ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
COMINAÇÃO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
RECTIFICAÇÃO DE ERROS MATERIAIS
Sumário

1. A letra e ratio do art.º 98.º-J, n.º 3 do CPT apontam no sentido de que o empregador deve, dentro do prazo peremptório de 15 dias de que dispõe para apresentação do articulado de motivação do despedimento, juntar também o procedimento disciplinar, na sua integralidade, constituído pela documentação dos actos que cronologicamente comprovam a sua realização, não bastando a junção de peças do mesmo segundo um qualquer critério seu, sob pena de imediata declaração de ilicitude do despedimento do trabalhador.
2. Nessa previsão não cabem situações em que, por manifesta inadvertência, descuido ou lapso, ocorreu um erro ao imprimir, copiar ou juntar alguma peça do processo disciplinar ao processo judicial, situações que, mormente pela sua involuntariedade, nada têm a ver com as finalidades da norma e, por conseguinte, não se podem considerar abrangidas pela respectiva cominação, sob pena de violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade.
(Sumário da autoria da Relatora)

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório
AA intentou acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra XX - Lojas Alimentares, apresentando o formulário a que se reportam os arts, 98.º-C e 98.º-D do Código de Processo do Trabalho, no qual declarou opor-se ao despedimento promovido pela ré com data de 2/05/2023, e juntando a correspondente decisão de despedimento por facto imputável ao trabalhador.
Oportunamente, procedeu-se a audiência prévia, em 15/11/2023, na qual, além do mais, se proferiu o seguinte despacho:
«Quanto ao incumprimento da obrigação da junção do procedimento disciplinar:
antes de mais saliente-se que, a exceção aqui em causa, poderá distinguir-se entre a falta de junção de um anexo, o qual é referido pela Entidade Empregadora como um extrato de texto de informação facultada pelo Chefe de Loja e reproduzido no corpo do texto da correspondência de correio eletrónico trocada entre os intervenientes aqui nos autos.
Quanto a essa matéria, e compulsados os autos, o Tribunal considera ser de indeferir exceção invocada.
Por outro lado, é ainda de salientar a falta de junção atempada da mensagem de correio eletrónico dirigida pela Instrutora ao Ilustre Mandatário do Trabalhador em 04-04-2023. Quanto a esta matéria resulta claro que, de facto, a mesma não foi junta aos autos com o processo disciplinar mas apenas em momento posterior.
O Tribunal não é alheio ao facto de existir diversa jurisprudência dos tribunais superiores que fazem incidir sobre a omissão aqui em causa os efeitos cominatórios previstos na lei, nomeadamente impondo o Tribunal a prolação de uma sentença que declare de imediato a ilicitude do despedimento. Porém também é certo que este Tribunal entende que uma decisão justa e equilibrada pressupõe naturalmente a ponderação dos diversos interesses aqui em causa assim como a necessidade, adequação e proporcionalidade da aplicação dos efeitos cominatórios previstos na lei em função da omissão aqui em causa.
Ou seja, somos a crer que tudo depende da aplicação da norma em questão ao caso concreto, sendo que, o teor do documento que não foi junto de forma atempada, assim como a relevância do mesmo para a boa instrução do processo, e por fim a justificação apresentada, a saber, um lapso, caso culminassem na declaração de ilicitude imediata do despedimento, resultaria na aplicação de uma decisão, em nosso entender, para lá de exacerbada, face à omissão do caso concreto.
Face ao exposto, e nos termos do artigo 295.º e 249.º, do Código Civil, os quais preveem a retificação de lapsos manifestos aplicáveis a todos os atos processuais e das partes (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 15-01-2013, Processo n.º 493/09.0TCFUN.L1 – 1, da competência do Sr. Relator Rui Vouga) o Tribunal indefere a invocada exceção.»
O autor interpôs recurso do despacho, formulando as seguintes conclusões:
«A. O presente recurso de apelação é interposto sobre o segmento do despacho saneador proferido judicial no processo 8196/23.7T8SNT a correr termos no Juiz 3 do Juízo do Trabalho de Sintra no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, o qual, sem pôr termo ao processo, decidiu sobre a improcedência da exceção de incumprimento da obrigação da junção do procedimento disciplinar pelo Recorrido, por violação e ou incorreta interpretação e aplicação do n.º 3 do artigo 98.º-J, do Código do Processo de Trabalho.
B. Salvo melhor opinião, a decisão recorrida faz uma interpretação incorreta do n.º 3 do artigo 98.º-J, do Código do Processo de Trabalho, porquanto essa norma exige, na prática que o procedimento disciplinar assuma a forma escrita e seja devidamente organizado e estruturado, lógica e cronologicamente, em função das fases legalmente previstas e reguladas e que e, em regra, devem ser sequenciais e contínuas e encontrarem-se devidamente refletidas e expressas em tal processo disciplinar, sendo a obrigação de junção de tal procedimento disciplinar completo, cronológico e organizado, fulcral para se apurar e aferir a sua vertente material, como os seus aspetos formais, permitindo a cabal defesa do Arguido e o controlo judicial dos aspetos não só substantivos mas também formais do procedimento disciplinar e do despedimento.
C. Conforme dita jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa (ver Acórdão de 7 de novembro de 2018, processo n.º 5445/18.7T8LSB.L1) não são apenas as irregularidades legais do artigo 382.º do Código do Trabalho “(…) que estão na mira do legislador laboral quando impõe tal obrigação de apresentação integral do processo disciplinar, mas também outras que, segundo o art.º 389.º, número 2, constituem cumprimento dos diversos prazos de prescrição e caducidade dos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 329.º, e número e que se prendem, nomeadamente, com a competência disciplinar, originária ou delegada, de quem desencadeou o procedimento disciplinar, com os poderes constituídos ou ratificados posteriormente pela entidade empregadora, com referência ao instrutor do procedimento disciplinar, com o efetivo, válido e eficaz envio ou receção da Nota de Culpa e da Decisão Final de Despedimento, com a legitimidade e validade jurídicas do inquérito prévio instaurado, com a suspensão preventiva do trabalhador, entre outras que a vida e a imaginação humana sempre vão fazendo atravessar no caminho dos intérpretes e aplicadores do direito”.
D. Razões relacionadas com os princípios de boa-fé e de transparência, apontam para a obrigação de o procedimento disciplinar estar, a todo o tempo, organizado, completo e integrado pela documentação anexa pelas partes e com os atos devidamente documentados, para afastar todas e quaisquer dúvidas sobre a veracidade da prática e cronologia dos atos, sobre a competência disciplinar, a eventual delegação de poderes, os poderes dos signatários da nota de culpa e ou da decisão de despedimento, sobre as datas de conhecimento dos factos, prazos de prescrição e ou de caducidade, ou seja, sobre a validade, licitude e regularidade do procedimento disciplinar conduzido unilateralmente pelo empregador e, concomitantemente, facultar ao Arguido, aqui Recorrente, o pleno conhecimento de todos os elementos e circunstâncias necessários para a sua defesa formal e substancial, e possibilitar ao Tribunal a apreciação da matéria formal e substancial, sem nada a esconder.
E. O procedimento disciplinar apresentado no Tribunal a quo não integra o instrumento ou a procuração emitida pelo Empregador ao diretor de vendas BB a (supostamente) conceder-lhe poderes para assinar a nota de culpa, a adenda à nota de culpa e a decisão final do procedimento disciplinar, nem integra qualquer documentação a comprovar a(s data(s) em que a gerência (alegadamente) teve (se teve) conhecimento das condutas imputadas ao Arguido e descritas na nota de culpa e na adenda à nota de culpa, violando assim o princípio de boa-fé e de transparência incutidos no espírito normativo do n.º 3 do artigo 98.º-J do Código de Processo do Trabalho.
F. O procedimento disciplinar junto aos autos foi conduzido, instruído e concluído por advogados nomeados pela entidade patronal (ver página 5 do procedimento disciplinar com a dita nomeação), não se admitindo lapsos grosseiros de não inclusão de documentação no procedimento disciplinar, mormente de um “anexo”, supostamente emitido pelo chefe de loja CC que o Recorrido alega ser, afinal, um texto exarado no corpo de mensagem de correio eletrónico, sem se comprovar a sua data e autoria – ver página 70 do procedimento disciplinar.
G. Na resposta à contestação o Recorrido admitiu incorrer que o procedimento disciplinar apresentado no Tribunal “como documento n.º 1, do articulado inicial (e a sua reprodução digital), não integra a mensagem de correio eletrónico dirigida pela Instrutora ao Ilustre Mandatário do A. em 04.04.2023”, o qual, juntou após o prazo legal e, na verdade, integra várias mensagens de correio eletrónico trocadas entre o mandatário do Recorrente e a Ilustre Instrutora, referentes à instrução do procedimento disciplinar, onde se exarou, também, a decisão de indeferimento de diligências requeridas, factos demonstrativos de que o processo disciplinar não estava organizado e estruturado nem quando foi proferida a decisão final, nem quando foi junto ao Tribunal.
H. A decisão em crise não se pronunciou sobre a não junção ao procedimento disciplinar dos mapas de horários, dos registos de tempos de trabalho e registo de trabalho suplementar do trabalhador referente ao ano de 2022 – ver páginas 55 e verso, do procedimento disciplinar, nas quais a Instrutora requer à Empregadora a junção desses documentos, e página 78 do procedimento disciplinar onde é referido que esses “documentos em causa, bem como os esclarecimentos quanto à desobrigação de utilização de auricular foram juntos aos autos de processo disciplinar e remetidos ao Mandatário do Arguido”, o que é falso, pois, basta uma simples análise ao procedimento disciplinar para perceber que o horário de trabalho nunca foi integrado e, consequentemente, não foi entregue no Tribunal no prazo legal e perentório, estando o procedimento disciplinar incompleto, pois faltam documentos que a Entidade Empregadora e ou a Instrutora afirmam ter integrado mas não incluíram naquele processo disciplinar.
I. Em vez de integrar os registos e tempos de trabalho no procedimento disciplinar, tal como exarou no procedimento disciplinar e na ação judicial, foi junto um documento intitulado “picagens” de 01/01/2022 até 31/12/2022, com supostas picagens entre dia 07/02/2022 até dia 31/12/2022 - ver folhas 56 a 63 do procedimento disciplinar – o qual está incompleto pois faltam os supostos registos de 01/01/2022 até dia 06/02/2022.
J. É patente que o procedimento disciplinar está incompleto, faltando diversos documentos que o Recorrido alega ter integrado e deviam fazer parte desse procedimento disciplinar, tal como indicado no relatório final e no articulado do Recorrido, mas, a verdade, é que esses documentos não se encontram integrados no procedimento disciplinar junto ao processo judicial, documentos esses referentes, quer à competência disciplinar do signatário da comunicação, da nota de culpa, da adenda à nota de culpa e da decisão de despedimento, como documentos referentes à fase de instrução e ainda ao (in)deferimento do pedido de diligências probatórias.
K. Atento o exposto, salvo melhor opinião, deve a decisão recorrida ser substituída por outra a declarar a procedência da invocada exceção por Empregador não ter junto o procedimento disciplinar e a declarar a ilicitude do despedimento do trabalhador, aqui Recorrente, com as consequências legais, nomeadamente: (i) condenando o Recorrido a reintegrar o Recorrente no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; (ii) e no pagamento das retribuições que o Recorrente deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial que declare a ilicitude do despedimento; (iii) a determinar a notificação do Recorrente para, querendo, no prazo de 15 dias, apresentar articulado no qual peticione quaisquer outros créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou da sua cessação, incluindo a indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 389.º do Código do Trabalho.»
A ré apresentou resposta ao recurso, pugnando pela sua improcedência.
Admitido o recurso, e remetidos os autos a esta Relação, observou-se o disposto no art.º 87.º, n.º 3 do CPT, tendo o Ministério Público emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Cumprido o previsto no art.º 657.º do CPC, cabe decidir em conferência.
2. Questões a resolver
Tal como resulta das conclusões do recurso, que delimitam o seu objecto, a questão que se coloca a este Tribunal é a de saber se deve ser revogado o despacho que não declarou imediatamente a ilicitude do despedimento do trabalhador nos termos do art.º 98.º-J, n.º 3 do CPT.
3. Fundamentação
3.1. Os factos a atender são os decorrentes do Relatório.
3.2. No âmbito do processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, estabelece o Código de Processo do Trabalho, na parte relevante:
Artigo 98.º-B
Constituição obrigatória de advogado
Só é obrigatória a constituição de advogado após a audiência de partes, com a apresentação dos articulados.
Artigo 98.º-I
Audiência de partes
(…)
4 - Frustrada a tentativa de conciliação, na audiência de partes o juiz:
a) Procede à notificação imediata do empregador para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado para motivar o despedimento, juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas;
b) Fixa a data da audiência final.
Artigo 98.º-J
Articulado de motivação do despedimento
1 - O empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador.
(…)
3 - Se o empregador não apresentar o articulado referido no número anterior, ou não juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, o juiz declara a ilicitude do despedimento do trabalhador, e:
a) Condena o empregador a reintegrar o trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, ou, caso o trabalhador tenha optado por uma indemnização em substituição da reintegração, a pagar-lhe, no mínimo, uma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 391.º do Código do Trabalho;
b) Condena ainda o empregador no pagamento das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial que declare a ilicitude do despedimento;
c) Ordena a notificação do trabalhador para, querendo, no prazo de 15 dias, apresentar articulado no qual peticione quaisquer outros créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou da sua cessação, incluindo a indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 389.º do Código do Trabalho.
(…)
Artigo 98.º-L
Contestação
1 - Apresentado o articulado de motivação do despedimento a que se referem os n.ºs 1 e 2 do artigo anterior, o trabalhador é notificado para, no prazo de 15 dias, contestar, querendo.
(…)
6 - As partes devem apresentar ou requerer a produção de prova nos respetivos articulados ou no prazo destes.
Artigo 98.º-M
Termos posteriores aos articulados
1 - Terminada a fase dos articulados, o processo segue os termos previstos nos artigos 61.º e seguintes, devendo a prova a produzir em audiência de julgamento iniciar-se com a oferecida pelo empregador.
2 - Se for invocado despedimento precedido de procedimento disciplinar, é ainda aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 387.º do Código do Trabalho.
A interpretação conjugada do disposto nos arts. 98.º-I, n.º 4, al. a) e 98.º-J, n.º 3 é inequívoca no sentido de que o empregador deve, dentro do prazo peremptório de 15 dias de que dispõe para apresentação do articulado de motivação do despedimento, juntar também o procedimento disciplinar, sob pena de imediata declaração de ilicitude do despedimento do trabalhador.
E da letra e da ratio da norma decorre que está em causa o procedimento disciplinar na sua integralidade, constituído pela documentação dos actos que cronologicamente comprovam a sua realização, não bastando a junção de peças do mesmo segundo um qualquer critério do empregador.
É certo que, compulsados os arts. 329.º, 352.º a 358.º, 381.º, al. c) e 382.º do Código do Trabalho, o procedimento disciplinar comporta actos facultativos e actos obrigatórios e, por outro lado, a omissão de alguns dos obrigatórios não o invalidam mas, ainda assim, tal não deve constituir fundamento bastante para que se admita que o empregador decida quais as peças que interessam à solução do litígio.
Na verdade, desde logo, trata-se duma acção com natureza urgente, que não se compadece com a criação de incidentes supérfluos decorrentes da discórdia acerca da relevância das diversas partes do procedimento disciplinar.
Não colhe também o argumento de que o trabalhador teve a oportunidade legal de consultar o processo disciplinar antes da propositura da acção judicial, uma vez que não só tal pode não ter acontecido como na acção, designadamente na fase dos articulados, é obrigatória a assistência por advogado, o que pode não ter sucedido anteriormente, fazendo toda a diferença.
Por outro lado, apresentado o articulado de motivação do despedimento, o trabalhador dispõe do prazo de 15 dias para apresentar a sua defesa e respectivos meios de prova, pelo que é essencial que nesse momento tenha conhecimento do processo disciplinar na sua completude, de modo a poder reagir tempestivamente a eventuais fragilidades que o mesmo evidencie, sejam elas verdadeiras invalidades, meras irregularidades, questões relacionadas com caducidade, prescrição, legitimidade para exercício do poder disciplinar, provas que o sustentem ou quaisquer outras.
Na mesma ordem de ideias, e tendo presente a natureza urgente do processo, a disponibilização nos autos do procedimento disciplinar por inteiro poderá quiçá habilitar o juiz a decidir no despacho saneador alguma nulidade ou excepção dilatória ou peremptória que se suscite ou contribuir para a delimitação dos temas de prova, tendo em conta que o empregador apenas pode invocar na acção factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento e nesta não pode invocar factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador.
Cremos que esta posição é manifestamente dominante na jurisprudência, conforme se alcança dos Acórdãos desta Relação de 11-04-2018, proferido no processo n.º 2271/16.1T8FNC.L1-41, de 20-06-2018, proferido no processo n.º 2041/17.0T8BRR-A.L12 (em que foram relator e adjunta os ora adjuntos), e de 20/03/2024, proferido no processo n.º 12517/23.4T8LSB.L1, bem como dos arestos aí citados e ainda no douto parecer do Ministério Público.
Ainda assim, entendemos que a mesma não conduz à revogação do despacho recorrido.
Com efeito, em tal despacho consideraram-se duas situações diferentes, ambas não reconduzíveis à norma cominatória acima citada, a saber:
- o alegado anexo a mail em falta;
- as alegadas mensagens electrónicas de 04/04/2023 e subsequentes em falta.
No que respeita à 1.ª situação, apenas resulta demonstrado que no mail em causa é feita referência a uma informação em anexo, cujo texto consta no corpo do próprio mail, sendo perceptível que não se pretende reportar a qualquer anexo em sentido próprio.
Consequentemente, não existe nenhum anexo em falta.
Quanto à 2.ª situação, é efectivamente verdade que os documentos em questão não constam do processo disciplinar anexado como documento n.º 1 ao articulado de motivação do despedimento apresentado electronicamente em 6/07/2023, nem ao original apensado por linha por termo de 11/07/2023.
No entanto, os mesmos são invocados pela própria ré naquele articulado, na medida em que aí se descrevem cronologicamente todos os trâmites procedimentais havidos, designadamente nos seguintes termos:
«16.º Em 03.04.2023, o Mandatário do A., via e-mail, referiu que o A. se encontrava impossibilitado de indicar os elementos e informação solicitados no e-mail da Instrutora signatária de 21.03.2023 atento o indeferimento da junção dos documentos acima referida, reclamando o A. quanto ao indeferimento das diligências probatórias por si requeridas na Resposta à Nota de Culpa, por entender que as mesmas estão interligadas e são adequadas à obtenção de elementos e informações pertinentes ao procedimento disciplinar e cabal e justa defesa do A..
(…)
22.º Em 04.04.2023, a Instrutora, via e-mail, comunicou ao Mandatário do A. que a decisão de indeferimento quanto à realização das diligências probatórias oportunamente indicadas se mantinha, uma vez que apenas devem ser juntos aos autos documentos que se destinem a provar factos essenciais e/ou instrumentais que sirvam para contrariar o vertido na Nota de Culpa, ou fazer prova do alegado na Resposta à Nota de Culpa, sendo que não existe qualquer facto que possa ser demonstrado com a junção dos documentos requeridos.
23.º Referiu ainda a Instrutora que não foram arroladas testemunhas com a apresentação da Resposta à Nota de Culpa, nem tão pouco no prazo adicional conferido pela mesma.
24.º Esclareceu a Instrutora que a indicação do rol de testemunhas nunca estaria dependente de quaisquer documentos juntos aos autos, porquanto a inquirição das testemunhas não se destinaria nunca a provar documentos, mas sim factos.
25.º Não obstante, conferiu a Instrutora um novo prazo de 5 dias, para o A., querendo, indicar quais as testemunhas a inquirir, informando o mesmo, na pessoa do seu Mandatário, que a inquirição seria realizada por escrito e solicitando, ainda, a indicação dos endereços das testemunhas e a matéria de facto relativamente à qual pretendia que estas fossem ouvidas.
26.º Por fim, sublinhou a Instrutora que solicitou à R. o horário de trabalho, os registos de tempos e trabalho e o registo de trabalho suplementar do A. correspondentes ao ano de 2022 e, também, informação adicional quanto à desobrigação de utilização de auricular pelo A.. Os documentos em causa, bem como os esclarecimentos quanto à desobrigação de utilização de auricular foram juntos aos autos de processo disciplinar e remetidos ao Mandatário do A..
27.º Em 07.04.2023, o Mandatário do A., via e-mail, comunicou à Instrutora que o A. não indicaria testemunhas sem que a R. admitisse a realização de todas as diligências probatórias requeridas na Resposta à Nota de Culpa.
28.º Em 13.04.2023, a Instrutora, via e-mail, comunicou ao Mandatário do A. que o processo disciplinar seguiria os trâmites legais subsequentes.»
Precisamente porque a ré procedeu a tal descrição minuciosa, o autor invocou na sua contestação o seguinte:
«6) No artigo 16 do articulado o Réu admite que o Autor reclamou contra o indeferimento proferido pela Instrutora, mas essa reclamação nem sequer foi junta ao PD e muito menos foi enviada para a presente ação no prazo legal e perentório.
7) E a folhas 77 e 78 do PD, a Instrutora refere que em 04/04/2023 via email comunicou ao mandatário do Autor que mantinha a decisão de indeferimento quanto às diligências probatórias anteriormente requeridas e, ainda, já a folhas 78 que em 07/04/2023, o mandatário do Autor, via email, efetuou comunicação de resposta à Instrutora sobre as diligências probatórias requeridas, bem como, ainda a folhas 78 do PD, que a Instrutora respondeu, também via email, no dia 13/04/2023, dando conta de que o processo disciplinar iria seguir os seus termos.
8) O PD não tem nenhum desses documentos e ou emails!
9) O alegado em 16 e em 22 a 28 do articulado do Réu não tem qualquer suporte documental no processo disciplinar, pois esses documentos não foram juntos pelo Réu ao PD, nem na ação, como deviam.»
A ré, notificada da contestação do autor, veio responder, dizendo:
«4.º É certo que o exemplar físico do processo disciplinar junto aos autos como documento n.º 1, do articulado inicial (e a sua reprodução digital), não integra a mensagem de correio eletrónico dirigida pela Instrutora ao Ilustre Mandatário do A. em 04.04.2023 (vide documentos n.º 1 que se junta).
5.º O sucedido resulta do mero esquecimento da sua pronta impressão em suporte papel, lapso pelo qual a aqui R. muito se penitencia, degenerando na falta da sua inclusão nos autos físicos do processo disciplinar entregue em tribunal, mas não na intenção da R. sonegar ao A. qualquer informação ou elementos atinentes ao procedimento disciplinar que prejudique sua defesa.
6.º Todavia, esse lapso da R. não obliterou o exercício do direito de defesa do A. em sede dos presentes autos, porquanto, tal correspondência omissa mais nada adiantava às diligências probatórias em curso ou recusadas (que ao momento redundavam num impasse: a Instrutora havia indeferido a parte das às diligências probatórias requerida pelo Mandatário do A. e este, por seu turno, não arrolava as testemunhas do A. enquanto aquelas não fossem realizadas como reclamava).
7.º Aliás, pelo teor e extensão da contestação apresentada, é manifesto que a falta dessa correspondência nos autos do processo disciplinar não prejudicaram minimamente a organização dessa defesa que, inclusive, se revela sobejamente instruída e sapiente.»
Conforme se referiu, a letra e ratio do art.º 98.º-J, n.º 3 do CPT são inequívocas no sentido de que o empregador deve, dentro do prazo peremptório de 15 dias de que dispõe para apresentação do articulado de motivação do despedimento, juntar também o procedimento disciplinar, na sua integralidade, constituído pela documentação dos actos que cronologicamente comprovam a sua realização, não bastando a junção de peças do mesmo segundo um qualquer critério do empregador, sob pena de imediata declaração de ilicitude do despedimento do trabalhador.
Nessa previsão não cabem situações em que, por manifesta inadvertência, descuido ou lapso, ocorreu um erro ao imprimir, copiar ou juntar alguma peça do processo disciplinar ao processo judicial, situações que, mormente pela sua involuntariedade, nada têm a ver com as sobreditas finalidades da norma e, por conseguinte, não se podem considerar abrangidas pela respectiva cominação, sob pena de violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade.
Neste sentido veja-se o Acórdão da Relação de Guimarães de 20-04-2017, proferido no processo n.º 2535/14.9T8GMR-B.G1, numa situação de lapso na junção de resposta à nota de culpa sem os versos impressos3.
No caso dos autos, a ré descreve detalhadamente nos artigos 16.º e 22.º a 28.º do articulado de motivação do despedimento o teor das mensagens electrónicas omitidas no processo disciplinar anexado como documento n.º 1 e apensado por linha (o original) por termo de 11/07/2023, pelo que, para além de ter sido cumprida a finalidade de dar a conhecer ao trabalhador a integralidade do teor do processo disciplinar no momento devido, é por demais evidente que ocorreu um mero lapso (tenha-se em conta que o mesmo tem 188 folhas).
A omissão, por ser involuntária e compreensível, não se encontra coberta pela cominação da norma em apreço, pelas sobreditas razões.
Soçobra, pois, o recurso.
4. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação improcedente e confirmar o despacho recorrido.
Custas pelo Apelante.

Lisboa, 11 de Setembro de 2024
Alda Martins
Sérgio Almeida
Celina Nóbrega
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1. Disponível em www.dgsi.pt.
2. Disponível em
https://www.pgdlisboa.pt/jurel/jur_mostra_doc.php?nid=5480&codarea=59&.
3. Disponível em www.dgsi.pt.