FACTOS NOVOS
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
DESPEDIMENTO
ABANDONO DO TRABALHO
INCAPACIDADE TEMPORÁRIA
RETRIBUIÇÕES INTERCALARES
EXCESSO DE PRONÚNCIA
Sumário

1- Mesmo não havendo temas de prova, o juiz deve consignar os novos factos relevantes apurados em audiência e convidar as partes a indicar as respectivas provas, a fim de permitir o exercício do contraditório (art.º 3º, nº 3 do CPC).
2- Tendo o trabalhador sofrido um acidente de trabalho que lhe ocasionara incapacidade temporária parcial para o trabalho (sem alta definitiva), a entidade empregadora deveria ter procurado informação acerca da situação do sinistrado antes de ter concluído pelo abandono do trabalho.
(Sumário da autoria da Relatora)

Texto Integral

Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa:

I-Relatório
AA instaurou a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma do processo comum, contra “XX, Lda.” pedindo a declaração da ilicitude do despedimento que foi alvo e a condenação da ré no pagamento das seguintes quantias:
- €10.560, 57, a título de indemnização de antiguidade;
- €1.330,00, a título de férias e subsídio de férias vencidos em 01.01.2021;
- €1.922,96, a título de proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal;
- €665,00 (30 dias de retribuição), o que perfaz o montante de €14.478,53.
Mais peticionou o pagamento de juros, à taxa legal, até integral pagamento.
Para tanto, alegou em síntese:
- O A. foi admitido ao serviço da ré mediante a celebração de um contrato de trabalho a termo no dia 1 de Fevereiro de 2006 a fim de, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, exercer as funções inerentes à categoria profissional de técnico de frio;
- O referido contrato foi convertido em contrato por termo indeterminado;
- O A. auferia a retribuição de €665,00, acrescida de subsídio de alimentação no valor diário de €6,25;
- No dia 17 de Dezembro de 2021, recebeu da ré missiva comunicando a cessação do seu contrato de trabalho por alegado abandono;
- Embora o A. estivesse ausente do seu local de trabalho desde 29 de Novembro de 2021, a ré era sabedora das razões da sua não comparência ao trabalho (gozo de férias), daí que a comunicação que lhe endereçou consubstancie um despedimento ilícito;
A ré contestou e reconviu, alegando, em síntese:
- O autor, a partir de 26 de Novembro de 2021, não mais compareceu ao serviço, não se apresentando na obra onde desempenhava funções;
- No dia 30 de Junho de 2021, o autor sofreu um acidente de trabalho em consequência do qual lhe foi atribuída incapacidade temporária absoluta até ao dia 28 de Outubro de 2021, data a partir da qual lhe foi atribuída incapacidade temporária parcial de 30%;
- No dia 29 de Outubro de 2021, o autor solicitou o gozo de férias até dia 12 de Novembro de 2021, o que foi consentido;
- No no dia 15 de Novembro de 2021, o autor apresentou-se ao trabalho e, após ter trabalhado 2 horas, foi-se embora sem qualquer justificação;
- No dia 16 de Novembro de 2021, o autor não compareceu ao trabalho e não apresentou qualquer justificação, sendo que, no dia 17 de Novembro de 2021, apresentou baixa médica com início nessa data até 25 de Novembro de 2021;
- Cessada a baixa médica, o autor não mais se apresentou ao serviço, daí que, em 17 de Dezembro de 2021, lhe haja sido enviada a missiva a que alude na sua petição inicial;
- A R. procedeu ao pagamento, ao autor, de todas as quantias que lhe eram devidas, assistindo-lhe o direito a compensar com os créditos a que tinha direito a indemnização por abandono de posto de trabalho (no montante de €665).
Concluiu a ré pela improcedência da acção e pela procedência do pedido reconvencional no indicado montante de €665.
Mais peticionou a condenação do autor como litigante de má-fé.
*
Foi proferido despacho saneador, no qual foi admitido o pedido reconvencional formulado pela ré.
Foi fixado o objecto do litígio e foi dispensada a enunciação dos temas da prova.
Procedeu-se à realização da audiência final.
Pelo Tribunal a quo foi proferida sentença.
*
Foram considerados provados os seguintes factos:
1. A ré tem por objecto social a fabricação de tubos circulares e condutas rectangulares metálicas e respectivos acessórios. Instalações especiais, nomeadamente: obras de isolamento térmico e instalação de canalizações e de climatização; instalação e manutenção de equipamentos de segurança contra incêndios em edifícios; instalação, manutenção e reparação na área da protecção passiva contra incêndios. Construção e engenharia civil e obras públicas. Comércio, importação, exportação e apresentações de material e equipamentos para a construção civil. Indústria de serralharia.
2. Datado de 31 de Janeiro de 2007, autor e ré subscreveram o convénio denominado “Contrato de Trabalho a Termo Certo” nos termos do qual o autor se obrigou, a partir do dia 1 de Fevereiro de 2007, a, ao serviço da ré, exercer as funções de ajudante, com a categoria de servente, mediante a retribuição mensal de €405,00 e subsídio de alimentação no valor de €6,25, por cada dia de trabalho efectivo.
3. O convénio referido em 2. converteu-se em contrato sem termo.
4. Ultimamente, o autor exercia as funções inerentes à categoria profissional de técnico de frio.
5. E auferia a retribuição de €665,00, acrescida de subsídio de alimentação no valor diário de €6,25.
6. Datada de 17 de Dezembro de 2021 e recebida pelo autor, a ré endereçou-lhe missiva, sendo o seguinte o seu teor:
«(…)
Exmo. Sr.,
Desde o passado dia 29 de Novembro, que V. Exa. falta ao serviço desta firma, não tendo entregue qualquer comunicação do motivo da ausência, a qual se verifica por mais de 10 dias úteis seguidos, até à presente data.
De acordo com o disposto no artigo 403.º do Código do Trabalho, presume-se que V. Exa. abandonou o trabalho, não havendo da sua parte intenção de o retomar, pelo que, pela presente comunicação e nos termos do n.º 3 do citado artigo, permitimo-nos considerar que V. Exa. se encontra definitivamente desvinculado do contrato de trabalho que nos unia, por motivo de abandono, com todas as consequências legais daí decorrentes. (…)».
7. O autor estava ausente do seu local de trabalho desde 29 de Novembro de 2021.
8. O autor foi vítima de acidente de trabalho no dia 30 de Junho de 2021.
9. Na sequência do evento referido em 8., o autor esteve em situação de incapacidade temporária absoluta até 28 de Outubro de 2021.
10. Tendo-lhe sido atribuída, nesta data, incapacidade temporária parcial de 30% até 25 de Novembro de 2021.
11. E, mais tarde, em 25 de Novembro de 2021, novamente incapacidade temporária parcial até 23 de Dezembro de 2021.
12. No dia 29 de Outubro de 2021, o autor apresentou-se no seu local de trabalho, sendo que, nessa data e até 12 de Novembro de 2021 e como o autor se queixasse de não estar em condições de retomar o seu trabalho, foi-lhe concedido o gozo de 10 dias úteis de férias.
13. No dia 15 de Novembro de 2021, o autor apresentou-se para exercer as suas funções, o que fez cerca de duas horas no período da manhã.
14. Após, transmitiu ao encarregado da ré que no período da tarde já não iria trabalhar porque tinha uma consulta.
15. Sem prejuízo, o autor não apresentou na ré qualquer justificação para não exercer as suas funções no período da tarde, designadamente, o comprovativo da ida à consulta.
16. No dia 16 de Novembro de 2021, o autor não compareceu para exercer funções.
17. Sendo que, nessa ocasião, telefonou ao encarregado da ré dizendo que não ia trabalhar por estar pior e que iria ficar de baixa.
18. Sem prejuízo, o autor não apresentou à ré qualquer justificação da sua ausência relativa ao dia 16 de Novembro de 2021.
19. No dia 26 de Novembro de 2021, o autor não se apresentou ao trabalho e nem apresentou justificação para o efeito.
20. No dia 29 de Novembro de 2021, o autor enviou email à ré, remetendo o autor em anexo o certificado de incapacidade temporária para o trabalho desde 17 de Novembro de 2021 até 25 de Novembro de 2021 e, bem assim, o documento da seguradora com a atribuição de incapacidade temporária parcial de 30% desde 25 de Novembro de 2021 até 23 de Dezembro de 2021.
21. Em meados do mês de Dezembro de 2021, o autor contactou o encarregado da ré transmitindo-lhe que estava à porta da obra e que já não estava lá ninguém.
22. A obra referida em 21. estava já concluída, tendo o encarregado transmitido ao autor que teria que contactar a ré a fim de saber em que obra se deveria apresentar.
23. No mês de Julho de 2021, a ré pagou ao autor a quantia ilíquida de €665,00, a título de subsídio de férias.
24. No mês de Dezembro de 2021, a ré pagou ao autor a quantia ilíquida de €356,74, a título de subsídio de Natal.
25. No mês de Dezembro de 2021, a ré processou ao autor o vencimento de €665,00, o subsídio de alimentação de €125,00, os proporcionais de férias e subsídio de férias, no valor, cada, de €387,92, e férias não gozadas no valor de € 302,27, tudo valor ilíquido de € 1.868,11.
26. Nesse mesmo mês, a ré descontou ao referido valor, a título de falta injustificada, a quantia de € 665,00, a título de desconto por abandono do trabalho, a quantia de €665,00, a título de desconto do subsídio de alimentação, a quantia de € 125,00, e, a título de desconto para a Segurança Social e para IRS, as quantias de €118,59 e €27,00, respectivamente, no total de €1.600,59.
27. Vindo a liquidar ao autor a quantia líquida de €267,52.
*
Pelo Tribunal a quo foram considerados não provados os seguintes factos:
1. Que no dia 29 de Novembro de 2021, o autor se tenha apresentado no seu local de trabalho a fim de retomar as suas funções.
2. Que o gozo das férias referido em A.12. tenha sido da iniciativa da ré, por intermédio do seu encarregado.
3. Que o gozo das férias referido em A.12. tenha sido pedido pelo autor.
4. Que a ré não tivesse notícias do autor desde o dia 25 de Novembro de 2021.
*
Pelo Tribunal a quo foi proferida a seguinte decisão:
«Por tudo quanto se deixou exposto, o tribunal julga:
a) a acção procedente e, em consequência:
(i) Julga ilícito o despedimento promovido pela ré, e, em consequência, condena-a a:
(i.1) pagar ao autor a quantia de €13.189,17 (treze mil cento e oitenta e nove euros e dezassete cêntimos), a título de indemnização de antiguidade, quantia a que acrescerão as que a este título se vencerem até ao trânsito em julgado da decisão, sendo devidos juros moratórios, à taxa legal, a partir da data do trânsito;
(i.2) pagar ao autor, desde 7 de Novembro de 2022 até ao trânsito em julgado da presente sentença, o valor das retribuições no valor mensal correspondente ao da retribuição mínima mensal (€705,00 até Dezembro de 2022, inclusive; €760,00, desde Janeiro de 2023), sem prejuízo de posteriores actualizações da retribuição mínima mensal e da dedução a que alude a al. c) do n.º 2 do art.º 390.º, que a ré deverá entregar na Segurança Social, sendo que, nas retribuições, se incluem as de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, tudo conforme se vier a liquidar em incidente próprio, sendo que os juros de mora apenas serão devidos após efectiva liquidação (art.º 805.º, n.º 3, do Código Civil);
(ii) pagar ao autor, a título de subsídio de Natal, retribuição de férias não gozadas e proporcionais de férias e subsídio de férias, a quantia de €795,42 (setecentos e noventa e cinco euros e quarenta e dois cêntimos), à qual acrescem juros de mora, vencidos e vincendos, desde a citação até efectivo e integral pagamento;
b) improcedente o pedido reconvencional;
c) improcedente o pedido de condenação do autor como litigante de má-fé.
Custas da acção e da reconvenção a cargo da ré (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).»
*
A R. recorreu desta sentença e formulou as seguintes conclusões:
DAS NULIDADES POR VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NA AL. D) DO Nº 1 DO ART.º 615º DO CPC.
i. Segundo Miguel Teixeira de Sousa, in Poderes do Juiz no Processo do Trabalho: Algumas Notas (texto que serviu de base a uma intervenção realizada no Centro de Estudos Judiciários no dia 4/11/2022 e destina-se a uma obra colectiva em memória do Prof. José de Oliveira Ascensão, que se anexa): O juiz que aproveitar na decisão final o facto adquirido “na produção da prova”, sem ter assinalado a relevância desse facto ou sem ter assegurado para ele a possibilidade do exercício do contraditório,
profere uma decisão-surpresa (art.º 3.º, n.º 3, CPC; art.º 1.º, n.º 2, al. a), CPT), dado que esta pode ocorrer tanto quanto a uma questão de direito, como, tal como sucede no caso
em análise, quanto a uma questão de facto. A decisão-surpresa é uma decisão nula por excesso de pronúncia (art.º 615.º, n.º 1, al. d), 666.º, n.º 1, e 685.º CPC; art.º 1.º, n.º 2, al.
a), CPT).
ii. No caso dos autos, na fundamentação de facto da sentença – motivação -
pode ler-se:
“A matéria de facto provada constante dos pontos 21. e 22. alicerçou-se no depoimento da testemunha BB, já identificada, e que expressamente a
referiu. Trata-se de matéria que não foi articulada por nenhuma das partes mas que resultou da prova produzida, sobre ela incidiu discussão e puderam, naturalmente, as partes dela ter conhecimento. O tribunal adita-a por apelo aos poderes que lhe são consentidos pelo art.º 72.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, atenta a sua manifesta relevância para a boa decisão da causa.”
iii. É assim evidente que ocorreu o aditamento de matéria de facto e que tal sucedeu apenas em sede de sentença. Pelo que esta é uma decisão surpresa manifesta e ocorre nulidade por excesso de pronúncia, nos termos supra exposto.
iv. Note-se que a R não teve qualquer oportunidade de se pronunciar quanto a essa matéria, nem de quanto a ela produzir prova, pelo que houve manifesta violação do disposto no art.º 3.º, n.º 3, CPC; art.º 1.º, n.º 2, al. a), CPT e errónea interpretação do disposto no art.º 72º CPT.
v. O mesmo se passou com a 2ª parte do ponto 20. dos factos provados, designadamente quanto ao que aí se fez escrever: “bem assim, o documento da seguradora com a atribuição de incapacidade temporária parcial de 30% desde 25 de Novembro de 2021 até 23 de Dezembro de 2021.”, na medida em que tal não foi alegado por qualquer das partes.
vi. Por outro lado, ocorreu ainda excesso de pronuncia, na medida em que o A peticionou que lhe fosse arbitrada indemnização por despedimento de € 10.560,57 e o Tribunal “a quo” condenou a R a pagar-lhe a esse título € 13.189,17, o que configura condenação para além do pedido em acção que não versa sobre direitos indisponíveis.
vii. E ocorreu ainda nulidade por excesso de pronúncia, na medida em que o A peticionou o pagamento de 30 dias de retribuição no total de €665,00 e o Tribunal recorrido condenou a R a pagar ao A pagar ao autor, desde 7 de Novembro de 2022 até ao trânsito em julgado da presente sentença, o valor das retribuições no valor mensal correspondente ao da retribuição mínima mensal (€705,00 até Dezembro de 2022, inclusive; €760,00, desde Janeiro de 2023), sem prejuízo de posteriores actualizações da retribuição mínima mensal e da dedução a que alude a al. c) do n.º 2 do art.º 390.º, que a ré deverá entregar na Segurança Social, sendo que, nas retribuições, se incluem as de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, tudo conforme se vier a liquidar em incidente próprio, sendo que os juros de mora apenas serão devidos após efectiva liquidação (art.º 805.º, n.º 3, do Código Civil).
viii. Como se disse não é admissível nestes autos “condenação extra vel ultra petitum” – cfr. art.º 74º CPT, pelo que também esta norma foi violada pelo Tribunal recorrido.
ix. Ocorre ainda nulidade por contradição entre factualidade provada e não provada.
x. Na verdade, fez-se constar da sentença recorrida o seguinte:
12. No dia 29 de Outubro de 2021, o autor apresentou-se no seu local de trabalho, sendo que, nessa data e até 12 de Novembro de 2021 e como o autor se queixasse de não estar em condições de retomar o seu trabalho, foi-lhe concedido o gozo de 10 dias úteis de férias.
xi. E tal encontra-se em contradição com a matéria de facto não provada dos pontos 2. e 3., o que encerra nulidade a que alude o art.º 615º, al. c) CPC.
DO RECURSO EM MATÉRIA DE FACTO
xii. Relativamente ao vertido em 12º da matéria de facto provada entende a R. que não ficou provado que o gozo do período de férias foi concedido por o A se queixar de não estar em condições de retomar o trabalho, pelo que se deve dar tal matéria como não provada.
xiii. Tal matéria provada encontra-se em contradição com a matéria de facto não provada dos pontos 2. e 3., o que encerra nulidade a que alude o art.º 615º, al. c) CPC.
xiv. Também deveria ser dada como provada a matéria alegada no ponto 3. dos factos não provados, designadamente: Que o gozo das férias referido em A.12. tenha sido pedido pelo A.
xv. Na verdade, a esse propósito o A no seu depoimento de parte confessou ter pedido férias e as testemunhas BB – que foi o encarregado do A na última obra em que este trabalhou – e CC – responsável pelos recurso humanos da R o confirmaram, como resulta das seguintes transcrições das suas declarações:
DEPOIMENTO DE AUTOR
Audiência 22-03-2023 | 10:34:29 – 10:57:28
Ficheiro: 20230322103428_20513471_4282030
00:00:00 – 00:22:58
00:06:20 a 00:13:34, 00:15:24 a 00:17:31, 00:18:59 a 00:19:14, 00:19:36 a 00:13:03, 00:13:40 a 00:13:41, 00:15:05 a 00:20:04, 00:21:29 a 00:22:20 DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA
Audiência 22-03-2023 | 12:20:31 – 12:43:06
Ficheiro: 20230322122030_20513471_4282030
00:00:00 – 00:22:34
CC
00:03:20 a 00:03:30, 00:04:47 a 00:05:40, 00:06:01 a 00:06:59,00:15:42 a 00:16:43
xvi. Relativamente ao vertido em 20º da matéria de facto provada entende a R que não ficou provado que o A no dia 29 de Novembro de 2021 tenha enviado mail à R documento da seguradora com a atribuição de incapacidade temporária parcial de 30% desde 25 de Novembro de 2021 até 23 de Dezembro de 2021.
xvii. Na realidade nenhum meio de prova foi produzido nesse sentido e apenas a testemunha CC referiu ter recebido um mail do A nessa data com o certificado de incapacidade e um papel da Seguradora datado de 25/11 referindo que o A mantinha ITP de 30%. É o que resulta das suas declarações que se transcrevem:
DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA
Audiência 22-03-2023 | 12:20:31 – 12:43:06
Ficheiro: 20230322122030_20513471_4282030
00:00:00 – 00:22:34
CC
00:07:45 a 00:08:11, 00:12:57 a 00:13:05, 00:14:20 a 00:14:57, 00:17:52,
00:20:17 a 00:21:22
xviii. Assim, nenhum meio de prova habilitava o Tribunal “a quo” a dar como provado que o A enviou à R documento da seguradora com a atribuição de incapacidade temporária parcial desde 25 de Novembro de 2021 até 23 de Dezembro de 2021.
xix. Pelo contrário, tal foi negado categoricamente pela testemunha CC
Camilo. O que sucede é que, após a propositura da acção a R envidou esforços no sentido de descortinar a situação do A e acabou por concluir que este terá estado em situação de ITP, pelo menos, até 23/12/2021.
xx. Tal matéria não foi alegada pelas partes, pelo que deve ser eliminada e, se assim se não entender, deve ser dada como não provada.
xxi. Quanto à matéria de facto provada em 21. e 22, impugna a R o facto da testemunha BB ser ali qualificada como o encarregado da R.
xxii. Na verdade, o que esta testemunha BB referiu, bem como a testemunha CC. É que a R tem muitos trabalhadores – do doc 6 junto com a contestação resulta que eram à data 46 – e que estes trabalham em várias equipas, por todos o país e até nas ilhas, pelo que esta testemunha foi encarregado da R na obra onde o A trabalhava à data dos factos, mas não era já o encarregado da obra referida em 21, pois que a obra já estava concluída, nem sequer era o encarregado do A nessa data.
Como resulta das seguintes declarações que se transcrevem:
DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA
Audiência 22-03-2023 | 11:56:42 – 12:19:23
Ficheiro: 20230322115641_20513471_4282030
00:00:00 – 00:22:40
BB
00:01:30 a 00:02:16, 00:02:59 a 00:04:01, 00:08:46 a 00:09:07, 00:14:08 a 00:14:58, 00:20:04
DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA
Audiência 22-03-2023 | 12:20:31 – 12:43:06
Ficheiro: 20230322122030_20513471_4282030
00:00:00 – 00:22:34
CC
00:08:05 a 00:08:31, 00:12:49 a 00:13:05
xxiii. Assim, tal matéria – para além de não poder ser considerada pelo Tribunal “a quo” – no caso de assim se não entender, deverá ter redacção diversa, a seguinte:
21. Em meados do mês de Dezembro de 2021, o autor contactou um dos encarregados da ré/ou o encarregado da R da obra em que o A trabalhava aquando da ocorrência do acidente de trabalho transmitindo-lhe que estava à porta da obra e que já não estava lá ninguém.
22. A obra referida em 21. estava já concluída, tendo esse encarregado da R transmitido ao autor que teria que contactar a ré a fim de saber em que obra se deveria apresentar.
xxiv. Por outro lado, deve ser dado como provado o vertido em 4. dos factos não provados.
xxv. Na verdade tal facto resultou provado das seguintes declarações que se transcrevem:
DEPOIMENTO DE AUTOR
Audiência 22-03-2023 | 10:34:29 – 10:57:28
Ficheiro: 20230322103428_20513471_4282030
00:00:00 – 00:22:58
DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA
Audiência 22-03-2023 | 11:56:42 – 12:19:23
Ficheiro: 20230322115641_20513471_4282030
00:00:00 – 00:22:40
BB
00:01:30 a 00:02:16, 00:02:59 a 00:03:40, 00:07:00 a 00:07:56, 00:08:52 a 00:09:07, 00:14:08 a 00:14:47, 00:20:04
DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA
Audiência 22-03-2023 | 12:20:31 – 12:43:06
Ficheiro: 20230322122030_20513471_4282030
00:00:00 – 00:22:34
CC
00:07:45 a 00:14:57, 00:20:22 a 00:21:22
xxvi. Afigura-se, assim, claro que a R, que à data tinha pelo menos 46 trabalhadores, a trabalharem em equipas, cada uma com o seu encarregado, em obras diversas por todo o país incluindo ilhas, e que tem sede na ... – local onde se situam os seus Recursos Humanos e a sua Administração, recebeu um último contacto do A no dia 29 de Novembro, remetendo-lhe uma baixa médica que terminava no dia 25/11/2021.
xxvii. Logo, conclui-se que a R nada mais soube do A desde 25/11/2021, sendo certo que não se discute que o A terá contactado a testemunha BB pelo telefone em dia não concretamente apurado do mês de Dezembro, e após ter recebido a carta da A comunicando-lhe o abandono do posto de trabalho. Todavia, o contacto a esta testemunha é feito numa altura em que a testemunha já não era o superior hierárquico do A, pois que como o A sabia e sempre assim foi, os trabalhadores da categoria do A trabalham em equipas com diversos encarregados, e ainda que assim não fosse, a testemunha BB disse ao A para ligar para os serviços de recursos humanos da R, o que este não fez.
xxviii. A Direcção da R apenas tinha conhecimento que este teve um acidente de trabalho e que estava em situação de ITP, tendo depois gozado férias, continuando em situação de ITP de 30% e depois tendo estado de baixa médica.
xxix. Como o A confirmou e confessou, a R, após a cessação da ITA e colocação do A em situação de ITP pelos Serviços Clínicos da Seguradora, submeteu-o aos serviços clínicos de medicina no trabalho que o consideraram apto para trabalhar e a R adaptaria o posto de trabalho do A às limitações físicas que este tinha à data, por isso lhe facultou o acesso aos serviços de medicina no trabalho.
xxx. Não havia nenhum impedimento para o A retomar o seu trabalho
xxxi. Mais, presumindo-se a situação de abandono do A – cfr n.º 2 do art.º 403º CT – por o A estar ausente do serviços mais de 10 dias úteis seguidos, sem informar o motivo da sua ausência, o ónus da prova da intenção de retomar o trabalho sobre o A impendia. E foi essa presunção que o A não ilidiu.
DO RECURSO EM MATÉRIA DE DIREITO
xxxii. Nos termos do disposto no artigo 128.º, 1, al. b) do Código do Trabalho, constitui obrigação do trabalhador comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade.
xxxiii. Estabelece, por seu turno, o artigo 351.º, n.º 2, al. g), que constitui justa causa de despedimento as faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco.
xxxiv. A noção de falta é dada pelo artigo 248.º, n.º 1, do CT: “Considera-se falta a ausência de trabalhador do local em que devia desempenhar a actividade durante o período normal de trabalho diário.”.
xxxv. Nos termos do artigo 203.º, n.º 1, “O período normal de trabalho não pode exceder oito horas por dia e quarenta horas por semana.”, isto é, a falta legal é reportada a dia útil de trabalho.
xxxvi. As faltas surgem como interrupções na prestação do trabalho por dia ou dias úteis e têm as seguintes modalidades: faltas justificadas e injustificadas – artigo
249.º, n.º 1, do CT.
xxxvii. E o n.º 2 indica quais as faltas que são consideradas justificadas, como, “as motivadas por impossibilidade de prestar trabalho devido a facto não imputável ao trabalhador, nomeadamente observância de prescrição médica no seguimento de recurso a técnica de procriação medicamente assistida, doença, acidente ou cumprimento de obrigação legal;” – cf. alínea d).
xxxviii. Acontece, porém, que não basta para que a falta seja considerada justificada, o poder reconduzi-la a alguma das situações previstas no n.º 2 do artigo 249.º; ela tem ainda de ser comunicada ao empregador nos termos do artigo 253.º: quando previsível, com a antecedência mínima de cinco dias - n.º 1- e quando imprevista, “logo que possível” - n.º 2.
xxxix. A lei não fornece quaisquer elementos ou indicações susceptíveis de definir o significado da expressão “logo que possível”, pelo que é perante as circunstâncias concretas do caso que o julgador deve avaliar da tempestividade da comunicação à entidade patronal das faltas dadas por motivo imprevisto.
xl. Atento o disposto no artigo 253.º, n.º 5, a falta de comunicação transforma as faltas “consideradas justificadas” em faltas “injustificadas”.
xli. No caso sub judice, o autor faltou desde 26 de Novembro de 2021 até 17/12/2021, data em que a R lhe remeteu comunicação por abandono, assim tendo faltado injustificadamente nesse período.
xlii. É certo que após tal comunicação, em Dezembro de 2021 o A terá comparecido numa obra que a R já tinha concluído – matéria que não foi alegada pelas partes e que não poderá ser considerada para efeitos de decisão. Todavia, uma vez o Tribunal “a quo” aditou tal matéria, diremos que ainda que tal se demonstrasse, a solução de direito nunca seria a encontrada pelo Tribunal Recorrido.
xliii. Vigora actualmente o contrato coletivo entre a AECOPS – Associação de Empresas de Construção e Obras Públicas e Serviços e outras e a Federação dos Sindicatos da Indústria e Serviços - FETESE e outros – Revisão global, publicado no BTE, Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 26, 15/7/2017, sendo que à data da contratação do A pela R vigorava o CCT publicado no BTE 1ª SÉRIE, Boletim Nº 11 de 1983.
xliv. Os sucessivos Contratos colectivos de Trabalho, na parte atinente ao local da prestação de trabalho, não sofreram alterações de relevo, pelo que actualmente, o CCt em vigor prescreve:
Cláusula 26.ª
Local habitual de trabalho
1- Por local habitual de trabalho entende-se o lugar onde deve ser realizada a prestação, de acordo com o estipulado no contrato ou o lugar resultante de transferência definitiva do trabalhador.
2- Na falta de indicação expressa, considera-se local habitual de trabalho o que resultar da natureza da atividade do trabalhador e da necessidade da empresa que tenha levado à sua admissão, desde que esta última fosse ou devesse ser conhecida pelo trabalhador.
3- O local habitual de trabalho determinado nos termos dos números anteriores, poderá ser:
a) Local habitual de trabalho fixo;
b) Local habitual de trabalho não fixo, exercendo o trabalhador a sua atividade indistintamente em diversos lugares ou obras.
xlv. No caso vertente, face à factualidade provada, afigura-se-nos que o A tinha tem local de trabalho não fixo, pois que exercia e exerce a actividade em distintas obras.
Xlvi. Logo, quando o A se apresentou numa obra que a R já tinha concluído, não se poderá considerar que se apresentou no seu local de trabalho.
xlvii. Para além do mais, também não contactou com o seu superior hierárquico, pois que era seu superior hierárquico o encarregado da obra a que o A estivesse adstrito e na data em que ligou à testemunha BB, o A não estava adstrito à obra onde esta testemunha trabalhava.
xlviii. Ainda que assim não fosse, certo é que esta testemunha disse ao A para ligar para os serviços administrativo da R e o A nunca procedeu dessa forma, pelo que não se pode dizer sequer que nessa ocasião, ao telefonar para a testemunha BB o A tenha contactado a R – note-se que o A residia e trabalhava na zona da grande ... e a sede e serviços administrativos e de direcção da R se situa na ... – o que era do conhecimento do A que ali trabalhava há muitos anos e conhecia a organização e procedimentos burocráticos e de organização de trabalho da R.
xlix. Acresce que estatui o art.º 403.º, n.º 1, que “considera-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador do serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelam a intenção de o não retomar”, preceituando o n.º 2 que “presume-se abandono do trabalho em caso de ausência de trabalhador do serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador seja informado do motivo da ausência”, sendo que essa presunção pode ser ilidida pelo trabalhador mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação a empregador da causa da ausência – n.º 4.
l. Assim, para que ocorra o abandono do trabalho exige-se a verificação cumulativa de dois elementos: (i) um objectivo, traduzido na ausência do trabalhador ao
serviço, isto é, na não comparência, voluntária e injustificada, no local e no tempo de trabalho a que está obrigado; (ii) outro subjectivo, traduzido na intenção de não retomar
o serviço, ou seja, a intenção de não comparência definitiva ao trabalho, a retirar de factos que, com toda a probabilidade, a revelem.
li. No caso em apreço, o A ausentou-se do serviço durante mais 10 dias úteis seguidos, não tendo ocorrido qualquer motivo de força maior impeditivo da comunicação ao empregador da causa da ausência, resultando claro que o trabalhador tinha intenção de não retomar o trabalho – o que se presume e o A não ilidiu tal presunção -, tem-se por verificada a situação de abandono de trabalho invocada pela R.
lii. Note-se que a R tinha, à data, pelo menos 46 trabalhadores a trabalhar em equipas por todo o país e ilhas, em obras civis, e o trabalhador residia e trabalhava na zona da ..., sendo os serviços administrativos e de direcção da R na zona do ..., pelo que não era exigível, sequer moralmente, à R inteirar-se da situação pessoal do A.
liii. A Direcção da R apenas tinha conhecimento que este teve um acidente de trabalho e que estava em situação de ITP, tendo depois gozado férias, continuando em situação de ITP de 30% e depois tendo estado de baixa médica.
liv. Como o A confirmou e confessou, a R, após a cessação da ITA e colocação do A em situação de ITP pelos Serviços Clínicos da Seguradora, submeteu-o aos serviços clínicos de medicina no trabalho que o consideraram apto para trabalhar e a R adaptaria o posto de trabalho do A às limitações físicas que este tinha à data, por isso lhe facultou o acesso aos serviços de medicina no trabalho.
lv. Não havia nenhum impedimento para o A retomar o seu trabalho.
lvi. A R apenas teve conhecimento que o A não retomou o seu trabalho, mas não soube, nem sabe, qual a razão dessa sua ausência.
lvii. A R tinha 46 trabalhadores ao seu serviço dispersos em obras por todos o país incluindo ilhas, pelo que nunca poderia aferir da situação pessoal do A, muito menos quando este nada disse.
lviii. A R é uma empresa, uma organização produtiva, é parte em contratos de empreitada e subempreitada e tem prazos a cumprir.
lix. A R tem de ter o trabalho dos seus trabalhadores organizado de molde a conseguir cumprir esses prazos, sob pena de incorrer em responsabilidade civil contratual.
lx. A R cumpre as suas obrigações sociais, também para com os seus trabalhadores, e não pode deixar de fazer cumprir as normas laborais também por respeito para com os seus trabalhadores, pois que se não cumprir os contratos que lhe estão adstritos não poderá gerar receitas suficientes para pagar aos trabalhadores, à Segurança Social, ao Fisco e à Seguradora dos Acidentes de Trabalho, para além das demais despesas de organização e produção que tem de custear.
lxi. A R não actuou com desumanidade para com o A, não se imiscuiu na vida deste, respeitou a protecção dos seus dados pessoais (dados pessoais do A) e cumpriu todas as suas obrigações para com o A.
lxii. O Tribunal recorrido pretendeu castigar a R de uma forma arbitrária e contra “legem” e sancionou-a de forma desproporcional a pagar ao A indemnização de valor muito superior ao pedido por este e de 35 dias por 17 anos de antiguidade do A.
lxiii. Não há qualquer desumanidade no procedimento adoptado pela R – ao invés do que refere o Tribunal recorrido, pelo que não tendo resultado provado o despedimento do autor, não poderá a R ser condenada em indemnização por antiguidade a favor do A, nem no pagamento dos salários de tramitação.
lxiv. Tem ainda o A de indemnizar a R, nos termos dos arts. 403º, n.º 5 e 401º do CT, em valor igual a 30 dias de retribuição (cfr. Art.º 400º, n.º 1 CT).
lxv. Assistia pois à R o direito a compensar os créditos laborais finais do A com o crédito da R. sobre o A de €665,00 – indemnização por abandono -, como o fez, à data da cessação do contrato de trabalho, sendo certo que os créditos laborais do A foram integralmente pagos pela A.
lxvi. A decisão recorrida violou, pois, o disposto nos arts 403º, 390º, n.º 1, 381º e 391º CT e 542º CPC.
lxvii. Nestes termos, requer-se a V.ªs Ex.ªs se dignem revogar a decisão recorrida substituindo-a por outra que julge a acção totalmente improcedente e a reconvenção procedente, e:
I) Declare que ocorreu abandono do posto de trabalho por banda do A;
II) Declare e condene o A a reconhecer que assistia direito à R de receber do A indemnização de €665,00 por força deste ter abandonado o seu posto de trabalho.
III) Mais declare e condene o A a reconhecer que assistia à R o direito a compensar tal quantia de €665,00 com créditos laborais do A existentes à data da cessação do contrato de trabalho.
IV) Condene o A como litigante de má fé.
*
O recorrido, com o patrocínio do Ministério Público, contra-alegou e formulou as seguintes conclusões:
1.º
A recorrente considera que a Sentença recorrida é nula por ter tomado conhecimento de questões das quais não podia tomar, nos termos do art.º 615.º, al. d) do CPC, concretamente, ao ter considerado como provados os factos enumerados em 21.º e 22.º, os quais não haviam sido alegados, sem que a mesma tivesse oportunidade de se pronunciar.
2.º
Dispõe o art.º 72.º do CPT que “1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil, se no decurso da produção da prova surgirem factos essenciais que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve o juiz, na medida do necessário para o apuramento da verdade material, ampliar os temas da prova enunciados no despacho mencionado no artigo 596.º do Código de Processo Civil ou, não o havendo, tomá-los em consideração na decisão, desde que sobre eles tenha incidido discussão”. (por nós sublinhado).
3.º
O Tribunal a quo em nosso entender, ao contrário da posição da recorrida, não tinha que dar cumprimento ao disposto no art.º 72.º, n.º 2, do CPT, já que foi na audiência de discussão e julgamento através de uma testemunha apresentada pela R. que o Tribunal teve conhecimento – aliás facto do qual a R. tinha sobejo conhecimento – que o A. se havia se apresentado numa obra e que a testemunha, BB, seu encarregado o havia informado que a obra estava concluída e que deveria contactar a R., contrariando a tese defendida pela R. de que o mesmo havia abandonado o seu posto de trabalho.
4.º
Por outro lado, labora em manifesto erro a recorrente quando refere que não teve oportunidade de produzir prova sobre os factos dados como provados em 21.º e 22.º já que questionou a referida testemunha sobre os mesmos – apesar de com este depoimento ser desconstruída a versão sempre alegada pela R. de abandono pelo A. do posto de trabalho como também, foi tal situação corroborada pela testemunha, CC, testemunha igualmente arrolada pela R.
5.º
Não vislumbra o Ministério Público forma mais ampla da R. se pronunciar sobre os factos considerados provados em 21.º e 22.º, do que questionar as testemunhas por si arroladas – BB e CC – sobre os mesmos, o que logrou fazer e alcançar.
6.º
Mais entende a recorrente que a Sentença é nula, não só por ter condenado a R. em indemnização superior à peticionada, como também, por valor distinto do peticionado pelo A. quanto às retribuições vincendas.
7.º
Salvo o devido respeito pela posição da recorrente, a Sentença não padece de nulidade e a condenação em valores distintos dos peticionados, teve por base o constante no art.º 74.º do CPT.
8.º
Ora tendo o Tribunal a quo considerado provado que o A. foi admitido em 31 de Janeiro de 2007 e foi despedido ilicitamente em 17 de Dezembro de 2022, bem como, os factos que justificavam a sua ausência - que se encontrava de baixa por ter sofrido um acidente de trabalho -, o Tribunal fundamentou a razão do valor da indemnização atribuída, dando cumprimento integral ao constante do art.º 74.º do CPT.
9.º
Labora em manifesto erro a recorrente, quando refere que o Tribunal a quo condenou em valor distinto do peticionado, em matéria de retribuições vincendas.
10.º
Efectivamente, em matéria de remunerações vincendas, o Ministério Público requer o seu pagamento no art.º 23.º da Petição Inicial, sem aludir a qualquer valor mensal de remuneração.
11.º
O Tribunal a quo fazendo apelo ao disposto no art.º 273.º do CT fixou o valor das remunerações vincendas, de acordo com a remuneração mínima mensal.
12.º
Pelo que a decisão recorrida não padece de qualquer das nulidades invocadas, devendo as mesmas serem consideradas totalmente improcedentes.
13.º
É nosso entendimento, que a recorrente faz “reparos” à matéria de facto considerada provada, sem que cumpra o disposto no art.º 640.º do CPC, já que não enuncia a decisão diversa que pretendia, limitando-se a fazer uma transcrição do depoimento prestado, sem dele retirar a sua apreciação critica.
14.º
Pode ler-se no Douto Acórdão do STJ de 01 de Outubro de 2015, publicado na página web, www.dgsi.pt, que “No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe”.
15.º
Ainda que o Venerando Tribunal considere que foi dado cumprimento ao disposto no art.º 640.º do CPC, entende o Ministério Público que a matéria de facto foi correctamente apreciada pelo Tribunal a quo e deverá ser mantida nos seus precisos termos, com a condenação da R.
16.º
Relativamente ao ponto 12.º da matéria de facto que o recorrente considera incorretamente, não alcança o Ministério Público, em relação a este, o que o recorrente pretendia ser o teor da decisão.
17.º
No que tange ao ponto 20.º da matéria de facto provada, considera o recorrente que deveria ser considerado não provado que “o A. tenha enviado email à R. remetendo o autor em anexo o certificado de incapacidade temporária para o trabalho desde 17 de Novembro de 2021 até 25 de Novembro de 2021 e, bem assim, o documento da seguradora com a atribuição de incapacidade temporária parcial de 30% desde 25 de Novembro de 2021 até 23 de Dezembro de 2021.
18.º
Salvo o devido respeito, não se vislumbra como dar não provado o facto que a própria testemunha da R. declara e que a R. considera que a mesma negou, atrevemo-nos a considerar este comportamento de Má Fé.
19.º
Mais considera a R. que deveria ser considerado como facto não provado, o facto elencado no ponto n.º 21.º e 22.º, no que tange da testemunha, BB, ser considerado encarregado da R..
20.º
A testemunha, BB, era trabalhador da R. e desempenhava as funções de encarregado da R., pelo que, não se vislumbra como dar não provado o facto que a própria testemunha da R. declara, atrevemo-nos a considerar este comportamento de Má Fé.
21.º
Considera a recorrente que o Tribunal a quo deveria considerar como provado, o facto n.º 4 dos factos não provados, precisamente, “Que a ré não tivesse notícias do autor desde o dia 25 de Novembro de 2021”.
22.º
Não encontra suporte probatório, em nosso entender, as alterações que a Recorrente pretende extrair da análise que faz dos depoimentos prestados pelas testemunhas, BB e CC. e pelo A..
23.º
Pelo que deverá a decisão recorrida que considera que inexistiu abandono do trabalho pelo A. e considerou o seu despedimento ilícito deverá ser mantida.
24.º
Será forçoso considerar que o A. nunca faltou ao serviço, que laborou para a recorrente 17 anos e que a ausência que permitiu a R. equacionar um suposto e alegado abandono foi decorrente de um acidente de trabalho que o A. sofreu em uma obra da recorrente.
25.º
Pelo que a decisão recorrida deverá ser mantida nos seus precisos termos e o recurso ser declarado, totalmente, improcedente.
*
II- Importa solucionar as seguintes questões:
- Se a sentença recorrida padece do vício de nulidade;
- Se deve ser alterada a decisão referente à matéria de facto;
- Se ocorreu abandono do trabalho;
- Se a R. tem direito a uma indemnização pelo abandono do trabalho;
- Se ocorre litigância de má fé.
*
III- Apreciação
Vejamos, em primeiro lugar, o invocado vício de nulidade da sentença.
Invoca a recorrente o vício de nulidade, por excesso de pronúncia (art.º 615º, nº1, d) do CPC) no que concerne aos pontos 21, 22 e segunda parte do nº 20 dos factos assentes.
No âmbito do processo nº 13419/19.4T8SNT.L1 (Acórdão de 24 de Novembro de 2021 relatado pela ora relatora) foi referido:
«Invoca a recorrente o facto de ter sido proferida uma decisão surpresa e a violação do princípio do contraditório.
Estatui o art.º 72º, nºs 1 e 2 do CPT:
« 1- Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil, se no decurso da produção da prova surgirem factos essenciais que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve o juiz, na medida do necessário para o apuramento da verdade material, ampliar os temas da prova enunciados no despacho mencionado no artigo 596.º do Código de Processo Civil ou, não o havendo, tomá-los em consideração na decisão, desde que sobre eles tenha incidido discussão.
2- Se os temas da prova forem ampliados nos termos do número anterior, podem as partes indicar as respetivas provas, respeitando os limites estabelecidos para a prova testemunhal; as provas são requeridas imediatamente ou, em caso de reconhecida impossibilidade, no prazo de cinco dias.»
No caso concreto não foram fixados os temas de prova
Resulta do disposto no art.º 72º, nº 1 do CPC, a possibilidade de juiz tomar em consideração factos essenciais, que, embora não articulados, sejam relevantes para a boa decisão da causa, desde que sobre eles tenha incidido discussão.
Numa primeira abordagem poderíamos afirmar que não se exige que o juiz consigne na acta da audiência os novos factos relevantes (neste sentido, Acórdão da Relação do Porto de 28.03.2011- relator Desembargador Eduardo Petersen - www.dgsi.pt ).
Entendemos, porém, que embora a situação em apreço não tenha enquadramento no nº2 do art.º 72º do CPT (que regula a tramitação subsequente à ampliação dos temas de prova), a necessidade do exercício do contraditório resulta do disposto no nº 3 do art.º 3º do CPC (aplicável por força do disposto no art.º 1º, nº 2, a) do CPT).
Conforme refere o Sr. Desembargador Ferreira Marques ( em conferência realizada no dia 19 de Setembro de 2007 no Supremo Tribunal de Justiça, sob tema “PROCESSO LABORAL E O JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO”) : « Não havendo base instrutória1, o juiz deve consignar esses novos factos na acta da audiência e depois convidar as partes a indicar as respectivas provas».
No mesmo sentido, refere Alcides Martins in “Código de Processo do Trabalho e Legislação Complementar”, pá. 82, em anotação ao art.º 72º do CPT : « (…) quando se verificar que não existem no processo temas de prova ( por o processo ter sido considerado sem complexidade), então o juiz só poderá tomar em conta tais factos na sentença, se sobre eles tiver havido discussão, ou seja observado o contraditório. Para tanto, terá que haver um pronunciamento prévio pelo juiz».
No caso subjudice verificamos que não ocorreu tal pronunciamento prévio quanto aos factos dados como provados sob 16 a 20, pelo que estamos perante uma decisão surpresa no que concerne à matéria de facto.
Verificamos que ocorrem diversas posições jurisprudenciais quanto às consequências da violação do princípio do contraditório.
Os Acórdão desta Relação de 19.04.2012 (relator Desembargador Ezaguy Martins) e de 11.01.2011 (relator Desembargador António Santos)- www.dgsi.pt- defendem que tal violação integra uma nulidade processual.
Os Acórdãos da Relação do Porto de 08.10.2018 (relatora Desembargadora Ana Paula Amorim) e desta Relação de Lisboa de 19.11.2020 (relatora Desembargadora Cristina Neves) - www.dgsi.pt – defendem que estamos perante uma nulidade da decisão por omissão de pronúncia.
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.10.2020- www.dgsi.pt (relator Conselheiro António Magalhães) tomou posição no sentido de a prolação de decisão surpresa integrar uma nulidade por excesso de pronúncia.
Concordamos com este entendimento.
Com efeito, ao proferir uma decisão surpresa, sem observância do princípio do contraditório, o Tribunal a quo conheceu de questões de facto de que não podia tomar conhecimento- vide arts. 3º, nº 3 615º, nº 1, d) do CPC.
Assim e atentas as razões indicadas, concluímos que a sentença padece do vício de nulidade.»
Vejamos, agora, o caso concreto.
Entende a relatora que as razões indicadas no citado Acórdão aplicam-se ao caso em apreço, pelo que não poderão ser considerados os factos indicados sob os nºs 21, 22 e segunda parte do nº 20 dos factos assentes.
Entendem os Juízes Adjuntos que a prolação de decisão surpresa integra nulidade processual.
Por indicação do senhor Presidente da Secção, o Acórdão será lavrado pela relatora (art.º 663º, nº4 do CPC).
Cumpre, por isso, decretar a nulidade processual, por violação do princípio do contraditório e não atender aos factos indicados sob os nºs 21, 22 e segunda parte do nº 20 dos factos assentes.
Não obstante a verificada nulidade, entende o Tribunal colectivo, pelas razões infra indicadas, que não será necessário remeter os autos à 1ª instância.
*
Invoca ainda a recorrente o vício de nulidade, por excesso de pronúncia, no que concerne à indemnização arbitrada e aos salários intercalares.
A situação invocada não configura, contudo, o vício de nulidade previsto na alínea d) do nº1 do art.º 615º do CPC, mas sim o vício de nulidade previsto na alínea e) do nº1 do citado preceito legal.
Invoca o recorrido o preceituado no art.º 74º do CPT.
Verificamos que, não obstante a recorrente ter invocado na petição inicial o direito aos salários intercalares, apenas formulou pedido nos termos acima indicados.
Ocorreu, por isso, condenação para além do pedido.
É certo que o art.º 74º do CPT permite a condenação extra vel ultra petitum.
No caso concreto, não estamos perante direitos indisponíveis, uma vez que cessou a relação laboral estabelecida entre as partes e já não ocorre subordinação jurídica (neste sentido, vide, designadamente Acórdão do STJ, de 03.04.1991- www.dgsi.pt ).
Procede, desta forma, o invocado vício de nulidade.
*
Invoca ainda a recorrente o vício de nulidade, por contradição entre os factos provados e não provados.
Refere a recorrente: «Na verdade, fez-se constar da sentença recorrida o seguinte:
12. No dia 29 de Outubro de 2021, o autor apresentou-se no seu local de trabalho, sendo que, nessa data e até 12 de Novembro de 2021 e como o autor se queixasse de não estar em condições de retomar o seu trabalho, foi-lhe concedido o gozo de 10 dias úteis de férias.
(…) E tal encontra-se em contradição com a matéria de facto não provada dos pontos 2. e 3., o que encerra nulidade a que alude o art.º 615º, al. c) CPC.»
A situação descrita não configura, contudo, o vício de nulidade previsto na alínea c) do nº1 do art.º 615º do CPC e poderia, quando muito, determinar a aplicação do disposto na alínea c) do nº2 do art.º 662º do CPC.
No entanto, desde já, se dirá que não vislumbra qualquer contradição entre os factos provados sob 12 e os factos provados sob 2 e 3 (atinentes apenas à iniciativa do gozo de férias do ora recorrido).
Improcede, neste aspecto, o invocado vício de nulidade.
*
Vejamos, agora, se a decisão referente à matéria de facto deve ser alterada.
Atentas as razões acima indicadas, mostra-se prejudicado o conhecimento da impugnação no que concerne aos factos indicados sob os nºs 21, 22 e segunda parte do nº 20.
Defende a recorrente que no ponto 12 dos factos provados não deverá ficar consignado que o gozo do período de férias foi concedido por o A se queixar de não estar em condições de retomar o trabalho.
Defende ainda a recorrente que deverão ser considerados provados os factos indicados sob 3 e 4 da factualidade dada como não assente.
Refere a sentença recorrida:
«(…) A matéria de facto provada constante do ponto 12. alicerçou-se na valoração conjunta do depoimento de parte do autor que, nesta sede, é pelo tribunal valorado com fundamento no princípio da livre apreciação da prova, e dos depoimentos das testemunhas BB e CC. Na verdade e sem prejuízo de se não ter logrado apurar, com rigor, se a iniciativa do gozo de férias partiu de pedido do autor ou de sugestão/indicação da ré, o certo é que dúvidas de relevo inexistem quanto à circunstância de, então, o autor ter entrado em gozo de férias por 10 dias úteis motivados, de sobremaneira, pelo facto de se queixar de não se sentir em condições de retomar a sua actividade laboral. Tanto foi o referido seja pela testemunha BB, trabalhador da ré e, ao tempo, o encarregado da obra à qual o autor estava alocado e se dirigiu, seja pela testemunha CC, também trabalhadora da ré com funções na área de recursos humanos. O autor, no seu depoimento de parte, acabou por referir que se apresentou ao trabalho no início de Novembro de 2021 e não no dia 29 de Novembro, conforme consta da sua petição inicial, daí que se haja valorado o que referiu em conjunto com a demais prova.
(…)
A matéria de facto provada constante do ponto 20. alicerçou-se, fundamentalmente, no depoimento da testemunha CC que referiu expressamente, em sede de audiência final, a matéria ora em fundamentação, dela revelando conhecimento directo porquanto foi quem recepcionou o email em questão, situando-o no dia 29.11.2021. Mais se alicerça no documento de fls. 32, dos autos.
A matéria de facto provada constante dos pontos 21. e 22. alicerçou-se no depoimento da testemunha BB, já identificada, e que expressamente a referiu. Trata-se de matéria que não foi articulada por nenhuma das partes mas que resultou da prova produzida, sobre ela incidiu discussão e puderam, naturalmente, as partes dela ter conhecimento. O tribunal adita-a por apelo aos poderes que lhe são consentidos pelo art.º 72.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, atenta a sua manifesta relevância para a boa decisão da causa.
(…)
FACTOS NÃO PROVADOS
A matéria de facto não provada constante dos pontos 1., 2. e 3. alicerça-se nos mesmos meios de prova, fundamentos e considerandos expostos na fundamentação do facto provado sob o ponto 12..
A matéria de facto não provada constante do ponto 4. alicerça-se nos mesmos meios de prova, fundamentos e considerandos expostos na fundamentação dos factos provados sob os pontos 20., 21. e 22..»
Auditada a prova, entendemos que, pelas razões indicadas, a sentença recorrida não oferece, nesta parte, reparo.
Com efeito, do cômputo da prova produzida resulta que o A. se queixou que não estava em condições de trabalhar. No que concerne ao gozo de férias, não resulta, com a necessária segurança, se a iniciativa das mesmas deverá ser imputada à ora recorrente ou ao ora recorrido.
Improcede, desta forma, o recurso quanto à matéria de facto.
*
Os factos provados são os seguintes:
1. A ré tem por objecto social a fabricação de tubos circulares e condutas rectangulares metálicas e respectivos acessórios. Instalações especiais, nomeadamente: obras de isolamento térmico e instalação de canalizações e de climatização; instalação e manutenção de equipamentos de segurança contra incêndios em edifícios; instalação, manutenção e reparação na área da protecção passiva contra incêndios. Construção e engenharia civil e obras públicas. Comércio, importação, exportação e apresentações de material e equipamentos para a construção civil. Indústria de serralharia.
2. Datado de 31 de Janeiro de 2007, autor e ré subscreveram o convénio denominado “Contrato de Trabalho a Termo Certo” nos termos do qual o autor se obrigou, a partir do dia 1 de Fevereiro de 2007, a, ao serviço da ré, exercer as funções de ajudante, com a categoria de servente, mediante a retribuição mensal de €405,00 e subsídio de alimentação no valor de €6,25, por cada dia de trabalho efectivo.
3. O convénio referido em 2. converteu-se em contrato sem termo.
4. Ultimamente, o autor exercia as funções inerentes à categoria profissional de técnico de frio.
5. E auferia a retribuição de €665,00, acrescida de subsídio de alimentação no valor diário de €6,25.
6. Datada de 17 de Dezembro de 2021 e recebida pelo autor, a ré endereçou-lhe missiva, sendo o seguinte o seu teor:
«(…)
Exmo. Sr.,
Desde o passado dia 29 de Novembro, que V. Exa. falta ao serviço desta firma, não tendo entregue qualquer comunicação do motivo da ausência, a qual se verifica por mais de 10 dias úteis seguidos, até à presente data.
De acordo com o disposto no artigo 403.º do Código do Trabalho, presume-se que V. Exa. abandonou o trabalho, não havendo da sua parte intenção de o retomar, pelo que, pela presente comunicação e nos termos do n.º 3 do citado artigo, permitimo-nos considerar que V. Exa. se encontra definitivamente desvinculado do contrato de trabalho que nos unia, por motivo de abandono, com todas as consequências legais daí decorrentes. (…)».
7. O autor estava ausente do seu local de trabalho desde 29 de Novembro de 2021.
8. O autor foi vítima de acidente de trabalho no dia 30 de Junho de 2021.
9. Na sequência do evento referido em 8., o autor esteve em situação de incapacidade temporária absoluta até 28 de Outubro de 2021.
10. Tendo-lhe sido atribuída, nesta data, incapacidade temporária parcial de 30% até 25 de Novembro de 2021.
11. E, mais tarde, em 25 de Novembro de 2021, novamente incapacidade temporária parcial até 23 de Dezembro de 2021.
12. No dia 29 de Outubro de 2021, o autor apresentou-se no seu local de trabalho, sendo que, nessa data e até 12 de Novembro de 2021 e como o autor se queixasse de não estar em condições de retomar o seu trabalho, foi-lhe concedido o gozo de 10 dias úteis de férias.
13. No dia 15 de Novembro de 2021, o autor apresentou-se para exercer as suas funções, o que fez cerca de duas horas no período da manhã.
14. Após, transmitiu ao encarregado da ré que no período da tarde já não iria trabalhar porque tinha uma consulta.
15. O autor não apresentou na ré qualquer justificação para não exercer as suas funções no período da tarde, designadamente, o comprovativo da ida à consulta.
16. No dia 16 de Novembro de 2021, o autor não compareceu para exercer funções.
17. Sendo que, nessa ocasião, telefonou ao encarregado da ré dizendo que não ia trabalhar por estar pior e que iria ficar de baixa.
18. O autor não apresentou à ré qualquer justificação da sua ausência relativa ao dia 16 de Novembro de 2021.
19. No dia 26 de Novembro de 2021, o autor não se apresentou ao trabalho e nem apresentou justificação para o efeito.
20. No dia 29 de Novembro de 2021, o autor enviou email à ré, remetendo o autor em anexo o certificado de incapacidade temporária para o trabalho desde 17 de Novembro de 2021 até 25 de Novembro de 2021.
21. (Eliminado).
22. (Eliminado).
23. No mês de Julho de 2021, a ré pagou ao autor a quantia ilíquida de €665,00, a título de subsídio de férias.
24. No mês de Dezembro de 2021, a ré pagou ao autor a quantia ilíquida de €356,74, a título de subsídio de Natal.
25. No mês de Dezembro de 2021, a ré processou ao autor o vencimento de €665,00, o subsídio de alimentação de € 125,00, os proporcionais de férias e subsídio de férias, no valor, cada, de €387,92, e férias não gozadas no valor de €302,27, tudo valor ilíquido de €1.868,11.
26. Nesse mesmo mês, a ré descontou ao referido valor, a título de falta injustificada, a quantia de €665,00, a título de desconto por abandono do trabalho, a quantia de €665,00, a título de desconto do subsídio de alimentação, a quantia de €125,00, e, a título de desconto para a Segurança Social e para IRS, as quantias de €118,59 e €27,00, respectivamente, no total de €1.600,59.
27. Vindo a liquidar ao autor a quantia líquida de €267,52.
*
Vejamos, de seguida, se ocorreu abandono do trabalho.
Foram os seguintes os pressupostos da sentença recorrida:
« Nos termos do disposto no art.º 403.º, n.º 1, «[c]onsidera-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador do serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelam a intenção de não o retomar», sendo que se presume o «abandono do trabalho em caso de ausência de trabalhador do serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador seja informado do motivo da ausência» (n.º 2 do art.º 403.º). Tendo presente o n.º 3 do mesmo preceito, saliente-se que «[o] abandono do trabalho vale como denúncia do contrato, só podendo ser invocado pelo empregador após comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo, por carta registada com aviso de recepção para a última morada conhecida deste». Finalmente, saliente-se que a presunção estabelecida no n.º 2 do art.º 403.º pode ser ilidida pelo trabalhador mediante a prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação ao empregador da causa da ausência.
(…)
Doutro passo, são pressupostos da cessação do contrato por parte da entidade empregadora, com base em abandono do trabalho os seguintes: (i) a ausência injustificada do trabalhador ao serviço; (ii) que essa ausência seja acompanhada de factos concludentes no sentido de que o trabalhador não tem intenção de retomar o trabalho ou que o período de ausência seja de, pelo menos, 10 dias úteis seguidos sem que seja comunicado o motivo da ausência, caso em que funciona a presunção de abandono estabelecida no n.º 2; (iii) que a entidade patronal comunique a cessação do contrato por carta registada com aviso de recepção para a última morada conhecida do trabalhador.
Isto posto, temos por certo que a ausência injustificada do trabalhador ao serviço, pelo menos pelo período de 10 dias seguidos, é a base factual em que assenta o abandono de trabalho. Contudo, essa base factual não é, por si só, suficiente para permitir ao empregador a invocação do abandono de trabalho. Na verdade, é também necessário que a ausência ocorra num contexto circunstancial que indicie a vontade do trabalhador de não voltar ao trabalho, isto é, de pôr termo ao contrato de trabalho. É que, quanto ao denominado animus extintivo, é imperioso notar-se que, tal como resulta da lei, para que se entenda existir abandono do trabalho não basta a mera verificação da ausência do trabalhador: a essa ausência têm que acrescer factos que, com toda a probabilidade, indiquem que o trabalhador não tem intenção de retomar o trabalho, sendo que esta última tem de revelar-se com toda a probabilidade, não sendo, pois, suficiente uma mera verosimilhança. E compreende-se que assim seja: equivalendo o abandono do trabalho à “denúncia do contrato”, a vontade de o “denunciar”, ainda que tacitamente manifestada, deve ser séria e inequívoca
Tal como nos refere o Prof. Pedro Furtado Martins, «(...) o empregador não pode invocar o abandono do trabalho, quando conhece ou tem obrigação de conhecer que a ausência, mesmo que prolongada, se deve a outros motivos que não a vontade do trabalhador terminar o contrato. (...) Em suma, desde que o empregador tenha ou deva ter conhecimento do motivo subjacente à não-comparência ao serviço, não pode dizer-se que a ausência revela a intenção do trabalhador de não retomar o trabalho».
(…)
Tendo presentes os factos provados, está o tribunal em crer inexistirem dúvidas de relevo no que concerne ao facto de desde o dia 29 de Novembro de 2021 o autor não mais ter prestado funções ao serviço da ré. Trata-se de facto, aliás, provado e confessado pelo próprio autor (cfr., o facto provado sob o ponto 7.).
Também para nós não existem dúvidas de relevo quanto à circunstância de o autor dever ter justificado, após 26 de Novembro de 2021, de alguma maneira, as suas ausências, imposição que decorre não apenas dos deveres laborais a que está adstrito, mas, de sobremaneira, do princípio da boa fé, de especial relevo no âmbito do contrato de trabalho, atenta a sua natureza intuitu personae.
Do exposto não decorre, todavia, face aos factos provados, que pudesse a ré concluir, como fez e com todo o respeito, pelo abandono do posto de trabalho. Na verdade, tal como, acima, se teve ensejo de referir, a mera ausência – que a ré reputou injustificada – por período igual ou superior a 10 dias úteis não confere a automaticidade que infere a ré do regime do abandono do posto de trabalho, antes tem aquela ausência que ser acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, indiquem que o trabalhador não tem intenção de retomar o trabalho, sendo que esta última tem de revelar-se com toda a probabilidade, não sendo, pois, suficiente uma mera verosimilhança.
E assim concluímos com base na seguinte ordem de razões extraídas dos factos provados.
O autor sofreu um acidente de trabalho no dia 30 de Junho de 2021; nessa sequência esteve cerca de 4 meses incapaz para o exercício da sua actividade; apresentou-se ao trabalho e comunicou à ré que não se sentia em condições de trabalhar, sendo-lhe concedidos dias de férias; cessado o período de férias, o autor retomou o trabalho, por escassas horas, é verdade, vindo, mais tarde, concretamente em 29 de Novembro de 2021, a apresentar justificação para a larga maioria das suas ausências após 16 de Novembro de 2021, bem como novo certificado de incapacidade temporária de 30% da companhia de seguros; em meados de Dezembro de 2021, o autor contactou o encarregado da ré transmitindo-lhe estar à porta da obra, obra essa, entretanto, concluída, sendo-lhe tanto transmitido e dito que deveria indagar junto da ré em que obra deveria apresentar-se.
Perante o acervo factual provado e considerando, ainda, deter o autor antiguidade ao serviço da ré reportada ao ano de 2007 sem que dêem nota os autos de qualquer vicissitude negativa ocorrida no decurso da relação laboral, estamos em crer não se de todo deduzível do seu comportamento qualquer intenção de não retomar o seu trabalho e, no fundo, assumir comportamento associado a uma denúncia do contrato de trabalho. O tribunal não rejeita ou desconsidera a omissão do autor, nos termos que já referiu. Mas um mínimo de humanidade, de preocupação com o próximo, sejamos francos, aqui se imporiam à ré, face ao contexto de saúde do autor e aos largos anos de trabalho que lhe havia dedicado.
Em síntese, no contexto evidenciado nos autos, impor-se-ia também à ré, por apelo ao princípio da boa fé (art.º 126.º, n.º 1, do Código do Trabalho), que, antes de lançar mão do instituto em presença, averiguasse o sucedido. É evidente que o princípio da boa fé é recíproco no âmbito de relações jurídicas de natureza sinalagmática e que é verdade que o autor se demitiu, também, da sua obrigação de justificação da sua ausência, nos termos acima expostos. Seja como for e perante o seu comportamento e o contexto de saúde em presença não poderia a ré concluir, como concluiu, que era intenção do autor não mais retomar o trabalho.
Assim, e se é verdade que, em termos objectivos, se verifica o enunciado pressuposto do abandono do posto de trabalho, já quanto ao mais entendemos que a ré não dispunha de quaisquer elementos fácticos dos quais pudesse inferir não ser vontade do autor retornar ao seu posto de trabalho. Pelo contrário, todo o contexto que se verificava impunha-lhe avaliação absolutamente diversa, do mesmo passo que também o princípio da boa fé lhe imporia comportamento alternativo, qual fosse indagar do estado de saúde do seu trabalhador, vítima de acidente de trabalho ao seu serviço!
Destarte, entende-se que a ré não poderia, como fez, apelar à figura do abandono do posto de trabalho para, dessa forma, equivaler a ausência do autor à denúncia, por este, do contrato de trabalho. Ao invés, os factos que dispunha e que de resto resultam dos factos provados demonstram, inequivocamente, que o comportamento do autor não poderia ser interpretado no sentido em que o foi.
Tendo a ré procedido à comunicação a que alude o art.º 403.º sem que se verificassem os pressupostos nele enunciados, temos, pois, que a sua conduta equivale ao despedimento do autor, despedimento esse ilícito justamente pela ausência de substrato factual ou normativo que o legitimasse, o que se declara. »
Vejamos.
Não obstante não terem sido considerados os pontos 21, 22 e segunda parte do ponto 20 dos factos provados, entendemos que a matéria dada como assente é suficiente para concluirmos, pelas razões que passaremos a indicar, que a entidade empregadora não deveria ter concluído pelo invocado abandono do trabalho
Conforme refere Pedro Furtado Martins in “Cessação do Contrato de Trabalho”, 4ª edição, pág. 606, não é lícito usar a presunção quando «perante as circunstâncias do caso, era exigível que o empregador conhecesse as razões da ausência».
Ora, no caso concreto, o trabalhador tinha sofrido um acidente de trabalho e estava numa situação de incapacidade temporária parcial para o trabalho. Ainda não lhe fora concedida alta definitiva. Dos elementos de facto colhidos, resulta que a entidade empregadora deveria, de acordo com as regras da boa fé, ter procurado informação acerca da situação do sinistrado antes de concluir, de forma precipitada, pelo abandono do trabalho.
Concordamos, por isso, com a sentença recorrida quando considera que o caso em apreço não configura abandono do trabalho, mas sim despedimento ilícito.
Não tem, por isso, a recorrente direito a indemnização por abandono do trabalho.
*
Dos autos não resulta que as partes tenham actuado como litigantes de má fé, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 542º, nºs 1 e 2 do CPC.
Com efeito, dos autos não resulta que as partes tenham actuado, de forma instrumental, com dolo ou com negligência grave.
*
Atentas as razões acima indicadas e a fim de permitir que a condenação fique dentro dos limites peticionados, será alterada a decisão recorrida no que concerne aos pontos i.1) e i.2).
Procede, desta forma, parcialmente o recurso de apelação.
*
IV- Decisão
Em face do exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação e, em consequência, alterar os pontos i.1) e i.2) da decisão recorrida que passarão a ter a seguinte redacção:
(i.1) O Tribunal condena a R. a pagar ao A. a quantia de €10.560,57 (dez mil quinhentos e sessenta euros e cinquenta e sete cêntimos), a título de indemnização de antiguidade, sendo devidos juros moratórios, à taxa legal, a partir da data do trânsito;
(i.2) O Tribunal condena a R. a pagar ao A. a quantia de €665,00 (seiscentos e sessenta e cinco euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.
Mantém-se no mais a sentença recorrida.
Custas do recurso pela recorrente e pelo recorrido (sem prejuízo de apoio judiciário) na proporção do decaimento.
Registe e notifique.

Lisboa, 11 de Setembro de 2024
Francisca Mendes
Sérgio Almeida
Manuela Fialho
_______________________________________________________
1. Actualmente, dever-se-á ler: “Não havendo temas de prova…”