar as contas da sociedade (cfr. art.º 65º do CSC) pelo que, com esse desiderato, sobre eles recai o dever de diligenciar e assegurar pela organização e actualização da informação contida na contabilidade da mesma através da  prestação ao contabilista certificado da documentação de suporte comprovativa de todas as operações/transacções da sociedade, do valor dos custos/dívidas e dos proveitos por elas gerados, dos pagamentos realizados, dos recebimentos obtidos.
“(…) o art.º 253º, 1, refere-se ao possível exercício de poderes de administração por quem não é gerente e na qualidade de sócio, pelo facto de ser sócio e mediatamente interessado no funcionamento regular da sociedade. Assunção essa que lhe é imposta, note-se, pelo que a omissão pode ser censurável em referência a uma manifestação especial do dever de lealdade do sócio quotista em gerir a sociedade se e enquanto faltarem todos os gerentes (efetivos e, entretanto (nomeadamente), suplentes chamados a efetivos e/ou cooptados). Em rigor, encontramos a lei a atribuir um verdadeiro encargo (-modo) aos sócios; sem necessidade de aceitação ou possibilidade de recusa, nem de inscrição no registo comercial” – cfr Código das Sociedades Comerciais em Comentário. Coord. Coutinho de Abreu, Almedina, 2ª edição, vol. IV, pág. 94.
O apelante, enquanto sócio, tinha o dever de se inteirar da vida da sociedade e tendo assumido, por força da lei, poderes de gerência, tinha o dever de assegurar a manutenção de contabilidade organizada por parte da mesma.
Por outro lado, e como bem se refere na sentença recorrida, apenas são requeridos nos autos o apelante e E… D…, pelo que, apesar de os sócios C… B… e L… O… também terem assumido, enquanto sócios, poderes de gerência, apenas aqueles podem ser afectados pela qualificação da insolvência como culposa.
Inserido no capítulo dedicado ao incidente pleno de qualificação da insolvência, sob a epígrafe Tramitação o art.º 188º do CIRE prevê que:
 1 - Até 15 dias após a assembleia de apreciação do relatório ou, no caso de dispensa da realização desta, após a junção aos autos do relatório a que se refere o artigo 155.º, o administrador da insolvência ou qualquer interessado pode alegar, fundamentadamente, por escrito, em requerimento autuado por apenso, o que tiver por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afetadas por tal qualificação, cabendo ao juiz conhecer dos factos alegados e, se o considerar oportuno, declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência, nos 10 dias subsequentes.
2 - O despacho que declara aberto o incidente de qualificação da insolvência é irrecorrível, sendo de imediato publicado no portal Citius.
3 - Declarado aberto o incidente, o administrador da insolvência, quando não tenha proposto a qualificação da insolvência como culposa nos termos do n.º 1, apresenta, no prazo de 20 dias, se não for fixado prazo mais longo pelo juiz, parecer, devidamente fundamentado e documentado, sobre os factos relevantes, que termina com a formulação de uma proposta, identificando, se for caso disso, as pessoas que devem ser afetadas pela qualificação da insolvência como culposa.
4 - O parecer e as alegações referidos nos números anteriores vão com vista ao Ministério Público, para que este se pronuncie, no prazo de 10 dias.
5 - Se tanto o administrador da insolvência como o Ministério Público propuserem a qualificação da insolvência como fortuita, o juiz pode proferir de imediato decisão nesse sentido, a qual é insuscetível de recurso.
6 - Caso não exerça a faculdade que lhe confere o número anterior, o juiz manda notificar o devedor e citar pessoalmente aqueles que em seu entender devam ser afetados pela qualificação da insolvência como culposa para se oporem, querendo, no prazo de 15 dias; a notificação e as citações são acompanhadas dos pareceres do administrador da insolvência e do Ministério Público e dos documentos que os instruam.
7 - O administrador da insolvência, o Ministério Público e qualquer interessado que assuma posição contrária à das oposições pode responder-lhe dentro dos 10 dias subsequentes ao termo do prazo referido no número anterior.
8 - É aplicável às oposições e às respostas, bem como à tramitação ulterior do incidente da qualificação da insolvência, o disposto nos artigos 132.º a 139.º, com as devidas adaptações”.
Das normas citadas resulta que as pessoas a afectar pela qualificação da insolvência podem, rectius, devem ser indicadas não só pelo Administrador da Insolvência no parecer em que proponha a qualificação da insolvência como culposa, mas também por qualquer interessado que, por escrito, alegue nos autos o que para esse mesmo efeito tiver por conveniente, permitindo ainda a lei ao juiz citar pessoas que “em seu entender devam ser afetados pela qualificação da insolvência como culposa (…)” – cfr nº 6 do art.º supra citado.
In casu, o Administrador da Insolvência emitiu parecer no sentido de a insolvência ser declarada como fortuita e nenhum interessado requereu a afectação dos sócios C… B… e L… O…, não tendo tido lugar a citação dos mesmos na qualidade de requeridos.
Não podem, pois, estes, contrariamente ao ora invocado pelo apelante, ser considerados afectados pela qualificação da insolvência como culposa.
Sustentou ainda o apelante que, ao não considerar estes sócios afectados, o tribunal a quo violou o princípio da igualdade previsto no art.º 13º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
Estabelece o art.º 13º da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe “Princípio da Igualdade”:
1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”.
Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, pg. 341, sublinham que as decisões mais recentes do Tribunal Constitucional continuam a assinalar correctamente que o princípio da igualdade obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante, sendo o ponto central da discussão em torno do princípio da igualdade “saber se existe fundamente material bastante para diferenciações de tratamento jurídico, o que nem sempre é fácil de averiguar…”.
Do que ficou supra referido, resulta que o facto de se ter considerado afectado pela qualificação da insolvência o apelante e não também os sócios C… B… e L… O… não implica qualquer violação do princípio do princípio da igualdade. É diferente a situação jurídica-processual dos mesmos: quanto a estes sócios nada foi requerido nesse sentido nos autos.
Relativamente à inibição, a mesma foi fixada no mínimo e no que respeita à indemnização prevista no art.º 189º, nº2, alínea e), do CIRE, sustentou o apelante que o tribunal a quo não indicou a data em que este começou a exercer as funções de gerente, nem a data de vencimento dos créditos reclamados, a fim do valor destes lhe ser imputado.
No que a tal concerne, consta da sentença sob recurso:
“Volvendo ao caso em análise, releva considerar que os Requeridos não eram os únicos com poderes de gerência da sociedade insolvente nos anos de 2012 (parte) e 2013, precisamente aqueles a que respeitam as irregularidades na contabilidade que se apuraram.
Por outro lado, se é certo que E… D… exerceu, efectivamente e de facto poderes de gerência no período relevante, o mesmo não se pode dizer de R… G…, o qual terá estado sempre afastado de qualquer acto concreto de gestão corrente, bem como da tomada de decisões estratégicas.
Por outro lado, não podemos olvidar que, em virtude da situação de insolvência verificada nestes autos, não foram satisfeitos créditos no valor de €201.353,59. A este montante devem ser subtraídos os créditos pertencentes ao requerido R… G…, no valor de €52.141,35 (cf. art.189º n.º 2 al. d) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas). Temos, portanto, um passivo não satisfeito a considerar de €149.212,24.
Esse valor será o valor máximo da indemnização, à luz da referida alínea e) do n.º 2 do artigo 189º, mas não deve ser o valor total a ressarcir, porque parte dos créditos referidos pertencem aos outros dois sócios (também responsáveis pela irregularidade apontada), que não são requeridos nestes autos.
Ademais, inexiste um nexo causal evidente entre a conduta que determinou a qualificação da insolvência como culposa e a não satisfação daquele passivo, apesar de a mesma ser, à luz da lei, suficiente para a qualificação da insolvência como culposa.
Donde, na falta de outros elementos mais concretos, considerando o preenchimento de uma circunstância qualificativa, o valor global do passivo não satisfeito, e os titulares dos créditos em causa, o diminuto produto da liquidação e o papel de cada um dos Requeridos na gestão da sociedade, julga-se adequado, justo e proporcional a condenação do Requerido E… D… no pagamento de uma percentagem dos créditos não satisfeitos, correspondente a 1/3 do total, no valor de €49.737,41 e do Requerido R… G… no pagamento de uma percentagem dos créditos não satisfeitos que se fixa em 1/4 do total, a saber: €37.303,06”.
Atento o disposto no nº 2, alínea e) do citado art.º 189º, na actual redacção, na sentença que qualifique a insolvência como culposa, deve o juiz:
“Condenar as pessoas afetadas a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos, considerando as forças dos respetivos patrimónios, sendo tal responsabilidade solidária entre todos os afetados.
Nos termos do nº 4 desse mesmo normativo:
“Ao aplicar o disposto na alínea e) do n.º 2, o juiz deve fixar o valor das indemnizações devidas ou, caso tal não seja possível em virtude de o tribunal não dispor dos elementos necessários para calcular o montante dos prejuízos sofridos, os critérios a utilizar para a sua quantificação, a efetuar em liquidação de sentença”
Como se decidiu no Ac. do STJ de 12/12/2023, Proc. nº 3146/20.5T8VFX-B.L1.S1, relatora: Cons. Maria Olinda Garcia, a indemnização em causa trata-se de uma “responsabilidade extracontratual, a apurar na medida da verificação dos respetivos pressupostos gerais, cujo montante tem como limite máximo o valor dos créditos graduados.”
Também no Ac. da Rel. do Porto de 13.04.2021 (proc. nº 252/20.0T8AMT-A.P1) pode ler-se:  “A indemnização a suportar ao abrigo do nº 2, al. e) e do nº 4 do art.º 189º do CIRE deve assim aproximar-se do montante dos danos causados pelo comportamento do afetado que conduziu à qualificação da insolvência. Se, por exemplo, a qualificação da insolvência decorre de um comportamento que se traduziu na destruição ou dissipação de todo ou parte considerável do património do devedor, a indemnização deve ascender ao valor do património destruído ou dissipado que se não fosse esse comportamento iria responder pela satisfação dos créditos. É por isso que as normas em apreço estabelecem que o juiz deve fixar o valor das indemnizações devidas e se isso não for possível deve fixar, ao menos, os critérios que permitirão liquidar o seu valor, o que não seria necessário se a indemnização devesse corresponder apenas à diferença entre o valor dos créditos e o pagamento a ser obtido na distribuição do produto da liquidação do ativo.”
Aquando da apresentação à insolvência, em 22-11-2013, a devedora alegou que partir de Junho de 2013 ficou impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas, designadamente, dívidas tributárias, rendas locatícias relativas à sede (e estabelecimento) da empresa e honorários devidos ao Gabinete de Contabilidade responsável pelas contas da empresa. Invocou que o valor em dívida a título de rendas perfazia a quantia de €14.700,00 e na sentença de verificação e graduação de créditos, a título de rendas em dívida, foi reconhecido o crédito de € 31.128,93.
Relativamente à credora T… da G…, Lda, o crédito que lhe foi reconhecido perfaz a quantia de €66.912,00, sendo que €57.810,00 correspondem ao valor das 3 facturas com os nº A/2, de 22.3.2012, no valor de €33.825,00; nº A/5, de 25.5.2012, no valor de €9.840,00; e nº A/11, de 31.8.2012, no valor de €14.145,00, respectivamente.
Também o crédito reconhecido à credora S… M…, no valor de € 4.106,62, correspondem a vencimentos devidos a partir de Março de 2013 até Fevereiro de 2014 e respectiva indemnização.
Com excepção do crédito no valor de € 33.825,00, respeitante à factura emitida pela Trio da Glória, Lda, em 22.03.2012, tratam-se de créditos vencidos após o exercício de funções de gerência pelo apelante e o seu valor é superior àquele em que foi fixada a indemnização da responsabilidade do apelante. Os factos apurados em termos de incumprimento da obrigação de manutenção da contabilidade organizada por parte da devedora respeitam ao ano de 2012 e 2013.
Deste modo, entende-se que o valor fixado pelo tribunal a quo equivale ao montante dos danos causados pelo comportamento do afectado que conduziu à qualificação da insolvência, pelo que também nesta parte improcede o recurso.
Nestes termos, tem o mesmo que ser julgado totalmente improcedente.
*
IV-Decisão
Em face do exposto acordam as juízas na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar o recurso improcedente, mantendo a sentença recorrida.
Custas: pelo apelante.
Registe e Notifique.

Lisboa, 13/09/2024
Manuela Espadaneira Lopes
Renata Linhares de Castro
Fátima Reis Silva