MEDIDAS DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
MEDIDA DE CONFIANÇA A INSTITUIÇÃO COM VISTA A FUTURA ADOÇÃO
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
Sumário

I - A entrega para adopção é a última e mais grave das medidas que pelo que deve ser aplicada apenas quando não existe qualquer alternativa viável no âmbito do meio familiar alargado.
II - O facto de uma mãe poder ser qualificada como permissiva em termos educacionais nunca pode justificar, só por si, a aplicação dessa medida.
III - O facto da mesma mãe padecer de uma doença degenerativa incurável, no actual estado da ciência, também não justifica essa medida, já que esta pode prestar actualmente e num futuro próximo os cuidados necessários à sua filha
IV - O facto de os avós maternos, residentes no brasil, não terem convivido presencialmente coma sua neta, acolhida com 18 meses, não os impede de serem qualificados como familiares no âmbito do art. 40 da LPCJP.
V - O facto de o acolhimento ter ocorrido há quase dois anos e o projecto de entrega para adopção já estar estruturado nunca poderá justificar a não adopção de medidas protectivas no âmbito do núcleo familiar, por serem sempre, previsivelmente, as que melhor protegem a longo prazo a menor.

Texto Integral

Proc. n.º 2363/22.8T8PRT.P2

Sumário:

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1. Relatório

Os presentes autos dizem respeito a AA, nascida em ../../2019, acolhida na casa de acolhimento “Casa de ...- Associação ...” desde 11/02/2022 até ao presente.

No decurso dos autos o progenitor da criança prestou o consentimento prévio para adoção.

Foi proferido em 27/11/2023 acórdão que decretou a favor da criança AA a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção ao abrigo do disposto no artigo 35.º, n.º1, al. g) da L.P.C.J.P..

Após recurso esse acórdão foi revogado por decisão do TRP de 8.2.24: “a fim de serem realizadas as diligências necessárias para a comprovação dos factos alegados no requerimento de 13.12.23., nos termos do art. 662º, nº3, al c), sendo depois proferida nova decisão em conformidade”.

         Em 24.3.24 foi proferido o seguinte despacho “Requerimento de 29/02 (avós maternos): nada a ordenar, uma vez que o processo ainda não foi devolvido pelo Tribunal da Relação do Porto, sendo por nós desconhecido o teor de acórdão ali proferido”.

Com a mesma data (24.3.24) foi proferido despacho designando debate judicial e inquirição dos avós paternos.

Com data de 23.4.24 foi realizado debate conforme consta da respectiva acta tendo sido depois proferido novo acórdão que decidiu “aplica(r) agora a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção e Nos termos dos artigos 62º-A, n.º 6 da LPP e 1978-A do C. Civil determino a inibição do exercício das responsabilidades parentais por parte dos progenitores da criança e proíbo as visitas da família natural, com efeitos imediatos”.

Inconformada veio a menor e a progenitor interpor recurso.

Esses recursos foram admitidos como de apelação, com efeito suspensivo, e com subida imediata e nos próprios autos - artigo 645º, n.º 1, a) do CPC e 124º, n.º 2 da LPP.

Apesar do efeito suspensivo foi determinado “mantenho a suspensão de contactos entre a família biológica e a criança.

2.1. Conclusões apresentadas pela mãe da criança cujo restante teor se dá por reproduzido e se resumem nos seguintes termos:

1- Na fundamentação da decisão apesar de referidos relatórios de psicologia, não são indicadas as respectivas datas, ao contrário do que é feito a propósito dos relatórios de pedopsiquiatria e psiquiatria, dando a impressão de uma menorização relativamente àqueles, com a qual não se pode concordar, nem tal é compatível com a relevância que lhes é atribuída pela própria decisão, motivo pelo qual, deverão constar as respectivas datas: a)- relativamente à progenitora, elaborado em 30 de Setembro de 2023 e junto aos autos em 23/10/2023; b)- relativamente à menor, elaborado em 18 de Outubro de 2023 e junto aos autos em 23/10/2023.

Estas datas, omissas na decisão em crise, relevam, desde logo por demonstrarem tratar-se dos exames mais recentes de todos os que foram realizados a ambas.

2- Existe lapso manifesto no relatório de Psicologia relativo à Progenitora, BB, na parte em que transcreve as declarações médicas de neurologia, atribuindo-lhes, respectivamente, as datas de 21/02/2022 e 30/06/2022.

3- Ora, da simples análise do conteúdo das referidas declarações, é possível concluir que a segunda não pode ser do ano de 2022, mas de 2023, desde logo, a partir das idades indicadas, é possível concluir que não se podem reportar ambas ao ano de 2022. A menor nasceu a ../../2019 (tinha, portando 2 anos em 21/02/2022 – data da primeira declaração médica de neurologia). Na data indicada como sendo da segunda declaração, a menor ainda teria, assim, os mesmos 2 anos. Já se atendermos a que por lapso foi indicado 30/06/2022, quando na realidade a declaração se reporta a 30/06/2023, verificamos que a idade da menor está correcta, valendo o mesmo raciocínio para a idade da mãe, que, tendo nascido em ../../1981, em 21/02/2022 tinha 40 anos e em 30/06/2023 tinha já 43 anos.

4- Também estas declarações médicas foram consideradas igualmentes relevantes para a formação da convicção do tribunal, e não é irrelevante o facto de a segunda declaração ser de Junho de 2023, correspondendo, portanto, a uma avaliação mais recente.

5- No aliás Douto acórdão, de que ora se recorre, diz-se: “(...)sendo que eventuais diferenças entre as declarações das médicas que acompanham a progenitora e a perícia de psiquiatria são justificadas pelo lapso temporal entre as declarações daquelas e as perícias.”, pretendendo justificar-se porque se deu primazia à opinião contida no relatório de psiquiatria, em detrimento da declaração médica, da especialidade da doença de que padece a progenitora, que são fundamentalmente incompatíveis entre si.

6- Ora, resulta claro do exposto, que o relatório de psiquiatria foi elaborado em 02/05/2023 e que a segunda declaração médica de neurologia foi emitida em 30/06/2023, sendo por isso posterior e mais recente, além de ser elaborado por médica da especialidade correspondente à doença de que padece a progenitora e que a acompanha desde que foi diagnosticada a doença, ao contrário, sem qualquer demérito, do que se passa com a Psiquiatra que elaborou o referido relatório de psiquiatria e que apenas terá tido um único contacto com a progenitora, para elaborar o seu relatório.

7- Entendemos, assim, ser evidente o erro, que determinou a valorização do dito relatório de psiquiatria, em detrimento de muitos outros elementos dos autos, a que seguidamente nos referiremos, designadamente aquela declaração médica, todos frontalmente contrários e em contradição clara com as conclusões do referido relatório de psiquiatria,

8- O erro consubstanciou-se, assim, no facto de se ter considerado aquele relatório de psiquiatria mais recente que a declaração médica de neurologia, conforme flui da motivação da decisão quando, manifestamente, não é.

9- A Recorrente não pode concordar, pelo que se impugna, a matéria de facto dada como provado e não provada, no seu todo, e mais específicamente, no que diz respeito às alíneas h), i), n), o), p), q), r), s), t), u), w), x), z), aa), cc), ee), ff), gg), mm), nn), oo), pp), qq), rr), ss), tt), uu), ww), xx), yy) e zz) dos factos provados e à alínea única dos factos não provados, o que nos conduz, necessáriamente a conclusões diferentes e divergentes daquelas que se extraem do, aliás, Douto acórdão em crise, e que determinaram decisão de aplicação de medida de confiança a instituição com vista a futura adopção. E de inibição do exercício das responsabilidades parentais por parte dos progenitores da criança, proíbindo-se as visitas da família natural, com efeitos imediatos.

(…)

17- Tal como é declarado no Relatório de Psicologia relativo à progenitora, de 30/09/2023, (pág 4 – 2º parágrafo) esta “é professora de educação física, apesar de se encontrar desempregada.” Mais refere-se que (pág 5 – 2º parágrafo) Está em Portugal há cerca de seis anos, tendo tido empregos em restauração , ajudante de cozinha e limpezas .

18- Depois de engravidar descobre que é detentora de doença genética rara, degenerativa, do foro neurológico e decide dedicar-se em exclusivo à filha, de modo a proporcionar-lhe todo o tempo de qualidade possível, ficando desempregada e passando a receber apoio económico da família do Brasil e do padrinho da filha, residente em Itália, que acrescem ao subsídio de desemprego e abono que recebia.

19- Perspectivando a possibilidade de um dia perder as suas capacidades cognitivas, desde logo estabeleceu o projecto de regressar ao Brasil, para junto da sua família, quando a sua médica neurologista determinar que já não será capaz de tomar conta dela, nem da filha.

20- Nos autos, a única pessoa que foi ouvida com conhecimentos específicos e habilitações para entender e avaliar a condição e estado da Progenitora é a especialista em neurologia que acompanha a progenitora, desde que lhe foi diagnosticada a doença, Dra CC. Como supra se referiu, esta especialista emitiu, em 30/06/2023, declaração médica onde atestava que “Trata-se de uma senhora de 42 anos, com uma doença em estado inicial, caracterizada por uma coreia, exacerbada pela ansiedade. Tem uma filha de três anos, com quem compareceu a consulta até lhe ter sido retirada a guarda. Durante esse período a menina compareceu sempre com a D. BB às consultas, bem cuidada, sendo evidente uma estreita relação mãe-filha. De momento, a D. BB não tem alterações cognitivas que a impeçam de cuidar da filha "

21- Daqui ressalta, desde logo, a informação de que em Junho deste ano (2023) a doença ainda se encontra num estado inicial. Mais, atesta-se que a D. BB não tem alterações cognitivas que a impeçam de cuidar da filha.

25- A doença de que a Progenitora padece é uma doença genética rara, que se manifesta tardiamente na vida de uma pessoa e tem uma progressão lenta.

32- A doença da Progenitora ainda não afecta a sua parte cognitiva.

33- A doença da Progenitora não afecta o seu relacionamento com as outras

pessoas.

35- A Progenitora não tem qualquer problema psiquiátrico associado à doença, esta especialista afirma que a D. BB terá o seu feitio, as suas características, mas que isso é independente da doença.

36- Mais, afirma que nunca notou qualquer dificuldade no diálogo com a Progenitora, que esta sempre foi cumpridora da medicação instituída e sempre compareceu a todas as consultas que foram agendadas e o diálogo é um diálogo cordial e fácil com ela.

40- Resulta assim claro que não existe qualquer problema psiquiátrico, designadamente proveniente da sua doença de foro neurológico, que afecte as suas capacidades cognitivas ou a capacidade de cuidar de si ou da sua filha, mas resulta também claro que toda a conflituosidade que se gerou ao longo do processo, é resultado da incompreensão e falta de sensibilidade para a doença de que padece, sendo também lógico que a progenitora, pessoa inteligente e que mantém todas as suas capacidades cognitivas, se revolte com a forma como dia após dia vai sendo tratada e, sobretudo rejeitada, anulada e incompreendida.

42- A questão, da incompatibilização e conflituosidade e a compreensão das suas causas é particularmente relevante, e o que acabou de se concluir acima, ressalta também dos seguintes depoimentos:

43- Dra. DD, da EMAT Porto, que tem as suas declarações prestadas em Audiência gravadas e constantes de suporte informático, ficheiro “20221130114815_16121439_2871472.mp3” – (30-11-2022) Minuto 20:45 ao minuto 21:17,

44- Dra. EE, psicóloga de formação, que exerce as funções de técnica de R.S.I. no Centro Social ..., que tem as suas declarações prestadas em Audiência, gravadas e que constam de suporte informático, ficheiro “20221130101517_16121439_2871472.mp3” – (30-11-2022) Minuto 4:20 ao minuto 5:22,

45- Estes depoimentos, além de tantos outros elementos espalhados pelos autos, tornam possível a compreensão da postura, das reacções e da interpretação que lhes vai sendo dada.

49- O depoimento permite, também, compreender que as acusações que são feitas à progenitora resultam, como se tem vindo a evidenciar, de falta de compreensão, de desconhecimento, por parte das técnicas, designadamente da casa de ... mas também de uma certa revolta que, compreensivelmente, foi crescendo na D. BB, sendo isto mesmo referido a título de exemplo por lhe terem proibido visitas (já no seguimento da incompreensão) o que por si impulsionou maiores sentimentos de revolta e impotência que aprofundaram o abismo da incompreensão e, consequentemente, dos conflitos instalados.

50- Releva, ainda, o facto de, segundo o entendimento desta técnica, com ampla experiência prática na sua área, que revela ser já de mais de 15 anos, com acompanhamento de imensos casos, verificar que a situação desta progenitora e da menor, são insignificantes, comparativamente a tantos outros que acompanha, também no âmbito da EMAT e CPCJ, concluindo , sem esconder alguma estupfacção, que em casos muito mais graves , onde será muito discutível a vinculação, a afectividade, a existência de competências parentais e nos quais, não é exercida autoridade para retirar os menores aos seus progenitores , quando, relativamente a esta progenitora e esta menor , reconhece e elogia o amor que é notório e evidente entre ambas, mas também as competências parentais, reconhecendo, ainda as condições económicas mínimas, que advêm da retaguarda familiar, e condições habitacionais dignas. Acrescenta, ainda pelo feedback que tem, tanto da EMAT quanto da instituição, que a menina tem esse mesmo sentimento para com a mãe e que a mãe sempre visitou a filha, sempre cumpriu com visitas e passeios, sempre levou à filha brinquedos e livros para a estimular. Realçando que, no trato à filha inexistem e nunca lhe foram feitas quaisquer referências negativas.

56- Não podemos, também, aqui deixar de notar que, em 13/12/2023, a família, mais concretamente os avós da menor, fizeram juntar aos Autos, requerimento, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, que espelha de forma mais completa esta realidade traduzida na retaguarda familiar e apoio que a progenitora recebe, por parte da família.

62- Quer-se, com isto, demonstrar que, não obstante ser realisticamente provável que a doença continue a evoluir, pese embora, de forma muito lenta, existe uma possibilidade bastante real, tanto que é quase, também ela, uma probabilidade, de ser descoberta medicação que permitirá impedir a evolução da doença, razão esta pela qual entendemos não ser uma certeza e uma inevitabilidade a progressão da doença até um ponto em que a progenitora não terá já capacidade para cuidar de si e da sua filha.

63- Não convém esquecer também, nas palavras da mesma especialista, que mesmo que esta medicação não seja encontrada em tempo útil (repare-se que não é dito “não seja encontrada”) “mesmo que isso não venha a acontecer com a brevidade que desejamos, eu acho que a D. BB, com aquilo que nós temos agora, ainda é capaz de tomar conta da filha durante muitos anos.”

69- Porventura o facto que colhe maior unanimidade é aquele que se prende com os laços afectivos que sempre uniram esta mãe e a sua filha, sempre adjectivados como forte ligação afectiva, de cumplicidade, de alegria, como gratificantes...

70- Existem, porém, duas excepções a esta opinião que, diríamos, unânime: - A primeira corresponde à conclusão formulada no relatório pericial de pedopsiquiatria. - A segunda corresponde à convicção formulada pelo Tribunal “a quo” materializada na matéria que dá como assente e depois reflectida na decisão que é tomada.

71- Ora, salvo o devido respeito, que é muito, não podemos concordar com tais opiniões e, além de frontalmente contrárias e em contradição com tudo o mais que, a este respeito, se diz nos Autos, carecem manifestamente de sustentação porquanto: - A primeira assenta num único pressuposto e, como veremos, esse pressuposto está errado. - A segunda limita-se a subscrever e reproduzir a única opinião expressa nesse sentido que, como veremos enferma, por falta de fundamento, desde a sua base.

72- O relatório de pedopsiquiatria de 30/04/2023, declara categóricamente nas suas conclusões (pág. 5 – ante-penúltimo parágrafo): “A examinanda apresenta vinculações / laços afetivos com a figura materna superficiais (…)” e no seguimento desta conclusão, justifica-a afirmando com certeza solene: “(…) o que é revelado pela facilidade com que se adaptou ao acolhimento e se separou da mãe.”

73 De onde se parte para a conclusão seguinte: “Pelo exposto, a hipótese de adoção deve ser considerada se vier a ser provado que houve negligência grave ou o estado mental da mãe coloca a filha em perigo. Note-se que a examinanda tem um desenvolvimento normal e não apresentava indicadores de negligência na alimentação, sono ou outros aspectos. (…)”

74- No entanto, aquela primeira afirmação não encontra eco em qualquer outro elemento presente naquele relatório, pelo contrário, o mesmo relatório afirma: (pág. 3, ponto 1.1, terceiro parágrafo) “Em relação ao objeto da perícia, a entrevista e a aplicação dos testes não identificou vivências negativas com a figura materna, descreveu vivências gratificantes com a mãe. No entanto, afirmou que, por vezes, a mãe estava “triste”. (pág. 3, ponto 1.2, primeiro parágrafo, linha 6) “A mãe parece mais controlada e comedida. A mãe foi uma figura desde sempre presente na instituição e afetiva com a filha.” (pág. 3, ponto 1.2, segundo parágrafo) “A criança é muito inteligente, foi muito estimulada pela mãe.” (pág. 5, parte denominada “VIII. DISCUSSÃO / IX. CONCLUSÕES / X. RECOMENDAÇÕES”, segundo parágrafo) “Em relação ao objeto da perícia, a entrevista e a aplicação dos testes não identificou vivências negativas com a figura materna, descreveu vivências gratificantes com a mãe.”

75- Por outras palavras: - Não foram identificadas vivências negativas com a figura materna, pelo contrário a menor descreve vivências gratificantes com a mãe – A mãe foi uma figura desde sempre presente na instituição e afetiva com a filha. – Além disso, em Abril de 2023, constatava-se que a mãe parece mais controlada e comedida, o que contraria a ideia de descontrolo psiquiátrico que parece imprimir-se no, aliás, Douto acórdão recorrido.

77- Parece-nos assim evidente que não pode vingar esta tese que defende a superficialidade do vínculo afectivo que une esta mãe e esta filha. Note-se que o vínculo nem sequer é negado, tenta-se apenas, de forma flagrantemente infundada, anular a sua importância.

78- Consequentemente, fundando-se a conclusão do tribunal “a quo” nesta única opinião que segue a tese de vínculo superficial, sem qualquer outra justificação, que em todo o caso, inexiste, também ela não pode proceder.

79- Torna-se, então, imperioso assumir o inegável e reconhecer não só a importânciado vínculo, da relação desta criança com a sua mãe, mas também todo o sofrimento que lhe foi infligido com a separação e de que são sinais bem evidentes os terrores nocturnos que atormentaram a menor que acordava frequentemente a meio da noite a clamar pela sua mãe.

80- É óbvio que não foi fácil a adaptação ao acolhimento e muito menos a separação da mãe .

81- Diga-se porém que, ainda que o vínculo tivesse esmorecido com o tempo, circunstância que não se concede e também não é revelada em nenhum dos elementos presentes nos autos, sempre isso sucederia por via da institucionalização infligida e nunca por falta de esforço e dedicação desta mãe ou de fragilidade da ligação que a filha tem a ela, a qual chega a ser denominada de simbiótica.

82- Mas o mesmo relatório de pedopsiquiatria vai ainda mais longe, passando a recomendar que a hipótese de adopção deve ser considerada se: a)- vier a ser provado que houve negligência grave; ou b)- o estado mental da mãe coloca a filha em perigo.

83- Porém, também afiança que a examinanda tem um desenvolvimento normal e não apresentava indicadores de negligência na alimentação, sono ou outros aspectos. Com o que concordamos e se encontra em conformidade com os restantes elementos dos autos, devendo ser, desde já descartada a primeira hipótese referente a eventual negligência grave, porquanto, conforme se constata, não foi observado qualquer sinal de negligência.

92- Ou seja, sem que diagnostique qualquer patologia do foro psiquiátrico, alude a alguns conceitos vagos e outros do foro neurológico que, aliás, não domina e, acerca desses, emite parecer contrário àquele que a especialista em neurologia esmiuçou de forma exemplar, e que concluiu que, actualmente a progenitora não tem nada que a impeça de tratar da sua filha e que ainda o poderá fazer por muitos anos, e mesmo isto, se não se descobrir medicação que impeça a evolução da doença.

93- Tudo em claro prejuízo dos superiores interesses da menor, que está já há metade do seu tempo de vida privada do convívio salutar e normal com a sua mãe e em claro sofrimento.

98- Resulta desde logo do relatório de pedopsiquiatria que a menor foi muito estimulada pela mãe, sendo considerada muito inteligente.

102- O contraste da valoração que se faz do momento inicial do processo, com aquela que se passa a fazer depois da institucionalização da menor.

103- Num momento tínhamos tínhamos uma mãe preocupada e vigilante que repreendeu a sua filha, na sequência de uma situação de perigo, transmitindo-lhe regras e valores, assim como a noção do perigo, e que foi penalizada pelos seus excessos;

104- Noutro momento passamos a ter uma mãe permissiva, que compromete o desenvolvimento da menor por não mpor regras e limites a uma criança de 2, 3 (e agora) 4 anos.

107- Ainda outros factores tidos como de risco foram já eliminados: A)- A progenitora tinha optado por manter consigo a menor até que esta perfizesse 3 anos, porém, por um lado e como demonstrado nos Autos, veio a alterar a sua opinião, acerca desta questão, depois de a filha ter sido inscrita em infantário. Por outro lado, esta já perfez 4 anos, pelo que a questão se encontra ultrapassada por natureza. B)- O registo habitacional da progenitora foi considerado precário, porém, há já bastante tempo, fez questão de alterar esta condição e comprová-la nos Autos. Mais recentemente fê-lo por requerimentos de 13/10/2023 e de 08/11/2023, estando neste momento a residir em ..., em casa arrendada, com excelentes condições de habitabilidade, conforme comprovou com a junção do contrato de arrendamento e fotografias que ilustram as condições da casa. C)- Era frequente a referência a que a progenitora não ouvia opiniões diferentes da sua e que não acatava sugestões para alteração de comportamentos e orientações, porém, resulta: - do relatório de pedopsiquiatria de 30/04/2023, segundo informações obtidas junto da instituição de acolhimento, que a mãe parece mais controlada e comedida (pág. 3, ponto 1.2, primeiro parágrafo, linha 6)

111- Ora, como bem se extrai dos argumentos jurídicos expendidos na decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, a medida de confiança de menor a instituição para efeitos de posterior adopção depende da verificação de dois requisitos cumulativos, a saber: a) – Inexistência ou sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação; b) – Ocorrência de alguma das situações objectivas tipificadas nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 1978º, do Código Civil.

112- Em concreto, não se vislumbra que inexistam comprovadamente vínculos afectivos muito fortes entre a criança e a mãe.

113- Sendo que também o requisito referente ao perigo terá que dar-se por não verificado.

115- Assim, considera a Recorrente, que não estão reunidas as condições para o decretamento da medida de confiança para adopção, pois que não estão comprometidos os laços afectivos com a sua filha e não estão esgotadas as possibilidades da sua própria recuperação (com a aplicação coerente dos meios de apoio social que não lhe foram prestados) ou de integração no seio da família alargada (avós), também com o devido apoio e acompanhamento, acabando, pois, em seu ver, o tribunal por decidir contra o interesse superior da criança (interesse que passa pela sua integração no seio da sua família biológica ou alargada, investindo na melhoria e/ou recuperação das suas disfuncionalidades) e trocando o certo, a existência de uma relação afectiva entre a Recorrente e a sua filha e vice-versa, pelo incerto, pois se ignora se a mesma será adoptada, correndo o risco de ficar eternamente na instituição, sem contactos ou visitas de sua mãe, que está proibida de o fazer.

116- Deve assim ser dada prevalência às medidas que integrem a criança na sua família, de forma a manter e desenvolver os laços afectivos existentes e conferir à criança a segurança inerente a tais laços, promovendo e auxiliando, se necessário, os progenitores ou outros familiares próximos a assumir e cumprir de forma satisfatória os seus deveres parentais.

117- Se a criança tem uma família (biológica ou alargada) que quer assumir, de forma séria, consistente, permanente e satisfatória as suas funções parentais em termos de garantir aqueles direitos e objectivos, não deve a criança ser separada dessa família, ainda que a família tenha de obter ajuda externa, ou seja, acompanhamento e apoios sociais, que não devem, pois, ser negados, antes empenhados na sua prossecução

118- No entendimento da recorrente a aplicação da medida de adopção apenas poderá existir se se demonstrarem infrutíferas todas e quaisquer medidas de integração na família biológica, abrangendo também a família alargada em que haja um vínculo sanguíneo e a opção por um centro de acolhimento.

119-O que não é, de todo, o caso constante dos presentes autos, pelo que será, no entender da recorrente, mais adequada à prossecução do interesse da menor a medida que resulta do Art. 35º, n.º1 a) da Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro, com acompanhamento e apoios sociais, por ser aquela que melhor acautela os superiores interesses da menor.

120- Em alternativa, poderá ser ponderada a implementação da medida de entrega da menor à família alargada materna e ficando os avós maternos com a guarda da menor, nos termos que melhor resultam do Art. 35º n.º1 b) daLei n.º 147/99, de 01 de Setembro.


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2.2. A menor, apresentou as seguintes conclusões, que pela sua extensão se resumem nos seguintes termos:

A MATÉRIA DE FACTO

13) Com o devido respeito, a Recorrente evidencia que factos dados como provados e também o não provado, no Acórdão ora em crise são genéricos, abstractos, superficiais, por vezes insuficientes e também conclusivos, e, como tal, não assumem nem podem assumir a virtualidade de desempenharem a relevância jurídica necessária para a decisão que deles foi emanada e que impacta fortemente na vida da Menor.

14) Tais genericidade, abstractividade, superficialidade, insuficiência e/ou conclusividade – mesmo que o Dig.º Tribunal recorrido tenha conseguido enumerar meios de prova pericial, documental e testemunhal que valorou, ou até mesmo corrigir, por despacho posterior, alguns lapsos – terão ferido de morte a sua análise crítica.

15) Isto porque “a motivação duma sentença não pode ser meramente formal, tabelar ou formatada, antes devendo expressar as verdadeiras razões que conduziram à decisão” (sic, Ac. TRP Porto, datado de 21/03/2022, Proc. 754/11.9T2OBR-A.P1, in www.dgsi.pt ).

16) Sem prescindir, indicar-se-á de seguida os pontos da matéria de facto, os quais, no entender da Recorrente, foram incorrectamente julgados.

17) Por isso, a Recorrente impugna os factos que de seguida identifica e todos os outros que com eles estiverem em oposição:

a) Provados: h), i), n), o), p), q), r), s), t), u), w), x), z), aa), cc), ee), ff), gg), mm), nn), oo), ss), zz) b) Não Provados: a)

18) Para efeitos da impugnação, a Recorrente fundamentará, em termos que julga concludentes, as razões pelas quais discorda do decidido e indicará os meios probatórios que, em seu entender, implicam decisão diversa da tomada pelo Tribunal.

19) Começando pelo único facto dado como não provado, o de que a Progenitora da Menor recebe ajudas financeiras de familiares residentes no Brasil: na modesta opinião da Recorrente, tal matéria deveria ter sido considerada como provada, uma vez que é verdade, tal como o declarou a Progenitora da

20) No tocante à impugnação de factos dado erroneamente como provadosL…) “h) A progenitora (…) não é capaz de assegurar os cuidados necessários ao bem-estar, desenvolvimento integral e segurança da criança e não percebe os desafios que em cada idade e fase a criança é exposta.”

22) “i) A progenitora não reconhece a importância para a AA da existência e manutenção de residência fixa; da colocação da filha em infantário;”

23) “n) Desde Fevereiro e até à presente data, a progenitora tem revelado acentuada desorganização pessoal e manifestado sentimentos de conflituosidade com as diversas pessoas com quem vem contactando.”

25) “p) Bem como da médica pedopsiquiatra;”

26) “q) Mostrando-se, mesmo na presença da filha, agressiva e alterada;”, “ r) Situação que se mantém até ao presente;”,  “s) Com a AA, a progenitora não é capaz de ser assertiva e deixa fazer tudo o que a criança quer, nunca a contrariando.”

27) “t) A progenitora não respeitava as rotinas de alimentação e sono da filha.” 33

28) “u) No infantário que a criança frequentou, quando vivia com a mãe, esta incompatibilizou-se com as técnicas, além do mais, por filmar a menor e demais pessoas mesmo sabendo que não o pode fazer e tendo sido advertida de que não tinha autorização para o efeito;”

29) “w) A progenitora nunca foi capaz de criar um ambiente familiar funcional para a filha; “x) Também não é capaz de assegurar a sua própria subsistência nem da filha;”

30) “z) Apesar de referir a existência de família no Brasil, nunca nenhum elemento desta veio a Portugal conhecer a criança, nem esta viajou até ao Brasil;”

i) Não sendo uma inverdade a constatação, certo é que a mesma é incompleta, enviesando a realidade existente. Não podemos olvidar que a Criança nasceu muito pouco tempo antes do início da pandemia por Covid-19, que impossibilitou durante largos períodos de tempo ao longo de 2 anos quaisquer deslocações, mormente entre continentes. Por outro lado, é do conhecimento do Tribunal, por diversas vias (relatórios, depoimentos, declarações da Progenitora), que a Criança manteve até agora contacto assíduo, através de videochamadas, com a família materna. Ii) Cfr. Gravação “20221130114815_16121439_2871472.mp3” – (30-11-2022), a partir do minuto 06:35 até ao 06:46.

31) “aa) A progenitora recusa necessidade de apoio de terceiros no que se refere aos cuidados a prestar à filha;”

32) “cc) Não obstante os esforços das técnicas, a progenitora tem aumentado o sentimento de desconfiança e de contrariedade para com aquelas,”; “ee) A progenitora mantém desde sempre dificuldade de respeito pelos outros, nomeadamente técnicos, a quem dá respostas impulsivas e agressivas, sendo adversa à supervisão e revela fortes resistências à mudança;”, “ff) A progenitora nunca aceitou acompanhamento técnico, nem demonstrou vontade em adquirir e melhorar competências parentais.”

i) Já neste libelo foram explanadas as razões pelos quais estes factos foram também dados como provados, ainda que, com o devido respeito, de forma errónea e parcial. Os factos carreiam a versão das pessoas ligadas à instituição de acolhimento, sendo notório o clima de hostilidade e conflito que esta não soube gerir com a Progenitora, em claro detrimento do bem-estar e do superior interesse da Criança.

33) “gg) Não existem outras pessoas de referência na família da criança que possam cuidar da mesma;”

34) “mm) Apresenta vinculações / laços afetivos superficiais com a fiqura materna;”

36) “oo) O comportamento opositivo da criança é resultado de práticas educativas permissivas pela mãe.”

37) “ss) Apesar de manifestar interesse e afeto pela filha, a examinanda, por força da sua patologianeurológica, não reúne condições para, sozinha, exercer os seus direitos e deveres maternos;”

38) “zz) Tem um registo educativo permissivo, entendendo que não tem de impor à filha regras e limites;”

41) Mesmo, porventura, não se alterando a matéria de facto, o que não se concebe ante a prova  concludente nesse sentido, mesmo assim, com a matéria já dada como provada pelo Tribunal “a quo”, não se pode concluir pela aplicação da medida de confiança instituição com vista a futura adopção.

DA MATÉRIA DE DIREITO

42) Nos termos do n.º 1 do art.º 1974.º do Código Civil, desde logo se indica que “a adopção visa realizar o superior interesse da criança e será decretada quando apresente reais vantagens para o adoptando”.

43) Ora, com o devido respeito, no caso em apreço (sendo que, conforme doutrina maioritária, o próprio conceito de superior interesse da criança deve ser analisado casuisticamente), a adopção não apresenta reais vantagens para esta Criança.

44) O PPP em causa surgiu devido a uma alegada suspeita sobre a Progenitora na actuação para com a Criança, que nunca se confirmou (aliás, à Mãe é assacada a responsabilidade por uma educação diametralmente oposta, como entrave ao restauro do vínculo com a Filha).

45) Basicamente, todo o PPP tem vindo a assentar praticamente na condição da patologia de que padece a Progenitora desta Criança, o que tem vindo a destruir aos poucos o vínculo securizante da Menor com a sua figura de referência materna, ademais sempre presente na sua Vida, com consequências nefastas para o seu bem-estar físico, psíquico e emocional.

46) Além de que, ainda mais sério, nem sequer se cumprem os pressupostos necessários para confiar a Criança com vista a futura adopção, nos termos previstos no artigo 1978.º CC. Isto porque:

47) Apesar de o Progenitor ter prestado o seu consentimento prévio para a adopção da Menor,

48) Relativamente à Progenitora, e segundo afere, e aí bem, o Acórdão recorrido, cairemos forçosamente na verificação da condição prevista na al. D) do n.º 1 do art.º 1978.º CC.

49) Em boa verdade, e diferentemente do que entendeu o Tribunal “a quo”, entende a Recorrente que, no caso concreto, e também durante todo o tempo do PPP em questão, a Menor não foi posta em perigo grave na sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, pela sua Progenitora.

50) Apreciando forçosamente também o previsto nas alíneas c) e f) do n.º 2 do art.º 3.º da LPP, a Menor também não deixou de receber os cuidados ou a afeição por parte da sua Mãe, adequados à sua idade e situação pessoal concreta, nem tão pouco está sujeita, de forma directa ou indirecta, a comportamentos que afectem, também de forma que teria de ser grave, a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional.

51) Ou seja, inexiste no caso concreto perigo grave para esta Criança, convivendo com a sua Mãe. E assim o evidenciam os inúmeros factos já apreciados.

52) Não obstante o, aliás respeitável, Acórdão ter enunciado os normativos legais que devem ser chamados à colação aquando da possibilidade de aplicação da medida de confiança da Criança (a instituição, “in casu”), com vista a futura adopção, o facto de ter erroneamente assente a sua convicção em factos não coincidentes com a verdadeira realidade (elencados na folha 12 do Acórdão em crise), inquinou irremediavelmente o sentido com que as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas.

53) Não esquecer ainda que esta Criança e a sua Mãe, como Família que são, merecem a tutela constitucional. O artigo 67º, n.º 1 da nossa Lei Fundamental declara que “a família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros.”. Por seu turno, o artigo 68º da mesma Lei Fundamental acrescenta que “a maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes” (n.º 2) e que “os pais e as mães têm direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, com garantia da realização profissional e da participação na vida cívica do país”

54) No caso em apreço, entendemos que esta Mãe também não deixou de cumprir com os seus deveres fundamentais para com a Menor, antes pelo contrário.

DA MEDIDA DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO APLICADA

55) Entendeu o, aliás respeitável, Acórdão em crise que, de entre as medidas de Promoção e Protecção previstas no art.º 35.º da LPP, a medida a aplicar será a de confiança da Criança a instituição (“in casu”, a mesma onde tem estado institucionalizada, ainda com as incapacidades que esta tem vindo claramente a demonstrar no acautelamento do concreto superior interesse da Menor), com vista a futura adopção, assim decidindo.

56) Com o devido respeito, discordámos com tal decisão.

57) Desde logo, tem sido notório, evitável e inútil o crescente sofrimento de que esta Criança de tão tenra idade tem vindo a padecer devido ao afastamento brusco da sua Progenitora.

58) Os vínculos existentes entre ambas (Mãe e Filha) sempre foram são fortes, afectuosos, naturais e saudáveis.

59) Tais vínculos têm vindo a ser severamente atacados sempre que não foram/não são respeitados os princípios orientadores da intervenção para a protecção da Criança (p. e. p. no art.º 4.º da LPP), desde logo, a intervenção mínima, a proporcionalidade e actualidade, a responsabilidade parental, o primado da continuidade das relações psicológicas profundas, e a prevalência da família – como aconteceu e continua a acontecer.

60) Também considera a Recorrente que não estão reunidas as condições para o decretamento da medida de confiança para adopção, pois que não estão comprometidos os laços afectivos da Criança com a Progenitora, nem estão de todo esgotadas as possibilidades da sua própria recuperação (com a aplicação coerente dos meios de apoio social que não lhe foram prestados) ou de integração no seio da família alargada materna.

61) Se a Criança tem uma Família que quer e pode assumir, de forma séria, consistente, permanente e satisfatória as suas funções parentais em termos de garantir aqueles direitos e objectivos, não deve a Criança ser separada dessa Família, ainda que a Família tenha de obter ajuda alargada ou até mesmo externa (ou seja, acompanhamento e apoios sociais, que não devem, pois, ser negados, antes empenhados na sua prossecução).

62) Estes dois anos de institucionalização desta Criança “órfã neste momento de Mãe viva” (a qual não se eximiu em momento algum às suas obrigações de Progenitora), foram muito danosos e obstaculizantes para a vida desta Criança, a qual tem vindo a ser privada da companhia da Mãe, que tem lutado por ela, e do apoio da demais Família alargada disponível.


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2.3. O MP respondeu, cujo teor se dá por reproduzido, concluindo que:

Nunca a progenitora entendeu por adequado a proximidade da sua família, e desse modo, nunca apresentou prova nessa conformidade. Porém, chegados à reabertura do debate judicial e apreciada a prova apresentada pelos avós maternos da criança, a viverem no Brasil e que afirmaram nunca terem visitado a neta, a perfazer 5 anos no mês de agosto, conhecendo-a por videochamada, na verdade, manteve o tribunal a convicção de que a integração familiar continua a não ser o projeto de vida a definir para a AA.

Aliás, o conhecimento da neta, nascida no ano de 2019 e só acolhida residencialmente, no ano de 2022, não ultrapassou o plano do conhecimento virtual, o que se estranha face à invocada, à saciedade, da existência de condições materiais/ socioeconómicas excecionais.

É imperioso concluir, lamentavelmente, que os avós, os tios, ou outros, nunca estabeleceram com a AA modelos de referência afetivos capazes de com ela estabelecerem uma relação de proximidade e familiaridade, que lhe transmitisse segurança e confiança e lhe permitisse um crescimento equilibrado, saudável e harmonioso.

Inviabilizada a solução no âmbito da sua família biológica, sendo de relevar que, contrariamente ao sufragado na peça processual do recurso, não pode este processo centrar-se exclusivamente na recuperação de tais elementos, sejam os pais, ou outros familiares, que nunca se apresentaram, em tempo útil, como alternativa, pois que o tempo das crianças, na sua fase de crescimento e desenvolvimento integrais, não é o mesmo dos adultos.

Por tudo o exposto, não havendo irregularidades a conhecer na apreciação e interpretação da prova, por esgotadas todas as diligências tidas como adequadas e necessárias à boa decisão da causa, por falta de resposta adequada no seio familiar e atendendo ao caráter urgente da situação da AA, nascida a ../../2019, deve ser confirmada a decisão recorrida e negar-se provimento aos recursos.

3. Questões a decidir

1. Apreciar de forma unitária os recursos sobre a matéria de facto.

2. Depois, verificar se a matéria de facto apurada permite ou não a procedência de qualquer um dos recursos interpostos.


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4. Do recurso sobre a matéria de facto

A decisão de retirar um filho aos progenitores e a sua entrega para adopção é, por certo, a mais grave que um tribunal da jurisdição de família e menores pode realizar, que por isso tem todos os poderes (e deveres) para superar quaisquer “problemas de timing”, por forma a proteger os interesses da criança.

Só por isso, a mesma deveria ser efectuada de forma fundada, pausada e sem qualquer tipo de preconceitos e bias cognitivos aproveitando até a simples leitura das anteriores alegações para corrigir erros evidentes que constavam dos factos provados.

Não foi isso que, infelizmente, aconteceu neste caso.

1) da ligação entre a mãe e a criança

O MP na sua anterior resposta é claro “No caso em apreço, não se nega, a existência de afectividade entre a mãe e AA”.

Note-se aliás que nas declarações das Dr.ª DD e Técnica da Casa de ... Dr.ª FF é também evidente “Existe uma boa vinculação entre a Progenitora e a Criança” (acta de 22.5.22).

Das declarações da Dra. GG, Educadora Social da Casa da ...), resulta que : “(….) a AA encontra-se bastante estimulada e apresenta um desenvolvimento dentro do esperado para a idade. Tem facilidade em compreender as regras e cumpri-las. Tem comido bem e faz uma alimentação variada, relativamente ao sono demora a adormecer, tem um sono agitado, com frequência desperta, por vezes chama a mãe.”

Note-se aliás que essa decisão de facto não é apenas infundada como contraria a anterior posição do mesmo tribunal a quo. Na verdade ouvindo toda a produção de prova e diligências realizadas, o mesmo tribunal em 23.5.22, frisou “que existia uma forte vinculação efectiva entre mãe e filha, que esta poderia visitá-la sempre que quisesse (dentro dos horários e regras da instituição).

 Dois anos, depois, conseguiu-se, pela segunda vez, e sem qualquer razão objectiva considerar provado que afinal essa ligação afectiva que era forte passou a ser meramente superficial.

Logo, é manifesta a procedência, nesta parte, do recurso sobre a matéria de facto.


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2) Da agressividade e comportamento da apelante

Que existe uma agressividade no comportamento da progenitora é algo evidente nos elementos dos autos face às várias informações e relatórios juntos aos autos, quer mesmo do depoimento da maior parte das técnicas inquiridas.

Depois, o relatório pericial de análise psicológico é claro nessa agressividade e comportamento problemático.

Um dos incidentes consta aliás da participação da PSP junta pela própria apelante (23.11.23).

Por fim, bastará ouvir o depoimento desta em 10.11.23, para se constatar que “filmo sempre (as situações) porque há (sempre) problemas”.

Depois, nas perícias médico-legais (cfr. fls. 562 a 578), consta que a apelante demonstra “ “irritabilidade, explosões agressivas, impulsividade, mudanças de humor, elevada desconfiança interpessoal, autoconcentração, isolamento pessoal (…) com a presença de sintomatologia de natureza depressiva e ansiosa clinicamente significativa.” E ainda, a nível cognitivo “perda de flexibilidade mental e menor capacidade de lidar com situações inesperadas”, “dificuldades em adaptar-se à mudança, dificuldades a ver as coisas de outra perspetiva, défices de autocontrolo”.

Acresce que, por exemplo a Sra. Dra EE, esclarece que de facto a apelante tem um comportamento agressivo, o qual explica como sendo devido à situação de revolta pela institucionalização da sua filha.

Mas, note-se bem, está como veremos por demonstrar que essa irritabilidade e revolta sejam causados pela doença neurológica de que padece.

O recurso da matéria de facto será, pois, apenas parcialmente provido nesta parte.


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3. Das condições da apelante cuidar da sua filha

Pretendem as apelantes a alteração, entre outros do ponto “h) A progenitora (…) não é capaz de assegurar os cuidados necessários ao bem-estar, desenvolvimento integral e segurança da criança e não percebe os desafios que em cada idade e fase a criança é exposta”

Este facto é, sem dúvida o fundamental entre todos os postos em causa.

Nesta matéria, teremos, de notar que a prova é valorada de acordo com as normais regras da experiência.

Ora, não deixa de ser curioso constatar que a menor tem desenvolvimento motor e cognitivo adequado (menção do relatório médico do CMIN junto a 27.11.23); que tem uma forte ligação afectiva à sua mãe, e que esta manifesta um cuidado (até excessivo) com a mesma.

E, que os dois únicos actos que podem, em concreto, constituir um eventual perigo para a menor:

1. “Em 1.2.22 nas instalações dessa CPCJ quando confrontada com a possibilidade de colocação da menor em instituição, a apelante puxou a filha e colocando a mesma ao colo escalou um muro com cerca de 2 metros de altura, assim fugindo daquelas instalações”.

2. Segundo a informação de 31.3.22 (e relatório pedopsiquiatria) existe uma ausência de assertividade educacional.

Ora, quando ao primeiro fundamento, felizmente até o MP nas suas alegações orais (que foram ouvidas integralmente) e escritas abandonou esse fundamento.

Depois, nada resulta dos factos provados sobre essa realidade (muro com dois metros), que por isso está completamente indemostrada. Basta dizer que nenhuma testemunha foi inquirida e que, em termos de experiência comum, parece difícil que uma mulher com um bébé ao colo consiga saltar um muro com 2 metros de altura.

Portanto objectivamente essa realidade não existe e não pode ser valorada.


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Em segundo lugar quanto à permissividade educativa teremos de notar que a mesma se baseia numa única conclusão pericial da Sra. Pedopsiquiatra.

Lendo com cuidado esse relatório e ouvindo os esclarecimentos constata-se bem uma situação de conflito entre a Sra Perita e mãe da menor, que deu lugar até á expulsão desta do seu gabinete.

Ou seja, é possível que as conclusões periciais sejam influenciadas por esse conflito evidentemente descrito no teor do relatório e que ainda é mais evidente com a audição do seu depoimento.[1]

Aliás, algo que nunca foi perguntado à Sra. Perita foi qual o grau dessa permissividade e se esta é ou não normal, habitual ou corrente nos pais desta geração.

Depois, como bem salientam as alegações, esta conclusão pericial é até contrariada pelos demais elementos que constam dos autos nomeadamente a denuncia inicial.

Pois, consta dos autos que “o processo de promoção e protecção teve início com uma denúncia apresentada em 27/10/2021, segundo a qual a progenitora na referida data, pelas 19:50h na Rua ... no Porto, tinha gritado com a filha AA e a agarrado com força, isto é de forma brusca, desadequada e pouco cuidadosa, por duas vezes, quando a mesma fugiu do carrinho”.

Por fim, teremos de interpretar com conta, peso e medida a dimensão desse perigo.

Se com permissividade educativa, a Sra. Perita quer significar uma educação na qual os limites ao comportamento dos menores são diminutos e diluídos, parece que estaremos perante um problema social geral e não particular desta mãe. Depois, se entendermos essa permissividade como referente à idade da menor e até à doença degenerativa da mãe, podemos situá-la na sua correcta dimensão, ou seja, algo que não a impede, como não nunca impediu antes, de cuidar da sua filha.

Teremos de frisar que pelos vistos foi esquecido que o processo se iniciou em 2022 quando a menor já tinha mais de 18 meses de idade[2], sem que esta tivesse qualquer problema físico, subnutrição, maus tratos ou problemas de desenvolvimento físico e psicológico. Bem pelo contrário, a menor demonstrava estar bem tratada e a mãe sempre demonstrou preocupação com a mesma (note-se aqui o depoimento da sua médica assistente que revela que a primeira preocupação desta quando soube da doença foi as consequências para a saúde da sua filha).

Com efeito, os problemas da mãe neste processo derivam de um conflito comportamental entre a apelante e técnicas da instituição bem como outros intervenientes (ex a Sra. Dra. FF que no seu depoimento afirma que as alterações de comportamento da filha ocorriam após as visitas da mãe). Devido a uma postura agressiva e alterada da mãe.

Mas, nem esse conflito, nem essas técnicas foram capazes de por em causa a ligação afectiva entre mãe e filha, o interesse da mãe na filha e a sua capacidade para prover às necessidades desta.

Nessa medida não deixa de ser curioso a abissal diferença entre o depoimento da Dra. EE (técnica de R.S.I)[3], e que relata não apenas a preocupação e cuidado desta, mas que viu a habitação actual da mãe que possui as condições de habitabilidade adequadas (apesar de ser um quarto) , frisando que “cabe aos técnicos trabalhar e não impor” e que nunca teve problemas com a mesma.

Note-se por fim, que o relatório de Integração da Casa da ... de 21.03.2022 (ou seja um mês depois de ser acolhida consta “(….) a AA encontra-se bastante estimulada e apresenta um desenvolvimento dentro do esperado para a idade. Tem facilidade em compreender as regras e cumpri-las. Tem comido bem e faz uma alimentação variada, relativamente ao sono demora a adormecer, tem um sono agitado, com frequência desperta, por vezes chama a mãe.”

Ou seja, para além da doença degenerativa de que padece e do conflito que infelizmente desencadeou com alguns intervenientes, nenhum facto concreto relevante pode ser imputado à mãe no sentido de por em perigo o cuidado da sua filha.

Por fim, se dúvidas houvesse é pena que os restantes intervenientes (incluindo a Sra. Pedopsiquiatra), não tenham ouvido a parte final da médica assistente da progenitora que explicou que os sintomas da doença desta são confundidos como agressividade tendo, historicamente dado origem a que inicialmente esses doentes fossem objecto de reacções como “perseguições e queima nas fogueiras”.


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4. Da doença da mãe

É inequívoco que a apelante padece da doença de Huntington . Esta “é uma doença hereditária, que se inicia com abalos ou espasmos ocasionais e, depois, evolui para movimentos involuntários mais pronunciados (coreia e atetose), deterioração mental e morte…”. “Na doença de Huntington, as partes do cérebro que ajudam a suavizar e coordenar os movimentos degeneram-se; os movimentos ficam bruscos e descoordenados e a função mental deteriora-se, incluindo o autocontrole e a memória; o diagnóstico assenta nos sintomas, histórico familiar, imagem do cérebro e exame genético e os medicamentos podem ajudar a aliviar os sintomas, (…) a doença é progressiva, levando à morte…”.

A doença de Huntington trata-se de uma doença degenerativa do sistema nervoso central, causada pela perda de células numa parte do cérebro (gânglios da base). Esta falta afeta a capacidade cognitiva, o equilíbrio emocional e a motricidade e manifesta-se através da “Coreia que consiste em movimentos involuntários.

Ambas as apelantes (de forma mais acentuada a mãe), baseiam a sua discordância nesta matéria com base (apenas) no depoimento da Sra. Dra. CC. Esta médica assistente da apelante depôs de forma clara e isenta referindo de forma geral as características desta doença.

A relevância deste depoimento é sem dúvida fulcral e contraria parte das perícias médico-legais e psicológicas à progenitora (cfr. fls. 562 a 578), onde consta que “a análise e integração dos dados clínicos obtidos sugerem já a presença de alterações psicopatológicas (a nível de motricidade, equilíbrio emocional, mudanças comportamentais e capacidade cognitiva), decorrentes da grave patologia neuropsiquiátrica que lhe fora diagnosticada – doença de Huntington.”

Quanto à conflituosidade desta diz “todos teremos os nossos feitios, mas este não depende da doença”. Diz aliás, que a apelante teve acompanhamento psiquiátrico por causa “da reação ao diagnóstico”.  E que esta está na fase inicial (apresenta uma coureia ligeira -movimentos involuntários dos membros). Mas, na próxima fase “precisará de apoio não sendo aconselhável viver sozinha”.

Ao minuto 21 descreve aliás as consequências da doença nos cuidados da filha da doente, dizendo que “está convencida que teremos novas moléculas brevemente”. Logo, este depoimento revela que a apelante, no estado actual da ciência, poderá cuidar da filha (sob o prisma da doença) de forma autónoma durante esta fase da doença, que se irá agravar para os próximos estádios. 

Já a nível de personalidade e funcionamento psicológico, foi possível registar “irritabilidade, explosões agressivas, impulsividade, mudanças de humor, elevada desconfiança interpessoal, autoconcentração, isolamento pessoal (…) com a presença de sintomatologia de natureza depressiva e ansiosa clinicamente significativa.” E ainda, a nível cognitivo “perda de flexibilidade mental e menor capacidade de lidar com situações inesperadas”, “dificuldades em adaptar-se à mudança, dificuldades a ver as coisas de outra perspetiva, défices de autocontrolo”.

Mas os mesmos não são causados pela doença.

O único depoimento credível nesta matéria é, recordamos, o da Dra. CC, especialista em Neurologia que segue a mãe e que foi inquirida em 13.12.22 e subscreveu a declaração medica de 30.06.2023.

Ora, esta especialista foi clara que esta, nesta fase, não causa distúrbios de personalidade.

Esta esclarece que essa doença degenerativa neurológica que se manifesta, no geral, entre os 40 e 50 a anos de idade. Sendo que se manifesta através de movimentos involuntários (coreia) com uma progressão lenta e que nessa fase pode ter consequências psicológicos (depressão ou ansiedade).

A medicação atenua os sintomas, sendo que se espera que nos próximos cinco anos apareçam medicamentos que podem atenuar a sua progressão.

Quanto ao estado concreto da mãe da menor afirma que esta demonstra uma coreia ligeira, sem afectação ainda da forma cognitiva e interacção social. Afirma que se situa num estado ligeiro, sendo que este é o menor dos três graus de evolução.

Varia com vários factores (pessoais, ambientais), demorando em regra de cinco anos a passar do estado ligeiro para moderado/intermédio e 10 a 15 anos a passar deste para o agravado.

Ou seja, o estado actual da progenitora é apto a gerir a sua vida com autonomia e autossuficiência apresentando apenas uma coreia “ligeira”.

         Cumpre frisar que mais nenhum meio de prova foi produzido que ponha em causa este depoimento que, além do mais, foi longo, preciso e convincente.

         Sendo que esta afirma (minuto 22) no actual estado a D. BB ainda é capaz de cuidar da filha durante muitos anos, porque “tem uma evolução lenta com coreia ligeira”, viu a filha nas consultas que “era bem tratada de notava-se que tinha um vínculo muito próximo”.

         Mas, da simples existência dessa doença conjugada com o simples facto de a mãe estar isolada em Portugal sem qualquer tipo de apoio familiar, implica um risco para a sua filha, risco este mais premente à medida que o tempo passa e os sintomas da doença se podem agravar.

         Bastará referir (como aliás a própria mãe admite quer em sede de alegações, como no que relata a uma das testemunhas), que o seu plano é regressar à casa dos pais quanto for incapaz de viver sozinha. Isto porquê, como é evidente a sua doença, os seus traços de personalidade e o seu isolamento familiar, implicam um maior risco para si, e para a sua filha.

5. Da factualidade relativa aos avós paternos

Oficiosamente, apesar de não ter sido suscitado não podemos deixar de frisar que pelos vistos o único interesse do tribunal (foram essas as únicas perguntas oficiosas) visou determinar quando souberam da situação processual da sua neta, como se esse fosse o objecto da diligência, e não fosse natural que a sua intervenção nos autos fosse determinada apenas pela decisão de decretamento da adopção.

Basta dizer que nem sequer se deu como provado que estes pretendem cuidar da sua neta, facto que é mais do que evidente do teor do seu requerimento confirmado pelos depoimentos.

Depois, por exemplo, a comprovação do facto KKK) baseia-se sem dúvida no depoimento do avó materno, mas omite que esse (e apenas esse) afirmou algo diverso e bem diferente, ou seja, que a “queixa foi efectuada porque a sua filha é de raça negra”. Considerar provado essa matéria não apenas deturpa a realidade objectiva como revela bem a subjectividade do julgador.

Acresce que apesar desses depoimentos, e sem qualquer justificação o tribunal considerou provado que não existem elementos familiares capazes de cuidar da menor, conclusão probatória manifestamente contraditória e que por si só geraria a nulidade da decisão se não fosse corrigida. Ora, para além dos depoimentos da tia e avós paternos, importa frisar que nenhum (absolutamente nenhum meio) de prova permite essa conclusão a qual, bem pelo contrário é posta em causa pela conduta dos avós paternas (que tiveram o cuidado de intervier no processo), pelo depoimento da tia paterna, e pela realidade económica e social desse núcleo familiar que, pelos vistos, tem conseguido cuidar dos 4 filhos, e alguns netos.

Daí, pois, a alteração da factualidade provada nesta matéria por ser manifestamente infundada em padrões objetivos e racionais, já que se os avós foram capazes de criar e educar 4 filhos, e no seu agregado vive uma filha com alguns netos, parece simples concluir que podem efectuar o mesmo quanto a esta neta.

Por fim, se estamos perante um mero desencontro de timings (expressão infeliz do próprio tribunal minuto 14 da última inquirição)[4], no que respeita à intervenção familiar dos avós paternos, parece excessivo que se conclua que o projecto de vida da menor já foi todo “estudado e escalpelizado” quando esta tem menos de 3 anos e “está em causa a melhor opção para o seu futuro” (alegações do MP) por forma a “tornar esta diligência uma mera formalidade”.


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Pelo exposto, procedem parcialmente os recursos sobre a matéria de facto, nos termos que serão incluídos na mesma.

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5. Motivação factual

a) No dia 18.11.2019  nasceu a AA, tendo a paternidade e a maternidade registadas em nome de HH e de BB, respectivamente;

b) O progenitor prestou o consentimento prévio para adoção da criança;

c) A progenitora da criança não exerce qualquer profissão;

d) A progenitora sofre da doença de Huntington;

e) Doença hereditária, que se inicia com abalos ou espasmos ocasionais e, depois evolui para movimentos involuntários mais pronunciados (coreia e atetose), e deterioração mental e morte;

f) Os filhos de uma pessoa com a doença de Huntington têm 50% de chance de desenvolvê-la.

g) A progenitora é seguida em consulta de Neurologia no Centro Hospitalar ..., sendo a sua médica assistente a Dra CC.

h) A progenitora, nutre sentimentos de verdadeiro afecto e revelar uma relação maternal muito forte com a filha, e é capaz de assegurar os cuidados necessários ao bem-estar, desenvolvimento integral e segurança da criança.

i) A progenitora reconhece a importância para a AA da existência e manutenção de residência fixa; e apesar de o ter anteriormente recusado admite agora a colocação da filha em infantário;

j) Após obtenção do consentimento dos progenitores a CPCJ ... deliberou, em 21/01/2022, sujeitar a menor à medida de apoio junto dos pais, a executar junto da mãe, pelo período de 6 meses.

k) No dia 1/02/2022 em contexto de atendimento com a técnica da CPCJ, a progenitora, foi confrontada, além do mais, com a constante mudança de alojamento e com a possibilidade de colocação da menor em instituição.

l) A progenitora, alterou a sua postura, puxou a filha e colocando a mesma ao colo fugiu com esta.

m) A AA deu entrada no dia 11/02/2022 na Casa de ... — Associação ..., sita na Rua ..., ..., no Porto, onde ainda se encontra acolhida.

n) Desde Fevereiro e até à presente data, a progenitora tem incorrido em conflitos, por motivos vários, com as técnicas da instituição de acolhimento e a médica pedopsiquiatra.

o) A progenitora recusa, por regra e por entender contrárias às suas opções, orientações dos técnicos da área social, nomeadamente da equipa técnica da casa de acolhimento;

p) Bem como da médica pedopsiquiatra;

q) Mostrando-se, por vezes, mesmo na presença da filha, agressiva e alterada;

r) Situação que se mantém até ao presente;

s) Segundo a médica pedopsiquiatra a progenitora não é assertiva e é por vezes permissiva com comportamentos da sua filha.

(…)

v) A progenitora expôs a criança a constantes contactos com terceiros estranhos, em virtude de constantemente mudar de residência em hostels, onde partilhava quartos e w.c.

y) A mãe não tem qualquer retaguarda familiar em Portugal capaz de prestar cuidados adequados à filha e apoiá-la presencialmente na sua vida.

z) Nunca nenhum elemento da sua família veio a Portugal conhecer a criança, nem esta viajou até ao Brasil; mas a Criança manteve contacto assíduo, através de videochamadas, com a família materna.

aa) A progenitora recusa que a sua filha seja acolhida;

bb) Desde que AA foi acolhida, em Fevereiro de 2022, com o acordo da progenitora, esta não trabalhou de forma remunerada;

cc) A progenitora tem um sentimento de desconfiança e de contrariedade para com as técnicas da instituição, tendo sido proibidas as suas visitas à filha.

dd) A AA, como qualquer outra criança apresenta necessidade de imposição de certas regras e limites.

ee) A progenitora tem conflitos com as técnicas dessa instituição a quem dá respostas impulsivas e agressivas, sendo adversa à supervisão e revela fortes resistências à mudança;

ff) A progenitora não aceitou acompanhamento técnico (por o considerar uma vigilância).

gg) O agregado familiar materno, residente no brasil tem condições para cuidar da mesma como aliás efetua aos primos da mesma, e os pais da mãe da menor manifestam de forma expressa a sua vontade de acolher a sua neta e filha na sua casa e agregado familiar.

ii) A progenitora é regular nas consultas de neurologia, no Hospital ...;

jj) Até à data, a doença da progenitora não tem implicações na sua autonomia física, nomeadamente para as atividades do dia-a-dia;

kk) A criança apresenta um desenvolvimento psicomotor adequado.

ll) Não identificou vivências negativas com a figura materna;

mm) Apresenta forte vinculações / laços afetivos com a figura materna ;

(…) 

pp) A progenitora evidencia alterações psicopatológicas ligeiras decorrentes da sua patologia neuropsiquiátrica, a doença de Huntington.

qq) Ao nível da personalidade, apresenta irritabilidade, explosões agressivas, impulsividade, mudanças de humor, elevada desconfiança interpessoal, autoconcentração, isolamento pessoal (…) com a presença de sintomatologia de natureza depressiva e ansiosa clinicamente significativa.

rr) A longo prazo (cerca de 10 a 15 anos numa evolução normal) terá coreia progressiva, falta de memória e eventualmente demência caso não seja descoberta nova medicação que se encontra em estado de estudo. 

ss) Manifesta interesse e afeto pela filha, a examinanda, por força da sua patologia neurológica, reúne condições para, actualmente com apoio, exercer os seus direitos e deveres maternos como o fazia antes de qualquer intervenção.

(…)

xx) Os problemas neurológicos no estado actual da ciência irão agravar-se progressivamente devido à doença de que padece ;

(…)

zz) (segundo a opinião da pedopsiquiátrica a mãe tem um registo educativo permissivo, entendendo que não tem de impor à filha, nesta idade, certas regras e limites;

aaa) A progenitora receba ajudas financeiras dos seus familiares residentes no Brasil ;

Dão-se por integralmente reproduzidos, como provados os restantes factos AAA) a TTT) relativos à situação pessoal e económica dos avós paternos com excepção do facto KKK) que se considera não provado.


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6. Motivação Jurídica

Conforme já se decidiu mas é necessário repetir:

A família é um elemento fundamental da sociedade, tendo direito a protecção do Estado (art. 67º CRP). Isto, porque esta tem um relevante papel no processo de desenvolvimento e socialização da criança, fomentando o desenvolvimento desta de forma, presumidamente mais adequada do que a de uma instituição ou elemento exterior.

Por causa disso é que a confiança prevista no artigo 35.º, n.º 1, al. g), “confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção”, pressupõe a inexistência de uma solução familiar adequada.

Porque, nos termos do art. 35, nº1, al. a), e b) da LPCJ deve dar-se prevalência a medidas que integrem a criança na sua família, o que só não acontecerá quando, através de juízo de prognose, formulado com base nos factos conhecidos, se conclua pela impossibilidade de satisfazer o superior interesse da criança.

Nesta medida o TEDH decidiu de forma uniforme que a legitimidade para a ingerência estadual implica uma necessidade social imperiosa e proporcional ao fim que se procura, respeitando, além do mais, que o interesse da criança determina que apenas circunstâncias excepcionais possam conduzir a uma ruptura do vínculo familiar e que tudo seja feito para manter as relações pessoais e, sendo caso disso, na altura apropriada, reconstituir a família.[5]

Por causa disso é que o art. 4º, al H), da LPCJ, consagra o princípio da “Prevalência da família - na promoção dos direitos e na proteção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adoção ou outra forma de integração familiar estável”.

Este princípio da prevalência da família tem em vista proporcionar à criança o desenvolvimento em ambiente familiar.[6]

Constituiu assim uma diligência fundamental, nestes processos, a indagação dessa solução “devendo obter-se no processo indicação, notícia, informação, manifestação de vontade ou declaração por parte do mesmo ou de outrem, de que existe familiar que se dispõe a assumir a confiança da criança e tem condições para promover a sua educação e cuidado de acordo com  o superior interesse da própria criança [7]. (nosso sublinhado).

Por isso, só por lapso manifesto se pode alegar que averiguar as condições do meio familiar é “estar a averiguar se existem condições para adopção”, pretender que “o projecto de vida da menor não se compadece com estes atrasos” e que, afinal, é tudo um problema de timing “porque (se assim não fosse) já estaria com os avós”.

Ou seja, o critério para se aferir a possibilidade de integrar a criança no seu núcleo familiar não depende de prazos, nem exige deslocações intercontinentais, nem sequer um efetivo contact0 físico, mas apenas uma real e concreta disponibilidade para essa intervenção e a existência de condições adequadas. Pretender que se durante 18 meses os avós não contactaram com a menor é esquecer que parece ter ocorrido uma pandemia, parece que estes residem no Brasil e parece que a ligação afectiva existe mesmo sem e antes de se conheceram os netos. É precisamente essa força dos laços de sangue, pois, permitem que um ser desconhecido seja importante antes de ser concretamente conhecido.

Porque, ao contrário do que se alegou neste caso, o legislador pressupõe que uma criança ficará sempre melhor cuidada com alguém com o qual partilha lanços de sangue, afectos, memórias e estruturas afectivas, do que qualquer candidato à adopção com o qual terá de começar esse caminho de afectos integralmente de novo.


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In casu, é evidente não apenas a disponibilidade do agregado familiar materno como a existência de condições objectivas do mesmo para cuidarem ou auxiliarem a cuidar da AA.

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2. Da ultima ratio da medida de adopção

A medida decretada pressupõe o rompimento evidente dos laços de filiação biológica por parte dos pais, conforme disposto na al. c) do n.º 1 do art. 1878.º do C.C.

Não basta, pois existir uma situação de diferenças pedagógicas, problemas económicos, falta de trabalho efectivo ou necessidade de habitar em quartos e estabelecimentos hoteleiros para se retirar uma criança com 18 meses da sua mãe.

A simples intervenção inicial e a medida de adopção depende sempre da criação de um efectivo e concreto perigo para o desenvolvimento da menor.[8]

Porque a intervenção da sociedade nos termos do artº. 3º, nº. 1, da LPCJP (só) “ tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo”.

E se dúvidas houvesse o artº. 34º enfatiza que as medidas de promoção dos direitos e de proteção das crianças e dos jovens em perigo visam: “a) Afastar o perigo em que estes se encontram; b) Proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral;

Ou seja, a decisão recorrida viola de forma clara dois dos princípios em que assenta a LPCJP: - O do interesse superior da criança  e o da atualidade e proporcionalidade: entendidos no sentido de que a medida adotada deverá ser necessária e adequada à situação concreta de perigo em que o menor se encontra (cfr. artº. 4º al. e)).

Bastará dizer que nunca foi tentada, verdadeiramente, uma intervenção em ambiente familiar, nem sequer depois da institucionalização se procurou de forma continuada um trabalho construtivo de alteração comportamental da mãe.

E tudo, isto, apesar de numa primeiras observações efectuadas à criança ser evidente que:

“(….) a AA encontra-se bastante estimulada e apresenta um desenvolvimento dentro do esperado para a idade. Tem facilidade em compreender as regras e cumpri-las. Tem comido bem e faz uma alimentação variada, relativamente ao sono demora a adormecer, tem um sono agitado, com frequência desperta, por vezes chama a mãe.” (sic)”.

Face a estas conclusões, parece evidente que os riscos apontados são inexistentes ou se tratam de meras dificuldades que podem ser superadas através de outro tipo de intervenções.

Assim o risco em que a mãe colocou a filha ao não ter uma residência fixa e permanente já foi superado (depoimento técnica IRS que note-se frisa ter visitado o quarto onde esta hoje vive).

Depois, o facto de a mãe da menor não possuir qualquer actividade remunerada não a impede de, com o apoio da família e RMG suportar as despesas de educação e alimentação da menor, nunca tendo sido posto em causa o equilíbrio da mesma.

Em terceiro lugar, o facto de se ter posto em fuga quando foi ameaçado que a sua filha iria ser institucionalizada constituiu uma reação errada e censurável, mas perfeitamente natural de uma mãe que não pretende ficar sem a sua filha.

Em quarto lugar a personalidade conflituosa e enervante da progenitora pode ser explicação para muita coisa, mas ainda não pode, num estado de direito democrático baseado na garantia da autonomia pessoal (art. 26º, da CRP), ser fundamento para se retirar uma filha a uma mãe. Aliás se fizermos deste critério um critério uniforme e geral então larga parte da população nacional correria o risco de ver os seus filhos entregues para adopção.

Nessa medida e em concreto, importa frisar que o depoimento de outra técnica revela que com maior ou menor dificuldade, sem preconceitos, pode-se interagir com a mesma progenitora e fomentar uma atitude construtiva.

Em quinto lugar, o fundamento de que seria necessário decretar a adopção porque a progenitora possuiu uma atitude permissiva que não impõe regras e limites educacionais à menor, viola de forma manifesta, o princípio da proporcionalidade. Isto é, mesmo que essa versão da realidade seja verdadeira, seria necessário demonstrar que a mesma não pode ser alterada através de uma intervenção educativa com a progenitora e que cria um perigo que só pode ser superado com a entrega para adopção. Isto é, temos o absurdo de uma falha educacional menor, pretender ser resolvido com a medida máxima e mais grave do sistema protector de menores.

Depois, sempre seria estranho que fossem os tribunais a desrespeitar o princípio da autonomia dos cidadãos na condução das suas opções familiares e que, pelos vistos exista uma norma padrão de comportamento educativo a impor apenas aos pais que correm riscos de ver decretadas adopções dos seus filhos.

Nessa medida será útil ler, ponderar e aplicar, o disposto no Ac do STJ de 9.5.23, nº 327/22.0T8OBR.P1.S1 (Pedro Lima Gonçalves): “A intervenção das instituições e do tribunal para acautelar ou eliminar a situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontrem deve ser pautada pelos princípios orientadores previstos no art. 4.º da LPCJP, o interesse superior da criança e do jovem; o respeito pela privacidade; a intervenção deverá ocorrer de forma precoce e mínima; a atuação deverá ser proporcional e atual, reservando-se ao estritamente necessário; com vista a que os pais assumam as suas responsabilidades parentais bem como pela manutenção dos laços familiares e com respeito pela continuidade das relações afetivas; (…) ; e a atuação das instituições deverá ser subsidiária e gradual.”.

Neste caso, nenhum destes princípios foi cumprido.

Pelos vistos é possível institucionalizar uma criança porque a sua mãe, no âmbito da crise social de alojamento, e decurso de uma pandemia mudou várias vezes de casa (7 vezes em nove meses), não possui emprego e sobrevive com o apoio familiar. Como se, o apoio institucional não fosse suficiente para resolver esses problemas, que aliás, quanto à habitação parecem não existir actualmente.

Depois, pelos vistos é natural que se considere que a falta de assertividade justifica uma medida de adopção, quando essa opção foi explicada pela mãe devido à diminuta idade da criança, foi efectuada por uma mãe com uma doença degenerativa grave e provém de uma médica que admite ter tido problemas de relacionamento graves com a progenitora, o que é evidente no teor do seu relatório e ainda mais no depoimento prestado à distância.

Concluímos, portanto que nada nos autos permite concluir que a progenitora tenha posto em causa a saúde e integridade física da menor ou que não tenha interesse cuidado e atenção ao seu crescimento.

Uma mãe que, ao ter conhecimento de que padece de uma grave doença degenerativa tem como preocupação, em primeiro lugar, saber se isso afecta a sua filha demonstra inteligência e ponderação.

Uma mãe que apesar de ver a sua filha institucionalizada a procura visitar o mais possível e impor o seu projecto educativo em confronto com a instituição demonstra interesse e coragem.

Uma mãe que, condicionada pela intervenção arranja finalmente um quarto permanente, está disposta a colocar a menor numa creche e vence os problemas familiares com a sua família para que esta intervenha, demonstra actos concretos de educação.

Por fim, uma mãe que sabendo padecer de uma doença degenerativa, pondera um plano alternativo que passa pelo regresso à casa paterna, com a sua filha, quando precisar de ajuda, demonstra cuidado e atenção

         Deste modo, usando, as palavras do Ac do STJ, de 14/07/2021 (Revista n.º 1906/20.6T8VCT.G1.S1),  é evidente que não pode ser suprimido o vínculo maternal, pois “para se aferir da existência ou do não comprometimento sério dos “vínculos afectivos próprios da filiação” para os efeitos do n.º 1 do art. 1978.º do CC não basta ver se existe uma ligação afectiva entre o(s) progenitor(es) e a criança; é preciso ver se ela se concretiza em gestos, actos ou atitudes que revelem de que o(s) progenitor(es) têm(tem) não só a preocupação como também a aptidão para assumir plenamente o papel que, por natureza, lhes cabe – o papel de pai(s) da criança”.


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         3. Da doença da progenitora

         Conforme já foi salientado (mas, pelos vistos, incompreendido) o caso dos autos legitima alguma intervenção jurisdicional protectiva na medida (apenas) em que a mãe da menor padece de uma doença degenerativa neurológica para a qual, o estado actual da ciência, não possuiu cura medicamentosa.

Daí resulta, portanto, que apesar de nesta fase, a doença não a impedir de gerir a sua vida com autonomia e, por via disso, de cuidar da sua filha, a mesma precisará de ajuda de uma terceira pessoa num prazo mais ou menos alargado. E, fundamentalmente encontra-se completamente isolada em território nacional sem qualquer apoio familiar directo que possa ajudá-la na sua vida normal autónoma ou nas situações em que a sua doença se possa vir a agravar.

É certo que, conforme resulta da matéria de facto e do depoimento da sua médica assistente, não se pode determinar essa data a qual pode aliás ocorrer num prazo alargado (10 a 15 anos).

Não vemos como, pode o tribunal a quo justificar essa medida apenas com essa circunstância sendo certo que a data da morte, mesmo em doenças terminais, é por natureza incerta.

Acresce que sejam 5, 10 ou 15 os anos que restam com qualidade à apelante estes são anos que constituem um tempo precioso, essencial e estruturante para a sua filha que assim pode aumentar a sua ligação afectiva.

Ora, se algo é certo neste processo, é que foram desperdiçados já dois anos, com proibições absolutas de contactos entre mãe e filha, sendo que esse tempo é, devido a essa doença, ainda mais precioso.

Ou seja, a doença degenerativa da mãe da menor justifica alguma intervenção e apoio, mas torna ainda menos proporcionais e fundadas as decisões tomadas nos autos que, note-se impediram desde longos meses as visitas entre mãe e filha. 

Daí, resulta, portanto, que, nesta data a mãe continua a ter, apesar dessa doença, condições para cuidar da sua filha, mas também é evidente que a mesma precisa de ajuda para sobreviver e criar a mesma porque está isolada em território nacional.

4. Da necessidade de apoio dos avós paternos

Se algo é certo nesta jurisdição é que a gestão burocrática e formal dos processos, deve ser evitada.

Conforme salienta, por exemplo, Maria Clara Sottomayor[9],  “ o interesse do menor constitui um conceito vago e genérico utilizado pelo legislador, por forma a permitir ao juiz alguma discricionaridade, bom senso e alguma criatividade, e cujo conteúdo deve ser apurado em cada caso concreto”. (nosso sublinhado).

Ora, parece que o interesse da criança é que possa continuar o seu livre desenvolvimento com a sua mãe. Mas também que possa fortalecer a interacção com a sua família materna e se integre o mais rapidamente possível no seu meio, nesse ambiente e nas especificidades culturais e sociais desse país e ambiente.

Desde logo, porque ainda existe o princípio da prevalência da família, no sentido de que a medida a aplicar deve dar prevalência à integração da criança ou jovem na sua família.

Sendo que neste caso a mãe, além de estar isolada, não possui condições para, sem esse apoio familiar, cuidar da sua filha.

Desde logo é esta que sempre alegou que recebia apoio económico da sua família.

E, depois, teremos de notar que termina as suas alegações formulando um pedido alternativo (não subsidiário) de aplicação dessa medida de protecção.

Note-se, aliás, que a própria mãe admite essa necessidade já que projecta regressar à casa dos seus pais quando “precisar de ajuda”. Ora, se o principal interesse a proteger é o da criança, e se é previsível que este recuo para casa dos avós tenha de ocorrer num prazo indeterminado mas com um horizonte de 5 a 15 anos, parece mais lógico e adequado que essa mudança ocorra já.

Com efeito, sob o prisma da criança será melhor que se integre, o mais cedo possível no seu agregado familiar, que partilhe experiências e afectos com os avós, primos e tios, que se integre na cultura e escola desse local e que efectue esses actos de forma estruturada, continuada, duradoura sem os riscos e sobressaltos que o isolamento da sua mãe em Portugal potencia.


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Por fim, a legislação, relativa aos direitos das crianças e dos jovens, estabelece que todas as decisões judiciais respeitantes ao destino ou projeto de vida das crianças e dos jovens, designadamente aquelas que se reportem à constituição de relações jurídicas familiares como é o caso do vínculo da adoção (artigo 1586.º do Código Civil), devem ter em contra, como critério primordial, os seus direitos e interesses.[10]

         Curioso, pois, que num processo que começou apenas para proteger a menor (declarações do titular), e na qual “a AA foi acolhida em Fevereiro, não é, na altura, manifestava uma forte relação com a mãe, e há ali uma quebra abrupta na relação com a mesma”[11], a única solução possível para a falta de habitação, a conflituosidade da mãe e a permissividade educativa, seja a entrega para adopção.

         Este tribunal concluiu, portanto, que o melhor interesse para a criança é a aplicação da medida previstas nos arts. 40º, da LEI DE PROTECÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO, por forma a que a mesma e a sua mãe se integrem no agregado dos seus avós maternos.

         Essa medida terá de ser aplicada com o apoio e presença da mãe (que é actualmente o único referencial da menor), pelo que é necessário uma metodologia gradual.

         Acresce que, por forma, a evitar maiores danos à menor importa retomar de imediato, a visita desta cuja cessação, aliás, face ao simples efeito do recurso foi manifestamente ilegal.


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         5. Deliberação

Pelo exposto, esta 3º secção do tribunal da Relação, determina a procedência das apelações e por via disso:

a) revoga integralmente a decisão proferida;

b) determina a medida de apoio de colocação da criança no agregado dos seus avós maternos localizado na residência constante do facto provado BBB) (art. 40 da Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro). A medida terá a duração de 6 meses e será revista decorridos 3 meses.

c). Autoriza-se a deslocação imediata provisória da menor, suportada pelos avós para a residência destes, desde que essa deslocação seja efectuada com a sua mãe. Caso a mãe não pretende acompanhar a menor, esta poderá deslocar-se com um dos seus avós, mediante um período prévio de contacto e adaptação com a menor de, pelo menos, 15 dias.

c) Abra conclusão ao relator a fim de ser oficiada a comunicação e autorização imediata das visitas da mãe à menor.


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Sem custas

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Porto em 10.7.24

Paulo Duarte Teixeira

António Carneiro da Silva

Ana Vieira


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[1] Note-se que passamos de imediato da permissividade para:
O desenvolvimento motor e cognitivo parece adequar-se, neste momento, aos padrões normativos para a faixa etária da AA. O envio desta informação prende-se, no entanto, com a nossa preocupação com o seu desenvolvimento psicoafectivo, pois vai demonstrando sinais relacionados com a ausência de uma figura de vinculação securizante e sintomatologia compatível com uma resposta depressiva aos stressores vivenciais dos primeiros anos de vida. Neste momento urge a definição de um projeto de vida para a AA.
Não havendo condições para a integração na família biológica, a criança não pode estar indefinidamente à espera, pelo que deve ser acolhida integrada numa família que estabeleça com ela uma relação afetiva segura, responsiva e consistente. O perpetuar desta situação terá, inevitavelmente, um impacto importante ao nível do crescimento e desenvolvimento da AA, interferido com o seu funcionamento emocional, social e escolar.
[2] Em 11/02/2022 a menor deu entrada na Casa de ....
A informação de 31.3.22 é clara neste sentido ao demonstrar uma forte afectividade entre mãe e filha, mas uma ausência de assertividade educacional.
[3] curiosamente a única técnica que não esteve em conflito com a mãe apelante.
[4] Curioso que seja um tribunal no âmbito de um processo norteado pela equidade a fazer apelo a formalidades que nem sequer existem.
[5] Soares de Melo c. Portugal Ac. de 16.02.2016 (queixa 72850/14).
[6] Ac do STJ DE 23.6.22, supra citado.
[7] Ac do STJ de 13.10.22, nº 26920/19.0T8LSB.L1.S1 (Manuel Capelo).
[8] Ac do STJ de 14.7.16, nº 8605/13.3TBCSC.L1.S1 (António Gonçalves) e Ac do STJ de 23.6.22, nº 23290/19.0T8LSB.L1.S1 (Catarina Serra).
[9] in Regulação do Exercício do Poder Paternal, nos Casos de Divórcio, 2.ª edição, a pág. 36 e 37.
[10] Ac do STJ de 9.2.21, 211/20.2T8STC.E1.S1 (Maria Clara Sottomayor).
[11] Depoimento técnica casa de acolhimento.