INSOLVÊNCIA CULPOSA
APRESENTAÇÃO À INSOLVÊNCIA
INIBIÇÃO DO FALIDO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
Sumário

I - A diminuição patrimonial especificamente prevista pelo fundamento de qualificação da insolvência previsto pela al. a) do nº 2 do art.º 186º do CIRE distingue-se da diminuição patrimonial implícita à previsão da al. d) da mesma norma porque, diversamente do que aqui sucede, aquela pressupõe ou reporta a uma ação física sobre os bens, no sentido de diminuir o seu valor comercial (destruído ou danificado), de os tornar imprestáveis ou inoperacionais para o fim a que tendem (inutilizado), ou, através da não revelação do seu paradeiro ou da sua colocação em paradeiro desconhecido ou local geográfica ou espacialmente inacessível à sua apreensão, de os subtrair à possibilidade de serem localizados e/ou fisicamente apreendidos para ingressarem na disponibilidade fáctica do AI, do processo de insolvência e da liquidação que nele se cumpra (ocultado ou feito desaparecer).
II  – A venda da totalidade dos bens do devedor em situação de insolvência (atual ou iminente) consubstancia ato prejudicial ao património da devedora e ao coletivo dos seus credores, independentemente do preço atribuído aos bens e de este ter sido ou não pago à vendedora, porque dela resulta diminuição do ativo da devedora e consequente diminuição do valor da massa insolvente e agravamento da possibilidade de satisfação do coletivo dos credores da insolvência na medida do valor daqueles bens que, por efeito da venda, deixaram de existir na esfera patrimonial da insolvente.
III – A suspensão do dever de apresentação à insolvência prevista pelo art.º 7º, nº 6, al. a) da Lei n.º 1-A/2020 de 19.03, introduzido pela Lei nº 4-A/2020 com efeitos retroativos a 09.03.2020, não significa proibição de apresentação nem se traduz na concessão de ‘carta branca’ aos devedores insolventes para liquidação ad hoc dos seus bens e, por outro lado, pressupõe a viabilidade e o propósito de dar oportuna continuidade à empresa, propósito que é contrariado pela venda do imobilizado afeto e necessário à exploração do respetivo objeto social.
IV - A par com a vertente preventiva de proteção do património de terceiros e do comércio, as medidas inibitórias previstas pelas als. b) e c) do nº 2 do art.º 189º do CIRE têm dimensão punitiva pelo que, por natureza e imperativo constitucional, a determinação, em cada caso, do ‘quantum punitivo’, “deverá ser feita em função do grau de ilicitude e culpa manifestado nos factos determinantes dessa qualificação legal.”.
V - A responsabilização civil dos afetados pela qualificação exige a verificação dos pressupostos gerais do instituto da responsabilidade civil previstos pelo art.º 483º do Código Civil - sempre que os danos sofridos em concreto pelo lesado constituam consequência adequada de um facto voluntário, ilícito e subjetivamente imputável ao lesante a título de culpa, residindo a causa da deslocação do dano da esfera jurídica do prejudicado para o lesante justamente num juízo de censurabilidade que, para além da natureza essencialmente reparadora, atribui natureza sancionatória ao instituto da responsabilidade civil por factos ilícitos.
VI - A qualificação da insolvência como culposa pressupõe sempre a causalidade (provada ou presumida) entre a conduta e a criação ou o agravamento da insolvência, sendo esta a “causalidade fundamentadora” da responsabilidade civil; a responsabilização civil dos sujeitos afetados pressupõe a verificação da causalidade entre a conduta e os danos, sendo esta a “causalidade preenchedora” da responsabilidade civil.
VII - Concedendo que a afetação pela qualificação da insolvência contém em si mesma a demonstração e verificação da ilicitude do facto fundamento da qualificação, bem como do juízo de censurabilidade que pelo mesmo é passível de ser dirigido ao afetado, no caso o nexo de causalidade entre o ato de disposição de bens que fundamentou a qualificação da insolvência como culposa e o prejuízo sofrido pelos credores da insolvência resulta verificado na medida dos créditos que no âmbito da insolvência seriam pagos pelo valor daqueles bens.

(Da responsabilidade da relatora, cfr. art.º 663º, nº 7 do CPC

Texto Integral

Acordam as juízas da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa,

I – Relatório
1. No âmbito do processo de insolvência de «A…, Ldª – instaurado por apresentação de 18.11.2021 e encerrado por despacho de 19.04.2022 com fundamento em falta de bens a apreender para a massa insolvente -, em 14.02.2022 a credora Floponor requereu a qualificação da insolvência como culposa com fundamento legal nas als. a), b) e g) do nº 2 e al. a) do nº 3 do art.º 186º do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE[1]).
Alegou que, face aos valores e datas de vencimento das dívidas e às dificuldades alegadas na petição de apresentação à insolvência, desde janeiro de 2019 que a insolvente sabia estar em situação de insolvência; em 2020 a insolvente gastou/dissipou saldo bancário superior a €100k inscrito nas contas de 2019 sem que o tenha utilizado para pagamento aos seus credores e em 2020 alienou e reduziu a zero os ativos fixos tangíveis que em 2019 constavam inscritos pelo valor de cerca de €485k; a insolvente realizou obras no valor de cerca de €250k para remodelação do imóvel que arrendou e que entregou ao senhorio na sequência da resolução do arrendamento por falta de pagamento de rendas sem que tenha negociado aquelas benfeitorias, sendo que a senhoria não surge no processo a reclamar rendas em dívida e, através de uma nova sociedade, os antigos sócios da insolvente ou alguém da sua confiança continuam a desenvolver a mesma atividade com os mesmos equipamentos, no mesmo espaço e os mesmos trabalhadores. Arrolou testemunhas, requereu depoimento dos gerentes da insolvente, e requereu a notificação do contabilista da insolvente para juntar documentos contabilísticos desta.
2. Em 15.03.2023 foi declarada e publicitada a abertura do incidente de qualificação da insolvência e em 03.11.2022 a Sr.ª administradora da insolvência (AI)[2] apresentou parecer que concluiu pela qualificação da insolvência como culposa com fundamento no art.º 186º, nº 2, al. a) e com afetação dos gerentes da insolvente, A., B., e C..
Alegou que a venda dos ativos da insolvente foi realizada pelo valor de €54k do qual esta apenas recebeu €4k, esvaziando a empresa do respetivo imobilizado através da sua alienação que, na contabilidade, inscreveu como “Abate”. Indicou como prova testemunhal o contabilista certificado da insolvente e juntou documentos (balanço e demonstração de resultados, extrato de conta de janeiro/2018 a dezembro/2022, e contrato de compra e venda de ativos celebrado pela insolvente e datado de 06.11.2020).
3. O Ministério Publico acompanhou o parecer da AI e concluiu pela qualificação da insolvência como culposa com fundamento no art.º 186º, nº 1, nº 2, al. a) do CIRE e indicando como pessoas a afetar os gerentes da insolvente. Indicou como prova a dos autos principais e do apenso de qualificação, e requereu a audição do AI e do contabilista da insolvente.
4. Citados, a insolvente e os indicados à afetação deduziram oposição por exceção e por impugnação. Por exceção, alegaram a extinção do direito de a credora requerer a qualificação da insolvência como culposa por excedido o prazo previsto pelo art.º 188º, nº 1 do CIRE, considerando que o relatório do AI foi apresentado em 03.11.2022 e o requerimento da credora em 14.02.2022. Por impugnação alegaram que: não ocorreu apresentação tardia à insolvência porque, como consta do contrato de arrendamento, as rendas pelo arrendamento do imóvel só seriam devidas a partir de janeiro de 2019 e, para além de o valor das rendas terem sido renegociadas, a senhoria possuía a garantia bancária que lhe assegurava o pagamento de 9 meses de renda, pelo que em 2019 a devedora não estava em situação de insolvência; os ativos fixos tangíveis no valor de cerca de €351k correspondem na sua quase totalidade ao valor das obras/benfeitorias realizadas no imóvel pela credora faturadas pelos valores de €200k (que, por atrasos na execução das obras e reclamação de trabalhos a mais, a insolvente apenas contabilizou e pagou em 31.10.2019, tendo aquela emitido nota de crédito no valor de €60k) e de €231.471,45; opôs-se à denúncia do contrato de arrendamento; na sequência das divergências com a senhoria e da resolução do arrendamento vendeu os ativos pelo valor de €54k (equipamentos, produtos relacionados com a atividade, carteira de clientes, marca, licença, e 8 campos de padel), que corresponde ao seu valor de mercado, e abateu na contabilidade o valor das obras porque já não tinha direito sobre as mesmas nem delas podia obter beneficio económico; os sócios da sociedade adquirente não têm qualquer relação com os sócios da insolvente; do preço da venda a insolvente recebeu €4k que afetou ao pagamento de impostos e a adquirente contactou o AI para pagamento do ainda em dívida; a garantia bancária no valor de €104.550,00 foi acionada pela senhoria e o Banco retirou esse valor da conta bancária para pagamento da mesma que, por isso, não foi dissipado; durante o exercício de 2020 a insolvente diminuiu os valores em dívida a fornecedores e aos bancos e obteve proveitos de valor inferior (em cerca de €9k) ao valor total dos ‘custos de saídas’.
Concluíram pela procedência da exceção e, assim não se entendendo, pela procedência da oposição e a sua absolvição da instância. Arrolaram testemunhas e requereram declarações de parte do sócio A..
5. Responderam à exceção o Ministério Publico e a credora requerente do incidente, alegando que as alegações da credora foram apresentadas no prazo de 15 dias subsequente à notificação do relatório do AI nos termos previstos pelos arts. 188º, nº 1 do CIRE, 26º, nº 1 da Portaria nº280/2013 de 26.08, e 248º, nº 1 do CPC. A credora mais se pronunciou sobre os fundamentos da oposição ao pedido, juntou documentos e arrolou as testemunhas arroladas pelos opoentes, e mais requereu a audição da AI, a notificação da sociedade Quarenta Zero, Ldª (Quarenta) para juntar documentos, pesquisa às bases de dados da Segurança Social para identificação dos trabalhadores desta sociedade e da insolvente, e a junção, pela insolvente ou seus administradores, de comprovativo da transferência do valor do DP de €104.651,98.
6. Em sede de saneamento foi julgada improcedente a exceção da extemporaneidade das alegações da credora requerente, dispensada a realização de tentativa de conciliação, fixado o objeto do litígio, enunciados os temas de prova e, com exceção do pedido de notificação da sociedade Quarenta (para junção de comprovativo dos pagamentos realizados à insolvente no âmbito da compra e venda de ativos desta), admitidos os meios de prova requeridos.
7. Designada e realizada a audiência de julgamento (em três sessões), foi proferida a seguinte decisão:
Nestes termos, julga-se o presente incidente procedente por provado e, em consequência:
a) Decide-se qualificar, como culposa, a insolvência da sociedade A…, LDA., NIPC …, com sede na E…, Km 4, Abrunheira …, Armazém X, em Sintra;
b) Declaram-se afetados pela qualificação (i) A., residente na Av…; (ii) B., residente na Rua…; e (iii) C., residente na Rua…;
c) Declarar os Requeridos A., B., e C., inibidos, pelo período de 4 (quatro) anos, para administrar patrimónios de terceiros e para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa;
d) Condenar os Requeridos A., B., e C. a indemnizar os seus Credores da Insolvente em indemnização que se vier a apurar em liquidação de sentença; e
e) Condenar em custas os Requeridos pela qualificação da insolvência (cfr. art.º 527.º do CPC aplicável ex vi art.º 17.º do CIRE)..
8. Inconformados, os afetados pela qualificação apresentaram o presente recurso com pedido de alteração da matéria de facto, revogação da sentença, e a improcedência do incidente de qualificação da insolvência.
Apresentaram alegações (em 219 extensas páginas) e formularam (não menos extensas e prolixas) conclusões, dispersas em 161 conclusões que, não obstante como tal epigrafadas, longe de constituírem preposições sintéticas das questões debatidas e fundamentadas em sede de motivação, não cumprem minimamente o ónus de sintetização imposto pelo art.º 639º, nº 1 do CPC posto que, com exceção da transcrição – supérflua e processualmente inútil em sede de alegações - da decisão de facto e da fundamentação de direito da sentença, da transcrição do teor de documento junto pela insolvente com a petição de apresentação à insolvência, da transcrição dos depoimentos invocados para fundamentação da impugnação daquela decisão, e de segmentos de acórdãos dos tribunais superiores, no demais correspondem à reprodução textual da narrativa contida a partir da 38ª página da motivação das alegações. Porém, não obstante a referida deficiente prestação processual dos recorrentes, são percetíveis as questões pretendidas submeter a apreciação, razão pela qual foi dispensada a notificação dos recorrentes para aperfeiçoamento das conclusões (nos termos do art.º 639º, nº 3 do CPC)[3], que em seguida se transcrevem: 
“1º (…)
(…)
6.º Na verdade, na douta decisão ora Recorrida, salvo sempre o devido respeito, o Tribunal a quo não procedeu a uma análise aprofundada e crítica de determinados meios probatórios constantes do processo, nomeadamente, da prova documental junta aos autos, e, ainda, da prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, análise crítica esta que impunha uma decisão diferente sobre determinados pontos da matéria de facto e, consequentemente, uma Sentença de sentido diverso da que foi proferida.
7.º De facto, salvo o devido respeito, a Meritíssima Juiz a quo procedeu a uma deficiente apreciação da prova junta aos autos e da prova produzida em sede de audiência e julgamento, tendo pecado pela não atribuição de relevância ao teor de documentos juntos e a depoimentos que vieram a demonstrar-se coincidentes com a posição assumida pelos Recorrentes, motivo pelo qual, desde já, se requer a V. Exªs, ao abrigo das faculdades que vos são conferidas pelos artigos 662º nºs 1 e 2 do CPC aplicável ex-vi artº 17 do CIRE, que procedam à reapreciação da prova gravada e, oficiosamente, à apreciação e alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto.
8.º Além disso, há evidente má apreciação do direito, no plano processual e no plano substantivo.
9.º Em suma, considerando a prova junta aos autos e a matéria de facto dada como provada e a dada como não provada e, ainda, a falta de indicação de matéria que deveria ter sido dada como provada, há evidente falta de coerência lógica na decisão de procedência proferida. E, como adiante se verá, além de ter ocorrido erro de julgamento quanto à matéria de facto, há também um claro erro de julgamento quanto à matéria de direito.
10.º Salvo o devido respeito – e é verdadeiramente muito! -, face ao que melhor se desenvolverá infra os Recorrentes não concordam com o decidido na Sentença quanto à decisão de direito, de forma que outro destino não poderá ter a Sentença que não seja a sua revogação e prolação de decisão por este Tribunal ad quem, esperando-se confiadamente que este Tribunal repare a grave injustiça cometida.
11.º Delimitados que estão o objeto do presente Recurso e os respetivos fundamentos, vejamos então os motivos da discordância dos Recorrentes face ao decidido na Sentença Recorrida.
Fundamento 1: Erro de Julgamento Quanto à Matéria de Facto
12.º Há claro erro de julgamento quanto à decisão relativa à matéria de facto. Em razão disso, deve proceder-se à alteração da matéria de facto, com base na reapreciação da prova, incluindo da prova gravada, nos seguintes termos e fundamentos:
A. DOS FACTOS PROVADOS
Alterar a qualificação do facto dado provado nos pontos 38 e 39 para facto não provado, considerando a prova seguinte:
➢ Depoimento A. gravado em sistema gravado em ficheiro áudio n.º Diligência 17285/21.1T8SNT-A minutos 00:01:55 a 00:20:01; 00:20:39 a 00:44:31; e 00:55:13 a 00:58:37 gravado em sistema áudio n.º 20230607104800_4563047_2871297.wma
➢ Depoimento de B. gravado em sistema gravado em ficheiro áudio n.º Diligência 17285/21.1T8SNT-A minutos 00:04:23 a 00:05:13; 00:10:35 a 00:18:26; 00:36:55 a 00:43:52; 00:46:21 a 00:46:59; 00:47:32 a 00:49:44 e gravado em sistema áudio n.º 20230607115637_4563047_2871297.wma
➢ Depoimento de C. – gravado em sistema gravado em ficheiro áudio n.º Diligência 17285/21.1T8SNT-A minutos 00:08:15 a 00:10:18; 00:10:32 a 00:11:22; 00:11:52 a 00:13:49; 00:14:19 a 00:17:25; 00:24:28 a 00:27:33; 00:37:10 a 00:40:04; 00:42:54 a 00:48:12; 00:48:52 a 00:49:07; 00:51:48 a 00:52:57; 00:54:53 a 00:55:27; 00:58:10 a 01:00:35;  01:00:38 a 01:06:41 e gravado em sistema áudio n.º 20230607141608_4563047_2871297.wma
➢ Depoimento de D. gravado em sistema gravado em ficheiro áudio n.º Diligência 17285/21.1T8SNT-A minutos 00:24:57 a 00:30:48 e 00:49:57 a 01:12:32 gravado em sistema áudio n.º 20230607160554_4563047_2871297.wma
➢ Depoimento de E. gravado em sistema gravado em ficheiro áudio n.º Diligência 17285/21.1T8SNT-A minutos 00:20:18 a 00:22:23 e 00:48:22 a 00:49:46 gravado em sistema áudio n.º 20230626140029_4563047_2871297.wma
• Assim, quanto ao ponto 38 e 39 dos Factos Provados deve ser alterada a respetiva qualificação para Facto não Provado com a seguinte redação:
“Após a celebração do negócio a que se reporta o facto n.º 30), os gerentes da Insolvente não tinham intenção de prosseguir com a atividade comercial da A…, o que veio a suceder, dado que a Insolvente não mais exerceu qualquer atividade” e
“Depois da do recebimento da quantia indicada no facto n.º 37), A., B. e C. sabiam que os restantes valores acordados no convénio referido em 30) não iriam ser liquidados, pela Quarenta Zero, à A…
13.º Com efeito, o erro de julgamento quanto à decisão relativa à matéria de facto decorre – com o devido respeito – da errada interpretação que o Tribunal a quo fez de documentos juntos e dos depoimentos das testemunhas, prestados em sede de audiência de discussão e julgamento, através dos quais é possível aferir claramente que não foi provado o tema de prova elencado pelo Tribunal a quo; consequentemente, é inquestionável que não se verificou o preenchimento dos pressupostos de que depende a procedência do Incidente de Qualificação de Insolvência da sociedade A… e, consequentemente, a afetação dos ora Recorrentes.
14.º Com efeito, conforme resulta dos depoimentos supra transcritos, a titulo exemplificativo, bem como de toda a prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento de forma bastante clara, expressa e coerente, a insolvente, face à resolução do contrato de arrendamento do espaço, deixou de ter condições para prosseguir com a sua atividade, dado que o espaço no qual havia feito todo o investimento deixou de lhe estar arrendado, não tinha condições financeiras para pagamento das rendas que se encontravam em incumprimento e, por outro lado, a própria Imoware (proprietária do imóvel) mostrou-se indisponível para negociar qualquer tipo de acordo que permitisse a manutenção do uso do espaço.
15.º Assim, resolvido como foi o contrato de arrendamento, a insolvente não reunia condições para desenvolver a sua atividade.
16.º O contrato de compra e venda celebrado com a Quarenta Zero foi concretizado já em data posterior à resolução do contrato de arrendamento. Pelo que, não foi este negócio que inviabilizou a atividade comercial da insolvente, mas sim a cessação do contrato de arrendamento.
17.º Nem da prova produzida que os Recorrentes com a celebração deste negócio não tinham intenção de prosseguir a atividade comercial da insolvente. O que ficou provado que à data do mesmo, a insolvente já reunia condições para o efeito, pelo que os Recorrentes pretenderam, através do negócio com a Quarenta Zero, valorizar, no interesse da insolvente e dos credores, os poucos ativos que restavam.
18.º Não ficou, igualmente, provado que não houvesse intenção de receber o remanescente do valor do preço acordado, ou seja, €50.000,00, cujo pagamento ficou deferido no tempo.
19.º O que resulta efetivamente provado é que, face à impossibilidade de manutenção de atividade e à situação de insolvência atual em que a empresa se encontrava, era convicção dos Recorrentes que aquele valor deveria ser cobrado para a massa insolvente de forma a ser entregue aos credores da insolvente.
20.º Não havendo qualquer substrato probatório para que o doutro tribunal tivesse qualificado tais factos como provados.
21.º Refere a douta sentença que: “No que concerne aos factos n.ºs 38) e 39) , a prova do mesmo resultou das declarações de B., que referiu, no seu depoimento, que os gerentes da A… sabiam que, concretizando o negócio de venda de ativos à Quarenta Zero, não iriam conseguir liquidar o crédito da Floponor e que o destino da sociedade seria a insolvência, sem que existissem créditos para saldar as dívidas da sociedade; das declarações de C., que referiu que, após a celebração do negócio com a Quarenta Zero, a A… não tinha viabilidade e que ia deixar de ter atividade, sendo que a sociedade «não ia servir para nada» (sic) , tendo sido nestes pressupostos em que assentou a decisão de venda de ativos; do testemunho de D., que asseverou que o negócio da venda de ativos visava maximizar o valor que os credores iriam receber, sendo que também referiu que, uma vez celebrado este contrato, a A… ficaria esvaziada e, bem assim, ainda afirmou que a sociedade Insolvente não tinha qualquer perspetiva de receber o valor do negócio com a Quarenta Zero, dado que não se iria manter em atividade.”
22.º Ora, salvo o devido respeito, nada disto é afirmado pelas testemunhas, aliás conforme resulta das transcrições supra, tendo o douto tribunal laborado em erro interpretativo dos depoimentos prestados e concluído em sentido completamente divergente daquele que o sentido expresso pelas testemunhas ali indicada e pelas demais ouvidas sobre o tema.
23.º Acresce que decorre do próprio depoimento prestado pelos representantes da Quarenta Zero que o valor de €50.000,00 continua provisionado para cumprimento do contrato celebrado e que os mesmos chegaram a fazer diligências junto do Administrador de Insolvência para proceder ao pagamento da primeira prestação que se venceu já após a declaração de insolvência.
24.º Pelo que mal andou a douta sentença a considerar estes factos com provados, o que deve ser alterado, como é de justiça!
B. DOS FACTOS NÃO PROVADOS
g) Alterar a qualificação do facto dado como não provado na alínea A) para facto provado, considerando a prova seguinte:
➢ DOCS N.º 6 e 7 juntos com a Oposição e notificação judicial avulsa junta aos autos em sede de audiência de discussão e julgamento;
• Assim, quanto facto dado como não provado na alínea A) deve ser alterada a respetiva qualificação para Facto Provado com a seguinte redação:
“Em data não concretamente apurada, no mês de Abril de 2020, a Insolvente rececionou uma carta a proceder à resolução do contrato de arrendamento por parte da Imoware, à qual respondeu por missiva datada de 9 de abril de 2020”
25.º Conforme resulta da prova documental junta aos autos, designadamente, do Doc. nº 6, 7 juntos com a Oposição, do accionamento da garantia bancária e da notificação judicial avulsa junta aos autos pelos Recorrentes na audiência de discussão e julgamento, foi acionada a garantia bancária e o contrato de arrendamento foi resolvido.
26.º Se é verdade que não foi junta aos autos a carta enviada pela Imoware em abril de 2020, resulta, de forma implícita da resposta dada à mesma pela carta de 9 de abril de 2020 enviada pela insolvente à Imoware a existência de tal comunicação. Resultando ainda a manifestação de intenção de resolução àquela data da notificação judicial avulsa posteriormente efetuada (em 5 de agosto de 2020) por aquela entidade.
h) Alterar a qualificação do facto dado como não provado na alínea B) para facto provado, considerando a prova seguinte:
➢ Depoimento de C. gravado em sistema gravado em ficheiro áudio n.º Diligência 17285/21.1T8SNT-A minutos 00:14:19 a 00:17:25 e gravado em sistema áudio n.º 20230607141608_4563047_2871297.wma;
➢ Depoimento de D. gravado em sistema gravado em ficheiro áudio n.º Diligência 17285/21.1T8SNT-A minutos 00:25:44 a 00:28:13 e gravado em sistema áudio n.º 20230607160554_4563047_2871297.wma
➢ Depoimento de A. gravado em sistema gravado em ficheiro áudio n.º Diligência 17285/21.1T8SNT-A minutos 00:08:14 00:08:17 e gravado em sistema áudio n.º 20230607104800_4563047_2871297.wma
➢ Depoimento de E. de Insolvência gravado em sistema gravado em ficheiro áudio n.º Diligência 17285/21.1T8SNT-A minutos 00:13:57 a 00:15:03 e 00:43:25 a 00:49:46 e gravado em sistema áudio n.º 20230626140029_4563047_2871297.wma
➢ Depoimento de F. de Insolvência gravado em sistema gravado em ficheiro áudio n.º Diligência 17285/21.1T8SNT-A minutos 00:35:38 a 00:36:15e gravado em sistema áudio n.º 20230626150729_4563047_2871297.wma
• Assim, quanto facto dado como não provado na alínea B) deve ser alterada a respetiva qualificação para Facto Provado com a seguinte redação:
“Os bens a que se reporta o contrato mencionado no facto n.º 21) foram vendidos pelo respetivo valor de mercado, atentas as circunstâncias em que tal contrato foi celebrado”
27.º Refere a douta sentença quanto a impossibilidade de verificação deste facto que[4]:
No que tange a B)., o único elemento probatório aportado foram as declarações de B., D. e F. que asseguraram que os campos de padel, em segunda mão, teriam um valor de mercado de 3 500 EUR. (…) …(…).//Perante este conjunto de circunstâncias (e sem entrar no preço que pode alcançar a base de dados de clientes, o acesso às páginas das distintas redes sociais e todos os outros ativos incluídos no negócio), não pode o Tribunal se não concluir pela não demonstração que o preço da venda de ativos entre a Quarenta Zero e a Insolvente correspondesse ao valor de mercado destes bens.”
28.º Ora, mais uma vez mal andou a douta sentença ao decidir como decidiu, importando que V. Exas reponham a justiça considerando este facto como provado.
29.º O objeto do negócio encontra-se devidamente especificado no próprio contrato e dado como provado nos factos 30), pelo que não se entende o que há para “olvidar”. O contrato e respetivo anexo são claros quanto ao objeto do mesmo e a natureza dos bens transmitidos.
Acresce que,
30.º Salvo o devido respeito que é muito, não é aceitável que efeitos de apuramento do alegado valor dos campos de padel o douto tribunal a quo tenha procedido à consulta de um anúncio do OLX, o qual já nem sequer se encontra disponível, pelo que não foi possível aos Recorrentes, e não será seguramente, a V. Exas., a respetiva consulta.
31.º Ora, não restam dúvidas de que a consulta de um site de venda on line não é meio idóneo para prova do valor dos referidos bens.
32.º Entendendo o douto tribunal que o apuramento do valor dos bens em causa era matéria essencial para a decisão do presente incidente, o que aliás, assim parece ser, dado que a própria sentença refere que este valor balizará o quantum indemnizatório a que os Recorrentes ficaram condenados, podia e devia de acordo com os poderes inquisitórios ao abrigo do princípio do inquisitório previsto no art.º 11º do CIRE de que dispõe ter ordenado a realização de uma perícia com vista a avaliação dos mesmos e apuramento do respetivo valor à data em que o negocio se concretizou.
33.º O que não fez! Bastando-se com um anúncio do OLX, o qual não tem qualquer valor probatório e não ser atendido como prova de que os bens não foram vendidos pelo respetivo valor de mercado.
34.º E, nem mesmo, para colocar em causa a credibilidade dos depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento. Os quais foram prestados de forma clara, objetiva e credível.
35.º Por último e no que respeita ao custo de desmontagem e armazenamento destes campos, facto que foi essencial para a tomada de decisão de contratar nos termos e condições já referidas, este facto não consta do elenco dos temas da prova, nem foi objeto de alegação em sede de articulados, pelo que nenhum documento foi junto.
36.º Contudo e, atendendo ao sentido da decisão ora em crise e, designadamente, quanto a este segmento decisório, requer-se a V. Exas se dignem admitir a junção aos autos dos orçamentos apresentados à data, pela PADEL HISPANIA PORTUGAL para o efeito, que se juntam sob o nº 1 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
37.º Conforme resulta deste documento, com natureza meramente indicativa, o custo dos trabalhos desmontagem e montagem das estruturas amovíveis dos campos de padel, ascendia a aproximadamente, 22.500€. Sendo que a este valor ainda iria acrescer a relva e areia necessárias para a respetiva montagem que atendendo à área em referência (1.600m2, ou seja, 8 x 200m2) acresceria um custo de aproximadamente €20.000,00.
38.º Acresce que a prova negativa deste fato cabia ao Recorrido e não aos Recorrentes, pelo que cabendo-lhe o respetivo ónus da prova, não a tendo realizado, não se pode considerar como não provado.
39.º Com efeito, conforme refere o AC. TRP de 29-06-2017 consultável im www.dgsi.pt
40.º Contudo, sem conceder, mesmo que assim não se entendesse, não resulta dos autos quaisquer documentos ou diligências probatórias realizadas qualquer facto que permita colocar em causa o sentido do depoimento prestado pelas testemunhas supra indicadas e cuja transcrição ali ficou exposta.
41.º Nesse sentido, deverá julgar-se como provado que os bens foram alienados pelo respetivo valor de mercado atentas as circunstâncias em que o negócio se concretizou.
- Da junção de documentos
42.º Aqui chegados, antes de fundamentar a posição assumida quanto a imprestabilidade da prova em questão, importa esclarecer a admissibilidade da junção do documento acima identificados.
43.º Trata-se de junção excecional em sede de recurso autorizada pelo art.º 651.º n.º 1 do CPC.
44.º No caso em apreço a junção se justifica já nesta fase do processo, por estar em causa a necessidade dos documentos revelada em resultado do julgamento proferido na 1.ª instância.
45.º Acresce que, não se justificava a junção de nenhum destes documentos em primeira instância, atendendo que nenhum deles apresenta qualquer relação com o objeto do litígio, nem com as alegações das partes no Incidente de Qualificação. Efetivamente, a junção destes documentos só se revelou necessária para demonstrar que efetivamente os custos associados a desmontagem dos bens em causa, designadamente, das estruturas do campo de padel, eram de monta tão avultada que a própria insolvente não tinha capacidade financeira para o fazer.
46.º De mais a mais, quanto ao elemento de novidade introduzido pela decisão (passível de justificar a junção do documento com o recurso pelo impacto na decisão nos termos do art.º 651.º n.º 1 do CPC), excluídos são, pois, os documentos conexos com a matéria decidenda ab initio, o que não é o caso em apreço. Assim, como os documentos em causa não estão conexos com o cerne do próprio thema decidendum, está em causa novidade introduzida pela decisão recorrida, o que é uma razão atendível e justifica a junção de documentos em fase de recurso, à luz do assinalado preceito.
47.º Assim, a junção de documentos com fundamento na parte final do n.º 12 do art.º 651.º do CPC é atendível em face da fundamentação da sentença, por se ter tornado necessário desprezar o depoimento da advogada, com base no qual o Tribunal a quo deu como provados factos com cuja relevância os Recorrentes não podiam razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida.
48.º Acresce que, no caso dos autos, é por demais evidente que a decisão se baseia em documento que não foi junto aos autos pelas partes, mas em consulta pelo douto tribunal a quo de um anúncio de venda publicado na internet, designadamente, no site da OLX, o qual não reveste qualquer valor probatório, nem se mostra idóneo a fazer prova do facto em causa, o valor de mercado dos bens alienados
49.º Com efeito, a jurisprudência é pacífica quanto à admissão de documentos em sede de recurso quando estejam preenchidos os requisitos previstos no art.º 651.º n.º 1 do CPC. Veja-se a titulo exemplificativo: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/04/2019, proferido no processo 22946/11.0T2SNT-A.L1.S2.; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24/04/2019, proferido no processo 3966/17.8T8GMR.G1
50.º Assim sendo, requer-se desde já a admissão destes documentos nesta fase processual.
51.º Fundamento 2: Erro de julgamento quanto à matéria de direito, o que culminou na não conformidade da decisão com o direito aplicável à espécie, o que, em alguns aspetos foi, ou pode ter sido consequência do erro verificado na interpretação e apreciação da matéria de facto. De qualquer modo, é por demais evidente que, independentemente disso, há claro erro na interpretação e na aplicação do Direito, por não se encontrarem verificados os fundamentos de que depende a decisão de procedência do Incidente de Qualificação de Insolvência e consequentemente, da afetação dos ora Recorrentes, nos termos em que a douta sentença em crise decidiu!
52.º Decorrente do erro de julgamento relativo à matéria de direito, foram violados, nomeadamente e entre outros, os artigos 11º, 185º, 186º nºs 1, 2 alínea a) e d), 189º do CIRE e 342º do CC.
53.º Isto porque o Tribunal a quo entendeu, assim, verificados factos bastantes que permitiram concluir que preenchimento das alíneas a) e d), do n.º 2, do art.º 186.º do CIRE e, em consequência, decidiu julgar sente incidente procedente por provado e, em consequência, qualificar, como culposa, a insolvência da sociedade A…, LDA. e declarar afetados pela qualificação os ora Recorrentes
54.º Nos termos do art.º 185º do CIRE a Insolvência é qualificada como culposa, ou, por exclusão de partes, fortuita.
55.º Dispõe o n.º 1 do art.º 185.º que a insolvência é qualificada como culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da atuação dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou e facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.
56.º No n.º 2 do art.º 186.º isolam-se, taxativamente, as situações que obrigam necessariamente a um juízo de insolvência culposa relativamente a pessoas coletivas.
57.º A Recorrida não logrou provar que as condutas dos ora Recorrentes são integradoras de qualquer das alíneas do n.º 2 do art.º 186.º do CIRE, conforme já anteriormente exposto.
58.º Sendo que no caso sempre caberia a Recorrida o ónus da prova dos factos-índice previstos naquela disposição legal, enquanto pressuposto da presunção que dali emerge, o que não logrou demonstrar. A título exemplificativo, Ac. TRP de 29-06-2017 consultável in www.dgsi.pt
59.º A insolvência é culposa quando esse estado tiver criado ou agravado em consequência da atuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência (art.º 186 nº 1 do CIRE).
60.º Atuação essa que não se verifica nos presentes autos.
61.º A qualificação da insolvência como culposa reclama, portanto, uma conduta ilícita e culposa do devedor ou dos seus administradores, sendo que a ilicitude do comportamento do devedor ou dos seus administradores reparte-se por elementos objetivos e subjetivos.
62.º O elemento objetivo afere a ilicitude da atuação do devedor ou dos administradores pela sua correspondência com o estado de insolvência do primeiro: a conduta é ilícita se dela resulta a criação ou agravamento da situação de insolvência.
63.º O elemento subjetivo valora a conduta pelo conhecimento e vontade do devedor ou dos seus administradores na criação ou agravamento da situação de insolvência, i.e., pelo dolo ou pela negligência daquele ou destes. Mas não releva uma qualquer negligência – mas apenas uma negligência grave ou grosseira, quer dizer, uma negligência de grau essencialmente aumentado ou intensificado, portanto, uma violação particularmente qualificada dos deveres de cuidado ou diligência presentes no caso.
64.º A culpa do devedor ou dos seus administradores decorre de um juízo de censurabilidade, em cuja formulação devem ser consideradas as condições que justificam que lhes seja dirigida essa censura. A censurabilidade da conduta é uma apreciação de desvalor que resulta do reconhecimento de que o devedor, ou os seus administradores, nas circunstâncias concretas em que atuaram, podiam ter conformado a sua conduta de molde a evitar a queda do primeiro na situação de insolvência ou agravamento do estado correspondente. A censurabilidade do comportamento do devedor ou dos seus administradores é um juízo feito pelo tribunal sobre a atitude ou motivação de um e de outros, segundo o que pode ser deduzido dos factos provados.
65.º O desvalor que fundamenta a ilicitude da conduta do devedor ou dos seus administradores encontra-se no resultado: a criação ou agravamento da situação de insolvência. Devendo a ilicitude referenciar-se a esse resultado antijurídico, importa verificar, não apenas que esse resultado se produziu – mas se ele pode ser atribuído imputado – à conduta.
66.º É a exigência de um relacionamento ou de uma conexão dessa conduta com o evento a que se procura dar resposta com a causalidade.
67.º A indagação do carácter doloso ou gravemente negligente da conduta do devedor, ou dos seus administradores, e da relação de causalidade entre essa conduta e o facto da insolvência ou do seu agravamento, de que depende a qualificação da insolvência como culposa, revela-se muitas vezes extraordinariamente difícil. Para facilitar essa qualificação, a lei estabelece presunções, através das quais opera a distribuição do ónus da prova da culpa, i.e., o encargo de demonstrar a sua existência.
68.º Mas tal não é discricionário.
69.º Assim, a lei considera sempre culposa a insolvência do devedor, que não seja pessoa singular, designadamente quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham destruído ou descaminhado, no todo ou em parte, o património do devedor ou disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros (artº186 nº 2 a) e d), do CIRE), o que não é caso dos autos.
70.º Trata-se, nitidamente, de uma presunção absoluta, inilidível ou iuris et de iure, dado que impõe um regime, não admitindo prova em contrário (art.º 350 nº 2, in fine, do Código Cvil) Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Reimpressão, vol. II, Quid Iuris, Lisboa, 2006, pág. 14 e Carvalho Fernandes, Qualificação da Insolvência, Themis, 2005, Edição Especial, Sobre o Novo Direito da Insolvência, 94..
71.º O Tribunal Constitucional já foi chamado a pronunciar-se sobre a conformidade constitucional do art.º 189 nº 3 do CIRE com os bens e valores constitucionais. Fê-lo no acórdão 564/2007 DR, I Série, nº 13 de Fevereiro de 2008, também disponível em www.tribunalconstitucional.pt..
72.º Aquele Tribunal, depois de notar que se trata de uma presunção ilidível, assente na prática de factos ilícitos, que apresentam um valor sintomático da ocorrência de culpa, que se dirige a pessoas que, em princípio, exercem profissionalmente a atividade de administração, cujo facto base são regras cuja observância não reveste especiais dificuldades e que visam, funcionalmente, assegurar a transparência da situação económico-financeira do ente administrado e, por essa via, a proteção dos interesses dos credores, concluiu que é inteiramente razoável, não arbitrária, adequada e proporcionada e, naturalmente, não julgou inconstitucional a norma correspondente.
73.º Contudo, para que neste caso se conclua pelo carácter culposo da insolvência, não basta assentar na culpa grave, ainda que simplesmente presuntiva, do seu administrador na omissão do cumprimento de qualquer daquelas obrigações; exige-se a prova em concreto da relação ou nexo de causalidade entre essa conduta e a criação ou agravamento da situação de insolvência do devedor.
74.º Assim, por exemplo, os Acs. da RP de 15.03.07, 13.09.97, 07.01.08, 23.06.09, 15.07.09 e 22.06-10, da RL de 22.01.08, e da RC de 24.03.09, 21.04.09 e 23.06.09, www.dgsi.pt e Raposo Subtil, Matos Esteves, Maria José Esteves e Luís Martins, CIRE Anotado, 2ª edição, págs. 265 e
75.º O que não se verifica nos presentes autos.
DA NÃO VERIFICAÇÃO DA PRESUNÇÃO PREVISTA NA ALINEA A) Nº 2 DO ARTº 186 DO CIRE
76.º Ora no que respeita a esta presunção refere a disposição legal que será culposa a insolvência nos casos em que o devedor tenha destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor.
77.º Ora, salvo o devido respeito, não se entende como pode o tribunal a quo ter considerado preenchida tal previsão no caso em apreço.
78.º Refere a douta sentença quanto ao preenchimento desta previsão que: [5]
“….a Insolvente celebrou o contrato de arrendamento a que se reportam o facto n.º 11), sendo que, por via do convénio que celebrou com a Floponor, detalhado no facto n.º 13), habilitou os armazéns arrendados para se transformarem no «ABC Indoor Padel», tendo, para o efeito, investido, nesta empreitada, a quantia de 371 471,45 EUR, como se recolhem nos factos n.os 14) a 16).//(…) … (…)// (…) [cfr. factos n. 10) e 40)].//Em suma, pese embora se conheça o paradeiro físicos dos bens, os quais, em bom rigor, nunca deixaram se estar localizados nas instalações do «ABC Indoor Padel», o certo é que, com a celebração do contrato com a Quarenta Zero, no dia 06.11.2020 (e, por isso, dentro da fasquia temporal dos 3 anos prévios à declaração de insolvência, ocorrida, nestes autos, em 18.11.2021), A., B. e C. procederam à ocultação (entendida como descaminho), se não de todo, de uma parte muito considerável do património da A…, tornando-a uma casca vazia, dado que a sociedade Insolvente já não podia prosseguir atividade.” (Bold nosso)
79.º Ora, mal andou o douto tribunal na interpretação fáctica e no respetivo enquadramento jurídico que levou a concluir pelo preenchimento de tal presunção
80.º De acordo com a Norma Contabilística e de Relato Financeiro 7 (“NCRF7”) - “nº 6 - Ativos fixos tangíveis: são itens tangíveis os que: a) Sejam detidos para uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços, para arrendamento a outros, ou para fins administrativos; e b) Se espera que sejam usados durante mais do que um período.”
81.º Sendo que no seu nº 7 prevê que: “O custo de um item de ativo fixo tangível deve ser reconhecido como ativo se, e apenas se: a) For provável que futuros benefícios económicos associados ao item fluam para a entidade; e b) O custo do item puder ser mensurado fiavelmente.”
82.º O nº 17 prevê que: “ O custo de um item do ativo fixo tangível compreende: a) O seu preço de compra, incluindo os direitos de importação e os impostos de compra não reembolsáveis, após dedução dos descontos e abatimentos; b) Quaisquer custos diretamente atribuíveis para colocar o ativo na localização e condição necessárias para o mesmo ser capaz de funcionar da forma pretendida;” e o nº 18 que: “Exemplos de custos diretamente atribuíveis são: a) Custos de benefícios dos empregados (ver subsidiariamente a NCRF 28 — Benefícios dos Empregados) decorrentes diretamente da construção ou aquisição de um item do ativo fixo tangível; b) Custos de preparação do local; 20770 Diário da República, 2.ª série — N.º 146 — 29 de julho de 2015 c) Custos iniciais de entrega e de manuseamento; d) Custos de instalação e montagem; e) Custos de testar se o ativo funciona corretamente, após dedução dos proventos líquidos da venda de qualquer item produzido enquanto se coloca o ativo nessa localização e condição (tais como amostras produzidas quando se testa o equipamento); e f) Honorários.”
Acresce, ainda que,
83.º Nos termos do parágrafo 7.2 da NC-ME as designadas propriedades de investimento (terrenos e edifícios), bem como os ativos biológicos de produção, são reconhecidos como ativos fixos tangíveis.
84.º Veja-se, PT20819 (OOC), Abate de ativos fixos tangíveis, Maio 2018 consultável em https://portal.occ.pt/pt-pt/noticias/abate-de-ativos-fixos-tangiveis de ativos fixos tangíveis | Ordem dos Contabilistas Certificados (occ.pt), cuja transcrição se encontra supra para melhor entendimento.
85.º De acordo com o parágrafo 7.15 da NC-ME, os ativos fixos tangíveis devem ser desreconhecidos, ou seja, retirados do balanço, sempre que os mesmos já não desempenhem qualquer função para a entidade ou não sejam suscetíveis de proporcionar benefícios futuros, independentemente de estarem ou não totalmente depreciados, ou então, sejam alienados.
86.º Como se constata, a partir do momento em que a entidade deixa de esperar obter benefícios económicos futuros pela utilização ou venda dos itens do ativo fixo tangível, estes devem ser objeto de desreconhecimento.
87.º Prevê o paragrafo 7.15 da NC- ME (…)
88.º Ora, no caso em apreço, conforme ficou demonstrado, no IES correspondente ao exercício de 2019, encontravam-se contabilisticamente reconhecidos ativos fixos tangíveis no valor de € 351.529,61, sendo que no IES relativo ao ano de 2020 se verificou uma operação de abate no montante de € 466.079,61 (quatrocentos e sessenta e seis mil setenta e nove euros e sessenta e um cêntimos)
89.º Deverá esclarecer-se, desde logo, como resulta dos próprios documentos contabilísticos e dos depoimentos C. e da administradora da insolvência, esta operação de abate tem duas componentes, por um lado o valor da garantia bancária, entretanto acionada pelo Banco, conforme a própria sentença reconhece e o correspondente às obras realizadas, aos campos de padel e as estruturas de apoio construídas.
90.º Veja-se para este efeito os seguintes depoimentos que ficaram supra transcritos:
➢ Depoimento de C. gravado em sistema gravado em ficheiro áudio n.º Diligência 17285/21.1T8SNT-A minutos 00:00:30 a 01:22:47 gravado em sistema áudio n.º 20230607141608_4563047_2871297.wma
➢ Depoimento da Administradora de Insolvência gravado em sistema gravado em ficheiro áudio n.º Diligência 17285/21.1T8SNT-A, minutos 00:00:01 a 00:42:06 gravado em sistema áudio n.º20230607100541_4563047_2871297.wma
91.º Ora, tal como refere e bem, neste segmento, a douta sentença, a operação contabilística de abate corresponde ao “desreconhecimento” sempre que os ativos já não representem qualquer função, ou deles a entidade já não retire benefício futuro, sendo que tal abate poderá ter origem, entre outras situações, na alienação dos ativos fixos tangíveis.
92.º Ora, no caso em apreço, e conforme já ficou amplamente explanado, o contrato de arrendamento do imóvel, no qual foram incorporadas obras para colocação de campos de padel e respetivas estruturas de apoio, foi resolvido pela entidade proprietária e em consequência entregue pela insolvente, logo de acordo com o previsto no respetivo contrato, as obras incorporadas no imóvel constituem benfeitorias que a insolvente não poderia retirar do imóvel.
93.º Veja-se, conforme ficou dado como provado, o contrato de arrendamento nas suas cláusulas sexta e décima prevê que findo o contrato de arrendamento a arrendatária não pode invoca retenção ou exigir indemnização pelas benfeitorias realizadas ou quaisquer outras obras revertendo quaisquer benfeitorias, obras e intervenções em favor do locado. As obras e benfeitorias para além do resto da obra são irrecuperáveis e que a arrendatária obriga-se, ainda, a restituir o local arrendado livre de pessoas e bens e no estado e, que lhe foi entregue, em perfeito estado de conservação e limpeza, com todas as suas chaves e vidros intactos, de acordo com o projeto original dos ARMAZÉNS, ou no estado em que se encontrar depois das obras ou benefícios realizados se for esta a vontade do senhorio.
94.º Assim, o valor que havia sido reconhecido como ativo fixo tangível e que contemplava em parte os campos de padel, as obras de ampliação e preparação do espaço, e as respetivas estruturas de apoio deixaram de existir nos termos em que se encontram previstos no âmbito da NCRF7, designadamente, a probabilidade de que futuros benefícios económicos associados ao item fluam para a entidade.
95.º Concluindo-se de forma clara que a operação de abate foi realizada nos termos e condições previstas NCRF7, não merecendo qualquer censura.
96.º Ora, salvo o devido respeito, não se percebe o alcance do referido na sentença de que “…. se certo que, face ao teor do contrato de arrendamento [cfr. facto n.º 11)], as benfeitorias, no terminus do contrato reverteriam a favor do senhorio, não menos certo é que o contrato celebrado com a Quarenta a Zero extravasava as benfeitorias, pelo que a justeza, se não mesmo a veracidade desta afirmação, suscitam grandes dúvidas ao Tribunal”
97.º Veja-se, que o contrato de compra e venda de ativos celebrado com a Quarenta Zero apenas teve por objeto os itens constantes do Anexo IV, conforme exposto supra. À data da celebração deste contrato, o contrato de arrendamento já havia cessado por resolução operada pela senhoria e o imóvel entregue à entidade proprietária do mesmo.
98.º Pelo que, conforme ficou devidamente explicado, quando no Anexo IV se refere “8 campos de padel”, refere-se apenas as estruturas amovíveis dos mesmos (estruturas metálicas e vidro). Ou seja, o que foi objeto de venda não foram as obras de capacitação do espaço para a prática da modalidade, cujo custo havia sido reconhecido como ativo fixo tangível em 2019 e abatido por desreconhecimento no exercício de 2020, atentas as razões já amplamente explanadas acima, designadamente, a resolução do contrato de arrendamento.
99.º Em conclusão, parece, smo, haver uma interpretação incorreta do conceito de ativo fixo tangível e das condições do respetivo reconhecimento e desreconhecimento contabilístico. E, por outro lado, um equívoco quando se conclui que o que foi objeto de venda foram os mesmos itens que compunham aqueles ativos fixos tangíveis.
100.º Com efeito, o que foi objeto de venda à Quarenta Zero, frisa-se, já em data posterior à resolução do contrato de arrendamento e entrega do imóvel pela insolvente, foram apenas os itens constantes do Anexo IV ao contrato, sendo que, no que respeita aos campos de padel, apenas seria passível de reutilização as estruturas metálicas e vidros.
101.º O interesse manifestado pela Quarenta Zero na aquisição destes itens apenas se verificou porque estava, em paralelo, a negociar com a Imoware o arrendamento do imóvel.
102.º Veja-se que a desmontagem, transporte e armazenamento daquele material pela insolvente tinha custos muito elevados, que esta não podia suportar.
103.º De acordo com o documento que ora se junta com o nº 1, só a desmontagem, sem extração do local, transporte nem armazenamento ascenderiam a 9.300€ e a desmontagem e montagem, sem extração do local, transporte nem armazenamento são 20.498€, acrescido de 2.000€ de parafusos, ou sejam 22.498€.
104.º A opção alternativa à que se verificou seria deixar estas estruturas no imóvel sem qualquer contrapartida para a insolvente. 105.º A douta sentença refere, ainda que “…todo o restante património da A... foi alienado à Quarenta Zero, negócio que esvaziou a sociedade de todos os seus ativos impedindo-a de gerar rendimentos que pudessem fazer frente aos créditos que restavam por liquidar e que resultam enumerados no facto n.º 9).”
106.º A sociedade ora insolvente deixou de ter condições para prosseguir a sua atividade quando o contrato de arrendamento foi resolvido e todo o investimento que nele foi feito deixou de estar na posse e ao uso da mesma.
107.º A partir do momento em que é resolvido o contrato pela Imoware e posteriormente é negado o acesso ao espaço aos clientes pelo senhorio, a sociedade deixou de poder continuar a sua atividade, pelo que, o que esvaziou a sociedade não foi o negócio celebrado com a Quarenta Zero, mas sim a resolução do contrato de arrendamento, uma vez que, sem espaço ou mesmo com espaço, mas sem acesso por parte dos clientes, não havia condições para o desenvolvimento da atividade da insolvente.
108.º Face à incerteza em termos de horizonte de tempo para a realização da venda dos activos amovíveis, muito fruto do contexto pandémico à data e sem previsão temporal para um regresso à atividade normal, adicionando o custo da operação de desmontagem, armazenamento, transporte e montagem, os gerentes da A... concluíram que a ação da qual conseguiriam retirar maior retorno para a insolvente e seus credores seria a venda desses activos amovíveis ao único real interessado que formalizou uma proposta de compra.
109.º Acresce que foi entregue ao Administrador de insolvência toda a informação solicitada, designadamente, contabilística, na qual consta, de forma inequívoca, o crédito sobre a Quarenta Zero no montante de €50.000,00 (facto provado sob o nº 36 na douta sentença)
110.º Conclui a sentença este segmento decisório afirmando que: “Em suma, pese embora se conheça o paradeiro físicos dos bens, os quais, em bom rigor, nunca deixaram se estar localizados nas instalações do «ABC Indoor Padel», o certo é que, com a celebração do contrato com a Quarenta Zero, no dia 06.11.2020 (e, por isso, dentro da fasquia temporal dos 3 anos prévios à declaração de insolvência, ocorrida, nestes autos, em 18.11.2021), A., B. e C. procederam à ocultação (entendida como descaminho), se não de todo, de uma parte muito considerável do património da A..., tornando-a uma casca vazia, dado que a sociedade Insolvente já não podia prosseguir atividade.”
111.º Vale aqui o que já acima ficou exposto, acrescendo que os Recorrentes não ocultaram ou descaminharam qualquer património da insolvente. Celebraram sim um contrato de compra e venda de ativos pelo valor de €54.000,00 (cinquenta e quatro mil euros), com um pagamento inicial de €4.000,00 que foi recebido ainda pela insolvente e o remanescente em quatro prestações anuais.
112.º Este negócio ainda se encontrava por cumprir à data da declaração de insolvência, dada a necessidade de cobrar o remanescente do preço, o que podia e devia ter sido feito pelo Administrador de Insolvência, o que não ocorreu!
113.º Contudo, esse facto não é da responsabilidade dos ora Recorrentes, mas sim do Administrador de Insolvência em causa, o qual, tendo toda a informação contabilística e demais solicitada na sua posse, não procedeu como devia à respetiva análise e atuação conforme.
114.º A própria Floponor, credora da insolvente e que requereu a abertura do presente incidente de qualificação de insolvência, tinha conhecimento deste facto e também nada fez no âmbito do processo de insolvência para que aquela cobrança se realizasse!
115.º Reforça-se que a impossibilidade da insolvente prosseguir com a atividade se deveu não ao negócio ora em análise, mas sim à falta de condições para o efeito que resultou da privação do uso do imóvel onde se encontrava instalado o Clube de Padel e à cessação do contrato de arrendamento por resolução e entrega do imóvel, no qual ficaram incorporadas todas as benfeitorias não amovíveis, que constituem a sua maioria, as quais não foram objeto do contrato de compra e venda celebrado com a Quarenta Zero.
116.º Por fim, o próprio Parecer elaborado pela Sra. Administradora de Insolvência para efeitos de qualificação de insolvência fez, salvo o devido respeito, uma errada apreciação da situação, conforme resulta do seu depoimento de Olívia de Sousa Passos Mira, que desconhecia os termos do contrato de arrendamento, ou não os tomou em consideração, não cuidou saber das razões do desreconhecimento dos ativos fixos tangíveis, e desconhecia, como a própria admite, a existência do registo contabilístico do valor de €50.000,00 como crédito a cobrar à Quarenta Zero, apesar de ter baseado todo o seu parecer na análise dos documentos contabilísticos.
117.º Veja-se: Depoimento de OM – Administradora de Insolvência gravado em sistema gravado em ficheiro áudio n.º Diligência 17285/21.1T8SNT-A, minutos 00:00:01 a 00:42:06 gravado em sistema áudio n.º20230607100541_4563047_2871297.wma que ficou supra transcrito para melhor compreensão
DA NÃO VERIFICAÇÃO DA PRESUNÇÃO PREVISTA NA ALINEA D) Nº 2 DO ARTº 186 DO CIRE
118.º Ora no que respeita a esta presunção refere a disposição legal que a insolvência será considerada culposa quando tenha havido disposição de bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros.
119.º Mais uma vez, mal andou o tribunal a quo a considerar provados factos que permitam concluir pelo preenchimento desta presunção legal.
120.º Vejamos, entendeu o douto tribunal a quo que[6]:
“Descendo ao caso em apreço e considerando aqui reproduzidas, por questões de economia processual as asserções já firmadas a propósito da subsunção dos eventos provados à alínea a), do n.º 2, do art.º 186.º do CIRE, dir-se-á que a celebração, pelo Requeridos, com a Quarenta Zero, do convénio referido no facto n.º 30), (…) … (…)// Perante este quadro factual, propende o Tribunal a considerar que a alienação dos ativos, pelos gerentes da Insolvente à Quarenta Zero foi realizada em proveito desta última, com quem, pese embora os respetivos gerentes não estivem numa relação nos termos do art.º 49.º, n.º 2 do CIRE, mantinham uma ligação que espoletou a celebração de um negócio cuja única beneficiária foi a sociedade Quarenta Zero (e, num segundo patamar, a Imoware).”
121.º Para os devidos e legais efeitos e por razões de economia processual, dá-se aqui por integralmente reproduzido tudo o quanto ficou anteriormente exposto, quer no alegado em sede de “Ponto Prévio”, quer no que respeita ao ponto anterior, quanto às circunstâncias que envolveram a celebração do negócio com a Quarenta a Zero, os termos e condições do mesmo.
122.º Veja-se, realçando-se, que o cenário alternativo àquele negócio seria a insolvente não ter qualquer contrapartida de todo o investimento efetuado até à data, dado que todos as obras incorporadas no imóvel não podiam ser levantadas e as que tinham natureza amovível, os custos com o seu levantamento, transporte e armazenamento era de tal monta que a insolvente não tinha capacidade para os suportar, já para não referir os riscos inerentes de destruição e danificação que podiam ocorrer em todo o processo.
123.º Para além disso o valor de venda dos mesmos, desintegrados, não ascenderia de perto ao valor alcançado pelo negócio celebrado com a Quarenta Zero.
124.º Pelo que ao contrário do que conclui, erradamente, a douta sentença, os atos praticados pelos ora Recorrentes foram em exclusivo proveito da insolvente e dos seus credores.
125.º No cenário alternativo, a Quarenta Zero que à data estava a negociar a celebração do contrato de arrendamento do espaço com a Imoware ficaria a usufruir dos campos de padel com as obras efetuadas e incorporadas no imóvel e com as estruturas amovíveis sem qualquer contrapartida.
126.º Todos os demais itens constantes do Anexo IV ao contrato de compra e venda não têm valor expressivo, uma vez que todos eles eram inerentes à atividade da insolvente, que esta deixou de ter condições para desenvolver em data anterior à celebração deste contrato com a Quarenta Zero!
127.º Em última instância, a Quarenta Zero poderia ter ficado a usufruir de tudo sem necessidade de celebrar qualquer contrato com a insolvente.
128.º Pelo que não se entende a conclusão a que a douta sentença chega quando refere que
Descendo ao caso em apreço e considerando aqui reproduzidas, por questões de economia processual as asserções já firmadas a propósito da subsunção dos eventos provados à alínea a), do n.º 2, do art.º 186.º do CIRE, dir-se-á que a celebração, pelo Requeridos, com a Quarenta Zero, do convénio referido no facto n.º 30), para além de ter facultado a esta última sociedade a disposição (da quase, se não mesmo da totalidade) dos bens da A..., foi levada a cabo em proveito da Quarenta Zero”
129.º Com efeito, e se os Recorrentes não tivessem celebrado o negócio com a Quarenta Zero? Esta não usufruiria dos mesmos, sem qualquer contrapartida a pagar à insolvente?
130.º Poderia, aqui, excecionar-se para o efeito os bens móveis descritos no Anexo IV e os reforços no ponto 1.1.2 a 1.1.4 do contrato de compra e venda. Mas, ainda, assim, qual o valor destes bens e direitos? Seguramente, com a impossibilidade de continuação da atividade pela insolvente, os Clientes perder-se-iam, a marca não teria qualquer valor venal, as licenças desportivas caducariam e os bens móveis descritos no Anexo teriam um valor simbólico e, eventualmente, sem qualquer proveito dos credores.
131.º Pelo que, todas as diligências efetuadas pelos Recorrentes foram no sentido de tentar, face ao cenário que existia, perda total do investimento, conseguir alguma contrapartida para a insolvente e para os credores.
132.º E perceba-se que o valor das estruturas amovíveis dos 8 campos de padel que, em termos de valor é o que releva para a análise efetuada também pelo tribunal a quo, foram alienadas pelo respetivo valor de mercado, atendendo às circunstâncias que se viviam à data.
133.º Chegando a ser bizarro, salvo o devido respeito que é muito, que para efeitos de apuramento do alegado valor dos campos de padel o douto tribunal a quo tenha procedido à consulta de um anúncio do OLX, o qual já nem sequer se encontra disponível, pelo que não foi possível aos Recorrentes, e não será seguramente, a V. Exas., a respetiva consulta.
134.º Ora, não restam dúvidas de que a consulta de um site de venda on line não é meio idóneo para prova do valor dos referidos bens.
135.º Entendendo o douto tribunal que o apuramento do valor dos bens em causa era matéria essencial para a decisão do presente incidente, o que aliás, assim parece ser, dado que a própria sentença refere que este valor balizará o quantum indemnizatório a que os Recorrentes ficaram condenados, podia e devia de acordo com os poderes inquisitórios ao abrigo do princípio do inquisitório previsto no art.º 11º do CIRE de que dispõe ter ordenado a realização de uma perícia com vista a avaliação dos mesmos e apuramento do respetivo valor à data em que o negócio se concretizou. O que não fez! Bastando-se com um anúncio do OLX.
136.º Em conclusão, os Recorrentes tiveram a única e exclusiva intenção de beneficiar a insolvente e os seus credores. Em momento algum e, nem se percebe como se alcança tal conclusão, os Recorrentes pretenderam beneficiar a sociedade Quarenta Zero.
137.º Refere, ainda, a douta sente que[7]:
“Para tanto, atente-se, em primeiro lugar, que, como se lê nos factos n.ºs 21) a 26), a Quarenta Zero foi constituída em 27.10.2020 (10 dias antes da celebração do contrato com a Insolvente), dispondo de um capital social de 5.000 EUR. (…) … (…)//Perante este quadro factual propende o Tribunal a considerar que a alienação dos ativos, pelos gerentes da Insolvente à Quarenta Zero foi realizada em proveito desta última, com quem, pese embora os respetivos gerentes não estivem numa relação nos termos do art.º 49.º, n.º 2 do CIRE, mantinham uma ligação que espoletou a celebração de um negócio cuja única beneficiária foi a sociedade Quarenta Zero (e, num segundo patamar, a Imoware)
138.º Os Recorrentes, mais uma vez, aqui dão por integralmente reproduzido o que já ficou exposto quanto às condições do contrato de arrendamento no que respeita às benfeitorias integradas no imóvel.
139.º Ora como pode o douto tribunal entender que, em última análise, os Recorrentes beneficiaram a Imoware? Esta entidade é a proprietária do imóvel e tinha os direitos que emergiam do contrato de arrendamento quanto às benfeitorias integradas no mesmo!
140.º Salvo, mais uma vez, o devido respeito, este segmento decisório assenta única e exclusivamente em juízos de valor, ilações, suposições e construções de raciocínio, sem qualquer respaldo factual.
141.º Desconhece-se por que razão a Imoware não reclamou créditos no processo de insolvência. Contudo, daí não resulta que tal facto tenha a sua explicação no negócio celebrado com a Quarenta Zero.
142.º Contudo, deverá considerar-se que para efeitos de pagamento das rendas vencidas e não pagas, acionou a garantia bancária de que era titular e recebeu por essa via o montante de €104.550, tendo integrado no imóvel de que é proprietária, todas as benfeitorias realizadas, talvez por isso não tenha reclamado créditos!
143.º A Quarenta Zero arrendou o imóvel nas condições em que se encontrava, ou seja, com as benfeitorias já incorporadas, pelo que tal facto deve ter sido considerado nas condições do próprio arrendamento e na fixação da respetiva renda. Não se sabe!
144.º A Quarenta Zero deverá ter, na realidade assinado um contrato de arrendamento que lhe deu direito a usufruir de todas as benfeitorias incorporadas no imóvel, pelo que, no fundo a insolvente obteve através do contrato de compra e venda o direito a receber 54.000€ por algo que já nada valia e que aquela entidade tinha direito a usar por via do arrendamento que celebrou.
145.º Os ora Recorrentes e sociedade Quarenta Zero não tinham qualquer “ligação”, apenas o conhecimento pelo fato dos sócios daquela sociedade frequentarem o Clube de Padel, mais nada, aliás, conforme ficou explicado nos vários depoimentos prestados, transcrevendo-se aqui a título de exemplo um excerto do depoimento de C. gravado em sistema gravado em ficheiro áudio n.º Diligencia 17285/21.1T8SNT-A minutos 00:05:28 a 00:05:32 e gravado em sistema áudio n.º 20230607141608_4563047_2871297.wma
146.º Por fim, é sabido, pela experiência comum, que muitas empresas são criadas com o propósito de desenvolver um negócio específico e que o terá acontecido neste caso foi exatamente isso. Os agora sócios da Quarenta Zero não pretenderam a realização do negócio em nome pessoal e nesse sentido constituíram a Quarenta Zero para esse efeito.
147.º Mas como é que tal facto pode fundamentar a conclusão de que os Recorrentes pretenderam beneficiar esta entidade?
148.º Nem sequer colhe o argumento de que o capital social era baixo e que não teria capacidade para de financiar, veja-se que a insolvente tinha um capital social de €3.000,00, e tal facto não impediu a contratação de financiamento e a realização do investimento que fez!
149.º A suposição de factos não pode fundamentar uma decisão de qualificação de insolvência com a gravidade que a mesma comporta para os Recorrentes!
150.º Os Recorrentes não pretenderam beneficiar a Quarenta Zero, nem a Imoware, nem esse facto resultou provado! O douto tribunal não pode condenar os Recorrentes com base em meras suposições e exercícios de raciocínio sem qualquer fundamentação fática!
151.º O crédito face à Quarenta Zero emergente do contrato de compra e venda existia à data da declaração de insolvência e constava nos registos contabilísticos da mesma, conforme resulta dos Factos Provado.
152.º O Sr. Administrador de Insolvência teve conhecimento desses factos, a Floponor conhecia do negócio, pelo que surge a questão: Se se entendia que este negócio tinha sido prejudicial porque não ter procedido à resolução do mesmo em benefício da massa insolvente?
153.º Se tal não foi feito, porque não proceder à cobrança do crédito e realizar as diligências necessárias ao cumprimento do contrato?
154.º A não atuação do Administrador de Insolvência, a falta de cuidado no exercício das suas funções e as consequências que tais factos tiveram nos interesses dos credores é responsabilidade que não pode impender sobre os Recorrentes.
155.º Estes prestaram toda a informação solicitada ao Administrador de Insolvência, a contabilidade estava devidamente organizada e refletia todos estes factos.
156.º Como pode ser referido na douta sentença que os gerentes da A... e até os gerentes da Quarenta Zero sabiam que os 50.000,00€ restantes do contrato de venda de activos não iriam ser liquidados? Como anteriormente referido, esse crédito era do conhecimento do Administrador de Insolvência, e conforme depoimentos dos gerentes da Quarenta Zero, esta entidade também tinha/tem esse débito na sua contabilidade, tendo sido indicado que chegaram a abordar o Sr. Administrador de Insolvência Veja-se, a titulo de exemplo, Depoimento de F. gravado em sistema gravado em ficheiro áudio n.º Diligencia 17285/21.1T8SNT-A minutos 00:20:08 a [00:22:23 e gravado em sistema áudio n.º 20230626140029_4563047_2871297.wma
157.º Quem, efetivamente, prejudicou os credores e beneficiou a Quarenta Zero, não procedendo à cobrança do respetivo crédito não foram, seguramente, os Recorrentes!
158.º Pelo acima exposto, só se pode concluir que não estão verificados os pressupostos de que depende a procedência do Incidente de Qualificação de Insolvência e afetação pelo mesmo dos ora Recorrentes, de forma que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de direito, razão pela qual deverá este Tribunal ad quem revogar a decisão proferida por aquele Tribunal, proferindo outra que faça justiça!
DAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DA QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA
159.º Refere a este propósito a douta sentença o seguinte: “Revertendo ao caso dos autos, é entendimento do Tribunal que o comportamento dos gerentes que quedou demonstrado nos autos é revelador de uma culpa mediana. Vejamos: de entre os elementos demonstrados nos autos, não resultou um papel distinto nos labores de gerência, dos Requeridos, pelo que o seu grau de culpa, face aos eventos verificados, é idêntico. (…) … (…) entende o Tribunal ser justo, proporcional e adequado fixar em 4 (quatro) anos o período de inibição dos Requeridos para administrarem patrimónios de terceiros e, bem assim, para o exercício do comércio e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa.
160.º Mais uma vez, salvo o devido respeito, mal andou o douto tribunal ao decidir como decidiu.
161.º Para efeitos deste segmento decisório vale tudo o quanto já ficou dito no que respeita às circunstâncias, termos e condições do negócio celebrado com a Quarenta Zero, o que se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
162.º Não se encontrando verificados os pressupostos para a qualificação de insolvência da sociedade A..., Lda. e consequentemente a afetação dos ora Recorrentes, pelo que deve ser revogada a douta sentença, assim se fazendo Justiça!
Sem prescindir e por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que,
163.º Atenta a prova dos autos bem como o comportamento dos Recorrentes, a qual é caracterizada na douta sentença como culpa mediana (!?), é manifestamente excessiva a declaração de inibição destes, pelo período de quatro anos, a contar do trânsito em julgado desta decisão, para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa e, ainda, a sua condenação em indemnizar os credores da insolvente em indemnização a fixar em liquidação de sentença
164.º Face a tudo quanto ficou exposto não restam dúvidas de que a douta sentença em análise deve ser revogada e substituída por outra que julgue totalmente improcedente o presente incidente de qualificação de insolvência!”
9. O Ministério Público apresentou contra-alegações, requereu a improcedência do recurso, e formulou as seguintes conclusões:
“1 - A matéria de facto que foi dada como provada na sentença recorrida é a que resulta da ponderação da prova produzida, como decorre da motivação respectiva, e que foi apreciada ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova acolhido no art.º 607º nº 5 do Código de Processo Civil.
2 - A junção de um documento datado de 29-9-2020, em sede de recurso, deve ser indeferida por intempestiva, porquanto o documento respeita a um dos temas da prova e os recorrentes deviam ter procedido à junção de tal documento com a oposição ou logo após a notificação do despacho saneador, nos termos do disposto no art.º 423.º do CPC, se pretendiam demonstrar os custos de montagem e desmontagem, para justificar que não tinham alternativa senão a alienação dos campos de padel.
3 - Não foi violada qualquer disposição legal e a sentença fez uma correcta apreciação de facto e de Direito.
4 - Inexiste qualquer motivo para ser concedida razão aos recorrentes.”
10. A requerente do incidente apresentou contra-alegações, requereu a improcedência do recurso, e formulou as seguintes conclusões:
“A. Inexiste qualquer erro de julgamento quanto à matéria de facto, nomeadamente quanto aos factos dados como provados 38) e 39) e quanto aos factos não provados A. e B. da douta sentença recorrida do Tribunal a quo.
B. A matéria de facto que foi dada como provada na sentença recorrida é a que resulta da ponderação da prova produzida, como decorre da motivação respetiva e que foi apreciada ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova.
C. A junção do documento (com data de 29-09-2020), que sempre esteve em poder dos recorrentes, que esta amplamente relacionado com o ponto n.º 2 dos temos da prova indicados no Despacho Saneador (designadamente com os circunstancialismos do negócio de venda de ativos), no momento em que os recorrentes vem requerer a sua junção, em sede de recurso, é manifestamente extemporâneo, atento o disposto no Art.º 423º do CPC, devendo em consequência ser indeferida a sua junção.
D. Inexiste qualquer erro de julgamento quanto à matéria de direito, porquanto, a douta sentença recorrida elencou de forma correta e exaustiva os factos que deu como provados e como não provados indicando as provas de onde foram obtidos.
E. Por outro lado fez uma apreciação crítica, correta e ponderada de todas as provas, quer do acervo documental junto aos autos, quer da prova gravada e da produzida em sede de julgamento, bem como uma correta aplicação do direito.”
11. O recurso foi corretamente admitido.

II – Da junção do documento apresentado com as alegações.
Sob a epigrafe Junção de documentos e de pareceres prevê o art.º 651º do CPC que As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. Por sua vez prevê o artigo 425º do CPC que Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
Assumindo o modelo de reponderação do nosso sistema de recurso e o disposto no art.º 611º, nº 1 do CPC – dos quais resulta que “a decisão do recurso deve reflectir a situação de facto existente no momento do encerramento da discussão em 1ª instância[8] – , os requisitos previstos pelo art.º 425º centram-se na definição da natureza e alcance jurídico-processual da ‘impossibilidade’ da junção dos documentos, que a doutrina e a jurisprudência consensualmente reconduzem a questão de superveniência objetiva ou subjetiva do documento por referência (temporal) ao encerramento da discussão em 1ª instância: objetiva se o documento foi produzido (e só poderia ter sido produzido) posteriormente à realização daquele ato processual; subjetiva se, tratando-se de documento pré-existente, a parte apenas dele teve conhecimento posteriormente ao encerramento da audiência ou, na ausência desta, à prolação da sentença. 
O art.º 651º do CPC prevê um novo fundamento, específico da instância recursiva, da necessidade do documento determinada pela novidade de elemento de facto ou de direito introduzido no julgamento operado pela decisão recorrida.
O documento junto com as alegações de recurso corresponde a comunicação eletrónica (email) de 29.09.2020 enviado do servidor/domínio @....es e dirigido a …@gmail.com, contendo “proposta para a desmontagem dos oito courts de Padel” e para o caso de “desmontagem e depois a montagem”, com indicação do valor de €9.300,00 para a primeira opção e os valores de €20.498,00 e €2.000,00 para a segunda, cuja junção os recorrentes requerem para demonstrar os custos associados à desmontagem das estruturas do campo de padel no imóvel onde a insolvente exerceu a sua atividade. Para justificar a sua junção com as alegações os recorrentes alegam que o documento não tem relação com o objeto do litígio e que a necessidade do mesmo foi revelada pelo julgamento operado pela 1ª instância.  
Com efeito, é claro que o documento não enquadra em qualquer uma das modalidades de superveniência na medida em que a data da sua produção precede a instauração do próprio processo de insolvência e os recorrentes não alegam desconhecimento sobre a sua existência. Mas é igualmente claro que o documento não se tornou necessário em resultado do julgamento proferido em 1ª instância posto que respeita a questão de facto que integra o objeto do incidente definido pelo alegado sob os arts. 42º a 45º, 50º a 56º do requerimento inicial do incidente, nos quais, em conexão com a redução do valor dos ativos fixos inscrito nas contas da insolvente, a credora suscita a questão da entrega do locado à locadora sem renegociação do valor das benfeitorias nele realizadas pela insolvente, que valora como propósito de os recorrentes obterem benefício próprio ou de terceiros e em prejuízo dos credores da insolvente, traduzidos na continuação da atividade da insolvente no mesmo espaço através de nova sociedade, ao que em sede de oposição os recorrentes opuseram o facto de os ativos inscritos na contabilidade da insolvente corresponderem na sua quase totalidade às obras/benfeitorias que a credora realizou no imóvel e de a sua eliminação do balanço se impor pelo facto de, nos termos do contrato de arrendamento que celebrou, a insolvente não ter direito sobre as mesmas. É por referência a esta questão, suscitada e debatida nos articulados e no âmbito da audiência de julgamento, que os recorrentes requerem a junção do documento apresentado com as alegações, para contra-prova da imputada dissipação dos ativos da devedora e da intenção de beneficiar terceiros em prejuízo dos credores, questão de facto que subjaz e integra os temas de prova 2 - “Do circunstancialismo que rodeou a venda/abate dos activos fixos tangíveis constantes do Mapa de Depreciações e Amortizações de 2020, mormente, valor da venda realizada; valor de mercados dos activos vendidos; valor acordado e valor pago/recebido, entre outros; - e 4 - Se obras de remodelação nas instalações da sede da insolvente foram, por qualquer forma, objecto de negociação, por parte da insolvente, aquando do término do contrato. Temas no âmbito dos quais o custo de desmontagem dos campos de padel foi invocado em sede de audiência pelo recorrente A. e pelas testemunhas D. e E. no ensejo de justificarem e convencerem da adequação do preço da venda face aos preços de mercado, conforme consta referido em sede de motivação da decisão de facto, e que confirma a relevância daquele facto na apreciação da questão de facto integrada nos pontos 2 e 4 dos temas de prova.
Do exposto resulta que, por referência ao facto pretendido demonstrar com o documento ora apresentado – custo da remoção dos campos de padel instalados a expensas da insolvente no imóvel que entregou à sua locadora -, a decisão recorrida não introduziu qualquer questão nova no objeto do processo, quer ao nível das questões de facto quer de direito, apresentando-se em total conformidade e sem qualquer surpresa relativamente aos thema probandum e decidendum do incidente definidos pelos articulados e integrados nos temas de prova.
 Nestes termos, por intempestiva, carece de fundamento legal a junção do documento apresentado com as alegações de recurso, motivo pelo qual vai rejeitado.

III - Objeto do Recurso
Nos termos dos arts. 635º, nº 5 e 639º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, o objeto do recurso, que incide sobre o mérito da crítica que vem dirigida à decisão recorrida, é balizado pelo objeto do processo e definido pelo teor das conclusões e, sem prejuízo das questões que oficiosamente cumpra conhecer, destina-se a reponderar e, se for o caso, a anular, revogar ou modificar decisões proferidas, e não a apreciar e a criar soluções sobre questões de facto e/ou de direito que não foram sujeitas à apreciação do tribunal a quo e que, por isso, se apresentam como novas, ficando vedado, em sede de recurso, a apreciação de novos pedidos, bem como de novas causas de pedir em sustentação do pedido ou da defesa.
Acresce que o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos nas alegações mas apenas das questões de facto ou de direito relevantes para conhecimento do respetivo objeto, sendo livre na aplicação e interpretação do direito (cfr. art.º 5º, nº 3 do CPC).
Com as referidas limitações, de acordo com o processado nos autos, o teor da sentença recorrida, e as conclusões enunciadas pelos recorrentes, sem prejuízo de outras questões que oficiosamente cumpra conhecer ou das que resultem prejudicadas pelo resultado da apreciação de questão precedente, por ordenação lógico-processual do seu conhecimento, vêm submetidas a apreciação as seguintes questões:
i) Erro no julgamento de facto (pontos 38 e 39 dos factos provados, e alíneas a) e b) dos factos não provados).
ii) Erro no julgamento de direito na aferição dos pressupostos da qualificação da insolvência como culposa por referência aos factos (contrato de compra e venda de ativos da insolvente) e fundamentos legais considerados pela sentença (als. a) e d) do nº 2 do art.º 186º do CIRE).
Concluindo-se pela qualificação da insolvência como culposa,
iii) Erro de julgamento na fixação da medida das consequências legais previstas pelo art.º 189º, nº 2 (inibição e indemnização).

IV – Fundamentação de Facto
1 – Transcreve-se a decisão de facto proferida pelo tribunal recorrido, procedendo-se desde já a correção de lapso manifesto em que o tribunal recorrido incorreu na redação do ponto 34) a. por incorreta transcrição de elementos do Balanço referente ao ano de 2019 junto com o parecer da AI, do qual o valor de €361.529,61 consta inscrito nas contas da devedora como ativo fixo tangível (não corrente) e não como ativo fixo intangível referido na sentença; mais se procede a aditamento ao teor do ponto 35)a. para identificação das parcelas que integram o valor do ativo ali referido, conforme Balanço referente ao ano de 2020 também apresentado com aquele parecer.
“Discutida a causa e com relevância para a sua boa decisão, ficaram provados os seguintes factos:
1) Pela Ap. 7/20180326, foi registada a constituição da sociedade A..., Lda. e a designação dos membros dos seus órgãos sociais.
2) A Insolvente tem como objeto social «(.. J atividades desportivas, escola desportiva, gestão de equipamentos desportivos, comercialização de produtos e equipamentos relacionados com atividade desportiva, bebidas e pequenas refeições para consumo no próprio local do estabelecimento. Aluguer de material desportivo.».
3) A A... tem sede na E…, Km 4, Abrunheira …, Armazém X, em Sintra.
4) Desde a sua constituição, a gerência da sociedade é exercida por A., B. e C., todos eles titulares de quotas, com o valor unitário de 1.000 EUR.
5) A Insolvente obriga-se com a intervenção de 2 dos seus gerentes.
6) Em 18.11.2021, a A... intentou o presente processo de insolvência.
7) No dia 30.11.2021, nos presentes autos, foi proferida sentença de declaração de insolvência.
8) A Insolvente, à data em que intentou a presente ação, remeteu um documento, nos termos do art.º 24º, n.º 1, alínea e) do CIRE, cujo conteúdo aqui se considera reproduzido para todos os efeitos legais, onde declara «(...) que não possui qualquer bem móvel ou imóvel».
9) Foram reconhecidos, na lista provisória de credores elaborada nos termos do art.º 154.º do CIRE, cujo conteúdo aqui se considera reproduzido para todos os efeitos, os seguintes créditos:
a. 251.454,20 EUR de créditos comuns ao Banco Comercial Português, S.A. («BCP»);
b. 274.487,09 EUR de créditos comuns à Floponor;
c. 93.447,41 de créditos comuns sob condição à Lisgarante - Sociedade de Garantia Mútua, S.A. («Lisgarante»);
d. 210,67[9] EUR de créditos comuns à Rentokil Inicial («Rentokil»);
e. 2.039,75 EUR de créditos comuns à Climex - Controlo de Ambiente, S.A. («Climex»), sendo que este crédito não foi reclamado.
10) Do relatório elaborado pelo Sr. AI, nos termos do art.º 155.º do CIRE, cujo conteúdo aqui se considera reproduzido para todos os efeitos legais, lê-se, entre o mais, que «(...) a insolvente não é proprietária / titular de bens ou direitos com valor igual ou superior, deve o processo ser encerrado por insuficiência da massa para suportar custas e despesas (...)», sendo que não consta o inventário a que se alude no art.º 153.º do CIRE.
11) Para lograr a exploração de um clube de padel, a A..., na qualidade de «Segunda Outorgante» e o Fundo de Investimento Imobiliário Fechado, TDF subscreveram um documento denominado «Contrato de Arrendamento Não Habitacional com Estipulação de Prazo Certo», cujo conteúdo aqui se considera reproduzido para todos os efeitos legais, onde, entre outras, constam as seguintes estipulações:
a. «(...) CONSIDERANDO QUE:
a. O FUNDO TDF é dono e legítimo possuidor dos armazéns designados pelas letras “A”, “B”, “C” e “X” com uma área bruta de referência de 2.985,5 m2 (...) situados num empreendimento, composto por um conjunto de armazéns, denominado “A Park” sito na Estrada Nacional …km4, Concelho de Sintra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sintra sob a ficha número …, de … da freguesia Sintra (S. Pedro de Penaferrim) e inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias de Sintra (S. Maria e S. Miguel, S. Martinho e S. Pedro de Penaferrim) sob o artigo … (doravante também designados por ARMAZÉNS) (...)
É estabelecido e reduzido a escrito o presente CONTRATO DE ARRENDAMENTO NÃO HABITACIONAL COM ESTIPULAÇÃO DE PRAZO CERTO, que se rege pelos termos e condições constantes dos considerandos supra, que dele fazem parte integrante, e das cláusulas seguintes:
PRIMEIRA
(Objeto)
Pelo presente contrato, a PRIMEIRA OUTORGANTE dá de arrendamento à SEGUNDA OUTORGANTE, que aceita, completamente devoluto de pessoas e bens, os ARMAZÉNS melhor identificados no Considerando A supra (...).
(...)
TERCEIRA
(Renda)
1.  A renda mensal, a pagar pela SEGUNDA CONTRAENTE até ao primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito (...) será de 11723,63€ (...).
2. Não obstante o valor de renda mensal disposto no número anterior da presente cláusula, no único e exclusivo pressuposto de que o prazo inicial de vigência do contrato é integralmente cumprido, as partes acordam que até 31 de janeiro de 2019 (...), inclusive, não haverá lugar ao pagamento de renda.
QUARTA
(Garantia)
1. Para garantia do bom cumprimento do contrato de arrendamento, a SEGUNDA OUTORGANTE entre ao PRIMEIRO OUTORGANTE, no prazo de 30 (...) dias de calendário da data de assinatura do contrato, uma garantia bancária autónoma à primeira solicitação, no montante de 104 550 EUR (...)
QUINTA
(Estado e destino do locado)
(...)
2. O locado destina-se a atividades desportivas, escola desportiva, gestão de equipamentos desportivos, comercialização de produtos e equipamentos relacionados com a atividade desportiva, bebidas e pequenas refeições para consumo no próprio local do estabelecimento, aluguer de material desportivo, pelo que a SEGUNDA CONTRAENTE não poderá utilizar para outro fim nem o sublocará, no todo ou em parte, sem o consentimento escrito do PRIMEIRO CONTRAENTE.
(...)
SEXTA
(Obras e Benfeitorias)
(...)
3. Findo o arrendamento, a SEGUNDA CONTRAENTE não poderá invocar retenção ou exigir qualquer indemnização por força das benfeitorias ou quaisquer obras e intervenções realizadas no locado, revertendo quaisquer benfeitorias, obras e intervenções em favor do locado.
(...)
OITAVA
(Despesas Comuns)
(...)
2. A SEGUNDA CONTRAENTE pagará, mensalmente, à Entidade Gestora, a quota-parte das Despesas Comuns estabelecida para os ARMAZÉNS objeto do presente contrato, valor que, para o ano de 2018, se encontra fixado em 2.657,53 € (...) acrescido de IVA à taxa legal em vigor.
(...)
DÉCIMA
(Dever de conservação e restituição)
(...)
2. Findo o arrendamento, a SEGUNDA CONTRATANTE obriga-se ainda a restituir o local arrendado livre de pessoas e bens e no estado e, que lhe foi entregue, em perfeito estado de conservação e limpeza, com todas as suas chaves e vidros intactos, de acordo com o projeto original dos ARMAZÉNS, ou no estado em que se encontrar depois das obras ou benefícios realizados se for esta a vontade do PRIMEIRO CONTRAENTE, salvaguardando, em qualquer dos casos, as deteriorações decorrentes da utilização normal e prudente do locado por parte da SEGUNDA CONTRAENTE. (...)».
12) Para garantia dos créditos atinentes ao convénio a que se reporta o facto n.º 11), o BCP emitiu, a pedido da A..., uma garantia à primeira solicitação, no valor de 104 550 EUR, em data não concretamente apurada.
13) Para poder habilitar os imóveis a que se reporta o convénio mencionado em 11) para a prática de padel, entre a Floponor, na qualidade de «Empreiteiro /Segunda Contraente», e a Insolvente, na qualidade de «Dono de Obra /Primeira Contraente», foi subscrito, em 27.04.2018, um documento denominado «Contrato de Empreitada Construção de Campos de Padel - Abrunheira - Sintra», cujo conteúdo aqui se considera reproduzido par todos os efeitos legais, onde, entre o mais, se refere que:
a. «CLÁUSULA SEGUNDA
VALOR DO CONTRATO
1. No âmbito da presente Empreitada é de €250.838,68 (...) o preço a pagar pela Primeira Contraente à Segunda Contraente, tal como consta da Proposta em anexo, acrescido de IVA à taxa legal em vigor/sendo o respetivo IVA autoliquidado pela Adquirente/Primeira Outorgante.».
b. «CLÁUSULA TERCEIRA
PRAZOS E CONDIÇÕES DE PAGAMENTO
1. O pagamento do valor estipulado no n.º 1 da Cláusula anterior será efetuado em duas vezes, obedecendo ao seguinte:
(...)
d) O pagamento das faturas referidas no número anterior deverá ser efetuado, por transferência bancária para o IBAN (...) da seguinte forma: i) A primeira fatura deverá ser paga no prazo de 30 dias a contar da sua receção; e ii) O pagamento da segunda fatura será efetuado no final da obra, após a realização do último auto cfr. previsto na al. a), no prazo de 180 dias (.. J».
c.«Proposta Floponor 26-2-2018
(....)
PISTA DE PADEL PARA INTERIORES
QTE 7 un - P UNIR 14,160.506 - TOTAL
(...)
TOTAL: 250,838,686 CJ».
14) Por força do convénio referido em 13), pela Requerente foram emitidas as faturas n.ºs V1/182335, de 03.09.2018, no valor de 200.000 EUR e 2019A1/467, datada de 10.04.2019, no valor de 231.471,45 EUR e, bem assim, a nota de crédito n.º V3/180028, de 31.10.2018, no valor de 60.000 EUR, cujos conteúdos aqui se consideram reproduzidos para todos os efeitos legais.
15) O valor da fatura n.º 2019A1/467, referida em 14), foi reclamado, pela Floponor, no âmbito dos presentes autos.
16) As obras a que se reporta o documento mencionado em 13) terminaram em data não concretamente apurada, mas que se cifra antes do final do ano de 2018, tendo a Insolvente encetado a exploração do clube de padel «ABCIndoor Padel», em dia não concretamente apurado de janeiro de 2019.
17) Em data não concretamente apurada, mas que se cifra em torno de 19.02.2020, o Fundo de Investimento Imobiliário Fechado, TDF alienou o imóvel a que se reporta o documento mencionado em 11) à Imoware - Gestão de Investimentos, Lda. ( «Imoware»).
18) Em data não concretamente apurada, mas que se cifra anterior ao mês de junho de 2020, o Fundo de Investimento Imobiliário Fechado, TDF acionou a garantia bancária a que se reporta o facto n.º 12).
19) Em dia não concretamente apurado do mês de junho de 2020, a Insolvente recebeu uma missiva do BCP, com o assunto «Valores devidos em resultado do acionamento da Garantia Bancária n.º 125-02-2114463», cujo conteúdo aqui se considera reproduzido para todos os efeitos legais.
20) Em 05.08.2020, a A... recebeu o expediente atinente à notificação judicial avulsa que, sob o n.º 9895/20.0T8SNT foi intentada no Juízo Local Cível de Sintra - Juiz 4 e cujo conteúdo aqui se considera reproduzido para todos os efeitos legais.
21) Pela Ap. 13/20201027, foi registada a constituição da sociedade Quarenta Zero e a designação dos membros dos órgãos sociais.
22) A Quarenta Zero tem como objeto social «(...) a) Exploração e gestão de qualquer tipo de instalações desportivas, que se dediquem, quer à prática de atividades físicas de competição regular, quer de recreação (com ou sem lugares sentados ou equipamento de visualização), em locais cobertos ou ao ar livre (estádios de futebol, campos de golfe e ténis, bowling, instalações de tiro, hipódromos, piscinas, pistas de atletismo, pistas de automobilismo, motocross e karting, recintos de boxe e de luta, locais de desportos de inverno, etc.). b) Atividades de venda de bebidas e pequenas refeições para consumo no próprio local de estabelecimentos (tabernas, cervejarias, postos/ quiosques de bebidas, rolotes, etc.). c) Comércio a retalho em outros estabelecimentos não especializados, sem predominância de produtos alimentares, bebidas ou tabaco. d) Aluguer de embarcações de recreio e instalações associadas, cavalos de sela, bicicletas, esquis, cadeiras e chapéus de sol e outro equipamento recreativo e desportivo. e) Consultoria (excluindo a jurídica) de apoio, estudos técnicos, orientação e assistência operacional às empresas ou a organismos, para os negócios e a gestão, nomeada mas não exclusivamente, planeamento, organização, controlo, informação, reorganização de empresas, objetivos e políticas comerciais».
23) A Quarenta Zero tem sede na E…, Km 4, Abrunheira …, Armazém X, em Sintra.
24) A sociedade Quarenta Zero tem um capital social de 5 000 EUR.
25) Desde a sua constituição, a gerência da sociedade é exercida por F. («…») e por E. («…»).
26) Para além de gerentes, F. e E. são titulares de quotas no valor nominal de 1.875 EUR, sendo a sociedade Fantasy Podium, Lda. titular de uma quota de 1.250 EUR, desde 28.09.2022.
27) Em data não concretamente apurada mas que se situa em momento anterior a junho de 2020, F. enceta conversações com D. («…») tendo em vista a aquisição do negócio da Insolvente.
28) D. procedia à gestão quotidiana do clube de padel que a Insolvente detinha, a par dos seus gerentes.
29) Em dia não concretamente apurado do setembro de 2020 e após a Imoware ter vedado o acesso ao clube de padel da Insolvente, D. e E. foram a uma reunião com responsáveis da Imoware.
30) Em 06.11.2020, entre a A..., na qualidade de «Primeira Outorgante» e a Quarenta Zero, Lda., na qualidade de «Segunda Outorgante» foi subscrito um documento denominado «Contrato de Compra e Venda» onde, no mais, se refere que:
a) «(...1. Compra e Venda de Ativos.
1.1. Compra e Venda. (...) Na presente data, a PRIMEIRA OUTORGANTE venderá e transferirá para a SEGUNDA OUTORGANTE, e a SEGUNDA OUTORGANTE comprará e adquirirá isenta e livre de quaisquer encargos, os elementos (doravante designado como “Ativos”) do Negócio supra mencionado da PRIMEIRA OUTORGANTE, todos constantes dos Anexos previstos neste contrato e neles melhor discriminados, tais como:
1.1.1 Carteira de Clientes (base de dados Aircourts) - Anexo I;
1.1.2 Marca - A PRIMEIRA OUTORGANTE transmitirá, por ser sua intenção, à SEGUNDA OUTORGANTE, a marca nacional de que é titular com o n.º de processo 604969 - “ABC Indoor Padel -, conforme Declaração do Anexo II, e nos termos e para os devidos efeitos do artigo 30.º do Código de Propriedade Industrial. A transmissão desta marca está sujeita a registo junto do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI);
1.1.3 Licenças Desportivas - previstas no Anexo III;
1.1.4 Bens e Equipamentos - discriminados no Anexo IV(...).
b. «(..J 2. Preço de Compra.
2.1 Discriminação. O preço total pela aquisição dos Ativos virá a ser definido no tempo, de acordo com as precisas condições que infra se discriminam (doravante designado como “Preço de Aquisição”).
2.2 Pagamentos Determinados
As PARTES acordam que os seguintes valores se encontram certos e determinados, não dependendo a sua concretização de qualquer outro fator que não a assinatura do presente Acordo:
a) Pagamento de 4.000,00€ (quatro mil euros) a 15 de Dezembro de 2020;
b) Pagamento de 14.000,00€ a 15 de Dezembro de 2021;
c) Pagamento de 12.000,00€ a 15 de Dezembro de 2022;
d) Pagamento de 12.000,00€ a 15 de Dezembro de 2023;
e) Pagamento de 12.000,00€ a 15 de Dezembro de 2024; (.. J».
31)Em cumprimento do convénio a que se reporta 30), em dia não concretamente apurado do mês de dezembro de 2020, a A... recebeu da Quarenta Zero a quantia de 4.000 EUR.
32) M., N., e O. cessaram a sua relação laboral, com a A..., em 31.10.2020 e encetaram uma relação laboral com a Quarenta Zero em 09.11.2020.
33) Pelos DEP 5866/20019-07-19, 1854/2020-06-03 e 17052/2021-07-27, a Insolvente procedeu ao registo das prestações de contas dos anos de 2018, 2019 e 2020, respetivamente.
34) De acordo com o IES de 2019, cujo conteúdo aqui se considera reproduzido para todos os efeitos legais, entre o mais, a A...:
a. Detinha um ativo total de 530.237,36 EUR, dos quais 361.529,61 EUR correspondiam a ativos fixos tangíveis não correntes[10] e 118.253,84 EUR a caixa e depósitos bancários;
b. Detinha um passivo total de 525.916,85 EUR;
c. Tinha efetuado vendas e prestado serviços por valor total de 164.232,74 EUR;
d. Apresentou um resultado líquido do período (negativo) de -45.917,15 EUR.
35) De acordo com o IES de 2020, cujo conteúdo aqui se considera reproduzido para todos os efeitos legais, entre o mais, a Insolvente:
a. Detinha um ativo total de 68.859,03 EUR (sendo ativo não corrente no valor de €2.624,19 correspondente a investimentos financeiros; e o restante ativo corrente, do qual €1.206,53 - Estado e outros entes públicos, €64.368,36 -  outros ativos correntes, e €659,95 - depósitos bancários),, inexistindo quaisquer ativos fixos intangíveis contabilizados.
b. Detinha um passivo total de 501.853,54 EUR;
c. Tinha efetuado vendas e prestado serviços por valor total de 108.427,06 EUR;
d. Apresentou um resultado líquido do período (negativo) de -437.315,02 EUR.
36) Do extrato da contabilidade da A... relativos aos anos de 2018 a 2020, cujo conteúdo aqui se considera reproduzido para todos os efeitos legais, resultam, entre outros, os seguintes movimentos:
a. «(...) 43211 - Edifícios e outras construções - mercado nacional
(...) 2020-06-30 - saldo €466.079,61 D» (...);
b. «(…) 13101 - Banco Milenio
(...) 2018-06-18 (...) Dep APrazo Débito - Débito €104.550
(...) 2020-06-30 (...) Transferência - Crédito €104.550» (...);
c. «(...) 221110028 – Floponor
(...) 2019-10-31 (...) FT2019A1/467 - Crédito €231.471,45 (…);
d. «(...) 278211008 - Quarenta Zero, Lda.
Saldo €50.000,00
e. «(...) 6873 – Abates
(...) 2020-12-31 (...) TRANSFERENCIA - Débito €466.079,61 (...)»;
37) O depósito a prazo mencionado em 36) foi empregue, em data não concretamente apurada mas que se cifra posterior ao momento em que a A... recebeu a missiva referida em 19), pela Insolvente para liquidação da garantia bancária a que se reportam os factos n.ºs 11), 18) e 19).
38) Após a celebração do negócio a que se reporta o facto n.º 30), os gerentes da Insolvente não tinham intenção de prosseguir com a atividade comercial da A..., o que veio a suceder, dado que a Insolvente não mais exerceu qualquer atividade.
39) Depois da do recebimento da quantia indicada no facto n.º 37), A., B. e C. sabiam que os restantes valores acordados no convénio referido em 30) não iriam ser liquidados, pela Quarenta Zero, à A..., atendendo ao referido no facto n.º 38)
40) Em 19.04.2022, foi proferida sentença, nos autos principais, determinando o encerramento do processo de insolvência, por insuficiência da massa insolvente, nos termos dos artigos 230.º, n.º 1, alínea d) e 232.º, n.º 2, do CIRE.
D.2. FACTOS NÃO PROVADOS:
Com interesse para a boa decisão da causa, não se logrou provar que:
A. A Insolvente rececionasse, em 06.04.2020, uma carta a proceder à denúncia do contrato de arrendamento por parte da Imoware.
B. A venda de bens a que se reporta o contrato mencionado no facto n.º 21) fosse efetuada pelo valor de mercado dos bens transacionados.
C. O valor a que se reporta o facto n.º 31) tenha sido empregue, pela Insolvente, para liquidar impostos.
Consigna-se que a demais factualidade constante dos articulados não foi considerada por se tratar de matéria conclusiva, repetitiva, de mera impugnação, de Direito, ou não interessar para a boa decisão da causa.”

2. Ampliação ex officio da matéria de facto
No exercício do poder-dever previsto pelo art.º 662º, nºs 1 e 2, al. c) do CPC, por recurso ao teor da lista provisória de créditos junta pelo AI e a documentos considerados pela sentença recorrida, para melhor definição e concretização da realidade a que respeitam procede-se aos seguintes aditamentos/complementos (em itálico) aos pontos 9 e 20 da matéria de facto e, por referência ao contrato de empreitada e ao contrato de compra e venda de ativos referidos nos pontos 13 e 30, aditam-se os pontos 13.a) e 30.a) para descrição do teor de anexos que os integram.
Assim:
9) Foram reconhecidos, na lista provisória de credores elaborada nos termos do art.º 154.º do CIRE, cujo conteúdo aqui se considera reproduzido para todos os efeitos, os seguintes créditos:
a. 251.454,20 EUR de créditos comuns ao Banco Comercial Português, S.A. («BCP»); do qual €69.600,86 a título de capital emergente de contrato de empréstimo nº 299600031, garantido por livrança subscrita em branco pela insolvente, e avalizada por A., C., E., G., e B.; e €181.853,30 a título de capital emergente de contrato de empréstimo garantido por livrança subscrita em branco e avalizada por A., C., D., G., e B..
b. 274.487,09 EUR de créditos comuns à Floponor; do qual €231.471,45 a título de capital titulado por fatura e o restante a título de juros vencidos.
c. 93.447,41 EUR de créditos comuns sob condição à Lisgarante - Sociedade de Garantia Mútua, S.A. («Lisgarante»); emergente de garantia prestada a solicitação da insolvente, garantida por livrança subscrita pela insolvente, e avalizada por A., C., D., G., e B., e por 2.000 ações do capital da reclamante adquiridas pela insolvente, com o valor nominal unitário de €1, não apreendidas.
20) Em 05.08.2020, a A... recebeu o expediente atinente à notificação judicial avulsa que, sob o n.º 9895/20.0T8SNT foi intentada no Juízo Local Cível de Sintra - Juiz 4 por IMOWARE – Gestão de Investimentos, Ldª, instruída com 9 documentos, e com o seguinte teor: 1º A requerente é a actual proprietária dos armazéns designados pelas letras “A”, “B”, “C” e “X” situados num empreendimento composto por um conjunto de Armazéns denominado por “Abrunheira …” (…).//2º (…).//3º A requerente adquiriu a propriedade dos armazéns em 13.02.2020 do primitivo proprietários (…) Fundo de Investimento Imobiliário Fechado TDF (…).//4º A comunicação da aquisição dos Armazéns e, bem assim, os novos dados bancários da Requerente para efeitos de pagamento da renda foi efectuada pela requerente, em 28.02.2020 através de carta registada (…).//(…)//7º Em 23/03/2020 a Requerida transferiu para a conta titulada pela Requerente/Senhoria o valor de €1.579,32 (…) e em 27/03/2020, €3.158,64 (…) e €8.894,25 (…).//8º O supra mencionado primitivo proprietário celebrou, em 25/05/2018, com a Requerida, que aceitou, contrato de arrendamento não habitacional com termo certo dos Armazéns (…).//9º O prédio foi arrendado pelo prazo certo de oito anos com início em 1 de junho de 2018 e termo em 31 de maio de 2026 (…).//(…)//11º Como contraprestação, a Requerida ficou obrigada ao pagamento da renda mensal de €11.723,63 (…).//(…)//13º Mais tendo ficado convencionado no contrato de arrendamento que a requerida suportaria as despesas (…) as quais, na respetiva proporção da requerida, eram, à data da celebração do contrato, 2018, equivalentes a €2.567,53 (…) mensais e actualizáveis anualmente (…) e actualmente se cifram em €3.158,64 (…).//(…)//15º O contrato de arrendamento previa também (…) que a Requerida não pagaria a renda até 31 de janeiro de 2019, sendo a renda atinente ao mês de fevereiro de 2019 a primeira renda devida pela Requerida, como tal vencendo-se em 1 de Janeiro de 2019 (….).//16º As rendas retro mencionadas atinentes aos meses de Junho de 2018 a Janeiro de 2019 vencidas entre Maio e Dezembro de 2019 [pretenderia referir-se 2018] seriam devidas à Senhoria caso o contrato de arrendamento tivesse uma duração inferir ao prazo estabelecido de oito anos por causa não imputável à Senhoria (…).//18º Acontece que desde a data de celebração do contrato de arrendamento que a Requerida até dezembro de 2019, não tivesse pago qualquer renda ou despesa (…).//19º Levando a que o proprietário original e a Requerida celebrassem um acordo de regularização e confissão de dívida do contrato de arrendamento em 23 janeiro 2020 atinente aos valores em dívida de rendas do ano de 2019 (…) perfazendo no total a dívida de €130.442,95 (…).//(…).//22º Nenhum desses valores foi liquidado pela Requerida, nem nos prazos ali estipulados, nem até agora.//(…)//24º Tendo sido pago no valor garantido através do referido instrumento, no total de €104.550,00 (…).//(…)//27º A partir da referida data de celebração do acordo de regularização de dívida com o primitivo proprietário/primeiro senhoria, a Requerida apenas efectuou os pagamentos de 23 e 27 de Março de 2020 (supra mencionados …) relativos a metade da despesa do condomínio e outras de Fevereiro e ao pagamento parcial da renda e despesas de condomínio e outras, (…).//(…)//29º Assim sendo, está a Requerida em mora, pelo menos, no pagamento das rendas relativas aos meses de Novembro e Dezembro de 2019, Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2020 (…).//(…).//31. Tendo apenas liquidado parcialmente a renda uma vez que as demais despesas, de Abril de 2020 como tal não se considerando a obrigação cumprida na íntegra (…) e como tal encontrando-se também esta em mora no cumprimento.//(…).
Termos em que requer a notificação judicial avulsa da Requerida A..., Ldª (…) para efeitos de lhe dar conhecimento que: - A requerente IMOWARE (…) declara resolvido o contrato de arrendamento celebrado em 25/06/2018 relativo ao prédio urbano armazéns (…) com fundamento na mora do pagamento de renda por período igual ou superior a 3 meses, nomeadamente as rendas vencidas em 1 de fevereiro de 2020 e em 1 de março de 2020, tudo nos temos do disposto no artigo 1083º, nº 4 do Código Civil;// - Fica obrigada a proceder à entrega dos arrendados livre de pessoas e bens no estado em que o recebeu no prazo de 30 dias a contar da presente notificação, suspenso até 30/09/2020 nos termos do disposto no art.º 8º al. c) da Lei 1-A/2020 de 19 de março na redação atualmente em vigor; e// - Deve proceder ao pagamento, à requerente, das rendas encargos e despesas não pagas – no total de €236.874,80 (…)  - acrescidas de juros à taxa legal em vigor bem como das rendas que se venham a vencer até integral e efetiva entrega do arrendado à Requerente (…).
13.a) Da cláusula 4ª do contrato descrito em 13 consta prevista a conclusão dos trabalhos no prazo de 60 dias, entre 14.05 e 14.07.2018, e, sob a epígrafe ‘Objeto do Contrato’, da cláusula 1ª consta que os trabalhos correspondem aos descritos na Proposta anexa ao contrato com o seguinte teor:








30.a) Do anexo III do contrato descrito em 30) constam descritas duas licenças de software Microsoft Windows 10 e uma licença empresarial de software Microsoft Office 365 instaladas à data deste contrato nos computadores que constam no anexo IV, e licença de clube de Padel Federado na Federação Portuguesa de Padel com o nº 145, válida até 31.12.2020.
Do anexo IV constam relacionados os seguintes bens e equipamentos:
8 campos de padel
sistema de aquecimento: 2 bombas de calor e 2 cilindros Energie Aquapura Split e 500 litros
1 Máquina lavar louça Zanatte Z350
1 micro-ondas Samsung MS23F301TAK
1 Forno Tristar OV-1452
1 Placa indução Ikea Tillreda
1 Tostadeira Makro professional
1 frigorífico Teka
Arca rigorífica Jocel
1 vitrine refrigerada SAYL Tower TW
5 Bancadas de inox, uma de 240cm com gaveta e prateleiras, outra de 140cm com armário e cuba, outra de 150cm com 3 gavetas e armários, outra de 120cm com armário e cuba, outra de 190cm com prateleiras
1 armário de inox de 150cm
2 Cubas de inox
5 bancadas móveis espectadores
3 televisões Philips, duas 55’’ 55PUS6803/12 e uma 32’’ 32PHT4503/12
1 sistema POS e gaveta SITTEN
1 sistema vídeo vigilância com 5 câmaras, 1 vídeo gravador e 1 monitor
32 cadeiras Ikea Teodores
8 mesas Ikea Meltrop
14 poltronas Ikea OS VAGO
3 sofás Ikea
2 computadores portáteis marca Toshiba.

3. Da impugnação da decisão de facto
Prevê o art.º 607º, 5 do CPC que O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. Ao princípio da livre apreciação da prova – por contraposição com o sistema da prova legal, caraterizado por regras, medidas ou critérios legais de avaliação – subjaz a apreciação crítica e analítica dos meios de prova concretamente produzidos, designadamente, das narrativas testemunhais, conjugando-as de per si, entre si, e/ou com outros meios de prova de distinta natureza, e por recurso à lógica e às regras da experiência comum, deles extraindo juízos valorativos e/ou conclusivos de facto - face à impossibilidade de reconstituição natural da realidade -, com indicação dos fundamentos condutores e determinantes dos raciocínios lógico-indutivos e dedutivos subjacentes a cada julgamento de facto. Não corresponde a convicção pessoal, emotiva ou subjetiva, mas a convicção motivada e formada na prova produzida e nas regras da lógica e da experiência comum, correspondendo estas a realidades que, pela sua habitualidade, definem um “standard” de prova de natureza objetiva passível de sindicância, mas sem prejuízo da abertura do julgador para a exceção que, para além dos quadros mentais que a regra tende a definir/padronizar, resulte concretamente demonstrada[11].
A impugnação da decisão de facto tem como objeto a convicção ou juízo fáctico que o tribunal recorrido formou sobre os factos que descreveu na decisão de facto, e/ou a violação de regra de direito probatório material. Não abrange o juízo de direito com que o tribunal operou o enquadramento legal dos factos provados e fundamentou o sentido da decisão recorrida, que enquadra no erro de julgamento de direito, mas abrange o erro na aplicação de regras vinculativas de direito material probatório, que cabe no poder-dever de conhecimento oficioso da Relação (cfr. art.º 5º, nº 3 do CPC), portanto, independentemente de impugnação do recorrente, desde que e na medida em que possa interferir no resultado do recurso interposto. Por outro lado, o pedido de alteração da decisão de facto apenas pode recair sobre os factos reais e concretos que, constando descritos nos articulados das partes/sujeitos processuais, correspondem à causa de pedir da ação ou aos fundamentos da defesa, sem prejuízo, no apenso da qualificação da insolvência, dos factos relevantes que resultem de todo o processo de insolvência e de todos os que resultem adquiridos em sede de instrução e sejam objeto de contraditório (cfr. art.º 11º do CIRE). 
Dispõe o art.º 640º, nº 1 do CPC que, pretendendo o recorrente a reapreciação da matéria de facto em sede de recurso, sob pena de rejeição, sobre ele recai o ónus de delimitar o objeto e o sentido da sua pretensão recursiva especificando:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) (…)
Do teor das alegações de recurso resulta que os recorrentes delimitaram o objeto da impugnação e o resultado por ela pretendido através da indicação dos pontos de facto aos quais apontam erro de julgamento, e indicaram os meios probatórios que, na valoração que deles fazem, entendem imporem alteração da referida decisão. Mais deram cumprimento ao ónus, dito secundário, previsto pelo al. a) do nº 2 do preceito em referência, através da localização das passagens da gravação onde constam registados os depoimentos que invocam.
Mostram-se assim cumpridos todos os requisitos processuais da impugnação à matéria de facto, pelo que cumpre verificar se existem fundamentos que alicercem a alteração requerida à decisão de facto, tendo por objeto a inversão do juízo formado sobre os factos descritos nos pontos 38 e 39 dos factos provados, e A) e B) dos factos não provados, o que se faz por recurso à valoração da prova testemunhal e documental produzida nos autos, tendo-se procedido à audição integral do registo dos depoimentos prestados em audiência.
i) Os pontos 38 e 39 da decisão de facto têm o seguinte teor:
38 - Após a celebração do negócio a que se reporta o facto n.º 30), os gerentes da Insolvente não tinham intenção de prosseguir com a atividade comercial da A..., o que veio a suceder, dado que a Insolvente não mais exerceu qualquer atividade.
39 – Depois do recebimento da quantia indicada no facto n.º 37), A., B. e C. sabiam que os restantes valores acordados no convénio referido em 30) não iriam ser liquidados, pela Quarenta Zero, à A....
Da motivação da decisão impugnada consta que a convicção do tribunal a quo sobre estes factos “resultou das declarações de B., que referiu, no seu depoimento, que os gerentes da A... sabiam que, concretizando o negócio de venda de ativos à Quarenta Zero, não iriam conseguir liquidar o crédito da Floponor e que o destino da sociedade seria a insolvência, sem que existissem créditos para saldar as dívidas da sociedade; das declarações de C., que referiu que, após a celebração do negócio com a Quarenta Zero, a A... não tinha viabilidade e que ia deixar de ter atividade, sendo que a sociedade «não ia servir para nada» (sic), tendo sido nestes pressupostos em que assentou a decisão de venda de ativos; do testemunho de D., que asseverou que o negócio da venda de ativos visava maximizar o valor que os credores iriam receber, sendo que também referiu que, uma vez celebrado este contrato, a A... ficaria esvaziada e, bem assim, ainda afirmou que a sociedade Insolvente não tinha qualquer perspetiva de receber o valor do negócio com a Quarenta Zero, dado que não se iria manter em atividade.
Os recorrentes opõem que foi a resolução do contrato de arrendamento - ocorrida antes da celebração do contrato de compra e venda dos ativos da insolvente - que inviabilizou a sua atividade, que não resultou provada a ausência de intenção de receber o montante do preço da venda em falta, cujo pagamento ficou deferido no tempo; além de que pelos legais representantes da sociedade compradora foi dito que contactaram o AI para proceder ao pagamento da prestação vencida após a declaração da insolvência. Fundamentam a alteração que requerem nos depoimentos considerados pelo tribunal e no testemunho de F., gerente da sociedade adquirente.
Ouvidas as declarações prestadas em audiência delas resulta que a razão está do lado dos recorrentes.
Confirma-se que todos os recorrentes assumiram que em 2020 a insolvente não tinha meios (receitas e crédito na Banca) para cumprir todo o seu passivo vencido – que incluía o crédito vencido da Floponor e as rendas devidas à proprietária do imóvel - e que depois de em setembro a locadora ter vedado o acesso dos clientes às instalações da insolvente (cfr. ponto 29 dos factos provados) o destino da sociedade era a insolvência; como referiu a testemunha D. – cônjuge da recorrente B. e ativa e diretamente envolvido na gestão da insolvente -, a essa altura já a empresa estava moribunda. Mais cumpre anotar que dos registos da audiência resulta que os recorrentes e as testemunhas D. e H. (este, pai da recorrente B. e contabilista certificado da insolvente) foram insistentemente confrontados com interpretações/afirmações e juízos valorativos/conclusivos sobre o teor dos documentos contabilísticos juntos com o parecer da AI, afirmações/juízos que, através de depoimentos objetivos e sempre colaborantes, procuraram rebater através do enquadramento técnico-contabilístico daqueles registos contabilísticos (na medida dos seus conhecimentos sobre a matéria), particularmente atinentes com os ativos fixos e respetivo valor e, nestes, os valores de cerca de €104k e €360k, que declararam corresponder, o primeiro, ao depósito a prazo afeto à garantia bancária contratada pela insolvente no âmbito do arrendamento, e o segundo, às obras realizadas no imóvel pela credora Floponor, e a razão do abate dos ativos pelo valor total de cerca de €466k[12] – que justificaram com a afetação do depósito bancário à garantia bancária acionada pela locadora para pagamento de parte das rendas em dívida, e com o facto de a locadora ter resolvido o arrendamento, de as obras não poderem ser levantadas e, conforme previsto o contrato de arrendamento, reverterem para a locadora (ou seja, sem direito da insolvente a ser indemnizada pelo valor das obras). Neste sentido foi particularmente esclarecedor o depoimento do recorrente C. que, a dado ponto da sua inquirição – discordando frontal e perentoriamente de afirmações conclusivas de natureza contabilística com que foi confrontado – declarou ser economista, e das testemunhas D. - que, nas palavras da testemunha H., foi a ‘cara’ da insolvente - e H..
Ora, ao contrário do sentido que imediata e literalmente se extrai da redação conferida ao ponto 38, os recorrentes não afirmaram que decidiram pelo não prosseguimento da atividade da insolvente [a]pós a celebração do negócio [de compra e venda dos ativos da insolvente]. Antes afirmaram, e à saciedade, que procederam à venda pelo facto de terem previamente assumido que a insolvente não tinha condições para prosseguir atividade; e mais, não porque não a quisessem prosseguir, mas porque em setembro de 2020 foram impedidos de a exercer pela locadora ao vedar o acesso dos atletas às instalações da insolvente invocando falta de pagamento de rendas, o que provocou a imediata paralisação da atividade da insolvente (explicitando a testemunha D. que tinham organizado a realização de um torneio em setembro de 2020, altura em que cessou a proibição desses eventos decretada durante a pandemia, e que os armazéns estavam inseridos num condomínio fechado com serviço de segurança com possibilidade de vedar o acesso ao mesmo logo à entrada). Para além desse facto - que precipitou o encerramento da atividade em setembro de 2020 e que foi confirmado pela testemunha E., gerente da compradora -, o recorrente C. e a testemunha D. mais declararam que a insolvente não tinha viabilidade para prosseguir porque, quando terminasse a moratória o pagamento das rendas legalmente atribuída no âmbito da pandemia[13], não detinham condições - receitas ou recursos financeiros - para pagar o passivo já consolidado (incluindo as rendas vencidas e diferidas ao abrigo da moratória) e cumprir a estrutura de custos emergente da sua manutenção em atividade (desde logo, mas não só, com a renda das instalações, os salários e os impostos), encargos fixos que, conforme declarou a testemunha D., pela impossibilidade de gerar receitas e por falta de crédito na Banca, inviabilizava igualmente o recurso a ação judicial para obter o reconhecimento do direito e o acesso às instalações.
Acresce referir que da motivação da decisão de facto consta que em setembro de 2020 “E.[14] já havia encetado negociações com D. para adquirir o negócio da Insolvente. Nenhum dos intervenientes foi claro quanto aos moldes dessas negociações, tendo acabado por admitir que estas começaram antes deste episódio [impedimento da entrada dos sócios no clube de padel], razão pela qual se crê verosímil que o possível novo investidor/dono dos ativos da sociedade, participe numa reunião com o senhorio, tal como o próprio e D. referiram nos seus testemunhos.”; perceção que não tem integral correspondência com a prova produzida. Da audição dos depoimentos prestados resulta claramente que o que D. afirmou foi que E. (praticante de Padel cliente da insolvente), tal como outros, já em finais de 2019 havia manifestado interesse em investir na insolvente, sendo certo que os conceitos e atos de investir (numa sociedade) e de adquirir (bens ou negócio dessa mesma sociedade) não se confundem nem representam a mesma realidade, e que, contrariamente ao consignado pelo tribunal recorrido, aquele mais afirmou que o interesse em investir – de E. e de outros - se esvaiu perante os efeitos e incertezas geradas pela pandemia e os dados da contabilidade que com este partilhou, resultando das declarações de ambos que as negociações para a venda/compra dos bens da insolvente só surgiram depois de a locadora ter vedado o acesso dos atletas às instalações, e que foi nesse contexto que E. acompanhou D. numa reunião com a locadora na qual, segundo declararam, este tentou desbloquear o acesso e, perante a irredutibilidade da posição da locadora, aquele manifestou interesse em tomar o imóvel de arrendamento, pretensão à qual a locadora se mostrou disponível para negociar[15].
Do que tudo resulta que, conforme declarou o recorrente A. – “antes de vender sabiam que não conseguiam dar continuidade ao negócio” - só depois de terem assumido e decidido que não iriam prosseguir a atividade da insolvente (quando em setembro de 2020 a locadora vedou o acesso dos clientes/atletas às suas instalações), é que os recorrentes decidiram vender os ativos.
Do mesmo modo, contrariamente ao sentido que resulta da redação conferida ao ponto 39 e da respetiva motivação, em momento algum a testemunha D. declarou que a insolvente não perspetivava receber as restantes prestações do preço da venda celebrada com a sociedade Quarenta; ao invés, na justificação dada para a celebração da venda[16] - em termos coincidentes com a apresentada pelos recorrentes e pelas demais testemunhas (com exceção de I., diretor financeiro da credora Floponor) -, assumiu aquele valor (€50k) como ativo da insolvente (como de facto consta do extrato de conta de 2020 sob a conta 278211008 referente à compradora Quarenta e sob a conta 78713 ‘ativos tangíveis’, sendo a primeira prestação de €4.000,00 a título de ‘depósito’), que iria reverter para a empresa ou para massa insolvente e que o AI deveria receber para pagar a credores, credores que declararam resumirem-se agora praticamente à Floponor (que declararam ser detida por familiares da testemunha D.) na medida em que os créditos bancários foram entretanto pagos pelos recorrentes por estarem por eles avalizados. Nesse mesmo sentido depuseram todos os recorrentes.
Com o que nesta parte se conclui pela parcial procedência da impugnação da matéria de facto, a impor a alteração do resultado do julgamento conduzido ao teor do ponto 38, para passar a constar com a seguinte redação:
38) A partir do facto descrito em 29) a insolvente não exerceu mais qualquer atividade e os seus gerentes assumiram não deter condições para prosseguir a atividade comercial da mesma e decidiram pela celebração do negócio a que se reporta o facto n.º 30).
E julgar o facto descrito em 39 como não provado, eliminando-o dos factos provados e inserindo-o sob a al. D. nos factos não provados.
ii) O ponto A) dos factos não provados tem o seguinte teor:
A) Em data não concretamente apurada, no mês de Abril de 2020, a Insolvente rececionou uma carta a proceder à resolução do contrato de arrendamento por parte da Imoware, à qual respondeu por missiva datada de 9 de abril de 2020”
Da motivação consta que tribunal não formou convicção porque a alegada carta não foi trazida aos autos. Opõem os recorrentes que o envio dessa carta pela Imoware em abril de 2020 “resulta, de forma implícita da resposta dada à mesma pela carta de 9 de abril de 2020 enviada pela insolvente à Imoware e da “notificação judicial avulsa posteriormente efetuada (em 5 de agosto de 2020) por aquela entidade.” Invocam a dita notificação judicial avulsa e os depoimentos de C., D., A., F. e E..
Apesar de na carta de 09.04.2020 da insolvente (correspondente do doc. nº 6 junto com a oposição) constar que acusam a receção de carta de 06.04.2020, tanto não basta para dar como provado que a Imoware procedeu à resolução do contrato de arrendamento celebrado com a insolvente através da referida carta, desde logo pela natureza do facto - carta contendo declaração negocial -, que impõe seja demonstrado pela junção do documento em que esta se corporiza enquanto prova direta da declaração de vontade pretendida demonstrar (‘documento declarativo primário’[17]), tanto mais que que nada foi alegado para justificar a falta da sua junção. Acresce que na carta da insolvente (de 09.04.2020) esta faz referência a “hipotética denúncia do contrato” e está demonstrado que a locadora Imoware procedeu à resolução do arrendamento através da notificação judicial avulsa da insolvente nos termos descritos em 20, o que retira consistência à alegada emissão/receção de carta resolutória em abril de 2020, além de tornar esta alegação irrelevante na apreciação do mérito do incidente.
iii) O ponto B) dos factos não provados tem o seguinte teor:
B) Os bens a que se reporta o contrato mencionado no facto n.º 21)[18] foram vendidos pelo respetivo valor de mercado, atentas as circunstâncias em que tal contrato foi celebrado”
Para justificar a falta de convicção sobre este facto – valor de mercado dos bens - o tribunal consignou que não atribuiu valor probatório às declarações que nesse sentido foram prestadas por A., D. e E. – “que asseguraram que os campos de padel, em segunda mão, teriam um valor de mercado de 3.500 EUR” (esclarecendo-se que este valor foi referido por unidade) -, que a venda abrangeu todos os ativos da insolvente (com exceção da posição no contrato de arrendamento) e não apenas os campos de padel, que o valor de mercado que para estes avançaram suscitou dúvidas ao tribunal pelo facto de terem tido um custo de €14.000,00 e apenas um ano de utilização e, da pesquisa em plataforma de vendas (OLX), ter surgido anúncio de venda de dois campos de padel com 5 anos de utilização pelo valor de €9.000,00, e que tanto coloca em crise o valor aventado pelos requeridos e por E.. Os recorrentes opõem que a consulta de um site de venda on line não é meio idóneo para prova do valor dos referidos bens, nem para colocar em causa a credibilidade dos depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento, e que estes foram prestados de forma clara, objetiva e credível.
Assiste razão aos recorrentes na rejeição da valoração de um anúncio de venda on line como meio de prova do valor de mercado dos campos de padel e de qualquer objeto posto que, efetivamente, apenas revela o valor pelo qual o anunciante pretende vender o bem que anuncia, mas não demonstra que existe comprador para a sua aquisição pelo valor anunciado. De todo o modo, a esse respeito nada há a censurar à decisão recorrida posto que o tribunal a quo não deu como demonstrado o valor de mercado dos bens, e muito menos com fundamento no anúncio que referiu em sede de motivação, sendo que as declarações prestadas pelos intervenientes no negócio, máxime quando alguns deles são partes na ação e diretamente afetados pelo seu resultado, não constituem meio de prova bastante para, por si só, formar convicção sobre aquele facto, tanto mais que, conforme declarou D., na altura não abordou nem foi abordado por outros interessados[19] e só negociou preço com os que se dispuseram a comprar – as testemunhas E. e F. - pelo que as declarações destes só demonstram que o preço que consta no contrato foi o acordado entre as respetivas partes, e nada mais. A demonstração do valor de mercado de cada um dos itens objeto da compra e venda impunha a produção de outro tipo de prova, senão pericial, pelo menos a inquirição de testemunha(s) com habilitação profissional para, com conhecimento de cada um deles, avaliar os bens e emitir um juízo técnico de valor nessa matéria por recurso à sua cultura/habilitação e experiência especializada, e que em audiência pudesse ser contraditado ou ao qual pudesse ser oposto outro meio de prova de semelhante natureza; ou, no caso, através da junção do resultado das consultas que a testemunha D. declarou ter realizado aquando da negociação do preço da venda dos bens às testemunhas E. e F. (que, para o efeito e com vista ao exercício de atividade económica através da exploração dos campos de padel, vieram a constituir a sociedade Quarenta), incluindo a informação que a esse respeito declarou ter solicitado ao fornecedor dos campos de padel da insolvente (Padelhispano), que referiu como o que melhor avaliou os campos de padel em segunda mão, e que restringiu a avaliação à estrutura metálica e aos vidros que integram os campos posto que a areia e a relva que os integram e integram o respetivo custo de aquisição são ‘lixo’ por não serem removíveis com aproveitamento para outro local.
Nesta matéria os recorrentes censuram a ausência de oficiosidade do tribunal a quo no apuramento do valor dos bens à data em que o negócio se concretizou no sentido de, ao abrigo do poder-dever do inquisitório previsto no art.º 11º do CIRE, ordenar a realização de uma perícia. Imputação que assenta em equívoco sobre os princípios do dispositivo, da auto-responsabilidade das partes e do inquisitório que informam o direito processual civil, que no caso se acentua no confronto com a atividade probatória que os recorrentes (não) produziram sobre factos que os próprios alegaram e declararam em audiência; designadamente, a troca de comunicações com a Imoware alegada pela testemunha D., as informações sobre o valor dos campos de padel e da sua desmontagem e transporte que esta testemunha declarou ter solicitado e obtido de pessoas do meio (designadamente, fornecedores) quando se deparou com a paralisação da atividade provocada pela vedação do acesso às instalações pela locadora e com a abertura de E. para a compra dos campos de padel. Ora, a correspondência entre o preço pelo qual foram vendidos bens da insolvente e o valor de mercado dos mesmos corresponde a facto que os recorrentes alegaram em defesa da sua posição pelo que, assim o entendendo, sobre eles recaía o ónus de o demonstrar, conforme dispõe o art.º 342º do Código Civil, ónus que os interessados têm a faculdade de exercer ou não exercer, sujeitando-se, se for o caso, às consequências do seu não exercício. É inegável que o processo de insolvência é dominado por um princípio do inquisitório forte que, numa evidente supremacia do princípio da procura da verdade (mas sem prejuízo do escrupuloso cumprimento do contraditório), permite a investigação oficiosa de factos alegados ou não alegados pelas partes  (cfr. art.º 11º do CIRE), mas tanto não desresponsabiliza as partes dos ónus de alegação e prova dos factos que, por referência ao pedido deduzido, são relevantes para o vencimento do pedido ou da defesa que deduzem[20], competindo em qualquer caso às partes a promoção das diligências que antevejam relevantes para a tese que pretendem faça vencimento, sem que se exija ou pressuponha que a inércia das partes seja substituída pela previdência do juiz “[c]omo se de um seu sucedâneo se tratasse.[21]
 Com o que nesta parte se conclui pela improcedência da impugnação à decisão de facto, que apenas procede quanto aos pontos 38 e 39 dos factos provados nos termos acima expostos.

V – Fundamentação de Direito
1. Do erro de julgamento na aferição dos pressupostos da qualificação da insolvência como culposa
1. Considerações gerais
O incidente de qualificação da insolvência foi introduzido pela reforma do regime da insolvência levada a cabo pelo Decreto Lei nº 53/2004 de18.03 com o propósito, desde logo, de atalhar a insolvências fraudulentas ou dolosas, mas também para prevenir o agravamento de situações de insolvência criadas sem atuação culposa dos devedores ou dos respetivos representantes, tudo, em ultima linha, para tutela dos credores e do comércio jurídico no qual aqueles se movem, num circuito de interdependência de pagamentos. Lê-se no preâmbulo do citado diploma (que aprovou o CIRE), que (…) quem intervém no tráfego jurídico, e especialmente quem aí exerce uma actividade comercial, assume por esse motivo indeclináveis deveres, à cabeça deles o de honrar os compromissos assumidos. A vida económica e empresarial é vida de interdependência, pelo que o incumprimento por parte de certos agentes repercute-se necessariamente na situação económica e financeira dos demais. Concomitantemente, à liberdade de escolha de profissão e atividade, corresponde a responsabilização pelo respetivo exercício, com cumprimento das normas a que obedece e/ou condicionam.
Nos termos do art.º 185º a insolvência é qualificada como culposa ou fortuita. O art.º 186º, nº 1 faz corresponder a insolvência culposa àquela que tenha sido criada ou agravada em consequência da atuação dolosa ou com culpa grave do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência. Em síntese, e para além da janela temporal relevante para efeitos de qualificação (desde 3 anos antes do início do processo de insolvência e, cfr. arts. 4º, nº 2 e 186º, nº 2, al. i), até à declaração da insolvência e até à data da elaboração do parecer de qualificação pelo AI), são pressupostos da insolvência culposa: uma conduta do devedor ou do respetivo administrador, praticada com dolo ou com culpa grave, e em relação de causalidade com a criação da situação de insolvência ou com o seu agravamento. Quando culposa, a relevância desta qualificação respeita à situação jurídica do insolvente ou das pessoas por ela abrangidas e afetadas, nomeadamente, conforme prevê o art.º 189º, nº 2, al. a), administradores, de direito ou de facto, técnicos oficiais de contas e revisores oficiais de contas, (…) fixando, sendo o caso, o respetivo grau de culpa. Culpa que, quer resulte legalmente presumida, quer resulte efetivamente demonstrada, deverá ser fixada ou a título de dolo ou a título de culpa grave, com repercussão na medida dos efeitos previstos pelo art.º 189º, desde a duração das inibições previstas pelas als. b) e c) do nº2, até às consequências da responsabilização patrimonial prevista pela al. e) do mesmo preceito.
No nº 2 o legislador previu circunstâncias que, à laia de normas de proteção abstrata[22] importam presunção inilidível – júris et jure – da verificação dos pressupostos previstos no nº 1, levando as diversas situações ali contempladas, de forma inexorável, à atribuição de carácter culposo à insolvência. Isto é, da prova de qualquer um dos factos complexos ali descritos resulta adquirida, por presunção absoluta, a ilicitude do facto, a existência de culpa grave, e o nexo de causalidade entre o facto (ato ou omissão) e a criação ou o agravamento da insolvência[23]. Presunção que tem como pressuposto assumir que, em termos genéricos, todas as circunstâncias, factos ou comportamentos ali previstos, direta ou indiretamente, envolvem efeitos negativos para a situação patrimonial do devedor, geradores ou agravantes da situação de insolvência, ou seja, da impossibilidade de este cumprir as respetivas obrigações vencidas e/ou da impossibilidade, total ou parcial, de garantir o seu cumprimento[24]. O que permite tomar as previsões do nº 2 como valorações normativas do legislador em termos tais que, cada um dos factos complexos ali previstos, equivalem a enunciações legais de situações típicas de insolvência culposa[25]. Porém, e conforme anotado por Luís Carvalho Fernandes e João Labareda[26], as várias alíneas do preceito exigem uma ponderação casuística, ou seja, na apreciação concreta de cada uma das situações ali previstas deve atender-se às circunstâncias próprias da situação de insolvência do devedor, e para o que aponta o recurso a conceitos indeterminados (tais como, em parte considerável, criado ou agravado artificialmente, incumprido em termos substanciais, reiterada, etc). Provados os factos constitutivos das presunções, por irrelevante “não lhe é admitido provar que esse ato não criou ou agravou a situação de insolvência[27], nem que a ação (ou omissão) que a lei toma como ilícita foi praticado sem culpa.[28]
Do nº 3 do preceito constam descritas condutas omissivas às quais a lei não faz corresponder presunção de insolvência culposa, mas tão só presunção juris tantum de culpa grave que, por isso, é suscetível de ser ilidida por prova em contrário (cfr. art.º 350º, nº 2, 1ª parte, do Código Civil), mais exigindo a alegação e demonstração dos demais requisitos previstos no nº 1: criação ou agravamento da situação de insolvência, causada por aquelas condutas.
Enquanto caracterizadores da insolvência culposa e fundamento da afetação dos administradores através da responsabilização que dela emerge, os factos típicos e complexos aqui previstos concretizam específicos deveres a que os administradores estão vinculados e que enquadram nos deveres gerais de lealdade, de cuidado e diligência previstos pelo art.º 64º do Código das Sociedades Comerciais, aqui destinados à proteção de terceiros, dos interesses económicos dos credores sociais. Nas palavras de Carneiro da Frada[29], “o art.º 186 do CIRE corresponde a uma disposição de protecção cuja violação por parte dos administradores de uma sociedade desencadeia responsabilidade civil pela insolvência.
2. Da verificação dos pressupostos da qualificação da insolvência:
Em sede de fundamentação de direito a sentença recorrida procedeu à valoração jurídica dos factos provados por referência aos fundamentos legais de insolvência culposa previstos pelas als. a), d) e g) do nº 2 e al. a) do nº 3 do art.º 186º.
Considerou que em 2020 ‘desapareceram da contabilidade’ da insolvente os ativos fixos tangíveis e o valor de caixa e depósitos bancários inscritos nas contas de 2019 pelos valores, respetivamente, de €361.529,61 e €118.253,84, este ultimo reduzido ao valor de €659,95.
Relativamente ao valor do saldo da conta caixa considerou que a sua diminuição se deveu ao acionamento da garantia bancária (que assegurava o cumprimento das obrigações emergentes do contrato de arrendamento) e ao pagamento de outras despesas e, nesta parte, o tribunal a quo concluiu nada haver a censurar aos recorrentes.
Relativamente aos ativos fixos tangíveis considerou que: foram contabilizados por recurso ao realizado nas instalações da insolvente no âmbito do contrato de empreitada que esta celebrou com a credora Floponor; em 2020 a insolvente procedeu ao abate de €466.079,61; face ao teor do contrato de arrendamento as benfeitorias realizadas nas instalações no âmbito daquela empreitada revertiam a favor do senhorio; o contrato de compra e venda celebrado com a Quarenta pelo valor de €54.000,00 extravasa aquelas benfeitorias e, desse preço, a insolvente só recebeu €4k (pelo facto de os restantes €50k serem devidos pagar em prestações com vencimento anual até 2024). Com fundamento nessas premissas de facto, o tribunal a quo concluiu que com a celebração do contrato de compra e venda os recorrentes esvaziaram a sociedade de todos os seus ativos. Mais concluiu que a insolvente não iria receber o preço em falta por terem cessado a atividade comercial da sociedade, e que os recorrentes inviabilizaram a prossecução da atividade comercial da insolvente, impedindo-a de gerar rendimentos para satisfação dos créditos que ainda persistiam. Assente nesta valoração concluiu que com a celebração do contrato de compra e venda com a Quarenta os recorrentes procederam à ocultação do património da insolvente, e que a alienação dos ativos foi realizada em proveito da sociedade compradora que, com um investimento de apenas €4k, adquiriu a totalidade dos bens da insolvente e tomou posse de um clube de padel que, só em obras, foi orçado em €371.471,45.
Do sumariamente exposto resulta que a qualificação da insolvência pelo tribunal recorrido assenta exclusivamente na celebração do contrato de compra e venda de ‘ativos’ celebrado pela insolvente em novembro de 2020, com fundamento no qual julgou verificados os pressupostos das qualificativas previstas pelas als. a) e d) do nº 2 do art.º 186º.
Opõem os recorrentes que: dos documentos contabilísticos resulta que os ativos correspondentes ao valor das obras foram objeto de operação de abate e esta foi realizada de acordo com a norma contabilística de relato financeiro aplicável (NCRF7) na medida em que aquelas constituem benfeitorias que a insolvente não poderia retirar do imóvel onde foram incorporadas e das quais e por força da resolução do arrendamento deixou de retirar proveito; o que foi objeto de venda foram os itens amovíveis constantes do anexo IV do contrato (que esta instância se acrescentaram aos factos provados) e não todos as obras que compunham os ativos fixos tangíveis inscritos na contabilidade; o custo da desmontagem, transporte e armazenamento desse itens tinha custos que a insolvente não conseguia suportar; o interesse da compradora na aquisição daqueles itens apenas se verificou por estar a negociar o arrendamento do imóvel com a Imoware e, em ultima instância, poderia ter ficado a usufruir de tudo sem necessidade de celebrar qualquer contrato com a insolvente; “o que esvaziou a sociedade não foi o negócio celebrado com a Quarenta Zero, mas sim a resolução do contrato de arrendamento, uma vez que, sem espaço ou mesmo com espaço, mas sem acesso por parte dos clientes, não havia condições para o desenvolvimento da atividade da insolvente.” Concluíram que não ocultaram ou descaminharam qualquer património da insolvente nem beneficiaram a Imoware, proprietária e locadora do imóvel, nem a sociedade adquirente dos bens; antes celebraram contrato de compra e venda através do qual conseguiriam retirar maior retorno para a insolvente e seus credores no valor de €54k, do qual subiste um crédito de €50k sobre a sociedade adquirente em proveito da insolvente e dos seus credores por algo que já nada valia e que aquela teria direito a usar por via do arrendamento que celebrou com a proprietária do imóvel
Apreciando:
Anota-se antes de mais que, não obstante as referências na decisão recorrida e nas alegações a conceitos e a normas contabilísticas de relato financeiro, não está em causa a qualificação da insolvência com fundamento em qualquer uma das condutas previstas na al. h) do nº 2 do art.º 186º[30]. Por força da proibição da reformatio in pejus consagrada pelo art.º 635º, nº 5 do CPC[31], também não cabe apreciar da qualificação da insolvência com fundamento na qualificativa prevista pela al. g), que o tribunal recorrido julgou não verificada porque “inexistem quaisquer eventos que se subsumam à alínea g), do n.º 2, do art.º 186.º do CIRE, pelo que fica prejudicado o seu conhecimento, tal como aventado pela Floponor, no seu escrito de 14.02.2022 (o qual, em sede de alegações, esta entidade não considerou verificado, face à prova produzida em juízo). O mesmo relativamente ao fundamento previsto pela al. a) do nº 3 do art.º 186º, que a decisão recorrida afastou por considerar que a situação de insolvência da devedora remonta ao momento em que celebrou o negócio com a Quarenta, “dado que é aqui que fica esvaziada de qualquer ativo que lhe permitisse fazer frente ao seu passivo”, que o dever de apresentação à insolvência esteva suspenso desde 09.03.2020 até 05.07.2023 (nos termos da Lei nº4-A/2020 de 06.04 e da Lei nº 31/2023 de 04.07 que a revogou), e que este fundamento legal sempre resultaria predicado por falta de prova do nexo causal entre a não apresentação à insolvência e o seu agravamento.
Resta aferir dos pressupostos previstos pelas als. a) e d) do nº 2 do art.º 186º do CIRE, jugados verificados pela decisão recorrida.
i) Nos termos da al. a) do nº 2 do art.º 186º Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor (…) quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham [d]estruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor.
Na interpretação do segmento “património do devedor” o acórdão da Relação de Lisboa de 06.09.2022[32] salientou que “pese embora se aluda, na referida alínea, ao “património do devedor”, por confronto com a referência constante da alínea d) do número 2 do mesmo preceito, em que o legislador se reportou aos “bens do devedor”, entendemos que a ratio das alíneas é similar, estando em causa a proteção do património da empresa, abrangendo não só bens corpóreos - móveis e imóveis - como incorpóreos, nomeadamente créditos de que a empresa seja titular, penalizando-se o gerente/administrador, no caso da alínea a), quando este pratica atos dos quais resulta uma diminuição do património do devedor e no caso da alínea d) quando este pratica atos de disposição em função de interesses que não os da empresa que administra, isto é, com desvio de fim. Sem prejuízo de aderimos a estas considerações, somos de entender que, no essencial, e conforme acórdão desta Relação de 18.04.2023[33] citado pelo tribunal a quo (e que nessa parte em seguida reproduzimos), a diminuição patrimonial especificamente prevista na al. a) distingue-se da diminuição patrimonial implícita à previsão da al. d) porque, diversamente do que aqui sucede, aquela pressupõe ou reporta a uma ação física sobre os bens[34], no sentido de diminuir o seu valor comercial (destruição ou danificação), de os tornar imprestáveis ou inoperacionais para o fim a que tendem (inutilizado), ou através da não revelação do seu paradeiro ou da sua colocação em paradeiro desconhecido ou local geográfica ou espacialmente inacessível à sua apreensão, de os subtrair à possibilidade de serem localizados e/ou fisicamente apreendidos e ingressarem na disponibilidade fáctica do AI e, assim, do processo de insolvência e da liquidação que nele se cumpra. Em suma, atos por princípio não documentados e/ou dificilmente reconstituíveis pelos credores (ou pelo AI em sua representação) e que tornam impossível ou dificultam a reconstituição/recuperação desses bens para os credores do devedor.
Divergindo deste entendimento, na interpretação da al. a) em questão e, particularmente, para definição do sentido/âmbito da ação ‘ocultação’ nela prevista, o tribunal recorrido transferiu para o direito insolvencial  a definição jurisprudencial penal do âmbito do art.º 227º, nº 1, al. a) do Código Penal, norma que, sob a epígrafe Insolvência dolosa, prevê como factos do elemento objetivo típico do ilícito penal os atos de Destruir, danificar, inutilizar ou fizer desaparecer parte do seu património[35]. Com fundamento na equiparação entre uma e outra previsão enquadrou a transferência de bens e direitos da insolvente para a esfera jurídica da sociedade Quarenta como ato de ocultação de património e, assim, na al. a) do nº 2 do art.º 186º[36].
Discorda-se desta interpretação.
Não se questiona a identidade dos bens jurídicos tutelados pelo incidente de qualificação da insolvência e pelo crime de insolvência dolosa – o interesse público da segurança e confiança no tráfego económico e comercial, e o direito patrimonial dos credores -, nem se questiona que, conforme consta do acórdão nº 570/2008 do Tribunal Constitucional citado pela decisão recorrida,  “a prática de actos que determinem a perda ou subtracção de parte considerável dos bens que constituíam o património do comerciante em quebra, caracterizando-se a situação de insolvência por uma incapacidade do devedor de cumprimento das suas obrigações vencidas (artigo 3.º do C.I.R.E.), é determinante dessa insolvabilidade, num juízo de adequação social normativo[37]. Também não se põe em causa a possibilidade de os mesmos comportamentos fundamentarem a qualificação da insolvência como dolosa e a punição por insolvência dolosa e d[a] circunstância de a totalidade dos comportamentos tipificados nos artigos 227.º, 228.º e 229.º do Código Penal encontrarem guarida na definição geral de insolvência culposa acolhida no artigo 186.º, n.º 1, do CIRE.[38] e de os factos fundamento da insolvência dolosa corresponderem necessariamente a uma insolvência culposa (sendo que o inverso já não é verdadeiro). O que não se aceita é o estabelecimento da correspondência do sentido e âmbito objetivo das ações previstas pela al. a) do nº 2 do art.º 186º com as previstas pela al. a) nº 1 do art.º 277º para, por recurso à exegese jurisprudencial e doutrinal dos elementos específicos desta alínea, definir o sentido/âmbito objetivo dos elementos daquela no sentido de neles incluir atos de disposição de bens a terceiros. Interpretação que não se acolhe porque, para além do maior leque individualizado de condutas contido nas várias alíneas do art.º 186º, nº 2 comparativamente com a descrição contida no art.º 277º, afigura se com o elenco das ações previstas na al. a) do nº 2 do art.º 186º o legislador pretendesse abranger os atos de disposição de bens, a previsão da al. d), passando o pleonasmo, redundaria numa redundância relativamente à previsão e âmbito de aplicação daquela, como é demonstrado pela circunstância de, aderindo à interpretação que acolheu, o tribunal recorrido ter concluído que os mesmos factos enquadram juridicamente nas duas alíneas.
Mantém-se por isso que, não estando em causa a imputação de uma qualquer conduta sobre os bens da devedora no sentido de por qualquer forma diminuir o seu valor comercial intrínseco ou de os colocar em paradeiro desconhecido ou inacessível, a venda dos direitos e bens da insolvente não se traduz numa diminuição do património da insolvente por efeito de uma qualquer das ações previstas pela al. a), pelo que não enquadra nesta previsão.
Com o que se conclui pela não verificação da qualificativa prevista pela al. a).
ii) Nos termos da al. d) do nº 2 do art.º 186º, nº 2 “Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor, que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham: d) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros.
Enquadra nesta alínea a transmissão dos direitos incorpóreos e bens móveis propriedade da insolvente, correspondentes aos que constam descritos nos anexos I a IV que integram o contrato de compra e venda que celebrou em 06.11.2020, altura em que os recorrentes já haviam decidido que, perante a falta de acesso dos seus clientes às instalações imposta pela locadora e a ausência de recursos financeiros da insolvente para resolver judicialmente tal situação, não iriam prosseguir com a atividade da insolvente, tendo igualmente assumido que a insolvente não dispunha de meios para pagar todas as suas dívidas, as anteriormente vencidas e outras já contraídas e as continuamente geradas ou decorrentes da manutenção da sua atividade (designadamente, a renda e encargos devidos pelo espaço onde exercia a atividade, no montante total de cerca de €15k), incapacidade ostensivamente reveladora da situação de insolvência da devedora e do conhecimento da mesma pelos recorrentes.
Como é consabido, o processo de insolvência liquidatário é informado por dois princípios estruturantes: o da garantia patrimonial dos bens e direitos dos credores dada pelo património do devedor, e o da satisfação igualitária dos direitos dos credores, o princípio conditio par creditorium. Princípios que se manifestam na caracterização da insolvência liquidatária como processo de execução universal e concursal, que tem como finalidade primeira a satisfação dos interesses patrimoniais dos credores através da liquidação da totalidade do património do devedor para afetação do respetivo produto à satisfação dos direitos dos credores. Universal porque, conforme definição de massa insolvente que consta do art.º 46º do CIRE, com exceção dos bens isentos de penhora, abrange todo o património do devedor à data da declaração da insolvência e o que no âmbito da mesma seja recuperado/restituído à massa insolvente, bem como os bens e direitos adquiridos na pendência do processo. Concursal porque, conforme arts. 90º, 128º e 146º do CIRE, visando a liquidação do passivo global do devedor, procede-se para o efeito à citação de todos os credores do devedor para concorrerem ao produto que resulte da liquidação dos bens que integram o património do devedor, na medida das forças deste e em função da hierarquia/graduação dos créditos de acordo com a respetiva natureza. Para cumprimento desse fim, a declaração da insolvência do devedor determina a apreensão material de todos os bens que integram a massa insolvente, incluindo o produto da venda desses bens, ainda que arrestados, penhorados, apreendidos ou por qualquer outra forma detidos (cfr. arts. 46º, 149º, 150º, 81º, nº 1, 55º, nº 1 e 158º do CIRE). A preocupação do legislador em salvaguardar a garantia patrimonial dos credores e o cumprimento da universalidade da insolvência liquidatária vai ao ponto de dotar o administrador da insolvência do poder-dever de proceder à resolução extrajudicial de negócios para recuperação das atribuições patrimoniais que, nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência foram concedidas com prejuízo para o património do devedor e, assim, com prejuízo das garantias patrimoniais dos respetivos credores (cfr. arts. 120º e ss. do CIRE). É também em benefício da preservação desta garantia patrimonial e da melhor e mais rápida satisfação dos direitos dos credores que o legislador previu a obrigação de o devedor se apresentar à insolvência nos 30 dias seguintes à data do seu conhecimento, presumindo-o de forma inilidível decorridos três meses sobre o incumprimento generalizado de créditos fiscais, contribuições sociais, créditos laborais, ou rendas de qualquer tipo de locação (cfr. arts. 18º e 20º, al. g) do CIRE).
É por referência a estes princípios – da garantia patrimonial e de tratamento igualitário dos credores sociais - que se impõe entender o alcance dos elementos normativos ‘disposto de bens’ e ‘proveito pessoal ou de terceiros’ que integram o facto qualificador da insolvência previsto pela al. d), e que se impõe considerar preenchidos pela transmissão/venda dos direitos e bens móveis da devedora celebrada em novembro de 2020, numa altura em que os recorrentes já haviam decidido que não iriam prosseguir a atividade da insolvente por sobre ela recaírem dívidas vencidas para as quais não dispunha – nem iria dispor - de meios para o seu pagamento. Neste cenário, e conforme resulta da conjugação do disposto nos arts. 146º, 141º, nº 1, al. e) e 142º, nºs 1  3 do Código das Sociedades Comerciais e, expressamente, do art.º 18º, nº 1 do CIRE, estava-lhes legalmente vedado proceder à liquidação extra-judicial do ativo da devedora e antes se lhes impunha apresentá-la à insolvência para cumprimento da liquidação do ativo e do passivo da devedora através do procedimento e entidade legalmente previstos para o efeito. Atividade que, além do mais, não se compagina com a concessão de um prazo de 5 anos para pagamento do preço da venda de bens da massa insolvente[39] – como os recorrentes concederam à sociedade adquirente -, máxime se corresponderem aos únicos bens a liquidar, como era o caso. Bens e direitos que não existiam para apreensão aquando da declaração judicial da situação de insolvência da devedora à qual a própria veio apresentar-se em novembro de 2021, situação que resulta em prejuízo do património da devedora e da massa insolvente que a sucedeu e, por isso, dos respetivos credores, traduzido na disposição de bens, com consequente diminuição do valor da massa insolvente constituída com a sua declaração de insolvência e consequente agravamento da possibilidade de satisfação do coletivo dos credores da insolvência na medida do valor daqueles bens, que deixaram de existir na esfera patrimonial da insolvente, arredando a possibilidade de os credores concorrerem ao produto desses mesmos bens. Acresce que a concessão de pagamento faseado do preço e pelo prazo de 5 anos configura um proveito do qual a adquirente dos bens não beneficiaria no âmbito da liquidação da massa insolvente, e que é desconhecido o destino do único pagamento que a insolvente recebeu da adquirente, no valor de €4.000,00; valor este que, além do mais, seria suficiente para dar pagamento aos encargos do processo da insolvência, desde logo com os registos obrigatórios e remuneração do administrador da insolvência, e evitaria que estes recaíssem sobre o erário público.
O que tudo se traduz em diminuição das garantias patrimoniais dos credores da insolvente e da massa insolvente e na violação do objeto estruturante do processo falimentar - a satisfação dos direitos dos credores. Como acentua Soveral Martins[40], “A insolvência pode ter sido inevitável. Uma vez verificada a situação de insolvência atual (…) o gerente tem o dever de não agravar a situação de insolvência e de procurar a recuperação quando tal se justifique ou [quando a recuperação não se justifique ou não a anteveja como possível] a manutenção do valor da massa insolvente.//(…).//Não podem os gerentes ou administradores começar a atuar como se fossem liquidatários da sociedade.//(…)// O processo de insolvência será a forma de «organizar a desgraça».”
Neste concreto surge aqui pertinente referir que a apresentação à insolvência do devedor que, de acordo com o critério de tesouraria ou cash flow previsto pelo art.º 3º, nº 1[41], se encontra impossibilitado de cumprir as obrigações vencidas por falta de liquidez suficiente para cumprir a generalidade das dívidas vencidas, configura comportamento que lhe está normativamente imposto para, com a maior brevidade possível, cessar os efeitos comuns da insolvência e na medida em que o seu arrastamento é abstratamente apto a gerar mais inconvenientes e prejuízos, designadamente, pelo efeito bola de neve sobre os seus parceiros comerciais, máxime, os seus fornecedores (de matéria prima, de serviços, de equipamentos, de liquidez ou tesouraria). Com efeito, tal dever tem como corolário e/ou pressuposto lógico o facto de o objetivo precípuo de qualquer processo de insolvência ser a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores, quer seja através da liquidação, quer seja através da recuperação, sendo certo que por esta ultima via o timing na tempestiva apresentação à recuperação ainda se revela de maior importância, pois, por regra, dela dependerá a viabilidade e a possibilidade de (ainda) recuperar o devedor que, além do mais, carece da confiança dos seus credores. Trata-se por isso de norma de proteção dos credores sociais que, uma vez verificados os respetivos pressupostos, faz recair sobre o devedor presunção de culpa grave no seu incumprimento mas que, para constituir fundamento de qualificação da insolvência como culposa, conforme acima se expôs, mais exige a prova que do incumprimento dessa obrigação resultou agravamento da situação da insolvência, elemento que, com o nexo de causa entre a omissão e o resultado, integra o objetivo do ilícito por esta norma previsto.
Como é invocado na sentença recorrida, no contexto da pandemia Covid-19, de entre as várias medidas legais adotadas para corresponder à situação de crise económico-social pela mesma gerada conta-se a suspensão do dever de apresentação à insolvência prevista pelo art.º 7º, nº 6, al. a) da Lei n.º 1-A/2020 de 19.03[42], e com efeitos retroativos a 09.03.2020, nos seguintes termos: Ficam também suspensos: a) O prazo de apresentação do devedor à insolvência, previsto no n.º 1 do artigo 18.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Medida que, conforme se extrai do teor da norma, corresponde à suspensão do prazo previsto para o cumprimento daquele dever que, conforme se referiu, é de 30 dias a contar do conhecimento da situação de insolvência, demonstrado ou presumido nos termos do citado nº 3 do art.º 18º. Por referência a este período a insolvência não pode ser qualificada com fundamento na presunção estabelecida pela al. a) do nº 3 do art.º 186º que, além do mais, foi afastada pela sentença recorrida. Mas, nas palavras de Maria de Fátima Ribeiro[43], (…) não nos parece que deva ficar afastada, em virtude da suspensão do dever de apresentação à insolvência, a possibilidade de qualificação da insolvência como culposa à luz do disposto no n.º 1 do art.º 186.º, provando-se que a situação foi criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor ou dos seus administradores, (…), nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência. Enquadra-se nesta pertinente ressalva a disposição de bens da devedora nos termos previstos pela al. d) do nº 2, cuja valoração e eficácia qualificativa da insolvência como culposa não é prejudicada pela suspensão legal do dever de apresentação à insolvência, mais não fosse porque suspensão do prazo de apresentação não significa proibição de apresentação[44] e esta medida não se traduz na concessão de ‘carta branca’ aos devedores insolventes para liquidação ‘ad hoc’ dos seus bens e, por outro lado, pressupõe a viabilidade e o propósito de dar oportuna continuidade à empresa, propósito que os recorrentes não mantinham e que sempre seria contrariado pela venda dos bens afetos e necessários à exploração do objeto social da insolvente. São nesse sentido as palavras de Catarina Serra[45] que, criticando a natureza incondicional da suspensão pela ausência de exigência de requisitos substanciais que garantissem a sua aplicabilidade apenas às empresas insolventes por causa da pandemia e recuperáveis, mais critica a ausência de reforço da margem de ação dos administradores durante esse período através da criação de “presunções (relativas) de que os actos necessários à continuação e à recuperação da empresa são, por um lado, actos cuja prática é conforme aos deveres fundamentais dos administradores e, por outro lado, não são prejudiciais aos credores/susceptíveis de resolução em benefício da massa em eventual processo de insolvência.
Com o que se conclui e reforça que a venda dos bens da devedora quando esta se encontrava em situação de insolvência esvaziou a insolvente de todos os seus ativos em prejuízo da massa insolvente e dos seus credores, e que tal conduta, independentemente do preço atribuído aos bens e de este ter sido ou não pago à vendedora, integra os pressupostos do fundamento de qualificação da insolvência previsto pela al. d) do nº 2 do art.º 186º que, como tal, é autonomamente valorada independentemente do cumprimento ou incumprimento do dever de apresentação à insolvência.
Cumpre apenas deixar claro que, para além dos bens incorpóreos descritos nos anexos I a III, os bens móveis objeto da venda em questão restringem-se aos descritos no anexo IV do contrato de compra e venda que, como da descrição dos mesmos resulta (ponto 30.a) aqui aditado), são de natureza amovível, como de resto os recorrentes consentem nas suas alegações (cfr. conclusões 108º e 115º). Bens que não coincidem com a totalidade dos ativos fixos inscritos na sua contabilidade no valor de cerca de €361k posto que este incluía o custo das obras realizadas no imóvel, cuja maior fatia, como bem resulta do descritivo do projeto de obra que integra o contrato de empreitada celebrado com a credora Floponor (aditado aos factos nesta instância), corresponde a preparativos e trabalhos de construção civil cujo resultado alterou e incorporou a estrutura do imóvel[46]. Obras que, não sendo suscetíveis de remoção do imóvel sem detrimento do mesmo, reverteram em seu benefício nos termos do art.º 1273º, nº 1 do Código Civil e, naturalmente, em benefício da sua proprietária ou de quem dele viesse a fruir, sem que à insolvente assistisse o direito de ser indemnizada por expressamente afastado pelo contrato de arrendamento, e sem que o benefício de terceiros assim produzido enquadre em qualquer um dos fundamentos da qualificação da insolvência como culposa. Mais acresce reiterar que, contrariamente ao consignado pela decisão recorrida, não foi a venda celebrada em novembro de 2020 que inviabilizou a prossecução da atividade comercial da insolvente e a impediu de gerar os rendimentos necessários à liquidação total dos créditos que ainda persistiam. Com efeito, a insolvente foi impedida de prosseguir a sua atividade e de gerar rendimentos pela proprietária do imóvel quando em setembro de 2020 esta vedou o acesso dos clientes às suas instalações, sendo certo que já então a insolvente não dispunha de liquidez nem outros meios para pagar todas as dívidas contraídas, o que vale por dizer que se encontrava já em situação de insolvência que, por definição, significa impossibilidade de cumprir todas as obrigações vencidas. 
3. Conforme se expôs, a qualificação da insolvência como culposa tem como pressupostos uma conduta ilícita do devedor ou dos seus administradores praticada com dolo ou com culpa grave, e em relação de causalidade com a situação de insolvência ou com o seu agravamento. Considerando que o prius da qualificação é, precisamente, uma conduta, por ação ou por omissão, é pela autoria desta que em concreto se impõe aferir do âmbito subjetivo das consequências da insolvência culposa. Sem prejuízo das presunções legais de culpa, “[a] responsabilidade dos administradores e gerentes é por culpa e por facto próprio, não é responsabilidade sem culpa e por facto de outrem.[47] Corresponderá esse ao sentido da apreciação feita pelo acórdão do Tribunal Constitucional nº 280/2015 de 20.05[48], ao considerar que “a determinação do período de tempo de cumprimento das medidas inibitórias previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 189.º do CIRE (inibição para a administração de patrimónios alheios, exercício de comércio e ocupação de cargo de titular de órgão nas pessoas colectivas aí identificadas) e, naturalmente, a própria fixação do montante da indemnização prevista na alínea e) do n.º 2 do mesmo preceito legal, deverá ser feita em função do grau de ilicitude e culpa manifestado nos factos determinantes dessa qualificação legal” (subl. nosso).
Considerando que da prova produzida resultou que foi a testemunha D., cônjuge da recorrente B., quem procedeu ou, no mínimo, participou nas negociações e venda dos bens da insolvente e, em qualquer caso, com o conhecimento dos recorrentes, com pertinência anota-se que o administrador de direito responde pela sua própria atuação ou, não tendo atuado, responde por omissão ilícita se, como é referido por Ricardo Costa, “se demitiu em absoluto da gestão social e a entregou, ainda que por afastamento não querido da vida da sociedade, ao administrador de facto directo; nesta circunstância, o exercício de poderes que consentiu ou tolerou (…) e o sucessivo comportamento danoso do administrador de facto representam a infracção do dever de controlar (culpa in vigilando) a gestão efectiva, mesmo se não levada a cabo por quem não está legitimamente investido para o efeito.”[49]
A afetação dos recorrentes pela qualificação da insolvência na qualidade de administradores de direito da insolvente não suscita assim qualquer dúvida e é incontornável consequência da prática do facto fundamento da qualificação da insolvência – venda dos bens da devedora quando esta se encontrava em situação de insolvência, com consequente supressão da garantia patrimonial dos seus credores.
2. Das consequências da qualificação da insolvência (art.º 189º)
1. Prevê o art.º 189º[50], nº 2 que “Na sentença que qualifique a insolvência como culposa, o juiz deve:
a) Identificar as pessoas (…) afetadas pela qualificação, fixando, sendo o caso, o respetivo grau de culpa; 
b) Decretar a inibição das pessoas afetadas para administrarem patrimónios de terceiros, por um período de 2 a 10 anos; 
c) Declarar essas pessoas inibidas para o exercício do comércio durante um período de 2 a 10 anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa;
d) Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelas pessoas afectadas pela qualificação e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos.
e) Condenar as pessoas afetadas a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente até ao montante dos créditos não satisfeitos, até às forças dos respetivos patrimónios, sendo solidária tal responsabilidade entre todos os afetados.
Acrescenta o nº 4 que, “Ao aplicar o disposto na alínea e) do n.º 2, o juiz deve fixar o valor das indemnizações devidas ou, caso tal não seja possível em virtude de o tribunal não dispor dos elementos necessários para calcular o montante dos prejuízos sofridos, os critérios a utilizar para a sua quantificação, a efetuar em liquidação de sentença.”
O art.º 189º fixa os limites mínimo e máximo da inibição para a administração de património de terceiros, para o comércio, e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de pessoa coletiva, de 2 a 10 anos, bem como o limite máximo da indemnização a atribuir ao coletivo dos credores, até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos pelo produto da massa insolvente. Não enuncia critérios para a concreta determinação de umas e outra.
A decisão recorrida considerou mediana e em igual medida a culpa de cada um dos recorrentes e fixou em 4 anos a medida das inibições legalmente impostas. Em sede de responsabilização insolvencial, considerou o valor de mercado dos direitos e bens objeto da venda fundamento da qualificação e condenou os recorrentes a indemnizar os credores da insolvente pelo montante correspondente àquele valor a liquidar em execução de sentença. Os recorrentes limitam-se a opor que as sanções fixadas são excessivas.
2. A par com a vertente preventiva de proteção do património de terceiros e do comércio, as medidas inibitórias têm dimensão exclusivamente punitiva, intrínseca à tentativa de moralização do sistema visada pela introdução deste incidente[51]. Por natureza e imperativo constitucional a aplicação de sanções pressupõe a natureza ilícita e culposa – ainda que legalmente presumida - dos factos que as fundamentam pelo que, na ausência de outros critérios expressa e especificamente previstos, a determinação, em cada caso, do ‘quantum punitivo’, “deverá  ser feita em função do grau de ilicitude e culpa manifestado nos factos determinantes dessa qualificação legal.[52] A medida de cada sanção será então fixada por referência à natureza e gravidade objetiva da atuação fundamento da qualificação e do seu concreto contributo para a criação ou agravamento da situação de insolvência, no que se considera o âmbito de proteção da norma concretamente violada, e a intensidade do juízo de censurabilidade que em concreto possa ser dirigido ao afetado, para além da culpa grave legalmente presumida que fundamenta a qualificação.
No caso a natureza culposa da insolvência resulta da liquidação extra-judicial dos ativos da insolvente através da venda, em novembro de 2020, da totalidade dos direitos e bens da insolvente, correspondentes a carteira de clientes, marca, licenças de software e licença da Federação Portuguesa de Padel, e a bens amovíveis correspondentes a equipamento adequado à atividade desportiva Padel e serviços complementares explorada pela insolvente, a saber, campos de padel, sistemas de aquecimento e de vigilância, 2 computadores e 3 televisores, bancadas, máquinas de lavar e outro equipamento e mobiliário de cozinha, cadeiras, mesas, poltronas e bancadas para espetadores.
Em benefício dos recorridos – mas sem que consubstancie circunstância desqualificadora da ilicitude do ato fundamento da insolvência culposa -, releva o facto de a venda ter permitido reativar a atividade desenvolvida pela insolvente e, com ela, pelo menos parte dos postos de trabalho criados pela insolvente (cfr. facto 32), bem como a ausência de reclamação de créditos laborais, circunstância que legitima presumir que os mesmos foram satisfeitos antes da declaração da insolvência (considerando que o acionamento do Fundo de Garantia Salarial pressupõe a apresentação de reclamação de créditos no âmbito da insolvência). Este circunstancialismo permite presumir que a decisão dos recorrentes venderem os bens da devedora e, dessa forma, procederem à sua liquidação à margem do procedimento e controlo legais para o efeito previstos, não terá sido motivada por uma intenção/vontade direta de prejudicar os seus credores (elemento típico do crime de insolvência dolosa, mas que não integra os pressupostos da insolvência culposa), mas sim de evitarem o ‘desperdício’ do investimento realizado no imóvel, o equipamento nele instalado (designadamente, os campos de padel que, para além das estruturas amovíveis de alumínio e vidro, são compostos por relva e areia), e dos postos de trabalho criados, realçando-se que, contrariamente às suspeitas suscitadas nas instâncias realizadas em audiência de julgamento, a circunstância de os recorrentes, a  D. e outra terem avalisado pessoalmente créditos bancários contraídos pela insolvente reclamados nos autos pelo montante total de cerca de €345.000,00, não permite sequer equacionar um qualquer conluio fraudulento dos recorrentes e dos detentores da adquirente no sentido de imputar todo o passivo gerado pelo investimento inicial da atividade à insolvente  e ‘transferir’ de facto a sua exploração para outra sociedade.
Neste concreto circunstancialismo afigura-se-nos que, não tendo sido apurado o valor de mercado dos bens objeto de venda, a gravidade do ilícito concentra-se na violação da proibição legal de proceder à liquidação dos ativos da insolvente à margem do procedimento legal, universal e concursal, legalmente imposto para o efeito, que impediu a apreensão daqueles bens para a massa insolvente e a conversão do seu valor de mercado em dinheiro para distribuição rateada pelos credores da insolvente. Acresce o desconhecimento do destino dado à parte do preço recebido, de €4.000,00, ainda que não custe admitir que o mesmo tenha sido utilizado para pagamento de dividas da insolvente, conforme alegado pelos recorrentes, realçando-se o facto de a Autoridade Tributária e o Instituto da Segurança Social não terem reclamado créditos.
Tudo ponderado afigura-se-nos que ao caso mais se adequa fixar em 30 meses cada uma das medidas de inibição previstas pelas als. b) e c) do nº 2 do art.º 189º, com consequente alteração da decisão recorrida nesta parte.
3. A fixação da indemnização imposta pela al. e) foi e permanece objeto de acesa discussão doutrinária e jurisprudencial desde a sua introdução pela Lei nº 16/2012 de 20.04, pelas várias interpretações dos pressupostos e âmbito da condenação na indemnização ali prevista, dissenso que as alterações introduzidas pela Lei nº 9/2022 de 11.01 não auguram sanar ainda que, em função da interpretação que fazemos da anterior redação, tendam para esse resultado.
Relativamente à alteração introduzida à redação da al. e) – para passar a constar “Condenar as pessoas afetadas a indemnizarem (…) até ao montante dos créditos não satisfeitos” onde constava “Condenar as pessoas afetadas a indemnizarem (…) no montante dos créditos não satisfeitos” – somos de entender que a Lei nº 9/2022 é de natureza interpretativa, por reclamada pela discussão gerada com a incompatibilidade da literalidade da sua anterior redação com as especificações previstas pelo nº 4 – “Ao aplicar o disposto na alínea e) do n.º 2, o juiz deve fixar o valor das indemnizações devidas ou, caso tal não seja possível em virtude de o tribunal não dispor dos elementos necessários para calcular o montante dos prejuízos sofridos, os critérios a utilizar para a sua quantificação, a efetuar em liquidação de sentença.” –, e no sentido de consagrar a fórmula e solução legal que em 2012 foi ab initio pretendida prever para a responsabilização insolvencial, enquanto modalidade específica da responsabilidade civil que, como tal, não prescinde da verificação dos respetivos pressupostos legais gerais. Com efeito, sendo o nº 4 uma especificação dos termos da aplicação do efeito previsto pela al. e) do nº 2, em nome da coerência e consistência paradigmática da terminologia do sistema jurídico como um todo e, em particular, dos institutos jurídicos de natureza eminentemente civil, essencial à sua teorização e compreensão geral e abstrata, a construção das referidas normas por recurso aos vocábulos e segmentos ‘indemnizarem’, ‘valor das indemnizações devidas’, ‘calcular o montante dos prejuízos sofridos’, e ‘critérios para a sua quantificação’, não permite imputar ao legislador de 2012 mais do que a intenção de consagrar a responsabilização do afetado pela insolvência de acordo com os pressupostos gerais da responsabilidade civil, de natureza ressarcitória, ainda que limitada pelo montante máximo dos créditos não satisfeitos por respeito processual ao objeto e funcionalidades práticas do processo de insolvência [53], mas com o aproveitamento, em benefício dos credores, da qualificação e declaração judicial da natureza ilícita e culposa das condutas dos afetados pela qualificação operada em sede de processo de insolvência e da facilitação, por essa via, da imputação dos danos.[54] Da imposição da fixação do concreto valor das indemnizações devidas ou (em alternativa à dita fixação por ausência de elementos necessários para a respetiva quantificação) de fixação/indicação dos critérios a utilizar para o efeito, resulta que o legislador não previu uma responsabilização civil genérica e/ou universal, no sentido de, por força única e exclusivamente da qualificação da insolvência, abranger a totalidade dos créditos sobre a insolvência não satisfeitos pelas forças da massa da devedora, pois que se essa fosse a intenção do legislador bastaria remeter para a lista de créditos reconhecidos e/ou verificados. Interpretação que a nosso ver é reforçada pelo teor do considerando 40 do diploma preambular do Dec. Lei nº 53/2004 de 18.03 que aprovou o CIRE, dedicado à novidade do incidente de qualificação da insolvência e que, nesta matéria – responsabilidade civil - se demarcou e abandonou a responsabilização nos termos previstos pelos arts. 126º-A e 126º-B do CPEREF por considerar que “a responsabilização solidária dos administradores (com pressupostos fluidos e incorrectamente explicitados) e a possibilidade de declaração da sua falência conjuntamente com a do devedor - não se afiguram tecnicamente correctos nem idóneos para o fim a que se destinam. Previa o art.º 126º-A, nº 1 do CPEREF que “No caso de falência de sociedade ou de pessoa colectiva, se para a situação de insolvência tiverem contribuído, de modo significativo, quaisquer actos praticados ao longo dos dois últimos anos anteriores à sentença por gerentes, administradores ou directores, ou por pessoas que simplesmente as tenham gerido, administrado ou dirigido de facto, o tribunal deve (…), declarar a responsabilidade solidária e ilimitada das referidas pessoas pelas dívidas da falida e condená-las no pagamento do respectivo passivo. (…).”No art.º 126º-B, nº 1 previa-se que “No caso de responsabilidade civil dos fundadores, gerentes, administradores ou directores, nos termos do Código das Sociedades Comerciais, ou no caso de responsabilidade solidária decorrente do disposto no artigo anterior, pode o tribunal, a todo o tempo, e sem prejuízo do regular andamento do processo contra o devedor, uma vez verificados os pressupostos da responsabilidade, fixar prazo para os responsáveis satisfazerem o passivo conhecido da sociedade ou pessoa colectiva, a descoberto, à data da declaração da falência, ou apenas o montante do dano por eles causado, se for considerado inferior.
Somos assim de entender que a responsabilização civil dos afetados pela qualificação, e como se nos afigura não poder deixar de ser no contexto dos princípios que informam o sistema jurídico privado do nosso ordenamento jurídico, exige a verificação dos pressupostos gerais do instituto da responsabilidade civil. Ora, o exercício de qualquer pretensão indemnizatória depende da verificação dos fundamentos legalmente exigidos para fazer de alguém um responsável em sentido jurídico - não se tratando de responsabilidade objetiva ou pelo risco[55], nos termos gerais da responsabilidade civil previstos pelo art.º 483º do Código Civil, sempre que os danos sofridos em concreto pelo lesado constituam consequência adequada de um facto voluntário, ilícito e subjetivamente imputável ao lesante a título de culpa[56], residindo a causa da deslocação do dano da esfera jurídica do prejudicado para o lesante justamente num juízo de censurabilidade que, para além da natureza essencialmente reparadora, atribui natureza sancionatória ao instituto da responsabilidade civil por ilícitos. Como salienta Henrique Sousa Antunes[57], “Dada a exigência constitucional de proporcionalidade (artigo 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa – CRP), não é admissível aceitar uma presunção inilidível de causalidade no juízo de responsabilidade pela insolvência culposa. No nosso sistema jurídico, mesmo quando a relevância do risco sugere a previsão de uma responsabilidade civil objetiva, ao agente é sempre permitido demonstrar que o dano é alheio ao seu comportamento. A ausência de contribuição para o dano descaracteriza a responsabilidade civil e priva de legitimidade o dever de indemnizar. Nas palavras de Carneiro da Frada[58], “perante uma situação de insolvência, o dano susceptível de ser ressarcido pelos administradores varia em função do concreto comportamento que o causou e de quem se apresenta atingido. Assim, quanto aos credores, a causação da insolvência conduz à indemnização daquela porção dos seus créditos que não foi satisfeita, mas que o teria sido se a administração tivesse sido diligente e a insolvência não sobreviesse. Mutatis mutandis, quanto ao agravamento da insolvência.
Dito isto, e dispensando agora a enunciação das posições e fundamentos em confronto no âmbito da vigência da redação inicial da al. e), adere-se in totum à leitura que Catarina Serra extrai da sua alteração que, pela clareza da exposição e no que aqui releva, se transcreve: “Resulta agora, inequivocamente, do articulado que o montante dos créditos não satisfeitos é só o montante máximo da indemnização (…). O montante dos créditos não satisfeitos deixa de poder ser utilizado como ponto de partida ou como padrão para o cálculo da indemnização e o (…) critério, disponibilizado no art.º 189º, nº 4, passa a ser o montante dos prejuízos sofridos. Ao montante dos créditos não satisfeitos resta imputar uma única função: a de limitar o montante da indemnização (…). Com isto o regime da responsabilidade por insolvência culposa perde grande parte da sua dimensão punitiva ou sancionatória[59] e (re)aproxima-se do regime geral da responsabilidade civil, com um desvio, atendendo à fixação de um (do tal) máximo. Traduz-se isto, em suma, na máxima de que devem ser indemnizados (só) os danos (cfr. art.º 483º do CC) mas não necessariamente todos os danos.(…) O factor que pode e deve ser considerado e tem efeitos sensíveis na modelação do valor da indemnização, imprimindo-lhe proporcionalidade, é um único: a contribuição causal de cada sujeito para a ocorrência dos danos/a medida da participação efectiva de cada um. (…). A qualificação da insolvência como culposa pressupõe sempre a causalidade (provada ou presumida) entre a conduta e a criação ou o agravamento da insolvência (a “causalidade fundamentadora” da responsabilidade civil), mas esta não basta para responsabilizar os sujeitos afectados; deve ainda verificar-se a causalidade entre a conduta e os danos (a “causalidade preenchedora” da responsabilidade civil). (…) é preciso apurar a diferença entre a situação que existe e a situação que existiria se a conduta ilícita não tivesse tido lugar – apurar, mais precisamente, o dano diferencial. (…). Cumpre ao juiz discriminar, sobretudo, entre as condutas criadoras e as condutas agravadoras da situação de insolvência. Na prática, o dano causado pelas primeiras é susceptível de se aproximar do montante dos créditos não satisfeitos. Relativamente ao dano causado pelas segundas, esta proximidade nunca se verifica.[60]
Entendimento que corresponde e se surpreende nos fundamentos do acórdão da Relação do Porto de 13.04.2021 (proc. nº 252/20.0T8AMT-A.P1), conforme ao acórdão da mesma Relação de 29.06.2017 (proc. 2603/15.0T8STS-A.P1): “A indemnização a suportar ao abrigo do nº 2, al. e) e do nº 4 do art.º 189º do CIRE deve assim aproximar-se do montante dos danos causados pelo comportamento do afetado que conduziu à qualificação da insolvência. Se, por exemplo, a qualificação da insolvência decorre de um comportamento que se traduziu na destruição ou dissipação de todo ou parte considerável do património do devedor, a indemnização deve ascender ao valor do património destruído ou dissipado que se não fosse esse comportamento iria responder pela satisfação dos créditos. É por isso que as normas em apreço estabelecem que o juiz deve fixar o valor das indemnizações devidas e se isso não for possível deve fixar, ao menos, os critérios que permitirão liquidar o seu valor, o que não seria necessário se a indemnização devesse corresponder apenas à diferença entre o valor dos créditos e o pagamento a ser obtido na distribuição do produto da liquidação do ativo. Já no âmbito da nova redação da al. e), acórdão da Relação do Porto de 21.04.2022 (proc. nº 3 668/18.8T8STS-B.P1). Embora invoque o princípio da proporcionalidade e o critério da equidade, surpreendem-se também na sua fundamentação os seguintes segmentos: “Segundo esse critério, a indemnização deve corresponder ao montante dos danos causados pelo comportamento do afectado que conduziu à qualificação da insolvência. Se, por exemplo, a qualificação da insolvência decorre de um comportamento que se traduziu na destruição ou dissipação de todo ou parte considerável do património do devedor, a indemnização deve ascender ao valor do património destruído ou dissipado que se não fosse esse comportamento iria responder pela satisfação dos créditos. É por isso que as normas em apreço estabelecem que o juiz deve fixar o valor das indemnizações devidas e, se isso não for possível, fixar, ao menos, os critérios que permitirão liquidar o seu valor, o que não seria minimamente necessário se a indemnização devesse corresponder apenas à diferença entre o valor dos créditos e o pagamento a ser obtido na distribuição do produto da liquidação do activo.”
De resto, ainda que por apelo a princípios de proporcionalidade ou de proibição de excessos, já na vigência da redação inicial da al. e) a jurisprudência maioritária rejeitava a condenação ‘automática’ dos afetados pelo montante dos créditos não satisfeitos, pugnando pela fixação da indemnização após prévia apreciação e por referência, no essencial, à conduta da pessoa afetada, ainda que na perspetiva do seu contributo para a criação ou agravamento da insolvência, que será o mesmo que dizer, por referência ao perigo abstrato tutelado pela norma fundamento da qualificação da insolvência preenchida pela conduta do afetado[61].
Revertendo ao caso, surpreende-se aqui a coincidência - já acima enunciada - entre a causa fundamentadora da responsabilidade e a causa ‘preenchedora’ dessa responsabilidade ou, dito de outra forma, entre o perigo de dano (presumido pela norma fundamento da qualificação) e o dano concretamente causado – entre o agravamento da situação patrimonial emergente da supressão da garantia patrimonial dos créditos da insolvente pela venda dos seus bens e e, como efeito desta venda, a indisponibilidade do seu produto para, no âmbito do processo de insolvência, dar satisfação aos créditos que por ele seriam pagos de acordo com a graduação legal dos reconhecidos.
Concedendo que a afetação pela qualificação da insolvência contém em si mesma a verificação da ilicitude do facto fundamento da qualificação, bem como do juízo de censurabilidade que pelo mesmo é passível de ser dirigido ao afetado, o nexo de causalidade entre a concreta atuação que determinou e/ou fundamentou a qualificação da insolvência como culposa e o prejuízo sofrido pelos credores da insolvência resulta assim verificado na medida do valor dos direitos e bens objeto daquela venda que, por ser desconhecido nos autos, se impõe relegar para liquidação em execução de sentença, confirmando-se nesta parte o critério e resultado adotados pela decisão recorrida.

VII - Decisão
Por todo o exposto, acordam as juízas que integram a 1ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em julgar a apelação parcialmente procedente e, consequentemente, em alterar e fixar em 30 meses a duração das medidas de inibição decretada na al. c) da decisão recorrida que, no demais, se mantém.

Custas do recurso na proporção do decaimento dos recorrentes e da recorrida, que se fixa na proporção de 90% para os primeiros e 10% para a segunda, considerando que aqueles ficaram vencidos naquela que era a sua principal pretensão recursiva, de qualificação da insolvência como fortuita (cfr. art.º 527º, nº 1 e 2 do CPC).

Lisboa, 13.09.2024
Amélia Sofia Rebelo
Paula Cardoso
Teresa de Jesus Henriques
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[1] Diploma a que pertencem todas as normas citadas sem outra indicação.
[2] Nomeada por despacho de 14.10.2022 (proferido no incidente de qualificação da insolvência) em substituição do AI inicialmente nomeado, que foi destituído por falta injustificada de apresentação do parecer de qualificação da insolvência e de resposta às notificações que para o efeito lhe foram dirigidas.
[3] Conforme posição adotada nesta matéria pelo STJ - entre outros, vd. acórdão do STJ de 30.11.2013.
[4] Consigna-se que, por inútil, não se procede aqui à integral transcrição do teor deste ponto das conclusões por corresponder a transcrição de segmento da motivação da decisão de facto impugnada.
[5] Consigna-se que, por inútil, não se procede aqui à integral transcrição do teor deste ponto das conclusões (que se estende por quase duas páginas) por corresponder a transcrição de parte da fundamentação da sentença.
[6] Idem nota 6.
[7] Idem nota 5
[8] J. Castro Mendes e M. Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Vol. II, AAFDL 2020, p. 133.
[9] É este o valor que consta inscrito na lista provisória de créditos que a decisão identifica como fonte deste facto, pelo que a cifra de 210 676 EUR referida na sentença corresponde a manifesto lapso de escrita.
[10] Da decisão recorrida este valor consta incorretamente descrito como ativo intangível.
[11]  Entre outros, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, Coimbra Editora 1987, em anotação ao art.º 625º, p. 356 e ss., Ana Luísa Geraldes, Impugnação e reapreciação da matéria de facto, em Estudos em Homenagem ao Professor Lebre de Freitas, Vol. I, 2012, e acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20.02.2019, proc. nº 4603/16.3TBCBR.C1, disponível em www.dgsi.
[12] Mais se anota que, conforme consta da motivação da decisão de facto (“Não foi possível apurar a razão da impossibilidade de fazer frente ao pagamento das rendas, dado que os Requeridos não foram capazes de aportar uma justificação clara.”), os recorrentes foram confrontados com os valores inscritos a título de receitas e subsídios e com a garantia bancária e, por referência às mesmas, instados a justificar a razão do não pagamento das rendas devidas pelas instalações, olvidando-se na equação que a insolvente suportava outros encargos de exploração da atividade (vg. remunerações dos funcionários, impostos, contribuições sociais, energia, etc) e que o montante da garantia bancária correspondia a apenas 9 meses de renda, sendo que a obrigação de pagamento de renda a cargo da insolvente vigorou durante pelo menos 20 meses (desde fevereiro de 2019 até pelo menos setembro de 2020). Foram igualmente confrontados com a afirmação de que a venda que celebraram se tratou de um trespasse (de estabelecimento comercial), olvidando-se que, por força da resolução do contrato de arrendamento operado pela locadora para produzir efeitos em setembro de 2020, à data da venda a insolvente já não detinha qualquer direito sobre o imóvel onde exerceu/explorou a sua atividade/negócio.
[13] Lei nº 4-C/2020 de 06.04.2020, em particular os artigos 7º a 10º, sucessivamente alterados pelas Leis nº17/2020 de 29.05.2020 e 45/2020 de 20.08, aplicáveis às rendas vencidas a partir do dia 01.04.2020 (art.º 14º, nº 1).
[14] O tribunal a quo pretenderia referir E..
[15] Em audiência E. declarou expressamente que “Como investidor [na insolvente] já não estava disponível, mas estava interessado no que estava lá dentro [nas instalações].”
[16] Declararam que a alternativa à venda que foi realizada era de ‘zero’ para a insolvente e para os credores na medida em que com a resolução do arrendamento as instalações retornavam para a locadora e, com elas, todas as obras que nela foram realizadas que - para além do saldo em depósito de cerca de €118k, consumido na sua quase totalidade pelo acionamento da garantia bancária de cerca de €104k associada ao contrato de arrendamento - correspondiam à totalidade do ativo inscrito no valor de €361k.
[17] Vd. Luís Pires de Sousa, em Direito Probatório Material Comentado, Almedina 2020, p. 109-110. 
[18] Só por lapso foi aqui referido o facto nº 21 quando se pretenderia referir o ponto 30 posto que é neste que consta referido o contrato de compra e venda dos bens da insolvente, descrevendo-se naquele apenas a data e nº da apresentação do pedido de registo da constituição da sociedade compradora dos bens e da designação dos seus membros sociais.
[19] Declarou que antes da pandemia (Covid 19) a atividade suscitou o interesse de alguns em investir no negócio, designadamente de clientes do clube, como E., mas, em 2020, perante a insegurança gerada pelo risco de encerramentos determinados pela pandemia e a informação que partilhou sobre o estado da insolvente, só aquele manteve interesse, já não em investir na insolvente – face às dívidas que tinha -, mas em adquirir o que detinha nas instalações, designadamente, os campos de padel, para a sua exploração no mesmo local, para o que a locadora aceitou negociar com eles depois de esta ter vedado o acesso às instalações e ter cortado negociações com a insolvente, conforme foi declarado por estas testemunhas.
[20] Nesse sentido, acórdão da RC de 08.04.2014, proc. nº 4135/12.9TBLRA-C.C1: No processo de insolvência, e não obstante a acuidade acrescida do inquisitório, relevam ainda, primordialmente, em sede de alegação e prova, os princípios do dispositivo e da autorresponsabilidade dos interessados.(disponível na página da dgsi).
[21] Nuno Lemos Jorge, “Os Poderes Instrutórios do Juiz: Alguns Problemas”, Revista Julgar, nº 3, p. 70. Nesse mesmo sentido, acórdão da RG de 20.03.2018 (proc. nº 14/15.6T8VRL-C.G1) - [a] investigação oficiosa não deve ser exercida com a finalidade da parte poder contornar a preclusão processual decorrente da sua inércia. – e da RL de 04.06.2020 (proc. nº 9854/18.3T8SNT-A.L1-2) – IV - “[A] responsabilidade probatória do juiz” tem “uma natureza meramente complementar ou acessória” e a respectiva “actividade não pode ter lugar com prejuízo para o sistema de ónus e preclusões previstos no código.”
[22] Vd. Manuel Carneiro da Frada, A responsabilidade dos administradores na insolvência, ROA, Ano 66, Set. 2006.
[23] Nesse sentido, entre outros, ac. STJ de 15.02.2018, proc. nº 7353/15.4T8VNG-A.P1.S1, e ac. da RP de 21.02.2019, proc. n.º 1733/15.2T8STS-B.P1.
[24] Sobre a conexão entre as causas de qualificação da insolvência previstas pelas als. h) e i) do nº 2 e al. b) do nº 3 do art.º 186º e a (potencial) criação ou agravamento da situação de insolvência, vd. Soveral Martins, Administração de Sociedades Anónimas e Responsabilidade dos Administradores, Almedina, p. 315-317.
[25] Nas palavras do Tribunal Constitucional, acórdão nº 570/2008 de 26.11.2008, “Na verdade, o que o legislador faz corresponder à prova da ocorrência de determinados factos não é a ilação de que um outro facto (fenómeno ou acontecimento da realidade empírico-sensível) ocorreu, mas a valoração normativa da conduta que esses factos integram. Neste sentido, mais do que perante presunções inilidíveis, estaríamos perante a enunciação legal (não importa aqui averiguar se mediante enunciação taxativa ou concretizações exemplificativas) de situações típicas de insolvência culposa.//(…).// Ora, o estabelecimento da presunção em análise tem a vanta­gem de evitar a subjectividade inerente a um juízo de censura ético-jurídico, ao mesmo tempo que supera as dificuldades de apuramento de todo o circunstancialismo que envolveu a situação de insolvência. São objectivos perfeitamente legítimos, alicerçados não só em razões de segurança jurídica, mas também de justiça material, que justificam uma limitação ao âmbito de apreciação e, consequentemente, ao objecto de prova, mediante a imposição normativa (ex vi legis) de uma conclusão jurídica, perante a verificação de certos factos que o interessado pode discutir nos termos gerais.”
[26] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Iuris, Vol. II, p. 15.
[27] Carina Magalhães, Incidente de Qualificação da Insolvência. Uma Visão Geral, em Estudos de Direito da Insolvência, Coord. Maria do Rosário Epifânio, Almedina, 2015, p. 121.
[28] A este respeito Carneiro da Frada justifica que “a inadmissibilidade dessa prova não é todavia (em geral) excessiva, enquanto puder justificar-se como forma enérgica de dissuadir insolvências e estão com elas intimamente ligadas. É isso que justifica a declaração da insolvência como culposa sem necessidade de mostrar a ligação entre a conduta censurada e a concreta insolvência ocorrida (vedando a prova em contrário ou aceitando que a superveniência de elementos fortuitos que codeterminaram a insolvência não exclui essa insolvência culposa.” (texto cit.)
[29] Texto citado.
[30] Incumprimento substancial da obrigação de manter contabilidade organizada, manutenção de dupla contabilidade ou fictícia, e prática de irregularidade com prejuízo para a compreensão da situação patrimonial e financeira da insolvente
[31] Estabelece que Os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo.
[32] Relatado por Isabel Fonseca no proc. nº 14604/18.1T8LSB-A.L2 e subscrito como adjunta pela relatora, não publicado, e confirmado por acórdão do STJ de 17.01.2023.
[33] Relatado pela aqui relatora.
[34] Em sentido divergente, acórdão da RC de 28.05.2013 (proc. nº 102/12.0TBFAG-B.C1), acórdão da RG de 01.10.2013 (proc. 2127/12.7TBGMR-D.G1) e acórdão da RG de 01.06.2017 (proc. nº 280/14.4TBPVL-E.G1), qualificando como ação de ocultação a alteração da situação jurídica do bem (como por exemplo, a venda do bem a terceiro) ou a celebração de ato negocial simulado.
[35] O art.º 227º, nº 1 mais prevê nos seguintes termos:
1 - O devedor que com intenção de prejudicar os credores:
a) (…);
b) Diminuir ficticiamente o seu ativo, dissimulando coisas ou animais, invocando dívidas supostas, reconhecendo créditos fictícios, incitando terceiros a apresentá-los, ou simulando, por qualquer outra forma, uma situação patrimonial inferior à realidade, nomeadamente por meio de contabilidade inexata, falso balanço, destruição ou ocultação de documentos contabilísticos ou não organizando a contabilidade apesar de devida;
c) Criar ou agravar artificialmente prejuízos ou reduzir lucros; ou
d) Para retardar falência, comprar mercadorias a crédito, com o fim de as vender ou utilizar em pagamento por preço sensivelmente inferior ao corrente;
é punido (…).
[36] Interpretação que sintetizou nestes termos: “Em suma, pese embora se conheça o paradeiro físicos dos bens, os quais, em bom rigor, nunca deixaram se estar localizados nas instalações do «ABC Indoor Padel», o certo é que, com a celebração do contrato com a Quarenta Zero, no dia 06.11.2020 (e, por isso, dentro da fasquia temporal dos 3 anos prévios à declaração de insolvência, ocorrida, nestes autos, em 18.11.2021), A., B. e C. procederam à ocultação (entendida como descaminho), se não de todo, de uma parte muito considerável do património da A…, Ldª, tornando-a uma casca vazia, dado que a sociedade Insolvente já não podia prosseguir atividade.”
[37] Consultado o citado acórdão do TC constata-se que a única referência à al. a) do nº 2 do art.º 186º do CIRE que dele consta é para consignar a interpretação acolhida pelo tribunal recorrido como ponto de partida da apreciação solicitada ao TC, que tinha como objeto a questão da (in)constitucionalidade do nº2 do art.186º restrita à previsão da presunção de culpa inilidível, e não especificamente sobre o sentido ou âmbito das ações previstas nas als. a) ou d) desta norma.
[38] Rui Estrela de Oliveira, Julgar nº 11, 2010, p. 208.
[39] Por força do princípio da celeridade e do disposto no art.º 169º, al. a) do CIRE tem-se por inadmissível o retardamento voluntário e pelo período de 5 anos da obtenção do produto da massa insolvente e da sua distribuição pelos credores e, consequentemente, o prolongamento da pendência do processo de insolvência única e exclusivamente para conceder facilidade de pagamento a um interessado na aquisição, sendo por princípio de admitir que menos dinheiro em menos tempo corresponde a maior valor no âmbito da liquidação insolvencial (para célere restabelecimento de tesourarias através do restabelecimento, ainda que parcial, de fluxos financeiros paralisados pela insolvência).
[40] Administração de Sociedades Anónimas e Responsabilidade dos Administradores”, Almedina, p. 300, 302 e 306; subl. nosso.
[41] Para este efeito – presunção inilidível de conhecimento de situação de insolvência – não releva o critério de insolvência especificamente previsto pelo nº 2 do art.º 3º para as pessoas coletivas, de passivo manifestamente superior ao ativo, designado critério do balanço. Nesse sentido, Soveral Martins, ob. cit. p. 307. 
[42] Com a alteração totalmente inovatória introduzida pela Lei n.º 4-A/2020 e atribuição de efeitos retroativos pelo respetivo art.º 6º, nº 2. Com as alterações introduzidas pela Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio aquela suspensão passou a constar da al. a) do n.º 6 do art.º 6.º-A da referida Lei n.º 1-A/2020, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 4-B/2021 de 01.02, da alínea a) do n.º 6 do art.º 6.º-b, e com as alterações introduzidas pela Lei nº 13-B/2021 de 05.04, da al. a) do nº 7 do art.º 6º-E, que se mantém em vigor até à presente data.
[43] Os Deveres dos Administradores na Crise provocada pelos efeitos da pandemia Covid-19 e a Suspensão do Dever de Apresentação à Insolvência, p. 272 e s. e 275 e s., disponível em https://portal.oa.pt/media/133312/maria-de-fatima-ribeiro.pdf
[44] Vd. Alexandre Soveral Martins, Direito da Insolvência em Tempos de Pandemia, conferência on line, 04.05.2020, Organização conjunta dos Conselhos Regionais da Ordem dos Advogados de Lisboa, Coimbra, Évora, Faro e Açores, disponível em
https://crlisboa.org/docs/publicacoes/on-line/insolvencia-tempos-pandemia.pdf
[45] Disponível em
https://observatorio.almedina.net/index.php/2020/06/01/covid-19-iv-o-regime-provisorio-de-recuperacao-de-empresas-depois-do-artigo-6-o-a-da-lei-n-o-1-a-2020-suspensao-de-prazos-e-de-actos-executivos-relativos-ao-processo-de-insolvencia/
[46] Tais como demolição de paredes (em audiência foi referido que o imóvel locado correspondia a 3 ou 4 pavilhões autónomos que, por efeito das obras realizadas a mando e cargo da insolvente, foram transformados para dar lugar às suas instalações – clube de padel), aplicação de pavimentos e revestimento de paredes, construção de parede, divisórias, portas e teto falso, pintura de tetos e paredes, execução de cabines e aplicação de material nos balneários.
[47] Coutinho de Abreu, “Responsabilidade civil dos administradores”, apud Ricardo Costa, “Os administradores de facto das sociedades comerciais”, Coimbra, 2012, p. 781, disponível em
https://estudogeral.uc.pt/bitstream/10316/24344/4/OS%20ADMINISTRADORES%20DE%20FACTO%20DAS%20SOCIEDADES%20COMERCIAIS.pdf
[48] Publicado no Diário da República n.º 115/2015, Série II de 2015.06.16.
[49] Ob. cit., p. 781.
[50] Com as alterações introduzidas ao teor dos nº 2, al. e) e  nº 4 pela Lei nº 9/2022 de 11.01.
[51] Vd. Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência”, Almedina, 7ª ed., pág. 159.
[52] Acórdão do Tribunal Constitucional nº 280/2015 de 20.05, apud Catarina Serra, O incidente de Qualificação da Insolvência depois da Lei nº 9/2022, em Revista Julgar nº 48, 2022, p. 25.
[53] Que, de resto, bem se compreende, para obviar à tentação de os credores transformarem o incidente de qualificação em ações de responsabilização societária nos termos do art.º 78º do CSC que, além do mais, obliterava a exclusiva legitimidade que para o efeito e na pendência do processo o art.º 82º, nº 3, al. b) do CIRE atribui ao administrador da insolvência.
[54] Sem prejuízo de concordarmos com as sínteses expostas sob as conclusões, 1., 2. e 3., divergimos da qualificação desta responsabilidade defendida por Henrique Sousa Antunes como marcadamente punitiva, e da restrição das especificações previstas pelo nº 4 ao plano das relações internas no caso de pluralidade de afetados para sustentar e manter que o montante dos créditos não satisfeitos é a medida da obrigação de indemnizar prevista pelo nº 2  (“Natureza e funções da responsabilidade civil por insolvência culposa”, em V Congresso de Direito da Insolvência, Coordenação Catarina Serra, Almedina 2019, p. 135 e ss.).
[55] Que não encontra fundamento legitimador no exercício da administração de patrimónios ou de empresas sendo que, se assim fosse, bastaria a mera declaração da insolvência para a desencadear independentemente da sua natureza culposa, ou seja, independentemente da prática de facto ilícito e culposo.
[56] Maria do Rosário Epifânio (O incidente de qualificação da insolvência, em Estudos e Homenagem ao Professor Saldanha Sanches, Coimbra Editora, 2011, vol. II, p. 579 a 603) também enquadra a responsabilidade civil prevista pela al. e) do nº 2 do art.º 189º do CIRE na responsabilidade aquiliana prevista pelo art.º 483º do Código Civil mas, diferentemente do entendimento que perfilhamos, imputa a este efeito natureza punitiva e faz coincidir o dano com o montante dos créditos não satisfeitos o que, a nosso ver, pressupõe a consideração de um outro conceito de causalidade, distinto do nexo de causalidade adequada integrante da responsabilidade civil prevista pelo art.º 483º do Código Civil, que se situa na relação, essencial à constituição da obrigação de indemnizar, entre o facto ilícito e culposo qualificador da insolvência e o dano dos credores.
[57] Texto cit., p. 142.
[58] Texto citado.
[59] Função que é cumprida pelos efeitos previstos pelas als. b) a d).
[60] Ob. cit., p. 26 a 31.
[61] Nesse sentido, acórdãos da RL de 27.04.2021, proc. nº 540/19.8T8VFX-C.L1, do STJ de 22.06.2021 (proc. 439/15.78OLH-J.E1.S1), de 06.09.2022 (proc. 291/18.0T8PRG-C.G2.S1)