CLÁUSULA 61º DO CCTV DO SETOR DOS TRANSPORTES RODOVIÁRIOS DE MERCADORIAS
PAGAMENTO DE TRABALHO SUPLEMENTAR
Sumário

«A cláusula 61º do CCTV do setor dos transportes rodoviários de mercadorias, BTE 34/2018, apenas afasta o pagamento de trabalho suplementar em dia útil, e pressupõe o respeito pelos limites temporais da clausula 21ª, além desses limites, se prestado, deve o trabalho suplementar ser pago.»
(inclui parte do sumário do Acórdão da Relação de Guimarães proferido no processo nº 2640/20.2T8GMR.G1, referenciado no texto)

Texto Integral

Processo: 1924/23.2T8VLG.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Valongo - Juiz 2
Recorrente: AA
Recorrida: A..., Limitada

Relatora: Teresa Sá Lopes
1ª Adjunta: Desembargadora Germana Ferreira Lopes
2º Adjunto: Desembargador António Luís Carvalhão

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
1.Relatório (transcrevendo-se o relatório efetuado na sentença, realce aqui introduzido):
«AA intenta a presente ação declarativa, emergente de contrato individual de trabalho contra A..., Limitada, nos termos e com os fundamentos da sua petição inicial, que aqui dou por integralmente reproduzida, pedindo que:
a) seja a ré condenada a pagar ao autor a quantia de 66.202,06€, a título de créditos salariais;
b) seja a ré condenada a pagar ao autor a quantia de 5.000€ a título de danos não patrimoniais;
c) seja a ré condenada a pagar juros, calculados desde a citação sobre a totalidade do montante que vier a ser condenada e até completo e integral pagamento ao autor.
Subsidiariamente em relação ao pedido efetuado em a) e caso se entenda que não é devido o pagamento do trabalho suplementar na sua totalidade, mas tão só para além das duas horas diárias e, a partir de janeiro de 2019, apenas quando atingido o limite do trabalho suplementar legalmente estipulado (as duzentas horas anuais), então deverá ser a ré condenada no pagamento do montante de 11.030,00€, a título de trabalho suplementar e, nos restantes créditos melhor identificados supra, no montante global de 30.438,67€, ou seja, no montante global a tal título de 41.468,67€, a que deverão acrescer juros de mora desde de que cada uma das prestações é devida até efetivo e integral pagamento.
Procedeu-se à realização da audiência de partes não tendo, porém, sido possível obter a conciliação das mesmas.
Devidamente notificada para apresentar contestação, a ré não o fez.»

Foi proferida sentença de cujo dispositivo consta:
“Pelo exposto, julgo procedente o pedido formulado, e, consequentemente, condeno a ré a pagar ao autor as seguintes quantias:
a) a título de trabalho suplementar prestado entre 2017 e dezembro de 2018, 9.599,11€;
b) a título de trabalho noturno, 1.208,35€;
c) A título de trabalho em dias de descanso complementar e obrigatório e feriados, 5.335,78€;
d) A título de descanso compensatório em falta, 2.896,38€;
e) A título de formação não prestada, 537,60€;
f) A título de ajudas de custo, 7.887,70€;
g) Média do trabalho suplementar na retribuição de férias e subsídio de férias de 2018, 1.112,40€;
h) Média do subsídio shunter na retribuição de férias e subsídio de férias nos anos de 2020 a 2022, 600€;
i) valor o deduzido no salário do autor, 115,01€ e, no mais, absolvo a ré do pedido.
Custas pelo autor e ré em proporção do decaimento.
Valor da ação: 71.202,06€.”

Inconformado com o assim decidido apelou o Autor, apresentando no final das suas alegações, as seguintes conclusões:
1. O Tribunal a quo cometeu um erro de interpretação e de aplicação da Lei e do direito: ao não retirar as devidas consequências do trabalhador suplementar dado como provado relativamente aos anos de 2019 a 2022.
2. Caso não seja condenada a pagar essas quantias, ocorrerá, aí sim, um enriquecimento sem causa da recorrida à custa do recorrente, tendo em conta que tem ao seu serviço um profissional que realiza mais de 880 anuais, sem mais nada pagar para além da remuneração prevista na Clausula 61 da CCT e que é devida ainda que não fosse realizada qualquer hora de trabalho suplementar;
3. Contra o peticionado, não foi a Recorrida condenada a pagar os juros devidos, tal como peticionados, pelo menos tal não consta do dispositivo apesar de constar do corpo de decisão, devendo assim, por se tratar de uma omissão, ou lapso da douta sentença, ser a mesma corrigida e ser a recorrida condenada a pagar ao recorrente juros de mora calculados à taxa legal, desde de que cada prestação é devida até que ocorra o efetivo pagamento;
4. Salvo melhor opinião o Tribunal a quo, na sua douta decisão, acaba por se contradizer, ao decidir que o recorrente trabalhou todos os dias doze horas por dia mas depois entende que podia “o trabalhador recusar-se prestar trabalho para além daquele limite” por um lado e, por outro lado, refere que o pagamento excluiu o pagamento de horas suplementares prestadas em dias úteis”.
5. Esta decisão coloca em causa o previsto nos artigos 58.º, 59.º da CRP; do artigo 229.º e 258.º do CT e, ainda as clausula 21.º e 89.º do CCTV aplicável.
6. O tribunal entendeu que nada mais é devido ao trabalhador do que o pagamento da clausula 61.ª prevista no CCTV, independentemente de estarem provado o número de horas de trabalho suplementar que excede os limites legais.
7. Não podendo se concordar com tal entendimento pois que, dai resulta a porta aberta para a Recorrida poder exigir o numero de horas que entender e, nada mais pagar, enriquecendo-se à custa do trabalho prestado pelo Recorrido e dos seus trabalhadores, o que é totalmente inadmissível, ainda para mais numa relação laboral.
8. Se um trabalhador, trabalhar apenas cinco dias por semana e doze horas por dia e, tendo o mês 22 dias úteis temos que, o trabalhador faz por mês 264 horas – tal como resultou provado que era o horário do recorrido.
9. Ora, se trabalhasse as oito horas por dia tinha apenas realizado 176 horas. Este significa que num mês o recorrido faz logo mais 88 horas por mês de trabalho. O que significa que no final de março de cada ano já fez 264 horas de trabalho extraordinário e, no final de um ano, retirando um mês de férias faz 968 horas de trabalho extraordinário.
10. Ora, no entendimento do tribunal recorrido isso em nada é importante pois irá receber o mesmo que os trabalhadores que nenhuma hora fizeram ou fizeram-no só de uma forma pontual recebem.
11. Tal conclusão é manifestamente violadora dos mais elementares princípios constitucionais previsto nos artigos 58.º e 59.º da CRP e, viola o disposto no art.º 258.º, n.º1 e 268.º, n.º4 do CT e o disposto na clausula 89.º do CCTV o que expressamente se invoca.
12. Da aplicação do novo CCTV não pode resultar para os trabalhadores qualquer diminuição de rendimento, devendo manter as mesmas regalias anteriores.
Ora, se pelas horas extras era-lhes pago um valor e, agora com o CCTV veem esse valor drasticamente reduzido, mas prestando exatamente o mesmo trabalho e o mesmo número de horas, tal representará para os trabalhadores uma diminuição de rendimento, o que é ilegal de acordo com aquela norma.
13. Pelo que, da aplicação desta norma teria logo o tribunal recorrido que condenar a Ré no que este peticiona.
14. Se efetuarmos as contas num mês em que faz mais 88 horas de trabalho e, se lhe fosse pago de acordo com o pagamento de trabalho extraordinário teria direito a receber em 2019 o valor de 556,60€; em 2020 626,45€; em 2021 655,68€ e em 2022 694,98€. Ora, nestes anos como resulta dos factos provados em 13 a 17, o valor da clausula 61.ª era de 342,72€ em 2022; 367,46€ em 2021 e 389,50€ em 2022 ou seja, cerca de metade do que o trabalhador deveria receber pelo numero de horas trabalhado.
15. Por conseguinte, sempre teria o tribunal que concluir que a aplicação da clausula 61.ª não era mais favorável e, que resultou numa diminuição efetiva de retribuição e, por conseguinte, teria que condenar a Ré a pagar as horas efetivamente trabalhadas, sob pena de enriquecimento sem causa da Ré.
16. A clausula 61.ª fora já alvo de uma ação de interpretação que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do trabalho J1 processo 10532/21.1TOLSB e, nessa mesma ação o tribunal entendeu que a dita clausula apenas poderá ser vista quando observados os limites legais de trabalho previsto na clausula 21.ª do CCTV ou seja, quando o trabalho no máximo realiza 60 horas semanais e 48 semanais numa média de dezassete semanas e nunca ultrapassados as duzentas horas anuais.
17. Assim, do que ali resulta (dado não haver outra solução legal para o efeito) que sempre que estes limites forem ultrapassados terá o empregador no caso a aqui Recorrida que proceder ao pagamento do trabalho extraordinário realizados nos termos previstos para o efeito ou seja, pagando as horas com os acréscimos legais.
18. O tribunal recorrido refere que o trabalhador podia recusar-se a trabalhar e, se não o fez o que lhe sucede é ter trabalhado sem lhe ser devida qualquer contra prestação remuneratória.
19. Ora, a imposição de trabalho suplementar diária e muito para além dos limites legais não pode ser valorada em desfavor do trabalhador, como entendeu o tribunal.
20. O trabalho suplementar diário imposto não fora prestado de forma espontânea pelo trabalhador, mas por imposição e determinação da Ré e, por isso, terá a mesma que proceder ao seu pagamento tanto mais que nada provou que tivesse pago naqueles anos de 2019 a 2022.
21. O que é facto e isso o tribunal deu como assente mas dai não tirou as devidas consequências, é que o trabalhador por imposição e determinação da Recorrida tinha um horário de doze horas, todos os dias da semana e todos os meses do ano. Horário que por extrapolar todos os limites legais terá que ter como consequência o pagamento da respetiva remuneração e, não impor ao trabalhador (parte mais fragilizada dos contratos) o dever de se recusar a trabalhar.
22. O contrato de trabalho é uma relação sinalagmática e nessa medida tendo o trabalhador efetivamente prestado o seu trabalho para além do número de horas legalmente admissível (factos provados), ter-se-á que ter como trabalho suplementar e, nessa medida (tendo em conta que a clausula 61.ª apenas poderá ser vista na medida em que são respeitados os limites legais do horário) terá o trabalhador direito a receber esse valor.
23. Embora a propósito do banco de horas e seus limites o Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se no sentido de que, mesmo existindo um banco de horas sempre que o trabalhador demonstre que trabalhou mais horas de trabalho suplementar do que as legalmente previstas tais horas apesar daquele banco têm que ser pagas.
24. Decidiu o Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do processo 15137/17.9T8SNT.L1.S.1, em 15/09/2021 que “I - Todas as horas de trabalho prestadas pelo Autor para além dos limites acordados no Banco de horas, que coincidem com os limites impostos por lei – 10 horas por dia, 50 horas por semana, 150 horas por ano – têm de ser pagas como trabalho suplementar.”
25. Para ter direito ao trabalho suplementar basta o trabalhador demonstrar os dias e horas que trabalhou, que foram por imposição e determinação da Ré – o que no presente caso inequivocamente o fez como refere o tribunal recorrido.
26. Sendo que, demonstrou de igual forma que o fez, ou seja, que realizou o numero de horas superior às duzentas horas anuais em todos os anos pelo que, terá que ser ressarcido a titulo de trabalho suplementar por essas horas que não estão abrangidas pelo pagamento de nenhuma cláusula nomeadamente, clausula 61.ª dado que, aquela apenas fora pensada para abranger os limites legais previstos na clausula 21.ª. do CCTV.
27. Deste modo, em face dos factos dados como assentes, terá a Recorrida que ser condenada no pagamento daquele trabalho suplementar e, consequentemente tal como fora condenada a pagar a média do trabalho suplementar nas retribuições de férias e subsidio de férias em 2017 e 2018 terá pelas mesmas razões de direito e de facto ser condenada a pagar nos anos subsequentes essa média naquelas retribuições.
28. Em face do supra exposto terá a decisão proferida nesta parte que ser revogada e, a Recorrida condenada a pagar a título de trabalho suplementar não pagos de janeiro de 2019 a novembro de 2022 o valor de € 21.282,48 ou, subsidiariamente, e caso se entenda que a clausula 61.ª permitia o pagamento das horas de trabalho suplementar até ao limite legal então é devido o montante de € 11.030,00 e, a título de diferenças salariais devidas relativas a férias e subsídio de férias tendo em conta a médias das horas extras prestadas o valor de €4.449,60.
29. Devendo ainda a Ré ser condenada a pagar juros de mora, calculados desde de cada prestação era devida até que ocorra o completo e integral pagamento.
30. A douta sentença por erro de aplicação e interpretação violou, além do mais, o disposto nos artº.s 229.º, 258.º do CT; clausula 89.ª; 61.ª e 21.ª do CCTV e ainda o disposto no art.º 58.º e 59.º da CRP e deve ser modificada tendo em conta as conclusões anteriores e assim se fazendo, Justiça.

A Ré não contra-alegou.

*
O recurso foi admitido em 1.ª instância como apelação, com subida imediata, nos próprios autos.

Subidos os autos a este Tribunal da Relação do Porto, pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto, foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso, no qual nomeadamente se lê:
“Ressalvado o respeito devido por melhor opinião em contrário, nenhum reparo ou censura há que ser feito à douta sentença recorrida, que, deverá ser confirmada, atento o rigor dos fundamentos que nele foram consignados e que determinaram a absolvição da recorrida quanto ao peticionado trabalho suplementar desde janeiro de 2019 até 2022.
A Mma. Juíza “a quo” apreciou, com respaldo jurisprudencial, o direito que cabe ao caso, neste segmento absolutório, tendo feito correta interpretação do clausulado nos CCT celebrados entre a ANTRAM e a FECTRAM no que diz respeito à componente retributiva do pagamento de trabalho suplementar, atenta a natureza excludente da parte final da cláusula 61ª do BTE n.ºs 45, de 8/12/19 (CCT 3).
Daí que seja notório que a argumentação da alegação da recorrente não possa subsistir em confronto com a ponderada argumentação doutamente expendida na decisão sob recurso.
Improcedem as conclusões formuladas.
A sentença recorrida merece, pois, ser mantida na ordem jurídica.”

Cumpridas as formalidades legais, cumpre decidir:

- Questão a resolver:
a) Saber se a sentença é nula por omissão de pronuncia;
b) Saber se foi feita certeira interpretação e aplicação da cláusula 61ª dos CCT celebrados entre a ANTRAM e a FECTRANS publicados nos BTES nº 34 de 15.09.18 e nº 45 de 18.12.2019.
*
2. Fundamentação:
2.1. Fundamentação de facto:
2.1.1. Foi esta a decisão de facto do Tribunal a quo (realce aqui introduzido):
“Atenta a não apresentação de contestação, considero confessados todos os factos articulados pelo autor, julgando provada a seguinte factualidade:
1. A ré exerce, entre outras, a atividade de transporte rodoviário de mercadorias por conta de outrem, comércio a retalho de combustíveis, sólidos, gasoso e produtos derivados.
2. No âmbito da dita atividade, a ré contratou o autor, por contrato de trabalho a termo certo celebrado em 11/05/2017, para exercer as funções inerentes à categoria de motorista de pesados, camiões acima de 7,5 toneladas, tendo o contrato em apreço sido sucessivamente renovado.
3. Como contrapartida pelo trabalho prestado pelo autor, ficou estipulado que a ré pagaria a retribuição mensal ilíquida de 585€ (quinhentos e oitenta e cinco euros), ajudas de custo diárias que corresponderiam ao montante de 28€ (vinte e oito euros), sendo que as relativas ao trabalho prestado ao sábado corresponderiam a 35€ (trinta e cinco euros), enquanto as relativas ao trabalho prestado ao domingo ou em dia de feriado seriam de 50€ (cinquenta euros), acrescido de diuturnidades e demais complementos legais devidos em função da atividade exercida.
4. E o autor perante estas condições, aceitou trabalhar para a ré.
5. Quando o autor já se encontrava a trabalhar, a ré apresentou-lhe um contrato de trabalho cujo clausulado não correspondia ao que havia sido combinado entre as partes, nomeadamente, incluindo a cláusula 10º que jamais havia sido negociada, cláusula que referia que as ajudas de custo incluiriam o pagamento relativo ao trabalho suplementar e noturno, no entanto, em momento algum as partes negociaram nesse sentido, razão pela qual o autor interpelou a ré de imediato.
6. Questionada sobre tal facto e confrontada com a falta de acordo no mesmo, a ré transmitiu ao autor que não se preocupasse, revelando que apresentava sempre o mesmo contrato, mas que cumpriria com a sua palavra, comprometendo- se a pagar tudo aquilo que verbalmente combinaram.
7. Uma vez que o autor já tinha iniciado o trabalho para empresa e efetivamente necessitava do mesmo para a sua subsistência, acabou por assinar tal contrato, apesar de tal como referido, o mesmo não corresponder ao que tinha sido combinado entre as partes, optando assim por confiar naquilo que a ré lhe teria transmitido.
8. Naquele momento, o autor não fazia ideia do que aquilo realmente significava, não representando se com isso a ré lhe estaria a pagar a mais ou a menos do que o previsto pelo CCTV.
9. O que contribuiu para a sua assinatura do respetivo contrato, pensando sempre que a ré cumpriria com aquilo a que se tinha vinculado e que estava previsto no CCTV, nomeadamente, efetuando o pagamento relativo às ajudas de custo diárias, às horas extraordinárias, aos fins de semanas e aos feriados, até porque esse pagamento faria com que o vencimento do autor fosse acrescido de um valor avultado, superior a 500€ (quinhentos euros) mensais.
10. A partir de outubro de 2018, e por força do CCTV aplicável, passou o autor a auferir a título de retribuição o montante de 630€ (seiscentos e trinta euros); de complemento salarial o valor de 12,60€ (doze euros e sessenta cêntimos); o pagamento das respetivas ajudas de custo.
11. A partir de janeiro de 2019, passou a ré a pagar ao autor o montante de 630€ (seiscentos e trinta euros) a título de retribuição; o montante de 12,60€ (doze euros e sessenta cêntimos) a título de complemento salarial; 63€ (sessenta e três euros) a título de subsídio de trabalho noturno; 361,46€ (trezentos e sessenta e um euros e quarenta e seis cêntimos) a título da cláusula 61.ª, e ajudas de custo, sendo que a ré procedeu unilateralmente à alteração dos valores acordados com o autor.
12. O autor auferia mensalmente a título de ajudas de custo o valor médio de 681€ (seiscentos e oitenta e um euros) e, a partir de janeiro de 2019, passou a auferir o valor médio de 358€ (trezentos e cinquenta e oito euros).
13. A partir de janeiro de 2020, o autor passou a auferir o montante de 700€ (setecentos euros) a título de retribuição; o montante de 14€ (catorze euros) a título de complemento salarial; 70€ (setenta euros) a título de subsídio de trabalho noturno; 342,72€ (trezentos e quarenta e dois euros e setenta e dois cêntimos) a título de cláusula 61.ª; e ajudas de custo.
14. Entre agosto e novembro de 2018 e a partir de fevereiro de 2020, a ré pagou ao autor o montante de 100€ (cem euros) mensais a título de suplemento Shunter, que se destinava a pagar o trabalho realizado, não estando sujeita ao cumprimento de quaisquer metas ou parâmetros.
15. O valor referente às diuturnidades começou a ser pago ao autor em maio de 2020, no montante de 17€ (dezassete euros).
16. Em 2021, o autor passou a auferir o montante de 733,07€ (setecentos e trinta e três euros e sete cêntimos) a título de retribuição; o montante de 17,80€ (dezassete euros e oitenta cêntimos) a título de diuturnidades; 14,66€ (catorze euros e sessenta e seis cêntimos) a título de complemento salarial; 73,31€ (setenta e três euros e trinta e um cêntimos) a título de subsídio noturno; 367,46€ (trezentos e sessenta e sete euros e quarenta e seis cêntimos) a título de cláusula 61.ª, acrescido de 100€ (cem euros) a título de suplemento Shunter, e das respetivas ajudas de custo.
17. Em 2022, o autor passou a auferir o montante de 777,05€ (setecentos e setenta e sete euros e cinco cêntimos) a título de retribuição; o montante de 18,87€ (dezoito euros e oitenta e sete cêntimos) a título de diuturnidades; 15,54€ (quinze euros e cinquenta e quatro cêntimos) a título de complemento salarial; 77,71€ (setenta e sete euros e setenta e um cêntimos) a título de subsídio noturno; 389,50€ (trezentos e oitenta e nove euros e cinquenta cêntimos) a título de cláusula 61.ª; 100€ (cem euros) de suplemento Shunter; e as ajudas de custo.
18. A ré pagou durante toda a relação laboral o subsídio de Natal e o de férias calculados tendo por base somente aquilo que surgia nos recibos de vencimento como o vencimento base/retribuição, desconsiderando o pagamento mensal que efetuava a título de ajudas de custo.
19. Em 20/12/2022, o autor comunicou à ré a cessação do contrato celebrado.
20. Diariamente era imposto ao autor pelos responsáveis da ré que, durante 12 horas por dia, desempenhasse funções de condução, carga, descargas, atrelagem de reboques e demais funções, tendo de estar, ao pé e com a guarda do veículo que lhe estava adstrito, não se podendo ausentar por qualquer período de tempo previamente conhecido.
21. O autor estava afeto ao serviço Shunter, que corresponde à utilização de um camião pesado para transportar reboques dos camiões dentro das plataformas de logísticas, efetuando turnos rotativos, ora iniciando o trabalho às 08:30h e terminando às 20:30h, ora iniciando às 20:30h e terminando às 08:30h.
22. Desde novembro de 2019 a novembro de 2022, o autor efetuou trabalho nos dias e horas constantes no artigo 45º da petição inicial, cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
23. Desde 12/05/2017 a 31/10/2019, o autor efetuou trabalho nos dias e horas constantes no artigo 48º-B do requerimento de 28/09/23, que aperfeiçoou a petição inicial, cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
24. A ré não pagava qualquer montante a título de subsídio de alimentação pelo facto de pagar ajudas de custo, destinando-se estas a pagar o que era devido a esse título.
25. A ré pagou ao autor subsídio noturno a partir de dezembro de 2018.
26. O autor trabalhou nos dias e horas indicados nos artigos 67º e 68º da petição inicial, cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
27. Entre novembro de 2019 e o final da relação laboral, o autor trabalhou 22 feriados e 197 sábados/domingos.
28. A ré pagou ao autor, a título de dias de descanso trabalhados:
- em 2019, o valor de 428,40€;
- entre janeiro de 2020 e maio de 2020, 428,40€;
- entre maio de 2020 e dezembro de 2020, 974,67€;
- em 2021, 153,10€.
29. A ré pagou ao autor os feriados trabalhados durante o ano de 2020.
30. A ré pagou ao autor a título de feriados trabalhados em 2021, 255,15€.
31. O autor trabalhou nos dias da semana (dias úteis, sábados, domingos e feriados) discriminados no artigo 103º da petição inicial, cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
32. A ré pagou ao autor, a título de ajudas de custo, os valores que constam no artigo 104.º da petição inicial, cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
33. A ré não permitiu o gozo de qualquer descanso compensatório em nenhum dos dias trabalhados e supra referidos.
34. A ré não deu formação profissional ao autor.
35. O autor recebeu a seguinte média de ajudas de custo:
- No ano de 2017: 765,14€;
- No ano de 2018: 576,17€;
- No ano de 2019: 345,25€;
- No ano de 2020: 323,65€; e
- No ano de 2021: 347,35€.
36. Aquando da cessação do contrato de trabalho a ré decidiu de forma unilateral deduzir na retribuição do autor o montante de 115,01€, invocando um telemóvel avariado.
37. O dito telemóvel foi entregue à empresa muito antes da rescisão do contrato e avariou-se durante o período de trabalho, não por conduta negligente do trabalhador.
38. Toda a descrita situação levou a que o autor entrasse num estado de angústia e cansaço do qual ainda hoje não recuperou.”

2.2. Fundamentação de direito:
2.2.1. Nulidade da sentença:
Não ocorre a nulidade prevista no artigo 615º, nº1, alínea d) do Código de Processo Civil, onde se prevê que a sentença é nula quando «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;».
Com efeito e relativamente ao peticionado pagamento de juros, consta da parte final da sentença, antes do dispositivo:
“Sobre estes montantes acrescem juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, a contar da data de vencimento de cada uma das prestações, até efetivo e integral pagamento (artigos 559.º, 804.º, 805.º e 806.º do Código Civil).”
O assim decidido não integra o dispositivo da sentença, reparo que se acolhe determinando-se que assim fique a constar relativamente a todos os montantes em que a Ré é condenada.

2.2.2. Passando agora ao reclamado pagamento do invocado trabalho suplementar:
No direito aplicável começa por ler-se na sentença recorrida (realce aqui introduzido):
«A partir de janeiro de 2019, a ré passou a pagar ao autor um montante a título de cláusula 61.ª - 361, 46€ em 2019, 342,72€ em 2020, 367,46€ em 2021 e, em 2022, 389,50€.
De facto, em setembro de 2018, entrou em vigor a CCT celebrada entre a ANTRAM e a FECTRAM, publicada no BTE n.ºs 34, de 15/09/18 (CCT 2), que estabelece na cl. 61º que estabelece que:
1- Os trabalhadores móveis afetos ao transporte internacional, ibérico e nacional, excecionando-se destes últimos os trabalhadores móveis que conduzem veículos com menos de 7,5 toneladas, terão obrigatoriamente o direito a receber o correspondente a duas horas de trabalho suplementar, retirado o montante referido no número três”.
(…)
4- Estes trabalhadores, de acordo com o estabelecido nos números anteriores, não lhes é aplicável o disposto na cláusula 49.ª (Retribuição do trabalho suplementar em dia útil).
5- O pagamento desta prestação pecuniária substitui o número 7 da cláusula 74.ª do anterior CCTV e, bem assim, todas e quaisquer formas de pagamento do trabalho suplementar que tenham sido criadas, unilateralmente pelas empresas ou estabelecidas por acordo entre estas e os trabalhadores, mesmo que o valor desta prestação seja inferior ao anteriormente praticado”.
Para cálculo desta prestação ter-se-á em conta a seguinte fórmula: (Retribuição base, complementos salariais (cláusula 45.ª) e diuturnidades) x 12 VH = Período normal de trabalho semanal x 52; 1.ª hora x 50 % 2.ª hora x 75 % Valor total das duas horas de trabalho suplementar, conforme o caso, deverá ser multiplicado por 30 dias.
Posteriormente, em 14/12/19, entrou em vigor a CCT celebrada entre a ANTRAM e a FECTRAM, publicada no BTE n.ºs 45, de 8/12/19 (CCT 3) que estabelece na cl. 61º que determina que “1- Os trabalhadores que, por acordo com a empresa, desempenhem a função de motorista afeto ao transporte internacional, ibérico ou nacional, excecionando-se destes últimos os motoristas que conduzem veículos com menos de 7,5 toneladas, por prestarem uma atividade que implica regularmente um elevado grau de autonomia e a possível realização de trabalho extraordinário de difícil controlo e verificação pela empresa, decorrente da imprevisibilidade da duração concreta dos serviços a serem realizados e encontrando-se deslocados das instalações dos empregadores e sem controlo hierárquico direto, terão obrigatoriamente o direito a receber, em contrapartida de tal regime, uma retribuição especifica no montante correspondente a 48 % do valor total resultante da soma da retribuição base (cláusula 44.ª), diuturnidades (cláusula 46.ª) e complemento salarial (cláusula 59.ª), não lhes sendo devido qualquer outro valor a título de trabalho suplementar em dia normal de trabalho” (…).
Esta cláusula, que substituiu a cl. 74ª, nº 7 do CCT 1, prevê o pagamento de uma prestação especial compensatória aos motoristas de pesados (internacional, ibérico e nacional) e, como se pode ler no Acórdão da Relação de Coimbra de 28/04/2023 (disponível no site da dgsi) “considerando os antecedentes históricos, o fim que se pretendia alcançar com a previsão da Cláusula 74ª nº 7 e ao teor literal da Cláusula 61ª do CCTV de 2019, concluímos que a cláusula 61ª deste CCT tem e teve “como objectivo compensar o esforço e risco acrescidos do trabalho dos motoristas de pesados que se vêm obrigados a prestar, habitualmente, trabalho suplementar de difícil fiscalização pela entidade empregadora (por estarem a prestar trabalho longe das instalações desta), com grande autonomia, isto é, sem a supervisão imediata dos seus superiores hierárquicos, com a possibilidade de terem de pernoitar fora de casa atendendo ao trabalho que lhes é distribuído”.
Assim, quer considerando o teor da cl. 61ª, nº 4 da CCT 2, quer da cl. 61ª, nº 1, parte final, quer levando em conta os antecedentes históricos desta cláusula, entendo que o seu pagamento exclui o pagamento de horas suplementares prestadas em dias úteis (tal como acontecia com o pagamento da cl. 74ª, nº 7), entendimento que também resulta da leitura do Acórdão acima citado.
Não se vislumbra que este entendimento viole a Constituição, mormente o preceito invocado pelo autor, o artigo 58º que estabelece que todos têm direito ao trabalho e que para assegurar o direito ao trabalho, incumbe ao Estado promover:
a) A execução de políticas de pleno emprego;
b) A igualdade de oportunidades na escolha da profissão ou género de trabalho e condições para que não seja vedado ou limitado, em função do sexo, o acesso a quaisquer cargos, trabalho ou categorias profissionais;
c) A formação cultural e técnica e a valorização profissional dos trabalhadores.
Note-se, ainda, que desta interpretação não resulta que o empregador possa exigir ao trabalhador o número de horas que quiser.
De facto, cumpre não esquecer os limites da duração do tempo de trabalho que são fixados na cl. 21ª da CCT 2 e da CCT 3, podendo o trabalhador recusar-se a prestar trabalho para além daquele limite.
Mas essa é uma questão diferente da que aqui se discute, que se prende com o pagamento de trabalho suplementar e dizer-se que o pagamento do valor da cl. 61ª exclui o pagamento de trabalho suplementar quer apenas dizer isso e não que a empregadora possa exigir as horas de trabalho que pretender, sem quaisquer limites.
Em face do exposto, quanto ao invocado trabalho suplementar desde janeiro de 2019, nada tem o autor a receber.»
Ou seja, reconhecendo que a Entidade empregadora não pode exigir as horas de trabalho que pretender, refere tão só que pode o trabalhador recusar-se a prestar trabalho para além dos limites de duração do tempo de trabalho que são fixados na cláusula 21ª da CCT 2 e da CCT 3.
Ou seja, não se pronuncia a Mm.ª Juiz a quo sobre se em concreto tal se verificou - se o trabalhador prestou trabalho para além dos limites de duração do tempo de trabalho fixados na cláusula 21ª da CCT 2 e da CCT - extraindo daí as consequências, nomeadamente atento o peticionado pelo Autor.
Não aferimos que aqui ocorra uma contradição, geradora da nulidade prevista no artigo 615º, nº1, alínea c) do Código de Processo Civil, nos termos do qual é nula a sentença quando «Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.»
Analisaremos infra a assertividade do assim decidido.
Vejamos:
A cláusula 61ª do CCT/2018, não alude à duração do tempo normal de trabalho, contempla a previsão de uma retribuição especial para os trabalhadores móveis afetos ao transporte internacional, ibérico e nacional, excecionando os motoristas que conduzem veículos com menos de 7,5 toneladas.
A cláusula 61ª do CCT/2019, também não alude à duração do tempo normal de trabalho mas menciona agora o maior esforço ou penosidade do trabalho de motorista afeto ao transporte internacional - excecionando os motoristas que conduzem veículos com menos de 7,5 toneladas - como fundamento para a previsão de uma retribuição especial: por prestarem uma atividade que implica regularmente um elevado grau de autonomia e a possível realização de trabalho extraordinário de difícil controlo e verificação pela empresa, decorrente da imprevisibilidade da duração concreta dos serviços a serem realizados e encontrando-se deslocados das instalações dos empregadores e sem controlo hierárquico direto.
Ou seja, a realização de trabalho extraordinário é tão só referenciada como possibilidade – uma das circunstâncias de penosidade - não como a única ou sequer pressuposto.
Ora o pagamento da retribuição especial prevista não pressupõe a efetiva prestação de trabalho extraordinário.
Pressupõe sim a disponibilidade do Trabalhador para o efeito.
Tal retribuição especial reveste “carácter regular e permanente e, como tal, integra o conceito de retribuição, sendo devida em relação a todos os dias do mês, independentemente da prestação efetiva de qualquer trabalho, acrescendo à retribuição de base.”, entendimento assim apresentando no Acórdão da Relação de Coimbra de 24.11.2023 (Relator Felizardo Paiva, in www.dgsi.pt), como consolidado na jurisprudência, a propósito da cláusula 74.ª, n.º 7, do CCT celebrado entre a ANTRAM (Associação Nacional de Transportes Rodoviários de Mercadorias) e a FESTRU (Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e Urbanos e Outros), publicado no BTE, 1.ª série, n.º 9, de 08-03-80, referindo-se que as Clªs em questão vieram nos CCTs de 2018 e 2019 substituir a Clª 74º nº 7 de CCTV de 1980.
Por outro lado, a prestação de trabalho para além do período normal de trabalho, em dias normais de trabalho, dentro dos limites previstos nos dois CCTs (de 2018 e 2019), sendo paga tal prestação retributiva, não dá direito ao pagamento do trabalho suplementar.
Como se lê na fundamentação do acórdão desta secção, proferido no processo nº 3386/17.4T8VFR.P1 de 10.07.2019 (Relator Desembargador Jerónimo Freitas, in www.dgsi.pt) “Os motoristas de transportes rodoviários internacionais ao terem direito à prestação retributiva prevista cláusula 74.ª /7 do CCTV entre a ANTRAM e a FESTRU, deixam de ter direito ao pagamento do trabalho suplementar prestado em dias normais de trabalho (embora não seja essa a única e exclusiva finalidade da cláusula).”
Entendimento seguido, entre outros, na fundamentação do acórdão desta secção, proferido no processo nº 3698/19.2T8MAI.P1 (mesma relatora, com intervenção do aqui 2º Adjunto, in www.dgsi.pt).
A interpretação que acolhemos não viola os artigos 258º, nº1 («Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho.» e 268º («Pagamento de trabalho suplementar»), ambos do Código do Trabalho, nem os artigos 58º e 59º da Constituição da República Portuguesa, designadamente o direito ao trabalho, o direito à retribuição do trabalho e o direito de organização do trabalho em condições socialmente dignificantes.
Das conclusões formuladas pelo Apelante, destacamos:
- Se efetuarmos as contas num mês em que faz mais 88 horas de trabalho, se lhe fosse pago de acordo com o pagamento de trabalho extraordinário teria direito a receber em 2019 o valor de 556,60€; em 2020 626,45€; em 2021 655,68€ e em 2022 694,98€. Nestes anos, o valor da clausula 61.ª era de 342,72€ em 2022; 367,46€ em 2021 e 389,50€ em 2022 ou seja, cerca de metade do que o trabalhador deveria receber pelo numero de horas trabalhado.
- Se pelas horas extras era aos trabalhadores pago um valor e agora com o CCTV é esse valor drasticamente reduzido, mas prestando exatamente o mesmo trabalho e o mesmo número de horas, tal representará para os mesmos uma diminuição de rendimento, o que é ilegal.
- Por conseguinte, sempre teria o tribunal que concluir que a aplicação da clausula 61ª não era mais favorável e por conseguinte, teria que condenar a Ré a pagar as horas efetivamente trabalhadas, sob pena de enriquecimento sem causa da Ré.
Sob a epígrafe «Manutenção de regalias anteriores e prevalência de normas», dispõe a cláusula 82ª do CTT de 2018:
«1- Da aplicação da presente convenção não poderão resultar quaisquer prejuízos para os trabalhadores, designadamente baixa ou mudança de categoria ou classe, bem como diminuição de retribuição e outras regalias de carácter regular ou permanente não contempladas neste CCTV.
(...)».
Sob a epígrafe «Manutenção de regalias anteriores e prevalência de normas», dispõe a cláusula 89ª do CTT de 2019:
«1-Da aplicação do presente CCTV não poderão resultar quaisquer prejuízos, designadamente baixa ou mudança de categoria ou classe, diminuição de retribuição e outras regalias de carácter regular ou permanentes, não contempladas neste CCTV e, bem assim, diminuição da retribuição líquida do trabalhador.»
A comparação que o Apelante faz é entre aquilo que lhe seria pago se as horas que trabalhou fossem pagas como trabalho suplementar e o que auferiu com a prestação retributiva prevista na cláusula 61ª.
Sendo proibida a prestação de trabalho suplementar com carácter de regularidade pelos dois CCTs (de 2018 e 2019), não pode atento o que foi pago a esse título anteriormente, e o que passou a ser pago com a prestação retributiva relativa à cláusula 61ª, ser considerado uma diminuição de retribuição.
Não tem razão, assim, também nesta parte o Apelante.
*
Ainda assim, importa atender ao que ficou provado, quanto ao número de horas de trabalho prestado:
- Diariamente era imposto ao Autor pelos responsáveis da Ré que, durante 12 horas por dia, desempenhasse funções de condução, carga, descargas, atrelagem de reboques e demais funções, tendo de estar, ao pé e com a guarda do veículo que lhe estava adstrito, não se podendo ausentar por qualquer período de tempo previamente conhecido. (item 20 dos factos provados)
- Desde novembro de 2019 a novembro de 2022, o Autor efetuou trabalho nos dias e horas constantes no artigo 45º da petição inicial. (item 22 dos factos provados)
Ou seja, efetuou trabalho que variou entre 08:30 - 20:30 ou entre 20:30 - 08:30.
Conclui, em suma, a este respeito o Apelante:
- A imposição de trabalho suplementar diária e muito para além dos limites legais não pode ser valorada em desfavor do trabalhador.
- Demonstrou que por imposição e determinação da Ré tinha um horário de doze horas, tendo realizado um numero de horas superior às duzentas horas anuais em todos os anos.
- Pelo trabalho suplementar diário todos os dias da semana e todos os meses do ano, terá a Ré que proceder ao seu pagamento, tanto mais que nada provou que tivesse pago naqueles anos de 2019 a 2022.
- A clausula 61ª apenas poderá ser vista na medida em que são respeitados os limites legais previstos na clausula 21ª do CCTV.
Importa atentar ao que resulta do artigo 21º do CTT aplicável - Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 34, 15/9/2018:
«Cláusula 21.ª
(Limites da duração do trabalho)
1- A duração do trabalho semanal dos trabalhadores móveis, incluindo trabalho suplementar, não pode exceder sessenta horas, nem quarenta e oito horas em média num período de quatro meses.
2- A duração do trabalho, incluindo trabalho suplementar, no caso de abranger, no todo ou em parte, o intervalo entre as 0 e as 5 horas, não pode exceder dez horas por dia salvo quando, por motivos objetivos, nomeadamente razões técnicas ou de organização do trabalho, tal seja justificado.
3- Entende-se por conceito de dia referido no número anterior, o período de 24 horas, a contar do início da jornada de trabalho.
4- Para efeitos do disposto nos números anteriores da presente cláusula, é excluído o tempo de disponibilidade.»
«Cláusula 26.ª
(Tempo de trabalho suplementar)
1- Considera-se trabalho suplementar o prestado fora do período normal de trabalho.
2- É proibida a prestação de trabalho suplementar com carácter de regularidade.
3- Só em casos inteiramente imprescindíveis e justificados poderá haver lugar a prestação de trabalho suplementar.
4- A prestação de trabalho suplementar não excederá as duas horas diárias, nem ultrapassará, no total, as duzentas horas anuais.
5- Excecionalmente, o período de trabalho suplementar poderá ultrapassar o limite estipulado no número anterior nos seguintes casos:
a) Em serviço de desempanagem da viatura ou equipamento oficinal;
b) Demoras provocadas pelo embarque ou desembarque de mercadoria.
6- Todo o trabalho suplementar é objeto de registo interno mediante o recurso a meios informáticos ou manuais.»
Posteriormente, com a revisão global do mesmo CCT, publicada no BTE n.º 45, 8/12/2019, passou a ser este o teor das mesmas cláusulas:
«Cláusula 21.ª
(Limites da duração do trabalho)
1- A duração do trabalho semanal dos trabalhadores móveis, incluindo trabalho suplementar, não pode exceder sessenta horas, nem quarenta e oito horas em média num período de dezassete semanas.
2- A duração do trabalho, incluindo trabalho suplementar, no caso de abranger, no todo ou em parte, o intervalo entre as 0 e as 5 horas, não pode exceder dez horas por dia salvo quando, por motivos objetivos, nomeadamente razões técnicas ou de organização do trabalho, tal seja justificado.
3- Entende-se por conceito de dia referido no número anterior, o período de 24 horas, a contar do início da jornada de trabalho.
4- Para efeitos do disposto nos números anteriores da presente cláusula, é excluído o tempo de disponibilidade como previsto na alínea c) do número 1 da cláusula 18.ª
Nota explicativa:
Para a contagem da duração semanal de trabalho, deverão ser considerados todos os tempos de trabalho, excluindo-se os períodos que não são considerados como tal de acordo com o previsto no número 2 do artigo 3.º da Diretiva Comunitária n.º 2002/15/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de março de 2002.
Em termos práticos, tal significa que, deverão ser excluídos, desde logo, os períodos de repouso e os períodos de disponibilidade. A ser assim, designadamente, as pausas para refeição ou o período passado na deslocação de casa até ao local de trabalho, não serão considerados.
Nestes termos, para efeitos do apuramento da média do período semanal, poderemos ter por exemplo, dias de 11 horas de tempo de trabalho desde que existam outros dias em que o tempo de trabalho seja inferior, permitindo respeitar a média no final da semana.
Exemplo de duas semanas com 5 dias de trabalho cada uma:
Semana A:
– 1 dia com 11 horas de tempo de trabalho, 1 dia com 9 horas de tempo de trabalho, 1 dia com 8 horas de tempo de trabalho, 2 dias com 7 horas de tempo de trabalho: trabalho total na semana 42 horas.
Semana B:
– 1 dia com 12 horas de tempo de trabalho, 2 dias com 8 horas de tempo de trabalho, 1 dia com 9 horas de tempo de trabalho, 1 dia com 7 horas de tempo de trabalho: trabalho total na semana 44 horas.
Média de duração do tempo de trabalho semanal: 43 horas.”
Cláusula 26.ª
(Tempo de trabalho suplementar)
1- Considera-se trabalho suplementar o prestado fora do período normal de trabalho.
2- É proibida a prestação de trabalho suplementar com carácter de regularidade.
3- Só em casos inteiramente imprescindíveis e justificados poderá haver lugar a prestação de trabalho suplementar.
4- A prestação de trabalho suplementar não excederá as duas horas diárias, nem ultrapassará, no total, as duzentas horas anuais.
5- Excecionalmente, o período de trabalho suplementar poderá ultrapassar o limite estipulado no número anterior nos seguintes casos:
a) Em serviço de desempanagem da viatura ou equipamento oficinal;
b) Demoras provocadas pelo embarque ou desembarque de mercadoria.
6- Todo o trabalho suplementar é objeto de registo interno mediante o recurso a meios informáticos ou manuais.
Provou-se que o trabalho prestado abrangeu em determinados dias o intervalo entre as 0 e as 5 horas – caso em que o limite de duração de trabalho, incluindo trabalho suplementar, não podia ir além das dez horas por dia -, tendo tal sucedido sempre que o trabalho decorreu entre as 20.30 - 8.30.
A Entidade empregadora não alegou e provou como era seu ónus que o trabalho entre as 20.30 - 8.30 se justificava «por motivos objetivos, nomeadamente razões técnicas ou de organização do trabalho» - cláusula 21ª, nº2 do CCT.
Como tal, nesses dias - sempre que o trabalho decorreu entre as 20.30 - 8.30 - foram excedidos os limites da duração do trabalho.
Já a duração do trabalho semanal do Trabalhador, não excedeu sessenta horas – 12h por dia x 5=60 horas.
Porém, excedeu o limite de «quarenta e oito horas em média num período de quatro meses» e o limite de «quarenta e oito horas em média num período de dezassete semanas», já que foi sempre de sessenta horas por semana.
Ou seja, foram também assim excedidos os limites da duração do trabalho.
Nessa medida, como refere a Mm.ª Juiz a quo «podia o trabalhador recusar-se a prestar trabalho». Com efeito, não podia a empregadora «exigir as horas de trabalho que pretender, sem quaisquer limites.»
Mas impõe-se não se ficar por aí.
Explicitando:
A questão que exige resposta é a de saber se quanto ao que foi excedido na duração do trabalho – mais de dez horas nos dias em que o trabalho foi realizado entre as 20.30 e as 8.30, para além das quarenta e oito horas em média num período de quatro meses e após a entrada em vigor do CTT de 2019, em 14/12/19, para além de quarenta e oito horas em média num período de dezassete semanas -, significa que houve prestação de trabalho suplementar, definido este como «o prestado fora do período normal de trabalho» e que tal trabalho suplementar deverá ser pago pela Ré.
Ficou provado o pagamento do valor previsto na cláusula 61ª, nos anos em causa, de 2019 a 2022 – itens 11º, 13º, 16º e 17º dos factos provados.
Ora, como resulta do que acima se consignou, sendo paga tal prestação retributiva ao Apelante, deixou este de ter direito ao pagamento do trabalho suplementar prestado em dias normais de trabalho.
Entende o Apelante que daí resulta a porta aberta para a Recorrida poder exigir o número de horas que entender e, nada mais pagar, enriquecendo-se à custa do trabalho prestado pelo Recorrido e dos seus trabalhadores.
Pode é certo como ficou dito, o trabalhador recusar-se.
Mas mais, ou seja para além da possibilidade dessa recusa, importa consignar aqui o entendimento que é também o nosso de que «A cláusula 61º do CCTV do setor dos transportes rodoviários de mercadorias, BTE 34/2018, apenas afasta o pagamento de trabalho suplementar em dia útil, e pressupõe o respeito pelos limites temporais da clausula 21ª, além desses limites, se prestado, deve o trabalho suplementar ser pago.» - sumário do Acórdão da Relação de Guimarães proferido no processo nº 2640/20.2T8GMR.G1, de 04.04.2024, (Relator Antero Veiga, in www.dgsi.pt).
Daí que se entenda justificada a condenação da Apelada a pagar ao Apelante, a título de trabalho suplementar prestado no período de 2019 a 2022, aquele que o Apelante prestou para além dos limites permitidos de duração do trabalho, procedendo nessa parte a pretensão do Apelante, a esse respeito.
*
Conclui ainda o Autor que caso se entenda que a clausula 61.ª permitia o pagamento das horas de trabalho suplementar, então é devido a título de diferenças salariais relativas a férias e subsídio de férias, tendo em conta a média das horas extras prestadas, o valor de € 4.449,60.
Considerando o já decidido e no entendimento de que é devido o pagamento de trabalho suplementar prestado no período de 2019 a 2022, aquele que o Apelante prestou regularmente, para além dos limites permitidos de duração do trabalho, tal tinha de ser pago na retribuição de férias e no subsídio de férias, correspondentes aos anos de 2019 a 2022.
Valem aqui as considerações efetuadas na sentença recorrida, a respeito do trabalho suplementar ainda que com reporte aos anos anteriores:
“Trata-se de um trabalho por natureza excecional, que correspondente a uma mera eventualidade de ganho, e nessa medida, e como regra geral, a lei excetua o respetivo pagamento da retribuição global.
No entanto, caso seja prestado de forma regular e continuada, porque permite justificar a expectativa de ganho do trabalhador, por ser previsível, deve para estes efeitos integrar a retribuição do trabalhador – ver os acórdãos do STJ de 23/06/2023 e de 24/05/2023.
Tendo em conta que o mesmo foi prestado em onze meses do ano (…), considera-se retribuição e, como tal deverá ser pago na retribuição de férias e no subsídio de férias.”
Procede assim também nesta parte a Apelação.
*
No artigo 45º da petição inicial, são contabilizadas horas como trabalho suplementar que excedem as horas que devem ser consideradas para o efeito, em conformidade com o supra decidido. As quantias que justificam a condenação da Apelada, em conformidade com o decidido nesta apelação, são como tal a apurar em sede de em incidente de liquidação (artigos 609º, nº 2, e 358º, nº 2, ambos do Código de Processo Civil).
*
3. Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso parcialmente procedente, condenando-se ainda a Ré a pagar ao Autor:
- A título de diferenças salariais:
A quantia, apurar em incidente de liquidação, a título de trabalho suplementar, prestado nos anos de anos de 2019 a 2022, coincidente com o trabalho prestado regularmente para além dos limites permitidos de duração do trabalho - mais de dez horas nos dias em que o trabalho foi realizado entre as 20.30 e as 8.30, para além das quarenta e oito horas em média, num período de quatro meses e após a entrada em vigor do CTT de 2019, em 14/12/19, para além de quarenta e oito horas em média num período de dezassete semanas -, bem como no que assim se reflete na retribuição de férias e no subsídio de férias, correspondentes aos mesmos anos.
- Sobre todos os montantes em que a Ré é condenada, acrescem juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, a contar da data de vencimento de cada uma das prestações, até efetivo e integral pagamento (artigos 559º, 804º, 805º e 806º do Código Civil).
No mais confirma-se a decisão recorrida.
Custas da ação e da apelação pelo Recorrente e Recorrida, na proporção do respetivo decaimento.

Porto, 28.06.2024
Teresa Sá Lopes
Germana Ferreira Lopes
António Luís Carvalhão