INSOLVÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
CONDIÇÃO SUSPENSIVA
Sumário

I - Verifica-se o vício de omissão de pronúncia previsto pelo art.º 615º, nº 1, al. d) do CPC se na impugnação que deduziu à lista de créditos a insolvente requereu a qualificação dos créditos fiscais por ela reconhecidos como créditos sob condição suspensiva com fundamento na não definitividade dos mesmos por terem resultado de liquidações oficiosas da AT, e a sentença recorrida concluiu pela improcedência da impugnação com fundamento na falta de demonstração da falsidade da certidão fiscal e do pagamento dos créditos por ela certificados.
II - Não ocorre violação dos princípios do contraditório e da descoberta material por ausência de concessão de oportunidade de produção de prova sobre questões de facto abordadas pela decisão recorrida se estas não integram o thema probandum delineado pelos fundamentos da impugnação e, como tal, não poderiam fundamentar o sentido daquela decisão, de improcedência da impugnação.
III - O princípio geral do inquisitório previsto pelo art.º 412º do CPC e o especialmente previsto pelo art.º 11º do CIRE, não desresponsabilizam os interessados dos ónus de alegação e prova dos factos que, por referência aos pedidos ou exceções deduzidos, sejam relevantes para o vencimento do pedido ou da defesa que deduzem, competindo-lhes a promoção das diligências que antevejam relevantes para a tese que pretendem faça vencimento, sem que se exija ou pressuponha que a inércia das partes seja substituída pela previdência do juiz “[c]omo se de um seu sucedâneo se tratasse.”
IV - A junção de documentos com as alegações de recurso carece de pertinência processual se por este não vem impugnada nem requerida a alteração da decisão de facto da sentença recorrida.
V - Os documentos produzidos até à prolação da sentença recorrida não cumprem o requisito da superveniência em qualquer uma das modalidades pressupostas pelo art.º 425º do CPC se o recorrente não alegou nem justificou a impossibilidade da sua junção até àquele momento.
VI - Os créditos sob condição suspensiva previstos pelo art.º 50º do CIRE correspondem a créditos que ainda não existem como tal na ordem jurídica por falta de verificação integral dos respetivos pressupostos constitutivos e de os pressupostos em falta estarem dependentes de facto futuro e incerto por força da lei, de decisão judicial, ou de negócio jurídico.
VII - Os valores das taxas de portagem devidas pela circulação rodoviária em infra-estruturas rodoviárias concessionadas, de coimas e de custas administrativas e fiscais, não são objeto de procedimento de liquidação oficiosa pela AT nos termos dos arts. 59º do Código e Procedimento e Processo Tributário e 45º da Lei Geral Tributária.
VIII - A constituição de créditos a título de impostos corresponde à etapa final de procedimento tributário que integra a declaração do facto tributário e/ou determinação da base da tributação/matéria coletável, e a liquidação, oficiosa ou por autoliquidação, do imposto, a partir da qual o crédito se acha legal e integralmente constituído e exigível, ainda que possa ser objeto de posterior e eventual reforma ou alteração oficiosa por iniciativa da AT ou a pedido do contribuinte.
XI – Esta possibilidade, de eventual posterior alteração do valor do crédito tributário determinado no âmbito de procedimento de liquidação (oficioso ou não), não determina o seu reconhecimento como crédito sob condição suspensiva.

(Da responsabilidade da relatora, cfr. art.º 663º, nº 7 do CPC).

Texto Integral

Acordam as Juízas da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I -Relatório
1. Por apenso ao processo de insolvência de V…, Ldª – instaurado em 28.06.2022 e declarada por sentença de 09.09.2022 - o Sr. administrador da insolvência (AI) apresentou lista de créditos reconhecidos no montante total de €538.045,46 distribuído por 7 credores, entre os quais créditos reclamados pelo Ministério Público (MP) em representação da Autoridade Tributária (AT), sendo créditos garantidos/privilegiados a título de IVA (€1.659,51), taxas de portagem (€580,72 e €235,37) e IRS/DMR (€8.687,00), e crédito comum a título de IVA, IRC, IRS/DMR, IUC, coimas e custas no montante de €328.827,41 (sendo €295.169,30 a título de capital e €33.658,11 a título de juros ‘e outros’).
2. Por requerimento de 27.07.2023 a insolvente impugnou os créditos reclamados e reconhecidos à AT, exceto os créditos a título de taxas de portagem reconhecidos como privilegiados, impugnação que deduziu com fundamento na falta de correspondência de valores reconhecidos com o “valor real em dívida que se virá a apurar”.
Alegou que os créditos reconhecidos ‘terão’ sido apurados por via do ‘balanço oficioso’ feito pela AT mas que a insolvente ainda procede a verificação interna de documentação com vista à apresentação de algumas contas em falta apresentar à AT, como por exemplo, para efeitos de dedução de IVA, que serão prestadas brevemente por se encontrar em prazo para o efeito e que irão alterar o valor daqueles créditos e ‘abater’ ao valor reconhecido, razão pela qual os valores apurados pela AT não se encontram corretos e não podem ser aceites como definitivos “por não corresponderam ao valor que efetivamente se irá apurar, após a apresentação das respetivas declarações.”.
Invocou o art.º 50º do CIRE e concluiu requerendo “não serem reconhecidos os créditos que se impugnam, ou sendo reconhecidos alterando-se a sua qualificação para créditos sob condição suspensiva, apenas vindo os mesmos a serem apurados mais tarde e nessa altura graduados no lugar que lhe competir, com todas as demais consequências legais”.
Como meio de prova arrolou testemunhas e requereu declarações de parte na pessoa do seu legal representante.
3. Em resposta o MP requereu a improcedência da impugnação. Alegou que aqueles valores são objeto de execução fiscal e foram apurados de acordo com a certidão de dívida emitida pela AT em 13.09.2022, que esta constitui título executivo nos termos dos arts. 162º, al. a) e 163º, nº 1 e 2 do CPPT, e que a impugnante não comprovou documentalmente que aqueles valores não correspondem aos valores reais em dívida.
Juntou certidão e reclamação de créditos da AT, e arrolou duas testemunhas.
4. Em 15.03.2024 foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos que julgou improcedente a impugnação deduzida pela insolvente e verificados os créditos da AT nos termos reconhecidos pelo AI.
5. Inconformada, a insolvente recorreu da sentença e requereu a sua revogação e substituição por outra em conformidade com o alegado no recurso. Apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões[1]:
(…)
C. Acontece que, a decisão proferida pelo Tribunal, transcrita supra, não foi ao encontro do alegado, nem do pedido pela Recorrente.
D. A Recorrente na sua impugnação alegou que o crédito da Autoridade Tributária não podia ter carácter definitivo, uma vez que o apuramento, à data, resultava apenas do apuramento oficioso, por parte da Autoridade Tributária, uma vez que ainda faltavam apresentar várias contas, por parte da Recorrente, por exemplo, apresentações de declarações de IVA e outras declarações fiscais bem como encontro de contas, referentes a vários anos, o que iria forçosamente alterar os valores em causa.
E. E tribunal a quo, apesar de no início da sentença da qual aqui se reclama ter identificado bem o pedido da Recorrente, acaba por proferir decisão que em nada tem a ver com o alegado pela Recorrente.
F. O Tribunal a quo decide como se a Recorrente tivesse colocado em causa a veracidade dos valores juntos, através de certidão, pela Autoridade Tributária, e que por não conseguir provar a sua falsidade, através de documentação com a mesma força probatória o seu pedido não podia proceder.
G. Ora não foi nada disto que aconteceu, a Recorrente nunca colocou isso em causa mas sim, apenas o carácter definitivo dos mesmos,
H. Uma vez que se encontravam contas de anos em falta para apresentar, declarações de IVA por apresentar, bem como outras declarações fiscais, encontrando-se a Recorrente ainda dentro do prazo para o efeito para o efeito, o apuramento das contas finais não se podia tornar definitivo, tendo por isso pedido que a qualificação daqueles créditos fosse alterada.
I. Pelo que pretende a Recorrente ver corretamente decidida a sua pretensão, sendo apreciado novamente o pedido e a causa de pedir em causa na presente impugnação e que seja proferida decisão em conformidade.
J. Mais, pretende a Recorrente ter oportunidade de juntar a prova da apresentação das contas, não só referentes aos anos de 2018 e 2019 (Docs. 1 a 8), que aqui já junta evidências no presente Recurso, como também as demais que ainda venham a ser entregues referentes aos anos ainda em falta - 2020 a 2022 - para que os créditos sejam reconhecidos corretamente.
K. Como se pode verificar pelos documentos aqui juntos, já existe demonstração do efeito que já têm a apresentação das contas de apenas alguns anos (2018 e 2019) na alteração do crédito reclamado e reconhecido à Autoridade Tributária, o qual ainda continuará a sofrer alterações, até que as obrigações fiscais estejam totalmente cumpridas e por consequência as contas finalmente fechadas e definitivas, faltando ainda como se disse o apuramento das contas referentes ao período de 2020 a 2022.
L. Assim, de acordo com toda argumentação exposta, reproduzindo o que já foi dito em sede de impugnação de créditos, pede-se que o reconhecimento dos créditos da Autoridade Tributária, não o sejam sob forma definitiva, dado que os valores atuais não se tratam de valores definitivos mas sim de valores que estão ainda a ser alvo de alterações, por via da apresentação das contas que a Insolvente ainda se encontra a apresentar.
M. Mais, solicita-se a este Douto Tribunal que reconheça a pretensão da Recorrente e que considere o seu pedido procedente, sendo-lhe concedida a oportunidade de juntar a prova que já detém a presente data e que já comprova a mutação de alguns créditos e que venha ainda a poder juntar a que falta apurar.
N. Além do já supra exposto, o Tribunal não pautou as suas diligências pelo princípio da descoberta da verdade material, não se pautando pelos princípios mais basilares do direito, acesso ao direito, previsto no art.º 2.º, dever de gestão processual, ínsito no art.º 6.º, n.º 1, princípio do adequação formal, necessidade do pedido e da contradição, constante do artigo 3.º, igualdade das partes, estipulado no artigo 4.º, ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal, escrito no artigo 5.º, Dever de gestão processual, artigo 6.º, princípio da cooperação, no artigo 7.º, princípio do adequação formal, previsto no art.º 547.º do C.P.C., bem como a violação do disposto nos arts. 154.
O. Ora se considerou que para a pretensão da Recorrente ter provimento teria que ser junta prova, deveria ter dado oportunidade às partes de se pronunciarem nesse sentido mas não, a decisão foi proferir decisão final, sem mais, não tem sido marcada qualquer audiência, nem tão pouco a parte notificada para juntar a prova considerada necessária, sob pena de ação ir por agua a baixo, não lhe tendo sido dada a oportunidade de ser ouvida.
P. Pelo que não o tendo feito, não se pautou pelos princípios mais basilares da nossa ordem judicial e que são imprescindíveis para que a justiça possa imperar, dever da descoberta da verdade material, dever de gestão processual e demais princípios conexos.
Q. Por fim, o Juiz a quo não versou a sua decisão sobre a matéria da impugnação de créditos apresentada pela Recorrente, não tendo procedido à análise factual e jurídica do que veio a ser, naquela sede, invocada pela Recorrente.
R. O tribunal a quo não pode ignorar a impugnação apresentada posto que a mesma, a ser apreciada, pela matéria ali excecionada, pode determinar decisão diversa.
S. Nos termos do art.º 615º, al. d) do Código de Processo Civil “É nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)”.
T. No caso concreto o juiz a quo não se pronunciou sobre todas as questões que foram submetidas à sua apreciação, considerando-se para tanto os assuntos juridicamente relevantes, pontos de facto ou direito em que as partes fundamentam as suas pretensões, como aquela impugnação.
U. Termos em que o juiz a quo incorreu na violação do art.º 615.º, n.º 1, al. d) e n.º 4 do Código do Processo Civil, razão pela qual se argui, desde já, a nulidade da sentença recorrida, quanto a esta parte, por total ausência e omissão de pronúncia.
V. Independentemente da correta aplicação da Lei, o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão sobre pressupostos errados.
W. A aludida decisão padece assim ainda de nulidades, subsumíveis ao artigo 615.º, nº 1 alínea c) e d), pois a mesma baseia-se em supostas alegações feitas pelas partes que nunca existiram, parecendo que não está a decidir da problemática efetivamente em causa.
X. O Tribunal a quo refere que a posição da Recorrente era: “Veio impugnar a lista de créditos a Insolvente invocando que os créditos reconhecidos na lista do Sr. Administrador da Insolvência, sob os nºs:
(….)
Deveriam não ser reconhecidos, ou sendo reconhecidos ser alterada a sua qualificação para créditos sob condição suspensiva, apenas vindo os mesmos a serem apurados mais tarde e nessa altura graduados no lugar que lhe competir”
Y. Mas depois, por outro lado, na mesma sentença, da qual aqui se recorre profere uma decisão, ignorando totalmente o efetivo pedido da Recorrente e os seus argumentos, proferindo uma decisão que não se aplica ao pedido em causa, a qual:
Quanto à impugnação deduzida pela Insolvente quanto aos créditos da Autoridade Tributária e Aduaneira não podemos deixar de considerar que assiste razão ao Ministério Público. Com efeito, tendo o Ministério Público junto com a reclamação de créditos apresentada certidão emanada de uma autoridade pública nos limites da sua competência (art.º 24º do Código de Procedimento e Processo Tributário) a certificar a existência de dívidas fiscais e tratando-se de um documento autêntico (art.ºs 363º, n.º 2, e 369º, n.º 2, do Código Civil) - que faz prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que neles esta atestado com base nas perceções da entidade documentadora (art.º 371º do Código Civil) para ser ilidida tal força probatória mostrava-se necessário que o Insolvente tivesse demonstrado a sua falsidade (art.º 372º do Código Civil).
Ora, no caso em apreço, não só a Insolvente não invocou a falsidade da certidão junta, como não demonstrou que os créditos aqui reclamados e reconhecidos pelo Sr. Administrador da Insolvência já tenham sido pagos. Nestes termos tem de improceder a impugnação deduzida pela Insolvente quanto aos créditos da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Z. Como se vê a Recorrente nunca carreou para o processo qualquer posição semelhante, nunca foi esta a discussão patente nos presentes autos, sobre a qual parece estar o Tribunal a quo a decidir.
AA. A discussão em causa, como já se disse prendia-se apenas com o carácter não definitivo do crédito e não com a alegação de qualquer falsidade do mesmo.
BB. Nunca se alegou a falsidade de qualquer documento junto pela Autoridade Tributária, apenas se disse que o valor reconhecido provinha apenas de um apuramento oficioso, não se podendo por isso considerar definitivo, uma vez que existiam ainda contas a apresentar as quais iriam, forçosamente, alterar os valores.
CC. Não entendem sequer os Recorrentes, de onde esta problemática surgiu.
DD. Estas questões/fundamentos decisórios nunca haviam sido alegadas nos presentes autos.
EE. Portanto, a decisão proferida pelo Tribunal a quo é proferida com base num pressuposto errado, pois não era esta questão em discussão,
FF. Estamos assim perante uma nulidade, padecendo a sentença de que se recorre de uma nulidade subsumível a alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, pois a decisão padece de alguma obscuridade e ambiguidade, tornando-se ininteligível, a qual é por consequência também subsumível a alínea d) pois acabou por não se pronunciar sobre as questões que se devia ter pronunciado (as efetivamente alegadas pelas partes) pronunciando-se sobre outras que não estavam em causa.
GG. Para além desta nulidade acabada de mencionar, o Tribunal a quo não se pronunciou também sobre questões que se devia ter pronunciado, ignorando a Lei vigente, o que configura uma nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, bem como a verificação de uma errada aplicação da Lei ao caso em concreto.
HH. Pelo que enferma a mesma de nulidade, requerendo-se assim as respetivas consequências por via da decretação da nulidade da mesma, incluindo a anulação dos termos subsequentes que dele dependam absolutamente.
II. Tal decisão, da qual se recorre, acarreta, por conseguinte, prejuízo óbvio para a Insolvente.
JJ. Assim, padece de um vício que afeta a própria decisão o que significa que, no caso em apreço, não pode deixar-se de alegar uma vez mais, a nulidade do despacho que decretou improcedência da impugnação de créditos apresentada pela Recorrente relativa aos créditos reconhecidos na lista de créditos, do 129º do CIRE apresentada pelo AI, no dia 14.07.2023.
KK. Neste sentido, entende a Recorrente que o Tribunal a quo, devia ter proferido decisão a favor da procedência da sua impugnação, tendo fundamentado corretamente a sua posição, tendo em conta a verdadeira discussão que se encontrava em causa e que deveria ter sido alvo de decisão.
LL. Devendo ter tido em atenção os efetivos fundamentos alegados pelas partes e não outros que nunca tinham estado em discussão nos presentes autos.
MM. E decidindo assim, pela procedência da impugnação, não reconhecendo como definitivos os créditos ou quanto muito reconhecê-los sob condição suspensiva, nos termos de artigo 50.º do C.I.R.E, pelo que se impõe que o Tribunal ad quem, aprecie devidamente todas as questões suscitadas, modificando e revogando a douta decisão em conformidade com o Direito.
NN. Assim, não se entende a decisão proferida, padecendo a mesma de errada aplicabilidade da lei, bem como de fundamentação proferida com base em pressupostos errados, tudo isto culminando numa decisão errada, da qual tem que se recorrer, pois a mesma, tendo em conta o seu teor pode trazer prejuízos para a Recorrente.
OO. Mas, em todo o caso, estão, a Recorrente, em crer que o Juiz ad quem terá a oportunidade de fazer uma análise mais cuidada de toda a situação e pronunciar-se sobre esta matéria, tendo por base um juízo lógico e em defesa dos direitos e garantias da aqui Recorrente.
PP. Não o tendo feito, e porque tal constitui uma violação, pelo juiz a quo, dos princípios do acesso ao direito, previsto no art.º 2.º, dever de gestão processual, ínsito no art.º 6.º, n.º 1, princípio do adequação formal, necessidade do pedido e da contradição, constante do artigo 3.º, igualdade das partes, estipulado no artigo 4.º, ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal, escrito no artigo 5.º, Dever de gestão processual, artigo 6.º, princípio da cooperação, no artigo 7.º, princípio do adequação formal, previsto no art.º 547.º do C.P.C., bem como a violação do disposto nos arts. 154.º, 615.º n.º 1 alínea c) e d), do C.P.C. e art.º 20.º da C.R.P. previsto no art.º 547.º do C.P.C., bem como a violação do disposto nos arts. 615.º n.º 1 alínea c) e d), do C.P.C. e art.º 20.º da C.R.P, bem como a não consideração da argumentação e do pedido feito pela Recorrente, pois deveria ter sido o mesmo considerado e não foi ,pelo que obviamente tomou uma decisão que não só é contrária à lógica do direito, como é injusta e errada (de facto e direito) e contrária à lei em vigor, impondo-se que o Tribunal ad quem, aprecie devidamente todas as questões suscitadas, modificando e revogando a douta decisão em conformidade com o Direito e com a justiça.
Com as alegações juntou comprovativo da entrega, entre julho de 2023 e fevereiro de 2024, de (8) declarações trimestrais de IVA referente aos anos de 2018 e 2019.
6. Não foram apresentadas contra-alegações.

II – Objeto do Recurso
É consensual que, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha nos temos do art.º 662º nº 2 e 608º, nº 2, este, ex vi art.º 663º, nº 2, ambos do CPC, o âmbito do recurso é delimitado pelo objeto da decisão recorrida e definido pelas conclusões das alegações (cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC), e destina-se à reapreciação da bondade da decisão recorrida e não à apreciação de questões não submetidas à apreciação do Tribunal a quo, cujo conhecimento está vedado ao tribunal ad quem. Acresce que o tribunal não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos nas alegações das partes, mas apenas das questões de facto ou de direito suscitadas que, contidas nos elementos da causa (ou do incidente), se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, sendo o tribunal livre na determinação, interpretação e aplicação do direito (cfr. art.º 5º, nº 3 do CPC).
Assim, considerando as alegações de recurso, e por referência ao segmento da sentença na parte em que julgou improcedente a impugnação à lista de créditos deduzida pela recorrente, pela ordem lógica do conhecimento das questões suscitadas cumpre apreciar:
1. Da nulidade da sentença com fundamento nas als. c) e d) do art.º 615º, nº 1 do CPC por se basear em questões/fundamentos não alegados pelas partes e que não são objeto de discussão, e por não se pronunciar sobre a matéria alegada e questão efetivamente suscitada pela impugnação, da não definitividade dos valores dos créditos reconhecidos por virem a ser alvo de alterações por via das contas que a insolvente se encontra a apresentar.
2. Da violação dos princípios do contraditório e da descoberta material por ausência de notificação da insolvente para se pronunciar sobre a ausência de prova que o tribunal considerava necessária (ao êxito da impugnação) e para lhe dar oportunidade de a juntar.
Caso não resultem prejudicados pela solução da questão precedente,
3. Da admissibilidade da junção dos (8) documentos apresentados com as alegações; e
4. Se, como pretende a recorrente, os créditos objeto da impugnação devem ser reconhecidos como créditos sob condição suspensiva.

III – Fundamentação de Facto
Para além das incidências processuais acima relatadas, com relevo para a apreciação do recurso mais se aditam os seguintes factos:
1. Da certidão de dívidas fiscais em cobrança coerciva sobre a insolvente emitida pela Autoridade Tributária e junta com a reclamação de créditos do Ministério Público constam dívidas a título de:
- taxas de portagem referentes à circulação de veículos automóveis ao longo dos anos de 2017 a 2021, coimas e custos administrativos aos mesmos associados;
- IVA referente aos anos de 2017, 2018, 2019, 2020, e 2021, vencido em 2017, 2018, 2019, 2020, 2021 e 2022;
- IRS referente aos anos de 2017, 2018, 2019, 2020, 2021 e 2022, vencido em 2017, 2018, 2019, 2020, 2021 e 2022;
- IRC referente aos anos de 2018 (no montante de €63.181,74, do qual €3.882,54 a título de juros) e 2019 (no montante de €63.720,95, do qual €3.915,65 a título de juros), vencido em 2021, e IRC referente ao ano de 2020 (no montante de €61.088,07, do qual €1.191,51 a título de juros), vencido em 2022.
- Coimas fiscais e outros tributos referentes aos anos de 2017 a 2021.

IV - Fundamentos do recurso
1. Da nulidade da sentença
É consensual na doutrina e na jurisprudência que, com exceção da falta de assinatura do juiz (al. a), as nulidades taxativamente previstas pelo art.º 615º do CPC reportam à violação de regras de estrutura, conteúdo e limites do poder-dever de pronúncia do julgador, correspondentes a defeitos de atividade ou de construção da própria sentença, ou seja, vícios formais da sentença ou vícios relativos à extensão ou limites (negativo e positivo) do poder jurisdicional por referência ao caso submetido a apreciação e decisão[2]. Vícios que não contendem com o mérito da decisão e, por isso, não consubstanciam nem se confundem com um qualquer erro de julgamento, quer na apreciação da matéria de facto, quer na atividade silogística de aplicação do direito. Os primeiros – vícios formais ou de limites da sentença - dão lugar à anulação da sentença. Os segundos – vícios materiais ou erro de julgamento - são passíveis de censura apenas por via de recurso, e determinam a revogação da decisão.
A recorrente imputa ao segmento recorrido da sentença recorrida os vícios previstos nas als. c) e d) do nº 1 do art.º 615º do CPC.
Prevê a al. al. c) que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Muito sinteticamente, a decisão é ambígua ou obscura quando, por ser passível de distintas interpretações ou por não se alcançar o que o juiz quis dizer, não se apresenta com um sentido equívoco, certo e definido para os seus destinatários. Conforme sumariado no acórdão do STJ de 22.01.2019, “2. A nulidade ancorada na ambiguidade ou obscuridade da decisão proferida, remete-nos para a questão dos casos de ininteligibilidade do discurso decisório, concretamente, quando a decisão, em qualquer dos respectivos segmentos, permite duas ou mais interpretações (ambiguidade), ou quando não é possível saber com certeza, qual o pensamento exposto na sentença (obscuridade).
A al. d) prevê que a sentença é nula quando O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. O vício de omissão ou de excesso de pronúncia corresponde a vício de limite, por não conter ou por conter mais do que devia conter por referência à instância e ao caso delineado na ação. Vício que encontra fundamento legal positivo no art.º 608º do CPC que, sob a epígrafe Questões a resolver - Ordem do julgamento, no seu nº 2 dita que O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. A referência legal a questões assume aqui um sentido amplo, no sentido de abranger a resolução, conclusão ou solução do concreto pedido deduzido pelas partes por referência à causa de pedir que suporta a ação ou a defesa, no sentido de o objeto da sentença coincidir com o objeto do processo, correspondendo este ao efeito prático-jurídico tal qual como surge configurado pelas pretensões deduzidas pelas partes.  Nesse sentido, entre outros, acórdão do STJ de 03.10.2017[3]: A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia. As ‘questões’ submetidas a apreciação pelas partes não se confundem assim com os argumentos jurídicos por elas invocados e esgrimidos para convencer da bondade da sua pretensão (ou exceção); conforme já referido, o tribunal não está adstrito à apreciação de todos os argumentos jurídicos alegados pelas partes, apenas das questões de facto ou de direito, pelo que não integra aquele vício [a] omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado.[4] Premissa que encontra suporte no facto de, cfr. art.º 5º, nº 1 e 3 do CPC, o juiz não estar sujeito/limitado às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas, pelo que, enveredando fundamentadamente por uma orientação, as restantes, ainda que alegadas, não têm de ser analisadas como questões jurídicas autónomas se tratassem, que o não são[5].  
Conforme anotam A. Geraldes, P. Pimenta e L. Sousa[6], o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e as pretensões deduzidas e, “[p]ara determinar se existe omissão de pronúncia há que interpretar a sentença na sua totalidade, articulando fundamentação e decisão (STJ 23-1-2019, 4568/13).
A sentença recorrida apreciou e decidiu a impugnação da recorrente nos seguintes termos:
Quanto à impugnação deduzida pela Insolvente quanto aos créditos da Autoridade Tributária e Aduaneira não podemos deixar de considerar que assiste razão ao Ministério Público.
Com efeito, tendo o Ministério Público junto com a reclamação de créditos apresentada certidão emanada de uma autoridade pública nos limites da sua competência (art.º 24º do Código de Procedimento e Processo Tributário) a certificar a existência de dívidas fiscais e tratando-se de um documento autêntico (art.ºs 363º, n.º 2, e 369º, n.º 2, do Código Civil) - que faz prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que neles esta atestado com base nas perceções da entidade documentadora (art.º 371º do Código Civil) para ser ilidida tal força probatória mostrava-se necessário que o Insolvente tivesse demonstrado a sua falsidade (art.º 372º do Código Civil). Ora, no caso em apreço, não só a Insolvente não invocou a falsidade da certidão junta, como não demonstrou que os créditos aqui reclamados e reconhecidos pelo Sr. Administrador da Insolvência já tenham sido pagos.
Nestes termos tem de improceder a impugnação deduzida pela Insolvente quanto aos créditos da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Em fundamento dos vícios que lhe imputa a recorrente alega que a decisão se baseia em questões/fundamentos não alegados pelas partes e que não são objeto de discussão e, por outro lado, que não se pronuncia sobre a matéria alegada e questão efetivamente suscitada pela impugnação, da não definitividade dos valores dos créditos reconhecidos (por estarem a ser alvo de alterações por via das contas que a insolvente se encontra a apresentar).
Ora, dos termos da sentença transcrita resulta que os fundamentos em que assenta a decisão de improcedência são claros e perfeitamente inteligíveis e inequívocos, a saber, a consideração da força probatória da certidão fiscal, da ausência de demonstração da falsidade desse documento, e da ausência de demonstração do pagamento dos créditos fiscais reclamados. Das alegações de recurso mais resulta que a recorrente percecionou e compreendeu perfeitamente o sentido do exposto pela sentença recorrida, não se verificando o vício que lhe imputa, de obscuridade ou ininteligibilidade, previsto pela al b) do art.º 615º do CPC.
Porém, as questões sumariamente invocadas e apreciadas pela sentença recorrida não correspondem nem vão ao encontro da causa de pedir que a recorrente invocou para fundamentar o pedido de não reconhecimento dos créditos da AT ou do seu reconhecimento como créditos sob condição suspensiva - como acima se relatou, alegou que os créditos fiscais por ela impugnados terão’ sido apurados por via do ‘balanço oficioso’ feito pela AT e, por isso, e porque se apresta a apresentar contas que estavam em falta, os valores daqueles créditos não podem ser aceites como definitivos “por não corresponderam ao valor que efetivamente se irá apurar após a apresentação das respetivas declarações”. Na sentença são invocadas as questões da falsidade da certidão fiscal e do pagamento dos créditos por ela certificados para concluir que a recorrente não demonstrou nem uma nem outra, sendo certo que estas não correspondem aos fundamentos da impugnação. Por outro lado, apesar de ter apreciado o pedido da verificação ou não dos créditos impugnados, absteve-se de apreciar os fundamentos invocados pela recorrente, correspondentes a alegada liquidação oficiosa dos créditos fiscais reconhecidos e a alegada intenção e apresentação de contas ou de declarações em falta junto da AT, e se tais pressupostos de facto obstam ao reconhecimento dos créditos fiscais ou impõem o seu reconhecimento como créditos sob condição suspensiva.
Do cotejo dos fundamentos que suportam a decisão de improcedência da impugnação com os fundamentos por esta alegados resulta que uns e outros não coincidem. O que tudo se traduz no vício de limites de conhecimento previsto pela al. d) do nº 1 do art.º 615º do CPC na medida em que, não obstante tenha decidido a questão da verificação dos créditos impugnados, fê-lo por referência a causa de pedir não alegada e omitindo a apreciação da invocada.
Com o que se conclui pela parcial procedência da nulidade da sentença arguida, que se julga verificada com fundamento na invocada omissão de pronúncia, com a virtualidade de suscitar a intervenção dos poderes de apreciação da Relação em substituição do tribunal recorrido, por imperativo do art.º 665º nº 1 do CPC.

2. Da violação dos princípios do contraditório e da descoberta material
Alega a recorrente que o tribunal recorrido incorreu na violação daqueles princípios, se bem se entende, porque não a notificou para se pronunciar sobre a ausência de prova que (o tribunal) considerava necessária, e para lhe dar oportunidade de a juntar, imputando-lhe assim omissão de oficiosidade, no pressuposto de esta ser devida.
A improcedência desta imputação, mais que determinada pelo regime jurídico processual aplicável, impõe-se pela lógica das premissas e resultado da questão antecedente, com a qual logicamente colide a arguição ora em referência posto que as únicas questões de facto que em sede de apreciação da impugnação o tribunal recorrido referiu não terem sido demonstradas pela recorrente – falsidade da certidão fiscal e pagamento dos créditos impugnados – não integravam o thema probandum compreendido nos termos previstos pelos arts. 410º e 411º do CPC na precisa medida em que não foram alegadas nem correspondem por qualquer forma aos fundamentos da impugnação à lista deduzida pela recorrente que, conforme esta alegou no recurso e acima se confirmou, subsistem para ser apreciados.
 Mas ainda que assim não fosse, falharia razão à recorrente na censura que dirige ao tribunal recorrido pela ausência de oficiosidade no apuramento de factos, incorrendo a recorrente em equívoco sobre os princípios do dispositivo, da auto-responsabilidade das partes e do inquisitório que informam o direito processual civil, que no caso se acentua no confronto com a ausência de qualquer atividade probatória da recorrente sobre os fundamentos da impugnação, que os arts. 25º, nº 2 e 134º, nº 2 do CIRE impõem seja apresentada ou requerida com os articulados. É inegável que o processo de insolvência é dominado por um princípio do inquisitório forte, que permite a investigação oficiosa de factos alegados ou não alegados pelas partes nos termos previstos pelo art.º 11º do CIRE que, conforme dele consta, se restringe ao processo de insolvência (no sentido estrito de processo principal) aos incidentes nele enxertados, aos embargos à insolvência e ao incidente de qualificação da insolvência. Ainda assim, mesmo nestes específicos procedimentos as partes não estão desresponsabilizadas dos ónus de alegação e prova dos factos que, por referência aos pedidos ou exceções deduzidos, sejam relevantes para o vencimento do pedido ou da defesa que deduzem[7], competindo em qualquer caso às partes a promoção das diligências que antevejam relevantes para a tese que pretendem faça vencimento, sem que se exija ou pressuponha que a inércia das partes seja substituída pela previdência do juiz “[c]omo se de um seu sucedâneo se tratasse.[8] Ónus que os interessados têm a faculdade de exercer ou não exercer, sujeitando-se porém às consequências do seu não exercício. Com efeito, as especificidades processuais do procedimento de verificação e graduação de créditos apenso a processo de insolvência não precludem nem abdicam do princípio do dispositivo e dos ónus de alegação e de prova dos factos constitutivos dos fundamentos dos direitos e das exceções ou da prova do contrário que aos mesmos sejam opostas, nos termos dos arts. 5º, nº 1 do CPC e 342º e 347º do Código Civil, princípios que se têm plenamente em funcionamento na fase dos articulados de impugnação à lista de créditos e de resposta à impugnação e na subsequente atividade de instrução caso os fundamentos e termos do litígio assim o determinem; ainda que sem prejuízo da consideração oficiosa de tudo o que resulte da instrução, ou constitua facto notório ou resulte do conhecimento oficioso, nos termos dos arts. 5º e 412º do CPC, e seja relevante para a apreciação de mérito.
Com o que improcedem os fundamentos do recurso.

3. Da admissibilidade dos documentos apresentados com as alegações
Com as alegações de recurso a recorrente requereu a junção de oito documentos, correspondentes a comprovativo de entrega, entre 27.07.2023 e 18.02.2024, de declarações periódicas (trimestral) de IVA referentes aos 1º, 2º, 3º e 4º trimestres dos anos de 2018 e 2019, contendo cada uma delas os valores considerados a título de base tributável, total do imposto a favor do sujeito passivo (nos termos do art.º 78º, nº 2, 3, 4 e 6 do CIVA), total do imposto a favor do Estado, e total do imposto a entregar ao Estado. Requereu a sua admissão para prova da entrega de declarações de IVA posteriormente à impugnação da lista de créditos que deduziu, e da ‘mutação’ dos valores em dívida à Autoridade Tributária que dessas declarações decorre, mutação que, conforme arts. 6º e 7º da impugnação, alegou corresponder a diminuição/redução dos valores reconhecidos.
Cumpre apreciar:
Sob a epigrafe Junção de documentos e de pareceres prevê o art.º 651º do CPC que As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. O art.º 425º do CPC prevê que Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
Assumindo o modelo de reponderação do nosso sistema de recurso e o disposto no art.º 611º, nº 1 do CPC – dos quais resulta que “a decisão do recurso deve reflectir a situação de facto existente no momento do encerramento da discussão em 1ª instância”[9] – , os requisitos previstos pelo art.º 425º centram-se na definição da natureza e alcance jurídico-processual da ‘impossibilidade’ da junção dos documentos, que a doutrina e a jurisprudência consensualmente reconduzem a questão de superveniência objetiva ou subjetiva do documento por referência (temporal) ao encerramento da discussão em 1ª instância. Conforme sumariado no acórdão da Relação de Coimbra de 18.11.2014, “III - Objectivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento considerado, não abrangendo incidências situadas, relativamente a esse momento, no passado. Subjectivamente, é superveniente o que só foi conhecido posteriormente ao mesmo momento considerado.//IV – Neste caso (superveniência subjectiva) é necessário, como requisito de admissão do documento, a justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante o carácter pretérito da situação quanto ao momento considerado, só ocorreu posteriormente a este e por razões que se prefigurem como atendíveis.//V – Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento.” O art.º 651º prevê um novo fundamento, específico da instância recursiva, da necessidade do documento determinada pela novidade de elemento de facto ou de direito introduzido e só revelado pela decisão recorrida, “o que exclui que essa decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum.”
Sem curar agora da relevância dos documentos em questão na apreciação do mérito da impugnação[10], a sua junção carece de qualquer justificação legal e, desde logo, de pertinência processual.
Conforme dispõem os arts. 341º e 362º do CC e 5º, nº 1 do CPC, os documentos constituem meios de prova de factos oportunamente alegados pelos interessados – não se destinam a comprovar fundamentos jurídicos, e muito menos o teor das decisões pretendidas – a sua junção em sede de recurso pressupõe que este tenha como objeto a impugnação da decisão de facto para alteração do julgamento (provado ou não provado), da seleção (por excesso ou insuficiência), ou da redação (por imprecisão ou incorreção) dos factos descritos pela decisão recorrida, pedido que não integra o objeto do presente recurso, o que por si só bastaria para rejeitar a junção daqueles (ou de qualquer outro documento) com as alegações de recurso.
Acresce que, conforme resulta da apreciação da nulidade da sentença arguida com fundamento em omissão de pronúncia, a pertinência ou necessidade da junção destes documentos não foi determinada pelo julgamento operado pela decisão recorrida posto que a intenção de apresentação futura de declarações fiscais junto da Autoridade Tributária corresponde ao único fundamento alegado na impugnação deduzida pela insolvente e por isso, à única questão objeto do thema decidendum da impugnação que, além do mais, sequer foi abordada pela decisão recorrida.
O requisito da superveniência do documento pressuposta pelo art.º 425º do CPC também não decorre nem é justificado pela cronologia da produção dos documentos. Apesar de contemporâneos e posteriores à apresentação da impugnação (entre 27.07.2023 e 18.02.2024), foram todos produzidos antes da sentença de verificação de créditos, proferida em 15.03.2024, circunstância por si só impeditiva da admissão dos documentos em sede de recurso na medida em que, como ali se prevê, a recorrente não alegou/justificou a impossibilidade de os juntar anteriormente, no caso, até à data da sentença.
Mas ainda que assim não fosse, não estaria legitimada a sua junção em sede de recurso.
Considerando que um dos fundamentos da impugnação dos créditos reclamados e reconhecidos à AT é a alegada liquidação oficiosa dos mesmos – realçando-se, ainda que sem relevância determinante na apreciação, que a sentença de insolvência foi proferida em 09.09.2022 e a impugnação objeto da decisão recorrida foi apresentada quase um ano depois, em 27.07.2023 -, surge pertinente relembrar que o art.º 29º, nº 2 do CIRE prevê que No acto de citação é o devedor advertido da cominação prevista no n.º 5 do artigo seguinte e de que os documentos referidos no n.º 1 do artigo 24.º devem estar prontos para imediata entrega ao administrador da insolvência na eventualidade de a insolvência ser declarada., sendo que nesses documentos incluem-se as contas anuais relativas aos três últimos exercícios, bem como os respectivos relatórios de gestão, de fiscalização e de auditoria, pareceres do órgão de fiscalização e documentos de certificação legal, se forem obrigatórios ou existirem, e informação sobre as alterações mais significativas do património ocorridas posteriormente à data a que se reportam as últimas contas e sobre as operações que, pela sua natureza, objecto ou dimensão extravasem da actividade corrente do devedor (cfr. al. f) do nº 1 do art.º 24º).
Com efeito, a contabilidade deve estar organizada de acordo com o Sistema de Normalização Contabilística (SNC), e outras disposições legais em vigor para o respetivo setor de atividade e refletir todas as operações realizadas pela sociedade através do lançamento dos respetivos documentos de suporte nas contas a que respeitam e que - em cada período, para efeito de declarações e apuramento do IVA devido, e no final de cada exercício, para efeito de declaração e apuramento do imposto sobre os rendimentos -, vai permitir o apuramento dos saldos de cada rubrica e a elaboração do balanço (fecho de contas ou encerramento de exercício) que integra as demonstrações financeiras do exercício a apresentar com o relatório de gestão em sede de prestação e depósito de contas. Atos obrigatórios para as sociedades comerciais[11], sobre as quais recai o dever de diligenciar e assegurar pela organização e atualização da informação contida na contabilidade e cumprir as obrigações declarativas fiscais nos prazos legalmente prescritos.
Nesse contexto, ao que aqui releva importa constatar e reter que, para além de a produção dos documentos apresentados com as alegações ser cronologicamente anterior ao encerramento da audiência de discussão e julgamento, respeitam a factos – transações comerciais e eventual alteração/anulação de parte da respetiva faturação – ocorridos entre 01.01.2018 e 31.12.2019, portanto, pré-existentes à data da instauração dos autos de insolvência, em 28.06.2022 que, como tal, deveriam então constar devidamente organizados e arrumados no programa informático de contabilidade da recorrente, sobre esta recaindo a obrigação de garantir o cumprimento dessa obrigação. Daqui resulta que do facto de à data da impugnação não dispor da contabilidade devidamente organizada e arrumada e, mais concretamente, não dispor das declarações periódicas para apuramento de IVA devido pagar referente a factos dos anos de 2018 e 2019, apenas a si se imputa, no mínimo, por falta da diligência no cumprimento de obrigação legal que sobre si recaía de, em cada momento, assegurar pela manutenção da sua contabilidade devidamente organizada e arrumada e de com base na mesma apresentar as declarações fiscais devidas, o que tudo se traduz em superveniência objetiva imputável à própria recorrente.[12]
Finalmente, mas sem prejuízo do antes exposto, não deixamos de consignar que os documentos em apreço sequer lograriam demonstrar o resultado que a recorrente propugna, de redução de valores dos créditos reclamados e reconhecidos a título de IVA posto que para cada um dos períodos e anos a que respeitam dão notícia de valores muito superiores aos que a esse título e em cada período correspondente constam inscritos na certidão da AT junta com a reclamação.[13]
Nestes termos e disposições legais citadas carece de qualquer fundamento a junção dos documentos apresentados com as alegações de recurso, motivo pelo qual vão rejeitados[14].

4. Da qualificação dos créditos da AT impugnados como créditos sob condição suspensiva.
A recorrente fundamentou a qualificação que reclama para os créditos da AT na alegada ‘não definitividade’ dos seus valores, alegando que ‘terão’ sido apurados por via do ‘balanço oficioso’ da AT e vão ser alterados – reduzidos - por via das contas e declarações em falta apresentar junto da AT, mais tendo alegado que está em prazo para as apresentar e que as vai apresentar. Invocou o art.º 50º do CIRE e concluiu requerendo “não serem reconhecidos os créditos que se impugnam, ou sendo reconhecidos alterando-se a sua qualificação para créditos sob condição suspensiva, apenas vindo os mesmos a serem apurados mais tarde e nessa altura graduados no lugar que lhe competir, com todas as demais consequências legais”.
Em sede de recurso, e conforme resulta do teor da conclusão L, a recorrente deixou ‘cair’ o pedido de não reconhecimento dos créditos impugnados e limitou-se a pedir que “o reconhecimento dos créditos da AT não o seja sob forma definitiva”.
A sentença recorrida, como já se referiu, não procedeu à apreciação da impugnação por referência a estes fundamentos e pedido, tendo decidido pela sua improcedência com fundamento no valor probatório da certidão fiscal, que a insolvente não pôs em causa, nem tão pouco questionou a correspondência dos créditos nos valores nela inscritos com os efetivamente conhecidos e/ou apurados pela AT a cargo da recorrente, nem a conformidade desta liquidação com os critérios legais para o efeito previstos na lei fiscal – limitou-se a requerer o reconhecimento como créditos sob condição. Impõe-se assim a esta instância substituir-se ao tribunal recorrido nos termos previstos pelo art.º 665º do CPC e, suprindo a omissão de pronúncia sobre aqueles fundamentos, aferir se os mesmos detêm ou não a virtualidade de determinar o reconhecimento dos créditos da AT como créditos sob condição suspensiva.
O art.º 50º do CIRE prevê um conceito de créditos sob condição, próprio e exclusivo para efeitos dos procedimentos previstos no âmbito do CIRE, definido nos seguintes termos:
1 - Para efeitos deste Código consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respetivamente, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto tanto por força da lei como de negócio jurídico.
2 - São havidos, designadamente, como créditos sob condição suspensiva:
a) Os resultantes da recusa de execução ou denúncia antecipada, por parte do administrador da insolvência, de contratos bilaterais em curso à data da declaração da insolvência, ou da resolução de actos em benefício da massa insolvente, enquanto não se verificar essa denúncia, recusa ou resolução;
b) Os créditos que não possam ser exercidos contra o insolvente sem prévia excussão do património de outrem, enquanto não se verificar tal excussão;
c) Os créditos sobre a insolvência pelos quais o insolvente não responda pessoalmente, enquanto a dívida não for exigível.
A categoria ou natureza de crédito sob condição é aplicável a qualquer uma das classes de créditos previstas nos arts. 47º, 48º e 49º - garantidos, privilegiados, comuns ou subordinados -, e a noção de condição por ela pressuposta não corresponde nem se confunde com a noção geral de condição suspensiva prevista no art.º 270º do CC. Esta norma prevê o condicionamento da eficácia típica de negócio já constituído e perfeito; o art.º 50º respeita à própria constituição dos créditos ou à sua subsistência. Ou seja, reporta a créditos cujos pressupostos constitutivos ainda não se verificam na íntegra e cuja verificação está dependente de um facto futuro e incerto, e a créditos já integralmente constituídos e em vigor mas cuja subsistência está igualmente dependente de um facto futuro e incerto; em qualquer caso, por força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico. No elemento decisão judicial não se enquadram os créditos litigiosos ou controvertidos (que o art.º 597º, n.º 3, do Código Civil define como direitos contestados em juízo por qualquer interessado) na medida em que a fonte ou génese do direito de crédito radica no negócio ou acordo subjacente ao litígio e não na decisão judicial que o aprecia e dirime. Esta não os constitui ou extingue; apenas reconhece como existente ou como não existente.      
Ao nível dos efeitos dos créditos sob condição, sendo suspensiva, por natureza não se vencem com a declaração de insolvência (art.º 91º nº1) e só são objeto de pagamento no processo de insolvência nas seguintes circunstâncias, previstas no art.º 181º:
«1 - Os créditos sob condição suspensiva são atendidos pelo seu valor nominal nos rateios parciais, devendo continuar, porém, depositadas as quantias que por estes lhes sejam atribuídas, na pendência da condição.
2 - No rateio final, todavia, não estando preenchida a condição:
a) Não se atenderá a crédito que seja desprovido de qualquer valor em virtude da manifesta improbabilidade da verificação da condição, hipótese em que as quantias depositadas nos termos do número anterior serão rateadas pelos demais credores;
b) Não se verificando a situação descrita na alínea anterior, o administrador da insolvência depositará em instituição de crédito a quantia correspondente ao valor nominal do crédito para ser entregue ao titular, uma vez preenchida a condição suspensiva, ou rateada pelos demais credores, depois de adquirida a certeza de que tal verificação é impossível.
Sendo resolutiva, prevê o art.º 94º do CIRE que no processo de insolvência, os créditos sujeitos a condição resolutiva são tratados como incondicionados até ao momento em que a condição se preencha, sem prejuízo do dever de restituição dos pagamentos recebidos, verificada que seja a condição.
Apreciando adianta-se a falta de fundamento para a qualificação que a recorrente reclama para os créditos que impugna.
Falta de fundamento de facto porque a recorrente fundamenta a natureza não definitiva dos créditos impugnados no facto de estes terem sido oficiosamente liquidados pela AT, sendo que da certidão fiscal que suporta a reclamação não resulta se os tributos nela descritos foram liquidados por iniciativa ou na sequência de declaração fiscal apresentada pela insolvente ou se por ato oficioso da AT, pressuposto que a recorrente não demonstrou por qualquer forma, designadamente, através da notificação das alegadas liquidações oficiosas. A recorrente mais alegou estar em prazo para a apresentação das declarações em falta e que destas resultará a redução dos valores daqueles créditos, pressupostos que a recorrente não justificou factualmente - não alegou factos que permitissem aferir da verificação do prazo nem justificar a eventual redução do montante dos créditos – nem justificou legalmente – não indicou as normas legais que preveem a possibilidade de alteração das liquidações realizadas e os prazos para esse efeito.
Acresce que os créditos da AT reclamados e julgados verificados totalizam cerca de €339.990,00, que a recorrente impugnou na sua totalidade, com exceção dos créditos a título de taxas de portagem e outros montantes associados reconhecidos como créditos com privilégio creditório especial sobre veículos identificados, nos montantes de €580,72 e €235,37, sendo que do valor dos créditos reconhecidos como comuns, no montante total de €328.827,41, para além de impostos (IVA, IRC, e IRS a título de retenções nas retribuições pagas a trabalhadores), consta um extenso rol de taxas de portagem (e valores a elas associados coimas fiscais e outras da competência do IMT, créditos que não têm como causa um facto nem base de incidência de natureza patrimoniais (transações, rendimentos auferidos, e contratos de prestação de serviços), mas sim a circulação rodoviária e a infração das regras que a regulam[15], e o dever de pagamento de taxas pela circulação em infra-estruturas rodoviárias concessionadas e o seu não cumprimento[16], que exclui os créditos deles emergentes do procedimento de liquidação oficioso a que alude o art.º 59º do CPPT e, por isso, do âmbito do fundamento da impugnação, da não definitividade dos créditos impugnados com fundamento na sua liquidação oficiosa. 
Falta de fundamento de direito porque, para além de não ter indicado qualquer fundamento legal para o enquadramento dos pressupostos de facto que alega e da natureza provisória ou não definitiva que imputa aos créditos que impugna (e na qual fundamenta a sua qualificação como créditos sob condição), contrariamente ao que pressupõe, ainda que todos os créditos fossem passíveis de total ou parcial redução por efeito de revisão ou reforma do ato tributário de liquidação oficiosa (por efeito da apresentação das declarações fiscais em falta)[17], correspondem a créditos integralmente constituídos, certos, líquidos e exigíveis, ou seja, créditos existentes, de objeto determinado, vencidos e, por isso, exequíveis. Como de resto é demonstrado pelo facto de serem todos objeto de execução fiscal, sendo que a impugnante sequer alegou ou documentou a apresentação de oposição às execuções ou de qualquer outra forma de impugnação dos créditos delas objeto (impugnação graciosa, impugnação, recurso judicial ou oposição sobre o objeto da dívida exequenda), e que do rol dos fundamentos da oposição à execução previstos pelo art.º 203º do Código de Processo e Procedimento Tributário (CPPT) não consta a circunstância de os valores em execução terem sido oficiosamente liquidados pela AT e, por força do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários previsto pelo art.º 30º, nº 2 da Lei Geral Tributária (LGT), não são admissíveis causas de extinção de execução fiscal não previstas nas leis tributárias.
Com efeito, a liquidação dos créditos fiscais corresponde ao ato de calcular e quantificar o montante do imposto devido pelo contribuinte através da aplicação de uma taxa (do imposto) à matéria coletável apurada. Ato que define o valor do imposto devido e que é cumprido no âmbito do procedimento tributário de liquidação que, conforme prevê o art.º 59º do CPPT, é instaurado com as declarações dos contribuintes, com base nas quais se faz o apuramento da matéria coletável ou, na falta ou vício daquelas, o apuramento da matéria coletável é feito pela AT com base em todos os elementos de que disponha ou venha a obter (nºs 1 e 2). Nesse sentido prevê o nº 7 do art.º 59º do CPP que, Sempre que a entidade competente tome conhecimento de factos tributários não declarados pelo sujeito passivo (…), o procedimento de liquidação é instaurado oficiosamente pelos competentes serviços. (vd. arts. 83º e 83º-A do CIVA, e 90º do CIRC), sendo o contribuinte notificado do seu resultado, com expressa indicação dos meios de reação de que dispõe para o impugnar (cfr. art.º 35º do CPPT).
Sob a epígrafe Revisão dos atos tributários, o art.º 78º do CPPT prevê nos seguintes termos:
1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
2 - (Revogado.)
3 - A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.
4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.
5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.
6 - A revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta pode efectuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos.
7 - Interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização.
Nos casos em que o contribuinte não cumpre ou cumpre mal as obrigações declarativas fiscais (acessórias do dever de pagamento de impostos), o poder/dever de liquidação ou revisão (oficioso ou não[18]) não é intemporal, está sujeito a prazos de caducidade, em regra pelo prazo de 4 anos, a contar a partir do início do ano civil seguinte àquele em que o facto tributário ocorreu. Assim, sob a epígrafe Caducidade do direito à liquidação, o art.º 45º da Lei Geral Tributária, para o qual remetem os arts. 92º do CIRS, 93º do CIRC e 94º do CIVA, prevê nos seguintes termos:
1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.
2 - No caso de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo o prazo de caducidade referido no número anterior é de três anos.
3 - Em caso de ter sido efetuada qualquer dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito.
4 - O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.
Do exposto e das normas citadas resulta que, seja por iniciativa do contribuinte, seja oficiosamente pela AT, o ato tributário de liquidação tem dupla natureza: por um lado, tem a natureza provisória que a recorrente reclama na medida em que é passível de revisão pela administração fiscal, e de reclamação ou impugnação pelo contribuinte (mesmo quando se trate de autoliquidação); por outro, tem natureza definitiva porque, independentemente da eventual revisão, pode ser sempre objeto de execução pela administração fiscal pelo concreto valor em que foi liquidado. O que vale por dizer que o crédito se acha constituído e existe pelo valor liquidado, mas sem prejuízo do direito da administração ou o próprio contribuinte procederem à sua revisão, reclamação ou impugnação nos prazos legalmente definidos para o efeito.
Nesses termos se prevê, por exemplo, no Código do IVA: sob a epigrafe Liquidação oficiosa do imposto pelos serviços centrais, o art.º 88º, nº 2 prevê que O imposto liquidado nos termos do número anterior [liquidação oficiosa] deve ser pago nos locais de cobrança legalmente autorizados, no prazo mencionado na notificação, efectuada nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o qual não pode ser inferior a 90 dias contados desde o seu envio, e o nº 3 acrescenta que Na falta de pagamento no prazo referido no número anterior, é extraída pela Direcção-Geral dos Impostos certidão de dívida, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 88.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Normas e procedimentos que coexistem com a eventual subsequente ineficácia da liquidação oficiosa nos termos previstos pelo nº 4 da norma em epígrafe: a) Se o sujeito passivo, dentro do prazo referido no n.º 2, apresentar a declaração em falta, sem prejuízo da penalidade que ao caso couber; ou b) Se a liquidação vier a ser corrigida com base nos elementos recolhidos em procedimento de inspecção tributária ou outros ao dispor dos serviços.
Resumindo, a constituição e exigibilidade das dívidas/créditos fiscais coincide com o procedimento tributário que passa pela declaração do facto tributário e/ou determinação da matéria coletável, e pela fase da liquidação, oficiosa ou autoliquidação, do imposto, a partir da qual, ainda que sem prejuízo da sua eventual alteração por iniciativa da AT ou a pedido do contribuinte, o crédito se acha legal e integralmente constituído e exigível ou, dito de outra forma, cuja constituição não está dependente de um facto futuro e incerto e, muito menos por força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico quando do que se trata é de ato cuja prática está na dependência da vontade do próprio insolvente, no caso e conforme alegado, da apresentação de contas e declarações fiscais em falta para correção de valores de impostos que já foram objeto de liquidação.
Sem necessidade de outras considerações, do exposto resulta a improcedência da pretensão da recorrente, de qualificação dos créditos da AT impugnados como créditos sob condição suspensiva e a improcedência do recurso, com consequente manutenção da decisão recorrida, ainda que com fundamentação distinta da por ela considerada.

IV – Das custas
Vencida na apelação, as custas do recurso são da responsabilidade da recorrente nos termos do art.º 527º, nº 2 do CPC.

V - Decisão
Pelo exposto, as Juízas desta secção acordam em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, na manutenção da decisão recorrida.


Custas da apelação a cargo da recorrente, a computar por referência ao valor dos créditos da Autoridade Tributária objeto da impugnação.

Lisboa, 13.09.2024
Amélia Sofia Rebelo
Teresa de Sousa Henriques
Isabel Fonseca
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[1] Conclusões que, longe de o serem, apresentam-se prolixas, não cumprindo minimamente o ónus de sintetização imposto pelo art.º 639º, nº 1 do CPC posto que correspondem à reprodução quase integral da narrativa contida nos fundamentos do recurso, consignando-se que não obstante a referida deficiente prestação processual da recorrente, não se proferiu despacho de convite ao aperfeiçoamento nos termos do art.º 639º, nº 3 do CPC por resultarem inteligíveis as questões pretendidas submeter a apreciação (cfr. acórdão do STJ de 30.11.2023).
[2] Vd. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Ed., 2ª ed., p. 684 e ss.
[3] Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça Secções Cíveis, 2017, disponível em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/Civel_2017_10.pdf.
[4] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, vol. II, 4ª ed., p. 737.
[5] Nesse sentido, entre outros, acórdão do STJ de 03.10.2017.
[6] CPC Anotado, GPS, I Vol., Almedina, 2ª ed., p. 764.
[7] Nesse sentido, acórdão da RC de 08.04.2014, proc. nº 4135/12.9TBLRA-C.C1: No processo de insolvência, e não obstante a acuidade acrescida do inquisitório, relevam ainda, primordialmente, em sede de alegação e prova, os princípios do dispositivo e da autorresponsabilidade dos interessados. (disponível na página da dgsi).
[8] Nuno Lemos Jorge, “Os Poderes Instrutórios do Juiz: Alguns Problemas”, Revista Julgar, nº 3, p. 70. Nesse mesmo sentido, acórdão da RG de 20.03.2018 (proc. nº 14/15.6T8VRL-C.G1) - [a] investigação oficiosa não deve ser exercida com a finalidade da parte poder contornar a preclusão processual decorrente da sua inércia. – e da RL de 04.06.2020 (proc. nº 9854/18.3T8SNT-A.L1-2) – IV - “[A] responsabilidade probatória do juiz” tem “uma natureza meramente complementar ou acessória” e a respectiva “actividade não pode ter lugar com prejuízo para o sistema de ónus e preclusões previstos no código.”
[9] J. Castro Mendes e M. Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Vol. II, AAFDL 2020, p. 133.
[10] Realçando-se desde já o facto de vir deduzida em bloco - alegada liquidação oficiosa de créditos pela AT e intenção de apresentação de declarações fiscais em falta -, sem qualquer indicação dos créditos objeto da alegada liquidação e identificação das declarações fiscais em falta, para além da exemplificação das declarações de IVA – sendo certo que, a par com créditos a título de impostos com origem em factos e fundamentos fiscais distintos (IVA, IRC, e IRS, este referente a retribuições pagas a trabalhadores) e respetivos juros de mora, os créditos naqueles termos impugnados incluem taxas de portagem e custos administrativos, coimas fiscais e da competência do IMT, e custas das execuções fiscais, e que só os impostos a título de IVA e IRC seriam suscetíveis de liquidação oficiosa.
[11] Cfr. art.º 3º, nº 1 do Decreto Lei nº 158/2009 de 13.07 que aprovou aquele normativo, e arts. 1º e 17º, nº 3 do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas.
[12] Nesse sentido, acórdão desta secção de 03.03.2020 Relatado por Fátima Reis Silva no processo nº 1657/19.4T8BRR.L1 e subscrito como adjunta pela aqui relatora (desconhecendo-se que tenha sido objeto de publicação), por referência às consequências da falta de contabilidade organizada na apreciação do pedido de insolvência pela primeira instância e que, por maioria de razão, reforçam a inadmissibilidade de novos documentos de natureza contabilística e fiscal em sede de recurso também em sede de impugnação de créditos sobre a insolvência.
[13] Para os quatro trimestres do ano de 2018, dos documentos juntos consta IVA a entregar ao Estado nos montantes de €9.397,12, €10.442,37, €8.838,82, e €14.748,35; da certidão, a esse título e para cada um dos períodos correspondentes , constam dívidas nos montantes de €5.440,29 mais €138,56, €4.121,85, €4.018,81, e €3.452,84.
[14] Não se determina o seu desentranhamento por consubstanciar ato inútil (artigo 130º do Código de Processo Civil).
[15] Cfr. arts. 131º e ss. do Código da Estrada e procedimento contraordenacional da competência da Autoridade Nacional da Segurança Rodoviária (art.º 169º do CE).
[16] Cfr. regime sancionatória previsto pela Lei nº25/2006 de 30.06, que prevê a competência da AT para a cobrança coerciva das taxas de portagem devidas e não pagas à concessionária (art.º 17º-A), e a competência do Serviço de Finanças da área do domicílio fiscal do agente da contraordenação para o procedimento contraordenacional pelo não pagamento daquelas taxas (art.º 15º da citada Lei).
[17] Conforme consta sumariado no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 18.04.2018, “a reforma do acto tributário verifica-se quando, por posterior variação da matéria colectável, a lei manda substituir a liquidação praticada, ainda que correctamente, com base na expressão daquela matéria ao tempo em que a Administração Fiscal a realizou. Ao contrário do que se passa na anulação e no acto tributário adicional não se verifica aqui um vício originário, mas uma modificação superveniente do seu objecto.” Distinguindo assim a reforma do ato de anulação de ato tributário que, citando douta doutrina na matéria, define como revogação retroativa parcial ou total de ato tributário como forma de sanação de um vício de violação de lei constatado pela AT.
[18] De acordo com a jurisprudência, senão unânime, pelo menos maioritária dos tribunais superiores administrativo-fiscais, o prazo para a revisão/redução oficiosa da liquidação a pedido do contribuinte ao abrigo do art.º 78º da Lei Geral Tributária (LGT) corresponde ao prazo de caducidade de 4 anos previsto pelo art.º 45º da LGT, por imposição do dever de apreciação dos elementos novos trazidos ao conhecimento da AT pelo contribuinte no âmbito da prossecução do interesse público de acordo com os princípios da legalidade e das garantias dos contribuintes e outros obrigados tributários, previsto pelo art.º 55º da LGT. Nesse sentido, com indicação e transcrição de outros arestos, acórdão do STA de 07.04.2022: “Há um reconhecimento no direito tributário do dever de revogar actos ilegais, que decorre os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade (art.º 266.º, nº 2, da CRP e 55.º da LGT), princípios esses que impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei» (acórdão de 8-3-2017, proferido no processo n.º 1019/14, integralmente disponível em www.dgsi.pt. No mesmo sentido, para além de múltiplos arestos dos tribunais superiores, vide, na doutrina, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada, 4ª edição, Encontro da Escrita, pág. 711.). Devendo esse pedido de correcção ser apreciado desde que o pedido de revisão seja apresentado no prazo de 4 anos, por iniciativa do contribuinte ou da Administração Tributária e independentemente de, anteriormente, à sua formulação, ser apresentada reclamação administrativa ou graciosa. Tudo, porque «o objectivo que se teve em vista com o nº 2 foi alargar as situações em que é admissível a revisão em casos de autoliquidação, permitindo-a sempre (e não apenas nos casos em que tivesse havido correcção dos elementos evidenciados pela declaração, como sucedia no regime do art.º 94º, nº 2, do CPT), inclusivamente quando o erro é imputável ao contribuinte, que passou a ficcionar-se como imputável à administração tributária». (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20-11-2007, igualmente disponível em www.dgsi.pt).