INSOLVÊNCIA
LIVRANÇA EM BRANCO
AVALISTA
VENCIMENTO
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
Sumário

1. Do contrato celebrado entre a credora reclamante e uma sociedade consubstanciando um contrato de mútuo bancário ou, na configuração de alguns autores, um negócio especial de crédito bancário, no caso um contrato de abertura de crédito em conta corrente – no qual teve intervenção o insolvente, como avalista, mediante a subscrição de uma livrança em branco – decorre, para a sociedade mutuária (i) a obrigação de entrega da quantia correspondente ao capital mutuado e utilizado no termo do prazo do contrato ou no termo da sua prorrogação (cláusula 7ª, número 3), sendo essa contabilização espelhada em conta corrente na conta à ordem respetiva e ainda (ii) a obrigação de, trimestralmente, proceder ao pagamento dos juros devidos, tendo como termo inicial a data de outorga do contrato e “calculados dia a dia” (cláusula 7ª, números 1 e 2), à taxa fixada no contrato, tratando-se de juros remuneratórios, tendo “como escopo retribuir ao credor o preço do capital disponibilizado durante esse período de tempo e como tal exprimindo o rendimento financeiro do mesmo”.

2. Sendo declarada a insolvência da sociedade, encontrando- se o contrato em curso e no 3ª período de renovação, uma vez que não foi denunciado por qualquer dos outorgantes, todas as obrigações da sociedade mutuária emergentes do contrato, de pagamento do capital utilizado e não amortizado, juros, despesas e imposto, venceram-se naquela data, atento o disposto no art.º 91.º, n.º 1 do CIRE, nos termos do qual “a declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva”, consagrando o legislador uma hipótese de exigibilidade antecipada e automática das obrigações, sem necessidade de interpelação do devedor, ainda que o credor deva reclamar a dívida no processo de insolvência para lograr obter o pagamento. 

3. Tendo a credora mutuante reclamado todos os créditos devidos nesse processo e obtendo aí pagamento parcial da dívida, pode igualmente reclamar do avalista, posteriormente também declarado insolvente, para além do remanescente da dívida de capital, o valor alusivo aos juros moratórios uma vez que a responsabilidade do avalista, na sua extensão e conteúdo, deve ser aferida pela do avalizado (art.º 32.º da LULL).

4. Esses juros são os que se venceram depois da declaração de insolvência da sociedade, nos termos do art.º48.º, n.º1, alínea b) do CIRE sendo que, cessada a relação contratual, os juros em causa consubstanciam, necessariamente, juros moratórios, tendo essa natureza; estamos perante juros comerciais, uma vez que têm na sua génese um negócio que configura um ato de comércio, ponderando o disposto nos arts. 2.º e 362.º do Código Comercial, o que afasta a aplicação da taxa de juros civis.

(Da responsabilidade do relator (art.º 644.º, nº 7 do CPC).)

Texto Integral

Acordam as Juízas da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa
  
1.RELATÓRIO
Ação
Processo de insolvência- apenso de verificação do passivo.

Insolventes
Por sentença proferida nos autos principais em 05-01-2021, transitada em julgado, foi decretada a insolvência de HM e RM.

Lista de créditos reconhecidos
O administrador da insolvência juntou aos autos a lista de credores reconhecidos e não reconhecidos, tendo reconhecido à Caixa Geral de Depósitos SA (CGD) um crédito no valor de €768.687,62, como crédito comum, com fundamento em contrato de mútuo.

Impugnações
Em 28-01-2022 os insolventes apresentaram impugnação à lista, no que tange ao crédito reconhecido à Caixa Geral de Depósitos SA alegando, para o efeito, em síntese, que:
- O insolvente marido nada deve à CGD porquanto a livrança em causa nunca foi preenchida e não lhe foi exigido o seu pagamento;
- O pacto de preenchimento autoriza a CGD a preencher a livrança, mas não a legitima a, apenas com base no pacto, demandá-lo enquanto avalista, pelo que sem livrança preenchida não há dívida reclamável do avalista;
- Caso a livrança viesse a ser preenchida agora, a mesma estaria prescrita ao abrigo do art.º 70.º da LULL, pois a devedora originária foi declarada insolvente em 23.04.2012, considerando-se o contrato resolvido nessa data face ao art.º 91.º, n.º 1, do CIRE;
- A dívida originária corresponde a um financiamento à sociedade “Hortec, Lda.” pelo valor de €550.000,00, garantido por hipoteca constituída sobre imóvel daquela sociedade, o qual foi alienado no processo de insolvência pelo valor de €535.000,00, a que acresce a quantia de €4.000,00 de que o empréstimo foi amortizado, pelo que o valor em dívida corresponde a €11.000,00 acrescido de juros e não o valor de €150.210,71 aqui peticionado; 
- Em face da resolução do contrato com a declaração de insolvência da devedora originária, os juros a contabilizar seriam os aplicáveis às pessoas singulares, à taxa de 4%, no valor de €4.195,07;
- E, mesmo a admitir-se o valor de €150.210,71, os juros moratórios seriam no valor de €57.285,84, pelo que o valor total seria de €207.496,55 e não o peticionado.
Pugnaram pelo não reconhecimento do crédito da CGD ou, a admitir-se, ser no valor de €15.195,07 ou, quando muito, €150.210,71.

Resposta
Em 10-02-2022 a CGD apresentou resposta à impugnação dos insolventes propugnando pela improcedência da impugnação
Alega, em síntese, que:
- O insolvente marido reconhece a sua qualidade de avalista do contrato de mútuo subjacente, pelo que a CGD pode reclamar créditos com base em livrança em branco, prevista e admitida nos arts. 10.º e 77.º da LULL;
-A entrega da livrança em branco implica a vinculação imediata dos signatários dos títulos e outorgantes às obrigações decorrentes, quer das obrigações cambiárias, quer das obrigações subjacentes; não existe limite temporal para o preenchimento do título, inexistindo por isso a prescrição da mesma;
- A CGD reclamou créditos no processo de insolvência da mutuária, sociedade Hortec – Produtos Hortícolas, Lda., que correu termos no Tribunal Judicial desta Comarca, Juízo de Comércio de Vila Franca de Xira - Juiz 4, proc. n.º …/12.3TBTVD; relativamente ao empréstimo com a referência interna n.º PT …., garantido pela hipoteca registada sob a Ap. 4402 de 2010/04/30, foi reclamada a quantia global total de € 569.466,86; do produto da venda feita nesse processo a CGD apenas recebeu, em 18.12.2018, o montante global total de €415.365,21, conforme rateio final elaborado nesses autos;
- Do valor total recebido, a quantia de €2.919,71 foi aplicada na liquidação da operação PT … e o remanescente, €412.445,50 (€415.365,21 - €2.919,71), foi aplicado para amortização parcial do empréstimo com a referência interna n.º PT …., nos seguintes termos:


Valor em dívida à data de
17.12.2018 (€)
Valor aplicado em 18.12.2018
(€)
Valor que permanceu em dívida em 18.12.2018 (€)
Capital
546.000,00
395.789,29
150.210,71
Juros Remuneratórios
13.121,96
13.121,96
0,00
Juros Moratórios
551.206,79
0,00
551.206,79
Comissões
2.060,64
2.060,64
0,00
Impostos
23.521,87
1.473,61
22.048,26
Total:
1.135.911,26
412.445,50
723.465,76


Sobre o capital em dívida, €150.210,71, acrescem os respetivos juros de mora, calculado à taxa contratual de 15,450% (11,450% + sobretaxa de mora 4%) (arts. 38.º e 39.º da resposta).
- Razão pela qual, o crédito da CGD, reportado a 09-11-2021, decorrente da supra assinalada operação ascende ao montante global de € 768.687,62, nos seguintes termos (art.º 40.º da resposta):


Operação
Capital em dívida (€)
Juros de Mora (€)
Total (€)
Natureza do Crédito
PT …
150.210,71
618.476,91
768.687,62
comum

Por outro lado, “[t]endo a CGD legitimamente reclamado créditos com base no contrato, e não na livrança, pode peticionar os respectivos juros de mora, calculados à taxa prevista nesse contrato – contrato esse confessado pelos Insolventes - (cfr. cláusula 13ª do doc. 1 junto à petição de reclamação de créditos), de 15,450% (11,450% + sobretaxa de mora 4%), sobre o capital em dívida” (art.º43.º);
Concluindo como segue:
“45.º Tanto o contrato que fundamenta a reclamação de créditos apresentada pela CGD, como o aval prestado pelo Insolvente HM, são actos de comércio – cfr. art.ºs 2º e art.º 362.º, ambos do Código Comercial.
46.º Pelo que é totalmente descabida e desprovida de qualquer fundamento, de facto e de Direito, a pretensão dos Insolventes, de pretensa aplicação da taxa supletiva de juros civis, pelo que aqui se impugna expressamente o art.º 20º da petição de impugnação. 
47.º Mesmo que assim não fosse, o aqui se concebe apenas por hipótese de raciocínio, sem com tal conceder ou transigir, a verdade é que, in casu, as partes estipularam a taxa de juro que consta da cláusula 13ª do doc. 1 junto à petição de reclamação de créditos, pelo que, sempre seria a mesma devida, atento o disposto no art.º 559º, n.º 2 do CPC.   
48.º Caem assim inapeladamente por terra os fundamentos para a presente impugnação, impondo-se desde já o seu indeferimento”.

Plano de Insolvência
Nos autos principais, os insolventes apresentaram Plano de Insolvência, o qual foi aprovado e homologado por sentença proferida em 07.09.2022.

Decisão recorrida
Na sequência de requerimento apresentado pelos insolventes os presentes autos prosseguiram apenas para apreciação da impugnação, por estes, do crédito da CGD.
Em sede de tentativa de conciliação, as partes não chegaram a acordo prescindindo, ambas, das testemunhas arroladas.
Atendendo à inexistência de prova a produzir nos autos, as partes alegaram em sede de tentativa de conciliação, remetendo para os seus articulados.
Em 16-10-2023 procedeu-se ao saneamento do processo e, consignando-se que “[c]omo supra se referiu, atendendo a que o estado do processo permite, sem necessidade de mais provas, a apreciação da impugnação apresentada, conhecer-se-á, de imediato do respectivo mérito (arts. 136.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e 595.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil)”, proferiu-se decisão com o seguinte segmento dispositivo:
“Em face do exposto, julgo a impugnação apresentada pelos insolventes parcialmente procedente, e, consequentemente reconhece-se o crédito à credora Caixa Geral de Depósitos, S.A. no valor de €768.687,62 (setecentos e sessenta e oito mil seiscentos e oitenta e sete euros e sessenta e dois cêntimos), relativo a aval prestado em livrança subscrita pelo insolvente HM para garantia de crédito de Hortec, porém o mesmo tem a natureza comum sob condição, assim como os juros que se venceram após a declaração de insolvência têm a natureza de subordinados sob condição.
*
Atendendo a que os presentes autos apenas prosseguiram para apreciação do crédito da Caixa Geral de Depósitos, S.A., nada há a determinar quanto aos demais créditos reclamados.
*
Nos termos do disposto no art.º 303.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a actividade processual relativa à verificação e graduação de créditos, quando as custas devam ficar a cargo da massa, não é objecto de tributação autónoma.
Assim, não há lugar a custas.
Registe e Notifique”.

Recurso
Não se conformando, os insolventes apelaram, formulando as seguintes conclusões:
“A) Os Recorrentes não podem aceitar que, face à matéria dada como provada, o Recorrido sobre eles detenha um crédito, sob condição, no valor de €: 768.687,62.
 B) Da Douta Sentença ora recorrida resulta o valor, alegadamente de capital, em dívida, após o Recorrido ter recebido do rateio final da massa insolvente da devedora originária, é de €: 150.210,71 (cento e cinquenta mil, duzentos e dez euros e setenta e um cêntimos).
 C) Sucede que este valor não corresponde ao capital em dívida, mas sim ao remanescente do valor reclamado pelo Recorrido nesse mesmo processo de insolvência, o qual englobou, evidentemente, capital, juros e todos os demais encargos contratualmente previstos, conforme resulta, inelutavelmente, dos pontos 11 e 12 da matéria provada.
 D) A dívida em causa encontra-se vencida e o contrato outorgado entre a devedora originária e o Recorrido resolvido, desde 23.04.2012, data em que aquela entrou em insolvência, por força do disposto no artigo 91º nº 1 do CIRE. 
 E) Estando o contrato resolvido desde 23.04.2012 desde essa data que o juro moratório aplicável aos Recorrentes teria de ser o decorrente do artigo 559º do C.C., atualmente fixados em 4% pela Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril e não os calculados à taxa contratual de 15,450% (11,450% + sobretaxa de mora 4%)” os quais são manifestamente ilegais.
 F) Sendo certo que o Recorrido reclamou no processo de insolvência da devedora originária a quantia de €: 824.793,00 (oitocentos e vinte e quatro mil setecentos e noventa e três euros), sobre este valor teriam os Recorrentes de pagar a taxa de juro legal de 4% entre a data da declaração respetiva ocorrida a 23.04.2012 até ao dia 18.12.2018, data em que o mesmo Recorrido recebeu da massa insolvente da devedora originária a quantia de €: 412.445,50 (quatrocentos e doze mil quatrocentos e quarenta e cinco euros e cinquenta cêntimos), conforme resulta do ponto 16 da matéria provada, o qual decorre da confissão constante do artigo 38º da sua resposta à impugnação de 10.02.2022, referência 11945743, juros estes que assim ascenderiam a €: 219.643,51 (duzentos e dezanove mil seiscentos e quarenta e três euros e cinquenta e um cêntimos).
 G) E, a partir do mencionado 18.12.2018 deveria pagar, sobre o valor remanescente de €: 150.210,71 (cento e cinquenta mil duzentos e dez euros e setenta e um cêntimos), igual juro de 4% até ao dia 02.11.2021, data em que os próprios Recorrentes entraram em insolvência, montante este que ascende a €: 17.284,44 (dezassete mil duzentos e oitenta e quatro euros e quarenta e quatro cêntimos).
 H) Assim, o Recorrido só poderia ter reclamado no presente processo de insolvência o equivalente a €: 219.643,51 + €: 150.210,71 + €: 17.284,44 = €: 387.138,66 (trezentos e oitenta e sete mil cento e trinta e oito euros e sessenta e seis cêntimos) e não o astronómico e ilegal montante de €: 768.687,62, 
 I) Nesta conformidade e tendo por base o supra exposto, tem o crédito sob condição do Recorrido de ser reduzido à quantia de €: 387.138,66 (trezentos e oitenta e sete mil cento e trinta e oito euros e sessenta e seis cêntimos).
 J) O teor da Douta Sentença ora recorrida violou o disposto no artigo 91º nº 1 do CIRE assim como o artigo 559º do C.C.
 Termos em que julgando procedente por provado o presente recurso e fixando, em consequência, o valor do crédito sob condição do Recorrido em €: 387.138,66 estarão V. Exas., Venerandos Desembargadores, a produzir a tão habitual e costumada JUSTIÇA!!!”.

Não foram apresentadas contra-alegações.
Cumpre apreciar.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO
A 1ª instância deu por provada a seguinte factualidade, que resulta “[d]os documentos juntos aos autos e do acordo das partes” [ [1] ]:
1.No dia 29 de junho de 2010, Caixa Geral de Depósitos, S.A. (adiante designada por CGD), aqui reclamante, celebrou com a sociedade Hortec – Produtos Hortícolas, Lda., na qualidade de mutuária, um contrato de empréstimo sob a forma de abertura de crédito em conta corrente com hipoteca e pacto de preenchimento de livrança, mediante o qual lhe concedeu um empréstimo até ao montante de €550.000,00 (quinhentos e cinquenta mil euros), formalizado por escritura pública celebrada no Notariado Privativo da Caixa Geral de Depósitos, S. A., a que foi atribuída a referência interna n.º PT … – conforme documento 1 junto com a reclamação de créditos da CGD junto com a resposta à impugnação desta, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
2. Tal quantia, da qual a mutuária se confessou desde logo devedora, destinava-se a apoiar aquela a ocorrer a necessidades temporárias de tesouraria – conforme documento 1 junto com a reclamação de créditos da CGD junto com a resposta à impugnação desta, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
3. O contrato referido em 1. foi celebrado para vigorar pelo prazo de 6 (seis) meses, automaticamente renovado por períodos iguais e sucessivos, salvo denúncia das partes – conforme documento 1 junto com a reclamação de créditos da CGD junto com a resposta à impugnação desta cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
4. Nos termos do contrato referido em 1. ficou consignado que o capital em dívida venceria juros a uma taxa correspondente à média aritmética simples das taxas Euribor a 6 meses, apurada com referência ao mês imediatamente anterior ao do início de cada período de contagem de juros, arredondada para a milésima de ponto percentual mais próxima e acrescida de um “spread” de 1,75%, donde resultava, na ocasião, a aplicação da taxa de juro nominal de 2,732% ao ano – conforme documento 1 junto com a reclamação de créditos da CGD junto com a resposta à impugnação desta, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
5. No contrato referido em 1. ficou igualmente estipulado que, em caso de mora, os juros seriam calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios que, em cada um dos dias em que se verificasse a mora, estivesse em vigor na CGD para operações ativas da mesma natureza, acrescida de uma sobretaxa até 4 pontos percentuais, a título de cláusula penal – conforme documento 1 junto com a reclamação de créditos da CGD junto com a resposta à impugnação desta, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
6. Pelo contrato referido em 1. e para garantia do empréstimo ali descrito, respetivos juros e despesas, a mutuária Hortec – Produtos Hortícolas, Lda., constituiu a favor da CGD, S.A., hipoteca sobre o prédio urbano, sito em …, freguesia da Silveira, concelho de Torres Vedras, inscrito na matriz sob o artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras sob o nº … da referida freguesia, registada pela inscrição C1, Ap. 4402 de 2010/04/30, para garantia do capital de €550.000,00 e sendo o valor máximo assegurado de €826.925,00 – conforme documento 1 junto com a reclamação de créditos da CGD junto com a resposta à impugnação desta, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
7. Para titular as responsabilidades decorrentes do contrato referido em 1., a mutuária Hortec – Produtos Hortícolas, Lda., subscreveu e entregou à ora reclamante uma livrança em branco avalizada por JM, RM e pelo aqui insolvente HM – conforme documento 1 junto com a reclamação de créditos da CGD junto com a resposta à impugnação desta, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
8. Da quantia mutuada em 30.06.2010, a devedora originária amortizou em 20.06.2011 e 31.10.2011 as quantias de €2.000,00 respetivamente – conforme documento 2 junto com a reclamação de créditos da CGD junto com a resposta à impugnação desta cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
9. Do artigo 18.º do Documento Complementar anexo à Escritura Pública referida em 1., consta: “1. Para titular e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes do empréstimo, a parte devedora entrega à Caixa, neste acto, uma livrança com montante e vencimento em branco, devidamente data, subscrita pela parte devedora e avalizada pessoalmente pelos (…), HM e (…), autorizando, desde já a parte devedora e os avalistas a Caixa a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria Caixa, tendo em conta, nomeadamente, o seguinte: a) A data de vencimento será fixada pela Caixa quando, em caso de incumprimento pela parte devedora das obrigações assumidas, a Caixa decida preencher a livrança; b) A importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança (…)”– conforme documento 1 junto com a reclamação de créditos da CGD junto com a resposta à impugnação desta, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
10. A sociedade Hortec – Produtos Hortícolas, Lda. foi declarada insolvente no âmbito do proc. n.º …/12.3TBTVD que corre termos no Tribunal desta Comarca, Juízo de Comércio de Vila Franca de Xira - Juiz 4, por sentença proferida em 23.04.2012 e transitada em julgado em 12.07.2012, conforme , conforme doc. 1 junto com a impugnação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e referências 4231090 e 4414381 do processo n.º …/12.3TBTVD, consultado no sistema citius pela signatária e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
11. A CGD reclamou créditos no processo de insolvência da mutuária, sociedade Hortec – Produtos Hortícolas, Lda., que correu termos no Tribunal Judicial desta Comarca, Juízo de Comércio de Vila Franca de Xira - Juiz 4, proc. n.º …/12.3TBTVD, conforme documento n.º 2 junto com a resposta à impugnação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no montante total global de €824.793,94 (oitocentos e vinte e quatro mil setecentos e noventa e três euros e noventa e quatro cêntimos), sendo €823.293,76 (oitocentos e vinte e três mil duzentos e noventa e três euros e setenta e seis cêntimos) reclamados a título de créditos garantidos, e o remanescente, €1.500,18, a título de créditos comuns.
12. Na reclamação de créditos referida em 11., foram reclamados os seguintes créditos, conforme documento n.º 2 junto com a resposta à impugnação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido:
- Relativo à operação n.º PT…, a quantia de €1.230,42 a título de capital, €120,42 a título de juros, €129,00 a título de comissões e € 20,34 a título de impostos;
- Relativo à operação n.º PT… – contrato referido em…. – a quantia de €546.000,00 a título de capital, €19.670,66 a título de juros, €2.060,64 a título de comissões e €1.735,56 a título de impostos;
- Relativo à operação n.º PT…, a quantia de €250.000,00 a título de capital, €2.534,45 a título de juros, €952,18 a título de comissões e €340,27 a título de impostos;
13. Os créditos referidos em 12. não foram impugnados naquele processo, tendo aí sido reconhecido e graduado o valor reclamado, conforme referência 1243641 do apenso B do processo n.º …/12.3TBTVD, consultado no sistema citius pela signatária e cujo teor se dá por integralmente reproduzido e documento n.º 4 junto com a resposta à impugnação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, como reclamados.
14. Sobre o imóvel propriedade da mutuária Hortec – Produtos Hortícolas, Lda., referido em 6., encontravam-se registadas as seguintes hipotecas, constituídas a favor da CGD para garantia dos empréstimos a seguir identificados, conforme documentos n.º 2 e 3 juntos com a resposta à impugnação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido:
1)Ap. 4402 de 2010/04/30, para garantia do capital de €550.000,00 e sendo o valor máximo assegurado de €826.925,00 – para garantia do contrato de abertura de crédito em conta corrente, do valor de €550.000,00 (quinhentos e cinquenta mil euros), formalizado por escritura pública celebrada no Notariado Privativo da Caixa Geral de Depósitos, S. A., em 29.06.2010, a que foi atribuída a referência interna n.º PT …;
2) Ap. 4438 de 2010/04/30, para garantia do capital de €250.000,00 e sendo o valor máximo assegurado de €375.875,00 –  para garantia do contrato de abertura de crédito em conta corrente, do valor de €250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), formalizado por escritura pública celebrada no Notariado Privativo da Caixa Geral de Depósitos, S. A., em 29.06.2010, a que foi atribuída a referência interna n.º PT ….
15. O imóvel referido em 6. foi alienado no processo de insolvência mencionado em 10. pelo valor de €: 535.000,00, em março 2014, conforme documento 2 junto com a impugnação cujo teor se dá por integralmente por reproduzido.
16. Do produto da venda do referido imóvel referido em 6. no âmbito do processo de insolvência referido em 10., no valor de €535.000,00, bem como, do produto da venda dos bens móveis, no valor de €80.000,00, e dos outros valores depositados na conta da massa insolvente, no valor de € 20.735,27, a CGD recebeu, em 18.12.2018, o montante global total de €415.365,21, conforme documento n.º 5 junto com a resposta à impugnação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
17. Do valor total recebido e referido em 16., a quantia de €2.919,71 foi aplicada, pela CGD, na liquidação da operação PT ….
18. E o remanescente da quantia referida em 16., no valor de €412.445,50, foi aplicado para amortização parcial do empréstimo com a referência interna n.º PT …, dos quais €395.789,29 para amortização do capital e o remanescente em juros remuneratórios, juros moratórios, comissões e impostos.
19. A livrança referida em 7. e 9. não foi, até à presente data preenchida pela CGD, e ao insolvente HM não foi exigido o seu pagamento;
20. Foi reconhecido nestes autos à CGD, um crédito no valor de €768.687,62, relativamente ao contrato nº PT00352529001311392.

III- FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos apelantes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635.º e 639.º do CPC – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5.º, nº3 do mesmo diploma.
No caso, ponderando as conclusões de recurso, impõe-se apreciar se o valor do crédito reclamado pela credora do insolvente HM, a Caixa Geral de Depósitos SA (CGD), se mostra corretamente fixado, para o que importa, previamente, analisar o contrato celebrado entre as partes.
Efetivamente, os apelantes não se insurgiram quanto à apreciação feita pelo tribunal de 1ª instância relativamente à exceção de prescrição invocada na impugnação – que foi julgada improcedente –, sendo que se mostra igualmente fixada, com trânsito, a caraterização do crédito da CGD como um crédito “sob condição”, ao invés da qualificação feita pelo AI.

2. O acordo outorgado, por escritura pública, entre a credora e a sociedade Hortec-Produtos Hortícolas Lda em 29-06-2010, incluindo o documento complementar que dele faz parte integrante, como expressamente indicado pelos outorgantes e consignado no documento, consubstancia um contrato de mútuo bancário ou, na configuração de alguns autores, um negócio especial de crédito bancário, no caso um contrato de abertura de crédito em conta corrente, tendo os outorgantes estabelecido uma garantia hipotecária sobre imóvel pertencente à sociedade, para além da garantia prestada pelos sócios gerentes com a aceitação da livrança, subscrita em branco  [ [2] ] [ [3] ]. “A abertura de crédito é simples ou em conta corrente: no primeiro caso, o crédito disponibilizado pode ser usado uma vez; no segundo, o cliente pode sacar diversas vezes sobre o crédito, solvendo as parcelas de que não necessite, numa conta-corrente com o banqueiro. Nesta última hipótese há, ainda, que lidar com as regras da conta corrente” [ [4] ].
Assim, por via desse acordo a entidade bancária obrigou-se a conceder à sociedade “um empréstimo sob a forma de abertura de crédito em conta corrente” [ [5] ] até ao montante de 550.000,00€, não se discutindo que a sociedade utilizou esse valor.           
É pertinente ao objeto do recurso especificar algumas cláusulas constantes do referido documento complementar, que a 1ª instância não indicou expressamente, pese embora remeta para o documento, com a habitual fórmula “cujo teor dou por reproduzido” [ [6] ].
Assim, estipularam os contraentes como segue:
“(…) Além do estipulado no instrumento notarial de que este documento é parte integrante são também aplicáveis ao mencionado contrato que fica registado na Caixa sob o número dois mil quinhentos e vinte e nove, barra, zero mil trezentos e onze, barra, trezentos e noventa e dois, as seguintes cláusulas:
“Cláusula 1ª (FINALIDADE)
O empréstimo destina-se a apoiar a parte devedora nas suas necessidades temporárias de tesouraria.
Cláusula 2ª (MONTANTE)   ­
A CAIXA concede à parte devedora, um crédito em conta corrente até ao montante de QUINHENTOS E CINQUENTA MIL EUROS. ­
Cláusula 3ª (PRAZO)
1. O prazo do presente contrato é de seis meses, com início nesta data.
 2. O prazo referido será automaticamente prorrogado por períodos iguais e sucessivos, a menos que a CAIXA ou a parte devedora denunciem o contrato por escrito, com, pelo menos, trinta dias de antecedência, em relação ao termo do prazo que estiver em curso.
3. A parte devedora não goza, porém, do direito de denúncia enquanto se mantiver qualquer importância em dívida ou existir qualquer valor tornado indisponível na conta-corrente.
4. As partes contratantes convencionam, desde já, que as prorrogações previstas na presente Cláusula, bem como eventuais mudanças do número da conta-corrente, não envolvem qualquer novação, mantendo-se na íntegra todas as cláusulas e condições deste contrato, incluindo as garantias. 
(…)
Cláusula 5ª (TAXA DE JURO)
1. O capital em dívida vence juros a uma taxa correspondente à média aritmética simples das taxas EURIBOR a seis meses, apurada com referência ao mês imediatamente anterior ao do início de cada período de contagem de juros, arredondada para a milésima de ponto percentual mais próxima e acrescida de um "spread" de um, vírgula, setenta e cinco por cento, donde resulta, na data da feitura deste contrato, a taxa de juro nominal de dois, vírgula, setecentos e trinta e dois por cento ao ano.
2. Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se a taxa EURIBOR na base de trezentos e sessenta dias divulgada pela Reuters, página Euribor zero um.
3. Caso a taxa EURIBOR não seja divulgada, aplicar-se-á em sua substituição, igualmente convertida para a base de trezentos e sessenta dias a taxa EUROLIBOR para o mesmo prazo ou, na falta de divulgação desta, a taxa resultante da média das taxas oferecidas no mercado monetário do EURO às onze horas de Bruxelas, para o mesmo prazo, por quatro bancos escolhidos pela CAIXA de entre o painel de bancos contribuidores da EURIBOR.
Cláusula 6ª (TAE)      ­
A taxa anual efectiva (TAE), calculada nos termos do Decreto-Lei número 220/94, de 23 de Agosto, na data da feitura deste contrato, é de dois, vírgula, sete mil setecentos e dezoito por cento. Posteriormente, a TAE será calculada com base na fórmula constante do anexo dois do Decreto-Lei número 220/94, por não ser possível fixá-la antecipadamente.        ­
Cláusula 7ª (PAGAMENTO DOS JUROS E DO CAPITAL)
1. Os juros serão calculados dia a dia, sobre o saldo do capital em dívida, e serão devidos postecipada e sucessivamente no termo de cada período de contagem de juros (conforme estipulado no ponto dois), todavia a primeira prestação só será liquidada e cobrada no dia quatro de Agosto do ano dois mil e dez (terceiro dia útil do mês seguinte à data em que a prestação é exigível).
2. Entende-se, para efeitos deste contrato, por período de contagem de juros o trimestre, iniciando-se o primeiro período na data da celebração deste contrato.
3. O capital será reembolsado no termo do prazo do contrato ou, em caso de prorrogação, no termo do último prazo prorrogado, todavia o seu pagamento em qualquer dos casos só será devido no dia quatro do mês seguinte ao mês em que ocorrer o termo do prazo.     ­
Cláusula 8ª (COMISSÕES)
1. O presente contrato fica sujeito às comissões previstas no preçário em cada momento em vigor na CAIXA, publicitado nos termos legais e existente para consulta nas suas Agências, nomeadamente à comissão de processamento e à comissão de falta de provisionamento na conta à ordem, acrescidas dos respectivos impostos.
2. Serão ainda devidas as seguintes comissões:       
a) comissão de disponibilidade e gestão, de um por cento ao ano, sobre o montante do financiamento calculada e cobrada trimestral e postecipadamente a contar desta data.         
b) comissão de prorrogação de dois, vírgula, cinco por mil, sobre o montante do crédito prorrogado, calculada e cobrada no início de cada prorrogação da presente conta corrente.         
(…)
Cláusula 11ª (CAPITALIZAÇÃO DE JUROS)      
A CAIXA terá a faculdade de, a todo o tempo, capitalizar juros remuneratórios correspondentes a um período não inferior a três meses e juros moratórios correspondentes a um período não inferior a um ano, adicionando tais juros ao capital em dívida e passando aqueles a seguir todo o regime deste.
Cláusula 12ª (DESPESAS)
1. Correrão por conta da parte devedora e serão por ela pagas quaisquer despesas ou encargos, incluindo fiscais, relacionados com a celebração, segurança, execução e extinção deste contrato e respectivas garantias, e, bem assim, todas as despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo honorários de advogados e de solicitadores, que a CAIXA haja de fazer para garantia e cobrança do seu crédito.
2. Se a parte devedora não pagar atempadamente qualquer das mencionadas despesas, poderá a CAIXA fazê-lo, se assim o entender, tendo, nesse caso, direito ao respectivo reembolso.           Cláusula 13ª (MORA)
Em caso de mora, a CAIXA poderá cobrar, sobre o capital exigível e juros correspondentes aos períodos mínimos legalmente previstos, comissões e outros encargos, juros calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios que, em cada um dos dias em que se verificar a mora, estiver em vigor na CAIXA para operações activas da mesma natureza (actualmente onze, vírgula, quatrocentos e cinquenta por cento ao ano), acrescida de uma sobretaxa até quatro por cento ao ano e a título de cláusula penal.
(…)    
Cláusula 16ª (INCUMPRIMENTO/EXIGIBILIDADE ANTECIPADA)
1. A CAIXA poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento, designadamente, em caso de:
a) Incumprimento pela parte devedora ou por qualquer dos restantes contratantes de qualquer obrigação decorrente deste contrato;     
b) Incumprimento, pela parte devedora, de quaisquer obrigações decorrentes de outros contratos celebrados ou a celebrar com a CAIXA ou com empresas que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo;
c) Venda, permuta, arrendamento, cedência de exploração e qualquer forma de alienação ou oneração, incluindo a realização de quaisquer contratos-promessa, sem o prévio acordo, escrito, da CAIXA, dos bens ora dados em garantia e, bem assim, a desvalorização de tais bens que não resulte de uso corrente;
d) Propositura contra a parte devedora de qualquer execução, arresto, arrolamento ou qualquer outra providência judicial ou administrativa que implique limitação da livre disponibilidade dos seus bens;
e) Insolvência da parte devedora, ainda que não judicialmente declarada, ou diminuição das garantias do crédito.
2. Caso ocorra qualquer uma das situações referidas no número anterior da presente cláusula, a CAIXA fica com o direito de considerar imediatamente vencidas e exigíveis quaisquer obrigações da parte devedora emergentes de outros contratos com ela celebrados”.
Do contrato celebrado decorre, pois, para a sociedade mutuária (i) a obrigação de entrega da quantia correspondente ao capital mutuado e utilizado no termo do prazo do contrato ou no termo da sua prorrogação (cláusula 7ª, número 3), sendo essa contabilização espelhada em conta corrente na conta à ordem respetiva e ainda (ii) a obrigação de, trimestralmente, proceder ao pagamento dos juros devidos, tendo como termo inicial a data de outorga do contrato (salvo a 1ª prestação, que foi fixada para o dia 04-08-2010) e “calculados dia a dia” (cláusula 7ª, números 1 e 2), à taxa fixada no contrato (cláusulas 5ª e 6ª),   tratando-se de juros remuneratórios, tendo “como escopo retribuir ao credor o preço do capital disponibilizado durante esse período de tempo e como tal exprimindo o rendimento financeiro do mesmo” [ [7] ] [ [8] ].
Ou seja, no caso, as partes não estabeleceram qualquer acordo pelo qual se tenha fracionado a obrigação de entrega do capital mutuado [ [9] ] – essa prestação teria de ser realizada, no máximo, aquando do terminus do contrato –, sendo as prestações fracionadas alusivas, exclusivamente, à dívida de juros (remuneratórios). 

3. Assim delimitado o conteúdo da regulação contratual vejamos, então, a fundamentação expressa na decisão recorrida a propósito do valor do crédito reclamado (de 768.697,62€) reconhecido pelo AI, contra o qual o insolvente se insurgiu na impugnação e, agora, em recurso.
Lê-se na decisão:
“Assim, dúvidas não restam de que a validade e existência do aval prestado pelo insolvente nasceu com a contratualização do mútuo e com a subscrição da livrança enquanto avalista e não depende do preenchimento da mesma.
 Note-se que do contrato de mútuo não decorre qualquer obrigação imediata por parte do insolvente HM, mas sim enquanto avalista em livrança subscrita por este, pelo que apenas nesta qualidade pode e é o mesmo demandado nestes autos.
 Assim sendo, sendo o aval válido e eficaz, e atendendo ao que consta do artigo 18.º do Documento Complementar anexo à Escritura Pública, temos que o insolvente HM é responsável pelo pagamento da quantia em dívida a título de capital, bem como juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança, como consta do n.º 1, al. b) do art.º18.º do Documento Complementar em apreço – ponto 9 dos factos assentes – sendo que o mesmo consubstancia o pacto de preenchimento da livrança que o insolvente não desconhece, pelo que não pode alegar que a mesma não lhe é devida.
 Note-se que em sede de Plano de Insolvência, apresentado nos autos principais em 15.11.2021 e posteriormente rectificado em 28.04.2022, os insolventes reconhecem à CGD um crédito no valor de € 150.210,71. Ou seja, não obstante o Plano inicial ser anterior à impugnação apresentada nestes autos, temos que quer antes, quer depois da impugnação, os insolventes reconhecem, pelo menos, à CGD um crédito correspondente ao capital em dívida pela Hortec e que não foi pago no processo de insolvência desta. Tendo sido tal Plano de Insolvência apresentado, votado e homologado nos autos principais, a impugnação do crédito da CGD neste apenso de reclamação de créditos, pelo menos no que tange à dívida de capital, configura uma actuação em abuso de direito, por venire contra factum proprium, dos insolventes pois no mesmo processo reconhecem um crédito à CGD que depois (e antes) impugnam neste apenso.
Em face do que fica dito, impõe-se concluir que o insolvente HM é responsável pelo pagamento à CGD da quantia relativa ao capital em dívida - €150.210,71, face ao valor do imóvel vendido no processo de insolvência da Hortec e demais bens aí liquidados e o valor imputado a título de capital ao contrato de mútuo que a CGD celebrou com a Hortec, e cujos valores se deram como assentes – mas também é responsável pelo pagamento de juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança, como supra exposto.
 Tal crédito assume a natureza de comum, uma vez que não beneficia de qualquer privilégio ou garantia e considerando que não é subordinado.
Porém, surge a questão é a de saber se este crédito é sob condição ou não.
(…)
Entendemos, tal como a jurisprudência maioritária, que este crédito deve ser qualificado como sob condição enquanto a livrança não se mostrar preenchida, como é o caso – veja-se, neste sentido, para além dos já citados, os Acs. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12.05.2022 (Proc. n.º 1516/14.7TBMTJ-A.L2-2), do Supremo Tribunal de Justiça, de 15.05.2013 (Proc. n.º 3057/11.5TBGDM-A.P1.S1), do Tribunal da Relação de Évora, de 23.03.2017 (Proc. n.º 1973/16.7T8STR-A.E1), do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13.11.2018 (Proc. n.º 219/18.8T8SEI-A.C1), todos in www.dgsi.pt. 
Em face do exposto, reconhece-se o crédito à credora CGD no valor reclamado de €768.687,62 (setecentos e sessenta e oito mil seiscentos e oitenta e sete euros e sessenta e dois cêntimos), relativo a aval prestado em livrança subscrita pelo insolvente HM para garantia de crédito de Hortec, porém o mesmo tem a natureza comum sob condição, atento o não preenchimento da livrança que titula este crédito, assim como os juros que se venceram após a declaração de insolvência têm a natureza de subordinados sob condição”.
Pese embora os insolventes tenham suscitado expressamente na impugnação questão alusiva ao valor da dívida, nos moldes que resultam da impugnação apresentada, na decisão recorrida não se encontra, a esse respeito, qualquer outra apreciação específica para além da passagem assinalada, afigurando-se que, resolvida a questão alusiva à qualificação do crédito como sob condição, quanto ao mais o tribunal recorrido não cuidou de fundamentar suficientemente o seu juízo valorativo a propósito da matéria em apreço, não se alcançando as razões pelas quais a Juiz concluiu que o valor em dívida corresponde ao valor reclamado, de 768.687,62€.
Vejamos, antes de mais, os termos em que o crédito foi reclamado perante o AI, elemento de natureza documental que, entre outros, foi junto aos autos pela apelada CGD aquando da apresentação da resposta à impugnação.
Resulta desse documento que nestes autos a reclamante peticionou o pagamento, exclusivamente, da dívida alusiva à “operação PT …”, tendo por base o acordo celebrado entre o insolvente e a reclamante por escritura pública outorgada em 29-06-2010, consubstanciando o referido empréstimo à sociedade, a que já se aludiu, até ao limite de 550.000,00€ estando assente que, tendo o contrato início nessa data, vigorando pelo prazo de seis meses (ou seja, com termo em 29-12-2010) sendo prorrogado por períodos iguais e sucessivos salvo caso de denúncia por algum dos contraentes (cfr. a cláusula 3ª do documento complementar), aquele valor foi disponibilizado à sociedade mutuária, que procedeu à amortização das quantias de 2.000,00€ (em 20-06-2011) e de 2.000,00€ (em 31-10-2011), ficando o capital mutuado reduzido a 546.000,00€.
Mais alegou a apelada que esse crédito foi peticionado no processo de insolvência da sociedade mutuária e que em virtude do pagamento que aí lhe coube, “permanece em dívida, à data de declaração de insolvência (05.01.2021) a quantia de € 150.210,71 (cento e cinquenta mil, duzentos e dez euros e setenta e um cêntimos), a título de capital” (art.º16.º), acrescentando como segue (cfr. os arts. 11.º a 15.º da reclamação):
“11.º
Considerando o não cumprimento das obrigações de natureza pecuniária por parte do insolvente, assiste legitimidade à ora reclamante para reclamar judicialmente o respectivo pagamento.
12.º
O crédito da ora reclamante, reportado a 09.11.2021, decorrente da supra assinalada operação ascende ao montante global de €768.687,62 (setecentos e sessenta e oito mil, seiscentos e oitenta e sete euros e sessenta e dois cêntimos), nos seguintes termos:


Operações
Capital em dívida (€)
Juros
Comissões Despesas
Total
Natureza do Crédito
PT …
150.210,71
618.476,91
0,00
0,00
768.687,62
comum

Cfr. Doc. 3.
13.º
Sobre o valor em dívida, acrescem os respectivos juros de mora, calculados às taxas infra indicadas:

Operações
Taxa de juro
PT …
11,450%+4%

             
14.º
Sendo que, sobre a totalidade do valor dos juros calculados a final, incidirá a taxa de 4%, nos termos do nº 17.2.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo.
15.º
Pelo que, deverá ser reconhecido o crédito ora reclamado no valor de €768.687,62 (setecentos e sessenta e oito mil, seiscentos e oitenta e sete euros e sessenta e dois cêntimos)”.
Não cuidou a reclamante de explicitar os moldes em que procedeu à imputação do pagamento (art.785.º do Cód. Civil), nem como procedeu ao cômputo dos juros que indica serem devidos, desde logo porque não é indicado o período e quantia(s) a que os mesmos se reportam. No entanto, com a reclamação juntou documentos (que são suscetíveis de colmatar as lacunas referidas), nomeadamente a “nota de débito n.º 52918/2021” e ainda a “demonstração da nota de débito n.º 52918/2021” [ [10] ]. Aquele documento dá nota da responsabilidade do devedor, como avalista, relativamente ao aludido contrato de 29-06-2010 e respetiva operação (n.º …) em que refere como “montante em dívida/em cobrança” o valor de 768,687,62€, referindo, sob a epígrafe “desdobramento da dívida”:
“Capital                                                    150.210,71
Juros de 19/06/2012 a 09/11/2021           618.476,91
Despesas                                                            0,00
Comissões                                                          0,00
Imposto Selo 17.1.4                                           0,00
A partir de 09/11/2021 exclusive, a dívida será agravada diariamente em 63,58 EUR, encargo correspondente a juros calculados à taxa de 15,4500000 %, acrescida das despesas extrajudiciais que a Caixa Geral de Depósitos efectue de responsabilidade do devedor.
De harmonia com o Art.º 8.º do Decreto-Lei n.º 58/2013, de 8 de maio, aquela taxa incluiu a sobretaxa de 4,0000000 % ao ano.
Sobre os juros e comissões a cobrar incidirá Imposto de Selo à taxa em vigor, se aplicável”.
E no segundo documento (“demonstração da nota de débito n.º 52918/2021” contabilizam-se, em 09-11-2021 os “juros de mora” em 458.353,44€, a que acresce a “sobretaxa” de 160.123, 47€, ou seja, o montante global de 618.476,91€.
Ou seja, da quantia recebida no aludido processo de insolvência da sociedade devedora, a reclamante imputou o pagamento de parte do valor, com referência à operação aqui em causa, ao capital em dívida, daí resultando o remanescente, ainda por pagar, a título de capital, de 150.210,71€ (546.000,00€ - 395.789,29€).
Esta imputação de pagamento feita pela credora é favorável à entidade devedora porquanto parte substancial do pagamento serviu para amortizar a dívida de capital (cfr. o art.º785.º do Cód. Civil) [ [11] ] e do exposto resulta que permaneceu inalterada a dívida de juros, que a credora havia computado no valor de 618.476,91€, tendo por referência o período de 19-06-2012 a 09-11-2021, sem qualquer cômputo de valores alusivos a “despesas”, “comissões” e “imposto de selo”.
É precisamente a soma desses valores, no montante de 768.687,62€ (150.210,71€ + 618.476,91€), que a credora reclamou nestes autos, peticionando na reclamação apresentado ao AI o reconhecimento desse crédito com vista à sua verificação e graduação.
Assim sendo e independentemente de quaisquer considerações alusivas ao instituto do abuso de direito, de que se socorreu a decisão recorrida, não tem qualquer fundamento a impugnação apresentada pelos insolventes, que pretendem que o valor de venda do prédio dado em garantia por via da constituição de hipoteca, no montante de 535.000,00€, fosse diretamente imputado à dívida em causa (546.000,00€), assim concluindo pelo “valor remanescente de capital de 11.000,00€)” (arts. 14.º a 16.º da impugnação) olvidando que o valor de venda foi canalizado, necessariamente, por imperativo legal, em parte, ao pagamento das despesas da massa (art.º172.º do CIRE) – daí que o valor recebido fosse inferior, no montante de 415.365,21€, conforme consta do número 16 da factualidade assente (cfr. a alegação vertida no art.º35.º da resposta) – e, por outro lado, dessa quantia, apenas o valor de 412.445,50€, como indicado pela credora e aceite pelos apelantes foi destinado ao pagamento da dívida alusiva à operação em causa, conforme resulta dos números 17 e 18 dos factos provados, sendo certo que a apelante não questionou a factualidade dada por assente porquanto não impugnou o julgamento de facto vertido na decisão recorrida.
Assenta-se, pois, nesse valor de capital que permanece em dívida, de 150.210,71€, não tendo qualquer cabimento a argumentação exposta na impugnação apresentada, como não tem fundamento a argumentação exposta no recurso, em que os apelantes insistem, contra toda a evidência, que “[a]ssim, o que temos “in casu” é que, do valor reclamado pelo Recorrido em tal processo de insolvência ficou por liquidar a predita quantia de €: 150.210,71 (cento e cinquenta mil, duzentos e dez euros e setenta e um cêntimos)” (corpo das alegações e cfr. as conclusões B) e C), olvidando os apelantes, nomeadamente, a dívida de juros, sendo que os apelantes nunca invocaram que a sociedade e/ou os avalistas procederam a qualquer pagamento dos valores devidos a esse título, para além dos valores pagos no referido processo de insolvência.

4. Entendem ainda os apelantes que o contrato em causa se mostra “resolvido, desde 23.04.2012, data em que aquela (sociedade) entrou em insolvência por força do disposto no art.º 91.º, n.º 1 do CIRE)” (conclusão D), pelo que “[e]stando o contrato resolvido desde 23.04.2012 desde essa data que o juro moratório aplicável aos Recorrentes teria de ser o decorrente do artigo 559º do C.C., atualmente fixados em 4% pela Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril e não os calculados à taxa contratual de 15,450% (11,450% + sobretaxa de mora 4%)” (conclusão E), tese que já tinham defendido na impugnação (cfr. os artigos 17.º a 21.º da impugnação).
A dinâmica processual que resulta dos autos, com referência aos dois processos de insolvência e exclusivamente à operação que ora interessa é a seguinte, ponderando a data de outorga do contrato em causa (em 29-06-2010):
- A sociedade foi declarada insolvente em 23-04-2012 no processo n.º …/12.3TRTVD, com proposta de rateio apresentada em 17-10-2018 (o pagamento ocorreu, recorde-se, em 18-12-2018);
- Nesse processo a credora reclamou créditos e fixou o valor global do crédito, reportado àquela data (23-04-2012) em 824.793,94€, sendo que quanto à operação ora em causa o valor reclamado foi de 569.466,86€, assim discriminado:
- 546.000,00€ a título de “capital”;
- 19.670,66€ a título de “juros até 23/04/2012 calculados à taxa de 15,45€, a qual incluiu a sobretaxa de 4%prevista no art.º 7.º do Decreto-Lei nº 344/78 de 17 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto- Lei n.º 83/86, de 06 de Maio”;
- 2.060,64 € a título de “comissões”;
- 1.735,56€ a título de “impostos” (art.º 35.º da reclamação aí apresentada) [ [12] ];     
- Nos presentes autos o devedor avalista foi declarado insolvente em 05-01-2021 e a credora apresentou ao AI a reclamação de créditos em 06-12-2021, fixando o mesmo nos moldes já indicados.
Donde, à data em que a sociedade foi declarada insolvente, o contrato encontrava-se em curso e já no 3ª período de renovação, uma vez que não foi denunciado por qualquer dos outorgantes, o que significa que todas as obrigações da sociedade mutuária emergentes do contrato, de pagamento do capital utilizado e não amortizado [ [13] ], juros [ [14]  ], despesas e imposto, se venceram naquela data, atento o disposto no art.º91.º, n.º 1 do CIRE, nos termos do qual “a declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva”, consagrando o legislador uma hipótese de exigibilidade antecipada e automática das obrigações, sem necessidade de interpelação do devedor [ [15] ], ainda que o credor deva reclamar a dívida no processo de insolvência para lograr obter o pagamento.  
A invocação da figura da resolução não tem cabimento porque não foi invocado qualquer facto que suporte essa alegação, desde logo a existência de qualquer declaração resolutiva, tendo em vista a destruição da relação contratual.
Considera-se no entanto que, com a declaração de insolvência da sociedade, o vencimento antecipado das obrigações, decorrente do referido art.º 91.º, n.º 1 do CIRE, no contexto factual que o processo evidencia – subsequentemente, foi apresentada reclamação de créditos pela credora peticionando a entrega do capital mutuado e não amortizado pela sociedade devedora, não olvidando a finalidade do contrato, destinando-se o empréstimo a “apoiar a devedora nas suas necessidades temporárias de tesouraria”, conforme a cláusula 1ª –, tem como consequência inevitável a cessação da relação contratual, salientando-se que nos termos do art.º116.º do CIRE a declaração de insolvência implica o termo dos contratos de conta corrente em que o insolvente seja parte, com o encerramento das contas respetivas [ [16] ]  [ [17] ].
Donde, tendo o contrato cessado com a declaração de insolvência da sociedade devedora e estando aqui em causa avaliar da responsabilidade do sócio-gerente avalista, que subscreveu uma livrança em branco dessa forma garantindo o cumprimento da obrigação daquela sociedade, conclui-se que a credora tinha direito a reclamar do avalista, posteriormente também declarado insolvente, para além do remanescente da dívida de capital, nos moldes já analisados, o valor alusivo aos juros moratórios [ [18] ] uma vez que a responsabilidade do avalista, na sua extensão e conteúdo, deve ser aferida pela do avalizado (art.º32.º da LULL). Sem prejuízo de se aceitar que “[a] perda do benefício do prazo resultante da insolvência de um só dos devedores, quando a dívida seja solidária, não se estende aos outros co-obrigados, desde que não tenha sido estipulada convenção em contrário ou não se verifique, também quanto a eles, causa determinante dessa perda” [ [19] ], não é esse o caso dos autos, atenta a especial configuração da responsabilidade do avalista quando subscreve a referida obrigação cambiária (livrança).
Esses juros são os que se venceram depois da declaração de insolvência da sociedade, nos termos do art.º 48.º, n.º1, alínea b) do CIRE [ [20] ] sendo que, cessada a relação contratual, os juros em causa consubstanciam, necessariamente, juros moratórios, tendo essa natureza.
Estamos perante juros comerciais, uma vez que têm na sua génese um negócio que configura um ato de comércio, ponderando o disposto nos arts. 2.º [ [21] ] e 362.º [ [22] ] do Código Comercial, o que afasta a aplicação da taxa de juros civis [ [23] ], não tendo fundamento a pretensão do apelante que entende que os juros revestem a natureza de juros civis, sendo devidos à taxa de 4% (conclusões E), F) e G).
Tratando-se, pois, de juros comerciais e tendo as partes convencionado a taxa respetiva, acrescida de uma cláusula penal (cfr. a cláusula 13.ª do documento complementar) é essa a taxa (global) devida e não a pretendida pelos apelantes, tendo a credora razão quando refere, no art.º39.º da resposta à impugnação, que sobre o capital em dívida acrescem os respetivos juros de mora calculados à taxa contratual fixada acrescida da sobretaxa de 4%, nos termos da mesma cláusula.
Não tendo o impugnante/apelante questionado a correção do cômputo feito pela credora reclamante, mas tão somente os critérios pelos quais esta se pautou para chegar ao valor reclamado para além do capital, não procedendo, pelas razões já apontadas, a tese dos apelantes quanto a esses critérios, soçobra, necessariamente, a impugnação apresentada e o recurso, devendo os juros moratórios ser liquidados à taxa contratual convencionada entre os outorgantes, incluindo o próprio avalista, com aplicação, ainda, da cláusula penal.
Refira-se que a conclusão expressa pelos apelantes, quando aludem ao “astronómico e ilegal montante de €: 768.687,62” (conclusão H), não tem em conta o longo período decorrido, em que os juros se continuaram a vencer, nem a taxa convencionada, claramente acima, até, da taxa legal dos juros moratórios comerciais [ [24] ], sendo que não se coloca, nem foi colocada, qualquer questão alusiva à admissibilidade/legalidade da taxa e cláusula penal convencionadas. Assim, os juros moratórios são devidos, à taxa (global) convencionada:
- Sobre o capital de 546.000,00€ desde 23-04-2012 até 17-12-2018;
- Sobre o capital (remanescente) de 150.210,71€ desde 18-12-2018 até 09-11-2021 (data final a que se ateve a credora para o cômputo dos juros moratórios como resulta do art.º 12.º da reclamação apresentada ao AI e art.º 40.º da resposta à impugnação). 
Em suma, improcedem as conclusões de recurso, devendo a responsabilidade do avalista perante a credora reclamante ser computada, no que respeita aos juros peticionados, nos moldes indicados na reclamação apresentada ao AI.
*
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.
Notifique.
Lisboa, 13-09-2024
 Isabel Fonseca
 Amélia Sofia Rebelo
Renata Linhares de Castro
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[1] Em sede de motivação, lê-se na decisão recorrida:
“Os pontos 1 a 16 e 20 provaram-se com base nos documentos juntos aos autos, bem como consulta no sistema citius pela signatária do processo n.º 901/12.3TBTVD. Os pontos 17 a 19 provaram-se por confissão, nomeadamente porque os pontos 17 e 18 da resposta à impugnação, que modificavam o direito dos impugnantes não foi por estes impugnado, sendo certo que os mesmos não estão em oposição com a defesa considerada no seu todo, porquanto os insolventes não contestam a forma de cálculo do capital remanescente, e até o admitem como possível – art.º474.º, n.º 2, do Código de Processo Civil -, e no que tange ao ponto 19 o mesmo não foi impugnado pela CGD na sua oposição, pelo que, nos termos do mencionado artigo 474.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, o mesmo se tem por confessado”.
[2] Escritura em que tiveram intervenção, na qualidade de únicos sócios-gerentes da sociedade, o insolvente e outro, sendo que estes subscreveram ainda o referido documento complementar pelo qual, para além do mais, foi clausulada a garantia emergente da livrança.
[3] O contrato não está tipificado na lei portuguesa e o respetivo regime “encontra-se disperso por um conjunto heterogéneo de normas legais” (Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, 2017, Coimbra, Almedina, p. 498); no Cód. Comercial, estabelece-se sob o Título IX (Das operações de banco), no art.º 362.º (“Natureza comercial das operações de banco) que “[s]ão comerciais todas as operações de banco tendentes a realizar lucros sobre numerário, fundos públicos ou títulos negociáveis, e em especial as de câmbio, os arbítrios, empréstimos, descontos, cobranças, aberturas de créditos, emissão e circulação de notas ou títulos fiduciários pagáveis à vista e ao portador”. Cfr., ainda, a regulação estabelecida nos arts. 394.º a 396.º, inserida no Título IX quanto ao “empréstimo”. 
[4] Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 2008, Coimbra, Almedina, p. 542, aludindo o autor que o mútuo bancário “constitui o grande tronco comum de vários outros tipos bancários de crédito” (p. 540). Vide, anda, Januário Gomes, Contratos Comerciais, 2013, Coimbra, Almedina, pp. 321-324 e Engrácia Antunes, obr. cit., pp. 497-501.  
[5] Atente-se na cláusula 4ª inserida no documento complementar:
“Cláusula 4ª (UTILIZAÇÃO DOS  FUNDOS: CONDIÇÕES  E MOVIMENTO DA CONTA-CORRENTE)
1. A parte devedora poderá utilizar a conta corrente mediante pedido escrito efectuado com uma antecedência mínima de três dias úteis ou sempre que, após a apresentação de documentos que determinem débitos na conta de depósito à ordem adiante indicada, se verifique esta não ter provisão suficiente para o efeito.
2. As utilizações fazem reduzir, pelo valor das mesmas, o limite de crédito; os reembolsos de capital fazem aumentar, por valor idêntico aos mesmos, o limite existente à data em que se efectivarem.
3. A soma dos montantes utilizados e não reembolsados, acrescida dos montantes que se encontrem indisponibilizados nos termos do número seguinte da presente Cláusula, não poderá exceder o montante global do crédito.
4. A CAIXA poderá tornar indisponíveis os montantes necessários ao ressarcimento de eventuais créditos que detenha ou venha a deter sobre a parte devedora, por força de outras operações com esta contratadas e que se encontrem em situação de incumprimento, ficando desde já autorizada a debitar a conta corrente para o efeito de ressarcimento das responsabilidades emergentes dos respectivos contratos.
5. Ocorrendo qualquer facto que determine a exigibilidade antecipada do presente contrato, a CAIXA poderá suspender ou fazer cessar o direito a novas utilizações.
6. Os movimentos a débito e a crédito da conta corrente terão como contrapartida os correspondentes movimentos a crédito e a débito da referida conta de depósito à ordem.
7. Os movimentos a débito e a crédito anteriormente mencionados terão necessariamente como valor, múltiplos de dez mil euros, não podendo, em qualquer caso e simultaneamente, serem inferiores a dez mil euros” (sublinhado nosso).
[6] O documento não foi junto pela credora em formato editável.
[7] Acórdão do STJ n.º 7/2009, de 25-03-2009, que uniformizou jurisprudência no sentido de que “[n]o contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados”, acessível in www.dgsi.pt, bem como todos os demais aqui referidos sem qualquer outra menção.
[8] “Os juros são os frutos civis, constituídos por coisas fungíveis, que representam o rendimento de uma obrigação de capital. O seu montante varia em função de três factores, que são: a) o valor do capital devido; b) o tempo durante o qual se mantém a privação deste por parte do credor; c) a taxa de remuneração fixada por lei ou estipulada pelas partes” (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 1982, vol. I, Coimbra, Almedina, p. 778).        
[9] Como se concluiu no acórdão do STJ de 06-07-2021, processo: 6261/19.4T8ALM-A.L1.S1 (Relator: Fátima Gomes), “[e]m contratos de mútuo oneroso, o acordo pelo qual se fracciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fracciona é uma quota de amortização”.
[10] Salienta-se uma das cláusulas insertas no aludido documento complementar:
“Cláusula 17ª (MEIOS DE PROVA)
1. Fica convencionado que o extracto de conta do empréstimo e, bem assim, todos os documentos de débito emitidos pela CAIXA relacionados com o presente contrato, serão havidos para todos os efeitos legais e, designadamente, para efeitos do disposto no artigo cinquenta do Código de Processo Civil, como documentos suficientes para prova e determinação dos montantes em dívida, tendo em vista a exigência, a justificação ou a reclamação judicial dos créditos que deles resultarem em qualquer processo.
2. As partes acordam, ainda, que o registo informático ou a sua reprodução em qualquer suporte constituem meios de prova das operações ou movimentos efectuados”.       
[11] Saliente-se que do documento completar anexo à escritura que titula o contrato constam as seguintes cláusulas:
“Cláusula 10ª (FORMA DOS PAGAMENTOS)
1. Todos os pagamentos a que a parte devedora fica obrigada serão efectuados através de débito na sua conta de depósitos à ordem atrás referida, que a parte devedora se obriga a manter devida e atempadamente provisionada para o efeito, ficando desde já a CAIXA autorizada a proceder às respectivas movimentações.
2. No caso de não se mostrar possível o pagamento integral dos créditos emergentes do presente contrato nas datas convencionadas e pelo meio indicado no número anterior, fica igualmente a CAIXA autorizada a debitar pelo valor dos montantes em dívida e, independentemente de declaração, quaisquer outras contas existentes em nome da parte devedora e ou dos FIADORES, de que a CAIXA seja depositária, para o que os mesmos FIADORES dão também e desde já o respectivo acordo e autorização de movimentação.
3. Se qualquer data de pagamento prevista no presente contrato coincidir com sábado, domingo ou feriado, a cobrança será efectuada no primeiro dia útil seguinte com data-valor do dia de vencimento.
4. Qualquer pagamento efectuado e que seja insuficiente para a satisfação dos rnontantes vencidos e em dívida será, salvo acordo em contrário, imputado sucessivamente a despesas, comissões, juros e capital”.
[12] Acrescentado a credora, no art.º36.º, como segue: “[a]o valor em dívida acresce, por dia, o montante de €237,54, desde 24/04/2012, até efectivo e integral pagamento, correspondente a juros de mora calculados à taxa actualizada de 15,45€, a qual inclui a sobretaxa de 4% prevista no art.º7.º do Decreto-Lei n.º 344/78 de 17 de Novembro na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 83/86, de 06 de Maio”.   
[13] A primeira amortização, realizada em 20-06-2011, ocorreu durante o primeiro período de renovação (entre 29-12-2010 e 29-06-2011) e a segunda amortização, realizada em 31-10-2011, ocorreu no segundo período de renovação (entre 29-06-2011 e 29-12-2011).    
[14] Os juros remuneratórios, exatamente aqueles que se foram acumulando durante o tempo em que o capital foi disponibilizado ao mutuário, que devem ser pagos durante a vigência do contrato, não o tendo sido no caso em apreço.
[15] Cfr. o acórdão do STJ de 18-01-2018, processo: 123/14.9TBSJM-A.P1.S2 (Relator: Henrique Araújo), assim sumariado:
“I - A obrigação solidária de restituição do capital mutuado e respectivos juros, nos prazos estabelecidos nos contratos de mútuo com hipoteca, celebrados entre o banco exequente e a recorrente e o executado, constitui uma obrigação a prazo, em que a exigibilidade do cumprimento é diferida para um momento posterior.
II - Esta possibilidade constitui um benefício, em regra, do devedor (cfr. art.º 779.º do CC): o credor não pode exigir a prestação antes do fim do prazo, embora assista ao devedor o direito de proceder à sua realização a todo o tempo, renunciando a esse benefício.
III - Contudo, para além dos casos de exigibilidade antecipada previstos nos arts. 780.º e 781.º, ambos do CC, prevê o art.º 91.º, n.º 1, do CIRE, que, com a declaração judicial de insolvência, a dívida a prazo se vence antecipadamente, sem necessidade de interpelação do credor ao devedor: dá-se o vencimento automático antecipado.
IV - A perda do benefício do prazo resultante da insolvência de um só dos devedores, quando a dívida seja solidária, não se estende aos outros co-obrigados, desde que não tenha sido estipulada convenção em contrário ou não se verifique, também quanto a eles, causa determinante dessa perda.
V - Ao proceder ao bloqueamento do acesso à conta bancária onde era processado o pagamento das prestações, o banco exequente impossibilitou que continuassem a ser pagas as prestações mensais e sucessivas relativas aos dois contratos de mútuo, razão única pela qual os pagamentos não foram efectuados, não dispondo, consequentemente, de fundamento legal para considerar vencidas todas as prestações ainda em dívida e exigi-las da co-executada recorrida” (sublinhado nosso).
[16] Referem Carvalho Fernandes e João Labareda:
“No âmbito do Anteprojeto, a determinação de encerramento de todas as contas correntes do devedor, como consequência da sentença declaratória da insolvência, estava enunciada no art.º84.º, n.º1, em paralelo com o vencimento de todas as dívidas, e localizada em sede de efeitos sobre os créditos./O Código houve por bem atender primacialmente à fonte das contas correntes, determinando o termo dos respetivos contratos no capítulo dedicado aos efeitos da declaração de insolvência sobre os negócios em curso, razão que justificou a inserção sistemática do artigo anotado./Em rigor, o que o art.º 116.º determina é o encerramento das contas correntes emergentes de contrato e como consequência de este terminar” (CIRE Anotado, 2015, Quid Juris, Sociedade Editora, p. 494).    
[17] Com interesse, cfr. o acórdão do TRG de 06-11-2014, processo: 6001/13.1TBBRG.G1 (Relator: Heitor Gonçalves).
[18] Quanto aos juros remuneratórios e comissões contratualmente previstos e não liquidados pela mutuária, como decorre do que se expôs foram integralmente pagos aquando do rateio feito no âmbito do processo de insolvência da sociedade.
[19] Acórdão do STJ de 18-01-2018, já referido.
[20] “Prevalece assim a conclusão de que aqui se trata de juros e outros acréscimos nascidos já após a declaração de insolvência, mas com relação a créditos anteriores a ela, nomeadamente por respeitarem a período que decorre após a prolação./Recorde-se que na vigência do CPEREF a declaração de insolvência tinha por efeito a cessação da contagem de juros, de acordo com a estatuição do n.º2 do art.º151.º. E quando a declaração de falência se seguia ao decurso de um processo de recuperação de empresa por falta de aprovação tempestiva de providências recuperatórias, então a paralisação da contagem de juros era reportada à data do proferimento do despacho de prosseguimento, pela conjugação do dito art.º 151.º, n.º2, com o art.º 30.º, n.º1./ A verdade é que o Código não adotou, nesta matéria, a solução do CPEREF, como claramente decorre do cotejo do mesmo art.º 151.º, n.º2, com o preceito anotado e ainda com o art.º 91.º, n.º2” (Carvalho Fernandes e João Labareda, obr. cit. p. 299).           
[21] Com a seguinte redação:
“Artigo 2.º
Actos de comércio
Serão considerados actos de comércio todos aqueles que se acharem especialmente regulados neste Código, e, além deles, todos os contratos e obrigações dos comerciantes, que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio acto não resultar”.
[22] Com a seguinte redação:
“Artigo 362.º
Natureza comercial das operações de banco
São comerciais todas as operações de banco tendentes a realizar lucros sobre numerário, fundos públicos ou títulos negociáveis, e em especial as de câmbio, os arbítrios, empréstimos, descontos, cobranças, aberturas de créditos, emissão e circulação de notas ou títulos fiduciários pagáveis à vista e ao portador”.
[23] Cuja fixação compete, nos termos do art.º 559.º do Cód. Civil, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 200-C/80, de 24-06 aos Ministros das Finanças e da Justiça, taxa esta que é, desde 01-05-2003 e até ao momento de 4,00% de acordo com a Portaria n.º 291/2003, de 08-04.
[24] À data em que o contrato foi outorgado, vigorava a seguinte tabela de taxas de juros comerciais, devidos nos termos do §3 do art.º 102.º do Cód. Comercial e da Portaria n.º 277/2013, de 26-08:
- 01-01-2010 a 30-06-2010: 8,00% (Despacho DGTF n.º 597/2010, de 4 de janeiro);
- 01-07-2010 a 31-12-2010: 8,00% (Aviso DGTF n.º 13746/2010, DR (II Série) de 12.07.2010.