ACIDENTE DE TRABALHO
PROVA PERICIAL
JUNTA MÉDICA
PARECERES COMPLEMENTARES
INCAPACIDADE FUNCIONAL
COMISSÁRIO DE BORDO
IPATH
Sumário

1. O artigo 139.º, n.º 7 do CPT tem uma previsão muito ampla, admitindo na sua hipótese que o juiz possa determinar a realização de um exame pericial de cariz plural, o qual não é, rigorosamente, a junta médica a que alude o artigo 138.º.
2. A determinação judicial da realização de exames ou pareceres complementares prevista naquele preceito pressupõe que a junta médica inicialmente nomeada foi já realizada ou está em curso.
3. É à junta médica inicialmente nomeada que cabe emitir a opinião pericial final, perante o exame do sinistrado a que procedeu e os demais elementos que analisou por reputar necessários, cabendo depois ao tribunal decidir o pleito perante todo o acervo probatório constante dos autos.
4. Uma vez decidido pela autoridade da medicina aeronáutica que determinado trabalhador está definitivamente inapto (unfit) para exercer a actividade profissional de tripulante de cabine, tal não poderá deixar de ser ponderado no processo laboral com vista a emitir um juízo sobre a incapacidade laboral do sinistrado e a eventual IPATH, a par dos demais meios de prova a atender.
5. A aplicação do factor 1.5, previsto na alínea a) do ponto 5 das Instruções Gerais da TNI, deve ser efectuada, também, nos casos de IPATH.
(Sumário da autoria da Relatora)

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

П
1. Relatório
1.1. Os presentes autos emergentes de acidente de trabalho em que é sinistrado AA e entidade responsável a Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A., agora denominada Generali Seguros, S.A. reportam-se a um acidente ocorrido em 10 de Abril de 2018 e foram despoletados com base na participação da seguradora da ocorrência do indicado acidente.
A seguradora juntou então, além do mais, um relatório psiquiátrico subscrito pela Dra. BB que concluía pela atribuição ao sinistrado de uma IPP de 1% a 2% (fls. 6 a 8 verso).
Foi realizado exame médico na fase conciliatória, tendo o perito singular pedido parecer da especialidade de psiquiatria, que foi produzido, vindo a concluir que o sinistrado se encontrava afectado de uma IPP de 2%.
Realizada no dia 15 de Dezembro de 2021 a tentativa de conciliação sob a presidência do Ministério Público (fls. 62 e ss.), a mesma frustrou-se em virtude de o sinistrado não ter concordado com o grau de incapacidade que lhe foi atribuído pelo Sr. Perito Médico na fase conciliatória. O que determinou, então, a não conciliação entre as partes.
O sinistrado requereu exame por junta médica em 04 de Janeiro de 2022 (fls. 67 e ss.) formulando quesitos. Juntou relatório da especialidade de psiquiatria subscrito pela Dra. CC, que concluía por uma IPP de 25% com IPATH (fls 70 e ss.).
Juntou ainda a notificação que lhe foi remetida da decisão da Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) em 17 de Junho de 2021 subscrita pelo Dr. DD, Avaliador Médico (Medical Assessor) do Departamento de Certificação Médica da ANAC que, conhecendo do recurso interposto pelo sinistrado da anterior decisão da ANAC de 28 de Dezembro de 2020 – que o considerou inapto (Unfit) definitivamente para o exercício dos privilégios de Tripulante de Cabine, de acordo com o respetivo Relatório Medico (Medical Report) subscrito pelo AME Dr. EE –, veio a confirmar essa decisão considerando o sinistrado definitivamente inapto (Unfit) pata tal exercício, exarando na sua fundamentação que “[c]om efeito, resulta da avaliação aeromédica que lhe foi efetuada que padece de Perturbação de stress pós-traumático (código F43. l da CID-1 O). Tal situação, de acordo com o ponto MED.C.020 do Regulamento supra referido (e respetivos AMC associados) constitui fundamento para decisão de inaptidão médica, razão pela qual, no exercício das minhas competências enquanto Avaliador Médico da ANAC, informo V. Exa. que constitui intenção do signatário manter a decisão de inaptidão que lhe foi anteriormente comunicada em 27 de janeiro de 2021, uma vez que não estão reunidas as condições para o exercício em segurança dos privilégios do Atestado de Tripulante de Cabine, a título definitivo” (fls. 74 e ss.).
Foi em 10 de Janeiro de 2022 proferido despacho a designar data para a realização da junta médica, com o seguinte teor:
Admito o exame do sinistrado a realizar por junta médica, a qual será constituída por três peritos – n.º 2 do art.º 138.º e n.º 1 do art.º 139.º, ambos do CPTrabalho.
Para início do exame por junta médica a realizar neste tribunal designo o dia 26-01-2022, às 15h30.
Notifique.
As partes devem apresentar os peritos até ao início da diligência; se não o fizerem, o tribunal nomeia-os oficiosamente – n.º 5 do art.º 139.º do CPTrabalho.
Os senhores peritos responderão aos quesitos formulados pelo sinistrado no requerimento apresentado a 04-01-2022.”
As partes foram notificadas deste despacho por notificação elaborada pela secretaria no dia 13 de Janeiro de 2022, conforme certificação citius.
Iniciada a junta médica no dia 26 de Janeiro de 2022, sob a presidência do Mmo. Juiz a quo, os Exmos. Peritos médicos nomeados Drs. FF, GG, e HH foram ajuramentados e ficou a constar do respectivo auto, além do mais, o seguinte: “Para resposta aos quesitos, a Junta Médica entende por unanimidade que o examinando deve ser submetido a Junta Médica de Psiquiatria”.
A seguradora foi notificada deste auto em 28 de Janeiro de 2022 (fls. 79).
Na sequência da indicada sugestão dos peritos da junta médica, foi no tribunal a quo proferido em 15 de Fevereiro de 2022 despacho com o seguinte teor: “Diligencie pela submissão do sinistrado a Junta Médica da Especialidade de Psiquiatria, conforme sugerido, no prazo máximo de 30 dias”.
Foi solicitada ao Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I. P. a realização do referido exame da especialidade de psiquiatria na pessoa do sinistrado, pela secretaria, no dia 21 de Fevereiro de 2022 (conforme certificação citius).
A Coordenadora da Unidade de Psiquiatria e Psicologia Forense do INML comunicou ao tribunal que o exame pericial foi distribuído ao Hospital YY/XX - Departamento de Psiquiatria (fls. 83 verso), vindo a ser designado para a sua realização o dia 21 de Abril de 2022.
Em tal data foi realizado exame ao sinistrado pelos peritos Psiquiatras Dr. II, em representação do tribunal, Dra. BB em representação da seguradora e Dra. JJ, em representação do sinistrado, tal como indicado por este, sendo lavrado o auto de Junta Médica especialidade de Psiquiatria de fls. 98 e ss., subscrito em 13 de Maio de 2022, no qual ficou a constar ter sido decidido por unanimidade dos médicos solicitar, além do mais, documentação clínica e registos de todos os voos desde o acidente de trabalho e eventuais ocorrências durante os mesmos em que tenha surgido impacto negativo da sintomatologia psiquiátrica, a fim de os peritos elaborarem as conclusões periciais e resposta aos quesitos.
Determinada pelo tribunal a junção dos elementos solicitados, foi designado o dia 17 de Março de 2023 para concluir a avaliação e relatório da junta médica (fls. 133 verso), vindo o Coordenador da Actividade Pericial de Psiquiatria Forense a informar que a junta médica se reuniu nesse dia com o Dr. II e a Dra. BB, bem como a Dra. CC, em representação do sinistrado por “impossibilidade de comparência da Dra. JJ” (fls 135 verso e 140 verso).
No auto que ficou lavrado nesse dia 17 de Março de 2023 (vide fls. 141 verso e ss.)1, os peritos médicos psiquiatras responderam aos quesitos formulados pelo sinistrado do seguinte modo:
A. O requerente sofreu que lesões?
Sim (por unanimidade).
B. Em consequência dessas lesões o requerente ficou a padecer de perturbação de stress pós-traumático?
Não (por maioria pelo perito em representação do Tribunal e pela perita em representação da Seguradora). Na presente Junta Médica, e uma vez que a representante do Sinistrado é a subscritora do Relatório Médico-legal psiquiátrico (Honnus), constante das páginas 70 a 73, e se encontra em substituição da perita em Junta Médica anterior (Dra. JJ), mantém as conclusões no que se refere ao diagnóstico de Perturbação de Stress Pós-traumático, contrário à conclusão prévia.
C. Tendo incapacidade súbita para o voo?
Sim, no dia do acidente, o sinistrado não retomou funções por incapacidade súbita, física e psíquica, para o voo. Retomou o voo, posteriormente, após um período de incapacidade temporária, com limitações ao nível da frequência das escalas.
A perita em representação da Seguradora considera que nunca ficou demonstrada tal incapacidade súbita, apenas havendo registo da necessidade de esforços acrescidos.
D. Não conseguindo desempenhar cabalmente a sua profissão em condições de segurança?
Sim, por maioria, considera-se que o sinistrado apresentava níveis de ansiedade elevados, antes, durante e após o voo, com ansiedade antecipatória sintomática, que procurava atenuar mediante a toma de ansiolíticos, quando lhe foi requerido uma maior frequência semanal de voos. Neste contexto, e apesar de se manter a voar, acabou por não conseguir manter-se nas suas funções por incapacidade no exercício destas em ritmo habitual, para um tripulante de cabine.
Prejudicado pela resposta da perita em representação da Seguradora ao quesito anterior), já que está devidamente documentado que o Sinistrado desempenhou as suas funções ao longo de vários meses, ainda que com algumas adaptações.
E. Esta incapacidade impede-o de fazer a sua vida normal e profissional?
Sim, por maioria.
A perita em representação da Seguradora considera que não.
F. O que se traduz numa incapacidade permanente parcial?
Sim, por unanimidade.
A perita em representação da Seguradora considera que do AT resultou sintomatologia psiquiátrica que será, muito provavelmente permanente e que pode condicionar algum tipo de impacto laborai, apesar de não terem sido esgotadas as hipóteses terapêuticas.
G. Qual é o grau de IPP de que o A. Padece?
O perito do Tribunal pronuncia-se pela atribuição de Grau VI de IPP (Cap. X Grau IV - incapacidade acentuada). Na presente Junta Médica, e uma vez que a representante do Sinistrado é a subscritora do Relatório Médico-legal psiquiátrico (Honnus), constante das páginas 70 a 73, e se encontra em substituição da perita em Junta Médica anterior {Dra. JJ), mantém as conclusões no que se refere ao diagnóstico de Perturbação de Stress Pós-traumático, contrário à conclusão o Grau Grave, prévio (Cap. X - Grau III).
A perita em representação da Seguradora admite a existência de desvalorização pelo Cap. X -1 - Grau I, tal como proposto na perícia oficial do INMLCF.
H. Em caso afirmativo, qual é o quantitativo?
0 perito do Tribunal atribui 60% e a perita do sinistrado mantém a atribuição de 25% em avaliação médico-legal anterior, já citada supra.
A perita em representação da Seguradora admite a existência de IPP de 0,2 (2%), tal como proposto na perícia oficial do INMLCF.
I. Haverá necessidade de outras intervenções médicas para que fique melhor?
Sim, beneficiará sempre de intervenção médica psiquiátrica e intervenção psicológica psicoterapêutica. Segundo a perita em representação da Seguradora sim, mas apenas se for autorizado o regresso às suas funções, ainda que com adaptações.
J. Estão ou não, reunidas as condições para o exercício em segurança dos privilégios do Atestado de Tripulante de Cabine, a título definitivo?
Não, por maioria.
No entender da perita em representação da Seguradora, sim”. 
A seguradora veio arguir em 27 de Março de 2023 a nulidade deste exame pericial de psiquiatria que se mostra junto aos autos (a fls. 150 e ss.), o que reiterou em 1 de Abril seguinte após notificada do mesmo (fls. 158 e ss.), em suma, pelos seguintes fundamentos:
- não ter o exame de junta médica sido presidido por Juiz, nos termos do disposto no art.º 139.º, n.º 1, do CPTrabalho;
- não ter sido realizado na delegação do INMLC, IP, ou, se este não dispusesse de condições para tal, no Tribunal, em vez de num Hospital sem competência de avaliação do dano corporal nos termos do disposto no art.º 22.º, da Lei 45/2004, de 19 de Agosto;
- ter sido o sinistrado representado por peritas distintas nos dois dias em que se desenvolveu o exame, por ter sido necessário complementar o mesmo com outros elementos clínicos, não obstante se tratar de um único exame por junta médica, estando a 2.ª perita impedida de nele intervir por se ter pronunciado já nos autos sobre a incapacidade através de uma avaliação pericial privada junta pelo sinistrado;
- o perito do tribunal que interveio em tal exame não ter competência em avaliação de dano;
- o exame não se mostrar fundamentado.
Cumprido o contraditório, a Mma. Juiz a quo proferiu em 10 de Maio de 2023 despacho (a fls. 169 e ss.) em que julgou improcedentes as invocadas nulidades e do qual fez constar, designadamente, o seguinte:
«[…]
Dúvidas não há, em face dos transcritos normativos legais, que o Exame por Junta Médica a que alude o disposto no art.º 139.º, do CPTrabalho é, conforme bem refere a responsável, presidido pelo Juiz e terá de ter lugar no local definido pela Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, ex vi do disposto no art.º 105.º, n.º1, do CPTrabalho.
E, in casu, tal como resulta do relatório que supra se expôs, o Exame por Junta Médica a que alude o disposto no art.º 139.º, do CPTrabalho, que se iniciou nos presentes autos, cumpriu todos os formalismos legais.
De facto, teve lugar neste Tribunal e foi presidido por Juiz.
Questão distinta é a do exame ora posto em crise, que não se confunde com o Exame por Junta Médica a que alude o disposto no art.º 139º, do CPTrabalho.
De facto, conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 13-07-2016, no proc. 1491/14.8T2SNT.L1-4, disponível em www.dgsi.pt:
1- O exame por junta médica está sujeito à livre apreciação do julgador (art.º 389º do CC e 489º do CPC).
2- Esse exame colegial tem como pressuposto a aproximação máxima à inequivocidade da situação do sinistrado.
3- Sendo livremente apreciada pelo juiz, em princípio leigo nas matérias observadas, deve reunir-se das mais variadas cautelas de modo a que essa inequivocidade seja tangível.
4- Para isso a lei prevê a solicitação de esclarecimentos aos senhores peritos por eficiência, obscuridade ou contradição do relatório pericial como modo de superação de dúvidas suscitáveis pelo mesmo (artºs 1º, nºs 1 e 2, alª a), do CT e 413º e 485º do CPC).
5- E podem ser requisitados elementos auxiliares de diagnóstico (art.º 105º do CPT), determinar-se a realização de exames complementares e requisitados pareceres técnicos (art.º 139º do CPT). Entre estes avultam os realizáveis nos termos dos artºs 21º, nº 4, da Lei nº 98/2009 de 04.09 e 2º do DL nº 352/2007, de 23.10.
Ou seja, o exame pericial ora posto em crise, enquadra-se tão-só no segmento de realização de exames complementares e requisitados pareceres técnicos (art.º 139º do CPT), e tem por função, auxiliar os Srs. Peritos e, em sede decisória o Tribunal, na conclusão referente à fixação ao sinistrado de eventual incapacidade de trabalho resultante de acidente de trabalho ou doença profissional que determina perda da capacidade de ganho, aferir se tal incapacidade é absoluta ou parcial, os respectivos períodos, se a incapacidade é permanente ou temporária, o seu enquadramento na tabela nacional de incapacidade, e fixação de eventual coeficiente de desvalorização.
Ou seja, não são aplicáveis ao exame em causa as apontadas nulidades, por distinto do Exame por Junta Médica a que alude o art.º 139.º, do CPTrabalho.
Por outro lado, além de não resultar demonstrada nos autos a falta de habilitações dos Srs. Peritos que intervieram no exame da especialidade, lida e relida a Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, não se vislumbra que a mesma, sancione com a nulidade (ou outra invalidade) a circunstância de, no exame em causa, não terem sempre intervindo os mesmos Srs. Peritos.
Por fim, não padece o relatório junto de deficiência, obscuridade ou contradição, mostrando-se ainda as conclusões devidamente fundamentadas, ainda que de forma sintética.
Por todo o exposto, improcedem as invocadas nulidades.
[…]»
Foi interposto recurso deste despacho, o qual não foi admitido por decisão singular deste Tribunal da Relação proferida em 7 de Julho de 2023 (fls. 103 dos autos apensos) por se considerar que o despacho em apreço apenas pode ser impugnado no recurso que venha a ser interposto da decisão final.
Designada na 1.ª instância data para continuação do exame por junta médica inicialmente reunida, veio esta a reunir em 4 de Outubro de 2023, com os mesmos peritos que a compuseram em 26 de Janeiro de 2022, exarando-se no auto, além do mais, o seguinte:
A junta médica hoje reunida, decide por maioria dos médicos do tribunal e do sinistrado que o sinistrado tem uma Perturbação de Stress Pós-Traumático, de acordo com fundamentação constante do relatório de psiquiatria da perita do sinistrado e transcrito na Junta Médica de Psiquiatria final fls. 142v, configurando uma IPP de 25% pelo X 2 - grau III. Pela médica em representação do tribunal nesta junta, é esclarecido que o médico psiquiatra em representação do tribunal na Junta Médica de Psiquiatria não refere o diagnóstico efetuado nem fundamenta a valoração proposta (IPP de 60%), motivo pelo qual não pode ser subscrito este entendimento aí vertido.
Pelos médicos do tribunal e do sinistrado, é ainda referido que se entende que o sinistrado padece de IPATH pelos motivos referidos na Junta Médica de Psiquiatria pelos peritos respetivos, lembrando que o próprio psiquiatra da ANAC considerou o sinistrado Inapto permanentemente para tripulante de cabine pelas queixas psíquicas (transcrição fls. 143v.) Pelo perito em representação da responsável é subscrita a proposta da psiquiatra respetiva da JM de Psiquiatria, 2% de IPP sem IPATH, dado que não foi esgotado o potencial terapêutica.”
Concluiu a junta médica, por maioria, em atribuir ao sinistrado uma desvalorização de 0,375 com IPATH (0,25 x1.5 em decorrência da IPATH).
A seguradora, uma vez notificada, veio apresentar requerimento em 13 de Outubro de 2023 no qual, em suma:
- afirma que os peritos da junta médica partiram do pressuposto de que houve uma verdadeira junta médica de especialidade, o que é incompreensível,
- dá por integralmente reproduzido tudo o que já fora por si referido aquando da reclamação e arguição de nulidades da Junta Médica de Psiquiatria,
- afirma não resultar do auto, como devia ser, a razão por que os srs. peritos médicos do tribunal e do sinistrado se afastam da desvalorização feita pelo perito singular, e
- requer que os Srs. Peritos que realizaram a Junta Médica em 04 de Outubro de 2023, respondam aos pedidos de esclarecimentos que formula (vide fls. 222 e ss.).
A Mma. Julgadora a quo, em 24 de Novembro de 2023, debruçou-se sobre este requerimento, indeferindo-o, e proferiu de seguida sentença que concluiu com o seguinte dispositivo:
«[…]
Face ao exposto:
a) Fixa-se ao sinistrado a IPP de 37,5% com IPATH resultante da aplicação do factor de 1,5 sobre a incapacidade de 25%, sendo a alta reportada 22-09-2020; e
b) Condena-se a responsável seguradora a pagar ao sinistrado:
i) a quantia de €4.384,33, a título de indemnização devida pelos períodos de incapacidade temporária, à qual deverão ser descontadas as quantias entretanto pagas a tal título, se for o caso;
ii) a pensão anual e vitalícia de €15.684,22, com início em 23-09-2020, pagável no domicilio da Sinistrado, adiantada e mensalmente, até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, sendo que nos meses de Maio e Novembro deverão acrescer mais ¼, a título de, respectivamente, subsidio de férias e de Natal, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data de vencimento de cada uma delas até integral e efectivo pagamento;
iii), um subsídio por situação de elevada incapacidade permanente no montante de €4.599,95, devidos a partir de 23-09-2020, acrescido de juros de mora à taxa legal até integral e efectivo pagamento, bem como
iv) a quantia de €10,00 a título de despesas de transporte,
*
Custas pela responsável.
Valor da acção: €238.987,68 (art.º 120.º, do CPTrabalho)
[…]»
*
1.2. A seguradora, inconformada, interpôs recurso desta decisão de 24 de Novembro de 2023, bem como da anterior decisão de 10 de Maio de 2023, tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
“I. Vem o presente recurso interposto da sentença do Tribunal a quo proferida nos presentes autos, com a Ref.ª 147339864 e também do despacho com a Ref.º 144156786, do qual já havia recorrido.
II. A Recorrente apresenta recurso da Sentença que indeferiu o requerimento de 13.10.2023 (Ref.º46788202), no qual oportunamente reclamou do resultado da Junta Médica generalista que fixou ao sinistrado uma IPP (incapacidade parcial permanente) de 25% com IPATH (incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual), bonificada com o fator 1,5 para 37, 5%, por esta ter partido do pressuposto de que houve uma verdadeira Junta Médica de Psiquiatria, como tinha sido solicitado pelos senhores peritos,
III. Quando O Tribunal a quo, através de despacho com ref.ª 144156786, referiu expressamente que apenas houve um exame pericial complementar nos termos do art.º 139º/7 do CPT, mas durante toda a Junta Médica generalista deixou constar a indicação de que havia ocorrido antes uma Junta Médica da especialidade de psiquiatria (139º/1CPT).
IV. Foi ainda motivo de reclamação da Recorrente (nesse requerimento) o facto de haver uma discórdia entre os senhores peritos médicos que avaliaram o Recorrido nestes autos, sendo que houve quatro peritos médicos a pugnar pela IPP de 2% (dois do IML – pois foi pedido exame de especialidade pelo perito medico legal do exame singular e os dois em representação da seguradora – da Junta Medica generalista e da Junta Médica de psiquiatria); um a pugnar de forma não justificada pela IPP de 60%; e outros três médicos a pugnar pela IPP de 25%, com IPATH - sendo que uma delas foi a psiquiatra que o Recorrido contratou para emitir um parecer nesse sentido (junto anteriormente aos autos) - e os outros dois não justificam de todo porque concordam com esta posição e não com os 2 % defendidos pela perita psiquiatra da seguradora e pelo perito do IML.
V. Por fim, através do referido requerimento a ora Recorrente solicitou esclarecimentos à Junta Médica de 4 de outubro de 2023, que se consubstanciaram em 11 questões concretas e que o Tribunal a quo também indeferiu apenas com o argumento de que “se mostram fundamentadas e sustentadas nos elementos juntos aos autos, que discriminam, e sobre os quais se debruçam, inexistindo assim, qualquer deficiência, obscuridade ou contradição”.
VI. VI. Através do presente recurso a Recorrente impugna também o despacho já objeto do recurso apresentado a 26 de maio de 2023 (Ref.ª 45687874), que a 10 de julho de 2023 esta Relação de Lisboa (4.ª Secção) não admitiu, por considerar que o despacho em apreço apenas poderia ser impugnado no recurso que viesse a ser interposto da decisão final (Ref.ª 20272938).
VII. Tal despacho que aqui a Recorrente expressamente impugna indeferiu todas as nulidades arguidas e reclamações efetuadas no requerimento da Recorrente de 27.03.2023, com Ref.ª 45141085 e a condenou em custas pelo incidente, designando exame por Junta Médica, com os fundamentos de que não era aplicável à junta médica de psiquiatria as nulidades arguidas com base no artigo 139º do CPT porque o que havia nos autos era apenas um exame pericial complementar.
VIII. Sucede que, depois de não admitido o recurso do despacho, que a Relação considerou que devia ser impugnado a final, o Tribunal a quo realizou Junta Médica generalista deixando que os peritos desta decidissem como se tivesse ocorrido antes uma Junta Médica da especialidade de psiquiatria.
IX. Como resultado, esta Junta Médica fixou por maioria uma IPP de 25% com IPATH que apenas tinha sido votada por uma psiquiatra de entre os cinco psiquiatras que avaliaram o sinistrado nestes autos (uma no IML e quatro na Junta Médica de Psiquiatria, porque o sinistrado se fez apresentar por duas psiquiatras diferentes nas diferentes sessões da Junta) e que não justifica porque diverge do IML.
X. Por isso a Recorrente reclamou deste resultado e colocou 11 questões em sede de pedido de esclarecimentos e o Tribunal a quo, sem fundamentar concretamente, indeferiu uma vez mais as reclamações apresentadas e os esclarecimentos solicitados.
XI. Assim, o Tribunal a quo ao pugnar constantemente pela improcedência das invocadas nulidades, e pelo indeferimento das reclamações apresentadas e dos pedidos de esclarecimento concretamente efetuados, violou o princípio de contraditório da Recorrente, o que constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual por tal omissão ser suscetível de influir no exame ou na decisão da causa .rejeitado um meio de prova fundamental – um exame por junta médica da especialidade de psiquiatria, presidido pelo Juiz, nos termos do artigo 139º, n. º2, do CPT.
XII. A sentença em questão indeferiu o requerimento de 13.10.2023 com base num despacho de 10.05.2023, não abordando o referido nessa mesma reclamação e pedido de esclarecimentos e não permitindo que os Srs. Peritos respondessem as questões suscitas pela Recorrente.
XIII. Os Srs. Peritos partiram do pressuposto errado de que existiu uma verdadeira Junta Médica de Psiquiatria, como resulta expresso do auto de Junta Médica de 04.10.2023, fixando uma IPP de 25% com IPATH, que a juiz bonificou com o fator 1,5 em 37,5%, sem que haja evidências nos autos de que o Recorrido não é reconvertível em relação ao posto de trabalho e sem justificarem porque aderem à posição da perita do sinistrado e divergem de todos os outros, nomeadamente quais as razões objetivas de divergirem em tão grande escala da IPP fixada no exame singular do IML.
XIV. Quatro médicos pugnaram por uma IPP de 2% (médicos que realizaram o exame singular IML e parecer da especialidade solicitado pelo IML; a perita psiquiatra da seguradora e o perito da seguradora presente na Junta Médica de 04.10.2023).
XV. A IPATH apenas tem por base um relatório de um psiquiatra da ANAC que em nenhum momento foi ouvido no decorrer do processo e que é contrariado por inúmeros documentos juntos aos autos, nomeadamente fichas de aptidão médica para o trabalho, que demonstram que o sinistrado continuou a exercer a sua profissão, ainda que com limitações por vezes, sem que tenha sido reportado qualquer episódio de incapacidade para o trabalho.
XVI. É novamente impugnado o despacho de 10.05.2023, com a Ref.ª 144156786, que indeferiu as nulidades oportunamente arguidas e as reclamações efetuadas pela ora Recorrente do exame pericial por Junta Médica de psiquiatria, notificado à Recorrente em 22/03/2023 (Ref.ª 143402308), e junto ao processo em 21/03/2023 (Ref.ª 23008338), por:
a. não ter tal exame sido presidido por Juiz, nos termos do disposto no art.º 139.º, n.º 1, do CPTrabalho;
b. não ter tal exame sido realizado na delegação do INMLC, IP, ou, se este não dispusesse de condições para tal, no Tribunal e não num Hospital sem competência de avaliação do dano corporal – nos termos do disposto no art.º 22.º, da Lei 45/2004, de 19 de agosto;
c. no referido exame por junta médica, que ocorreu em dois dias diferentes, ter o sinistrado sido representado por peritas distintas, sendo que a segunda já havia proferido um Relatório a pedido do sinistrado, que este juntou aos autos;
d. os peritos que intervieram em tal exame, e sobretudo o perito designado pelo Tribunal, não tinha competência em avaliação de dano, não está inscrito no Colégio de Competência em Avaliação do Dano Corporal ou no Colégio de Competência em Peritagem Médica da Segurança Social;
e. o referido exame resultou em avaliações muito díspares entre si, duas delas (do perito do Tribunal e da segunda perita do Sinistrado) totalmente opostas à avaliação do exame singular, sem que este afastamento tenha sido fundamentado.
XVII. A Junta Médica da especialidade de Psiquiatria, realizada nos presentes autos, foi uma verdadeira Junta Médica de especialidade nos termos do artigo 139.º, n.º 2, do CPT, e não um mero exame/parecer complementar/técnico, nos termos do n.º 7 do mencionado artigo.
XVIII. O médico do IML que procedeu ao exame singular do Sinistrado no auto do exame médico de 04/12/2020, com Ref.ª 128134907, determinou “Deverá o(a) Examinando(a) ser submetido a exame complementar da especialidade de Psiquiatria, em estabelecimento e/ou por profissional idóneo, como por exemplo na Delegação do Sul do INMLCF (Lisboa)…”.
XIX. E foi precisamente com base neste exame complementar da especialidade de Psiquiatria que, o mesmo médico do IML, no auto de exame médico de 07/05/2021, com Ref.ª 130705648, fixou a data do acidente de trabalho, da consolidação das lesões, os períodos de incapacidade temporária e a Incapacidade permanente parcial (IPP) de 2%.
XX. Na fase conciliatória deste processo a perícia/exame singular exigiu um parecer da especialidade de Psiquiatria – que foi subscrito pela Dra. KK –
XXI. o Sinistrado não concordou com a proposta de conciliação feita pelo Ministério Público na fase conciliatória (conforme auto de não conciliação de 5/12/2021, com Ref.ª 134530483),
XXII. A Junta Médica agendada já na fase contenciosa do processo, solicitou, por unanimidade, a realização de uma Junta Médica da especialidade de Psiquiatria (cfr. Auto de exame por Junta Médica, de 26/01/2022, com Ref.ª135249221, subscrito pelo Sr. Juiz, pelo Sr. oficial de justiça e pelos três peritos da Junta Médica generalista, do qual decorre: Para resposta aos quesitos, a Junta Médica entende por unanimidade que o sinistrado deve ser submetido a Junta Médica de Psiquiatria).
XXIII. Isto mesmo decorre do despacho judicial de seguida proferido a 15/02/2022, com Ref.ª135659074, Diligencie pela submissão do sinistrado a Junta Médica da Especialidade de Psiquiatria, conforme sugerido, no prazo máximo de 30 dias. (destacado nosso)
XXIV. E, conforme foi oportunamente alegado pela seguradora Recorrente, aquando da oportuna arguição da nulidade da Junta Médica da especialidade de Psiquiatria (requerimentos da Recorrente de 01/04/2023, com Ref.ª 23102561 e de 27/03/2023, com Ref.ª 23059477) “a circunstância de se tratar de uma Junta médica de especialidade não altera o carácter obrigatório da presença do juiz, nos termos do artigo 139º do CPT. Neste sentido veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12-06-2019, relatado por Eduardo Sapateiro, processo n.º 1015/12.1TTLSB.L1-4:…
XXV. Face ao estatuído no número 2 do artigo 24.º da já referida Lei n. º 45/2004, de 19 de Agosto, ....o quadro legal atual impõe tal regra, que se justifica,..., por razões de imediatismo, celeridade, equacionamento correto das questões jurídicas e médico-legais, com reflexos jurídicos nos litígios em presença, que se podem suscitar e esgotamento dos aspetos relevantes quanto a elas, designadamente, quando os senhores peritos respondem aos quesitos formulados pelas partes e pelo tribunal (que pode, aliás, no próprio ato e Auto aditar novos quesitos, em resultado da discussão que se desenvolveu perante ele e com ele ao longo do mencionado exame). Sendo obrigatória a presença e presidência do juiz do processo, é óbvio que a sua ausência se traduz num ato violador do que, procedimentalmente, está consagrado no referido regime legal, o que nos reconduz ao regime das nulidades processuais secundárias que se mostram previstas nos artigos 195.º e 199.º do NCPC ….
XXVI. Arguida ou notada a irregularidade durante a prática de ato a que o juiz presida, deve este tomaras providências necessárias para que a lei seja cumprida.
XXVII. ..., tal presença e presidência têm a virtualidade de dar um conteúdo, profundidade, alcance e sentido finais e definitivos a essas juntas médicas que não possuem, as mais das vezes, na generalidade dos casos (como muitos dos juízes do trabalho sabem, por experiência própria e surge evidente nestes próprios autos) uma noção geral e total das questões que se suscitam nos autos e que são suscetíveis de encontrar também respostas nesse exame pericial. ”
XXVIII. A Junta Médica da Especialidade de Psiquiatria foi iniciada a 21/04/2022, (E-mail-Recibos, com Ref.ª 20910744 e de 22/04/2022, com Ref.ª 20915718) no Hospital XX, conforme notificação do Tribunal datada de 18/03/2022, com Ref.ª 136391741), e apenas terminada a 17.03.2023 (cfr. E-Mail - Recibos de 20 e 21/03/2023, com Ref.ª 23008338).
XXIX. Ora, no âmbito de um processo com um cunho essencialmente médico-legal, em que os médicos da especialidade não se entendem de todo quanto ao grau de incapacidade a fixar ao Sinistrado (não obstante a perita da seguradora concordar com o resultado do exame singular do IML), e em que a Junta Médica generalista remeteu a decisão dessa fixação para uma Junta da especialidade, a Senhora Juiz do Tribunal a quo não pode pronunciar-se validamente sobre qual das posições a aderir se nem sequer presenciou a Junta da especialidade.
XXX. Assim, verifica-se a nulidade oportunamente alegada pela Recorrente da referida Junta Médica de Psiquiatria, pelo que deve ser determinada a anulação da junta médica de especialidade já realizada e determinada a realização de nova junta médica da especialidade.
XXXI. Compareceram – para a continuação do referido exame por Junta Médica da especialidade de Psiquiatria o Dr. II, em representação do Tribunal, a Dra. BB em representação da Entidade Responsável e a Dra. CC, em representação do Sinistrado.
XXXII. Acontece que esta Junta Médica da especialidade de psiquiatria, requerida pelo Sinistrado, se iniciou no dia 21 de abril de 2022 e a Perita Psiquiatra que então representou o Sinistrado não foi a Dra. CC, mas sim, a Dra. JJ, que havia concordado com os demais colegas – Dr. II e Dra. BB – solicitar mais documentos citados nos autos antes de prosseguirem com a avaliação e redação de respostas aos quesitos. (cfr- E-mail-Recibos, com Ref.ª 20910744 e de 22/04/2022, com Ref.ª 20915718)
XXXIII. Significa isto que, em ambas as datas de Junta Médica, o Sinistrado devia ter sido representado pela mesma médica – Dra. JJ, aliás, por si indicada ao Tribunal através de Requerimento datado de 15/04/2022, com Ref.ª 20878906 – e, ao invés foi representado por peritas diferentes, fazendo comparecer na data de continuação (17.03.2023) da Junta Médica da especialidade de Psiquiatria iniciada a 21.04.2022 uma médica a quem já tinha encomendado um parecer médico junto aos autos com o seu Requerimento (117º nº 1 b) CPT), de 04.01.2022, com Ref.ª 20174700, como documento 2 (Relatório da Honnus).
XXXV. O Tribunal a quo sabe que o exame por Junta Médica de 17.03.2023 é uma continuação do iniciado a 21.04.2022, que aqui não se concluiu por os senhores peritos terem pedido, por unanimidade mais exames, mas tal continuação da junta médica não obsta a que se considere um único exame por junta médica, devendo estar presentes os mesmos intervenientes.
XXXVI. Afigura-se, ainda que, a Dra. CC, tendo subscrito o aludido Relatório da Honnus, junto como documento 2 do Requerimento (117º nº 1 b) CPT), de 04.01.2022, com Ref.ª 20174700, encontra-se numa situação de impedimento para ser nomeada perita no âmbito da perícia ordenada nos presentes autos pelas razões que se passam a expor.
XXXVII. Enquanto subscritora do aludido Relatório, a pedido do Sinistrado, preparado com a finalidade específica de instruir o Requerimento inicial da fase contenciosa (117º nº 1 b) CPT), de 04.01.2022, com Ref.ª 20174700, a Dra. CC está impedida para o exercício das funções de perito, nos termos do disposto no artigo 470.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 1º, n.º 2 al. a) do CPT.
XXXVIII. Como refere Lebre de Freitas4, “(…) passou a exigir-se ao perito garantias de imparcialidade dignificadoras da sua função que vão muito além das anteriores causas de inabilidade como testemunha”.
XXXIX.O disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 115.º do Código de Processo Civil é aplicável aos peritos e especificamente ao caso em concreto, pelo facto de a Dra. CC já se ter pronunciado sobre a matéria em discussão nos presentes autos quando subscreveu o Relatório junto pelo Sinistrado aos autos, ou seja, sobre os mesmos factos que fazem parte do objeto da perícia, e não poder, agora, “transmutar-se” em perita.
XL. A sua imparcialidade e idoneidade ficam, necessariamente, comprometidas, enquanto se encontra condicionado e com a consciência formada pelo que já afirmou no Relatório que subscreveu relativamente aos mesmos factos.
XLI. Os Peritos Psiquiatras do Tribunal e do Sinistrado, na referida Junta Médica de Psiquiatria, deram um parecer que dista notoriamente das conclusões do exame singular do IML que, de forma justificada,fixou uma IPP de 2%.
XLII. [C]omo ensina Teresa Magalhães 5 “devem os peritos do INML que intervierem em Juntas, esforçar-se por entender o resultado do exame singular efectuado, excepcionalmente se afastando dele. Caso, por razões bem claras e clinicamente explicáveis, haja necessidade de se afastar desse valor, deve apresentar a sua fundamentação para o facto, escrita no relatório da Junta”, o que não ocorreu
XLIII. No entender da perita do Sinistrado, deve ser a este fixada uma IPP de 25% com IPATH, conforme Relatório psiquiátrico, que ela própria subscreveu, já o médico que se encontrava em representação do Tribunal, Dr. II, sem qualquer competência de avaliação do dano, concluiu injustificadamente por uma IPATH, mas uma IPP de 60%; quando o IML, no exame singular, havia fixado apenas 2% (resultado com o qual concordou apenas a perita que estava em presentação da seguradora Recorrente, Dra. BB).
XLIV. Mesmo que a Junta da especialidade de Psiquiatria não enfermasse das nulidades oportunamente arguidas – o que não se concede e apenas se coloca como mera hipótese de raciocínio – seria imprescindível que os Senhores Peritos clarificassem as suas conclusões, na medida em que é absolutamente inconcebível e inaceitável concluírem por uma IPP 30 vezes superior à proposta pelo IML, sem que comprovarem o porquê de a sua avaliação sertão díspar,sob pena de ficar o Tribunal a quo não estar apto para tomar uma decisão quanto à incapacidade de que efetivamente ficou a padecer o Sinistrado.
XLV. O Código Deontológico da Ordem dos Médicos impõe a defesa do princípio de que nas juntas médicas deve participar um médico com a competência em avaliação de dano (inscrito no Colégio de Competência em Avaliação do Dano Corporal ou no Colégio de Competência em Peritagem Médica da Segurança Social), assim como um médico perito da especialidade ou das especialidades relacionadas com a situação clínica que motiva a peritagem.
XLVI. Acontece que o perito do Tribunal a quo não tem a competência de avaliação do dano conferida pela Ordem dos Médicos, nem qualquer curso de avaliação de dano, pelo que não estava preparado para assegurar a Junta Médica da especialidade de Psiquiatria, como bem o demonstra o e-mail enviado para os autos pela perita indicada pela ora Recorrente, Dra BB, em 21.04.2022, com Ref.ª 20910744, do qual resulta que nem elaborou auto da primeira sessão de Junta Médica, nem agendou a segunda data, apesar dos apelos das colegas.
XLVII. A perita apresentada pelo Sinistrado na segunda sessão da Junta Médica da especialidade, Dra. CC, insistiu num diagnóstico diferente daquele que tinham acordado os Colegas na Junta Médica inicial (cfr. pág. 13, ponto 6. Resposta aos quesitos, al. b) do doc.1 - Email, junto aos com E-Mail – Recibos do SNS, a 21/03/2023, Ref.ª 23008338) e violou ainda o Código Deontológico da Ordem dos Médicos. (artigos 101º e 102º).
XLVIII. O Tribunal a quo devia ainda ter identificado as outras matérias da Reclamação efetuada pela Recorrente e pronunciado sobre cada uma delas, designadamente pedindo esclarecimentos (como o facto de um atestado da ANAC, elaborado mais de três anos após o acidente não ser suficiente para fixar uma IPATH; não ter sido mencionada no relatório a DATA DE CONSOLIDAÇÃO médico-legal; e as avaliações do perito do Tribunal e da perita do Sinistrado/Recorrido violarem ainda as Instruções específicas constantes do Capítulo X Psiquiatria da TNI (Tabela Nacional de Incapacidades).
XLIX. Resulta claro que a junta médica realizada se encontra enferma de nulidades insanáveis, e que a Recorrente tinha razões atendíveis para arguir essas nulidades, e efetuar reclamações ao resultado do exame pericial nos termos em que o fez oportunamente e supra transcritos / reproduzidos.
L. Devem ser revogados a sentença condenatória proferida e o despacho recorrido (de 10.05.2023), porquanto violam o disposto no artigo 3º/3 do CPC, nos artigos: 139º, n.ºs 1 e 2, do CPT, 22.º e número 2 do artigo 24.º da Lei 45/2004, de 19 de agosto, alínea c) do n.º 1 do artigo 115.º, 195.º e 199.º do CPC, 101º e 102º do Código Deontológico da Ordem dos Médicos, e as Instruções específicas constantes do Capítulo X Psiquiatria da TNI (Tabela Nacional de Incapacidades), devendo ser ordenada a repetição da Junta Médica da especialidade de Psiquiatria, com outros peritos médicos, presidida pela Mma. Juiz, e anulado todo o processado ulterior a essa Junta, na qual devem ser respondidas todas as questões colocadas pela Recorrente.
Nestes termos, e nos que V. Exas. mui doutamente suprirão, julgando procedente o presente recurso e consequentemente revogando a sentença recorrida e o despacho impugnado, e ordenando a repetição da Junta Médica da especialidade de Psiquiatria, presidida pela Mma. Juiz., que responsa a todos os pedidos de esclarecimento colocados pela Recorrente, V. Exas. farão verdadeira e sã justiça.”
1.3. O sinistrado, apresentou contra-alegações em que concluiu no sentido da improcedência do recurso.
1.4. Mostra-se lavrado despacho de admissão do recurso (vide fls. 307).
1.5. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da manutenção da decisão recorrida em douto Parecer, ao qual apenas respondeu a recorrente, dele discordando.
Colhidos os “vistos” e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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2. Objecto do recurso
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Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art.º 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho – ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal, relacionadas com os dois recursos interpostos – do despacho de 10 de Maio de 2023 e da sentença, incluindo a decisão que a antecedeu – são as seguintes:
1.ª – saber se o tribunal a quo violou o princípio do contraditório ao indeferir as reclamações apresentadas pela seguradora em 1 de Abril e 13 de Outubro de 2023 e ao rejeitar um meio de prova;
2.ª – da impugnação do despacho de 10 de Maio de 2023 o que pressupõe se afira:
a) se o exame da especialidade de psiquiatria efectuado no Hospital XX padece de nulidade por não ter sido presidido por um juiz nos termos do disposto no art.º 139.º, n.º 1, do CPT;
b) se tal exame padece de nulidade por dever ter sido realizado na delegação do INMLC, IP, ou, se este não dispusesse de condições para tal, no Tribunal, e não num Hospital sem competência de avaliação do dano corporal nos termos do disposto no art.º 22.º, da Lei 45/2004, de 19 de agosto;
c) se o referido exame padece de nulidade por ter sido o sinistrado representado por peritas distintas nos dois dias em que se desenvolveu e por estar a segunda perita impedida por ter proferido um parecer a pedido do sinistrado, que este juntou aos autos;
d) se o mesmo exame é nulo por o perito designado pelo Tribunal que que nele interveio não ter competência em avaliação de dano, não estar inscrito no Colégio de Competência em Avaliação do Dano Corporal ou no Colégio de Competência em Peritagem Médica da Segurança Social;
e) se o referido exame é nulo por ter resultado em avaliações muito díspares entre si, duas delas (do perito do Tribunal e da segunda perita do Sinistrado) totalmente opostas à avaliação do exame singular, sem que este afastamento tenha sido fundamentado.
3.ª – da impugnação da sentença e do despacho que a precedeu versando sobre o pedido de esclarecimentos formulado pela seguradora em 13 de Outubro de 2023 relativamente ao exame final por junta médica realizado no dia 04 de Outubro de 2023, o que pressupõe se afira:
a) se o despacho que precede a sentença incorreu em nulidade por falta de fundamentação ou omissão de pronúncia ao indeferir a reclamação apresentada e os esclarecimentos pedidos;
b) se a sentença incorreu em erro de julgamento no que concerne à incapacidade laboral fixada ao sinistrado.
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3. Fundamentação de facto
3.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos
«1- O sinistrado exercia a profissão de Comissário de Bordo sob a direcção, autoridade e fiscalização de ZZ Airlines, S.A., com sede em ..., em execução do contrato de trabalho com esta celebrado, mediante a remuneração anual de €27.276,90 [(€ 1.585,35 x 14 (sal. Base e diuturnidades) + € 462,00 x 11 (outros subsídios))].
2- No dia 10-04-2018 às 07:30 horas, em ..., quando se encontrava a exercer a sua função, a aeronave onde se encontrava foi atingida por um raio, tendo regressado ao aeroporto de origem, sofrendo perturbação de adaptação com predomínio de sintomatologia ansiosa.
3- Resultando de tal acidente as lesões descritas na documentação clínica junta aos autos, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido.
4- Ficando afectado em consequência de tal acidente dos seguintes períodos de incapacidade temporária:
ITP 15% - 11-04-2018 a 18-07-2018 (99 dias)
ITA – 19-07-2018 a 11-01-2019 (177 dias)
ITP 15% - 12-011-2019 a 17-02-2019 (37 dias)
ITA – 18-02-2019 (1 dia)
ITP 15% - 19-02-2019 a 22-09-2021 (582 dias)
5- Bem como de uma I.P.P. de 37,5% com IPATH resultante da aplicação do factor de 1,5 sobre a incapacidade de 25%, sendo a alta reportada 22-09-2020.
6- Por conta dos referidos períodos de incapacidade temporária apenas se mostra comprovado nos autos o pagamento por parte da responsável da quantia €10.167,07, a título de indemnização devida por tais períodos.
7- Por contrato de seguro do ramo acidentes de trabalho/trabalhadores por conta de outrem, a entidade empregadora transferiu para a ré seguradora a responsabilidade infortunística por acidentes de trabalho ocorridos com trabalhadores ao seu serviço.
8- O sinistrado despendeu a quantia de €10,00 com deslocações ao Tribunal.»
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3.2. O artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art.º 1.º, n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho, determina o dever de a Relação, mesmo oficiosamente, “[a]nular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta.”
Reporta-se esta norma aos casos em que a decisão de facto apresenta patologias que não correspondem verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento, mas que inviabilizam a decisão jurídica do pleito e que devem ser solucionadas de imediato pela Relação ou, não sendo possível, por carência de elementos, poderão implicar a anulação do julgamento.
Ora no caso vertente, ainda que inexista dissídio quanto aos factos provados nos pontos 2. e 3. da decisão, ambos resultantes do acordado na tentativa de conciliação, não podemos deixar de notar que a redacção do primeiro, tal como se encontra na sentença – “2- No dia 10-04-2018 às 07:30 horas, em ..., quando se encontrava a exercer a sua função, a aeronave onde se encontrava foi atingida, tendo regressado ao aeroporto de origem, sofrendo perturbação de adaptação com predomínio de sintomatologia ansiosa” –, atenta a sua construção, não é clara quanto ao sujeito que sofreu a lesão podendo prestar-se a interpretações dúbias.
Também o ponto 3., que contém uma remissão genérica para a “documentação clínica junta aos autos” não esclarece a qual, ou quais, documentos se refere no âmbito da profusa documentação constante dos autos, a qual sempre é coincidente na descrição das lesões que o sinistrado sofreu em consequência do acidente, o que coloca óbvias dificuldades na determinação do seu conteúdo.
Analisada a decisão de facto, afigura-se-nos assim que a mesma padece de obscuridade nestes aspectos que a recorrente não aborda, os quais são de toda a relevância porque bolem com os factos essenciais que fundam a decisão de mérito e que, de acordo com o artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, deveriam estar correctamente descritos na sua materialidade e sem remissão genérica para outras peças processuais não especificamente identificadas.
A decisão, tal como a mesma se mostra enunciada – com uma construção frásica equivoca (o ponto 2.) e em parte por remissão para “a documentação clínica junta aos autos” (o ponto 3.) –, reveste-se de obscuridade, não permitindo aferir com clareza, perante a sua leitura, de que lesões ficou afinal afectado o sinistrado, o que é susceptível de inviabilizar a decisão jurídica do pleito. Melhor seria que a sentença houvesse especificado claramente no acervo factual as lesões e sequelas que decorreram do acidente, vg. para permitir no futuro uma análise mais rigorosa de eventuais situações de agravamento ou melhoria.
Entendemos, contudo, que esta Relação dispõe de todos os elementos necessários a sanar esta patologia, clarificando a decisão e aportando à mesma os factos concretos que o auto de tentativa de conciliação de fls. 63 e ss. revela, assim constando do processo todos os elementos que, nos termos do n.º 1 do artigo 662.º do CPC, permitem a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, neste ponto obscura.
Deste modo, alteram-se oficiosamente os pontos 2. e 3. da sentença, passando estes a ter a seguinte redacção:
2- No dia 10-04-2018 às 07:30 horas, em ..., quando o sinistrado se encontrava a exercer a sua função de comissário de bordo, a aeronave onde se encontrava foi atingida por um raio e regressou ao aeroporto de origem.
3- Em consequência de tal acidente, o sinistrado passou a sofrer de perturbação de adaptação com predomínio de sintomatologia ansiosa.
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4. Fundamentação de direito
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4.1. Da violação do princípio do contraditório e da alegada rejeição de um meio de prova
Alega a recorrente que o tribunal a quo violou o princípio do contraditório ao julgar constantemente improcedentes as invocadas nulidades e indeferir as reclamações apresentadas e os pedidos de esclarecimento concretamente efetuados, o que constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual por tal omissão ser suscetível de influir no exame ou na decisão da causa.
Alega, também, que o tribunal incorreu em nulidade por rejeitar um meio de prova fundamental: um exame por junta médica da especialidade de psiquiatria, presidido pelo Juiz, nos termos do artigo 139º, n. º2, do Código de Processo do Trabalho (vide a conclusão XI).
Vejamos.
Nos termos do preceituado no artigo 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil“[o] juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”
Deste regime decorre que o Tribunal não deve apenas assegurar que seja cumprido o princípio do contraditório, no sentido do atempado e recíproco conhecimento dos actos processuais e das questões suscitadas como deve o Tribunal, ele próprio, observá-lo, facultando às partes a possibilidade de se pronunciarem, salvo em caso de manifesta desnecessidade, em cada momento do decurso do processo quando decidir questões de facto ou de direito, ainda que cognoscíveis ex officio. Mesmo o princípio geral enunciado no artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, segundo o qual o juiz “não está sujeito às alegações das partes no que toca à indagação, interpretação e aplicação do direito” deve ser compatibilizado com a proibição absoluta das decisões surpresa constante do n.º 3 do artigo 3.º do mesmo diploma pelo que, antes da prolação da decisão final do processo deve ser facultado às partes o exercício do contraditório, sempre que a qualificação jurídica a adoptar ou a subsunção a um determinado instituto não correspondam à previsão das partes, expressa ao longo do processo2.
Ora o que os autos revelam é que o tribunal a quo decidiu todos os requerimentos apresentados pela ora recorrente, debruçando-se sobre os mesmos sempre após ouvir o que a propósito tinha a dizer a requerente e a parte contrária, quer no que concerne à arguição de nulidades do exame realizado no Hospital XX apresentada a fls. 158 e ss. (que corrige a de fls. 150 e ss.), quer no que concerne à reclamação apresentada a fls. 222 e ss. do relatório pericial da junta médica generalista realizada em 4 de Outubro de 2023 no tribunal.
E decidiu tais requerimentos fundamentando a sua decisão, não constituindo de modo algum violação do princípio do contraditório a circunstância de terem sido julgadas improcedentes as nulidades invocadas pela ora recorrente e de ser indeferida a reclamação por ela apresentada ou o pedido de esclarecimento efetuado.
Discorda a recorrente das decisões em causa, disso não temos dúvidas – e podem naturalmente discutir-se os seus fundamentos –, mas o facto de nas mesmas se terem indeferido os seus requerimentos não implica a respectiva nulidade por preterição de contraditório, não padecendo qualquer das decisões recorridas do vício formal em que se consubstancia a violação do artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, conjugado com o artigo 195.º do mesmo diploma.
Por outro lado, não se detecta também dos autos que o tribunal tenha rejeitado um exame por junta médica da especialidade de psiquiatria, presidido pelo Juiz, nos termos do artigo 139º, n. º2, do Código de Processo do Trabalho nem, a nosso ver, tal implicaria que incorresse em nulidade.
É dificilmente perceptível esta alegação da recorrente na medida em que quem despoletou a fase contenciosa dos presentes autos foi o sinistrado, que não se conformou com o resultado do exame médico singular realizado na fase conciliatória e, decorrido o prazo a que alude o art.º 119º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho, apresentou requerimento a requerer a realização de junta médica nos termos do artigo 138.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho, sem especificar que pretendia a realização de uma junta médica de especialidade de psiquiatria.
Não foi, pois, requerida, no momento próprio, por qualquer das partes, a realização de junta médica da especialidade de psiquiatria.
Bem, ou mal, o tribunal a quo designou a realização de exame por junta médica sem especificar que se trataria de a quo junta médica de especialidade, como resulta de fls. 78 (e se mostra transcrito no relatório supra), mas não indeferiu a realização de uma junta médica de psiquiatria que lhe houvesse sido requerida por qualquer das partes no início da fase contenciosa.
É certo – não podemos deixar de o sublinhar – que nos termos do artigo 139.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho “[s]e na fase conciliatória a perícia tiver exigido pareceres especializados, intervêm na junta médica, pelo menos, dois médicos das mesmas especialidades” e que na fase conciliatória deste processo o perito médico que realizou o exame singular pediu um parecer da especialidade de Psiquiatria conforme se infere do auto do exame médico de 04 de Dezembro de 2020 (fls. 25), parecer que foi emitido e subscrito pela Dra. KK (fls. 28), sendo com base neste exame complementar da especialidade de Psiquiatria que o mesmo médico do IML, no auto de exame médico de 07 de Maio de 2021, fixou a data do acidente de trabalho, da consolidação das lesões, os períodos de incapacidade temporária e a IPP de 2%.
Pelo que em bom rigor, por força do prescrito no indicado artigo 139.º, n.º 2, na junta médica a realizar nos presentes autos em conformidade com o artigo 138.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho deveriam intervir, pelo menos, dois médicos da especialidade de psiquiatria.
Acontece, porém, que em 10 de Janeiro de 2022 foi designada data para a realização da junta médica através do despacho acima reproduzido e que não tinha qualquer determinação de que a junta médica fosse integrada por médicos especialistas.
A recorrente foi notificada deste despacho de 10 de Janeiro de 2022 que designou a junta médica, por notificação elaborada pela secretaria no dia 13 de Janeiro de 2022, conforme certificação citius e nada veio arguir no prazo de 10 dias que o artigo 149.º do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art.º 1.º, n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho lhe concedia para arguir nulidades processuais, nem interpôs recurso de tal despacho, quer então, quer com o recurso interposto da decisão final.
E foi também notificada em 28 de Janeiro de 2022 do auto de exame de 26 de Janeiro de 2022, em que foram nomeados e ajuramentados os peritos que compõem a junta médica (fls. 79 e 82), nada arguindo no indicado prazo de 10 dias quanto à nomeação de peritos plasmada no indicado auto.
Ora as nulidades têm de ser arguidas ou no próprio ato ou, não sendo caso disso, em 10 dias a contar do seu conhecimento pela parte (artigo 199.º, n.º 1, do CPC), o que a ora recorrente não diligenciou por fazer no que concerne à composição do colégio de peritos.
Assim, a nulidade eventualmente verificada a este propósito ficou sanada, bem como esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria, devendo os autos prosseguir com a junta médica generalista composta pelos peritos que a iniciaram em 26 de Janeiro de 2022 e foram então devidamente ajuramentados no tribunal a quo, em diligência pericial presidida pelo Juiz (vide fls. 79), como bem determinou o tribunal a quo3.
Mas como surge então nestes autos a denominada “junta médica da especialidade de psiquiatria”?
O que o processo nos revela é que os peritos da junta médica generalista designada, uma vez reunidos no dia 26 de Janeiro de 2022, entenderam que, para eles próprios cumprirem a sua incumbência de responder em junta médica aos quesitos formulados, o sinistrado deveria ser submetido a uma “junta médica de psiquiatria”.
É o que resulta claramente do auto de junta médica, no qual ficou exarado que: “Para resposta aos quesitos, a Junta Médica entende por unanimidade que o examinando deve ser submetido a Junta Médica de Psiquiatria” (vide fls. 79).
E foi o que entendeu a Mma. Juiz a quo que, na sequência da indicada sugestão dos peritos da junta médica, ao proferir em 15 de Fevereiro de 2022 despacho em que determinou se “[d]iligencie pela submissão do sinistrado a Junta Médica da Especialidade de Psiquiatria, conforme sugerido, no prazo máximo de 30 dias”.
Foi então solicitada pela secretaria a realização do referido exame da especialidade de psiquiatria na pessoa do sinistrado ao Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I. P., no dia 21 de Fevereiro de 2022 (conforme certificação citius), o qual veio a ser distribuído por esta entidade ao Hospital YY/XX (fls. 83 verso).
Ou seja, e como bem diz a recorrente, foram os peritos da junta médica agendada já na fase contenciosa do processo que solicitaram, por unanimidade, a realização de uma “Junta Médica da especialidade de Psiquiatria” (cfr. Auto de exame por Junta Médica, de 26/01/2022, com Ref.ª135249221, subscrito pelo Sr. Juiz, pelo Sr. oficial de justiça e pelos três peritos da Junta Médica generalista), o que também resulta do despacho judicial de seguida proferido (conclusões XXII e XXIII).
Assim, sendo de ter como sanada uma eventual nulidade que se prefigurasse na composição da junta médica designada no despacho de 10 de Janeiro de 2022 (sem a intervenção de dois médicos psiquiatras) e mostrando-se esgotado o poder jurisdicional do juiz da 1.ª instância quanto a esta matéria, era sobre a junta médica generalista iniciada em 26 de Janeiro de 2022 e terminada em 4 de Outubro de 2023 que impendia – e continuou a impender – a obrigação de desempenhar a tarefa pericial prevista no artigo 138.º do Código de Processo do Trabalho.
Claro que tal não impedia o tribunal de se munir de todos os elementos probatórios que reputasse necessários para uma melhor aproximação à verdade material, por sugestão dos Exmos. Peritos ou motu próprio, na medida em que o artigo 139.º do Código do Processo do Trabalho determina no seu número 7 que “[o] juiz, se o considerar necessário, pode determinar a realização de exames e pareceres complementares ou requisitar pareceres técnicos”. Esta norma tem uma previsão muito ampla, admitindo a nosso ver na sua hipótese que o juiz possa determinar a realização de um exame pericial de cariz plural, o qual não é, rigorosamente, a junta médica a que alude o artigo 138.º. O artigo 139.º, n.º 7, pressupõe que a junta médica inicialmente nomeada foi já realizada ou está em curso, sendo a perícia de especialidade que o juiz repute necessária coadjuvante da mesma. E é à junta médica inicialmente nomeada que cabe emitir a opinião pericial final, perante o exame do sinistrado a que procedeu e os demais elementos que analisou, cabendo depois ao tribunal decidir o pleito.
Como é dito no Acórdão da Relação de Lisboa de 26 de Maio de 2021, “o juiz de trabalho não está vinculado, em termos de estrutura e sequência processuais obrigatórias, a finalizar (ainda que essa seja a normalidade dos casos que lhe passam pelas mãos) a fase instrutória da ação ou incidente relativo a acidente de trabalho com o exame por junta médica, quando a ele haja lugar, pois como ressalta com clareza do número 5 do artigo 145.º, que, para o efeito, deve ser conjugado com o número 7 do artigo 139.º, ambos do Código do Processo do Trabalho, o julgador pode ordenar, após a concretização do exame por junta médica e antes de proferir o despacho, quaisquer diligências que se mostrem necessárias (leia-se, exames, relatórios, pareceres, etc.)4, nada obstando a nosso ver que o faça no decurso da junta médica designada, maxime quando são os próprios peritos a sugerir a realização de tais diligências.
No caso sub judice, estando iniciado o exame por junta médica generalista que o juiz designou sob impulso do sinistrado e sendo patente da sugestão feita pelo colégio de peritos que este intentava cumprir o seu múnus e entendeu necessário para o efeito conhecer a opinião de médicos com a especialidade de psiquiatria, é apenas nesta perspectiva que pode enquadrar-se a decisão do tribunal a quo de atender a solicitação dos srs. peritos nomeados e de solicitar ao INML a realização do que, em conformidade com eles, designou de “junta médica” de psiquiatria. O que, estando já em curso a junta médica generalista, só pode ser perspectivado, como o fez a Mma. Juiz a quo no primeiro despacho sob recurso (a fls. 169 e ss.), como um Parecer complementar que o juiz considerou necessário e que pediu ao INML, sob sugestão dos Exmos. Peritos da junta médica, nos termos do art.º 139.º, n.º 7, do Código de Processo do Trabalho.
Ainda que designada por todos os intervenientes como “junta médica” de psiquiatria, e ainda que o exame tenha sido feito por três médicos, o mesmo sucedendo com o relatório final de fls. 141 verso e ss., também subscrito por três médicos, no contexto dos autos este relatório e o exame que o antecedeu teve substancialmente as vestes de um parecer complementar de especialidade solicitado nos termos do n.º 7, do artigo 139.º, do Código de Processo do Trabalho, e não como a junta médica a que aludem os n.ºs 1 a 6 do mesmo preceito e o antecedente artigo 138.º. Esta – a junta médica – foi realizada em duas sessões (29 de Janeiro de 2022 e 4 de Outubro de 2023), sob a presidência do juiz e com os mesmos peritos nomeados e ajuramentados (fls. 79 e 218). E nela os peritos tiveram em consideração para a emissão da sua opinião pericial (quer a maioritária, quer a singular do perito da seguradora), além do mais, o relatório de psiquiatria constante de fls. 141 verso e ss. emitido na sequência do exame realizado no Hospital XX que apelidaram de “junta médica” de psiquiatria que consideraram necessário ponderar para emitir o seu laudo final.
O que denota que, ainda que tenham erroneamente aludido a uma “junta médica” de psiquiatria no decurso do seu relatório pericial (o que poderá compreender-se com o facto de a reunião de um colégio de três peritos na jurisdição do Trabalho se traduzir geralmente numa verdadeira junta médica), se comportaram como os verdadeiros peritos da junta médica designada após a fase conciliatória nos termos do preceituado no artigo 138.º do CPT e perspectivaram o relatório provindo do Hospital XX junto a fl.s 141 verso e ss. como um parecer complementar de especialidade a que atenderam, a par de outros elementos – como a opinião do psiquiatra da ANAC constante dos autos a que também aludem no seu laudo – para emitir a opinião pericial da junta médica vertida no auto de fls. 218-219. É o que resulta com clareza deste auto que documenta a reunião final ocorrida em 4 de Outubro de 2023 dos peritos inicialmente ajuramentados que compõem a junta médica, presidida pelo juiz.
Ao invés do dito pela recorrente, os peritos não partiram do pressuposto errado de que existiu uma verdade junta médica de psiquiatria. Deram-lhe erradamente esse nomen, é certo, mas partiram do pressuposto de que o relatório pericial provindo do Hospital XX – por eles pedido para emitirem a sua opinião final, não se esqueça – constituía um parecer que, a par dos outros elementos e do exame do sinistrado a que procederam, foi por eles ponderado para alcançarem e firmarem o seu juízo pericial pelo que, repetimos, o mesmo apenas pode ser enquadrado no n.º 7 do artigo 139.º do CPT.
Em suma, não podemos acompanhar a alegação da recorrente de que o tribunal a quo rejeitou a realização de um exame por junta médica da especialidade de psiquiatria, presidido pelo Juiz, nos termos do artigo 139.º, n.º 2, do CPT, que seria um meio de prova fundamental.
Nem tal meio de prova foi requerido pela recorrente no início da fase contenciosa5, nem o mesmo foi indeferido, nem foi interposto recurso do despacho que 10 de Janeiro de 2022 determinou a realização da junta médica sem determinar a intervenção de peritos especialistas, nem foi invocada atempadamente a nulidade processual decorrente de não terem sido nomeados dois médicos psiquiatras para a integrar na reunião inicial desta em 26 de Janeiro de 2022, nem a denominada “junta médica de psiquiatria” realizada no Hospital XX e que se concluiu em 17 de Março de 2023 (único acto relativamente ao qual a recorrente arguiu atempadamente nulidades em 1 de Abril de 2023, o que veio a ser decidido pelo despacho de 10 de Maio de 2023) constitui a junta médica prevista nos artigos 138.º e 139.º, n.ºs 1 a 6 do Código de Processo do Trabalho, nem seria lícito no âmbito do ordenamento adjectivo laboral determinar a realização de uma segunda junta médica após designada a junta médica inicial.
Improcede neste aspecto o recurso.
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4.2. Da impugnação do despacho de 10 de Maio de 2023
4.2.1. Perante o relatório do exame terminado no Hospital XX no dia 17 de Março de 2023, a recorrente veio arguir a nulidade de tal exame por requerimento de 1 de Abril de 2023, o qual foi objecto do despacho ora recorrido, proferido em 10 de Maio de 2023, no qual a Mma. Juiz a quo julgou improcedentes as invocadas nulidades, em suma, com a seguinte argumentação:
- o exame por junta médica a que alude o disposto no art.º 139.º, do CPT é presidido pelo Juiz e terá de ter lugar no local definido pela Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, ex vi do disposto no art.º 105.º, n.º1, do CPTrabalho e o exame por junta médica que se iniciou nos presentes autos, teve lugar no Tribunal e foi presidido por Juiz;
- o exame ora posto em crise não se confunde com o exame por Junta Médica a que alude o disposto no art.º 139º, do CPT e enquadra-se, tão-só, no segmento de realização de exames complementares e requisitados pareceres técnicos, e tem por função, auxiliar os Srs. Peritos e, em sede decisória o Tribunal, na conclusão referente à fixação ao sinistrado de eventual incapacidade de trabalho resultante de acidente de trabalho ou doença profissional que determina perda da capacidade de ganho, não lhe sendo aplicáveis as nulidades, por distinto do Exame por Junta Médica a que alude o art.º 139.º, do CPTrabalho;
- não resulta demonstrada nos autos a falta de habilitações dos Srs. Peritos que intervieram no exame da especialidade e a lei não sanciona com a nulidade (ou outra invalidade) a circunstância de, no exame em causa, não terem sempre intervindo os mesmos Srs. Peritos;
- o relatório junto não padece de deficiência, obscuridade ou contradição, mostrando-se ainda as conclusões devidamente fundamentadas, ainda que de forma sintética.
4.2.2. Na apelação, a recorrente insiste em que o exame da especialidade de psiquiatria efectuado no Hospital XX constitui um exame por junta médica e padece de nulidade por não ter sido presidido por um juiz nos termos do disposto no art.º 139.º, n.º 1, do CPT.
Naturalmente que não é a circunstância de uma junta médica ser de especialidade que altera o carácter obrigatório da presença do juiz, nos termos do artigo 139º, n.º 1, do CPT6.
Simplesmente, terá que se tratar de uma efectiva junta médica, não se aplicando tal exigência a um exame colegial que, como resulta do acima dito e nos dispensamos de repetir, não constituiu substancialmente uma junta médica nem nunca foi perspectivado como tal, quer pelo juiz, quer pelos médicos que sugeriram a sua realização.
Não carecendo, pois, o indicado exame de ser presidido pelo juiz, acompanhamos neste ponto o despacho sob recurso.
4.2.3. Quanto à alegação da recorrente de que o exame padece de nulidade por dever ter sido realizado na delegação do INMLC, IP, ou, se este não dispusesse de condições para tal, no Tribunal, e não num Hospital sem competência de avaliação do dano corporal nos termos do disposto no art.º 22.º, da Lei 45/2004, de 19 de Agosto, é a própria leitura deste preceito, conjugada com o que efectivamente sucedeu nos autos, que denota a falta de razão da recorrente. É certo que, nos termos do art.º 105.º, n.º1, do CPT, o local e a competência para a realização da perícia médica “são definidos nos termos da lei que estabelece o regime jurídico da realização das perícias médico-legais e forenses” e que nos termos do n.º 1, do referido artigo 22.º, da Lei n.º 45/2004, que estabelece o regime jurídico das perícias médico-legais e forenses, os exames e perícias singulares de clínica médico-legal e forense solicitados pelas autoridades judiciárias de comarca compreendida na área de atuação de delegação do INMLCF, I. P., ou de gabinete médico-legal e forense em funcionamento são obrigatoriamente realizados por estes serviços médico-legais, nas suas instalações. Mas é igualmente certo que este mesmo preceito exceptua o caso de “o presidente do conselho diretivo do INMLCF, I. P., o diretor da delegação ou o coordenador do gabinete médico-legal e forense decidir a sua execução em local diferente”. E foi o que justamente sucedeu no caso sub judice, em que foi solicitada a realização do referido exame da especialidade de psiquiatria na pessoa do sinistrado ao Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I. P., pela secretaria, no dia 21 de Fevereiro de 2022 (conforme certificação citius) e a Coordenadora da Unidade de Psiquiatria e Psicologia Forense do INML comunicou ao tribunal em 28 de Fevereiro de 2022 que o exame pericial foi distribuído ao Hospital YY/XX - Departamento de Psiquiatria (fls. 83 verso), vindo a ser designada para a sua realização o dia 21 de Abril de 2022 no Serviço de Psiquiatria do Hospital XX.
4.2.4. Relativamente aos factos de o sinistrado ter sido representado por peritas distintas nos dois dias em que se desenvolveu o exame e de ter a segunda perita proferido um Relatório a pedido do sinistrado, que este juntou aos autos, não vemos também que tais circunstâncias possam acarretar a nulidade do exame realizado.
Alega a recorrente a este propósito que na segunda data em que se realizou o exame por junta médica da especialidade de psiquiatria (17 de Março de 2023), compareceram para a sua continuação o Dr. II, em representação do Tribunal, a Dra. BB em representação da Entidade Responsável e a Dra. CC, em representação do Sinistrado, mas no dia 21 de Abril de 2022, primeira data da realização do exame, a Perita Psiquiatra que representou o Sinistrado não foi a Dra. CC, mas a Dra. JJ, que havia concordado com os demais colegas – Dr. II e Dra. BB – solicitar mais documentos citados nos autos antes de prosseguirem com a avaliação e redação de respostas aos quesitos. Alega, também, que em ambas as datas de Junta Médica, o sinistrado devia ter sido representado pela mesma médica e, ao invés foi representado por peritas diferentes, fazendo comparecer na data de continuação da Junta Médica da especialidade de Psiquiatria uma médica a quem já tinha encomendado um parecer médico junto aos autos com o seu Requerimento, pelo que a sua imparcialidade e idoneidade ficam, necessariamente, comprometidas, e esta médica estava impedida para o exercício das funções de perito, nos termos do disposto no artigo 470.º e 115.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 1º, n.º 2, alínea a), do CPT.
Ora mais uma vez se reitera que o exame pedido ao INML configura substancialmente um parecer complementar da especialidade de psiquiatria (artigo 139.º, n.º 7, do Código de Processo do Trabalho) por terem os Exmos. Peritos da junta médica nomeados e ajuramentados nos autos entendido ser necessária uma opinião pericial dessa especialidade e não uma verdadeira junta médica de psiquiatria, como erradamente foi designada. O desiderato pretendido pelos peritos da junta médica foi alcançado com a emissão do relatório de fls. 141 verso e ss. subscrito por três psiquiatras, relatório este que os Exmos. Peritos da junta médica ponderaram para a emissão do seu laudo.
Não se encontrava, pois, o exame em causa submetido ao regime do exame pericial por junta médica.
Deve contudo dizer-se que a aplicação aos peritos do regime de impedimentos e suspeições que vigora para os juízes deve ser efectuada “com as necessárias adaptações” nos termos do artigo 470.º, n.º 1, in fine, do CPC (o que nos leva a admitir que a parte nomeie um perito que já antes emitiu parecer ou se pronunciou sobre a questão) e que nada obsta à nomeação de novo perito em substituição do anterior quando este esteja impossibilitado de realizar a diligência (artigo 472.º do CPC)7.
Além disso, a decisão da 1.ª instância não analisou a questão do impedimento da Dra. CC e não foi arguida na apelação qualquer omissão de pronúncia, pelo que se trata de questão nova para efeito da presente apelação que, por isso, não poderia ser conhecida8, e que, em qualquer caso, da decisão da 1.ª instância proferida sobre o invocado impedimento não caberia recurso (artigo 471.º, n.º 3, do CPC), pelo que está subtraído a esta Relação o poder de se pronunciar sobre esta questão.
Não pode contudo deixar de se notar que raia as fronteiras da má fé o comportamento da recorrente ao suscitar esta questão do impedimento da médica psiquiatra Dra. CC com o fundamento de já antes esta se ter pronunciado a pedido da parte em parecer médico junto aos autos com o requerimento de junta médica. Mal parece que a recorrente invoque o indicado impedimento se também a Dra. BB, que interveio no mesmo exame médico realizado no Hospital XX em representação da recorrente seguradora, subscreveu o Relatório Pericial Psiquiátrico junto por esta com a participação de acidente de trabalho justamente a emitir opinião sobre a IPP que afectará o sinistrado (vide fls. 8 verso). A proceder a tese da recorrente, também esta médica psiquiatra Dra. BB se encontraria numa situação de impedimento para o exercício das funções de perito, nos mesmos exactos termos em que se encontraria a médica psiquiatra Dra. CC.
Improcede, também neste ponto, a apelação.
4.2.5. Quanto à arguida nulidade do exame de psiquiatria por o perito designado pelo Tribunal que nele interveio não ter competência em avaliação de dano, não estar inscrito no Colégio de Competência em Avaliação do Dano Corporal ou no Colégio de Competência em Peritagem Médica da Segurança Social, reiteramos, como a decisão recorrida, não estar demonstrada a falta de habilitação deste médico. Seja como for, tendo sido pedido o exame de psiquiatria, mais não era exigido do que ter o médico em causa tal especialidade, não constituindo fundamento de nulidade processual o facto de não estar inscrito no Colégio de Competência em Avaliação do Dano Corporal ou no Colégio de Competência em Peritagem Médica da Segurança Social. E o mesmo se diga se fosse realizada nestes autos uma verdadeira junta médica da especialidade de psiquiatria nos termos do artigo 139.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho, que apenas exige a intervenção de dois médicos da mesma especialidade dos que emitiram os pareceres na fase conciliatória. Ora os autos revelam que este Exmo. Sr. Perito, o Professor Doutor II, é um médico psiquiatra e é Coordenador da Actividade Pericial de Psiquiatria Forense do Centro Hospitalar WW, E.P.E., sendo nessa qualidade que subscreve os ofícios e informações dirigidos ao tribunal (vide vg. fls. 97 verso), nada indiciando – pelo contrário – que não tenha os necessários conhecimentos da especialidade médica relativamente à qual foi solicitado o exame.
4.2.6. Finalmente, e quanto à arguida nulidade do exame por ter resultado em avaliações muito díspares entre si, duas delas (do perito do Tribunal e da segunda perita do Sinistrado) totalmente opostas à avaliação do exame singular, sem que este afastamento tenha sido fundamentado, deve dizer-se, por um lado, que a disparidade das avaliações não é causa de nulidade do exame, sendo os médicos livres de emitir o parecer que entendam de acordo com a avaliação a que procedem, divergindo (ou não) de outros médicos.
Por outro lado, cabe que os médicos que deram um parecer que diverge das conclusões do exame singular da fase conciliatória fundamentaram devida e abundantemente as suas posições, como resulta da simples leitura do relatório elaborado, não se verificando a este propósito qualquer nulidade.
Foram na verdade transcritos no Relatório de psiquiatria os excertos tidos como mais relevantes do “Resumo Clínico do seguimento nos Serviços Clínicos da Seguradora”, do “Parecer de Especialidade — Psiquiatria Forense realizado a pedido do Sinistrado (Dra. CC — 28/12/2020)”, do “Ofício da ANAC N221/DCM/DLE/ANAC/2021, da “Informação Clínica, Dr. LL, 27/10/2020”, do “Relatório Médico-psiquiatria (Dr. MM — 12/02/2021)”.
Ficaram ainda referidos no Relatório os resultados do exame directo do sinistrado, com informação dele recolhida relativa à sua situação profissional, aos factos (incluindo o sucedido no dia do acidente de trabalho e o facto de estar sem voar desde que a Medicina Aeronáutica o considerou inapto/unfit em Dezembro de 2020) e ao seu estado actual, bem como ficaram referidos os resultado da “observação” do sinistrado.
E ficaram nele expressas, no capítulo relativo à “discussão e conclusões finais”, as posições dos médicos psiquiatras envolvidos. Neste capítulo descreveram-se sucessivamente a discussão e conclusões preliminares em que houve unanimidade e a argumentação da Dra. BB relativamente ao caso concreto, uma vez que discorda do Parecer dos restantes peritos, bem como de seguida foi expressa a resposta aos quesitos (já acima transcrita), no âmbito da qual também se completa a fundamentação da opinião médica nela expressa e se justificam as divergências detectadas entre os médicos em cada resposta, ainda que por vezes de modo muito sucinto.
Coisa diversa é se esta fundamentação é, ou não, convincente (e poderá não o ser quando é demasiado sucinta, ou mesmo parca), mas tal, sendo susceptível de interferir com a avaliação do parecer a efectuar pela junta médica inicialmente nomeada e, também, a efectuar pelo juiz na ponderação de todos os elementos de prova de livre apreciação com vista à decisão final do pleito, não acarreta a invalidade do exame e subsequente parecer médico de psiquiatria.
Inexiste qualquer fundamento para declarar nulo o exame pericial de psiquiatria forense cujo relatório consta a fls. 141 verso e ss. e foi sendo denominado nos autos como “junta médica de psiquiatria”, pelo que bem andou a Mma- Juiz a quo em indeferir o requerimento que a ora recorrente formulou nesse sentido, nada justificando que se determine a sua repetição.
Improcede o recurso no que concerne à impugnação do despacho de 10 de Maio de 2023.
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4.3. Da impugnação do despacho que precedeu a sentença e da própria sentença
Está em causa neste segmento da apelação o despacho que precedeu a sentença – versando sobre o pedido de esclarecimentos formulado pela seguradora em 13 de Outubro de 2023 relativamente ao exame final por junta médica realizado no dia 04 de Outubro de 2023 – e a sentença.
4.3.1. A recorrente argui, em substância, a falta de fundamentação e a omissão de pronúncia do despacho que precedeu a sentença ao indeferir a reclamação apresentada e os esclarecimentos pedidos.
Alega a recorrente que reclamou do resultado da junta médica e colocou 11 questões em sede de pedido de esclarecimentos e o tribunal a quo, sem fundamentar concretamente, indeferiu uma vez mais as reclamações apresentadas e os esclarecimentos solicitados, não abordou o referido na reclamação e pedido de esclarecimentos e não permitiu que os srs. Peritos respondessem às questões suscitas pela recorrente, mas devia ter identificado as outras matérias da reclamação e pronunciado sobre cada uma delas, designadamente pedindo esclarecimentos (como o facto de um atestado da ANAC, elaborado mais de três anos após o acidente não ser suficiente para fixar uma IPATH; não ter sido mencionada no relatório a data de consolidação médico-legal; e as avaliações do perito do tribunal e da perita do sinistrado violarem as Instruções específicas constantes do Capítulo X Psiquiatria da Tabela Nacional de Incapacidades9).
Dispõe o artigo 615.º do Código de Processo Civil que estabelece sobre as “causas de nulidade da sentença”, o seguinte:
«1 — É nula a sentença quando:
a) (…);
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) (…);
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
(…)».
Nos termos do artigo 613.º, n.º 3, do mesmo diploma, esta disposição aplica-se aos despachos, com as necessárias adaptações.
A nulidade por omissão de pronúncia prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, consiste no incumprimento do dever que ao juiz incumbe de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, bem como aquelas cujo conhecimento oficioso lhe seja imposto por lei (artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil).
Por seu turno a obrigação de fundamentar as decisões judiciais (art.º 154º do CPC) constitui um verdadeiro factor de legitimação do poder jurisdicional e uma garantia dos cidadãos no Estado de Direito, permitindo uma maior transparência do processo e da decisão. A decisão deve ser “fundamentada nos termos que forem ajustados ao caso10.
Na reclamação apresentada após notificada do laudo da junta médica, a ora recorrente deu por integralmente reproduzido tudo o que já referiu aquando da reclamação e arguição de nulidades da junta médica de psiquiatria e invocou, essencialmente, que os peritos decidiram com base no pressuposto de que tinha existido uma verdadeira junta médica de psiquiatria, que não resulta do auto, como devia, por que razão os peritos do tribunal e do sinistrado se afastaram do resultado do exame singular, salvo quanto à IPATH que assenta no relatório da ANAC, e que nunca poderia ser aplicado o factor de bonificação 1.5. Formula os seguintes pedidos de esclarecimento aos srs. peritos:
“21. Quais as razões objetivas de discordância a desvalorização arbitrada pelo perito do exame singular do IML?
22. O sinistrado, um comissário/assistente de bordo, não pode exercer funções em terra? Designadamente no aeroporto? Como interpretam as inúmeras fichas de aptidão para o trabalho, da ZZ Airlines, S.A., que o consideram apto para o trabalho, mesmo depois do dito acidente?
23. Por que razão não pedem ao IEFP que descreva as funções para as quais o Sinistrado se encontra apto e não apto, para decidirem de forma objetiva?
24. Pediram informação ao Senhor Dr. MM acerca das razões que justificaram a emissão do parecer da ANAC (quem lho pediu e por que motivo)?
25. Se para esta Junta Médica generalista decidir, bastava o relatório da psiquiatra do sinistrado que já tinha sido junto aos autos a pugnar pelos 25% com IPATH (e que é a mesma pessoa que representou o Sinistrado no exame complementar), por que razão pediram a fls 70-80 a Junta Médica da especialidade de psiquiatria?
26. O Sinistrado está a fazer alguma medicação, que justifique a fixação dos 25% com IPATH? É que, olhando, para a TNI, exemplo Cap. I, 15, nem um infeliz sinistrado com um pé imputado consegue uma desvalorização de 25%...
27. Não sendo os senhores peritos desta Junta Médica, nenhum deles psiquiatra, e sabendo que não houve a Junta Médica de Psiquiatria solicitada com os requisitos formais e previstos na Lei, nem tão pouco um laudo maioritário, consideram-se confortáveis com esta decisão? Consideram-na justa? Porquê?
28. Como justificam decisões de colegas Psiquiatras tão díspares? Conseguiram compreendê-las (sendo que essa compreensão é essencial para tomarem aqui uma decisão?
29. Ou precisam que haja uma verdadeira Junta Médica de Psiquiatria que responda a estas questões e decida, pelo menos, por maioria?
30. Verificaram, pela análise documental do processo, alguma tentativa de reconversão profissional do sinistrado? Se pode manter as funções de comissário em terra, no checkin, na receção das malas?
31. Qual a medicação que toma e qual o acompanhamento médico que necessita?”
Analisado o despacho sob recurso, verificamos que o tribunal a quo nele se pronunciou quanto à parte da reclamação em que a recorrente dava por reproduzido tudo quanto alegara na sua reclamação anterior, ao afirmar que:
“No requerimento em epígrafe veio a requerente, além do mais, dar por integralmente reproduzido tudo o que já fora por si referido aquando da reclamação e arguição de nulidades da Junta Médica de Psiquiatria.
Sobre as invocadas nulidades recaiu o despacho proferido em 10-05-2023.
Dispõe o art.º 613.º, do CPCivil, aplicável ex vi do disposto no art.º 1.º, n.º 1 e 2, al. a), do CPTrabalho que:
“1 - Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.
2 - É lícito, porém, ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes.
3 - O disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica-se, com as necessárias adaptações aos despachos.”
Sobre a questão ora submetida a apreciação, recaiu já decisão em 10-05-2023.
Ademais, não tendo sido invocados erros materiais, nulidades e pedido de reforma do despacho proferido, à luz do disposto nos arts. 614.º a 616.º, do CPCivil, vedado está ao Tribunal pronunciar-se sobre o requerido, sendo certo que, à luz do decidido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa em 07-07-2023 (fls. 103-103v), não transitou tal despacho em julgado.
Assim sendo, por se encontrar esgotado o poder jurisdicional deste Tribunal, decide-se não conhecer, de novo, da questão suscitada.”
E fundamentou nestes termos, clara e sucintamente, a sua decisão de não conhecer desta questão, pelo que inexiste omissão de pronúncia.
Quanto à alegação da reclamante de que não resulta do auto por que razão os peritos do sinistrado e do tribunal da Junta Médica generalista se afastaram da avaliação que foi efetuado pela perícia singular imparcial do IML e quanto aos pedidos de esclarecimentos que formulou, o tribunal a quo não deixou também de se pronunciar e de fundamentar a sua decisão, ainda que de forma sucinta, ao afirmar o seguinte:
“Além das nulidades invocadas, requerer ainda a responsável seguradora que os Srs. Peritos que realizaram a Junta Médica em 04-10-2023, respondam aos pedidos de esclarecimentos que formula.
É lícito às partes, notificadas que foram do auto de exame por junta médica, reclamar do mesmo, alegando, de forma fundamentada e sustentada, qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas – art.º 485.º, do CPCivil, aplicável ex vi do disposto no art.º 1.º, n.º 2, al. a), do CPTrabalho.
De acordo com o n.º 3, do art.º 485.º, do CPCivil, pode o juiz, mesmo oficiosamente determinar a prestação de esclarecimentos ou aditamentos previstos no n.º 2, do art.º 485.º, do CPCivil.
Ora compulsado o auto de exame por junta médica, concatenado com os exames e pareceres complementares juntos aos autos, bem como com os elementos clínicos que igualmente se mostram juntos, entende-se que as conclusões a que os Srs. Peritos chegaram, em especial os Srs. Peritos em representação do Tribunal e do sinistrado, se mostram fundamentadas e sustentadas nos elementos juntos aos autos, que discriminam, e sobre os quais se debruçam, inexistindo assim, qualquer deficiência, obscuridade ou contradição.
Pelo exposto, indeferem-se os pedidos de esclarecimentos requeridos.”
Resulta deste excerto da decisão que o tribunal a quo reputou a junta médica devidamente fundamentada, nomeando especificamente as conclusões a que chegaram os Srs. Peritos em representação do tribunal e do sinistrado, e afirmando que as mesmas se mostram fundamentadas e sustentadas nos elementos juntos aos autos, que os peritos discriminam, e sobre os quais se debruçam, vindo a concluir que inexiste “qualquer deficiência”.
Do que resulta que considerou desnecessária melhor fundamentação do que a existente no laudo para justificar a divergência com o exame singular realizado na fase conciliatória, que, aliás, o Sr. Perito nomeado pela entidade responsável continuou a sufragar na junta médica, no confronto com os outros peritos, assim se pronunciando a Mma. Juiz a quo de forma suficientemente fundamentada sobre a questão adrede suscitada pela reclamante.
E resulta também do mesmo excerto que, na perspectiva do tribunal a quo, inexistia qualquer obscuridade a esclarecer, o que dá sustento à decisão final de indeferir os pedidos de esclarecimento requeridos.
O tribunal a quo pronunciou-se sobre estas questões e fundamentou a sua pronúncia, não incorrendo a sua decisão em qualquer das nulidades que lhe foram imputadas.
Deve acrescentar-se que, analisando os esclarecimentos pedidos, não vemos que se justificasse colocar aos peritos da junta médica qualquer uma das 11 questões elencadas, sendo o laudo pericial, quer atendendo ao que nele está exarado, quer tendo em consideração os escritos para que remete (vg. a fundamentação do relatório de psiquiatria constante de fls. 142 verso e o ofício da ANAC que comunicou ao sinistrado ter sido o mesmo considerado inapto/unfit definitivamente para o exercício dos privilégios do seu atestado de tripulante de cabine) claro e suficientemente motivado, em conformidade com o ponto 8. das Instruções Gerais da TNI.
Finalmente, relativamente à alegação da reclamante de que os peritos decidiram com base no pressuposto de que tinha existido uma verdadeira junta médica de psiquiatria, e de que nunca poderia ser aplicado o factor de bonificação 1.5, a mesma não imputava ao laudo qualquer deficiência obscuridade, ou contradição, nos termos do artigo 485.º do Código de Processo Civil, nem nada requeria a propósito.
Pelo que, quanto a estes aspectos, nada havia a apreciar, nem se pode assacar, por isso, omissão de pronúncia à decisão e, muito menos, falta de fundamentação (pois se nada havia a decidir, inexistia nestes pontos decisão a fundamentar).
Em suma, não se detecta qualquer omissão de pronúncia no despacho que precedeu a sentença, encontrando-se a reclamação devidamente apreciada pelo tribunal da 1.ª instância e com fundamentação que, apesar de sucinta, consideramos suficiente, sendo patentes da sua leitura as razões que levaram a Mma. Juiz a quo à decisão de indeferimento da reclamação e de prestação dos esclarecimentos solicitados.
4.3.2. A recorrente, ainda que de modo não muito ortodoxo, imputa à sentença um erro de julgamento no que concerne à incapacidade laboral fixada ao sinistrado.
Alega a mesma que a junta médica de 04 de Outubro de 2023 não pode ser usada como fundamento para fixar ao sinistrado recorrido uma IPP de 37,5% com IPATH por estar ferida de todas as nulidades e irregularidades alegadas, nomeadamente por assentar numa Junta Médica de psiquiatria cuja nulidade foi oportunamente arguida.
É patente, em face do exposto, que não procede esta argumentação. Nem pode dizer-se neste momento dos autos que a junta médica de 04 de Outubro de 2023 está ferida de nulidades ou irregularidades, nem pode dizer-se que a mesma assenta numa junta médica de psiquiatria nula, irrelevando que tenha sido oportunamente arguida a nulidade do exame de psiquiatria se tal arguição improcedeu.
Mas a recorrente alega também que a IPATH tem apenas por base o relatório de um psiquiatra da ANAC que nunca foi ouvido no decorrer deste processo e que, para além de não haver IPATH, o juiz aplicou o factor de bonificação de 1.5 sobre a incapacidade de 25%, sem os peritos justificarem porque aderem à posição da perita do sinistrado e divergem dos 4 peritos que pugnaram por uma IPP de 2%, nomeadamente quais as razões objetivas de divergirem em tão grande escala da IPP fixada no exame singular do IML e sem que haja evidências nos autos de que o recorrido não é reconvertível em relação ao posto de trabalho.
4.3.2.1. Desta alegação decorre que a recorrente discorda da sentença desde logo quando a mesma confere relevo à decisão da ANAC junta, que se funda no relatório de um psiquiatra que nunca foi ouvido nos autos.
Vejamos.
A sentença sob recurso considerou o sinistrado afectado de uma IPP de 37,5% com IPATH resultante da aplicação do factor de 1,5 sobre a incapacidade de 25%, sendo a alta reportada 22-09-2020 (facto 5.).
Em fundamento desta sua decisão, fez constar o seguinte:
“Para a prova dos factos que supra se consignaram, estribou o tribunal a sua convicção na posição assumida pelas partes em sede de tentativa de conciliação no que concerne à existência e caracterização do acidente de trabalho, os períodos de incapacidade temporária e montantes pagos a tal título, o nexo causal, as lesões e sequelas sofridas, a responsabilidade, a remuneração auferida pelo sinistrado, as despesas de deslocação bem como a data da alta..
Com fundamento no auto de exame por junta médica de 04-10-2023, o qual não neste particular foi unânime, considera-se assente que do acidente resultou uma redução na capacidade de trabalho do sinistrado que se traduziu numa IPP, com alta definitiva.
Para considerar o sinistrado afectado de IPATH, atentou-se na análise concatenada da Junta Médica com o teor dos elementos e pareceres para o qual remete, bem como da decisão da ANAC junta, remetendo-se para os fundamentos do Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, em 13-07-2020, no proc. n.º 597/17.6T8CSC que correu termos no Juízo do Trabalho de Cascais - Juiz 2, a análise que faz quanto ao valor probatório dos exames de aeromedicina relativa à inaptidão do trabalhador para exercer funções de tripulante de cabine, à luz do Regulamento (EU) n.º 1178/2011 da Comissão, de 3 de novembro, bem como do DL n.º 139/2004, de 5 de junho, do DL n.º 250/2003, de 11 de outubro, do DL n.º144/2013, de 2 de Abril, por esclarecedor
Acresce que, presumindo-se o juízo técnico e científico inerente à prova pericial subtraído à livre apreciação do julgador, e atenta toda a prova carreada para os autos inexistem razões para divergir do juízo técnico e científico constante, por maioria, da mesma Junta Médica, que se mostra cabal e devidamente fundamentada.”
Não pode censurar-se a sentença por ter ponderado e conferido relevo à decisão da ANAC.
Com efeito, uma vez decidido pela autoridade da medicina aeronáutica que determinado trabalhador está física ou psiquicamente impossibilitado de voar e assim exercer a sua actividade profissional, tal não poderá deixar de ser ponderado no processo laboral, a par dos demais meios de prova a atender, para determinar a incapacidade laboral do sinistrado.
Para tanto apontam vários textos legislativos da União Europeia e nacionais.
Desde logo o Regulamento (CE) n.º 216/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Fevereiro de 2008, relativo a regras comuns no domínio da aviação civil e que cria a Agência Europeia para a Segurança da Aviação, cujo artigo 2.º aponta ser objectivo principal do regulamento “garantir e manter um nível elevado e uniforme de segurança da aviação civil em toda a Europa” [n.º 1], bem como “[p]romover uma boa relação custo/eficácia ao nível dos processos de certificação e regulamentação e evitar duplicações entre os esforços nacionais e os europeus” e “[p]romover a nível internacional os padrões comunitários em matéria de normas e regras de segurança da aviação civil, estabelecendo relações de cooperação adequadas com países terceiros e organizações internacionais” [n.º 2, alíneas c) e e)]. De acordo com o n.º 3 deste artigo 2.º, os meios para a consecução dos objectivos definidos nos n.ºs 1 e 2 são os seguintes:
“(…)
b) Reconhecimento, sem formalidades adicionais, de certificados, licenças, homologações e outros documentos emitidos para produtos, pessoas e organizações ao abrigo do presente regulamento e das normas aprovadas para a sua execução;
c) Criação de uma Agência Europeia para a Segurança da Aviação (a seguir designada «Agência») de reconhecida independência;
d) Aplicação uniforme pelas autoridades aeronáuticas dos Estados-Membros e pela Agência, nos respectivos domínios de competência, de todos os actos indispensáveis.
O artigo 3.º do Regulamento estabelece que para efeitos do presente regulamento, se entende-se por
“(…)
e) «Certificação»: qualquer forma de reconhecimento de que um produto, peça ou equipamento, organização ou pessoa cumpre os requisitos aplicáveis, incluindo as disposições do presente regulamento, assim como a emissão do respectivo certificado;
f) «Entidade competente»: um organismo ao qual pode ser atribuída uma tarefa específica de certificação pela Agência ou por uma autoridade aeronáutica nacional e exercida sob o controlo e a responsabilidade desta;
(…)”
E o artigo 11.º, n.º 1, que “os Estados-Membros devem reconhecer, sem quaisquer exigências ou avaliações técnicas suplementares, os certificados emitidos nos termos do presente regulamento (…)”, dispondo o artigo 13.º que, “[c]aso incumbam uma entidade competente da realização de uma determinada tarefa de certificação, a Agência ou a autoridade aeronáutica nacional em questão devem assegurar que essa entidade cumpre os critérios estabelecidos no anexo V”.
No anexo IV a este Regulamento, a propósito dos "requisitos essenciais para as operações aéreas no que se refere ao artigo 8.º” prescreve-se que os tripulantes de cabina devem “ser treinados e avaliados periodicamente para atingirem e manterem um nível de competência adequado, a fim de desempenharem as funções de segurança que lhes foram atribuídas” (ponto 7.b.i.) e devem “ser periodicamente avaliados em termos de aptidão médica para exercerem sem falhas as funções de segurança que lhes foram atribuídas. A conformidade deve ser demonstrada mediante uma avaliação adequada baseada nas melhores práticas de medicina aeronáutica” (ponto 7.b.ii.).
Já no âmbito do direito nacional o Decreto-Lei 250/2003, de 11 de Outubro, que aprova o regime de certificação médica de aptidão de acordo com as normas do capítulo 6 do anexo n.º 1 à Convenção Internacional sobre Aviação Civil (Convenção de Chicago), adoptando as normas comuns JAR relativas às licenças do pessoal aeronáutico civil no que concerne à sua certificação médica de aptidão [artigo 1.º, n.º 1], estabelece no seu artigo 2.º que:
“Para efeitos do presente diploma, entende-se por:
a) «AMC», centro de medicina aeronáutica;
b) «AME», examinador médico autorizado;
c) «AMS», direcção de medicina aeronáutica;
d) «INAC», Instituto Nacional de Aviação Civil;
e) «JAA», Joint Aviation Authorities;
f) «JAR», Joint Aviation Requirements;
g) «JAR-FCL 3», normas técnicas comuns relativas às licenças do pessoal aeronáutico civil, no que concerne à sua certificação médica de aptidão;
h) «JM», junta médica;
i) «OACI», Organização da Aviação Civil Internacional.”
De acordo com o artigo 4.º do diploma, “[o]s AMC constituem centros médicos especializados em medicina clínica aeronáutica e actividades afins, dotados de instalações médico-técnicas adequadas à elaboração dos múltiplos exames de medicina aeronáutica e compostos por uma equipa de médicos com formação e experiência em medicina aeronáutica” [n.º 2] e compete-lhes “efectuar todos os exames médicos iniciais para avaliar as condições de aptidão física e mental a satisfazer pelos candidatos à emissão de certificados médicos de aptidão da classe 1”, bem como “efectuar todos os exames médicos de revalidação e renovação para avaliar as condições de aptidão física e mental a satisfazer pelos candidatos à revalidação ou renovação de certificados médicos de aptidão da classe 1, sem prejuízo do disposto no número seguinte” [alíneas a) e b) do n.º 4], podendo “delegar num AME a realização dos exames médicos de revalidação e renovação para avaliar as condições de aptidão física e mental a satisfazer pelos candidatos à revalidação ou renovação dos certificados médicos de aptidão da classe 1, desde que se encontre certificado para esta classe” [n.º 5].
E segundo o seu artigo 19.º,
1 - Consideram-se desde já certificados como AMC, com as atribuições e competências conferidas pelo presente diploma, os centros que se encontram a funcionar nos seguintes locais:
a) No Centro de Medicina Aeronáutica do INAC;
b) Nas instalações dos serviços de saúde da UCS - Cuidados Integrados de Saúde, S. A.;
c) Nas instalações do Centro de Medicina Aeronáutica da Força Aérea Portuguesa.
2 - Consideram-se igualmente certificados como AME da classe 1, 2 ou 3, dependendo da respectiva formação, treino e experiência em medicina aeronáutica, com as competências conferidas pelo presente diploma, todos os médicos que, cumulativamente:
a) Se encontrem no desempenho de funções, mediante a realização de exames médicos e actividades afins, na área da medicina aeronáutica;
b) Possuam a formação técnica equivalente à exigida pelo presente diploma e pelas regras previstas nas normas JAR-FCL 3.090.
3 - As entidades referidas no presente artigo consideram-se certificadas pelo INAC, nos termos da alínea c) do n.º 4 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 133/98, de 15 de Maio, alterado pelo Decreto-Lei n.º 145/2002, de 21 de Maio”11.
Especificamente a propósito dos tripulantes de cabina, como o são os comissários de bordo, o Decreto-Lei n.º 289/2003, de 14 de Novembro, que define os requisitos para a emissão do certificado de operador aéreo e regula os requisitos relativos à exploração de aeronaves civis utilizadas em transporte aéreo comercial, estabelece no seu artigo 3.º que “Para efeitos do presente diploma, incluindo o anexo que dele faz parte integrante, entende-se por: (…) cccc) «Membro da tripulação de cabina» a pessoa não pertencente à tripulação técnica de voo, qualificada para exercer funções de segurança a bordo de uma aeronave utilizada em transporte comercial de passageiros” e no seu artigo 81.º, n.º 1, que “Para operar um avião de versão de tipo máxima aprovada superior a 19 e inferior a 50 lugares de passageiros, a tripulação de cabina deve ser composta no mínimo por um tripulante, a fim de desempenhar as funções especificadas no MOV para salvaguarda da segurança dos passageiros, de acordo com as normas JAR-OPS 1.990”.
Por seu turno o Decreto-Lei n.º 139/2004, de 5 de Junho, que transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2000/79/CE, do Conselho, de 27 de Novembro, que define e regula o tempo de trabalho do pessoal móvel da aviação civil, designadamente no que respeita aos limites dos tempos de serviço de voo e de repouso, dispõe no seu artigo que “para efeitos do presente diploma, entende-se como: (…) ff) «Tripulação de cabina» - conjunto de tripulantes que, não fazendo parte da tripulação técnica, são nomeados pelo operador para executar, nomeadamente, tarefas de assistência e segurança aos passageiros”, e no seu artigo 3.º, n.º 1, que “[o] tripulante não pode iniciar um período de serviço de voo, nem o operador lho pode exigir, quando se encontre em condições físicas, psíquicas ou outras que não permitam ou não garantam adequada execução das suas funções específicas a bordo”.
E o Decreto-Lei n.º 44/2013, de 5 de Junho, que estabelece o regime jurídico aplicável à atividade de trabalho aéreo, estabelece no seu artigo 17.º, n.º 1, que “[c]ompete ao operador assegurar que todo o pessoal, directa ou indirectamente ligado às operações de voo e de terra, possui qualificações e capacidade adequada ao desempenho das suas funções, nomeadamente se os tripulantes possuem licença e se são qualificados para a classe e tipo de aeronave que operam, bem como para o tipo de operações que venham a realizar”.
Por outro lado, o Regulamento (UE) n.º 1178/2011 da Comissão, de 3 de Novembro de 2011, que estabelece regras detalhadas relativas à “avaliação médica aeronáutica periódica dos membros da tripulação de cabina, assim como a qualificação das pessoas responsáveis por essa avaliação” e às “condições de emissão, manutenção, alteração, restrição, suspensão ou cancelamento de certificados de tripulante de cabina, bem como os privilégios e as responsabilidades dos titulares de certificados de tripulante de cabina” [artigo 1.º, n.ºs 5 e 6], define como “«Tripulação de cabina»– os tripulantes devidamente qualificados, à excepção dos tripulantes de voo e do pessoal técnico, designados por um operador para desempenharem funções ligadas à segurança dos passageiros e do voo durante as operações” [n.º 11] e “«Tripulação»– a tripulação de voo e a tripulação de cabina” [n.º 12].
E refere no seu considerando 4. que “[a]s tripulações de cabina envolvidas na operação de certas aeronaves têm de cumprir os requisitos essenciais pertinentes previstos no anexo IV do Regulamento (CE) n.º 216/2008. Nos termos desse regulamento, as tripulações de cabina devem ser periodicamente sujeitas a avaliações médicas para que possam desempenhar em segurança as funções de segurança que lhes estão atribuídas. A conformidade deve ser demonstrada mediante uma avaliação adequada baseada nas melhores práticas da medicina aeronáutica”.
Segundo o n.º 1 do artigo 11.º do Regulamento, relativo à aptidão médica dos tripulantes de cabina, “[o]s membros da tripulação de cabina envolvidos na operação das aeronaves mencionadas no artigo 4.º, n.º 1, alíneas b) e c), do Regulamento (CE) n.º 216/2008 devem cumprir os requisitos técnicos e os procedimentos administrativos previstos no anexo IV”.
Entre esses requisitos, dispõe o referido “Anexo IV”, na secção I da subparte C - requisitos relativos à aptidão médica da tripulação de cabina - requisitos gerais - med.c.001 geral, o seguinte:
MED.C.001 Geral
Os tripulantes de cabina só exercerão as funções e responsabilidades previstas pelas regras de segurança da aviação numa aeronave se satisfizerem os requisitos aplicáveis da presente parte.
MED.C.005 Avaliações aeromédicas
a) Os tripulantes de cabina serão submetidos a avaliações aeromédicas para verificar a inexistência de qualquer doença física ou mental que lhes possa causar incapacidade ou inaptidão para desempenhar as funções e responsabilidades que lhes estão atribuídas;
b) Cada tripulante de cabina será submetido a uma avaliação aeromédica antes de lhe serem atribuídas funções pela primeira vez numa aeronave e, subsequentemente, a intervalos máximos de 60 meses;
c) As avaliações aeromédicas serão realizadas por um EMA, um CMA, ou por um MT se os requisitos de MED.E.040 se encontrarem satisfeitos.”
E na secção 2, da mesma da subparte C - requisitos aplicáveis à avaliação aeromédica da tripulação de cabina -, o seguinte:
MED.C.020 Geral
Os tripulantes de cabina não devem ter qualquer:
a) Anormalidade, congénita ou adquirida;
b) Doença ou deficiência activa, latente, aguda ou crónica;
c) Ferimento, lesão ou sequelas de uma operação; e
d) Efeito directo ou secundário de qualquer medicação terapêutica, de diagnóstico ou preventiva, prescrita ou não pelo médico, que estejam a tomar, que implique algum grau de incapacidade funcional que possa causar incapacidade ou inaptidão para exercerem as suas funções e responsabilidades de segurança.”
Já no anexo V, dispõe-se, a propósito da qualificação dos tripulantes de cabina envolvidos em operações de transporte aéreo comercial, que:
“CC.GEN.025 Privilégios e condições
a) Os privilégios dos titulares de certificados de tripulante de cabina consistem no exercício da função de tripulante de cabina no âmbito das operações de transporte aéreo comercial das aeronaves referidas no artigo 4.o, n.º 1, alíneas b) e c), do Regulamento (CE) n.º 216/2008.
b) Os tripulantes de cabina só podem exercer os privilégios especificados na alínea a) se: 1. Forem titulares de um certificado de tripulante de cabina válido, conforme especificado na CC.CCA.105; e 2. Cumprirem o disposto na CC.GEN.030 e na CC.TRA.225, bem como os requisitos aplicáveis da Parte MED.”
E de acordo com o artigo 11.º-B, n.º 1, do Regulamento, “Cada Estado-Membro deve designar uma ou mais entidades como autoridades competentes nesse Estado-Membro, atribuindo-lhes os poderes necessários e responsabilidades para a certificação e a supervisão das pessoas e organizações abrangidas pelo Regulamento (CE) n.º 216/2008 e pelas suas regras de execução”.
Em Portugal, a Portaria n.º 133/2003, de 5 de Fevereiro, que estabelece as normas relativas às condições de emissão dos certificados de aptidão profissional (CAP) e de homologação dos respectivos cursos de formação profissional relativas ao perfil profissional de tripulante de cabina (m/f), dispõe no seu artigo 2.º que “O Instituto Nacional de Aviação Civil, adiante designado por INAC, é a entidade certificadora, de acordo com os seus Estatutos, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 133/98, de 15 de Maio, com competência para emitir os CAP relativos ao perfil profissional identificado no n.º 1.º, assim como para homologar os cursos de formação profissional respectivos”.
O Decreto-Lei n.º 40/2015, de 16 de Março aprovou os estatutos da Autoridade Nacional da Aviação Civil, anteriormente designado Instituto Nacional de Aviação Civil, I. P., em conformidade com o regime estabelecido na Lei n.º 67/2013, de 28 de Agosto, que aprovou a lei-quadro das entidades administrativas independentes, dispondo no seu artigo 2.º que as referências feitas ao INAC, I. P., constantes de lei, regulamentos, contratos, licenciamentos, certificações, entre outros, consideram-se feitas à ANAC, nos termos da redenominação prevista nos n.ºs 3 e 4 do artigo 4.º da Lei n.º 67/2013, de 28 de Agosto.
É ainda relevante, por revelador das preocupações do legislador relativas à segurança no voo e à responsabilidade do tripulante de cabina nessa matéria, a Portaria 407/87, de 14 de Maio, que ainda se encontra em vigor e aprova o Regulamento sobre pessoal tripulante mínimo de cabina, a ela anexo, cujo artigo 1.º dispõe que “Quando uma aeronave registada em Portugal com o propósito de transporte público de passageiros possua uma capacidade de lugares superior a dezanove passageiros, a sua tripulação deve incluir pessoal de cabina com a finalidade de actuar no interesse da segurança dos passageiros transportados”.
De todo este enquadramento normativo resulta que os deveres dos tripulantes de cabina, em que se enquadram os comissários de bordo, são exigentes e pressupõem o cumprimento de rigorosos requisitos ao nível da aptidão física e psíquica, e que, em consonância, é igualmente exigente e rigoroso o regime de certificação médica de aptidão do pessoal aeronáutico civil, tendo os exames médicos de aeromedicina uma relevância decisiva para a possibilidade de o trabalhador exercer as suas funções.
Assim se compreende a jurisprudência que tem sido emitida neste Tribunal da Relação a este propósito, de que se destaca:
• o Acórdão da Relação de Lisboa de 11 de Julho de 2019, 1767/14.4T8CSC.L1, que a ora relatora subscreveu como adjunta, e inédito tanto quanto nos é dado saber, relativo a um piloto considerado “inapto para a profissão de comandante” pela UCS. Segundo este aresto, “não podendo o sinistrado continuar a voar comercialmente (digamos assim), temos para nós que, em razão de lhe ficar vedado esse núcleo fundamental, central, crucial, da profissão de piloto, verifica-se uma impossibilidade da sua conversão profissional, que não corre apenas em termos relativos, por ter deixado de laborar para a sua entidade patronal da altura (…), como igualmente em termos absolutos, pois não vislumbramos por que maneira se pode converter ou adaptar um tal “posto de trabalho”, de forma a obstar a que um piloto de aviões desenvolva aquele conjunto de movimentos, atitudes físicas, esforços e ações que são, inevitável e necessariamente, reclamados pelo quotidiano da sua profissão, de maneira a não acionar/prejudicar/agravar a sua zona cervical e lhe permitir responder e reagir total e convenientemente em todas as ocasiões e cenários”;
• o Acórdão da Relação de Lisboa de 13 de Julho de 2020, Processo n.º 597/17.6T8CSC.L1, inédito tanto quanto nos é dado saber, segundo o qual, no que tange à matéria do IPATH, é dito o seguinte: “Sendo assim [reporta-se o aresto obrigação de realização de exames médicos por tripulação de cabine que resulta do art.º 11 do Regulamento e de cujo resultado depende a possibilidade de exercer as inerentes funções], é forçoso concluir que, determinando os exames de aeromedicina a inaptidão da trabalhadora para exercer funções de tripulante de cabine, ela está necessariamente inapta para o seu trabalho habitual, não podendo sequer a empregadora, mesmo que o quisesse, mantê-la naquelas funções”;
• o Acórdão da Relação de Lisboa de 29 de Março de 2023, Processo n.º 14513/20.4T8LSB.L1, também inédito e subscrito pela ora relatora como adjunta, no qual ficou dito, após exposto o regime jurídico adequado: “Assim sendo, pode dizer-se que a verificação do estado físico (e psíquico) dos trabalhadores para exercerem as funções de tripulante de cabine cabe apenas às instituições nacionais da medicina aeronáutica previamente designadas pelo Estado (no caso a UCS), que a tal procedeu relativamente ao apelante, não podendo essa decisão deixar ser ponderada por junta médica constituída no âmbito de um processo laboral com vista a apurar as consequências decorrentes de um acidente de trabalho uma vez que aquela autoridade (entre as mais referidas no supra citado Decreto-lei 250/2003, de 11 de Outubro) tem competência para tal certificar, ex vi das normas citadas e do art.º 8.º da Constituição da República”;
• o Acórdão da Relação de Lisboa de 20 de Dezembro de 2023, Processo 16759/20.6T8LSB.L1-4, in www.dgsi.pt, segundo o qual “[é] de considerar afectado de IPATH o comissário de bordo que, em consequência do acidente, passou a ter limitações funcionais para realizar actividades habituais da sua profissão como tripulante de avião, o que foi reconhecido pela medicina aeronáutica, que o considerou inapto definitivamente para o seu trabalho habitual”.
No caso sub judice, a matéria de facto provada na sentença revela que o sinistrado prestava o seu trabalho de “Comissário de bordo”, e exercia essa função à data do acidente – 10 de Abril de 2018 –, factos que se mostram assentes nos autos e que este Tribunal da Relação deve acatar.
De acordo com a Classificação Portuguesa das Profissões de 2010, abreviadamente designada por CPP/201012, a profissão de “Assistentes de viagem e comissários”, “[c]ompreende as tarefas e funções dos assistentes de viagem e comissários que consistem, particularmente, em: • Acolher os passageiros e verificar bilhetes no avião, barco ou outro meio de transporte, indicar os lugares e verificar se as bagagens estão devidamente acondicionadas • Explicar e demonstrar procedimentos de segurança e emergência (máscaras de oxigénio, cintos de segurança, coletes salva-vidas, etc.) • Efectuar contagem dos passageiros embarcados, fechar portas e assegurar que são cumpridas as condições de segurança regulamentadas • Transmitir aos passageiros as saudações da tripulação e da empresa e prestar informações diversas (viagem, horários, ligações, etc.) • Servir refeições e bebidas aos tripulantes e passageiros e efectuar serviço de vendas de artigos • Verificar equipamento de emergência e prestar primeiros socorros • Apoiar passageiros com necessidades especiais (crianças, idosos ou pessoas com deficiência, etc.) • Cuidar das necessidades e conforto dos passageiros, responder às suas perguntas e manter as cabines limpas e arrumadas” (ponto 5111.0 da CPP/2010)13.
Está provado também na sentença que foi conferida alta clínica ao sinistrado em 22 de Setembro de 2020 (facto 5.).
E resulta dos autos que ao mesmo foi remetida, por carta datada de 17 de Junho de 2021, a decisão da Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) subscrita pelo Dr. DD, Avaliador Médico (Medical Assessor) do Departamento de Certificação Médica da ANAC que, conhecendo do recurso interposto pelo sinistrado da anterior decisão da ANAC de 28 de Dezembro de 2020 – que o considerou inapto (Unfit) definitivamente para o exercício dos privilégios de Tripulante de Cabine, de acordo com o respetivo Relatório Medico (Medical Report) subscrito pelo AME Dr. EE –, veio a confirmar essa decisão considerando o sinistrado definitivamente inapto (Unfit) para tal exercício, “uma vez que não estão reunidas as condições para o exercício em segurança dos privilégios do Atestado de Tripulante de Cabine, a título definitivo” (fls. 74 e ss.).
A nosso ver, tendo em consideração o particular regime jurídico que envolve o exercício profissional do pessoal aeronáutico civil (que pressupõe o cumprimento de rigorosos requisitos ao nível da aptidão física e psíquica), e o regime de certificação médica de respectiva aptidão para exercer a sua profissão, com a particular relevância dos exames médicos de aeromedicina para a possibilidade de o trabalhador exercer as suas funções, não podia deixar a sentença sob recurso, na avaliação livre a que procedeu do contexto probatório em presença com vista a emitir o seu juízo no sentido de estar – ou não – o sinistrado afectado de IPATH, deixar de ponderar a decisão da ANAC de 28 de Dezembro de 2020 fundada num Medical Report do AME Dr. EE, e confirmada ulteriormente, no sentido de considerar o sinistrado inapto (unfit) definitivamente para o exercício dos privilégios do seu atestado de tripulante de cabine, o que o impede de voar.
Bem andou pois a sentença ao atender a esta decisão da ANAC e ao relatório do médico psiquiatra em que a mesma se fundou, que tinha a qualificação de «AME» (examinador médico autorizado), conforme previsto no artigo 2.º do citado Decreto-lei 250/2003, de 11 de Outubro, a despeito de o mesmo nunca ter sido ouvido no decorrer deste processo, conferindo-lhe relevância para emitir a sua decisão no sentido de o sinistrado estar afectado de IPATH.
Deve acrescentar-se que o facto aventado no relatório psiquiátrico do Hospital XX de o sinistrado ter trabalhado após a data da alta – o que não está esclarecido e, a ter acontecido, ignoram-se também as circunstâncias em que o fez – não contende com a conclusão da sentença de que o mesmo se encontra permanentemente e absolutamente incapaz de exercer a sua profissão habitual14.
Como a ora relatora teve ocasião de frisar no Acórdão da Relação de Lisboa de 25 de Maio de 202215, “para a averiguação da existência de IPATH não releva se o sinistrado exerce ou não a profissão, nem as causas porque o faz ou deixa de fazer (pode até exercê-la com um sacrifício desmesurado e absolutamente inexigível, o que em nada contende com a afirmação da capacidade para o fazer segundo critérios médicos e jurídicos que partem de opções legislativas relacionadas com a normalidade do acontecer e com o que é razoavelmente de exigir a um ser humano), pelo que se nos afigura não ser este aspecto essencial para a avaliação e quantificação da incapacidade laboral do sinistrado”.
Em suma, considerando o teor da decisão da ANAC e o relatório da junta médica efectuada nos autos com a maioria pericial nele expressa (complementada pelo exame da especialidade de psiquiatria do Hospital XX e pelos demais pareceres apresentados pelas partes), importa concluir-se que as sequelas de que o sinistrado ficou a padecer na sequência do acidente de trabalho o impedem absolutamente de realizar o serviço de voo e, consequentemente, de exercer a sua actividade profissional habitual de comissário de bordo.
É assim de concluir que, em consequência do acidente de trabalho que o apelante sofreu, ficou a padecer de IPATH.
4.3.2.2. A recorrente critica ainda a sentença invocando que a mesma adere à posição maioritária da junta médica no que concerne à IPP de 25% sem que os médicos do tribunal e do sinistrado tenham justificado as razões objectivas por que divergem da IPP fixada no exame singular do IML.
Como já se referiu, a prova pericial, em que traduzem os exames médicos efectuados no quadro nas acções emergentes de acidente de trabalho, quer de natureza singular, quer colectiva, está sujeita à livre apreciação do julgador (cfr. o artigo 389.º do Código Civil). Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, “o princípio da prova livre (por contraposição à prova legal: prova por documentos, por confissão e por presunções legais) vigora no domínio da prova pericial (ou por arbitramento), da prova por inspecção (artigo 391.º) e da prova por testemunhas (artigo 396.º)”16.
Prova livre não quer dizer prova arbitrária, «mas prova apreciada pelo juiz segundo a sua experiência, a sua prudência, o seu bom sendo, com inteira liberdade, sem estar vinculado ou adstrito a quaisquer regras, medidas ou critérios legais»17.
Assim, sem prejuízo da necessidade de fundamentação da sua discordância – como, aliás, relativamente a qualquer decisão judicial (cfr. o artigo 154º do CPC) –, quando o juiz não acompanha o parecer dos peritos que integram a junta médica unânime ou maioritária, a lei não coloca qualquer entrave a tal distanciamento ou divergência, ainda que total18.
Tem é que haver razões fundadas para tal discordância na medida em que as questões sobre que incide a junta médica são de natureza essencialmente técnica, estando os peritos médicos mais vocacionados para sobre elas se pronunciarem, só devendo o juiz divergir dos respectivos pareceres quando disponha de elementos seguros que lhe permitam fazê-lo.
Ora, no caso sub judice não descortinamos razões fundadas para divergir da maioria pericial da junta médica, não sendo a circunstância invocada pela recorrente de molde a justificá-lo.
Senão vejamos.
O sinistrado ora recorrido não se conformou com o resultado do exame médico efectuado pelo perito médico nomeado na fase conciliatória e requereu a realização de exame por junta médica.
Nesta perícia colegial, os Exmos. Peritos do tribunal e do sinistrado, por maioria – com a discordância da Exma. Perita da seguradora, que entende estar o sinistrado afectado de 2% de IPP – concluíram que o sinistrado se mostrava afectado de uma IPP de 25% (bem como de IPATH, tendo ainda aplicado o factor 1.5 àquela IPP).
E, ao invés do alegado pela recorrente, fundamentaram a sua opinião pericial exarando a propósito o seguinte:
A junta médica hoje reunida, decide por maioria dos médicos do tribunal e do sinistrado que o sinistrado tem uma Perturbação de Stress Pós-Traumático, de acordo com fundamentação constante do relatório de psiquiatria da perita do sinistrado e transc[r]ito na Junta Médica de Psiquiatria final fls. 142v, configurando uma IPP de 25% pelo X 2 - grau III. Pela médica em representação do tribunal nesta junta, é esclarecido que o médico psiquiatra em representação do tribunal na Junta Médica de Psiquiatria não refere o diagnóstico efetuado nem fundamenta a valoração proposta (IPP de 60%), motivo pelo qual não pode ser subscrito este entendimento aí vertido.”
Pelos médicos do tribunal e do sinistrado, é ainda referido que se entende que o sinistrado padece de IPATH pelos motivos referidos na Junta Médica de Psiquiatria pelos peritos respetivos, lembrando que o próprio psiquiatra da ANAC considerou o sinistrado Inapto permanentemente para tripulante de cabine pelas queixas psíquicas (transcrição fls. 143v.) Pelo perito em representação da responsável é subscrita a proposta da psiquiatra respetiva da JM de Psiquiatria, 2% de IPP sem IPATH, dado que não foi esgotado o potencial terapêutica.”
Como resulta claramente deste excerto do laudo, os peritos que fizeram maioria aderiram à fundamentação constante do relatório de psiquiatria subscrito pela perita do sinistrado e transcrito a fls. 142 verso. Tal fundamentação tem o seguinte teor:
"Do Parecer de Especialidade — Psiquiatria Forense realizado a pedido do Sinistrado (Dra. CC — 28/12/2020):
“[...] Desde que foi considerado "inapto" para voar e assim exercer a sua profissão habitual, que relata melhoria progressiva do quadro psicopatológico de ansiedade generalizada, apenas referindo ter situações pontuais (associadas com aviões e com o voo em particular) em que ocorre uma reatividade ansiosa neurofisiológica e cognitiva de tipo ansioso fóbico, com componente aversivo e comportamentos de evitamento. Este quadro na presente data mantém-se "cristalizado", tal como foi também foi recentemente aferido pelo psiquiatra que avaliou o examinando a 12/02/2021. Isto significa que se pode considerar existir uma situação de dano psíquico com carácter crónico, não passível de remissão sintomática. Nega estar em uso de psicofármacos ou sentir necessidade destes, uma vez que se sente no controlo dos fatores que lhe causam mal-estar, "controlo" esse que na realidade é conseguido mediante mecanismos psicológicos disfuncionais/patológicos, como evitamento fóbico e/ou comportamentos aversivos, pois não foi tratado atempadamente e neste momento se mantém com carácter crónico, e não estar em exercício da sua profissão habitual, por não ter sido considerado apto para voar. O examinado teve uma crise aguda de ansiedade com predomínio de sintomas somáticos logo após o evento (AT) [...1 Este quadro agudo remitiu, mas manteve sintomas persistentes de ansiedade com predomínio da sintomatologia cognitiva nos vários contextos de vida, e sintomatologia neurovegetativa predominante no contexto laborai, para além de seis meses de duração, ainda que com intervenção psicológica e psiquiátrica. Estes sintomas deixaram de estar exclusivamente relacionados com o trabalho, com evolução para uma Perturbação da Ansiedade Generalizada. Este quadro clínico caracteriza-se por preocupação ou ansiedade excessivas e de difícil controlo perante diferentes aspetos da vida quotidiana. Estes aspetos causam mal-estar significativo e défice no funcionamento não só laborai, mas também social e nas demais áreas vivenciais, tendo um impacto negativo significativo na vida do examinando. No caso em apreço, existiu um lapso de tempo com duração considerável no qual não houve intervenção psiquiátrica, o que motivou um progressivo agravamento do quadro, com persistência dos sintomas tradutores de dano psíquico, os quais se mantinham em a 12/11/2020, altura em que foi avaliado tendo sido concluído pela não existência de elementos clínico da especialidade de Psiquiatria que evidenciassem uma situação de consolidação, com indicação para ser orientado para Consultas de Psiquiatria e Psicologia na Seguradora, o que não se terá verificado [...] Na presente data o examinando encontra-se diagnosticado com Perturbação de Stress Pós-Traumático (PTSD) e por tal situação psíquica (sequelar), confirmada em Avaliação Psiquiátrica requerida pela ANAC, foi determinado como "inapto" para voar. Por Dano Psíquico resultante de evento traumático em contexto de Acidente de Trabalho (AT), o examinando encontra-se assim impossibilitado do exercício da sua atividade profissional habitual. A partir de dezembro de 2020, e dado ter sido declarado "inapto" para voar e assim exercer a sua profissão habitual, apesar de ter recorrido da decisão, foi afastado definitivamente do exercício desta por ter um quadro psicopatológico compatível como diagnóstico de PTSD, dano psíquico decorrente de AT. Ao ter deixado de voar e de assim estar sob a influencia de fatores que lhe causavam a reatividade ansiosa persistente em contexto profissional, com aversão e evitamento fóbico, foi melhorando do quadro de ansiedade ao longo do último ano, sendo certo que persiste o Dano Psíquico, dano este que acabou por levar a que fosse considerado inapto para voar pela ANAC e assim ter tido que deixar de exercer a sua profissão habitual de Comissário de Bordo […] de acordo com o Anexo 1 da TNI (DL n.º 352/2007, 23 de outubro), no seu Capítulo X, n.º 2, Perturbação de stresse pós-traumático (F43.1), atribui-se ao Examinando uma IPP de 25% (0,25) de acordo com o previsto no Grau III — perturbações funcionais importantes, com manifesta diminuição do nível de eficiência pessoal ou profissional, no intervalo correspondente de 0,16-0,30. De igual modo a perita conclui [...] pela existência de um dano psíquico, necessário e suficiente, para fundamentar um parecer de IPATH (Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual), tendo sido declarado impossibilitado ("unfit") de continuar a exercer a sua profissão habitual."
Nesta fundamentação ficou descrito o quadro psicopatológico do sinistrado e a sua evolução, bem como as razões por que o mesmo foi afastado definitivamente do exercício da sua actividade profissional de comissário de bordo, tendo sido considerado inapto para voar pela ANAC em virtude do dano psíquico resultante do acidente de trabalho. Deste mesmo relatório de psiquiatria, a cuja fundamentação aderiu expressamente a maioria pericial, com remissão no laudo para as folhas do processo em que o mesmo se encontra, extrai-se que os peritos entenderam ser este quadro psicopatológico enquadrável no Capítulo X, n.º 2, Perturbação de stresse pós-traumático (F43.1) do Anexo 1 da TNI (DL n.º 352/2007, 23 de Outubro) e que se consideravam preenchido o grau III – “perturbações funcionais importantes, com manifesta diminuição do nível de eficiência pessoal ou profissional” – com um intervalo de “0,16-0,30” e não o grau I – “perturbações funcionais ligeiras, com nula ou discreta diminuição do nível de eficiência pessoal ou profissional” – com um intervalo de “0,01 - 0,05”, como considerou o perito singular no seu laudo.
Resultam, pois, do auto de junta médica as razões objectivas por que os peritos que fizeram maioria discordaram da opinião pericial do perito singular.
E bem se compreende, a nosso ver, em face do quadro psicopatológico decorrente do acidente de trabalho e descrito no relatório e perante a decisão da ANAC que afastou definitivamente o sinistrado do exercício da sua profissão de comissário de bordo ao considerá-lo inapto para o efeito por força daquele quadro, que se qualifique a perturbação funcional do sinistrado como “importante” por se constatar, de facto, uma “manifesta diminuição do nível de eficiência pessoal ou profissional”.
Afigura-se-nos, por um lado, ser dificilmente compatível com a avaliação aeromédica dos médicos da ANAC – o médico psiquiatra AME Dr. EE e o Avaliador Médico/Medical Assessor NN que, inclusivamente, consideraram o sinistrado inapto definitivamente para o exercício de tripulante de cabine, ficando o mesmo impedido de continuar a desempenhar a sua actividade profissional habitual de comissário de bordo – qualificar a incapacidade do sinistrado como uma “perturbação funcionais ligeira, com nula ou discreta diminuição do nível de eficiência pessoal ou profissional”, enquadrada no grau I – incapacidade entre 0,01 e 0,05.
Por isso não temos quaisquer reservas em acompanhar a maioria pericial expressa na junta médica quanto à IPP de que o sinistrado ficou a padecer ao enquadrar a perturbação funcional do sinistrado como “importante”, por haver uma “manifesta diminuição do nível de eficiência pessoal ou profissional”, movendo-se no âmbito do grau III – incapacidade entre 0,16 e 0,30.
Aliás, atenta a diversidade das molduras, os peritos médicos que fizeram maioria nunca poderiam situar a IPP em 2%, tal como o perito singular, nada nos levando a questionar aquela opinião pericial maioritária que procedeu à sua fixação concreta em 25%.
Finalmente, deve dizer-se que não se nos afigura proceder a argumentação do perito da entidade responsável expressa no auto de junta médica no sentido de reiterar os 2% de IPP sem IPATH, quando afirma que subscreve a proposta da psiquiatra da seguradora na junta médica de psiquiatria de 2% de IPP sem IPATH “dado que não foi esgotado o potencial terapêutico” (vide fls. 219).
Com efeito, e por um lado, houve consenso entre as partes na tentativa de conciliação realizada na fase conciliatória quanto à data da alta, ou seja, quanto à data em que “a lesão desapareceu totalmente ou se apresenta como insuscetível de modificação com terapêutica adequada” (cfr. o art.º 35º, nº 3, da Lei 98/2009, de 04.09 - LAT), a qual ficou fixada em 22 de Setembro de 2020 naquela diligência e plasmada em auto que vincula as partes (fls. 63), pelo que não pode neste momento discutir-se se a lesão se apresenta como suscetível de modificação com terapêutica adequada. A alta clínica constitui elemento essencial em matéria de reparação de acidentes de trabalho, desde logo porque determina o momento a partir do qual será devida a reparação correspondente à incapacidade permanente (artigo 50.º, n.º 2, da LAT) e no caso não está em discussão a data da alta ou consolidação das lesões.
Por outro lado, a afirmação do perito médico da seguradora de que não foi “esgotado o potencial terapêutico” em nada colide com a necessidade de os peritos da junta médica fazerem uma análise objectiva do estado actual do sinistrado – ou, mais rigorosamente, do que se verifica desde a data da alta – com vista a determinar o valor da pensão devida pela incapacidade permanente de que o mesmo se encontra afectado em consequência do acidente. Sem prejuízo do regime das recidivas e agravamentos, bem como da eventual revisão das prestações caso se verifiquem os pressupostos legais para o efeito (artigos 24.º e 70.º da LAT), cabia à junta médica (a todos os peritos que a compõem) fazer uma avaliação objectiva actual do sinistrado, tendo presentes todos os elementos que teve à sua disposição e ponderou, sem que tal avaliação fosse condicionada pela susceptilidade de uma modificação ulterior do estado físico do sinistrado com terapêutica adequada.
Entendemos pois, neste condicionalismo, que não só os peritos do tribunal e do sinistrado explicitaram de forma suficiente os fundamentos por que atribuíram ao sinistrado uma IPP de 25% com IPATH, em dissonância com o perito singular e com o perito da seguradora que teve intervenção na junta médica, como, ainda, que inexistem razões fundadas para o tribunal divergir desta maioria pericial, havendo prova suficientemente consistente e completa para suportar a decisão judicial da 1.ª instância de fixação da incapacidade que supra se transcreveu e se mostra igualmente fundamentada, em termos que merecem a nossa concordância.
Em suma, coligida a prova produzida, nada nos leva a afastar da posição expressa na decisão da Mma. Julgadora a quo de que o sinistrado se mostra afectado de uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual de comissário de bordo (IPATH) com IPP de 25%.
4.3.2.3. A recorrente invoca, finalmente, que o juiz aplicou o factor de bonificação de 1.5 sobre a incapacidade de 25%, sem que haja evidências nos autos de que o recorrido não é reconvertível em relação ao posto de trabalho.
É o seguinte o teor do ponto 5, alínea a), das instruções gerais da TNI, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, aplicável ao acidente sub judice:
«(…)
5 — Na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número:
a) Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG × 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor;
(…)»
Anteriormente regia sobre a matéria a Tabela Nacional de Incapacidades aprovada pelo Decreto-Lei n.º 341/93, cujo ponto 5, alínea a), das respectivas instruções gerais dispunha:
«(…)
5 - Na determinação do valor final da incapacidade devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número:
a) Sempre que se verifique perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho que ocupava com caráter permanente, os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados com uma multiplicação pelo fator 1,5, se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais.
(…)»
O Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão nº 10/2014, de 28 de Maio de 2014 (in DR, I Série, de 30 de Junho de 2014), uniformizou jurisprudência no sentido de que «[a] expressão “se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho”, contida na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente
Na fundamentação deste aresto, o Supremo Tribunal de Justiça fez constar, além do mais, o seguinte (excluem-se as notas de rodapé):
«8 – Assim, aquele segmento normativo «não reconvertível em relação ao posto de trabalho», como pressuposto da bonificação prevista naquela alínea, refere-se às situações em que o sinistrado não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao posto de trabalho que desempenhava antes do acidente.
A reconversão em relação ao posto de trabalho prevista naquela norma materializa-se no regresso do sinistrado ao desempenho das funções que tinha quando ocorreu o acidente, apesar das limitações em termos de capacidade que trabalho que do mesmo decorreram.
Pode, assim, afirmar-se que um trabalhador que foi vítima de um acidente de trabalho é reconvertido em relação ao posto de trabalho que tinha antes do acidente quando o pode retomar, apesar das limitações funcionais de que seja portador em consequência do acidente sofrido.
Quando esse regresso não seja possível, quando essa retoma não seja possível, o trabalhador não é susceptível de reconversão nesse posto de trabalho.
Aliás, já na vigência da TNI aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, em vigor, TERESA MAGALHÃES e Outros, abordaram o conteúdo daquele segmento normativo, referindo que «em lado algum se define o conceito de reconvertível, bem assim como as circunstâncias da reconversão ou o tipo de actividade para a qual essa reconversão é considerada (para a actividade específica habitual – avaliação teórica -, ou no seu posto de trabalho – avaliação concreta? Não corresponderá antes a situação de não reconversão a um caso de IPATH?)»11.
Adite-se que na linha da jurisprudência definida nesta secção12 os casos de IPATH são situações típicas de não reconvertibilidade do sinistrado em relação ao seu anterior
posto de trabalho.
Tudo para concluir que, à luz da actual redacção da alínea a) do n.º 5 da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais aprovada pelo Decreto-lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, para a aplicação do factor de bonificação 1,5, nela previsto, exige-se que a vítima não seja reconvertível em relação ao posto de trabalho, sem prejuízo das situações em que a bonificação em causa depende da idade do sinistrado.»
Ulteriormente, o Supremo Tribunal de Justiça reiterou este entendimento em dois arestos datados de 28 de Janeiro de 2015 (Processo n.º 28/12.8TTCBR.C1.S19 e Processo n.º 22956/10.5T2SNT.L1.S1 ), bem como no de 20 de Maio de 2020 (Processo n.º 4380/17.0T8VNF.G1.S1) aí decidindo, igualmente, que não ocorre incompatibilidade entre o estatuído na alínea b) do n.º 3 do artigo 48.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, relativo a fixação de pensões nas situações de incapacidade absoluta para o trabalho habitual e a alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, editada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, podendo cumular-se os benefícios nelas estabelecidos.
E mais recentemente, o mesmo Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 13 de Janeiro de 2021, veio afirmar que “existe uma corrente consolidada na jurisprudência do STJ no sentido de que não se verifica qualquer incompatibilidade entre a atribuição de uma IPATH e a bonificação estabelecida na al. a) do n.º 5 das Instruções Gerais da TNI, pelo que, tendo o acórdão recorrido seguido essa corrente jurisprudência, não estamos perante uma questão, que pela sua relevância jurídica, exija a apreciação pelo do STJ, em sede de revista excepcional, para uma melhor aplicação do direito” e decidiu “[n]ão admitir a revista excepcional interposta pela R. empregadora relativamente às seguintes questões: (…) b) Saber se, em termos gerais, são compatíveis a atribuição de uma IPATH e a bonificação estabelecida na al. a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidade”19.
Não vemos razões para nos afastarmos agora desta jurisprudência.
No caso vertente, resulta dos autos que, tendo por base as sequelas que apresenta, o sinistrado ficou afectado de uma incapacidade permanente absoluta para a profissão habitual (IPATH) desde a data da alta.
A constatação de que o sinistrado ficou com IPATH é suficiente para que se conclua ter havido perda de função inerente e imprescindível ao desempenho do posto de trabalho que ocupava, não sendo o sinistrado reconvertível ao mesmo.
Verifica-se assim o condicionalismo previsto na alínea a), do n.º 5 das Instruções Gerias da TNI de 2007, pelo que, em conformidade com a citada jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, devia ter sido – como foi – levado em conta o factor 1.5 na fixação do grau de incapacidade permanente para profissão compatível.
Não procedem as conclusões do recurso.
*
Porque a recorrente ficou vencida no recurso, a lei faz recair sobre si o pagamento das custas respectivas (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho). Mostrando-se paga a taxa de justiça e não havendo lugar a encargos, a responsabilidade da recorrente é restrita às custas de parte que haja.
*
5. Decisão
Em face do exposto, acorda-se em:
5.1. alterar oficiosamente os factos 2. e 3. nos termos sobreditos;
5.2. negar provimento aos recursos de apelação interpostos, confirmando-se as decisões recorridas.
Condena-se a recorrente nas custas de parte que haja.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, anexa-se o sumário do presente acórdão.
Lisboa, 11 de Setembro de 2024
Maria José Costa Pinto
Celina Nóbrega
Sérgio Almeida
_______________________________________________________
1. No início do auto refere-se que a continuação da junta médica aconteceu em 17 de Abril de 2022 por evidente lapso, já que, como se constata da informação do serviço de psiquiatria do Hospital constante de fls. 140 verso e ss., a data designada para a continuação foi 17 de Março de 2023, sendo exactamente essa a data em que foi subscrito o auto em causa, como se verifica a fls.147 verso.
2. Vide Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, I, 2.ª edição, pp.33-34 e Abílio Neto in Código de Processo Civil Anotado, 20ª ed., p. 901, em anotação ao art.º 664.º.
3. Vide no sentido de que não é possível no âmbito da acção emergente de acidente de trabalho a realização de mais do que uma junta médica na fase contenciosa, sobre os mesmos factos, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20 de Setembro de 2021, Processo 1346/19.0T8PNF-B.P1, in www.dgsi.pt.
4. Proferido no processo n.º 76/20.4T9PDL.L1-4, in www.dgsi.pt.
5. Recorde-se que não foi a recorrente quem despoletou a fase contenciosa dos autos com o pedido de realização de junta médica, nem tinha legitimidade para o fazer, uma vez que não discordou da incapacidade fixada pelo perito médico na fase conciliatória – cfr. o artigo 138.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho.
6. Vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12 de Junho de 2019, que a ora relatora subscreveu como adjunta, processo n.º 1015/12.1TTLSB.L1-4, in www.dgsi.pt.
7. Note-se que o Hospital XX comunicou ao tribunal a impossibilidade de comparência, no dia 17 de Março de 2023, da Dra. JJ, médica inicialmente nomeada em representação do sinistrado (a fls. 135 verso).
8. Como decorre do disposto no artigo 627.º do Código de Processo Civil, e constitui jurisprudência uniforme, os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a conhecer questões novas não apreciadas pelo tribunal recorrido, mas, sim, a apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso (vide, entre muitos outros, os Acórdãos do STJ de 2007.10.10, Processo n.º 3634/07-3.ª Secção, de 2008.12.04 Processo n.º 2507/08-3.ª Secção, de 2009.09.23, Processo n.º 5953/03.4TDLSB.S1-3.ª Secção, de 2016.02.08, Processo n. 207/15.6YRCBR.S1 - 3ª Secção e de 2023.07.11, Processo n.º Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de março de 2022, Processo 2837/19.8T8MTS.P1.S1, todos sumariados em www.stj.pt e o Prof. José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, p. 141).
9. Aspectos que a recorrente referencia na apelação que deveriam ser esclarecidos pelos srs. peritos da junta médica, mas que na reclamação apresentada não incluiu nos esclarecimentos a pedir.
10. Vide Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Parte Geral e Processo de Declaração, Coimbra, 2018, p. 188.
11. É esclarecedor o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 250/2003 quando nele se refere: “Nos termos das alíneas c) e d) do n.º 4 do artigo 7.º dos Estatutos do Instituto Nacional de Aviação Civil (INAC), aprovados pelo Decreto-Lei 133/98, de 15 de Maio, alterado pelo Decreto-Lei 145/2002, de 21 de Maio, o INAC é a entidade competente para certificar as entidades especializadas em medicina aeronáutica, que emitam certificados médicos de aptidão do pessoal aeronáutico, bem como esse mesmo pessoal, quanto às suas qualificações, proficiência e aptidão física e mental. Nos termos do n.º 2 do artigo 8.º dos mesmos Estatutos, compete igualmente ao INAC definir, através de regulamentos, os requisitos e pressupostos técnicos de que depende a concessão desses certificados. (…) Assim, até agora, o INAC tem exercido as suas competências no âmbito da certificação médica do pessoal aeronáutico através da emissão de normas técnicas, sem que exista um regime legal que enquadre adequadamente esta matéria. É precisamente esse regime que se pretende criar com o presente diploma. O presente decreto-lei visa estabelecer o regime de certificação médica de aptidão do pessoal aeronáutico civil, de acordo com as normas e práticas recomendadas no capítulo 6 do anexo n.º 1 da Convenção Internacional sobre Aviação Civil (Convenção de Chicago), adoptando as normas técnicas comuns da Joint Aviation Authorities (JAA). É, pois, necessário introduzir tais normas no ordenamento jurídico nacional, de modo a estabelecer em Portugal um regime de certificação médica com mérito de nível internacional, criando um regime baseado numa estrutura funcional adequada, apta a permitir o exercício eficaz e célere das competências do INAC neste domínio. Por outro lado, importa definir legalmente os requisitos para a certificação das entidades especializadas em medicina aeronáutica, bem como para a emissão, revalidação e renovação dos certificados médicos de aptidão do pessoal aeronáutico civil. Para tanto, são definidas, em primeiro lugar, as categorias de licenças, qualificações e autorizações cujos candidatos ou titulares necessitam de ver a sua aptidão médica certificada. Define-se, igualmente, qual o tipo de certificado médico exigido por cada uma dessas categorias. Os certificados médicos dividem-se em certificados médicos de aptidão da classe 1, 2 e 3, correspondentes a diferentes níveis de exigência dos requisitos e pressupostos médicos para a sua obtenção, equivalentes aos diferentes graus de exigência de aptidão médica necessários às diferentes categorias de licenças, qualificações e autorizações. Para cada uma dessas categorias, são fixados os requisitos da sua emissão, revalidação e renovação, bem como o seu conteúdo e validade. Definem-se, em seguida, quais as entidades competentes ao nível da medicina aeronáutica e o regime da sua certificação pelo INAC. Saliente-se a possibilidade de o INAC transferir para essas entidades o exercício de algumas das suas competências, o que permitirá uma maior descentralização do sistema da certificação médica, permitindo uma maior eficácia e funcionalidade do sistema, com vantagens óbvias para os utentes. Cria-se ainda um sistema de fiscalização da actividade das entidades competentes no âmbito da medicina aeronáutica e o respectivo regime contra-ordenacional, publicando-se em anexo ao presente diploma as normas técnicas JAR e os apêndices para os quais as mesmas remetem, cuja violação configura a prática de contra-ordenação. (…)”
12. Publicada na II Série do Diário da República nº 106, de 01 de Junho de 2010, que estabelece o novo quadro das profissões, tarefas e funções mais relevantes integrado na Classificação Internacional Tipo de Profissões de 2008 (CITP/2008), classificação recomendada aos Estados-Membros para produzir e divulgar estatísticas por profissões a nível da União Europeia (UE), pela Recomendação da Comissão de 29 de Outubro de 2008. A CPP/2010 foi elaborada a partir da CITP/2008 pelo Instituto Nacional de Estatística, I.P. (INE, I.P.), e veio substituir a Classificação Nacional de Profissões de 1994 (CNP/94) do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP).
13. De acordo com a CPP/2010 esta profissão “não inclui: • Motorista de táxi (8322.1) • Motorista de autocarros (8331.1) • Motorista de veículos pesados de mercadorias (8332.0) • Condutor de veículos accionados ao pé ou à mão (9331.0”), pelo que é admissível que se possa incluir na profissão de estafeta, o que resulta já da referência, na respectiva descrição, a que a deslocação é efectuada “normalmente em motorizada” o que abarca a deslocação com outros meios de transporte.
14. Assim decidiu o Acórdão da Relação de Évora de 25 de Janeiro de 2024, sumariado in Colectânea de Jurisprudência, tomo I, 2024, p. 359.
15. Proferido no Processo n.º 9141/19.0T8LSB.L1 e igualmente subscrito pelo Exmo. Sr. Desembargador aqui 2.ª Adjunto, inédito, tanto quanto sabemos.
16. In Código Civil Anotado, I Volume, 3.ª Edição, 1982, Coimbra, pp. 338 e 339, em anotação ao artigo 389.º
17. Vide o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 1997.12.30, in BMJ 271/185.
18. Vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa 2012.02.08, Processo: 270/03.2TTVFX.L1-4, in www.dgsi.pt, de que a ora relatora foi 1.ª adjunta e, bem assim, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 2006.05.02, in Colectânea de Jurisprudência, Tomo III, página 229 e do Tribunal da Relação de Évora, de 2004.06.22 in “Acidentes de Trabalho - Jurisprudência 2000-2007”, Colectânea de Jurisprudência Edições, coordenação de Luís Azevedo Mendes e Jorge Manuel Loureiro, p. 336.
19. Proferido no processo n.º 96/13.5TTGDM.6.P1, in www.dgsi.pt. No mesmo sentido, os também recentes Acórdãos desta Relação de Lisboa de 23 de Março de 2022, no processo n.º 809/20.9T8PDL.L1.