NULIDADE DA SENTENÇA POR EXCESSO DE PRONÚNCIA
EFEITOS DA NÃO CONTESTAÇÃO
DEVER DO JUIZ DE JULGAR CONFORME FOR DE DIREITO
Sumário

I - A nulidade da sentença por excesso de pronúncia, integrável na previsão da alínea d) do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, tem a ver com os limites da atividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos no artigo 608.º, n.º 2 do CPC “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”
Também na instância recursiva, nesse caso por referência às conclusões da alegação do recorrente, delimitativas do objeto do recurso, conforme resulta dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma legal., devendo haver identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir e a questão resolvida pelo juiz.
II - Não obstante o que resulta do princípio da preclusão, ínsito na previsão do artigo 573.º do CPC, o regime que resulta expressamente do artigo 57.º, do CPT, dirige-se à consideração dos factos que tenham sido invocados pelo autor, determinando que sejam tidos como confessados e desse modo atendidos, mas já não que se tenha necessariamente de atender aos fundamentos jurídicos que tenham sido invocados pelo autor na petição, pois que se impõe que o juiz aprecie efetivamente da aplicação da lei e do direito ao caso, em face dos factos, mas apenas esses, que tenham sido tidos como confessados.
III - Aí se inclui, como resulta do regime aplicável, que devam ser apreciados os fundamentos que foram efetivamente invocados pelo trabalhador na comunicação em que resolveu o contrato com invocação de justa causa, não podendo ser considerados, nomeadamente, quaisquer outros fundamentos que daquela comunicação não constem, sendo que, esclareça-se também, confrontado com a aplicação do referido regime.

Texto Integral

Apelação / processo n.º 5069/23.7T8MTS.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Matosinhos - Juiz 2

Autor: AA

Ré: A... Unipessoal, Lda.

Nélson Fernandes (relator)

Rui Manuel Barata Penha

Germana Ferreira Lopes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I – Relatório

1. AA intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra A... Unipessoal, Lda., pedindo:

a) que se declare a justa causa da resolução do contrato de trabalho;

b) que se condene a ré a pagar ao autor a quantia global de €13 443,10, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo pagamento.

Alegou para tal, em síntese, que, tendo sido a admitido ao serviço da Ré em 31.05.2021 para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, exercer as funções de motorista de pesados, mediante uma retribuição mensal que, a partir de fevereiro de 2023, era de €1500,00, acrescendo a quantia semanal de €50,00 a título de subsídio de alimentação, no dia 05.07.2023, o sócio gerente da Ré foi detido por indícios de atividade criminosa, sendo que, a partir de tal data, a sede e escritórios da ré encontram-se encerrados, pelo que deixou ele Autor de exercer as suas funções, sendo que deixaram de lhe ser pagos os seus vencimentos e demais créditos salariais, situação essa que tornou impossível a subsistência da relação laboral, razão pela qual remeteu à Ré, em 13.07.2023, uma carta registada com aviso de receção, intitulada de “resolução de contrato com justa causa por fato imputável à entidade empregadora”, com o teor que refere. Com os aludidos fundamentos, peticiona, diz, na presente ação: - uma indemnização por resolução do contrato por justa causa, nos termos do disposto no art. 396º, nº 1 do Código do Trabalho, que deve ser fixada em 45 dias de retribuição base, num total de €6487,50; - €2399,60, a título de remunerações dos meses de junho e 13 dias de julho de 2023; - €750,00, a título de subsídio de alimentação relativo aos meses de abril a julho de 2023; - €761,20, a título de férias vencidas e não gozadas no ano de 2021; - €830,40, a título de férias vencidas e não gozadas no ano de 2022; - €1314,80, a título de férias vencidas e não gozadas no ano de 2023; - €899,60 a título de proporcionais de férias, referente ao ano de 2023.

Citada a Ré, não compareceu à audiência de partes, nem constituiu mandatário.

Regularmente notificada para contestar, a Ré não apresentou contestação no prazo legal.

2. Foi posteriormente proferida sentença, de cujo dispositivo consta:

“III – Decisão.

Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a presente ação e, em consequência, decide-se:

I – Condenar a ré a pagar ao autor a quantia global de €6560,89 (seis mil, quinhentos e sessenta euros e oitenta e nove cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento, quantia global essa, assim discriminada:

- €2150,00, a título de remunerações dos meses de junho e 13 dias de julho de 2023;

- €750,00, a título de subsídio de alimentação relativo aos meses de abril a julho de 2023;

- €750,00, a título de férias vencidas e não gozadas no ano de 2021;

- €818,18, a título de férias vencidas e não gozadas no ano de 2022;

- €1295,45, a título de férias vencidas e não gozadas no ano de 2023;

- €797,26 a título de proporcionais de férias, referente ao ano de 2023;

II – Absolver a ré do demais peticionado pelo autor.

Custas pelo autor e ré na proporção do respetivo decaimento.

Valor da ação: €13 443,10 (treze mil, quatrocentos e quarenta e três euros e dez cêntimos).

Registe e notifique.”

2.1. Dizendo que não se conformava com a sentença proferida, apresentou o Autor requerimento de interposição de recurso, apresentando no final das alegações as seguintes conclusões:

“1. O artigo 394º, nº 2 e 3, elencam, de forma não taxativa, os fundamentos que constituem justa causa de resolução do contrato de trabalho.

2. “artº 394º enuncia, no seu nº 2, e a título exemplificativo, alguns dos comportamentos da entidade empregadora constitutivos de justa causa de resolução do contrato e que conferem ao trabalhador direito à indemnização a que se refere o nº 1 do artº 396º do CT.”

3. O trabalhador “pode resolver o contrato de trabalho, sem observância de pré-aviso, e com direito a indemnização, se se verificar um comportamento que seja imputável à entidade empregadora, a título de culpa, e que esse comportamento, pela sua gravidade e consequências, torne inexigível a manutenção do vínculo laboral.”

4. Os factos invocados pelo Autor, e considerados provados constituem justa causa de resolução do contrato de trabalho.

5. Um bom pai de família, com responsabilidades familiares, que precisa de prover ao seu sustento e cumprir com as suas obrigações, não pode manter durante muito tempo, sob pena de entrar em incumprimento com as suas obrigações.

6. Face à incerteza, e à necessidade de prover ao seu sustento e ao sustento do seu agregado familiar, não podia A. aguardar ser contactado pela Ré ad eternum.

7. E não podemos olvidar o comportamento observado pela Ré após o seu encerramento e até nos presentes autos.

8. A Ré não só não estabeleceu contacto com o A. após o seu encerramento, como não respondeu aos contactos que este tentou estabelecer.

9. E, quando citada para os presentes autos e convocada para a competente audiência de partes, não compareceu a esta, em total desrespeito pelo A. e pela justiça.

10. E notificada para contestar, não o fez, confessando os factos alegados pelo A., na integra.

11. Pelo que não pode o tribunal a quo exigir do A. outro comportamento, que fosse o de aguardar mais tempo para proceder à resolução do seu contrato.

12. Pelo que, salvo o devido merecido respeito, impunha-se decisão diversa à proferida pelo Tribunal a quo, que deveria ter considerado verificado a justa causa de resolução do contrato de trabalho

Sem prescindir,

13. Nos termos do artigo 398º do Código do Trabalho, compete à entidade patronal, impugnar a resolução com justa causa operada pelo trabalhador se considerar essa resolução ilícita.

14. Não impugnando a entidade patronal a resolução operada pelo trabalhador, tem a mesma de considerar-se licita, não podendo o Tribunal substituir-se ao empregador.

15. Sucede que, uma vez que a entidade patronal dispõe do prazo de um ano para arguir a ilicitude da resolução do contrato de trabalho, nos termos do nº 2 do artigo 398º do Código do Trabalho, regra geral é o trabalhador quem acaba por intentar a acção para ver reconhecida a licitude da sua resolução.

16. Isto porque não pode o trabalhador estar à espera que a entidade patronal venha intentar a referida acção para reclamar junto desta os seus direitos, nomeadamente a indeminização prevista no artigo 396º do Código do Trabalho e demais créditos salariais a que tenha direito pela cessação do contrato de trabalho, e até para que lhe seja concedido o subsidio de desemprego.

17. Os presentes autos não foram contestados pela Ré.

18. Os factos alegados pelo A. estão assim confessados pela Ré.

19. O autor, na petição inicial, pugna pelo reconhecimento da existência de justa causa de resolução do seu contrato de trabalho e consequente reconhecimento da licitude dessa resolução.

20. A Ré não contestou a acção, e em momento algum pôs em causa a licitude da resolução operada pelo Trabalhador.

21. Não pode o tribunal a quo substituir-se à entidade patronal, pondo em causa a justa causa de resolução, em clara violação do princípio do dispositivo, uma vez que, perante a falta de contestação e consequente confissão dos factos, foi esta reconhecida pela Ré.

22. Pelo que deveria o tribunal a quo ter considerado verificada a justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador, e consequentemente ter condenado a Ré no pagamento da indeminização devida, nos termos do artigo 396º, nº 1.

23. No que aos créditos laborais diz respeito, o Tribunal a quo deu como provado, por confessado, tudo quanto alegado na Petição Inicial.

24. A Ré confessou ser devedora do A. das quantias peticionadas.

25. Não pode o Tribunal substituir-se as partes, alterando os valores confessados.

26. E, salvo o devido e merecido respeito, os valores peticionado pelo A. encontram-se devidamente calculados, e são devidos pela Ré.

27. Salvo o devido e merecido respeito, deve a ação ser julgada procedente, nos termos peticionados.

28. Com a decisão proferida, violou o tribunal a quo, entre outros, o disposto nos artigos 394º, 396º, 398º do código do trabalho e o artigo 3º do Código do Processo Civil, por força do artigo 1º do código de processo do trabalho.”

Conclui que a sentença recorrida deve ser revogada, proferindo-se acórdão que julgue a ação procedente, em conformidade com as alegações formuladas.

outra.

2.1.1. Não constam dos autos contra-alegações

2.2. O Tribunal a quo admitiu o recurso como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

3. Subido o recurso a esta Relação, foi emitido parecer pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto no sentido da procedência do recurso, fazendo constar designadamente o seguinte: “o fecho das instalações da empresa, a não distribuição de serviço ao Recorrente, a ausência de qualquer informação, a impossibilidade de o Recorrente ficar 8 horas por dia à porta da empresa à espera de ser informado do que fazer, entende-se que corresponde a um verdadeiro despedimento de facto ou motivo bastante para o trabalhador, ora Recorrente, resolver o contrato com invocação de justa causa, o que o Recorrente fez.”

3.1. Notificado o aludido parecer, as partes não se pronunciaram.


*

Corridos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir:

II – Questões a resolver

Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil (CPC) – aplicável “ex vi” do artigo 87º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: invocada nulidade da sentença; demais questões relacionadas com saber se a sentença recorrida errou ou aplicou inadequadamente a lei e o direito.


*

III – Fundamentação

A) Fundamentação de facto

Consta da sentença recorrida, pronunciando-se em sede de matéria de facto, apenas o seguinte (transcrição):

“Regularmente notificada para contestar, a ré não apresentou contestação no prazo legal, pelo que, nos termos do art. 57º do Código de Processo do Trabalho, se consideram confessados os factos alegados pelo autor na petição inicial.”

Em face de tão singela pronúncia, importa sinalizar que o Tribunal recorrido não fez constar da sentença, dentro do que fora alegado na petição inicial, quais os factos que, efetivamente, se consideraram provados, quando, assim o entendemos, a melhor prática tal imporia, num caso em que, afinal, na petição inicial, para além da alegação do que claramente tem a natureza de facto, se fizeram constar, também, menções puramente conclusivas com manifesta relevância no âmbito da aplicação do direito na presente ação, como ainda afirmações e argumentos de direito.

Se assim tivesse sido, certamente que se evitariam algumas das considerações que o Recorrente faz no presente recurso, fazendo apelo, como tratando-se de factos, a menções que constam da petição inicial, como tratando-se de factos provados, quando não assumem tal natureza.

Não obstante, entendemos que, no caso, ainda assim, tal não obsta a que possamos conhecer do objeto do presente recurso, o que faremos pois de seguida.


*

B) Discussão

Em face das conclusões, que como o dissemos (salvo questões de conhecimento oficioso) delimitam o objeto do recurso, dizendo que foi violado “o disposto nos artigos 394º, 396º, 398º do código do trabalho e o artigo 3º do Código do Processo Civil”, invoca o Recorrente, como argumentos, nomeadamente o seguinte:

- Os factos invocados pelo Autor, e considerados provados constituem justa causa de resolução do contrato de trabalho, pois que, diz, face à incerteza, e à necessidade de prover ao seu sustento e ao sustento do seu agregado familiar, não podia aguardar ser contactado pela Ré ad eternum, não se podendo ainda olvidar o comportamento desta após o seu encerramento e até nos presentes autos – “não só não estabeleceu contacto com o A. após o seu encerramento, como não respondeu aos contactos que este tentou estabelecer” “e, quando citada para os presentes autos e convocada para a competente audiência de partes, não compareceu a esta, em total desrespeito pelo A. e pela justiça”, não constando também a ação, confessando assim os factos alegados pelo Autor na integra, pelo que, diz, “não pode o tribunal a quo exigir do A. outro comportamento, que fosse o de aguardar mais tempo para proceder à resolução do seu contrato”, impondo-se assim “decisão diversa à proferida pelo Tribunal a quo, que deveria ter considerado verificado a justa causa de resolução do contrato de trabalho”;

- “Nos termos do artigo 398º do Código do Trabalho, compete à entidade patronal, impugnar a resolução com justa causa operada pelo trabalhador se considerar essa resolução ilícita” e, “não impugnando a entidade patronal a resolução operada pelo trabalhador, tem a mesma de considerar-se licita, não podendo o Tribunal substituir-se ao empregador” – “os Os presentes autos não foram contestados pela Ré” e “os factos alegados pelo A. estão assim confessados pela Ré” –, “em clara violação do princípio do dispositivo, uma vez que, perante a falta de contestação e consequente confissão dos factos, foi esta reconhecida pela Ré”;

- “No que aos créditos laborais diz respeito, o Tribunal a quo deu como provado, por confessado, tudo quanto alegado na Petição Inicial”, “a Ré confessou ser devedora do A. das quantias peticionadas”, não podendo “o Tribunal substituir-se as partes, alterando os valores confessados” – “os valores peticionado pelo A. encontram-se devidamente calculados, e são devidos pela Ré”.

Não constando dos autos contra-alegações, e pronunciando-se o Ministério Público, no parecer emitido, pela procedência do recurso, de seguida procederemos à apreciação das questões que nos são colocadas.

1. Muito embora o Recorrente não faça, quer no requerimento de interposição do recurso, quer nas alegações e conclusões destas, qualquer referência às causas de nulidade da sentença previstas no n.º 1 do artigo 615.º do CPC, refere, nas conclusões que “a Ré não contestou a acção, e em momento algum pôs em causa a licitude da resolução operada pelo Trabalhador” (2.ª) acrescentando de seguida que “não pode o tribunal a quo substituir-se à entidade patronal, pondo em causa a justa causa de resolução, em clara violação do princípio do dispositivo, uma vez que, perante a falta de contestação e consequente confissão dos factos, foi esta reconhecida pela Ré” (21.ª) – dizendo por fim na conclusão 28.ª, no que aqui importa, que foi violado “o artigo 3º do Código do Processo Civil”.

Tal invocação, se bem se percebe, só poderá ser integrada em pretensa nulidade por excesso de pronúncia, integrável na previsão da alínea d) do n.º 1, do artigo 615.º do CPC – O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento –, importando esclarecer, aliás, a respeito da menção pela Recorrente ao disposto no artigo 3.º do mesmo Código, sob a epigrafe «Necessidade do pedido e da contradição», que sequer se percebe exatamente qual a questão que pretende levantar, em face do que desse resulta[1], tanto mais que se imporá que tenha presente que, tal como resulta do artigo 5.º do mesmo Código, sendo verdade que às partes “cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas” (n.º 1), “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” (n.º 3).

Sendo assim, importa então também esclarecer, a propósito da previsão da citada alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º, que estamos nesses casos perante vício que tem precisamente a ver com os limites da atividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos no artigo 608.º, n.º 2 do CPC[2], sendo que, a esse respeito, em traços breves, como no Acórdão desta Relação de 28 de outubro de 2021[3], diremos também que se pretende aqui sancionar, em respeito pelo princípio do pedido e do impulso processual associado ao princípio da contradição, consagrados desde logo no artigo 3.º do CPC, a violação do disposto naquele n.º 2 do artigo 608.º, sendo assim “em função do objeto processual delineado pelo autor, conformado este pelo pedido e causa de pedir, bem como pelas questões / exceções ao mesmo opostas pelo réu que a atividade do tribunal se desenvolverá, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso” – «o mesmo é dizer que a pronúncia judicial deve recair “sobre a causa de pedir, o pedido, as exceções dilatórias e perentórias invocadas e os pressupostos processuais, se for controvertida a sua verificação”, sob pena de nulidade por omissão ou excesso de pronúncia». Ou seja, para que seja cumprido o dever aí estabelecido é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir e a questão resolvida pelo juiz[4].

Nesse considerando, voltando ao caso, teremos então de começar por sublinhar que, ao não contestar, a Ré renunciou efetivamente ao exercício do seu contraditório, confessando a matéria de facto alegada na petição inicial, renunciando também a suscitar as questões que poderia ter submetido à apreciação do juiz, verificando-se, com a omissão da contestação, a preclusão de todos os seus meios de defesa.

Não obstante, salvo o devido respeito, daí não decorrem as consequências que o Recorrente menciona no presente recurso, como esclareceremos de seguida.

Como primeira nota, a propósito das referências já feitas a respeito do designado princípio da preclusão, ínsito na previsão do artigo 573.º[5] do CPC, desse resulta: “[t]oda a defesa deve ser deduzida na contestação, excetuados os incidentes que a lei manda deduzir em separado”, mais se estabelecendo no seu n.º 2 que “[d]epois da contestação só podem ser deduzidas as exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente”. De resto, para melhor se perceber o seu alcance, socorremo-nos também dos ensinamentos de José Lebre de Freitas[6], quando refere que estarão em causa, no seu n.º 2: “meios de defesa supervenientes, abrangendo quer os casos em que o facto em que eles se baseiam se verifica supervenientemente (superveniência objetiva), quer aqueles em que esse facto é anterior à contestação, mas só posteriormente é conhecido pelo réu (superveniência subjetiva), devendo em ambos os casos ser alegado em articulado superveniente (art. 588-2)(-); meios de defesa que a lei expressamente admita posteriormente à contestação(-); meios de defesa de que o tribunal pode conhecer oficiosamente(-), abrangendo a impugnação de direito (art. 5-3) e a maioria das exceções dilatórias (art. 578) e perentórias (art. 579)(-), sem prejuízo de os factos em que as exceções se baseiem só poderem ser introduzidos no processo pelas partes (salvo os casos excecionais em que é permitido o seu conhecimento oficioso: art. 412), na fase dos articulados ou com os limites definidos para a alegação de facto em articulado superveniente […](-).” Citando-se também aqui o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de setembro de 2017[7], sintetiza o mencionado Autor que “[c]orolário do princípio da concentração é a preclusão. O réu tem o ónus de, na contestação, impugnar os factos alegados pelo autor, alegar os factos que sirvam de base a qualquer exceção dilatória ou perentória (excetuadas apenas as que forem supervenientes)(-) e deduzir as exceções não previstas na norma excecional do art. 573-2. Se não o fizer, preclude a possibilidade de o faze r(-)» (ob. cit., pp. 98-99).”

2. Aplicando ao caso o regime que antes se expôs, começaremos por dizer que não se configura no caso qualquer das situações excecionais a que se alude no n.º 2 do citado artigo 573.º do CPC – pois que não está em causa um meio de defesa superveniente, ou que a lei permita exercer expressamente após a contestação.

Não obstante, importa deixar claro que tal não conduz aos efeitos que o Recorrente pretende ver afirmados, já que, afinal, impõe-se também verificar se estamos perante questões de que o Tribunal deva conhecer oficiosamente, ou seja, mesmo que não invocadas pelas partes, sendo que, diga-se, é precisamente esse o caso, pois que, relembrando-se de novo aliás, como antes o dissemos, que “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” (n.º 3, do artigo 5.º), resulta também expressamente do artigo 57.º, do CPT, que, se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se regularmente citado na sua própria pessoa, ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor e é logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito (n.º1), comando este que, pois, se dirige à consideração dos factos que tenham sido invocados pelo autor, determinando que sejam tidos como confessados, repete-se, os factos, traduzindo assim, mas apenas, a ideia de que a sentença, surgindo é certo como consequência da admonição antes aí prevista (nada se podendo pois apontar nesta parte, ao proferir-se desde logo sentença), devendo então atender a esses factos, porque confessados, já não tem necessariamente de atender aos fundamentos jurídicos que tenham sido invocados pelo autor na petição.

Na verdade, impõe-se antes, como aí se afirma, de modo inequívoco, que se julgue a causa conforme for de direito – veja-se, aliás, o regime que resulta do n.º 2 do normativo, quando se refere que, se a causa se revestir de manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado, como ainda que “se os factos confessados conduzirem à procedência da acção, a fundamentação pode ser feita mediante simples adesão ao alegado pelo autor”. De resto, mesmo nessas situações, como se afirmou no Acórdão da Relação de Évora de 12 de setembro de 2018[8], sendo verdade que a manifesta simplicidade a que se alude na norma deve ser avaliada e analisada de acordo com os factos constantes da petição inicial e o direito aplicável aí referido – “O tribunal, no caso de aplicar o disposto no art.º 57.º n.º 2 do CPT, só pode ater-se ao alegado na petição inicial, pois é o que existe no processo”, não tendo “de especular sobre possíveis problemas que eventualmente as rés pudessem invocar na contestação relativamente a cada um dos pedidos” –, deve porém o juiz, nestes casos, “verificar se os factos alegados são simples, claros e se o direito invocado pelas autoras suporta a sua pretensão” e só depois de concluído este processo, “se constatar que não existem quaisquer dúvidas quanto à bondade da aplicação do direito aos factos alegados e que tal conduz ao deferimento dos pedidos formulados, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado e se os factos confessados conduzirem à procedência da ação, a fundamentação pode ser feita mediante simples adesão ao alegado pelo autor”.

Ou seja, sempre se pressupõe que o juiz aprecie efetivamente da aplicação da lei e do direito ao caso, em face dos factos, mas apenas esses, que tenham sido tidos como confessados.

Ora, já então nesse âmbito, não se levantando dúvidas sobre a lei aplicável – assim o regime jurídico estabelecido com a entrada em vigor do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009 (CT/2009) –, importa então esclarecer, pois que afinal o Recorrente parece tal esquecer (assim desde logo ao pretender fazer apelo, para fundar a resolução do contrato que operou, a factos (e aliás outras considerações) constantes da petição inicial mas que não fez constar da carta de resolução), o regime que resulta da lei a respeito da comunicação da intenção de resolução a efetuar pelo trabalhador, assim no sentido de que, devendo ocorrer nos 30 dias subsequentes ao conhecimento pelo trabalhador dos factos que a justificam, revestindo essa comunicação a forma escrita, com a “indicação sucinta dos factos que a justificam” (n.º1 do art.º 395.º, do CT/09) – indicação essa que, afastando-se outra leitura, deve ser entendida no sentido de que o trabalhador não está dispensado de concretizar, com o mínimo de precisão, os factos que estão na base da sua decisão[9] –, é, porém, a partir dessa indicação que se afere a procedência dos motivos invocados para a resolução, pois que “apenas são atendíveis para a justificar” os factos que dela constarem – princípio da vinculação temática (n.º 3, do art.º 398.º)[10].

Foi precisamente este o regime que se teve como aplicável na sentença recorrida, quando de fez constar: «Na comunicação intitulada de “resolução de contrato com justa causa por fato imputável à entidade empregadora”, que o autor dirigiu à ré em 13.07.2023, supra transcrita, os factos concretamente invocados como fundamento da resolução do contrato são, apenas, o encerramento da empresa na sequência da detenção do único sócio gerente e a impossibilidade que daí advém para o autor de exercer as suas funções, sendo que tal encerramento ocorreu em 05.07.2023 e o autor fez operar a resolução do contrato oito dias após. Ora, tais factos não constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, não sendo reconduzíveis a qualquer das hipóteses previstas no art. 394º do Código do Trabalho. Nestes termos, a comunicação em causa produz o efeito de resolução do contrato de trabalho pretendido pelo autor, sem que, contudo, este tenha direito à indemnização prevista no art. 396º, nº 1 do Código do Trabalho, uma vez que não estamos perante um caso de resolução do contrato com justa causa. Pelo exposto, improcedem os pedidos do autor de que se declare a justa causa de resolução do contrato de trabalho e se fixe a correspondente indemnização.»

Ou seja, do que se tratou, o que aliás não nos merece censura, foi da necessária consideração, e apenas, como resulta afinal do regime aplicável, dos fundamentos que foram efetivamente invocados pelo aqui Recorrente na comunicação em que resolveu o contrato com invocação de justa causa, não podendo ser considerados, como afinal o mesmo Recorrente pretende com as invocações que faz no presente recurso, quaisquer outros fundamentos que daquela comunicação não constem, sendo que, esclareça-se também, confrontado com a aplicação do referido regime, não invocou quaisquer argumentos passíveis de evidenciar que se tratasse de errada ou inadequada aplicação da lei e do direito – carecendo designadamente de sentido o argumento de que, não impugnando a entidade patronal a resolução operada pelo trabalhador, tenha a mesma de considerar-se licita, não podendo o Tribunal substituir-se ao empregador, vendo na intervenção do tribunal “clara violação do princípio do dispositivo”.

Nos termos expostos, claudicam os argumentos do Recorrente quanto à analisada questão.

3. Por fim, invoca o Recorrente que, “no que aos créditos laborais diz respeito, o Tribunal a quo deu como provado, por confessado, tudo quanto alegado na Petição Inicial”, “a Ré confessou ser devedora do A. das quantias peticionadas”, não podendo “o Tribunal substituir-se as partes, alterando os valores confessados” – “os valores peticionado pelo A. encontram-se devidamente calculados, e são devidos pela Ré”.

Limitando-se o Recorrente a fazer tais afirmações, importa dizer que o que antes referimos é também aqui aplicável, pois que, como dissemos, o tribunal aplica o direito aos factos, mas apenas a esses, que, tendo sido alegados, se consideram provados e não, pois, como aquele o defende, a quaisquer cálculos que tenha feita na petição inicial.

Não sendo, pois, esses cálculos e sim, diversamente, os factos em que assentam que se dão por confessados, é por referência a estes últimos que o tribunal aplica depois a lei e o direito, como se fez na sentença recorrida, ao fazer-se constar o seguinte:

“(…) 2. Quantitativo devido pelas remunerações dos meses de junho e 13 dias do mês de julho de 2023.

Considerando o salário diário de €50,00 (€1500,00: 30 = €50,00), aos meses de junho (€1500,00) e 13 dias de julho (13 x €50,00 = €650,00), corresponde a remuneração total de €2150,00 (€1500,00 + €650,00).

3. Quantitativos devidos a título de férias vencidas e não gozadas:

- 11 dias no ano de 2021, correspondem ao montante de €750,00 (€1500,00 x 11: 22);

- 12 dias no ano de 2022, correspondem ao montante de €818,18 (€1500,00 x 12: 22);

- 19 dias no ano de 2023, correspondem ao montante de €1295, 45 (€1500,00 x 19: 22);

- proporcionais de férias referentes ao ano de 2023, considerando 194 dias de contrato que decorreram entre 01.01.2023 e 13.07.2023, correspondem ao montante de €797,26 (€1500,00 x 194: 365).”

Em face, assim, da citada fundamentação, tanto mais que o Recorrente se limita por um lado a dizer que a Ré confessou ser devedora das quantias peticionadas, afirmação essa que pelas razões que referimos anteriormente não obtém sustentação, e, por outro, de modo claramente genérico que os valores que peticionou se encontram devidamente calculados (e são devidos pela Ré), não se evidenciando, ainda, tanto mais que sequer se preocupou em demonstrar, minimamente que fosse, qual a razão e fundamento para esses não serem ajustados, não encontramos razões para divergirmos dos cálculos a que se chegou na sentença.

Improcede, pois, o recurso também nesta parte.


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Nos termos antes expostos, sem necessidade de outras considerações, improcede totalmente o presente recurso.

Decaindo do recurso, a Recorrente é responsável pelas custas (artigo 527.º do CPC).


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Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, segue-se o sumário do presente acórdão, da responsabilidade exclusiva do relator:

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IV. Decisão

Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em declarar totalmente improcedente o recurso, confirmando-se assim a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente.


Porto, 9 de setembro de 2024

(acórdão assinado digitalmente)
Nelson Fernandes
Rui Penha
Germana Ferreira Lopes
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[1] “1 - O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição. 2 - Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida. 3 - O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”
[2] “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”
Também na instância recursiva, nesse caso por referência às conclusões da alegação do recorrente, delimitativas do objeto do recurso, conforme resulta dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma legal.
[3] Processo 257/19.3T8STS.P1, Relatora Desembargadora Fátima Andrade, in www.dgsi.pt.
[4] Ac. do STJ, de 20/10/2015, Processo 372/10: Sumários, 2015, p.55
[5] Norma que se projeta, subsidiariamente, nos processos de natureza laboral, nos termos do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho.
[6] A Ação Declarativa Comum – À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, setembro 2013, pp. 97-98
[7] Que aqui seguimos de perto - Relator Conselheiro Pinto Hespanhol, in www.dgsi.pt.
[8] Relator Desembargador Moisés Silva, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
[9] Cf. Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Ed., Principia, 2012, pág. 533.
[10] Entre outros, veja-se o Acórdão desta Secção de 10 de dezembro de 2019, apelação 522/18.7T8VNG.P1, relatado pelo também aqui relator.
[11] “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”
Também na instância recursiva, nesse caso por referência às conclusões da alegação do recorrente, delimitativas do objeto do recurso, conforme resulta dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma legal.