ACIDENTE DE TRABALHO
LESÃO ANTERIOR
SERVIÇO DOMÉSTICO
IPATH
Sumário

1 - A qualificação da incapacidade para o trabalho habitual depende de um conjunto de circunstâncias a sopesar, a saber, as sequelas apresentadas, as características do posto de trabalho e suas exigências e, é claro, as funções efetivamente exercidas e aquelas de que o sinistrado ficou privado em consequência do acidente.
2 – Decorrendo do acidente sequelas incapacitantes para o membro superior esquerdo e sendo, embora, a sinistrada dextra, mas apresentando mal formação congénita venosa no membro superior direito que lhe determinava impotência funcional, tendo o esquerdo sido sempre um auxiliar precioso na sua vida de relação profissional, a situação deve enquadrar-se na previsão do Art.º 11º/2 da Lei 98/2009 de 4/09, avaliando-se a incapacidade como resultando toda ela do acidente.
3 – Nestas circunstâncias, tendo-se provado que a profissão e o posto de trabalho exigem uma íntegra capacidade física de ambos os membros superiores, e, bem assim, que em consequência das sequelas decorrentes do acidente de trabalho, a sinistrada não pode assegurar, de modo contínuo, trabalhos utilizando vassoura, aspirador, movimentos repetitivos com esfregonas, esponjas, podendo apenas movimentar pequenos objetos com pouca densidade e não pode movimentar mobiliário de grandes dimensões de uma madeira muito densa e maior peso, é de qualificar a incapacidade como permanente absoluta para o trabalho habitual.
(Sumário da autoria da Relatora)

Texto Integral

Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:

AA, Sinistrada, vem recorrer da sentença.
Pede que face às funções concretas de uma empregada de limpeza, se faça uma correta valoração dos relatórios, sendo um completamente abstrato elaborado por médicos aplicadores da TNI e outro concreto elaborado por um Instituto Público na área de emprego, que avalia em concreto o posto de trabalho e as limitações da sinistrada e assim faça Justiça aplicando a IPATH e tendo em consideração que a A. tinha uma malformação congénita no braço direito, pelo que o braço esquerdo era o único são.
Apresentou, após convite ao aperfeiçoamento, as seguintes conclusões:
1. Considera a ora recorrente que o douto Tribunal na decisão da matéria de facto, deixou de valorar não só o relatório do IEFP, como o parecer do médico da sinistrada, que impõe a atribuição de IPATH.
2. Ocorrendo divergência entre o resultado por maioria e com voto de vencido da Junta Médica e a decisão, deveria ter sido devidamente fundamentada.
3. Tal não sucedeu.
4. A douta sentença é nula por falta de fundamentação, nos termos do art.º 615º, nº 1, alínea b) do CPC, devendo ser revogada.
5. Todavia, o processo contém todos os elementos que permitem alterar a decisão de facto e, como tal, também a decisão de mérito, como decorre do disposto no art.º 662º, nº 1 do CPC.
6. A sinistrada requer que sejam reapreciados todos os elementos probatórios e efetuada a respetiva valoração, por entender que dos mesmos deve resultar a atribuição de IPATH à sinistrada, ao contrário do que foi decidido na douta sentença recorrida.
7. A Sentença considera apenas 7.41% de IPP:
8. Como é que uma empregada doméstica pode trabalhar sem poder “assegurar de modo contínuo trabalhos como aspirar, varrer e usar uma esfregona” e sem poder afastar uma mesa, um maple ou um sofá?
9. São limitações que entram pelos olhos a dentro… e como o IEFP escreveu “inserem-se no âmbito de funções polivalentes, um/a trabalhador/a de limpeza em casas particulares (vulgo empregada doméstica)”
10. Sem poder realizar estes trabalhos não se cumpre o perfil funcional e de exigências.
11. O Tribunal não responde de forma direta se a A. continua ou não a trabalhar como empregada doméstica, mas o perito da seguradora escreveu que a A à data da ofensa era empregada doméstica.
12. Esta fase denota que a profissão se alterou.
13. O Tribunal não está vinculado aos exames periciais realizados.
14. O exame por junta médica, sendo uma forma de prova pericial, está sujeito à livre apreciação do Juiz (art.º 389.º do Código Civil e art.º 489.º, in fine, do Código de Processo Civil), pelo que os relatórios das juntas médicas, ainda que emitidos por unanimidade, não são vinculativos para o Tribunal.
15. O princípio da livre apreciação da prova permite (e impõe) que o Tribunal se baseie na sua prudente convicção sobre a prova produzida/recolhida, fazendo um juízo crítico tendo por base as regras da experiência, da ciência e do raciocínio lógico.
16. Resulta dos autos que, o perito médico singular e a junta concluirão que o sinistrado ficou afetado de um grau de IPP de 7.41%.
17. O parecer do IEFP que consta nos autos concluiu ser de atribuir IPATH à sinistrada, por “A trabalhadora apresenta estar incapacitada para desenvolver as tarefas do seu posto de trabalho habitual” por não ter “uma íntegra capacidade física de ambos os membros superiores, incluindo mãos e dedos, de modo a ser capaz de, por largos períodos de tempo, e praticamente em contínuo, usar vassouras, esfregonas, aspiradores, panos esponjas, e outros apetrechos”.
18. A sinistrada apresenta incapacidade funcional dos dois punhos, um por doença preexistente e o seguindo pelas limitações, que sofreu no acidente de trabalho de que foi vítima.
19. Tem limitações nos movimentos dos dois punhos e dores.
20. Os senhores peritos que compuseram a junta médica concluíram por maioria que a sinistrada pode desempenhar as funções de empregada de limpeza com as limitações decorrentes da IPP atribuída, ou seja a 92.59%.
21. Contudo, é evidente que esta avaliação revela total desconhecimento ou desconsideração das funções desempenhadas por uma empregada de limpeza às quais não fazem qualquer referência.
22. De facto, o perito da A remete para o relatório do IEFP, mas os outros peritos nada dizem, não indicam quais as funções que a sinistrada pode realizar.
23. De acordo com o relatório elaborado pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) (fls 130) e de acordo com a experiência comum, a sinistrada tem limitações a realizar as tarefas da sua profissão.
24. Tendo em consideração as exigências para as tarefas concretamente exercidas, verifica-se que a sua atividade é exercida com constante recurso aos membros superiores.
25. Tendo em consideração esta realidade que entra pelos olhos dentro, não compreendemos, porque é que o Tribunal resolveu ignorar o entendimento do IEFP e do perito da seguradora, o qual havia concluído ser de atribuir à sinistrada a referida IPATH.
26. Sendo evidente que a sinistrada padece de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, deveria o Tribunal, depois de ter recolhido os pareceres técnicos que entendeu serem necessários, optar pela fundamentada opinião que consta do parecer do IEFP, decidindo atribuir à sinistrada a referida IPATH, concluindo que a mesma não pode continuar a exercer as suas habituais funções de empregada de limpeza.
27. Na nossa opinião o Tribunal recorrido não analisou criteriosamente os meios de prova que dispunha e fundamentou-se num relatório não unânime da Junta médica que contraria o parecer do IEPF e as declarações do perito médico da sinistrada.
28. Na sua árdua tarefa de julgar num processo onde há elementos de prova que apontam em sentidos inversos, Tribunal recorrido tem que optar para uma das direções.
29. O Tribunal recorrido seguiu cegamente o parecer da Junta, não fez qualquer apreciação crítica, nem sequer valorou devidamente a restante prova.
30. O Tribunal não se socorreu de todos os elementos fornecidos nos autos (designadamente os que eram mais esclarecedores designadamente no que se referia à concretização e à natureza das atividades desempenhadas pela sinistrada no exercício da profissão).
31. Por isso, decidiu mal, que as sequelas da sinistrada não a impedem definitivamente de prosseguir no desempenho da sua atividade.
32. Ora, mesmo sem ser médico e com base nos conhecimentos de qualquer cidadão comum é bom de ver que um punho com limitações e dores não pode estar em constante esforço a pegar em pesos, varrer, esfregar, segurar um ferro de engomar etc, especialmente se o outro punho tem uma limitação, sob pena de estarmos face a uma escravidão.
33. Conclui-se assim, que não assiste razão ao Tribunal, que fez deficiente interpretação e aplicação do direito, procedeu a incorreta apreciação dos elementos de prova que constam nos autos, razão pela qual se entende que a douta Sentença deve ser revogada por outra que confirme a IPATH.
34. No presente recurso há uma segunda questão: a questão da predisposição patológica.
35. Decorre da Lei a presunção de que são de imputar todos os tratamentos e lesões na íntegra ao acidente.
36. Mas a prática, aliás evidente nestes autos, é que à mínima suspeita de doença preexistente ou predisposição patológica, os serviços clínicos da Seguradora desvalorizam a situação…. às vezes cessam o tratamento e enviam o sinistrado para o SNS.
37. Assim, como a A tinha uma doença congénita do punho direito, o punho esquerdo era dominante e isto tinha que ser valorizado.
38. Ao invés o Tribunal, fez letra rasa do artigo 11º da LAT e apenas considerou as lesões do punho esquerdo, sem as enquadrar com as limitações já existentes do punho direito, ignorando o artigo 11º da LAT.
39. Nem o Tribunal e a Junta consideram esta situação, violando assim de forma evidente o artigo 11º da LAT, que impõe seja valorizada a incapacidade agravada por lesão ou doença anterior, ou quando esta for agravada pelo acidente. O nº 11 da LAT estatui, que a incapacidade avaliar-se-á como se tudo dele resultasse, a não ser que pela lesão ou doença anterior o sinistrado já esteja a receber pensão ou tenha recebido um capital de remição nos termos da presente lei.
40. Ora, o nº do artigo 11º da LAT impõe a atribuição de IPATH e como a A tinha uma malformação congénita não está a receber pensão, nem recebeu um capital de remição.
41. Lembramos, que a sinistrada sofreu o acidente em 22-05-2027, teve ALTA COMO CURADA COM 0% IPP em 23-07-2018. Será que o perito se enganou? Houve um lapso? Como explicar esta avaliação?
42. Por causa destes comportamentos anda a sinistrada nesta lutas há quase 7 anos, sem assistência médica e com as seguradoras e os seus peritos a enjeitarem de forma sistemática, reiterada e constante, a IPP, a IPATH, o nexo causal, a pré-existência etc.. Estes comportamentos não tem qualquer sanção.
43. Pelo contrário, tem vantagens, pois durante o processo a Seguradora nem tem que pagar assistência medica e empurra os sinistrados para o SNS, consumindo recursos do Estado, dos Tribunais e criando verdadeiros dramas para os sinistrados.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Os autos resumem-se como segue:
Na presente ação especial emergente de acidente de trabalho, ocorrido no dia 22 de Maio de 2017, em ..., em que é sinistrado(a) AA, nascido(a) em 19.07.1964, com a morada que consta dos autos, verifica-se que em sede de tentativa de conciliação ocorrida a 30 de Outubro de 2018, não existiu acordo entre as partes, apenas no que concerne ao grau de incapacidade atribuído porquanto sinistrada e entidade empregadora não estava de acordo com a avaliação da incapacidade.
Em exame singular junto em 10.05.2019, considerou-se que a sinistrada ficou com uma IPP de 5,9550% desde 20.10.2017.
Foi requerida a realização de Junta Médica e, realizada esta, a mesma concluiu, por maioria, estar a sinistrada afetada por uma IPP de 4,47% desde 20.10.2017 sem atribuição de IPATH, concordando o perito da sinistrada apenas com a IPP fixada, mas discordando quanto ao demais por considerar ser de atribuir IPATH.
Foi solicitado parecer ao IEFP que concluiu que a sinistrada se encontra incapacitada para desenvolver as tarefas do seu posto de trabalho habitual.
Reaberta a junta médica, pronunciaram-se os Senhores peritos médicos, por maioria, não estar a sinistrada incapacitada permanentemente para o trabalho habitual.
Foi proferida sentença da qual a sinistrada interpôs recurso, vindo-se a decidir: “1. Alterar o acervo fático conforme sobredito e 2. Anular a sentença, de modo a que amplie a matéria de facto nos termos sobreditos e se reúna a junta médica com a finalidade de os peritos discordantes fundamentarem a razão da sua posição tendo em conta as sequelas, as exigências da profissão, as funções exercidas e as que deixaram de se exercer e o parecer do IEFP, proferindo-se, após, nova sentença”.
Realizada Junta Médica, a mesma concluiu, por maioria, estar a sinistrada afetada por uma IPP de 7,41% sem atribuição de IPATH, concordando o perito da sinistrada apenas com a IPP fixada mas discordando quanto ao demais por considerar ser de atribuir IPATH.
Foi proferida sentença da qual a sinistrada interpôs novo recurso, aí se decidindo: “…anular a sentença, de modo a que se reúna a junta médica com a finalidade de os peritos, em presença do perfil funcional cuja prova se obteve, prestarem os adequados esclarecimentos, ampliando-se, após, a matéria de facto em conformidade e proferindo-se nova sentença.”
Realizada junta médica e prestados esclarecimentos posteriormente pedidos, a maioria dos peritos médicos pronunciou-se mantendo a atribuição de IPP de 7,41% e não atribuição de IPATH. O perito médico da sinistrada, mantém a posição de atribuição de IPATH, decorrendo desta que a sinistrada não pode fazer as funções referidas e, se houver dúvidas, da necessidade de uma junta médica da Medicina do Trabalho.
Foi proferida sentença que fixa a I.P.P. de que padece a sinistrada em consequência do acidente de trabalho em 7,41% e, em consequência condena:
a. A Seguradoras Unidas, SA a pagar à sinistrada AA, com início a 21 de Outubro de 2017, o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de € 404,48 (quatrocentos e quatro euros e quarenta e oito cêntimos), acrescido de juros de mora sobre o capital de remição, à taxa legal, desde aquela data até efetivo pagamento.
b. A Seguradoras Unidas, SA a pagar à sinistrada AA a quantia de € 13,20 (treze euros e vinte cêntimos) a título de despesas de transportes.
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As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
1ª – A sentença é nula?
2ª – A sinistrada está afetada de IPATH?
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FUNDAMENTAÇÃO:
OS FACTOS:
1. No dia 22 de Maio de 2017, AA, quando prestava o seu trabalho de empregada doméstica ao serviço de BB, sob a sua autoridade, direção e fiscalização, escorregou de um escadote e caiu ao chão, tendo batido com a região frontal, mão e joelho esquerdos.
2. A sinistrada apresenta, como consequência do acidente, no punho, limitação da flexão a 70º da extensão a 35º, bem como dor à palpação da apófise estiloide radial, sem edema; na mão, limitação da flexão da articulação interfalângica proximal do 3.º dedo e perda de força do mesmo.
3. Apresenta, ainda, mas sem relação com o evento infortunístico, insuficiência venosa do membro superior direito, com varicosidades, edema e impotência funcional.
4. A entidade patronal tinha a responsabilidade emergente do acidente de trabalho em causa transferida para a Seguradoras Unidas, SA, em função da retribuição anual de €7.798,00 (€557,00 x 14 meses).
5. A sinistrada despendeu a quantia de € 13,20 a título de transportes.
6. O perfil funcional de uma trabalhadora de limpeza em casas particulares integra as funções descritas a fls. 79 e verso dos autos – cf. parecer do IEFP fls. 78 a 80 vs..
7. A sinistrada é dextra ainda que com a malformação congénita venosa no MSD o membro superior esquerdo foi sempre um auxiliar precioso na sua vida de relação profissional.
8. Em consequência das sequelas do evento referido em 1, a sinistrada não pode assegurar de modo contínuo trabalhos utilizando vassoura, aspirador, movimentos repetitivos com esfregonas, esponjas, carecendo de intervalos de descanso, podendo apenas movimentar pequenos objetos com pouca densidade.
9. Em consequência das sequelas do evento referido em 1, a sinistrada não pode movimentar mobiliário de grandes dimensões de uma madeira muito densa e maior peso.
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O DIREITO:
Comecemos pela invocada nulidade da sentença, fundada em falta de fundamentação, nos termos do Art.º 615º, nº 1, alínea b) do CPC.
Como vem sendo unanimemente afirmado pela jurisprudência dos tribunais superiores o vício em causa existe quando a falta de fundamentação é absoluta. A insuficiência ou até a mediocridade da fundamentação não ferem a sentença deste vício.
Ora, como é bom de ver, e transparece até da peça de recurso, a sentença fez constar a sua fundamentação – de que adiante daremos a devida nota -, pelo que, verdadeiramente o que está em causa na apelação é a discordância com a fundamentação exarada.
Termos em que, sem necessidade de outros considerandos, improcede a questão em análise.
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A questão central a que importa dar resposta prende-se com a natureza da incapacidade.
Pretende a Apelante estar afetada de IPATH, o que decorre do confronto entre as sequelas que apresenta e a demais factualidade apurada e, por outro lado, se impõe em presença do disposto no Art.º 11º da LAT.
Vejamos então!
A determinação da incapacidade é efetuada de acordo com a tabela nacional de incapacidades (Art.º 20º da Lei 98/2009 de 4/09), definindo-se o grau de incapacidade por coeficientes expressos em percentagens e determinado em função da natureza e da gravidade da lesão, do estado geral do sinistrado, da sua idade e profissão, bem como da maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível e das demais circunstâncias que possam influir na sua capacidade de trabalho ou de ganho (Art.º 21º).
A incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual requer, para além da avaliação médico-legal, a intervenção de parecer prévio de peritos especializados, não médicos (Art.º 21º/4), razão determinante para a intervenção, nestes autos, do IEFP. Foi assim emitido parecer acerca do perfil funcional de uma trabalhadora doméstica, parecer que culmina na seguinte conclusão:
“A trabalhadora apresenta estar incapacitada para desenvolver as tarefas do seu posto de trabalho habitual, com fundamento, em síntese, no seguinte:
O perfil de requisitos da profissão e do posto de trabalho analisado exige, nomeadamente, uma íntegra capacidade física de ambos os membros superiores, incluindo mãos e dedos, de modo a ser capaz de, por largos períodos de tempo, e praticamente em contínuo, usar vassouras, esfregonas, aspiradores, panos esponjas, e outros apetrechos, assim como movimentar pequenos objetos, ou mesmo mobiliário de maiores dimensões, capacidades que, com efeito, a trabalhadora relata não possuir, tal como atrás se refere mais em pormenor, por causa das sequelas provocadas pelo acidente do qual foi vítima, ao nível do seu braço esquerdo -de salientar que a trabalhadora se considera esquerdina, dada a "patologia congénita ao nível de todo o membro superior direito”.
Como é sabido e está prescrito na TNI aprovada pelo DL 353/2007 de 23/10, a cada dano corporal ou prejuízo funcional corresponde um coeficiente expresso em percentagem, que traduz a proporção da perda da capacidade de trabalho resultante da disfunção, como sequela final da lesão inicial, sendo a disfunção total designada como incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, expressa pela unidade (Instruções Gerais, 3). Por outro lado, a atribuição de incapacidade para a profissão habitual deve ter em conta a capacidade funcional residual para outra profissão compatível (5A). E, na determinação da incapacidade global a atribuir devem ser ponderadas as efetivas possibilidades de reabilitação profissional do sinistrado, face às suas aptidões e às suas capacidades restantes (10).
Ora, a IPATH corresponde a uma incapacidade de 100% para a execução do trabalho habitual do sinistrado, no desempenho da sua específica função, atividade ou profissão, deixando-lhe uma capacidade residual para o exercício de outra atividade laboral compatível. Por outro lado, o trabalho habitual a considerar será aquele que o sinistrado levava a cabo à data do acidente e que correspondia ao executado “de forma permanente, contínua, por contraposição ao trabalho ocasional, eventual, de curta duração” (Ac. RE de 16/04/2015, Proc.º. 26/14.7TTPTG).
Por outro lado, a questão da incapacidade (seja a natureza, seja o grau) deverá obrigatoriamente ser submetida a perícia médica (exame médico singular, na fase inicial e exame colegial na subsequente). Porém, esta não é absolutamente vinculativa, antes estando sujeita à livre apreciação do julgador (Art.º 389º do CC e 489º do CPC). Sendo também evidente que livre apreciação da prova não significa apreciação arbitrária da mesma, é essencial a fundamentação e, por outro lado, a decisão final, cabendo ao juiz, requer ainda a concatenação com os demais elementos fornecidos pelo acervo fático. Neste sentido os Ac. desta RLx. de 24/04/2024, Proc.º 8276/19.3T8LSB.L1-4, 25/10/2023, Proc.º 1775/22.1T8PDL.L1-4, 8/11/2023, Proc.º 374/21.0T8BRR.L1-4, 16/06/2021, Proc.º 3133/16.8T8PDL.L1-4.
Isto posto, no momento estão definidas as concretas sequelas e, bem assim, as funções a desempenhar no exercício da profissão habitual, pelo que será a partir destes elementos que deveremos centrar a nossa atenção.
No caso concreto a sinistrada apresenta, como consequência do acidente, no punho, limitação da flexão a 70º da extensão a 35º, bem como dor à palpação da apófise estiloide radial, sem edema; na mão, limitação da flexão da articulação interfalângica proximal do 3.º dedo e perda de força do mesmo.
A sentença fixou, para estas sequelas, uma IPP de 7,41%, sendo que se provou que em consequência das sequelas do evento infortunístico, a sinistrada não pode assegurar de modo contínuo trabalhos utilizando vassoura, aspirador, movimentos repetitivos com esfregonas, esponjas, carecendo de intervalos de descanso, podendo apenas movimentar pequenos objetos com pouca densidade. E também, por força do sinistro, a sinistrada não pode movimentar mobiliário de grandes dimensões de uma madeira muito densa e maior peso.
Ora, tal como provado, a sua profissão e posto de trabalho exige uma íntegra capacidade física de ambos os membros superiores, de modo a ser capaz de, por largos períodos de tempo, e praticamente em contínuo, usar vassouras, esfregonas, aspiradores, panos esponjas, e outros apetrechos, assim como movimentar pequenos objetos, ou mesmo mobiliário de maiores dimensões.
A sentença recorrida, avaliando, embora, o parecer a partir do qual se extraiu aquela factualidade, valorou a opinião maioritária dos peritos médicos que integraram a junta de acordo com os quais “(N)ão olvidando que o conteúdo funcional para o trabalho habitual está dificultado atendendo às limitações que o membro superior dominante já tem (malformação vascular congénita). Porém o que avaliamos é unicamente a consequência do AT ora em discussão, sendo que as sequelas das quais a sinistrada é portadora limitam-na na medida da incapacidade fixável, na execução das tarefas que lhe são acometidas, contudo com estas dificuldades consegue executá-las”. E, assim, veio a decidir que, “ponderado o perfil funcional, é de concluir que, ainda com maior dificuldade, a sinistrada poderá executá-las e, por isso não podemos concluir pela atribuição de IPATH”.
Deste extrato decorre claramente que a opinião em causa assenta no pressuposto de em avaliação estarem apenas as sequelas decorrentes do presente sinistro, admitindo-se a maior dificuldade na execução das tarefas correspondentes ao posto de trabalho dada a mal formação preexistente.
O que nos reporta para o Art.º 11º da Lei 98/2009 de 4/09, de acordo com o qual a predisposição patológica num acidente não exclui o direito à reparação integral, salvo quando tiver sido ocultada. E, mais propriamente, para o disposto no nº 2, que se reporta a lesão ou doença anterior, acolhendo uma vertente social do direito do trabalho.
Dispõe o nº 2 deste dispositivo legal que sendo a lesão anterior agravada pelo acidente, a incapacidade avaliar-se-á como se tudo dele resultasse, a não ser que pela lesão anterior o sinistrado já esteja a receber pensão…
Decorre daqui o princípio segundo o qual lesão ou doença anterior agravada pelas sequelas decorrentes de acidente de trabalho merecem, não só, ser valoradas, como sê-lo pelo modo ali explanado – avaliar-se-á como se tudo dele resultasse. Ou seja, concede-se aqui uma especial proteção às vítimas de acidente de trabalho, proteção essa que se afasta dos rigores dos princípios atinentes à responsabilidade civil extracontratual em matéria de causalidade.
Ora, conforme provado a sinistrada apresenta insuficiência venosa do membro superior direito, com varicosidades, edema e impotência funcional. Por outro lado, a sinistrada é dextra, mas com a malformação congénita venosa no MSD, o membro superior esquerdo foi sempre um auxiliar precioso na sua vida de relação profissional.
Poderemos, em presença desta factualidade, encarar a incapacidade apenas como uma incapacidade permanente parcial que, como se sabe, se traduz numa maior dificuldade no exercício da atividade? Ou deveremos encará-la no cômputo global das sequelas apresentadas como uma limitação permanente ao exercício da atividade desenvolvida habitualmente?
Sabendo-se qual o perfil funcional da atividade e quais as limitações advenientes para a sinistrada, na conjugação entre as sequelas diretamente resultantes do acidente e a malformação de que já padecia, afigura-se-nos que o exercício da sua profissão habitual está absolutamente comprometido.
Donde, se declara que a Sinistrada está afetada de IPATH com IPP de 7,41% para a atividade residual.
Em sentido coincidente o Ac. do STJ de 12/09/2013, Proc.º 118/10.1TTLMG, precedido do da RP de 18/02/2013. E também o desta RLx. de 2/05/2007, Proc.º 2220/2007-4.
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Cumpre, então, retirar consequências patrimoniais desta decisão e, desde logo, recalcular o valor da pensão.
O acidente é de Maio de 2017 cifrando-se a retribuição anual em €7.798,00 e tendo a alta ocorrido em 20/10/20171.
Considerando a IPP (7,41%) e o disposto no Art.º 48º/3-b) da Lei 98/2009 é devida pensão anual no valor de 4.014,57€2.
Para além da pensão anual é devida subsídio por situações de elevada incapacidade (Art.º 67º/1 e 3).
Á data do acidente o valor do IAS estava fixado em 421,32€ (Portaria 4/2017 de 3/01).
Afigura-se-nos que, atenta a IPP, o subsídio se deve fixar pelo mínimo, ou seja, 70% do valor de 12 vezes 1,1 IAS – 3.893,00€.
São também devidos juros de mora, à taxa anual de 4%, desde a data do acidente neste último caso, e desde a da alta no caso da pensão.
<>
As custas da apelação são responsabilidade da Apelada que, contudo, não paga taxa de justiça, visto não ter contra-alegado (Art.º 7º/2 do RCP).
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Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência, alterar a sentença declarando a sinistrada afetada de IPATH com IPP de 7,41%, condenando-se a R. Seguradora a pagar-lhe:
1. A pensão anual vitalícia de quatro mil e catorze euros e cinquenta e sete cêntimos (4.014,57€), desde 21/10/2017, acrescida de juros de mora à taxa anual de 4% desde então e até integral pagamento e
2. A quantia de três mil oitocentos e noventa e três euros (3.893,00€), acrescida de juros de mora à taxa anual de 4% desde a data do acidente, a título de subsídio por situações de elevada incapacidade.
Mantém-se o mais decidido na sentença.
Custas pela Apelada, sem sujeição a taxa de justiça.
Notifique.

Lisboa, 11/09/2024
MANUELA FIALHO
SÉRGIO ALMEIDA
FRANCISCA MENDES
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1. Conforme auto de não conciliação
2. RA X 70% - RA X50% = 1.559,60
  1.559,60 X 0,0741 = 115,56
  115,56 + 3.899,00 = 4.014,57