REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
RESIDÊNCIA PERMANENTE
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
CONVENÇÃO DE HAIA
Sumário

I - Não sendo a Suíça Estado-Membro da União Europeia, é aplicável, para efeitos de apreciação da competência internacional dos tribunais portugueses em ação de regulação das responsabilidades parentais, a Convenção Relativa à Competência, à Lei aplicável, ao Reconhecimento, à Execução e à Cooperação em Matéria de Responsabilidade Parental e Medidas de Proteção das Crianças, adotada na Haia em 19 de outubro de 1996, e aprovada pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 52/2008, de 13 de novembro (Convenção de Haia) e não o Regulamento (CE) n.º 2201/2003, de 27/11.
II - A interpretação do conceito de “residência permanente” previsto no art.º 5.º desta Convenção de Haia deve ser feita, sempre, à luz do superior interesse da criança.
III – Tendo a menor em causa residência habitual, desde 2020, na Suíça, serão as autoridades judiciais daquele país que, por razões de proximidade, terão melhores condições para instruir, apreciar e decidir as questões atinentes à regulação das responsabilidades parentais e, nesta medida, para decidir a ação em conformidade com o superior interesse desta.

Texto Integral

Processo n.º 988/23.3T8MCN.P1
Comarca: [Juízo de Família e Menores de Marco de Canavezes; Comarca do Porto Este]

Juíza Desembargadora Relatora: Lina Castro Baptista

Juíza Desembargadora Adjunta: Anabela Andrade Miranda

Juiz Desembargador Adjunto: João Proença


*

SUMÁRIO

…………………………………

…………………………………

…………………………………


*


Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I — RELATÓRIO

AA, residente na ..., ..., veio intentou o presente processo especial de regulação do exercício das responsabilidades parentais da sua filha menor BB e em que é Requerida CC, com indicação de residência na Rua ..., ..., ..., ... e ..., ....

Alega, em síntese e com relevo para a apreciação do presente recurso, que, no dia 25/09/2019, na freguesia ..., ... e ..., concelho ..., nasceu a BB, sua filha e da Requerida.

Afirma estar impedido de exercer o seu direito e papel de pai.

Entende que se impõe proceder à regulação do exercício das responsabilidades parentais quanto à menor, no sentido de permitir que esta crie e mantenha com ambos os progenitores um relacionamento mais próximo quanto possível, de forma a salvaguardar o seu superior interesse e o seu desenvolvimento harmonioso.

Não se logrou obter a citação da Requerida na morada indicada pelo Requerente, acabando a mesma por ser citada em Rue ..., ..., Suíça.

Realizou-se Conferência de Pais, na qual a Requerida foi representada pela sua Ilustre Mandatária, no âmbito da qual esta Mandatária invocou que os Tribunais competentes para a presente ação são os Tribunais Suíços, anunciando que iria deduzir incidente de incompetência internacional do Tribunal português. Sobre esta questão, o Requerente defendeu que o Tribunal português é internacionalmente competente. Ainda no âmbito da mesma Conferência, as partes foram notificadas para alegar e foi fixado um regime provisório de Regulação do exercício das responsabilidades parentais.

O Requerente veio apresentar alegações em que, entre o mais, sustentou que o Tribunal português é internacionalmente competente porquanto a Requerida, ao tomar por si a decisão de abandonar Portugal para se fixar com a sua filha menor no estrangeiro, sem requerer a regulação das responsabilidades parentais, violou o seu dever de informação e a sua participação numa questão de particular importância para o futuro da menor.

Também por a menor e os seus progenitores terem nacionalidade portuguesa e se desconhecer em que contexto se encontra a Requerida a residir na Suíça, se reside a título permanente ou transitório.

Defende que o direito português não pode abdicar da sua competência para regular as responsabilidades parentais, mormente estando igualmente em causa o direito da deslocação e de emigração de um dos progenitores.

Também a Requerida veio apresentar alegações em que, entre o mais, alega que a presença da criança na Suíça não tem caráter temporário ou ocasional, sendo suscetível de revelar integração naquele estado a nível familiar, social e educacional.

Advoga que, por aplicação da Convenção de Haia, o superior interesse da criança impõe que seja o tribunal da sua residência a apreciar o ora peticionado, por ser aquele que está mais próximo da menor e, por isso, mais apetrechado para decidir.

O Ministério Público veio promover que, sendo a Convenção de Haia aplicável aos presentes autos e residindo a menor na Suíça desde tenra idade, deve declarar-se a incompetência internacional dos tribunais portugueses para a regulação das responsabilidades parentais.

Foi proferido despacho com a seguinte fundamentação resumida: “(…) Em termos de instrumentos internacionais, considerando que a menor reside na Suíça, é aplicável ao caso dos autos a “Convenção Relativa à Competência, à Lei Aplicável, ao Reconhecimento, à Execução e à Cooperação em Matéria de Responsabilidade Parental e Medidas de Proteção das Crianças”, adotada na Haia em 19 de Outubro de 1996, e aprovada pelo artigo 1º do Decreto n.º 52/2008, de 13 de novembro, mas que entrou em vigor, no nosso país, no dia 1 de agosto de 2011, em virtude de o depósito do respetivo instrumento de aprovação se manter suspenso por determinação da Decisão do Conselho da União Europeia, de 5 de junho de 2008. (…) No caso dos autos, não poderemos considerar que estamos perante um caso de afastamento ou de retenção ilícita da criança, para efeitos de aplicação do disposto no art.º 7º da Convenção, e eventual manutenção da competência dos tribunais portugueses. Efetivamente, quando a progenitora levou a filha para residir no estrangeiro – agosto de 2022 – não estava ainda estabelecida a paternidade do Requerente, pelo que o afastamento da menor em relação ao Requerente não se considera ilícito, nos termos do n.º 2 daquele artigo 7.º. Mas, ainda que assim se pudesse considerar (por atribuição de pleno direito – cfr. art.º 1906.º, n.º 1 do Código Civil, ex vi do disposto no art.º 1912.º, n.º 1 do mesmo diploma), sempre a menor está a residir no estrangeiro e, concretamente, na Suíça, há mais de um ano, o que é do conhecimento do progenitor, não se encontrando pendente qualquer pedido de regresso apresentado durante esse período, e podendo concluir-se que a criança está integrada no seu novo ambiente. Ou seja, sempre se mostraria ultrapassado o prazo durante os qual os tribunais nacionais manteriam a sua competência, nos termos do disposto no art.º 7.º da Convenção. (…) No caso dos autos, da factualidade dada como provada concluiu-se que a criança, à data da entrada em juízo do requerimento inicial de regulação do exercício das responsabilidades parentais, residia com a sua mãe na Suíça, sendo essa a sua “residência habitual”, pois é nesse país que tem o seu centro de vida. Entende o progenitor que a atribuição de competência aos tribunais Suíços deve ser excluída por comportar uma notória incompatibilidade com as regras ou princípios da ordem pública. A Requerida, ao tomar por si, única e exclusivamente a decisão de abandonar Portugal para se fixar com a filha menor no estrangeiro, sem requerer a regulação das responsabilidades parentais, violou o dever de informação e participação do Requerente, numa questão de particular importância para o futuro da menor a que estava adstrita, por força do artigo 1906.º do Código Civil, reconhecendo o direito português que é do máximo interesse que as crianças portuguesas, filhos de pais portugueses separados, que nem tampouco acordaram a regulação do exercício das responsabilidades parentais, não sejam levadas para o estrangeiro por qualquer um dos progenitores sem conhecimento e consentimento do outro. (…) Porém, o estabelecimento da competência internacional para efeitos de regulação das responsabilidades parentais que estabeleça como critério o da residência habitual do menor, nos termos que temos vindo a analisar, não fere aqueles preceitos constitucionais. Antes, a competência internacional assim definida garantirá a maior proximidade entre a criança e o tribunal, essencial para a melhor avaliação e tutela dos interesses daquela. As regras de competência assim definidas respeitam o superior interesse da criança, em particular o critério da proximidade. Como vimos, no caso dos autos, não ocorreu um afastamento ilícito da menor BB. Quando a progenitora levou a filha para residir no estrangeiro – agosto de 2022 – não estava ainda estabelecida a paternidade do Requerente e, apenas em 15/10/2020 o Requerente intentou ação com vista a impugnar a paternidade estabelecida em relação ao Sr. DD relativamente à menor e peticionado o estabelecimento da paternidade do Requerente quanto àquela. Não se pode considerar que a progenitora tenha violado o dever de informação e participação do Requerente, numa questão de particular importância para o futuro da menor a que estava adstrita, por força do artigo 1906.º do Código Civil, nem o afastamento da menor BB pode ser considerado ilícito, pelas razões já aduzidas. Assim, em face do exposto, conclui-se que este Tribunal da Comarca do Porto Este, Juízo de Família e Menores, com sede em ..., não é o competente para a presente ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais da menor BB, porquanto competentes são os Tribunais da Suíça, onde a menor reside com a sua progenitora desde maio de 2022, facto de que o progenitor tem conhecimento há mais de um ano.” e com a seguinte decisão “Termos em que julgo este tribunal absolutamente incompetente em razão das regras de competência internacional para conhecer da presente ação e absolvo a Requerida da instância.”

Inconformado com esta decisão, o Requerente interpôs o presente recurso pedindo a revogação da mesma, sendo substituída por outra que determine competência internacional dos Tribunais Portugueses para julgarem a presente causa, formulando as seguintes

CONCLUSÕES:
A. O presente recurso versa sobre a douta decisão proferida pela Meritíssima Juiz do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, juízo de Família e Menores de Marco de Canaveses, alicerçando a sua razão de ciência na incorreta apreciação dos factos pelo Tribunal a quo, o que culminou, consequentemente, numa desajustada interpretação e aplicação do direito ao caso sub juditio, decidindo pela incompetência absoluta do tribunal em razão das regras de competência internacional.
B. O Tribunal a quo, entende que, pela aplicação da Convenção Relativa à Competência, à Lei Aplicável, ao Reconhecimento, à Execução e à Cooperação em Matéria de Responsabilidade Parental e Medidas de Proteção das Crianças, para a Regulação das Responsabilidades Parentais da menor, seriam competentes os Tribunais da Suíça, em detrimento dos Tribunais Portugueses, o que, todavia, se afigura erróneo.
C. A menor, BB, nasceu no dia 25 de setembro de 2019, na freguesia ..., ... e ..., concelho ..., a qual foi registada na Conservatória do Registo Civil de Penafiel, como filha da Recorrida CC e de DD. A paternidade consignada inicialmente no registo, resultou de declaração voluntária prestada pela Recorrida e pelo DD, perante o funcionário do registo civil.
D. O referido DD, estando convencido que seria o pai biológico da menor, assumiu a paternidade. Contudo, em meados de junho de 2020, o Recorrente teve conhecimento, através da Recorrida, que o referido DD, não seria o pai biológico da menor, mas sim o aqui Recorrente.
E. Mal teve conhecimento dessa informação, o Recorrente de imediato, providenciou pela realização de exame pericial, informando a Recorrida, que iria dar entrada, o quanto antes de uma ação de impugnação e reconhecimento de paternidade.
F. Antes que isso acontecesse, a Recorrida ausentou-se de Portugal com a menor.
G. O Recorrente apresentou no dia 15 de outubro de 2020, tendo em vista a impugnação da paternidade estabelecida em relação ao Sr. DD relativamente à menor e peticionando o estabelecimento da paternidade do Recorrente quanto àquela. Tal ação correu termos sob o processo n.º 765/20.3T8MCN, no Juízo de Família e Menores do Marco de Canaveses.
H. No dia 30 de setembro de 2022, transitou em julgado a sentença proferida no âmbito do processo supra identificado, nos termos da qual, o Tribunal reconheceu o Recorrente como pai biológico da menor, BB, tendo anulado a paternidade estabelecida em relação ao Sr. DD.
I. A 16 de novembro de 2022 foi averbada a paternidade do Recorrente. No entanto, desde meados de agosto de 2020, que o Recorrente não vê a sua filha, estando impedido de exercer o seu direito e papel de pai, desde o nascimento da sua filha, por culpa exclusiva da Recorrida.
J. O Recorrente, tentou regular as Responsabilidades Parentais da menor BB, mas a Recorrida, nunca aceitou qualquer tentativa de acordo porquanto esta entende que a filha lhe pertence. Por a tal comportamento, o Recorrente deu entrada nos autos de ação de responsabilidades parentais, tendo em vista a salvaguarda do superior interesse da menor, permitindo que a menor conviva consigo e que mantenha com este um relacionamento mais próximo quanto possível.
K. O Tribunal a quo, deu como provado que “4. O progenitor e a progenitora da menor, nunca residiram juntos”, no entanto, consta da ata de conferência de pais, realizada no dia 30 de novembro de 2023, entre outras coisas, o seguinte: “Esclarece que a menor residiu com o Requerente durante um período, entre maio e agosto de 2020, altura em retomou a relação com a Requerida, e que a menor conhece a sua família, e chamava-lhe pai.”
L. Assim, não se compreende como é que o Tribunal a quo dá como provado tal facto, quando tal não corresponde à verdade e foi esclarecido em sede de conferência de pais, pelo Recorrente. A menor viveu, na companhia do Recorrente, por um período de 4 meses, a quem chamava de Pai.
M. Assim, o ponto 4, dado como provado, decorre de um erro notório da apreciação da prova, estando ferido de nulidade, nulidade essa que se pretende que seja declarada, com as legais consequências.
N. Assim, deveria ter sido dado como provado, que: “A menor residiu com o Requerente durante um período, entre maio e agosto de 2020, altura em retomou a relação com a Requerida, e que a menor conhece a sua família, e chamava-lhe de pai.
O. O tribunal a quo, apesar de afirmar que: “em meados de agosto de 2020 a Recorrida, sem dar conhecimento ao Recorrente, nem este ter dado autorização, foi residir com a menor para o estrangeiro”, entendeu que, no caso sub judice, não se estava perante um afastamento ou retenção ilícita da criança, para efeitos da aplicação do disposto no artigo 7.º da Convenção, e eventual manutenção da competência dos tribunais portugueses, salientando que a Recorrida não estava adstrita ao dever de informação e participação do Recorrente, porquanto “não estava ainda estabelecida a paternidade do Recorrente” e que, por essa razão, não estava a praticar qualquer ato ilícito, nos termos do n.º 2 do referido diploma.
P. Não se pode concordar com tal entendimento, pois, a Recorrida ao tomar por si, única e exclusivamente a decisão de abandonar Portugal para se fixar com a filha menor no estrangeiro, sem tampouco requerer a regulação das responsabilidades parentais, violou não só o dever de informação e participação do Recorrente, numa questão de particular importância para o futuro da menor – obrigação a que estava adstrita, por força do artigo 1906.º do Código Civil.
Q. Como também privou o Tribunal de se pronunciar, ante a patente discordância do Recorrente, que nem sequer tinha a filiação da sua filha registada.
R. Saliente-se que, a paternidade não estava estabelecida a favor do Recorrente, apenas e só, por culpa da Recorrida, que bem sabia que o Recorrente era o pai biológico da menor e para além de ocultar a paternidade da menor, dificultou todo o processo de restabelecimento da paternidade.
S. Desde que foi averbada a eliminação da filiação e averbada a paternidade do Recorrente, este tudo tem feito para ver os seus direitos e deveres enquanto pai reconhecidos, apesar de todos os obstáculos e impedimentos que a Recorrida cria.
T. Para além disso, como é consabido, por efeitos da filiação, os pais ficam incumbidos de responsabilidades parentais, irrenunciáveis, cfr. art.º 1882.º do Código Civil. Sendo basilar nesta matéria o princípio da igualdade dos progenitores, ínsito no art.º 36.º n.º 5 e 6 da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos, não podendo os filhos ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial
U. No caso em apreço, o Recorrente está impedido de exercer os seus direitos, desde que a menor nasceu, por culpa exclusiva da Recorrida, que tudo faz para impedir a relação da filha com o pai
V. Por conseguinte, ao contrário do que o Tribunal a quo entende, a Recorrida não só violou, de forma grosseira, o dever de informação e participação do Requerente, numa questão de particular importância para o futuro da menor a que estava adstrita, por força do artigo 1906.º do Código Civil, como também o dever de educação e manutenção dos filhos, previsto no n.º 5 e 6.º do artigo 36.º da Constituição da República Portuguesa.
Quanto à competência dos tribunais portugueses para a regulação das
responsabilidades parentais, da menor BB:
W. Dispõe os artigos 5.º e 17.º da Convenção de Haia de 1996 será competente para regular o exercício das responsabilidades parentais o Tribunal do estado da residência habitual do menor à data da instauração do processo – Suíça.
X. No entanto, ao abrigo do disposto no artigo 22.º da Convenção, essa atribuição de competência é afastada se comportar uma notória incompatibilidade com as regras ou princípios da ordem pública, ou seja, resultar numa aplicação manifestamente contrária à ordem pública.
Y. O direito constitucional português consagra no seu artigo 36.º n.º 5 e 6, o direito e o dever dos pais de educação e manutenção dos filhos, e a proibição da separação dos filhos dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.
Z. O direito português reconhece que é do máximo interesse que as crianças portuguesas, filhos de pais portugueses separados, que nem tampouco acordaram a regulação do exercício das responsabilidades parentais, não sejam levadas para o estrangeiro por qualquer um dos progenitores sem conhecimento e consentimento do outro.
AA. Pelo que, o direito português não pode abdicar da sua competência para regular as responsabilidades parentais, estando em causa, por um lado o direito de educação e manutenção dos filhos e a proibição da separação dos filhos dos pais, e por outro, o direito a deslocação e de emigração de um dos progenitores
BB. Para além disso, importa fazer notar que a menor, nasceu em Portugal, viveu em Portugal, a maior parte da sua vida foi passada em Portugal, os pais têm nacionalidade portuguesa, sendo, portanto efetiva, a ligação de todos a Portugal.
CC. Por aplicação do critério do superior interesse da menor e da maior proximidade, no momento da instauração da presente ação, era o estado português aquele que apresenta maior ligação à menor e aos seus progenitores e, consequentemente aquele que melhor garante o superior interesse da menor.
DD. E é do máximo interesse que a Regulação da Responsabilidades Parentais, de crianças portuguesas, nascidas em Portugal, filhos de pais portugueses, seja fixada pelos Tribunais Portugueses, pois só os tribunais portugueses se encontram em condições de proferir uma decisão consentânea com os superiores interesses da menor.
EE. Por conseguinte, impõe-se a revogação da decisão proferida, e a mesma substituída por nova decisão que determina a competência internacional dos Tribunais Portugueses para julgarem a presente causa.

O Ministério Pública contra-alegou, referindo, em síntese, que:

a. Em termos de instrumentos internacionais, considerando que a menor reside na Suíça, é aplicável ao caso dos autos a “Convenção Relativa à Competência, à Lei aplicável, ao Reconhecimento, à Execução e à Cooperação em Matéria de Responsabilidade Parental e Medidas de Proteção das Crianças, adotada na Haia em 19 de outubro de 1996, e aprovada pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 52/2008, de 13 de novembro.

b. A competência internacional assim definida garantirá a maior proximidade entre a criança e o tribunal, essencial para a melhor avaliação e tutela dos interesses daquela, respeitando o superior interesse da criança, em particular o critério da proximidade.

c. Considerando os normativos acima citados, entende-se, salvo o devido respeito por opinião contrária, que a douta decisão decidiu corretamente sobre todas as questões relevantes.

d. Claramente ao contrário do alegado pelo Requerente, a maior parte da sua vida foi no estrangeiro, uma vez que a BB saiu de Portugal em meados de agosto de 2020 (em momento anterior à instauração da ação de impugnação da paternidade).

e. Assim, pelo menos desde 18 de março de 2022 que a menor tem a sua residência habitual na Suíça.

f. É na Suíça que vive com a sua mãe, onde a sua vida se encontra organizada de modo estável, frequentando uma ama onde está integrada.

g. Dos documentos juntos aos autos pela progenitora e bem assim o alegado pelo pai demonstram claramente que a menor reside na Suíça desde tenra idade.

h. À data da entrada da ação de regulação das responsabilidades parentais em Juízo a criança já residia com a mãe na Suíça.

i. A jurisprudência que o progenitor cita não tem aplicação ao caso dos autos, quer por ser referente à aplicação do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 de 27/11, quer por dizer respeito a situações de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, o que não sucede no caso dos autos.

j. Por outro lado, não estamos claramente perante um caso de afastamento ou de retenção ilícita da criança, para efeitos de aplicação do disposto no art.º 7.º da Convenção, e eventual manutenção da competência dos tribunais portugueses.

k. Como supra se referiu, quando a progenitora levou a menor para residir no estrangeiro sequer estava averbada a paternidade do progenitor.

l. Não assistia qualquer imposição legal da progenitora em requerer a regulação das responsabilidades parentais ou autorização do recorrente.

m. Por tudo, entende-se ter andado bem a douta decisão recorrida em declarar o Tribunal da Comarca do Porto Este, Juízo de Família e Menores de Marco de Canavezes, não ser o competente para a presente ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais da menor BB, porquanto competentes são os Tribunais da Suíça, onde a menor reside com a sua progenitora desde março de 2022, facto de que o progenitor tem conhecimento há mais de um ano.

O Tribunal Recorrido admitiu o presente recurso como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.


*


II—DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil[1], aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso.

As questões a apreciar, delimitadas pelas conclusões do recurso, são as seguintes:
o Modificação da matéria de facto por reapreciação das provas produzidas.
o Competência Internacional dos Tribunais portugueses.


*


III – MODIFICAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO POR REAPRECIAÇÃO DAS PROVAS PRODUZIDAS

O Recorrente pretende a alteração do conteúdo factual do Item 4)[2].

Sustenta que consta da Ata de conferência de pais, realizada no dia 30 de novembro de 2023, entre outras coisas, o seguinte: “Esclarece que a menor residiu com o Requerente durante um período, entre maio e agosto de 2020, altura em retomou a relação com a Requerida, e que a menor conhece a sua família, e chamava-lhe pai.”

Entende não se compreender como é que o tribunal a quo dá como provado tal facto, quando tal não corresponde à verdade e foi esclarecido em sede de conferência de pais, pelo Recorrente.

Defende que a factualidade deste Item 4) decorre de um erro notório da apreciação da prova, devendo passar a dar-se como provado o seguinte: “A menor residiu com o Requerente durante um período, entre maio e agosto de 2020, altura em retomou a relação com a Requerida, e que a menor conhece a sua família, e chamava-lhe de pai.”

Decorre do disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CP Civil que "A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa."

Tal como explica Abrantes Geraldes[3], "(…) sendo a decisão do Tribunal “a quo” o resultado da valoração de meios de prova sujeitos à livre apreciação (…) a Relação, assumindo-se como verdadeiro Tribunal de instância, está em posição de proceder à sua reavaliação, expressando, a partir deles, a sua convicção com total autonomia. Afinal nestes casos, as circunstâncias em que se inscreve a sua atuação são praticamente idênticas às que existiam quando o Tribunal de 1ª instância proferiu a decisão impugnada, apenas cedendo nos fatores da imediação e oralidade."

Vejamos:

O Recorrente alegou no requerimento inicial dos presentes autos, designadamente no art.º 7.º “Efetivamente, o Requerente está desde meados de agosto de 2020 impedido de ver a sua filha.”

Em sede de Ata de Conferência de Pais, realizada em 30 de novembro de 2023 e sem a presença da Requerida, o Requerente declarou, através do seu mandatário: “Esclarece que a menor residiu com o Requerente durante um período, entre maio e agosto de 2020, altura em que retomou a relação co a Requerida, e que a menor conhece a sua família e chama-lhe pai.”

O Requerente/Recorrente retomou esta afirmação nas Alegações por si apresentadas.

Nas respetivas Alegações, a Requerida impugna esta factualidade, contrapondo, no respetivo art.º 14.º: “O progenitor e a progenitora da menor, nunca residiram juntos, a progenitora dormiu algumas vezes na residência da família deste, em que no máximo duas dessas noites tiveram lugar de forma sucedânea.”

Os documentos juntos aos autos por ambas as partes não versam sobre esta factualidade, nem de forma indireta.

Assim sendo, uma vez que estamos perante duas teses opostas sobre a mesma factualidade, impõe-se, perante a falta de elementos probatórios a respeito da mesma, eliminar a factualidade em causa do elenco dos Factos Provados.

Procede, desta forma, parcialmente a pretensão do Recorrente, eliminando-se a factualidade impugnada do Item 4).


*


IV – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Foram os seguintes os factos considerados provados na decisão recorrida, com a alteração acima determinada:

1) No dia 25 de setembro de 2019, na freguesia ..., ... e ..., concelho ..., nasceu a BB, a quem foram dados os apelidos de ..., registada na Conservatória do Registo Civil de Penafiel, como filha da Requerida CC e de DD.

2) Em 15/10/2020 o Requerente intentou ação com vista a impugnar a paternidade estabelecida em relação ao Sr. DD relativamente à menor e peticionando o estabelecimento da paternidade do Requerente quanto àquela, que correu termos neste Juízo, sob o processo n.º765/20.3T8MCN, no âmbito do qual foi proferida sentença que declarou que DD não é o pai biológico da menor BB e reconheceu o Requerente como pai biológico da menor, tendo tal sentença transitado em julgado em 30/09/2022 (facto provado por consulta dos autos).

3) Em 16/11/2022 foi averbada eliminação da filiação e avoenga paterna constante do assento de nascimento da menor, assim como o apelido “...” e averbada a paternidade de AA.

4) ELIMINADO

5) Em meados de agosto de 2020 a Requerida, sem dar conhecimento ao Requerente, nem esta deu autorização, foi residir com a menor para o estrangeiro.

6) Desde 18 de março de 2020 a Requerente reside em ..., Suiça.

7) Pelo menos desde 23 de maio de 2022 que a menor BB tem seguro de doença obrigatório na Suíça.

8) Pelo menos desde setembro de 2023 a menor está entregue, durante o dia, a uma ama, na Suíça.

9) A presente ação deu entrada em juízo no dia 31/07/2023.


*

V – COMPETÊNCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS PORTUGUESES

O Recorrente pretende, com o presente recurso, que seja revogada a decisão recorrida e substituída por outra que decida no sentido da competência internacional dos Tribunais portugueses para julgarem a presente causa.

Sustenta que a Recorrida ao tomar por si, única e exclusivamente a decisão de abandonar Portugal para se fixar com a filha menor no estrangeiro, sem tampouco requerer a regulação das responsabilidades parentais, violou não só o dever de informação e participação do Recorrente, numa questão de particular importância para o futuro da menor – obrigação a que estava adstrita, por força do artigo 1906.º do Código Civil[4] como também privou o Tribunal de se pronunciar, ante a patente discordância do Recorrente, que nem sequer tinha a filiação da sua filha registada.

Acrescenta que a paternidade não estava estabelecida a favor do Recorrente, apenas e só, por culpa da Recorrida, que bem sabia que o Recorrente era o pai biológico da menor e para além de ocultar a paternidade da menor, dificultou todo o processo de restabelecimento da paternidade.

Advoga que o direito português não pode abdicar da sua competência para regular as responsabilidades parentais, estando em causa, por um lado o direito de educação e manutenção dos filhos e a proibição da separação dos filhos dos pais, e por outro, o direito a deslocação e de emigração de um dos progenitores.

Mais alega que importa fazer notar que a menor nasceu em Portugal, viveu em Portugal, a maior parte da sua vida foi passada em Portugal, os pais têm nacionalidade portuguesa, sendo, portanto efetiva, a ligação de todos a Portugal.

Defende que, por aplicação do critério do superior interesse da menor e da maior proximidade, no momento da instauração da presente ação, era o estado português aquele que apresenta maior ligação à menor e aos seus progenitores e, consequentemente aquele que melhor garante o superior interesse da menor. Bem como que é do máximo interesse que a Regulação da Responsabilidades Parentais, de crianças portuguesas, nascidas em Portugal, filhos de pais portugueses, seja fixada pelos Tribunais Portugueses, pois só os tribunais portugueses se encontram em condições de proferir uma decisão consentânea com os superiores interesses da menor.

A única questão a apreciar e decidir respeita a saber se os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para tramitar e decidir da regulação das responsabilidades parentais da menor BB.

O Recorrente e o Ministério Público concordam com a decisão recorrida quanto à aplicabilidade aos autos da “Convenção Relativa à Competência, à Lei aplicável, ao Reconhecimento, à Execução e à Cooperação em Matéria de Responsabilidade Parental e Medidas de Proteção das Crianças, adotada na Haia em 19 de outubro de 1996, e aprovada pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 52/2008, de 13 de novembro[5].

A lei portuguesa determina, no art.º 59.º do CP Civil que “Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhe tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º.”

Esta disposição legal tem de conjugar-se com as regras constitucionais consagradas no art.º 8.º, n.º 1 e 2, no sentido de que “1. As normas e princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português. 2. As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português.”

Temos, pois, que os fatores de atribuição de competência internacional consagrados nos art.º 62.º e 63.º do CP Civil apenas se aplicam se não vigorar regulamento europeu ou instrumento internacional a dispor sobre a situação jurídica concreta.

No caso dos presentes autos, não sendo a Suíça Estado-Membro da União Europeia, é efetivamente aplicável a Convenção de Haia, tal como decidido na decisão recorrida (e não o Regulamento (CE) n.º 2201/2003, de 27/11).

Esta Convenção tem por objeto dar proteção internacional a crianças e jovens definindo o país competente para tomar medidas de proteção da criança ou da sua propriedade; a lei aplicável no exercício dessa competência, a lei aplicável à responsabilidade parental e o reconhecimento e a execução das medidas de proteção em todos os países signatários.

Dispõe o respetivo art.º 5.º, n.º 1, em sede de competência, que “As autoridades jurídicas ou administrativas do Estado Contratante no qual a criança tem a sua residência habitual possuem competência para tomar as medidas necessárias à proteção da pessoa ou bens da criança.”

Tal como se explica no Acórdão da Relação de Lisboa de 11/12/2018, tendo como Relator Rijo Ferreira[6]: “A “residência habitual” para efeitos da Convenção de Haia relativa à “Competência, à Lei Aplicável, a Reconhecimento, à Execução e à Cooperação em Matéria de Responsabilidade Parental e Medidas de Proteção das Crianças” concluída em 19 de outubro de 1996 é um conceito autónomo, de natureza fática a preencher casuisticamente em função das circunstâncias de educação, interação social e relações familiares, apreciadas quer pelo prisma da “intenção parental” quer pelo prisma do “ambiente da criança”, não tendo necessariamente de verificar-se uma determinada extensão temporal para se verificar a mudança de residência habitual; e como exemplos de situações que importam mudança de residência para outro Estado apontam-se a “intenção de começar uma nova vida em outro Estado” ou a “mudança definitiva, ou potencialmente definitiva, para outro Estado.”

A interpretação deste conceito de “residência habitual” deve ser feita, sempre, à luz do primado do superior interesse da criança.

Aliás, a Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pelas Nações Unidas em 20 de setembro de 1989 e ratificada por Portugal em 21 de setembro de 1990, determina, no seu art.º 3.º que “Todas as decisões relativas a crianças, adotadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.”

No caso em apreciação, está provado que a menor BB nasceu, na freguesia ..., concelho ..., em 25 de setembro de 2019.

Mais se provou que, em meados de agosto de 2020, a Requerida foi residir com a menor para o estrangeiro.

Provou-se especificamente que, desde 18 de março de 2020, a Requerente reside em ..., Suiça.

Bem como que, pelo menos desde 23 de maio de 2022, a menor BB tem seguro de doença obrigatório na Suíça e que, pelo menos desde setembro de 2023, a menor está entregue, durante o dia, a uma ama, na Suíça.

Do conjunto destes factos tem que se concluir que não assiste razão ao Recorrente ao defender que a maior parte da vida da menor foi passada em Portugal. O que se apurou foi, diversamente, que a menor foi residir com a mãe para a Suíça quando ainda não tinha 01 ano de idade e permanece a residir nesse país até ao presente, tendo presentemente praticamente 05 anos de idade.

Desta factualidade resulta que a presença da criança na Suíça não tem caráter temporário ou ocasional, revelando, ao invés, uma integração estável desta naquele país, a nível familiar e social.

Perante esta integração estável, a circunstância de os pais terem nacionalidade portuguesa, não determina, como pretende o Recorrente, que o Estado Português seja aquele com maior ligação à menor ou aquele melhor posicionado em termos de aplicação do critério do superior interesse da menor.

A nossa conclusão é, pelo contrário, a de que o superior interesse da menor obriga a que a regulação das responsabilidades parentais a si respeitantes seja apreciada e decidida à luz da lei suíça.

Tendo a menor residência habitual na Suíça, serão as autoridades judiciais daquele país que, por razões de proximidade, terão melhores condições para instruir, apreciar e decidir as questões atinentes à regulação das responsabilidades parentais e, nesta medida, para decidir a ação em conformidade com o superior interesse desta.

O Recorrente sustenta igualmente que a Recorrida, ao tomar por si, única e exclusivamente, a decisão de abandonar Portugal para se fixar com a filha menor no estrangeiro, sem tampouco requerer a regulação das responsabilidades parentais, violou não só o dever de informação e participação do Recorrente, numa questão de particular importância para o futuro da menor – obrigação a que estava adstrita, por força do artigo 1906.º do C Civil como também privou o Tribunal de se pronunciar, ante a patente discordância do Recorrente, que nem sequer tinha a filiação da sua filha registada.

Acrescenta que a paternidade não estava estabelecida a favor do Recorrente, apenas e só, por culpa da Recorrida, que bem sabia que o Recorrente era o pai biológico da menor e para além de ocultar a paternidade da menor, dificultou todo o processo de restabelecimento da paternidade.

O art.º 7.ª da Convenção de Haia exceciona, à regra geral do art.º 5.º acima analisada, que “1. Em caso de afastamento ou de retenção ilícita da criança, as autoridades do Estado Contratante, no qual a criança tinha residência habitual imediatamente antes do seu afastamento ou retenção, mantêm as suas competências até que a criança adquira residência habitual noutro Estado (…) 2. O afastamento ou a retenção da criança será considerado ilícito quando: a) Se trata da violação dos direitos de custódia atribuída a uma pessoa, instituição ou qualquer outro organismo, conjunta ou independentemente, ao abrigo da lei do Estado onde a criança tenha a sua residência habitual antes do seu afastamento ou retenção; e b) Se, no momento do afastamento ou retenção, esses direitos eram efetivamente exercidos, tanto conjunta como independentemente, ou teriam sido exercidos se tal afastamento ou retenção não tivesse acontecido.”

Desde logo, a aplicação desta estatuição ficou prejudicada já que, entretanto, e desde agosto de 2020, a menor passou a ter residência habitual na Suíça, nos termos acima analisados (cf. delimitação operada pelo n.º 1).

Independentemente desta exclusão, e tal como se decidiu na decisão recorrida, na situação dos autos nunca se poderia considerar estarmos perante um caso de “afastamento ou retenção ilícita da criança”, com a consequente manutenção da competência dos tribunais portugueses.

O que se provou foi que, na ocasião do nascimento da BB, a mesma foi registada na Conservatória do Registo Civil de Penafiel como filha da Requerida CC e de DD.

Em 15/10/2020 o Requerente intentou ação com vista a impugnar a paternidade estabelecida em relação ao Sr. DD relativamente à menor e peticionando o estabelecimento da paternidade do Requerente quanto àquela, que correu termos neste Juízo, sob o processo n.º765/20.3T8MCN, no âmbito do qual foi proferida sentença que declarou que DD não é o pai biológico da menor BB e reconheceu o Requerente como pai biológico da menor, tendo tal sentença transitado em julgado em 30/09/2022.

Em 16/11/2022 foi averbada eliminação da filiação e avoenga paterna constante do assento de nascimento da menor, assim como o apelido “...” e averbada a paternidade de AA.

Deve ainda atender-se a que a presente ação deu entrada em juízo no dia 31/07/2023.

Verifica-se, assim, que quando a Requerida levou a menor para a Suíça (agosto de 2020) não estava ainda estabelecida a paternidade do Recorrente, o que afasta, por si só, a aplicabilidade deste regime jurídico referente a “afastamento ou retenção ilícita da criança”.

Em termos legais, apenas com o estabelecimento da paternidade da menor, em termos definitivos, passaram a vigorar os direitos e obrigações consagrados nos art.º 1796.º e ss. do C Civil.

Este art.º 1796.º, n.º 2, determina expressamente que “A paternidade presume-se em relação ao marido da mãe e, nos casos de filiação fora do casamento, estabelece-se pelo reconhecimento.”

Não estando estabelecida a paternidade na data de deslocação da menor para a Suíça, não pode considerar-se, como pretende o Recorrente, que a Requerida violou o seu dever de informação e participação numa questão de particular importância para o futuro da menor.

Além disso, contrariamente ao por si alegado, não há qualquer prova nos autos de que a paternidade não estava estabelecida a favor do Recorrente, apenas e só, por culpa da Recorrida, que bem sabia que o Recorrente era o pai biológico da menor e para além de ocultar a paternidade da menor, dificultou todo o processo de restabelecimento da paternidade.

Mantém-se, assim, a regra geral da proximidade estabelecida no citado art.º 5.º da Convenção de Haia, no sentido de que, ocorrendo mudança da residência habitual para outro Estado Contratante, o tribunal do Estado da nova residência é o competente para apreciar e decidir das responsabilidades parentais da criança.

Conclui-se, tal como o tribunal recorrido, que o Tribunal da Comarca do Porto Este, Juízo de Família e Menores do Marco de Canavezes, não é o competente para a presente ação de regulação das responsabilidades parentais da menor BB, sendo competentes os Tribunais da Suíça.

A conclusão final é, portanto, a da improcedência do presente recurso.


*


VI - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso do Recorrente/progenitor, mantendo-se a decisão recorrida.


*

Custas a cargo do Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido (art.º 527.º do C.P.Civil).

*

Notifique e registe.


(Processado e revisto com recurso a meios informáticos)

Porto, 10 de setembro de 2024

Lina Castro Baptista

Anabela Miranda

João Proença


______________________
[1] Doravante designado apenas por CP Civil, por questões de operacionalidade e celeridade.
[2] Do seguinte teor: “O progenitor e a progenitora da menor nunca residiram juntos.”
[3] In Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, 4ª Edição, pág. 277.
[4] Doravante apenas designado por C Civil, por questões de operacionalidade e celeridade.
[5] Doravante apenas designada por Convenção de Haia.
[6] Proferido no Processo n.º 393/08.7TCLRS-D.L1 e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão.