ARTICULADO SUPERVENIENTE
FACTO DURADOURO
ASSÉDIO MORAL
Sumário

1 - Em processo laboral, os articulados supervenientes podem ser utilizados se se verificarem os pressupostos do art.º 588.º do CPC ou, em alternativa, os do art.º 28.º do CPT.
2 - Tendo em conta o carácter duradouro ou reiterado dos comportamentos patronais que caracterizam o assédio, é de entender que, não obstante a alegada verificação de alguns comportamentos antes da propositura da acção, a formulação de pedido de indemnização apenas em data posterior se mostra justificada pela alegada superveniência de comportamentos semelhantes, que, por inerência, justificam a concomitante alegação dos anteriores, nos termos do art.º 28.º, n.ºs 2 e 3 do CPT.
(Sumário da autoria da Relatora)

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório
AA intentou em 25-01-2023 acção declarativa de condenação com processo comum contra Centro Hospitalar XX, E.P.E., pedindo:
a) Seja a Ré condenada a repor a retribuição base do Autor no valor mensal ilíquido de 3.644,82€;
b) Seja a Ré condenada a pagar ao Autor as diferenças salariais vencidas e vincendas entre a retribuição devida e a retribuição que tem sido efectivamente paga e que nesta data totaliza 1 863,72€, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor, até efectivo e integral pagamento;
c) Seja a Ré condenada no pagamento da Isenção de Horário de Trabalho desde 2008 até à presente data e que totaliza o montante de 99.075,60€, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor, até efectivo e integral pagamento, ou,
d) Caso assim não se entenda, no pagamento do trabalho suplementar prestado entre 2008 e 2023, e que nesta data totaliza 67.207,34€, acrescido de juros de mora à taxa legal em vigor, até efectivo e integral pagamento.
Após contestação (6-03-2023), resposta às excepções (23-03-2023), petição inicial aperfeiçoada (25-05-2023) na sequência de convite pelo tribunal e resposta à mesma (12-06-2023), o Autor apresentou articulado superveniente em 19-09-2023, alegando e concluindo o seguinte (negritos e sublinhados nossos):
«1.º Tal como anteriormente alegado, no dia 07 de junho de 2008 a Ré abriu um concurso para a seleção em regime de Contrato Individual de Trabalho de um Diretor de IT – cfr. Documento n.º 1 junto com a Petição Inicial e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais,
2.º Concurso esse que foi publicado no Jornal Expresso de 07 de junho de 2008.
3.º O Autor apresentou a sua candidatura para o cargo de Diretor de IT e foi selecionado para preencher a vaga de Diretor de IT.
4.º Neste sentido, foi celebrado no dia 01 de julho de 2008, embora assinado em 8 de julho de 2008, um contrato de trabalho por tempo indeterminado, entre o Autor e a Ré.
5.º Acontece que, ao invés de a categoria profissional real do Autor ser de Diretor de IT, no contrato de trabalho, por imposição da Ré, constou “Assessor de Informática” – cfr. Documento n.º 2 junto com a Petição Inicial e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais,
6.º Apesar de o Autor nunca ter exercido as funções inerentes a tal posição e que, aliás desconhece quais sejam,
7.º E, apesar de a carreira de Assessor de Informática ser, até esta data, inexistente na Ré.
8.º Tendo, na mesma data, sido assinado o acordo denominado “Acordo de Prestação de Trabalho em Regime de Comissão de Serviço”, de onde consta que o Autor iria exercer funções de “Diretor do Serviço de Sistemas e Tecnologias de Informação” – cfr. Documento n.º 3 junto com a Petição Inicial e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais,
9.º Ou seja, o único cargo para que a Ré abriu vaga, o único cargo para o qual o Autor concorreu, o único cargo para o qual foi contratado e o único cargo que alguma vez exerceu para a Ré, foi o cargo de Diretor do Serviço de Sistemas e Tecnologias de Informação.
10.º Com efeito, desde 1 de julho de 2008 até à presente data o Autor sempre exerceu as funções de Diretor do Serviço de Sistemas e Tecnologias de Informação,
11.º e nunca exerceu as funções de “Assessor de Informática”.
12.º E, desde 1 de julho de 2008 que sempre foi apenas e só remunerado como Diretor do Serviço de Sistemas e Tecnologias de Informação, nos termos acordados no Contrato de Comissão de Serviço junto como Documento nº 3 com a Petição Inicial,
13.º Nunca lhe tendo, em qualquer momento, sido atribuída ou paga a remuneração prevista no contrato de trabalho junto como Documento nº 2 com a Petição Inicial.
14.º Antecipando desde já algumas conclusões, a Ré contratou apenas e só um Diretor do Serviço de Sistemas e Tecnologias de Informação,
15.º O que fez por contrato por tempo indeterminado e não em regime de comissão de serviço, ainda que usando um artifício de dois contratos para tentar defraudar a lei e por um lado não reconhecer que o seu Diretor de Sistemas e Tecnologias de Informação – o aqui Autor – está vinculado por contrato por tempo indeterminado,
16.º Com efeito e como já se fez constar e está em apreciação neste Tribunal, no dia 23 de fevereiro de 2022, por deliberação do Conselho de Administração da Ré foi aberto um processo para a manifestação de interesse individual com vista à nomeação de diversos Diretores de Serviços, nomeadamente, do serviço de sistemas e tecnologias de informação – cfr. Documento n.º 4 junto com a Petição Inicial e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
17.º Assim, por deliberação do Conselho de Administração da Ré, foi o Autor nomeado – sem por ora pôr em causa juridicamente tal possibilidade -, por um período de 3 anos para Diretor do Serviço de Sistemas e Tecnologias de Informação do Centro Hospitalar XX, E.P.E.., com efeitos a 18 de março de 2022 – cfr. Documento n.º 5 junto com a Petição Inicial e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
18.º O Autor manteve sempre a categoria profissional, as mesmas funções, o mesmo reporte funcional, a mesma remuneração e executando o seu trabalho e o seu contrato de trabalho do mesmo modo.
19.º Aliás, diga-se, a própria nomeação é incompreensível e na verdade juridicamente inadmissível considerando que nunca cessou o contrato de trabalho do Autor para o exercício das funções de Diretor do Serviço de Sistemas e Tecnologias de Informação, funções que exerce ininterruptamente,
20.º Sem que tenha havido alguma nomeação ou qualquer outro tipo de ato para a contínua vigência do seu contrato de trabalho – o que resulta de estar em causa um contrato por tempo indeterminado –
21.º e como tal a manutenção do Autor no posto e função não depende de qualquer nomeação.
22.º Desde janeiro de 2022, que o Autor, como contrapartida pelo exercício das funções de Diretor de Serviço, auferia a título de retribuição base a quantia ilíquida de 3.644,82€ (três mil e seiscentos e quarenta e quatro Euros) – cfr. recibos de vencimento entre janeiro e outubro de 2022 que ora se juntam como Documento n.º 6 junto com a Petição Inicial e dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais –
23.º a que acrescia a quantia de 4,77€, por cada dia de trabalho efetivamente prestado, a título de subsídio de alimentação.
24.º Acontece que, a partir de novembro de 2022, o Autor viu a sua retribuição base diminuída em 621,64€ (seiscentos e vinte e um Euros e sessenta e quatro cêntimos),
25.º Tendo auferido, em novembro de 2022, apenas, a quantia de 3.023,18€ (três mil e vinte e três euros e dezoito Cêntimos) e não a sua retribuição base devida em função do seu contrato de trabalho e do exercício das suas funções de 3.644,82€ (três mil e seiscentos e quarenta e quatro Euros) – cfr. recibo de vencimento de novembro de 2022 que ora se junta como Documento n.º 7 junto com a Petição Inicial e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
26.º Não foi apresentada pela Ré qualquer justificação para a diminuição abrupta da retribuição base do Autor,
27.º Sendo certo que o Autor continuou a trabalhar o mesmo número de horas, no mesmo posto de trabalho, exercendo as mesmas funções.
28.º Face a esta situação o Autor interpelou expressamente a Ré para que lhe prestasse os devidos esclarecimentos sob pena de o Autor ter de recorrer aos meios jurisdicionais para fazer valer os ser direitos – cfr. carta enviada à Ré no dia 22 de novembro de 2022 que ora se junta como Documento n.º 8 junto com a Petição Inicial e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
29.º Acontece que, mesmo após a interpelação, a Ré, desde novembro de 2022, e até agosto de 2023 apenas pagou ao Autor, mensalmente a quantia ilíquida de 3.023,18€ (três mil e vinte e três euros e dezoito Cêntimos) e não a retribuição base devida ao Autor em função do seu contrato de trabalho e do exercício das suas funções de 3.644,82€ (três mil e seiscentos e quarenta e quatro Euros).
30.º No entanto, a Ré tentou legitimar esta sua atuação fazendo com que o Autor assinasse um “CONTRATO PARA EXERCÍCIO DE CARGO EM COMISSÃO DE SERVIÇO”, para o exercício das mesmas funções de Diretor de Serviço, nos termos do qual era fixada a retribuição base de €3.023,18 (três mil e vinte e três euros e dezoito cêntimos), acrescidas das legais despesas de representação – cfr. Documento n.º 11 junto com a Petição Inicial e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
31.º E no qual, a Ré de forma unilateral e sem que isso correspondesse a qualquer negociação ou sequer às condições do concurso, de repente alterava o período normal de trabalho semanal para 35 horas,
32.º Justificando assim, à socapa, a redução da retribuição.
33.º Veja-se que esta suposta redução do número de horas de trabalho semanal nunca foi discutida, acordada ou sequer foi a concurso,
34.º Mas, foi a forma como a Ré tentou legitimar a redução ilegal de retribuição depois de o Autor ter reclamado desta situação.
35.º Esta primeira tentativa de forçar o Autor a assinar um contrato que não correspondia ao que entre as partes tinha sido acordado ocorreu em 16 de dezembro de 2022.
36.º O Autor respondeu à Ré, no dia 19 de dezembro e 21 de dezembro de 2022, e recusou a assinatura do contrato que lhe era proposto por entender que o mesmo não corresponde à verdade,
37.º quer no que respeita à remuneração,
38.º quer até quanto ao próprio tipo de contrato, uma vez que, como resulta do que fica dito, o contrato que o Autor tem em vigor é um contrato por tempo indeterminado – cfr. Documento n.º 12 junto com a Petição Inicial e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
39.º Até à presente data, o Autor não obteve qualquer resposta a este seu e-mail de 21 de dezembro de 2022.
40.º Mas, como é evidente, continua - e ao abrigo deste pretenso novo Contrato iria continuar - a executar as mesmas funções para as quais foi contratado em 08 de julho de 2008 – Diretor do Serviço de Sistemas e Tecnologias de Informação – e que sempre executou, sem qualquer alteração a nível funcional,
41.º sem qualquer alteração no seu tempo de trabalho.
42.º A Ré reduziu ilegalmente a retribuição base do Autor.
43.º Como também é do conhecimento deste Tribunal, em 25 de janeiro de 2023 o Autor deu entrada da presente ação.
44.º Sucede que, por douto despacho de 28.04.2023, veio o Tribunal convidar o Autor ali Autor a, ao abrigo do disposto no artigo 27.º do Código de Processo de Trabalho, aperfeiçoar a petição inicial, alegando factos que sustentem no pedido de condenação da ré no pagamento de trabalho suplementar.
45.º O Autor apresentou Petição Inicial aperfeiçoada em 25 de maio de 2023, tendo para o efeito de sustentar o pedido de condenação da Ré e ali Ré no pagamento de trabalho suplementar, procedido à junção de diversos documentos que constituíam mapas de picagem.
46.º Na sequência imediata da apresentação pelo Autor destes documentos, o que fez enquanto trabalhador, no legítimo exercício dos seus direitos e em particular do seu direito de ação,
47.º Constituindo os referidos documentos, documentos lícitos a cujo acesso o Autor tem, igualmente um acesso lícito,
48.º A Ré, em 19 de junho de 2023, retirou ao Autor o acesso que este tinha e sempre teve pelo exercício das suas funções a estes mapas de picagens e registos digitais de tempos de trabalho.
49.º Coincidentemente, fê-lo logo que apresentou a sua resposta à Petição Inicial aperfeiçoada, o que revela ter sido feito como manifesto ato de retaliação perante mais um ato perfeitamente legítimo do Autor.
50.º Mas mais, a Ré, não satisfeita nessa mesma data, entendeu que deveria voltar a perseguir o Autor, nomeadamente no dia 10 de julho de 2023 - cfr. Documento n.º 1 que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido - para que este assinasse o mesmo CONTRATO EM REGIME DE COMISSÃO DE SERVIÇO que a Ré já tinha tentado que este assinasse em 16 de dezembro de 2022,
51.º Bem sabendo que o Autor não o poderia assinar por o mesmo consagrar uma redução da sua remuneração com a qual este não concordava, que não tinha sido por si acordada e mais, que estava a ser apreciada pelo Tribunal.
52.º Ou seja, a Ré sabia e não podia ignorar que, como é evidente, estando pendente a apreciação judicial da situação, o Autor não ia assinar o contrato de que se cuida porque ao fazê-lo isso significava aceitar as condições apostas no contrato e a inutilidade da lide judicial.
53.º Sem prejuízo, a Ré, iniciou em junho de 2023 uma perseguição ao Autor que culminou na sua despromoção, na sua redução de remuneração, na ameaça de despejo de gabinete, tudo como retaliação pelo facto de o Autor enquanto trabalhador estar a exercer os seus direitos.
Vejamos:
54.º Como mencionado, em 19 de junho de 2023, dia em que o Autor regressara de uma semana de férias, a Ré, na pessoa da Diretora de Recursos Humanos, Dra. BB, solicitou ao Autor, mais uma vez, a assinatura do contrato em regime de comissão de serviço,
55.º Bem sabendo que este não o poderia assinar, sobretudo estando pendente a apreciação judicial da questão que impedia do ponto de vista do Autor a sua assinatura.
56.º De junho até agosto de 2023, a Ré insistiu regularmente com o Autor para que assinasse o contrato, designadamente na pessoa dos seus administradores,
57.º O que fez sem respeitar a sua posição e os seus direitos de trabalhador, dando lugar a uma verdadeira perseguição ao Autor.
58.º Que assim e sem banalizar se tornou mais uma vítima de assédio moral. Vítima de retaliação pura e dura porque ousou exercer os seus direitos contra o Centro Hospitalar XX, E.P.E.!
59.º Perseguição, retaliação e assédio que culminou na decisão tomada pelo Conselho de Administração de Ré em 22 de agosto de 2023 e de que o Autor tomou conhecimento em 28 de agosto de 2023 e que ora se junta como documento nº 2 e se dá por integralmente reproduzido e nos termos da qual:
“(…)
Sucede que V. Exa. após interpelação para o efeito, comunicou expressamente não aceitar as condições propostas para a nova comissão de serviço, recusando a assinatura do respetivo contrato.
Tal declaração negocial tem como consequência necessária a não celebração do contrato de comissão de serviço, o que importa o seu regresso á situação em que se encontrava antes da comissão de serviço, passando a exercer as funções de Assessor de Informática, atividade desempenhada por V. Exa. em momento anterior ao da nomeação em comissão de serviço, com a retribuição correspondente a essa categoria profissional.
Nestes termos (…) e atendendo à recusa expressa de V. Exa. em celebrar novo acordo de comissão de serviço, para o desempenho das mesmas funções, nos termos propostos pelo Centro Hospitalar XX, E.P.E., o seu regresso imediato à sua situação funcional de origem, passando a exercer funções de Assessor de Informática com a retribuição correspondente a essa categoria profissional.”
60.º O Autor, em conformidade com o que tem sido a sua posição na ação judicial que se encontra pendente, enviou à Ré a seguinte resposta, por e-mail de dia 29 de agosto de 2023 que ora se junta como documento nº 3 e se dá por integralmente reproduzido:
“Exmos. Senhores,
Por referência ao assunto supra, queiram por favor considerar o seguinte:
(i) Nos termos da comunicação acima identificada foi-me comunicada a cessação de uma alegada comissão de serviço para o exercício de cargo de Diretor do Serviço de Sistemas e Tecnologias de Informação, apesar de eu ter sido contratado para esse cargo exclusivamente e nunca no âmbito de uma pretensa comissão de serviço;
(ii) Foi-me igualmente comunicado que, em face dessa alegada cessação eu passaria a desempenhar as funções de assessor de Informática – que nunca tive e nunca desempenhei e a que nunca me candidatei e para a qual aliás nunca foi aberto concurso;
(iii) Foi-me ainda comunicado que, em face dessa alegada cessação eu passaria a auferir o salário de assessor de informática – que nunca tive uma vez que nunca desempenhei tal função;
(iv) Tudo isto porque, segundo ali se fez constar não assinei um contrato de comissão de serviço no qual, se pretendia alterar a minha remuneração de forma unilateral, procedendo à sua redução;
(v) Sucede, porém, que, como é do conhecimento de todos, esta situação está a ser discutida em tribunal, sendo que o direito de ação é um direito básico que enquanto trabalhador me assiste e pelo seu exercício não posso sofrer retaliações como aquela de que sou agora alvo;
(vi) Com efeito, não posso qualificar de outra forma esta situação a que se somam a perseguição para, por mais de uma vez me forçarem a assinar o dito contrato sabendo que as condições ali apostas não foram acordadas e estão a ser judicialmente apreciadas e o facto de me terem retirado o acesso ao registo de horas depois de eu, mais uma vez no uso do meu direito de ação enquanto trabalhador ter reclamado o pagamento de créditos laborais;
(vii) As reclamações de prática de assédio tornaram-se banais e não pretendia eu ser mais um dos que reclama ser uma vítima, mas, perante os factos, designadamente a manifesta perseguição e retaliação não posso negar a evidência do que está a ser feito e não deixarei de efetivar a responsabilidade do Centro Hospitalar XX, E.P.E. por tais comportamentos em sede própria;
(viii) Sem prejuízo e considerando o teor da comunicação de V. Exas., não aceitando eu ou por alguma forma concordando com a decisão de V. Exas. – para a qual aliás entendo faltar a devida legitimidade do próprio Conselho de Administração para decidir–por se encontrar ferida de manifesta ilegalidade, entendo que até que a mesma seja apreciada em sede judicial e revogada por quem de direito não tenho condições para continuar a, na qualidade de Diretor do Serviço de Sistemas e Tecnologias de Informação, vincular o Centro Hospitalar XX, E.P.E. para todos os efeitos, facto pelo qual o Centro Hospitalar XX, E.P.E. deverá ser responsável a partir da data da respetiva decisão.
Sem outro assunto,
61.º Ou seja, a Ré vem, mais uma vez invocar a aplicação de um Regulamento – aplicação essa que está a ser discutida em sede judicial porque se da mesma resultar, efetivamente, a redução da retribuição, essa aplicação tem de se conformar com a lei e não poderá reduzir a retribuição – para exigir a assinatura de um contrato cujos termos alteram o que está em vigor com o Autor,
62.º Traduzindo a tal alteração da remuneração que, por um lado a Ré alega estar em conformidade com o Regulamento, mas depois tem de justificar com uma suposta redução do tempo de trabalho que no contrato passa para 35 horas,
63.º O que nunca foi acordado,
64.º E porque o Autor não assina, enquanto a questão não estiver judicialmente dirimida é castigado, vendo:
(i) A sua categoria profissional reduzida para uma categoria que nunca teve, para funções que nunca exerceu e para uma carreira que não existe e nunca existiu;
(ii) A sua remuneração reduzida para um valor que não sabe qual é e não lhe é transmitido e que seja qual for, nunca auferiu, mas que, segundo a decisão da Ré teria por referência o valor do contrato de 2008???
(iii) Ameaçou o Autor em que o seu posto de trabalho físico fosse ocupado por um seu subalterno e, portanto, ameaçou o Autor que o ia despejar do gabinete que durante quase vinte anos ocupa para ser colocado num outro gabinete que ainda nem conhece;
(iv) A sua posição substancial, irremediavelmente afetada, pois o Autor está agora na posição de ter de responder e reportar diariamente aos seus subalternos, por um período indeterminado e note-se, até que aceite a prática de um ato ilegal pela Ré.
65.º Note-se que o Autor, no dia 1 de setembro de 2023, se dirigiu aos Recursos Humanos e interpelou a Diretora, Dra. BB para saber, então, quais seriam as suas funções, qual seria a sua remuneração e as suas demais condições, designadamente para melhor exercer o seu contraditório.
66.º Em resposta à sua interpelação foi-lhe dito pela Diretora de Recursos Humanos que não sabia porque não existia carreira de Assessor de Informática, ia ter de criar a carreira de Assessor de Informática no sistema!
67.º A resposta da Diretora de Recursos Humanos confirma – embora não fosse necessário – o que se tem vindo a alegar – ou seja que o Autor apenas e só exerceu a função de Diretor de IT e nunca em momento algum exerceu outras funções, designadamente as de Assessor de Informática,
68.º E nunca foi remunerado como tal,
69.º Até porque a posição, a categoria de Assessor de Informática não existia e nem as funções respetivas e nem o salário correspondente.
70.º A decisão do Conselho de Administração não é sequer exequível, na medida em que manda o Autor regressar às funções exercidas originariamente e identifica essas como sendo as de Assessor de Informática,
71.º Mas essas não existiam porque não existia a carreira.
72.º Se, pelo contrário, atendermos apenas ao que de facto existe e existiu, então regressando o Autor ao que exercia originariamente é regressar às funções de Diretor de IT que foi o que sempre exerceu.
73.º O Autor não foi contratado para as funções de Assessor de Informática, nunca executou quaisquer tarefas integrantes desta categoria profissional e nunca foi como tal remunerado.
74.º Acontece que, efetivamente, desde 28 de agosto de 2023, tem a categoria profissional de “Especialista inform.grau3-niv1”, conforme consta da sua ficha de trabalhador – cfr. print que se reproduz abaixo:
75.º Nos termos do artigo 118º do CT, o trabalhador deve, em princípio, exercer funções correspondentes à atividade para que se encontra contratado, sendo que qualquer mudança do trabalhador para categoria inferior àquela para que se encontra contratado só pode ter lugar mediante acordo, com fundamento em necessidade premente da empresa ou do trabalhador, devendo ser autorizada pelo serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral no caso de determinar diminuição da retribuição.
76.º Ora, no caso do Autor, a Ré abriu concurso apenas para a categoria de Diretor de IT, o Autor concorreu para esta função, foi selecionado e ao longo de quase 15 anos de trabalho o Autor sempre executou apenas e só as funções de Diretor do Serviço de Sistemas e Tecnologias de Informação, e sempre foi como tal remunerado.
77.º A alteração para as funções de Assessor de Informática representa uma mudança para categoria inferior – que para mais não existe na Ré – e que depende do acordo do Autor, o qual não existe.
78.º Sem acordo do Autor, a alteração de categoria e a correspondente alteração de retribuição violam os artigos 118º, 119º e ainda 120º do CT pois que, mesmo que se entendesse – admitindo sem conceder – que se estava em face de uma situação de mobilidade funcional, esta possibilidade não pode implicar modificação da posição substancial do trabalhador.
79.º No caso, considerando que o Autor foi ameaçado que ia ser despejado do seu gabinete, ficou sem funções – porque não há carreira – ficou sem saber qual é a sua remuneração – porque não há carreira – e ficará em qualquer caso a responder a quem anteriormente estava abaixo de si,
80.º Por um período indefinido de tempo,
81.º É forçoso concluir que está posta em causa a posição substancial do Autor e indicada a violação dos seus direitos essenciais de trabalhador,
82.º A Ré retirou, unilateralmente, ao Autor, a partir de setembro de 2023 a sua categoria profissional para a de “Especialista inform.grau3-niv1” (Assessor de Informática), sem que este saiba o que isso é ou que funções vai exercer porque nunca exerceu tais funções e tal categoria não existe e, portanto, deixou o Autor na total indefinição e sem saber o que esperar para o seu futuro profissional,
83.º Ao mesmo tempo comunicou-lhe que lhe ia reduzir a remuneração, mas não disse para quanto, porque também não sabe,
84.º uma vez que no dia 1 de setembro de 2023 quando o Autor quis saber com que valor passava a contar mensalmente para fazer face às suas despesas mensais e compromissos familiares, a Ré não lhe soube dizer quanto seria a remuneração pois a carreira não existia.
85.º Em simultâneo, atribuiu interinamente as suas funções a um dos subalternos do Autor, um dos seus coordenadores,
86.º E, a partir de 1 de setembro o Autor ocupa o lugar mais baixo da carreira de informática, respondendo a todos os demais que estão agora acima de si.
87.º Trata-se, como é bom de ver, de uma situação que, para além de ter sido uma manifesta retaliação ao exercício pelo Autor do seu direito de ação,
88.º Tem como efeito a humilhação inevitável do Autor que, desde que ingressou na Ré sempre exerceu as funções de Diretor de IT com todo o brio e zelo
89.º E vê agora o seu nome e imagem arrastados e postos em causa com esta decisão arbitrária da Ré.
90.º Mais, por desconhecer em que termos se traduz esta alteração quanto à remuneração, o Autor entrou num estado de grande ansiedade por não saber se poderá ou não fazer face aos seus compromissos e despesas mensais, sobretudo num momento em que o custo de vida tem aumentado como é facto público e notório.
91.º A situação é tanto mais grave quanto se considerar que inexiste sequer indício de fundamento legal para a decisão da Ré e estamos apenas em face de exercício arbitrário do poderzinho público.
92.º e por outro reduzir a categoria e retribuição base do seu trabalhador, assim justificando, pelo comportamento ilícito que adotou, o recurso à ação que se encontra pendente neste Tribunal.
93.º Estes comportamentos perpetrados pela Ré são inadmissíveis, e particularmente gravosos quando estão pendentes os presentes autos, não podendo os mesmos ser tolerados.
94.º Tanto assim, pois configuram a prática de assédio prevista no artigo 29.º do Código do Trabalho.
95.º O assédio “trata-se, normalmente, de comportamentos hostis, humilhantes ou persecutórios, destinados a perturbar emocionalmente o trabalhador, a ferir a sua dignidade enquanto pessoa, com o intuito, por regra, de o levar a abandonar o trabalho.”, tal como definido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 08/09/2020, no âmbito do processo n.º 21426/18.8T8SNT.L1-4, disponível em ww.dgsi.pt.
96.º Por sua vez o assédio moral, diretamente relacionado com o “bem jurídico protegido – o direito à integridade moral do trabalhador, por a sua verificação estar sujeita à constatação de sentimentos de humilhação, degradação e aviltamento (…)”
97.º Efetivamente, o Autor desde 16 de dezembro de 2022 que tem vivido um contínuo e intensificado processo de intimidação, levado a acabo pela Ré, pressionando o Autor a assinar um contrato de trabalho que tem como efeito a redução arbitrária da retribuição!
98.º O que se enquadra no entendimento acolhido pelos “nossos tribunais superiores, têm procedido ao enquadramento do assédio laboral, reportando o mesmo à verificação de um “comportamento” integrado, em regra, por vários actos; “comportamento esse indesejado, incómodo e injusto para a vítima - ao qual preside a intenção (imediata) de exercer pressão moral sobre o outro, tirando partido de algum factor, seja de debilidade ou menor resistência (dependência económica, receio de perder o emprego, vulnerabilidade psicológica da vítima) e o objectivo final ilícito ou no mínimo eticamente reprovável, consubstanciado na obtenção do efeito psicológico na vítima, desejado pelo assediante”.
99.º Sucede que em consonância com o entendimento acolhido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 09/05/2018, no âmbito do processo n.º 532/11.5TTSTRE.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt: “II- Não é toda e qualquer violação dos deveres da entidade empregadora em relação ao trabalhador que pode ser considerada assédio moral, exigindo-se que se verifique um objectivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável, para que se tenha o mesmo por verificado. III- Mesmo que se possa retirar do artigo 29º do Código do Trabalho que o legislador parece prescindir do elemento intencional para a existência de assédio moral, exige-se que ocorram comportamentos da empresa que intensa e inequivocamente infrinjam os valores protegidos pela norma – respeito pela integridade psíquica e moral do trabalhador.”
100.º Dúvidas não restam que os comportamentos da Ré subsumidos à intenção de obrigar o Autor a assinar um contrato de trabalho que vai ter como efeito prático a diminuição injustificada da retribuição, pelo exercício das exatas mesmas funções, representa um objetivo reprovável,
101.º acrescido de uma especial censurabilidade, dada a sua ocorrência durante a pendência dos presentes autos.
102.º O Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão datado de 18/12/2013, no âmbito do processo n.º 248/10.0TTBRG.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt, consignou que “Esta última categoria, também designada por mobbing estratégico, reconduz-se, no fundo, a uma técnica perversa de gestão dirigida a objetivos estratégicos definidos, com frequência utilizada como meio para contornar as proibições de despedimento sem justa causa, “transformando-se num mecanismo mais expedito e económico da empresa se desembaraçar de trabalhadores que, por qualquer razão, não deseja conservar” ou para levar o trabalhador a aceitar condições laborais menos favoráveis.” (sublinhado nosso).
103.º Deste modo, o assédio levado a cabo pela Ré consubstancia um assédio (mobbing) estratégico, reconduzível a uma técnica perversa de gestão, dirigida a objetivos estratégicos definidos, com frequência utilizada como meio para pressionar o Autor a assinar o contrato de trabalho aqui em questão.
104.º Ora e tal como reconhecido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 08/09/2020, no âmbito do processo n.º 21426/18.8T8SNT.L1-4, disponível em ww.dgsi.pt: “O trabalhador vítima de assédio, de um modo geral, vem a padecer de várias consequências em termos psíquicos e físicos, o que afecta negativamente as suas relações sociais e familiares. Devido ao assédio, em muitos casos, o trabalhador passa a sofrer de stresse, ansiedade, depressão, alterações psicossomáticas e psicoses, sendo também comuns os desequilíbrios hormonais, aumento da tensão arterial e os problemas cardíacos”.
105.º E, ainda, pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 11/09/2019, no âmbito do processo n.º 8249/16.8T8PRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt: “O assédio é, pois, um fenómeno grave que acarreta sérias consequências para a saúde física e mental dos trabalhadores. De acordo com a Resolução do Parlamento Europeu sobre assédio moral no local de trabalho (2339/2001) o assédio moral constitui um risco potencial para a saúde dos indivíduos, conduzindo frequentemente a doenças relacionadas com stresse laboral.”.
106.º Pelo que não pode o Autor continuar a sofrer as consequências decorrentes deste tipo de comportamentos adotados pela Ré.
107.º Face ao exposto, conclui-se que os comportamentos perpetrados pela Ré, de perseguição e retaliação sobre o Autor, consubstanciam a prática manifesta de assédio.
108.º Dispõe o artigo 29.º, n.º 4 do Código do Trabalho “A prática de assédio confere à vítima o direito de indemnização, aplicando-se o disposto no artigo anterior.”.
109.º Remetendo para o artigo 28.º do Código do Trabalho que prevê que “A prática de acto discriminatório lesivo de trabalhador ou candidato a emprego confere-lhe o direito a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos gerais de direito.”
110.º Assim, e tendo em consideração que:
a. em novembro de 2022, o Autor sofreu uma diminuição abrupta da retribuição;
b. desde 16 de dezembro de 2022, até à presente data, o Autor já foi interpelado 3 vezes pela Ré de forma a assinar um contrato de trabalho que terá como efeito a diminuição da retribuição;
c. sendo que a última interpelação ocorreu na pendência dos presentes autos; e
d. coincidentemente (ou não) após a propositura da presente ação, foi retirado ao Autor o acesso aos registos de tempo de trabalho,
e. o Autor foi ameaçado que ia ser despejado do seu gabinete;
f. o Autor viu a sua categoria profissional diminuída;
g. foram atribuídas a um subalterno do Autor funções que eram deste.
111.º Deverá a Ré ser condenada pela prática de assédio e no consequente pagamento de uma indemnização no valor de 15.000,00€ (quinze mil euros) ao Autor.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, com o douto suprimento do Tribunal, requer-se muito respeitosamente a V. Exa. que se digne julgar procedente por provada a presente ação e concluir-se como na Petição Inicial, requerendo-se, ainda, a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização no valor 15.000,00€ (quinze mil euros) pela prática de assédio, nos termos do artigo 28.º e 29.º do Código do Trabalho.»
O Réu apresentou resposta, pugnando pela inadmissibilidade do articulado superveniente ou, caso assim não se entenda, pela improcedência do pedido.
Seguidamente, foi proferido despacho saneador, onde, além do mais, se decidiu:
«Da admissibilidade do articulado superveniente apresentado pelo autor:
1. Por requerimento de 19.09.2023, apresentou o autor articulado superveniente, reiterando e aperfeiçoando a alegação feita em sede de petição inicial.
Notificado o réu, veio pronunciar-se pela não admissibilidade do articulado superveniente.
2. De acordo com o disposto no artigo 508.º, CPC, “1 – Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.
2 – Dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se a prova da superveniência.
3 – O novo articulado em que se aleguem factos supervenientes é oferecido:
a) Na audiência prévia, quando os factos hajam ocorrido ou sido conhecidos até ao respetivo encerramento;
b) Nos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência final, quando não se tenha realizado a audiência prévia;
c) Na audiência final, se os factos ocorreram ou a parte deles teve conhecimento em data posterior às referidas nas alíneas anteriores. (…).”
Por seu turno, dispõe o artigo 28.º do CPT, que, “1 – É permitido ao autor aditar novos pedidos e causas de pedir, nos termos dos números seguintes.
2 – Se, até à audiência final, ocorrerem factos que permitam ao autor deduzir contra o réu novos pedidos, pode ser aditada a petição inicial, desde que a todos os pedidos corresponda a mesma forma de processo.
3 – O autor pode ainda deduzir contra o réu novos pedidos, nos termos do número anterior, embora esses pedidos se reportem a factos ocorridos antes da propositura da ação, desde que justifique a sua não inclusão na petição inicial.
(…).”
No caso, compulsado o articulado apresentado pelo autor, constata-se que os factos alegados sob os artigos 1.º a 42.º, reportam-se quer a factos da petição inicial apresentada, quer a factos ocorridos antes da propositura que o autor não justifica a sua inclusão só nesta data.
Acresce que, quanto aos demais, mais não são que um aperfeiçoamento de factos alegados na petição inicial ainda que não tenha sido convidado a aperfeiçoar a referida petição quanto a esta parte. Apesar de alegar no seu articulado factos que ocorreram efectivamente na pendência da acção, importa referir que tais factos em substância são, reitera-se, um aperfeiçoamento da petição inicial, o que não é admissível nem tem cabimento num articulado superveniente.
3. Nesta conformidade, pelos fundamentos expostos, não admito o articulado superveniente porquanto alguns dos factos alegados não são supervenientes e não foi justificada pelo autor a sua não inclusão na petição inicial e, os demais não são mais que um aperfeiçoamento da petição inicial e, por isso inadmissíveis.
Notifique.»
O Autor veio interpor recurso do despacho, formulando as seguintes conclusões:
«A. Vem o presente recurso interposto do Despacho Saneador de 22 de novembro de 2023 que rejeitou o articulado superveniente apresentado pelo Autor em 19 de setembro de 2023.
B. O Autor apresentou a sua petição inicial em 25 de janeiro de 2023 e foi notificado para aperfeiçoar a mesma pelo Tribunal a quo, ao abrigo do disposto no artigo 27.º do CPT, alegando factos que sustentem no pedido de condenação da ré no pagamento de trabalho suplementa, o que o Autor fez 25 de maio de 2023.
C. A Petição Inicial do Autor visou os seguintes pedidos tendo sido alegados os factos integrantes da causa de pedir:
a. “Ser a Ré condenada a repor a retribuição base do Autor no valor mensal ilíquido de 3.644,82€;”
b. “Ser a Ré condenada a pagar aos Autor as diferenças salarias vencidas e vincendas entre a retribuição devida e a retribuição que tem sido efetivamente paga e que nesta data se totaliza em 1 863,72 € (mil, oitocentos e sessenta e três Euros e setenta e dois Cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor, até efetivo e integral pagamento;”
c. “Ser a Ré condenada ao pagamento da Isenção de Horário de Trabalho desde 2008 à presente data e que se totaliza à presente data no montante de 99.075,60€ (noventa e nove mil e setenta e cinco Euros e sessenta Cêntimos) acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor, até efetivo e integral pagamento, ou,”
d. “Caso assim não se entenda, ao pagamento do trabalho suplementar prestado entre 2008 e 2023, e que nesta data se totaliza em 67.207,34 € (sessenta e sete mil, duzentos e sete Euros e trinta e quatro Euros), acrescido de juros de mora à taxa legal em vigor, até efetivo e integral pagamento”.
D. O Articulado Superveniente por outro lado, visava deduzir um novo pedido contra a Ré por um conjunto de factos diferentes dos articulados na petição inicial e que aconteceram após a apresentação daquela.
E. Efetivamente, o Autor veio alegar que a Ré tem perpetuado continuamente atos de assédio em relação a si, após a apresentação da petição inicial e como represália por ter ousado demandar judicialmente a Ré.
F. Em suma, foram estes os factos novos e supervenientes articulados pelo Autor:
a. logo após o Autor ter apresentado a sua Petição Inicial aperfeiçoada em 25 de maio de 2023, tendo para o efeito de sustentar o pedido de condenação da Ré e ali Ré no pagamento de trabalho suplementar, procedido à junção de diversos documentos que constituíam mapas de picagem, a Ré, em 19 de junho de 2023, retirou ao Autor o acesso que este tinha e sempre teve pelo exercício das suas funções a estes mapas de picagens e registos digitais de tempos de trabalho, facto que é NOVO, que nunca tinha sido alegado na petição inicial por nunca ter tido lugar;
b. a Ré, não satisfeita nessa mesma data, entendeu que deveria voltar a perseguir o Autor, nomeadamente no dia 10 de julho de 2023 para que este assinasse o mesmo CONTRATO EM REGIME DE COMISSÃO DE SERVIÇO que a Ré já tinha tentado que este assinasse em 16 de dezembro de 2022 – uma nova tentativa que consubstancia um ato de perseguição é um novo ato e não um aperfeiçoamento do que foi alegado;
c. de facto, de junho até agosto de 2023, a Ré insistiu regularmente com o Autor para que assinasse o contrato, designadamente na pessoa dos seus administradores – atos novos que consubstanciam perseguição.
d. Por decisão tomada pelo Conselho de Administração de Ré em 22 de agosto de 2023 e de que o Autor tomou conhecimento em 28 de agosto de 2023, o Autor foi despromovido, deixando de exercer as suas funções de Diretor.
e. a Ré, iniciou em junho de 2023 uma perseguição ao Autor que culminou na sua despromoção, na sua redução de remuneração, no seu despejo de gabinete, para que o mesmo fosse ocupado por um seu subalterno notando-se que o Autor ocupava aquele gabinete durante quase vinte anos ocupa para ser colocado num outro gabinete sem as mínimas condições;
G. Todos estes factos são factos novos que não foram alegados sequer na petição inicial pelo que não se compreende como podem agora ter-se como mero aperfeiçoamento do que nunca foi invocado porque nunca tinha sucedido.
H. Foram estes factos constitutivos do assédio (que é por definição um conjunto de atos contínuos e perpetuados no tempo) que o Autor tem vindo a sofrer desde 2022 e que se intensificaram após a apresentação da petição inicial, que o Autor trouxe ao processo por meio de articulado superveniente e que foram rejeitados.
I. Note-se que, o Autor ao abrigo destes novos factos que ocorreram na pendencia da ação judicial e, portanto, era impossível o Autor tê-los aduzido na petição inicial que o Autor deduziu novo pedido contra a Ré, pedindo que esta fosse pela prática de assédio e no consequente pagamento de uma indemnização no valor de 15.000,00€ (quinze mil euros) ao Autor, nos termos do artigo 28.º e 29.º do Código do Trabalho.
J. De acordo com o artigo 588.º CPC, “1 - Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão. 2 - Dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência”.
K. Ora, em primeiro lugar, o Autor veio trazer aos autos novos factos que ocorreram após ter apresentado a sua petição inicial, ou seja, factos que não podia ter introduzido na sua petição inicial, por os mesmos àquela data ainda não se terem verificado.
L. E, portanto, os factos trazidos aos presentes autos por meio do Articulado Superveniente ocorreram a partir de junho de 2023, pelo que são logicamente, supervenientes.
M. Acresce que, nos termos do n.º 1 do artigo 28.º do CPT, “É permitido ao autor aditar novos pedidos e causas de pedir, nos termos dos números seguintes.”
N. Nos termos do n.º 2 do mesmo preceito “Se, até à audiência final, ocorrerem factos que permitam ao autor deduzir contra o réu novos pedidos, pode ser aditada a petição inicial, desde que a todos os pedidos corresponda a mesma forma de processo”.
O. Foi isso mesmo que o Autor fez, por meio do Articulado Superveniente rejeitado, deduziu um novo pedido – indemnização pela prática de assédio moral – tendo apresentado factos supervenientes (que consubstanciam uma nova causa de pedir e que ocorreram após a apresentação da petição inicial, pois tiveram o seu início em junho de 2023, e a este pedido corresponde a mesma forma de processo do que a da presente ação.
P. Termos em que deve o Despacho Saneador Recorrido ser nesta parte revogado e substituído por outro que aceite o referido articulado superveniente do Autor.»
O Réu apresentou resposta ao recurso do Autor, pugnando pela sua improcedência.
Admitido o recurso, e remetidos os autos a esta Relação, observou-se o disposto no art.º 87.º, n.º 3 do CPT, tendo o Ministério Público emitido parecer no sentido da procedência do recurso.
Cumprido o previsto no art.º 657.º do CPC, cabe decidir em conferência.
2. Questões a resolver
Tal como resulta das conclusões do recurso, que delimitam o seu objecto, a questão que se coloca a este tribunal é a da admissibilidade do articulado superveniente apresentado pelo Autor.
3. Fundamentação
3.1. Os factos a atender são os decorrentes do Relatório.
3.2. Vejamos, então, se é admissível a apresentação do articulado superveniente do Autor.
Referia a redacção inicial do art.º 60.º, n.º 2 do CPT, a que corresponde actualmente o art.º 60.º, n.º 3, que, “não tendo sido deduzida excepção ou não havendo reconvenção, só são admitidos articulados supervenientes nos termos do artigo 506.º do Código de Processo Civil e para os efeitos do artigo 28.º”, tendo o Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro, alterado a redacção, de modo a dissipar quaisquer dúvidas, para “não tendo sido deduzida excepção ou não havendo reconvenção, só são admitidos articulados supervenientes nos termos do artigo 506.º do Código de Processo Civil ou para os efeitos do artigo 28.º.”
As alterações introduzidas pela Lei n.º 107/2019, de 09/09, deixaram tal sentido incólume, dispondo desde então o art.º 60.º, n.º 3 do CPT que, “não havendo reconvenção, nem se verificando o disposto no número anterior, só são admitidos articulados supervenientes nos termos do artigo 588.º do Código de Processo Civil ou para os efeitos do artigo 28.º do presente Código.”
É, pois, inequívoco que, em processo laboral, os articulados supervenientes podem ser utilizados se se verificarem os pressupostos do art.º 588.º do CPC ou, em alternativa, os do art.º 28.º do CPT.
Estabelece o art.º 588.º do CPC:
Termos em que são admitidos
1 - Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.
2 - Dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência.
3 - O novo articulado em que se aleguem factos supervenientes é oferecido:
a) Na audiência prévia, quando os factos hajam ocorrido ou sido conhecidos até ao respectivo encerramento;
b) Nos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência final, quando não se tenha realizado a audiência prévia;
c) Na audiência final, se os factos ocorreram ou a parte deles teve conhecimento em data posterior às referidas nas alíneas anteriores.
4 - O juiz profere despacho liminar sobre a admissão do articulado superveniente, rejeitando-o quando, por culpa da parte, for apresentado fora de tempo, ou quando for manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa; ou ordenando a notificação da parte contrária para responder em 10 dias, observando-se, quanto à resposta, o disposto no artigo anterior.
5 - As provas são oferecidas com o articulado e com a resposta.
6 - Os factos articulados que interessem à decisão da causa constituem tema da prova nos termos do disposto no artigo 596.º.
Por seu turno, dispõe o art.º 28.º do CPT:
Cumulação sucessiva de pedidos e de causas de pedir
1 - É permitido ao autor aditar novos pedidos e causas de pedir, nos termos dos números seguintes.
2 - Se, até à audiência final, ocorrerem factos que permitam ao autor deduzir contra o réu novos pedidos, pode ser aditada a petição inicial, desde que a todos os pedidos corresponda a mesma forma de processo.
3 - O autor pode ainda deduzir contra o réu novos pedidos, nos termos do número anterior, embora esses pedidos se reportem a factos ocorridos antes da propositura da acção, desde que justifique a sua não inclusão na petição inicial.
4 - Nos casos previstos nos números anteriores, o réu é notificado para contestar tanto a matéria do aditamento como a sua admissibilidade.
Retornando à situação dos autos, constata-se que o Autor, em 19-09-2023, veio apresentar um articulado superveniente para formular um novo pedido, não constante da petição inicial, concretamente o pedido de condenação da Ré no pagamento àquele da quantia de 15.000,00€, a título de indemnização por assédio moral nos termos dos arts. 28.º e 29.º do Código do Trabalho.
Nos termos do art.º 29.º, n.ºs 1 e 2 do Código do Trabalho, é proibida a prática de assédio, entendendo-se como tal o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.
O principal mérito da figura é o da ampliação da tutela da vítima ao dar-se relevância jurídica a comportamentos que, isoladamente considerados, seriam despiciendos, mas, reconduzidos a uma unidade ou procedimento reiterado ao longo do tempo, ganham outra proporção.
Assim, como indícios de assédio, são geralmente referidos na doutrina e na jurisprudência os comportamentos hostis ou abusivos do empregador, a sua duração ou repetição e as consequências destes sobre a saúde física e psíquica do trabalhador e sobre o seu emprego (destruição da carreira ou constrangimento com vista ao auto-despedimento).
No articulado superveniente em apreço, o Autor fundamenta o pedido de indemnização por assédio moral em factos ocorridos antes da propositura da acção (factos assinalados a negrito entre os artigos 24.º e 42.º) e em factos ocorridos depois da propositura da acção (factos sublinhados assinalados entre os artigos 44.º e 86.º).
Concluindo o Autor – relembra-se – do seguinte modo:
«110.º Assim, e tendo em consideração que:
a. em novembro de 2022, o Autor sofreu uma diminuição abrupta da retribuição;
b. desde 16 de dezembro de 2022, até à presente data, o Autor já foi interpelado 3 vezes pela Ré de forma a assinar um contrato de trabalho que terá como efeito a diminuição da retribuição;
c. sendo que a última interpelação ocorreu na pendência dos presentes autos; e
d. coincidentemente (ou não) após a propositura da presente ação, foi retirado ao Autor o acesso aos registos de tempo de trabalho,
e. o Autor foi ameaçado que ia ser despejado do seu gabinete;
f. o Autor viu a sua categoria profissional diminuída;
g. foram atribuídas a um subalterno do Autor funções que eram deste.
111.º Deverá a Ré ser condenada pela prática de assédio e no consequente pagamento de uma indemnização no valor de 15.000,00€ (quinze mil euros) ao Autor.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, com o douto suprimento do Tribunal, requer-se muito respeitosamente a V. Exa. que se digne julgar procedente por provada a presente ação e concluir-se como na Petição Inicial, requerendo-se, ainda, a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização no valor 15.000,00€ (quinze mil euros) pela prática de assédio, nos termos do artigo 28.º e 29.º do Código do Trabalho.»
Tendo em conta o que acima se disse sobre o carácter duradouro ou reiterado dos comportamentos patronais que caracterizam o assédio, é de entender que, não obstante a alegada verificação de alguns comportamentos antes da propositura da acção, a formulação de pedido de indemnização apenas em data posterior se mostra justificada pela alegada superveniência de comportamentos semelhantes, que, por inerência, justificam a concomitante alegação dos anteriores, nos termos do art.º 28.º, n.ºs 2 e 3 do CPT.
Acresce que a tal pedido também corresponde a forma de processo comum e que o mesmo foi formulado antes da audiência final.
Consequentemente, verificam-se todos os requisitos da apresentação de articulado superveniente pelo Autor, a coberto do disposto, conjugadamente, nos arts. 28.º e 60.º, n.º 3 do CPT.
Procede, pois, o recurso.
4. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido e admite-se o articulado superveniente apresentado pelo Autor em 19-03-2023.
Custas pela Apelada.

Lisboa, 11 de Setembro de 2024
Alda Martins
Maria José Costa Pinto
Celina Nóbrega