VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
REPARAÇÃO OFICIOSA DA VÍTIMA
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
Sumário

I - Dado o carácter subsidiário da reparação oficiosa da vítima, se esta deduzir pedido de indemnização a reparação é feita no âmbito do pedido formulado, cessando a aplicação do disposto no artigo 82º-A do C. P. Penal.
II - Tendo a indemnização arbitrada nos termos do disposto no artigo 21º, nºs 1 e 2, da Lei nº 112/2009, de 16/09, o caráter de instituto subsidiário do pedido de indemnização civil formulado pelo lesado, conforme decorre do nº 1, não é admissível o arbitramento cumulativo de indemnizações, no âmbito de um e outro instituto, como resulta do preceituado no nº 3 do artigo 82º-A do C. P. Penal.

Texto Integral



Acordam, em conferência, na Secção Criminal (2.ª Subsecção) do Tribunal da Relação de Évora:


1. RELATÓRIO

1.1. Neste processo comum n.º 21/20.7GASSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo de Competência Genérica de Sesimbra – Juiz 2, foi submetido a julgamento, com intervenção do Tribunal Singular – tendo o Ministério Público usado da faculdade prevista no artigo 16º, n.º 2, do CPP –, o arguido L, nascido a (…..), melhor identificado nos autos, acusado da prática, em autoria material e em concurso efetivo, de quatro crimes de violência doméstica, sendo um deles p. e p. pelo artigo 152º, n.ºs 1, al. b), 2, 4 e 5, do Código Penal e três p. e p. pelo artigo 152º, n.ºs 1, al. d), 2, 4 e 5, do Código Penal.
1.2. A ofendida F constituiu-se assistente e deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido/demandado, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de €10.000,00 (dez mil euros), por danos não patrimoniais, acrescida de juros legais até efetivo e integral pagamento.
1.3. Deduziram também pedido de indemnização civil contra o arguido/demandado, os ofendidos A, R e D (este último menor, representado por sua mãe F), pedindo a condenação do demandado no pagamento, a cada um dos demandantes, da quantia de €5.000,00 (cinco mil euros), por danos não patrimoniais, acrescida de juros legais até efetivo e integral pagamento.
1.4. Realizado o julgamento, foi proferida sentença, em 21/12/2021, com o seguinte dispositivo:
« (…) decido:
a) Condenar o arguido, L, em autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de violência doméstica, contra F, previsto e punido pelo art. 152º, nº 1 al. b-) e n.º 2 a) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão;
b) Condenar o Arguido, L, em autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de violência doméstica, contra R, previsto e punido pelo art. 152º, nº 1 al. d) e n.º 2 a) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão;
c) Condenar o arguido, L, em autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de violência doméstica, contra A, previsto e punido pelo art. 152º, nº 1 al. d-) e n.º 2 a) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de prisão;
d) Absolver o arguido da prática contra D de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art. 152º, nº 1 al. d-) e n.º 2 a) do Código Penal;
e) Que em cúmulo jurídico passa à pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses em que se condena o arguido, L;
f) Suspender a execução da referida pena, pelo período de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, ao abrigo do disposto no art.º 50.º, nº 1 e 5 do Código Penal;
g) Condicionar a suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento da indemnização de 1.500,00 euros à vítima, A; ao pagamento da indemnização de 1.200,00 euros, à vítima F; e ao pagamento da indemnização de 800,00 euros, à vítima R, a que se condena o Arguido ao abrigo do disposto no artigo 82.º A do Código de Processo Penal e artigo 5.º, n.º 1, al. a) da lei n.º 104/2009, de 14 de setembro, na sua versão atualizada pela lei n.º 121/2015, de 01.09.;
h) Condenar o Arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC´s;
i) Condenar o Demandado nos pedidos de indemnização civil no valor de 10.000,00 euros a F, 5.000,00 euros a A e 2.500,00 euros a R e nos juros moratórios, à taxa civil legal/supletiva, a contar após o transito em julgado da presente sentença;
j) Absolver o Demandante do pedido de indemnização civil deduzido por D;
l) As custas processuais quanto aos pedidos de indemnização civis de F e de A são a cargo do Demandado; quanto ao pedido de indemnização civil deduzida pela R a suportar pelas partes na proporção do decaimento e, por fim, quanto ao pedido de indemnização civil instaurado por D a suportar por este, representado pela sua mãe, F.
(...).».

1.5. Inconformado com o decidido, o arguido/demandado interpôs recurso – no qual suscitou as seguintes questões: Nulidade da sentença, por insuficiência de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto; Violação do artigo 32º da CRP, por não terem sido asseguradas ao arguido as garantias de defesa; Violação dos princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo; Impugnação da matéria de facto provada sob os pontos 7 e 26 a 31 e excessividade da pela aplicada e do valor da indemnização fixada –, tendo, nesse âmbito, este Tribunal da Relação de Évora, proferido acórdão, em 12/07/2023, decidindo, declarar a nulidade da sentença recorrida, por falta de fundamentação da decisão de facto, quanto ao exame crítico das provas, nos termos do disposto no artigo 379º, n.º 1, al. a), com referência ao artigo 372º, n.º 2, ambos do CPP, determinando-se a substituição da sentença recorrida por outra que sanasse tal nulidade.
1.6. Nessa sequência, a 1.ª instância proferiu nova sentença, em 24/01/2024 – a qual foi depositada nessa mesma data –, tendo o Tribunal a quo, visando dar cumprimento ao determinado por este Tribunal da Relação, no acórdão referenciado em 1.5., aditado alguns segmentos à motivação da decisão de facto exarada na sentença, mantendo-se, no demais, o anteriormente decidido.
1.7. Inconformado, recorreu o arguido/demandado para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação de recurso apresentada as seguintes conclusões:
«a) O ora Recorrente não se pode conformar com a douta decisão a quo proferida, que em suma decidiu condená-lo numa pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa por igual período, e numa indemnização às vítimas no valor global de €21.000,00 (vinte e um mil euros). Porquanto,
b) Consta que para a motivação da matéria de facto dada como provada “o tribunal gizou a sua convicção (…) na prova oral, por declarações de parte da assistente F, e testemunhal/demandantes R e A. A assistente e as ofendidas choraram e estavam visivelmente transtornadas, muito nervosas, tensas e com medo do arguido durante a audiência de julgamento, o que lhe conferiu credibilidade.” (sublinhado e negrito nosso).
c) Ora, nos termos do disposto no art.º 97.º do Código de Processo Penal as decisões dos Tribunais têm de ser fundamentadas de facto e de direito.
d) Esse ónus de fundamentação tem diferentes graus consoante se esteja perante uma sentença/acórdão que leve à condenação de uma pessoa, ou à sua absolvição, aqui sendo absolutamente essencial compreender a forma como o Tribunal avaliou a prova produzida daí que, a falta dessa avaliação, leve à nulidade da sentença/acórdão nos termos do disposto nos art.ºs 379.º n.º 1 al. a) do CPP por referência ao disposto no art.º 374.º n.º 2 do mesmo CPP.
e) Este princípio geral da fundamentação dos atos decisórios tem expressa consagração no artigo 205.º, n.º 1, da Lei Fundamental, que determina que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente devem ser sempre fundamentadas.
f) Este Imperativo decorre, também, do direito a um processo equitativo (artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa (CRPJ) e, ainda, de obrigações Internacionais, a que Portugal se encontra adstrito (artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem [CEDH], aplicável por força do artigo 8.º, n,º 2, CRP).
g) O respeito pelos requisitos de fundamentação não é um fim em si mesmo. Na verdade, a fundamentação serve o Ideal democrático e de Justiça, legitimando a sua obrigatoriedade perante a comunidade em geral e, sobretudo, perante quem é por si afetado.
h) Pelo que, jamais se poderá considerar como fundamento de exame crítico para condenar em pena de prisão o “choro”, “transtorno”, “nervosismo”, “tensão” e/ou o “medo”, em que assentou a convicção da primeira sentença, convenientemente substituídas por: “O estado emocional e de saúde mental descrito nos pedidos de indemnização civil, adveio dos depoimentos das lesadas, as quais, reitera-se choraram durante o julgamento, relevando este facto por si só, para a além do afirmado pelas mesmas e já atrás mencionado, os danos não patrimoniais/morais causados pela conduta do Demandado.”
i) E, no caso vertente dos autos, não tendo o tribunal indicado as provas que serviram para formar a sua convicção de factos provados, nem tendo efetuado o exame crítico de tais provas, existe insuficiente fundamentação da sentença, o que determina a sua nulidade, nos termos do art.º 379.º, n.º 1, al. a), com referência ao art.º 374.º, n.º 2, ambos do CPP.
j) Ou seja, considera-se que a decisão recorrida é nula por padecer do vício de falta de fundamentação, em clara violação do disposto nos artigos 20.º e 205.º/1 ambos da CRP, 97.º/4 e 374.º/2 ambos do CPP, e 24.º/1 da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto – Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) – na redação dada pela Lei n.º 77/2021, de 23/11.
k) E nessa medida, considera-se igualmente não terem sido asseguradas as garantias constitucionais da defesa do Recorrente, consagradas no Art.º 32.º da CRP.
l) O qual, assegura um amplo direito de defesa, consistente nos meios concretos de defesa que em cada caso se mostrem necessários, naturalmente no quadro dos princípios estabelecidos pela lei
m) Contudo, no caso vertente dos autos, não foram concretizadas datas e horas, ou períodos do dia (ou da noite), da prática dos factos, o que desde logo dificultou o exercício do contraditório à defesa e ao Recorrente, pelo que não poderiam relevar para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, como o foram.
n) Razões porque, a douta sentença a quo violou igualmente as garantias de defesa do Recorrente, ou seja, violou a norma do Art.º 32.º da CRP
o) E ao violar o direito fundamental de defesa, violou igualmente o princípio básico do Estado de Direito democrático que é o princípio da presunção de inocência / in dubio pro reo. Porquanto, a motivação da factualidade provada revela vaguidade, incerteza e obscuridade quanto às situações apontadas e imputadas ao Arguido, como preenchendo os elementos constitutivos (objetivo e subjetivo) dos crimes em causa.
p) E nessa medida, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, implica uma atividade algo subjetivante, muito embora a convicção do Tribunal tenha de assentar em critérios objetivos que forneçam credibilidade ao julgamento dos factos.
q) Logo, o Tribunal a quo em face de toda a prova/meios de prova produzidos, não poderia ter condenado o Recorrente única e exclusivamente com base em algumas declarações das ofendidas;
r) Dizemos algumas, porque é a própria sentença que refere “próprio D negou as condutas incriminatórias do seu progenitor sobre si”; a “ofendida e demandante R não confirmou, também, as agressões físicas sobre si pelo seu padrasto
s) E só porque, como se escreveu, “as ofendidas choraram e estavam visivelmente transtornadas, muito nervosas, tensas e com medo do arguido durante a audiência de julgamento, o que lhe conferiu credibilidade.” Agora substituído por “O estado emocional e de saúde mental descrito nos pedidos de indemnização civil, adveio dos depoimentos das lesadas, as quais, reitera-se choraram durante o julgamento, relevando este facto por si só, para a além do afirmado pelas mesmas e já atrás mencionado, os danos não patrimoniais/morais causados pela conduta do Demandado.”
t) Na verdade, estão em clara contradição com os próprios depoimentos dos ofendidos, que supra se transcreveram, deveriam ter sido dados como não provados, os factos provados n.º 7, 8, 18, 20, 23, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, e 36.
u) Os factos dados como provados e que fundamentaram a condenação do Recorrente não possuem sustentação probatória suficiente para o condenar nos termos exarados na sentença ora recorrida, onde é clara à vista desarmada uma clara Contradição insanável da fundamentação (factos provados e não provados e respectiva motivação) e a decisão.
v) Para além do evidente erro notório na apreciação da prova/ impugnação da matéria de facto, nos crimes pelos quais foi condenado, sem prejuízo da Nulidade de Sentença por padecer do vício de falta de fundamentação, em clara violação do disposto nos artigos 20.º e 205.º/1 ambos da CRP, 97.º/4, 374.º/2 Cfr. 379.º/1, al. a) todos do CPP, e 24.º/1 da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto – Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) – na redação dada pela Lei n.º 77/2021, de 23/11.
w) Não subsistem dúvidas ao Recorrente que, entre os vícios elencados, ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, o que esta Relação não pode suprir, por ausência de elementos, nos autos, a tanto indispensáveis, acarretando desta forma o reenvio do processo para NOVO JULGAMENTO, nos termos do artigo 426.º-A do Código de Processo Penal.
x) Sob pena de se incorrer nos mesmos vícios.
Direito
y) O princípio da livre apreciação das provas não tem carácter arbitrário, nem se circunscreve a meras impressões criadas no espírito do julgador, estando antes vinculado às regras da experiência e da lógica comum, bem como às provas que não estão subtraídas a esse juízo, sendo imprescindível que este seja motivado, estando ainda sujeito aos princípios estruturantes do processo penal, como o da legalidade das provas e “in dubio pro reo”.
z) Por outro lado, o princípio “in dubio pro reo”, como decorrência ou corolário da garantia constitucional da presunção de inocência (32.º, n.º 2,Constituição), também consagrado em tratados internacionais aos quais nos encontramos vinculados (11.º, n.º 1 da DUDH(9), art. 14.º, n.º2 do PIDCP(10), 6.º, n.º 2 da CEDH(11), 48.º, n.º 1 da CDFUE(12)), enquanto princípio probatório, por ser dirigido à apreciação dos factos objectos de um processo penal, e desdobra-se em dois vectores essenciais: O primeiro é de que o ónus probatório da imputação de factos ou condutas que integram um ilícito criminal cabe a quem acusa. O outro consiste que, em caso de dúvida razoável e insanável sobre os factos descritos na acusação ou na pronúncia, o tribunal deve decidir a favor dos arguidos.
aa) Isto significa que em caso de dúvida razoável e insanável quanto à verificação de certa factualidade tem lugar a aplicação do princípio “in dubio pro reo” e não quando se constata apenas a existência de duas versões ou relatos sobre essa mesma factualidade, tendo-se optado por uma dessas versões. Infelizmente, o Tribunal optou pela versão do J. Dâmaso que não tem assento nos factos dados por provados.
bb) Do texto da decisão recorrida, afere-se que o Tribunal a quo, com o devido respeito, não fez uma criteriosa e rigorosa apreciação da prova, pois, ao longo daquela sentença, verificam-se os vícios enunciados e convicções incompatíveis entre si. Indesculpáveis
cc) Deste modo, a sentença padece do vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal.
dd) Vício que a Relação não pode suprir, por ausência de elementos, nos autos, a tanto indispensáveis. E que acarreta o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do artigo 426.º-A do Código de Processo Penal 10°, n° 2 do C.P.P.
ee) Existe este erro de apreciação da prova que é ostensivo e resulta do texto da decisão recorrida, pelo que, aquela sentença viola o disposto o art° 410º, n.º 1, al. c) do C.P.P.
ff) De tudo o exposto resulta que deverão dar-se por não provados os factos acima elencados, sendo arguido absolvido dos crimes de quem vem acusado.
gg) Por sua vez nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 379 do C. Penal, é nula sentença pelas razões expostas
hh) Quanto à pena aplicada aos crimes de que vem acusado
ii) O julgador deve socorrer-se, em primeira linha, dos art.º 40º e 71º do C. Penal.
Desde logo, de acordo com o disposto no art.º 40º, n.º 1 e 2 do C. Penal a aplicação da pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, a qual em caso algum pode ultrapassar a medida da culpa.
jj) Com este preceito, o ordenamento penal reflecte de forma clara o princípio da culpa, segundo o qual não há pena sem culpa e a culpa decide da medida da pena, como seu limite máximo (art.s 1º, 13º, n.º 1 e 25º, n.º 1 CRP).
kk) Desta forma, a pena há-de ser determinada (dentro dos limites mínimo e máximo fixados na lei) mediante critérios legais, quais sejam, em 1º lugar, o da culpa do agente que fixa o limite máximo inultrapassável da pena, intervindo depois (ao mesmo nível) as exigências de prevenção, especial e geral (a chamada margem de liberdade) (Ac. STJ, 24/5/95, CJST J, T.II, p. 210 e Ac. RC, 17/1/96, CJ, T. I, p. 40).
ll) O limite mínimo da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, sendo a prevenção especial de socialização que a vai determinar, em último termo (cf. Ac. STJ, 24/5/95, CJSTJ, T.II, p.210).
mm) Tais critérios devem ser aplicados num acto uno, em que interagem de forma dialéctica.
nn) No juízo de culpa parte-se de uma concepção de culpa, referida ao facto, em que a personalidade do agente só releva para a culpa na medida em que se exprime no ilícito típico e o fundamenta (Ac. RC, 17/1/96, CJ, T. I, p. 40).
oo) Tal entendimento não afasta a possibilidade de o julgador se socorrer também, de factores estranhos ao facto (strictu sensu), os quais são indubitavelmente necessários à correcta determinação da medida da pena, quais sejam, entre outros, os atinentes à personalidade do agente e todos os demais que do n.º2 do art.º 71º do C. Penal constam.
pp) Porém, o juízo de culpa é sempre um juízo de desvalor sobre o agente em razão do seu comportamento num certo momento, qual seja o do cometimento do ilícito típico (Ac. RC, 17/1/96, CJ, T. I, p. 40).
qq) Ora, como é possível ao Tribunal aferir da culpa e respectivo grau de “dolo” do Recorrente para lhe fixar a sua moldura penal e a pena aplicar afere-se à data em que o Recorrente é julgado e não à data da ocorrência dos factos, atendendo à conduta anterior e a posterior ao facto.
rr) O Recorrente por não ter praticado os Factos erradamente dados como provados, haverá de ser absolvido,
Termos em que, com o mui douto suprimento de Vexas, se requer:
a) Que os Pontos 7, 8, 18, 20, 23, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35 e 36 da matéria provada que o Douto Tribunal deu como provados serem alterados e dados por não provados, devendo para tanto o Recorrente ser absolvido dos crimes pelos quais condenado, bem como do pedidos de indemnização cível deduzidos contra si.
b) Sejam reconhecidos os invocados vícios, designadamente, contradição insanável da fundamentação (factos provados e não provados e respectiva motivação) e a decisão (vício da al b) do n.º 1 do art.º 410.º do CPP; Erro notório na apreciação da prova/ impugnação da matéria de facto, nos crimes pelos quais foi condenado nulidade por padecer do vício de falta de fundamentação, em clara violação do disposto nos artigos 20.º e 205.º/1 ambos da CRP, 97.º/4, 374.º/2 Cfr. 379.º/1, al. a) todos do CPP, e 24.º/1 da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto – Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) – na redação dada pela Lei n.º 77/2021, de 23/11.,
c) Por último, vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, o que esta Relação não pode suprir, por ausência de elementos, nos autos, a tanto indispensáveis, acarretando desta forma o reenvio do processo para NOVO JULGAMENTO, nos termos do artigo 426.º-A do Código de Processo Penal.
d) Que os vícios enunciados e convicções incompatíveis entre si conduzam à aplicação do Princípio “in dubio Pro Reo”.
e) Caso assim não se entenda, o que se admite por mero dever de patrocínio, ser o Recorrente absolvido dos crimes de que vem acusado, ou as penas e os pedidos de indemnização civil serem reduzidos nos termos peticionados, conforme plasmado no presente Recurso,
Fazendo-se, assim, habitada Justiça».

1.8. O recurso foi regularmente admitido.
1.9. O Ministério Público, junto da 1.ª instância, apresentou resposta ao recurso pugnando pela respetiva improcedência e manutenção da sentença recorrida, formulando as seguintes conclusões:
«1. A presente resposta é atinente ao recurso interposto pelo arguido L, no que concerne à douta decisão judicial que o condenou na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, condicionada
2. Alegou, em suma, uma nulidade da sentença, nos termos do Artº. 376º, nº.1, a), com referência ao art.º 374.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal, que alguns factos queforam dados como provados não o deveriam ter sido e que a medida da pena é desproporcional.
3. Em nosso entendimento, não assiste qualquer razão ao arguido.
4. Não existe qualquer nulidade de sentença, em virtude de a fundamentação da sentença estar devidamente estabelecida.
5. Todos os factos que foram dados como provados foram devidamente analisados e corroborados pela prova testemunhal e documental devidamente produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.
6. A convicção do Tribunal a quo não derivou, apenas, e como o arguido quer fazer passar, das declarações das ofendidas. Tal convicção gizou-se, não só, de tais declarações, mas também de toda outra prova testemunhal (os dois Militares da GNR que explanaram o que viram em duas situações diversas, de forma objectiva e absolutamentecoerente, nãotendoqualquer interesse nodesfecho dojulgamento). Atudo isto, a prova documental apreciada complementou a criação da convicção.
7. Os factos tal como constam da acusação pública e que foram dados como provados, descrevem, na medida do possível, as circunstâncias de tempo e de lugar dos factos imputados ao arguido – vejam-se os factos 11, 12, 14, 16, 17, 18, 22 dados como provados.
8. Já quanto à medida da pena, tendo o arguido sido condenado pela prática de três crimes de violência doméstica “agravada”, então, a pena de 4 anos e 6 meses de prisão, em cúmulo jurídico, é adequada e proporcional.
9. Pelo que, não assiste razão ao arguido e, como tal, deve o recurso a que agora se responde improceder, mantendo-se a decisão nos seus exactos termos.
Nestes termos enos demais dedireito aplicável, deverá o recurso da assistente ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão do tribunal a quo, assim se fazendo a habitual JUSTIÇA!»

1.10. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso e manter-se a sentença recorrida.
1.11. Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, o arguido/recorrente apresentou resposta, dando por reproduzido o alegado na motivação do recurso.
1.12. Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência, tendo este Tribunal da Relação proferido Acórdão, em 11/07/2024, com a Ref.ª Citius 9169038, no qual se decidiu poder haver lugar a uma alteração não substancial dos factos descritos na sentença recorrida – qual seja, com referência ao ano de nascimento de R, passando a constar do ponto 3. da matéria de facto provada 1999, em vez de 1992 e relativamente à localização temporal dos factos dados como provados no ponto 20., passando a constar ter a menor A 9 anos de idade – e, nessa medida, em observância do disposto no artigo 424º, n.º 3, do CPP, procedeu-se à respetiva comunicação ao arguido/recorrente para, querendo, se pronunciar, no prazo de 10 dias.
1.13. O arguido/recorrente pronunciou-se sobre a alteração não substancial dos factos descritos na sentença, que lhe foi comunicada, nos termos sobreditos, manifestando não a aceitar, anotando incorrer esta Relação no mesmo erro de raciocínio que o Tribunal recorrido, ao fazer constar, no ponto 20., “deixando-a ali bastante tempo”, sem qualquer concretização do hiato temporal em causa, o que leva a questionar se foram “5 minutos, horas, dias??”. No mais, reitera o recorrente o alegado na motivação de recurso, concluindo nos mesmos termos, pela nulidade da sentença recorrida, com as consequências daí decorrentes.
1.14. Realizada a conferência, cumpre agora apreciar e decidir.


2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Delimitação do objeto do recurso
Em matéria de recursos, que ora nos ocupa, importa ter presente as seguintes linhas gerais:
O Tribunal da Relação tem poderes de cognição de facto e de direito – cf. artigo 428º do CPP.
As conclusões da motivação do recurso balizam ou delimitam o respetivo objeto – cf. artigos 402º, 403º e 412º, todos do CPP.
Tal não preclude o conhecimento, também oficioso, dos vícios decisórios enumerados no n.º 2 do artigo 410º do CPP, mas tão somente quando os mesmos resultem do texto da decisão recorrida por si só ou em sua conjugação com as regras da experiência comum (cf. Ac. do STJ nº. 7/95 – in DR I-Série, de 28/12/1995, ainda hoje atual), bem como das nulidades principais, como tal tipificadas por lei.
Assim, considerando os fundamentos do recurso em apreço, são as seguintes as questões suscitadas:
- Nulidade da sentença recorrida, por insuficiência de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto;
- Violação das garantias de defesa do arguido (artigo 32º da CRP);
- Violação do princípio do princípio da presunção de inocência/in dubio pro reo;
- Impugnação da matéria de facto dada como provada nos pontos 7, 8, 18, 20, 23 e 29 a 36;
- Contradição insanável da fundamentação (factos provados e não provados e respetiva fundamentação) e entre esta e a decisão;
- Erro notório na apreciação da prova;
- Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
- Medida da pena;
- Montante da indemnização.


2.2. A sentença recorrida, é do seguinte teor:
«(...)
II. Fundamentação de Facto.
A) Factos Provados.
Com interesse para a decisão da causa resultaram provados os seguintes factos:
1. O arguido, L, e a ofendida, F, viveram juntos, como se de marido e mulher se tratassem, desde data não concretamente apurada do ano de 2005 até 25 de dezembro de 2019;
2. Do relacionamento entre o arguido L e a assistente, F, nasceu, em 13 de julho de 2007, D;
3. Com o casal residiam também R, nascida em 20 de fevereiro de 1992, e A, nascida em 22 de setembro de 2003, ambas filhas só de A;
4. Durante a vivência em comum do casal, os mesmos residiram no Barreiro, Pinhal Novo, Venda do Pinheiro e Sesimbra;
5. A vivência em comum do casal sempre foi pautada por inúmeras discussões entre o casal, facto que levou, a que o casal, ao longo dos anos tivesse períodos em que se separou, voltando posteriormente a reatar a relação entre ambos, e passando novamente a residir juntos;
6. Uma dessas separações ocorreu na altura em que a assistente F soube que estava grávida do filho D, tendo o arguido L saído de casa, tendo regressado apenas duas semanas após o nascimento do menor, e só o tendo perfilhado no decorrer de processo judicial;
7. Durante a convivência enquanto casal e por diversas vezes o arguido chamou a assistente F de “puta”, burrae “analfabeta”;
8. Ao longo dos diversos anos de vivência do casal, o arguido L, por diversas vezes agrediu a filha desta, de nome R;
9. As discussões entre o ex-casal decorreram, entre outros, do facto do arguido L, por vezes, não trabalhar, ficando o sustento da casa a cargo da ofendida F;
10. Em datas não concretamente apuradas, mas durante a vivência em comum do casal, o arguido L agrediu por diversas vezes a ofendida F, desferindo-lhe murros e chapadas na cara e apertava-lhe o pescoço dizendo-lhe “que a matava” e “qualquer dia, mato-te a ti e aos teus filhos”;
11. No ano de 2013, residindo o casal à data na habitação sita na Venda do Pinheiro, na sequência de uma discussão, o arguido L agarrou a assistente F pelo pescoço, apertando-o com força, só não tendo prosseguido os seus intentos porquanto, a filha desta, R puxou a mãe, e disse que ia chamar a polícia;
12. No dia 25 de agosto de 2019, na sequência de uma discussão entre o arguido e a assistente F, em virtude desta o ter confrontado por ter ido para a praia com outra mulher, o arguido agrediu a ofendida com vários murros na cabeça;
13. Depois desta agressão, o casal voltou a separar-se, tendo a ofendida ficado a residir em Sesimbra, juntamente com as filhas R e A, e o arguido em Almargem do Bispo, tendo o filho menor de ambos, D, ficado com o pai, em virtude de se encontrar ali matriculado na escola;
14. No dia 08 de janeiro de 2020, cerca das 22,00 horas, o arguido L dirigiu-se à residência da ofendida F, em Sesimbra, tentou forçar a entrada na habitação, não tendo conseguido pois a ofendida tinha as suas chaves colocadas por dentro na fechadura, tendo o arguido insistido para que lhe abrisse a porta, ao mesmo tempo que dizia “que as matava” e “que lhes cortava a luz e a água”;
15. Como não logrou alcançar tais intentos, o arguido tentou arrombar uma janela da casa, o que não logrou alcançar pois a mesma estava fechada e tinha uma grade, acabando aquele por abandonar o local;
16. No dia 11 de maio de 2020, o arguido dirigiu-se à residência da ofendida em Sesimbra, em virtude de ter sido contactado por um vizinho por causa de uma infiltração de água, bateu à porta da ofendida, e como esta lhe disse que não abria a porta, aquele começou aos gritos dizendo que “ou abres a bem, ou abres a mal”, tendo a ofendida com receio chamado a Guarda Nacional Republicana para se deslocar ao local;
17. No dia 12 de maio de 2020, em virtude de não conseguir falar com o filho D há cerca de três semanas, a ofendida F dirigiu-se à residência do arguido L, em Almargem do Bispo, acompanhada por uma Patrulha da Guarda Nacional Republicana, tendo constatado que o menor se encontrava sozinho em casa;
18. Por diversas vezes, o arguido L agrediu a ofendida R, desferindo-lhe chapadas na cara, tendo a última agressão ocorrido, em data não concretamente apurada do ano de 2018, residindo na altura em Sesimbra;
19. Tais agressões à ofendida R ocorriam, principalmente, quando na sequência de discussões entre o arguido e a ofendida F aquela intervinha para defender a mãe, acabando o arguido por a agredir com chapadas, e acabando por a trancar no quarto;
20. Em data não concretamente apurada, mas na altura em que residiam no Pinhal Novo, por causa de uma birra que a menor A fez, o arguido L, amarrou-a a uma cadeira, colou-lhe fita cola na boca, deixando-a ali bastante tempo;
21. Frequentemente, o arguido dirigindo-se aos menores R e A chamava-lhes “burros” e dizia-lhes “que nunca iriam ser nada na vida”;
22. O arguido L, no Natal de 2019, aproveitou-se do facto das menores R e A se encontrarem a dormir, tirou fotografias às mesmas, o que as deixava muito incomodadas e constrangidas;
23. O arguido L quis dirigir à ofendida F, sua companheira, as palavras acima descritas, estando ciente que as mesmas atingiam a sua honra e consideração, e com as ameaças que proferiu, quis causar-lhe receio pela sua integridade física, limitando-lhe a sua liberdade de agir, o que conseguiu;
24. Ao agir nos moldes supra descritos, bem sabia o arguido L que ao agredir a ofendida F da forma que o fez, a atingiria, como atingiu e a molestaria fisicamente, conforme molestou, o que quis e conseguiu;
25. A atuação do arguido L para com a sua enteada, a ofendida A, foi cruel e desproporcionada, tanto mais que era menor, pois ao agredi-la nos moldes em que o fez, bem sabia que atingiria, como atingiu, aquela e a molestaria fisicamente, conforme molestou, o que quis e conseguiu;
26. O arguido L quis dirigir às ofendidas R e A, suas enteadas, as palavras acima descritas, estando ciente que as mesmas atingiam a sua honra e consideração, o que conseguiu;
27. Com estas condutas que reiteradamente produziu, o arguido L, quis maltratar, torturar e humilhar a ofendida F, sua companheira, bem sabendo que se encontravam na residência comum do casal, e muitas das vezes, na presença dos menores, o que quis e conseguiu;
28. Com as condutas supra descritas agiu sempre o arguido de forma livre, deliberada e consciente de serem as mesmas proibidas e proibidas por lei;
29. O referido comportamento do Demandado criou na Demandante F, uma forte e estigmatizante perturbação de equilíbrio social, psíquico e emocional;
30. A Demandante sente-se perseguida, ameaçada, assustada, em sobressalto e com a sua liberdade condicionada;
31. A Demandante passou a acusar um medo e inquietação permanentes, com períodos de ansiedade e tristeza extrema, ao contrário do que era a sua habitual postura viva, alegre, dinâmica, ativa e descontraída;
32. A Demandante ainda vive angustiada com receio que o Demandado a volte a procurar e atentar contra a sua integridade física e dos seus filhos;
33. A Demandante teve vários ataques de pânico;
34. Muitas são as noites em que a Demandante não consegue dormir tranquilamente, pois que, várias vezes sonha com atos violentos e ameaças do Demandado;
35. À presente data, a Demandante continua ainda a demonstrar alguma instabilidade emocional e angústia, sendo bastante difícil gerir as emoções;
36. A Demandante entrou num estado depressivo profundo, com constantes crises de choro compulsivo e ansiedade;
37. A atuação do Demandado gerou sofrimento psicológico à Demandante A;
38. A Demandante sente-se ameaçada, assustada, em sobressalto;
39. A Demandante passou a acusar um medo e inquietação, com períodos de ansiedade e tristeza, ao contrário do que era a sua habitual postura viva, alegre, dinâmica, ativa e descontraída;
40. A Demandante ainda vive angustiada com receio que o Demandado a volte a procurar e atentar contra a sua integridade física, da sua mãe e dos seus irmãos;
41. Muitas são as noites em que a Demandante não consegue dormir tranquilamente, pois que, várias vezes sonha com atos violentos e ameaças do Demandado sobre si, sobre a sua mãe e irmãos;
42. À presente data, a Demandante continua ainda a demonstrar alguma instabilidade emocional e angústia, sendo bastante difícil gerir as emoções;
43. A Demandante é jovem;
44. Mas que não deixa de ter estes traumas, estas marcas do passado criadas pelo Demandado;
45. A atuação do Demandado gerou sofrimento psicológico à Demandante R;
46. A Demandante sente-se ameaçada, assustada, em sobressalto;
47. A Demandante passou a acusar um medo e inquietação permanentes, com períodos de ansiedade e tristeza extrema, ao contrário do que era a sua habitual postura viva, alegre, dinâmica, ativa e descontraída;
48. A Demandante ainda vive angustiada com receio que o Demandado a volte a procurar e atentar contra a sua integridade física, da sua mãe e dos seus irmãos;
49. Muitas são as noites em que a Demandante não consegue dormir tranquilamente, pois que, várias vezes sonha com atos violentos e ameaças do Demandado sobre si, sobre a sua mãe e irmãos;
50. À presente data, a Demandante continua ainda a demonstrar alguma instabilidade emocional e angústia, sendo bastante difícil gerir as emoções;
51. A Demandante é uma jovem;
52. Mas que não deixa de ter estes traumas, estas marcas do passado criadas pelo Demandado;
53. O arguido não tem antecedentes criminais;
54. O arguido trabalha por conta própria, na área dos gradeamentos e grades em ferro;
55. A assistente trabalha por conta própria, como Astróloga;
56. A ofendida R trabalha por conta própria, com cabeleireira;
57. A ofendida A é estudante;
58. A R deixou de residir com o arguido aos seus dezoito anos de idade.
*
B) Factos Não Provados.
Com interesse para a decisão da causa não se provou que:
1. O arguido disse-lhes, no dia 8 de janeiro de 2020, “que lhes ia fazer a folha”;
2. Frequentemente, o arguido, dirigindo-se às menores R e A chamava-lhes de “anormais”;
3. Na altura em que residiam na Venda do Pinheiro, o arguido obrigava os menores a tomar banho com água fria e não potável;
4. Ao longo dos diversos anos de vivência do casal, o arguido L por diversas vezes agrediu o filho menor de ambos, D;
5. Em data não concretamente apurada, mas tendo o menor D 9/10 anos de idade, o arguido agrediu o mesmo desferindo-lhe pontapés nas pernas e no rabo, estando o menor encolhido no chão;
6. A atuação do arguido L para com o seu filho, o ofendido D, foi cruel e desproporcionada, tanto mais que era uma criança, pois ao agredi-lo nos moldes em que o fez, bem sabia que atingiria, como atingiu, aquele e o molestaria fisicamente, conforme molestou, o que quis e conseguiu;
7. O arguido L quis dirigir ao ofendido D, seu filho, as palavras acima descritas, estando ciente que as mesmas atingiam a sua honra e consideração, o que conseguiu;
8. A atuação do Demandado gerou danos físicos e morais ao Demandante, D, traduzindo-se num sofrimento psicológico;
9. O Demandante sentiu-se ameaçado, assustado, em sobressalto;
10. O Demandante é uma criança, porém, os atos perpetrados pelo Demandado D, seu pai, geraram marcas irreparáveis;
11. Por contas destes factos, à presente data, o Demandante D continua ainda a demonstrar alguma instabilidade emocional e angústia, sendo bastante difícil gerir as emoções.

C) Motivação da Matéria de Facto.
O Tribunal gizou a sua convicção nos meios de prova indicados na acusação, incluindo as declarações para memória futura de D de fls. 575 a 580 as quais, no essencial, foram as mesmas quanto às agressões verbais e físicas do seu pai relativamente à sua pessoa, ou seja, que não bateu nem injuriou.
O arguido não quis prestar declarações.
Uma vez que o próprio D, que vinha indicado na acusação como ofendido, negou as condutas incriminatórias do seu progenitor sobre si, deu-se como não provada toda a factualidade correspondente à violência doméstica sobre este jovem menor. O mesmo se diga quanto ao teor do respetivo pedido de indemnização civil cujos factos alegados não confirmou. No limite na dúvida deve o juiz beneficiar o arguido, no processo penal, e foi o que sucedeu no caso concreto quanto aos factos imputados ao arguido indiciariamente praticados sobre o seu filho, o D. Apesar da sua mãe e irmãs terem afirmado algumas agressões físicas praticadas pelo arguido sobre o filho, temos a negação pelo D em sede de julgamento de qualquer agressão física, verbal ou psicológica cometida pelo seu pai. O filho de L e F apresentou-se em julgamento bem cuidado e bem vestido, é um rapaz já adolescente e fez-se acompanhar do pai, o Arguido, com quem reside. Disse que gosta de viver com o seu pai, gosta da casa onde moram e tem amigos na zona da sua residência, onde, também, estuda.
As testemunhas indicadas pelo Arguido afirmaram que o mesmo sempre trabalhou, as quais foram presenciais por que são seus parceiros comerciais ou são seus colaboradores diretos, como foi o caso da sua filha, a testemunha, M. Pelo que, conjugado com as declarações da Assistente e depoimentos de duas filhas, A e R, só se provou que as discussões entre o ex-casal decorreram, entre outros, do facto de o Arguido, L, por vezes, não trabalhar, ficando o sustento da casa a cargo de F.
Quanto à factualidade provada resultou, também, da prova documental equivalente aos assentos de nascimento de fls. 45 a 51; aditamento de fls. 94 a 96; informação da Polícia de Segurança Pública de fls. 238 e informação do Processo n.º 3908/20.3T8SNT do Juízo de Família e Menores de Sintra – Juiz 2 de fls. 412 a 419.
No que concerne à prova oral, tivemos as declarações da Assistente, F, e testemunhal/demandantes R e A. A Assistente e as Ofendidas choraram e estavam visivelmente transtornadas, muito nervosas, tensas e com medo do Arguido durante a audiência de julgamento, o que lhes conferiu credibilidade. Os seus depoimentos foram convergentes e nunca contraditórios, o que reforçou sobremaneira essa credibilidade. Acresce que só afirmaram o que viram e sentiram, relevando não pretenderem a condenação do arguido só porque sim ou por vingança.
Com efeito, a testemunha R filha e enteada mais velha, respetivamente da Assistente e do Arguido, afirmou que assistiu ao apertão do pescoço do padrasto sobre sua mãe ocorrido no interior da casa onde moraram sita na Venda do Pinheiro, e ao desferimento pelo Arguido sobre a sua progenitora de murro na cabeça, o que sucedeu ao saírem duma praia.
A família constituída pela Assistente e Arguido, filhas/enteadas e filho de ambos mudaram várias vezes de casa tendo morado, nomeadamente na Venda do Pinheiro, concelho de Sintra, e Pinhal Novo, concelho de Palmela, sendo que mais tarde, após a separação a Assistente e suas filhas residiram numa casa localizada no concelho de Sesimbra. Aqui em Sesimbra, como disse R, o Arguido, L, tentou arrombar a porta onde a Assistente residia com as suas filhas, assim como tentou entrar no edifício do condomínio onde se integrava a residência das mesmas, através de uma janela, tendo chegado até a subir ao telhado para penetrar, indevidamente e sem autorização das vítimas, na casa onde todas viviam. Este episódio ocorrido em Sesimbra foi também confirmado pela assistente, F, sendo que esta afirmou, igualmente, o dito apertão no pescoço e o murro na cabeça verificados nos locais espaciais e temporais referidos na acusação.
R prosseguiu dizendo que, quando já moravam em Sesimbra, tinham de estar sempre trancadas e tinham muito medo, porque o Arguido podia aparecer e tentar entrar para lhes fazer mal, já que tinham sido ameaçadas de morte pelo mesmo.
Nessa altura a testemunha, que já trabalhava e era maior de idade, saiu de casa e arranjou a sua própria residência para com mais segurança e em tranquilidade entrar e sair de casa a qualquer hora segundo a sua vontade e necessidades do seu dia a dia, diminuindo, assim, os seus medos e receios em relação à conduta do arguido sobre si mesma. Mas quando se sentiu mais segura regressou a casa da mãe.
R continuou depondo que as agressões sobre si praticadas pelo arguido foram mais psicológicas, tais como lhe chamar de “burra”, “analfabeta” e que “não ia ser ninguém”, sendo que ainda lhe desferiu chapadas.
A ofendida e Demandante, R confirmou as agressões físicas, mediante chapadas, praticadas sobre si praticadas pelo seu padrasto, o aqui Arguido/Demandado, pelo que a correspondente factualidade se deu por provada.
Nunca procurou apoio de um psicólogo, contrariamente ao que sucedeu com a sua irmã A, mas precisava, como disse.
Não transitou de ano por três vezes devido ao mau ambiente em casa.
O comportamento do arguido causou-lhe ataques de pânico, devido ao medo que tinha dele e que ele fizesse mal aos seus irmãos e a sua mãe. Tanto que, R deixou de residir com o Arguido, logo que pôde, como resultou do seu depoimento, pois estava constantemente nervosa por causa do que lhe podia acontecer a si e aos seus irmãos e mãe, quando chegasse a casa.
O depoimento de R foi objetivo e isento, porquanto disse que o comportamento do Arguido com os seus irmãos, que eram menores de idade, foi pior do que a conduta do Arguido para consigo.
O Arguido desferia com frequência puxões de orelhas e palmadas no rabo a A, o que presenciou.
A sua irmã A viveu desde os seus dois anos de idade com o padrasto, o aqui Arguido, e sendo que o seu pai biológico “não queria saber”, expressão que utilizou, L deveria ser mais cuidadoso com a menina A, mas não foi.
“A minha irmã A viveu uma infância de terror” – disse R.
“A minha mãe trabalhava muito até quando o Arguido dormia. Não tinha vida a minha mãe, para sustentar todos” – disse R, indo aqui e mais uma vez ao encontro das declarações da Assistente.
R, concluiu o seu depoimento afirmando, referindo-se ao Arguido, “esta pessoa foi sempre assim. Nunca a vi feliz e nem nos proporcionou momentos felizes”.
Por sua vez, a ofendida, A, iniciou o seu depoimento dizendo que, a partir do momento que foi crescendo foi apercebendo-se que as discussões entre a mãe e o tio, como denominou o seu padrasto, o Arguido, não eram ditas normais de um casal e aconteciam muito ao jantar.
E quando um dia viu o Arguido, na altura em que moravam na quinta, sita na Venda do Pinheiro, levantar uma cadeira na direção da mãe, foi aí que percebeu que a vida entre eles não era realmente normal.
Nessa ocasião, em data que não conseguiu indicar, A meteu-se à frente da mãe “e a cadeira bateu na mesa”.
Esta factualidade não foi referida nos factos provados, porque não vem inserida na acusação e nunca o poderia ser devido à indeterminação da data da sua ocorrência, sob pena de melindrar a defesa do Arguido. Apenas serviu como introdução do depoimento prestado por A e para prova de que as discussões eram habituais entre o casal.
As discussões ocorriam devido a questões insignificantes e por causa do dinheiro. O Arguido chamou-me, várias vezes e ao longo do tempo, de “burra”, e disse-lhe “não vais chegar a lado nenhum”.
“À minha mãe chamou, várias vezes e ao longo do tempo, de “analfabeta”, “burra” e “puta” – afirmou A.
Também assistiu o Arguido a desferir soco na cabeça de sua mãe e apertão no pescoço, nas mencionadas ocasiões.
Houve um episódio que a marcou muito, quando tinha apenas 9 anos de idade, em que o Arguido após a ter ido buscar à escola e porque fez uma birra de criança, levou-a para o interior de uma loja, pertença da empresa dele, e amarrou-a a uma cadeira com fita cola, tampando-lhe a boca com o mesmo material.
Sofreu ainda, pelas mãos do arguido, puxões de orelhas e palmadas no rabo, com frequência.
A dada altura emagreceu muito tendo chegado a pesar apenas 35 kg, quando já era adolescente, e não transitou uma vez de ano escolar, tudo devido à alteração do seu sistema nervoso porque não conseguia viver naquele ambiente de sua casa.
Desde o início de 2022 que é seguida por um psicólogo.
Ainda ouviu o Arguido dizer que as matava a todas, quando já cá moravam, em Sesimbra, disse.
Por vezes, o Arguido tirava-lhes fotografias, a si e à sua irmã, mas nunca notou que tivesse intenção sexual e as imagens não tinham esse cariz, pois estavam tapadas, vestidas, e o Arguido nunca as confrontou com tais fotografias.
Ora e pegando neste último trecho do depoimento de A, conclui-se que prestou depoimento objetivo e imparcial, não desfavorecendo o Arguido para além do que realmente aconteceu e presenciou.
Por fim, A ainda confirmou os factos acusatórios ocorridos em Sesimbra, quando já a sua mãe se encontrava separada do Arguido; mas vivendo com muito medo e sempre trancadas, com receio de que o Arguido lhes cortasse a luz como este uma vez lhes referiu.
Os militares da GNR, C e I confirmaram os factos provados em que teve intervenção esta força militar de segurança, sendo que antes não conheciam os intervenientes processuais, arguido e ofendidas. Os GNR agiram simplesmente no exercício das suas funções profissionais, o que lhes conferiu imparcialidade.
Estes factos ocorreram junto à casa de morada da assistente, em Sesimbra, tendo sido chamados ao local por F, como afirmaram, devido a importunações à porta de sua casa praticadas pelo Arguido, concretamente por pretender entrar na residência da vítima sem autorização desta.
E a propósito destes episódios declarou com pormenor, a F, o sucedido; dizendo que o Arguido de uma dessas vezes tentou entrar pela porta afirmando que a Assistente iria abrir a porta a bem ou iria abrir a porta a mal. Como não tendo a vítima aberto a porta, o Arguido tentou entrar por uma janela, pela qual só não entrou por ter grades de segurança. E nesta ocasião ameaçou-as dizendo: “vou matar as três” “esperem que eu já volto”, referindo-se à Assistente e às enteadas, A e R.
A partir deste momento entrou em pânico e não conseguiu dormir durante três meses até que veio aos serviços do Ministério Público, falar com uma Procuradora, e a partir desse momento descansou mais.
Outra ocorrência, também em Sesimbra e com ida ao local da GNR, que chamou, foi quando se verificou um problema na canalização da habitação onde residia e teve de chamar uma empresa para proceder à reparação. Só que quando essa empresa chegou ao local o Arguido encontrava-se presente na rua da morada da Assistente, junto à casa onde aquela morava, e disse para aos funcionários da mesma empresa para se irem embora.
Nessa altura o arguido não a injuriou e/ou ameaçou, afirmou a Assistente. F ainda confirmou o conteúdo do facto provado dezassete.
Ora, perante esta parte das declarações de F vemos que, apesar do seu estado emocional muito alterado (quase sempre chorando) durante a audiência de julgamento, vemos que foi isenta, não incriminando o arguido para além do que verdadeiramente sucedeu.
Mais disse a declarante com relevância, nomeadamente para apuramento da motivação do arguido, que consistiu na obtenção de dinheiro para aplicar na sua empresa, pagar aos empregados e as rendas, advindo do fruto do trabalho efetuado pela Assistente.
A Assistente declarou que trabalhava muitas horas, de dia e de noite, sendo que decorreu das suas declarações que o seu trabalho na altura ainda podia não ser bem visto pela sociedade, dado que era Astróloga. Mas ganhava muito dinheiro e em casa, nomeadamente através de consultas pelo telefone através do qual comunicava com as suas clientes, aconselhando-as. Se houvesse dinheiro para a Assistente entregar ao Arguido o relacionamento entre ambos se mantinha bem, mas se não existisse dinheiro oriundo da atividade da assistente estava tudo mal, como declarou.
Resultou das declarações da Assistente, F, que a vivência em comum do casal sempre foi pautada por inúmeras discussões entre o casal, facto que levou, a que o casal, ao longo dos anos tivesse períodos em que se separou, voltando posteriormente a reatar a relação entre ambos, e passando novamente a residir juntos, sendo que o motivo dessas discussões foi a existência de “amantes” ou relações extraconjugais da parte do arguido, no início quando ainda moravam no Barreiro; e por causa do dinheiro.
A Assistente também declarou que uma dessas separações ocorreu na altura em que soube que estava grávida do filho D, tendo o arguido L saído de casa, tendo regressado apenas duas semanas após o nascimento do menor; e só o tendo perfilhado no decorrer de Processo Judicial, sendo que aqui ainda disse que o Arguido nem a foi visitar à maternidade.
As testemunhas filho mais velho e nora da Assistente, presenciaram pouco, mas alguns factos, em virtude de frequentarem a casa onde foi morando F, com os filhos e o Arguido. Presenciaram discussões e a nora uma das situações acima descritas ocorridas em Sesimbra, quando o Arguido pretendeu entrar na habitação da Assistente sem o consentimento desta.
As restantes testemunhas, nomeadamente as testemunhas indicadas pela defesa não presenciaram agressões, físicas e/ou verbais praticadas pelo Arguido sobre os Ofendidos e Assistente.
Ora, considerando que toda factualidade incriminatória e descrita na acusação se verificou entre quatro paredes, isto é, na (s) casa(s) de morada da família ou ocorreram fora de casa, mas sem a presença de terceiros ao núcleo familiar, é natural que as referidas testemunhas nada tenham visto de relevante para a imputação dos crimes em apreço ao Arguido.
Teve-se em conta o certificado de registo criminal do arguido para dar como provado que não tem antecedentes criminais.
O teor dos factos não provados 1. e 2. não foi mencionado nos depoimentos de R e de A, e pelas declarações da assistente.
Quanto ao facto não provado 3., a construção da casa onde morava a família em questão, sita na Venda do Pinheiro, levou algum tempo e foi por fases, sendo certo que todos os membros do agregado familiar foram viver para lá antes da obra acabar, como disseram todas as testemunhas que foram inquiridas a esta matéria. Assim sendo, não se se pôde dar como provado que na altura em que residiam na Venda do Pinheiro, o arguido obrigava os menores a tomar banho com água fria e não potável com intenção de lhes fazer mal. O próprio arguido tomou banho nessas condições e até a ofendida A disse que inicialmente a água era fria, mas iam tomar banho à casa de banho da mãe e do padrasto que era quente e, posteriormente, o arguido fez obra no wc dos menores passando a banhos mais quentes.
O estado emocional e de saúde mental descrito nos pedidos de indemnização civil, adveio dos depoimentos das lesadas, as quais, reitera-se choraram durante o julgamento, relevando este facto por si só, para a além do afirmado pelas mesmas e já atrás mencionado, os danos não patrimoniais/morais causados pela conduta do Demandado.

III. Fundamentação Jurídica.
O arguido vem, também, acusado, em autoria material e na forma consumada, da prática de três crimes de violência doméstica previstos e punidos no artigo 152.º, nº. 1, d) nº. 2, n.º. 4 e n.º 5, do Código Penal e pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea d) e n.ºs 2, 4 e 5 do Código Penal relativamente à ofendida Fernanda.
No crime de violência doméstica está em causa a proteção da pessoa individual, da sua dignidade humana, podendo dizer-se, com Taipa de Carvalho, que “o bem jurídico protegido é a saúde – bem jurídico complexo, que abrange a saúde física, psíquica e mental, e bem jurídico este que pode ser afetado por toda a multiplicidade de comportamentos”.
Trata-se de crime específico – pressupõe uma determinada relação entre os sujeitos ativo e passivo –, cuja prática pode ser ou não reiterada no tempo – tudo depende das circunstâncias do caso concreto – e que se caracteriza, segundo Nuno Brandão, em agressões que entram na esfera dos maus-tratos físicos, tais como empurrões, arrastões, puxões e apertões de braços ou puxões de cabelos”, e maus tratos psíquicos que podem consistir, como diz Taipa de Carvalho, em “humilhações, provocações, molestações, ameaças, mesmo que não configuradoras em si do crime de ameaça” à pessoa com quem o agente tenha vivido em relação análoga à do cônjuge e aos seus filhos.
O bem jurídico a proteger no caso concreto é a pessoa do cônjuge e ex-cônjuge: a saúde física e psíquica ou emocional, diminuindo ou afetando, do mesmo modo, a sua dignidade enquanto pessoa inserida na realidade familiar do arguido, não só com agressões físicas mas também com agressões psíquicas como injúrias, difamações, ameaças causando um clima de medo, angústia, intranquilidade, insegurança, infelicidade, fragilidade, humilhação, tudo provocado pelo agente/arguido e enquanto pessoa com quem ele já anteriormente coabitou.
O Arguido cometeu com dolo direto três crimes de violência doméstica, pois injuriou, ameaçou e agrediu fisicamente as vítimas F, A e a R.
A ofendida A era pessoa particularmente indefesa, pois era menor, sendo certo que ainda dependia economicamente do Arguido. As injúrias e as ameaças, que integram o crime de violência doméstica assim como a agressão física à Assistente, F, foram praticadas à frente dos menores A e D, e contra a menor A e no domicílio, ou equiparado, do Arguido.
Por sua vez, o tipo subjetivo de ilícito exige o dolo, o que sucedeu porquanto o arguido atuou com conhecimento e vontade.
Segundo o acórdão do Tribunal da relação de Coimbra de 12/04/2018, processo 3/17.6GCIDN.C1 “O tipo de crime violência doméstica tem como elemento subjetivo o dolo, o conhecimento e vontade de praticar o facto, e a consciência da sua censurabilidade”.
Assim se conclui que o arguido cometeu um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, nº. 1, a), nº. 2, a), nº. 4 e nº. 5, do Código Penal.
Todos os episódios e atos referidos nos factos provados, foram praticados dolosamente pelo arguido foram idóneos a afetar o seu bem-estar físico e psicológico e ofender a sua honra e dignidade das vítimas F, A e R.
Não existem causas de exclusão da ilicitude e da culpa.
Estão reunidas todas as condições de punibilidade.
**
No que concerne ao crime, de que também vinha acusado, de violência doméstica praticada contra o seu filho D, vai o Arguido absolvido em virtude de, em face da factualidade dada como não provada, por aplicação do princípio do in dubio pro reo, não se mostrar preenchidos o elemento objetivo e subjetivo do crime em questão p. e p. no artigo 152.º, n.º 1, alínea d) e n.ºs 2, 4 e 5 do Código Penal.
**
IV. Escolha e determinação da medida da pena.
Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido, importa agora determinar a natureza e medida das sanções a aplicar.
A prática do crime de violência doméstica agravada na pessoa da Assistente, da A e da R é punida com pena de prisão de 2 a 5 anos.
Nos termos do disposto no Art.º 40.º do Código Penal, a aplicação de uma pena visa a proteção de bens jurídicos, entendida como tutela da crença e confiança da comunidade na sua ordem jurídico-penal e a reintegração social do agente, não podendo a pena ultrapassar a medida da culpa.
A determinação da medida concreta da pena será efetuada segundo os critérios consignados no Art.º 71.º do Código Penal, onde se explicita que a medida da pena se determina em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se, no caso concreto, a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente e contra ele.
Há que considerar no caso concreto:
- O alarme social elevadíssimo neste tipo de crime, tão cometido no nosso país;
- O grau de ilicitude do facto, que se considera médio baixo quanto à R, médio quanto à Ofendida/Assistente e alto quanto à A, face ao modo de execução dos crimes e quantidade de episódios em relação a cada uma das vítimas;
- O motivo torpe da atuação delituosa do Arguido;
- A intensidade do dolo que se considera elevada, pois o Arguido atuou com dolo direto;
- O facto de o Arguido estar inserido profissionalmente e ter o seu filho menor de idade, o D, a residir consigo, o qual depende economicamente de si;
- Ser o Arguido primário.
Atendendo a todas as circunstâncias atrás expendidas, considero adequado aplicar ao arguido as seguintes penas parcelares:
- 2 anos e 2 meses de prisão, quanto à prática delituosa cometida contra a R;
- 2 anos e 3 meses de prisão, quanto ao crime cometido contra F;
- 2 anos e 5 meses de prisão, quanto à conduta criminal contra a A.
As penas estão em concurso, pelo que cumpre fazer o cúmulo jurídico – artigo 77.º, n.º 1 do CP.
Considerando a personalidade do arguido e a globalidade dos factos, alcança-se a pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Uma vez que no caso em apreço foi aplicada uma pena de prisão, há que averiguar se se verificam os pressupostos da suspensão da execução da pena, cujos requisitos constam do art.º 50º do Código Penal.
Leal-Henriques e Simas Santos, in Código Penal Anotado, 3ª edição, 1º vol., Rei dos Livros, pp. 637 e ss., referem que (...) na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável ao arguido, ou seja, uma esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime. (...) Devem ser valoradas todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, atendendo somente às razões da prevenção especial (...).
Sobre a suspensão da execução da pena, entre outro, explica-nos o Ac. TRC de 12-07-2017 (relatora Brízida Martins), processo nº. 372/16.5JALRA.C1, acessível para leitura integral em www.dgsi.pt, que “A aplicação desta pena de substituição só pode e deve ter lugar quando a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, como decorre do mencionado art.º 50.º do Código Penal. (…) Trata-se de uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, tendo na sua base uma prognose social favorável ao arguido, a esperança fundada e não uma certeza – assumida sem ausência de risco – de que a socialização em liberdade se consiga realizar, que o condenado sentirá a sua condenação como uma advertência séria e solene e que em função desta, não sucumbirá, não cometerá outro crime no futuro, que saberá compreender, e aceitará, a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, pautando a conduta posterior no sentido da fidelização ao direito. (…) o instituto em causa “Constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do direito, através da advertência da condenação e da injunção que esta impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores inscritos nas normas.”.
Assim, considerando, sobretudo, que o Arguido é primário e que não houve lesões/sequelas físicas no corpo das ofendidas F e A, atestadas por perícia médica, entende-se que estão reunidos os pressupostos necessários para a suspensão da execução da pena de prisão, devendo a mesma ser suspensa pelo período de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses, nos termos do artigo 50.º, n.º 5 do CP.
*
Ainda há de condenar o arguido numa indemnização às vítimas ao abrigo do disposto no artigo 82.º A do Código de Processo Penal e artigo 5.º, n.º 1, al. a) da lei n.º 104/2009, de 14 de setembro, na sua versão atualizada pela lei n.º 121/2015, de 01.09., que atento o facto de o Arguido trabalhar por conta própria e de a Ofendida também trabalhar por conta própria na atividade de Astróloga, assim como a vítima R, mas quanto à vítima A ser estudante, se fixa em:
- 1.200,00 euros à Assistente;
- 800,00 euros a R;
- 1.500,00 euros a A.

*
V. Pedidos de Indemnização Civis.
Os pedidos de indemnização civil devem proceder, exceto o deduzido por D, nos seus precisos termos peticionados quanto às Demandantes A e F, e em 2.500,00 euros quanto à Demandante R, porquanto sofreu menos do que aquelas, e ao abrigo da conjugação dos artigos 483.º, n.º 1, 496.º, n.º 1, 562.º e 563.º, todos, do Código Civil.
Assim sendo, deve o Demandado ser condenado ao pagamento de uma indemnização às Demandantes nos seguintes valores:
- 10.000,00 euros a F,
- 5.000,00 euros a A,
- 2.500,00 euros a R.
Considerando que as indemnizações são por danos não patrimoniais e foram fixadas com a devida atualização, os juros de mora civis só se começam a contar após o transito em julgado da presente sentença, à taxa legal em vigor, até efetivo e integral pagamento, à luz do disposto nos artigos 496.º, n.º 1, 804.º e 806.º, nº 1 do CC e portaria n.º 291/03.
Termos em que, julgo totalmente procedentes os pedidos de indemnização civis deduzidos por F e A; e parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por R, indo improcedente, na sua totalidade o pedido civil de D, neste caso por falta de prova.
(...).»

2.3. Apreciação do mérito do recurso
2.3.1. Da nulidade da sentença por insuficiência da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto:
Sustenta o arguido/recorrente que o Tribunal a quo não indicou as provas que serviram para formar a sua convicção quanto aos factos provados, nem efetuou o exame crítico de tais provas, existindo insuficiente fundamentação da sentença, o que determina a sua nulidade, nos termos do artigo 379º, n.º 1, al. a), com referência ao artigo 374º, n.º 2, ambos do CPP.
Neste conspecto, invoca o recorrente ter sido violado o disposto nos artigos 20º e 205º, n.º 1, ambos da CRP, 97º, n.º 4 e 374º, n.º 2, ambos do CPP e 24º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto – Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) – na redação dada pela Lei n.º 77/2021, de 23/11 e não terem sido asseguradas as garantias de defesa do arguido, consagradas no artigo 32º da CRP.
O Ministério Público, defende não se verificar o invocado fundamento de nulidade da sentença, nem existir violação das normas constitucionais e/ou legais indicadas pelo recorrente.
Vejamos:
A regra do dever de fundamentação dos atos decisórios encontra-se estabelecida no artigo 97º, n.º 5, do CPP, estando constitucionalmente consagrada no artigo 205º n.º 1, da CRP.
No referente à fundamentação da sentença propriamente dita deve obedecer aos requisitos previstos no n.º 2 do artigo 374º do CPP.
De harmonia com o disposto no artigo 379º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal, a sentença é nula quando, não contenha as menções previstas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374º.
Conforme resulta do disposto no artigo 374º, n.º 2 do CPP, a fundamentação da sentença consiste na «enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal
Decorre da citada disposição legal, que a fundamentação da sentença penal, em relação à exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, ainda que concisa, deve ser completa, contendo e enunciação das provas que serviram para fundar a convicção alcançada pelo tribunal, bem como o exame crítico de tais provas.
O exame crítico da prova, como se refere no Acórdão da RL de 18/01/2011[1] «deve consistir na explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizada na indicação das razões pelas quais, e em que medida, determinado meio de prova ou determinados meios de prova, foram valorados num certo sentido e outros não o foram ou seja, a explicação dos motivos que levaram o tribunal a considerar certos meios de prova como idóneos e/ou credíveis e a considerar outros meios de prova como inidóneos e/ou não credíveis, e ainda na exposição e explicação dos critérios, lógicos e racionais, utilizados na apreciação efectuada.»
A obrigatoriedade de fundamentação da decisão de facto nos termos sobreditos, como se escreve no Acórdão do STJ de 29/06/1995[2] - que vem sendo reiteradamente citado em outros Acórdãos do STJ - «destina-se a garantir que o julgador seguiu um procedimento de convicção lógico e racional na apreciação das provas, e que a decisão sobre a matéria de facto não é arbitrária, dominada pelas impressões, ou afastada do sentido determinado pelas regras da experiência.
A razão de ser da exigência da exposição, ainda que concisa, dos meios de prova, é não só permitir aos sujeitos processuais e ao tribunal de recurso o exame do processo lógico ou racional que subjaz à formação da convicção do julgador, como assegurar a inexistência de violação do princípio da inadmissibilidade das proibições de prova; é necessário revelar o processo racional que conduziu à expressão da convicção. E a indicação das provas que serviram para formar a convicção apenas é obrigatória na medida do que é necessário.»
E como também vem sendo reiteradamente afirmado na jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, «A lei não exige que em relação a cada facto se autonomize e substancie a razão de decidir, como também não exige que em relação a cada fonte de prova se descreva como a sua dinamização se desenvolveu em audiência, sob pena de se transformar o ato de decidir numa tarefa impossível.»[3]
Tendo presentes estas considerações e baixando ao caso dos autos:
A sentença ora recorrida foi elaborada pelo Tribunal a quo, em cumprimento do determinado por este Tribunal da Relação, no acórdão proferido em 12/07/2023, que declarou a nulidade da anterior sentença, por falta/insuficiência de fundamentação da decisão de facto, no referente ao exame crítico das provas.
No acórdão anteriormente proferido por esta Relação, fundamentou-se a existência da declarada nulidade da sentença proferida em 1.ª instância, nos seguintes termos:
«(…) na fundamentação na fundamentação relativa à formação da convicção pelo tribunal mostra-se indicado: i) “a prova documental equivalente aos assentos de nascimento de fls. 45 a 51; aditamento de fls. 94 a 96; informação da Polícia de Segurança Pública de fls. 238 e informação do Processo n.º 3908/20.3T8SNT do Juízo de Família e Menores de Sintra – Juiz 2 de fls. 412 a 419”; ii) a prova “oral” com indicação das “declarações de parte da assistente F, e testemunhal/demandantes R e A. A assistente e as ofendidas choraram e estavam visivelmente transtornadas, muito nervosas, tensas e com medo do arguido durante a audiência de julgamento, o que lhe conferiu credibilidade.” e “Os militares da GNR, C e I confirmaram os factos provados em que teve intervenção desta força miliar de segurança, sendo que antes não conheciam os intervenientes processuais, arguido e ofendidas, tendo agido simplesmente no exercício das suas funções profissionais o que lhes conferiu imparcialidade.”; iii) “O arguido não quis prestar declarações.” e “Teve-se em conta o certificado de registo criminal do arguido…
Ressalvando uma ligeira referência ao conteúdo das declarações dos militares da GNR que aponta para uma similitude entre aquelas declarações e os factos provados, certo é que por relação a todos os meios de prova que se mostram elencados, o tribunal omitiu uma indicação da orientação concreta de cada um desses depoimentos, a que aspectos factuais se mostram referidos pelos mesmos e, se isso não bastasse, não deixou exarado o modo como conjugou tais meios de prova, numa concatenação entre a prova oral e a documental. (sublinhado nosso)
Impunha-se, assim, em vista do exame crítico das provas a que se refere a última fracção do n.º 2 do art. 374.º, do CPP, que se explicitassem, designadamente, as razões que levaram o Tribunal a credibilizar as versões – que não conseguiu exarar - dos ofendidos, no cotejo entre essas versões, em suma, importaria traduzir, explicar, a fórmula, descarnada, da isenção e coerência com que se epitetou a versão dos ofendidos e aduzir, por exemplo, a materialidade que acabou por exarar nos factos provados. (sublinhado nosso)
Vale dizer que a motivação da decisão de facto não pode deixar de contemplar, para além da indicação das provas a partir das quais se formou a convicção do tribunal, também os motivos que levaram o juiz a considerar aquelas provas como idóneas e relevantes, eventualmente em detrimento de outras e, bem assim, os critérios utilizados na apreciação daquelas e o substracto racional que conduziu à convicção concretamente estabelecida.
Perante tal omissão ou insuficiência, mostra-se inobservado o comando inserido no art.º 374º n.º 2 CPP gerando, por essa via, a nulidade da sentença, a suprir pelo tribunal a quo, nos termos do disposto nos artigos 379.º, n.º 1, alínea a), n.º 2 e 414.º, n.º 4 do Código de Processo Penal.
(…).»
Importa atentar no teor da fundamentação da decisão de facto, exarada na primeira sentença proferida e na sentença ora recorrida, nos segmentos com relevância para a questão em apreciação, por forma a podermos aquilatar se nesta última foi sanada a nulidade declarada por este Tribunal da Relação.
Assim:
Na primeira sentença o Tribunal a quo, na consignou o seguinte:
«O tribunal gizou a sua convicção, quer quanto à parte criminal quer quanto à parte civil o que a esta é juridicamente aproveitável, nos meios de prova indicados na acusação, (…)
(…)
Quanto a factualidade provada resultou da prova documental equivalente aos assentos de nascimento de fls. 45 a 51; aditamento de fls. 94 a 96; informação da Polícia de Segurança Pública de fls. 238 e informação do Processo n.º 3908/20.3T8SNT do Juízo de Família e Menores de Sintra – Juiz 2 de fls. 412 a 419.
E na prova oral, por declarações de parte da assistente F, e testemunhal/demandantes R e A. A assistente e as ofendidas choraram e estavam visivelmente transtornadas, muito nervosas, tensas e com medo do arguido durante a audiência de julgamento, o que lhe conferiu credibilidade.
Os militares da GNR, C e I confirmaram os factos provados em que teve intervenção desta força miliar de segurança, sendo que antes não conheciam os intervenientes processuais, arguido e ofendidas, tendo agido simplesmente no exercício das suas funções profissionais o que lhes conferiu imparcialidade.
O arguido não quis prestar declarações.
(…).»
Na sentença ora recorrida o Tribunal a quo exarou o seguinte:
«(…)
No que concerne à prova oral, tivemos as declarações da Assistente, F, e testemunhal/demandantes R e A. A Assistente e as Ofendidas choraram e estavam visivelmente transtornadas, muito nervosas, tensas e com medo do Arguido durante a audiência de julgamento, o que lhes conferiu credibilidade. Os seus depoimentos foram convergentes e nunca contraditórios, o que reforçou sobremaneira essa credibilidade. Acresce só afirmaram o que viram e sentiram, relevando não pretenderem a condenação do arguido só porque sim ou por vingança. (sublinhado nosso)
Com efeito, a testemunha R filha e enteada mais velha, respetivamente da Assistente e do Arguido, afirmou que assistiu ao apertão do pescoço do padrasto sobre sua mãe ocorrido no interior da casa onde moraram sita na Venda do Pinheiro, e ao desferimento pelo Arguido sobre a sua progenitora de murro na cabeça, o que sucedeu ao saírem duma praia.
A família constituída pela Assistente e Arguido, filhas/enteadas e filho de ambos mudaram várias vezes de casa tendo morado, nomeadamente na Venda do Pinheiro, concelho de Sintra, e Pinhal Novo, concelho de Palmela, sendo que mais tarde, após a separação a Assistente e suas filhas residiram numa casa localizada no concelho de Sesimbra. Aqui em Sesimbra, como disse R, o Arguido, L, tentou arrombar a porta onde a Assistente residia com as suas filhas, assim como tentou entrar no edifício do condomínio onde se integrava a residência das mesmas, através de uma janela, tendo chegado até a subir ao telhado para penetrar, indevidamente e sem autorização das vítimas, na casa onde todas viviam. Este episódio ocorrido em Sesimbra foi também confirmado pela assistente, F, sendo que esta afirmou, igualmente, o dito apertão no pescoço e o murro na cabeça verificados nos locais espaciais e temporais referidos na acusação.
R prosseguiu dizendo que, quando já moravam em Sesimbra, tinham de estar sempre trancadas e tinham muito medo, porque o Arguido podia aparecer e tentar entrar para lhes fazer mal, já que tinham sido ameaçadas de morte pelo mesmo.
Nessa altura a testemunha, que já trabalhava e era maior de idade, saiu de casa e arranjou a sua própria residência para com mais segurança e em tranquilidade entrar e sair de casa a qualquer hora segundo a sua vontade e necessidades do seu dia a dia, diminuindo, assim, os seus medos e receios em relação à conduta do arguido sobre si mesma. Mas quando se sentiu mais segura regressou a casa da mãe.
R continuou depondo que as agressões sobre si praticadas pelo arguido foram mais psicológicas, tais como lhe chamar de “burra”, “analfabeta” e que “não ia ser ninguém”, sendo que ainda lhe desferiu chapadas.
A ofendida e Demandante, R confirmou as agressões físicas, mediante chapadas, praticadas sobre si praticadas pelo seu padrasto, o aqui Arguido/Demandado, pelo que a correspondente factualidade se deu por provada.
Nunca procurou apoio de um psicólogo, contrariamente ao que sucedeu com a sua irmã A, mas precisava, como disse.
Não transitou de ano por três vezes devido ao mau ambiente em casa.
O comportamento do arguido causou-lhe ataques de pânico, devido ao medo que tinha dele e que ele fizesse mal aos seus irmãos e a sua mãe. Tanto que, R deixou de residir com o Arguido, logo que pôde, como resultou do seu depoimento, pois estava constantemente nervosa por causa do que lhe podia acontecer a si e aos seus irmãos e mãe, quando chegasse a casa.
O depoimento de R foi objetivo e isento, porquanto disse que o comportamento do Arguido com os seus irmãos, que eram menores de idade, foi pior do que a conduta do Arguido para consigo. (sublinhado nosso)
O Arguido desferia com frequência puxões de orelhas e palmadas no rabo a A, o que presenciou.
A sua irmã A viveu desde os seus dois anos de idade com o padrasto, o aqui Arguido, e sendo que o seu pai biológico “não queria saber”, expressão que utilizou, L deveria ser mais cuidadoso com a menina A, mas não foi.
A minha irmã A viveu uma infância de terror” – disse R.
A minha mãe trabalhava muito até quando o Arguido dormia. Não tinha vida a minha mãe, para sustentar todos” - disse R, indo aqui e mais uma vez ao encontro das declarações da Assistente.
R, concluiu o seu depoimento afirmando, referindo-se ao Arguido, “esta pessoa foi sempre assim. Nunca a viu feliz e nem nos proporcionou momentos felizes”.
Por sua vez, a ofendida, A, iniciou o seu depoimento dizendo que, a partir do momento que foi crescendo foi apercebendo-se que as discussões entre a mãe e o tio, como denominou o seu padrasto, o Arguido, não eram ditas normais de um casal e aconteciam muito ao jantar.
E quando um dia viu o Arguido, na altura em que moravam na quinta, sita na Venda do Pinheiro, levantar uma cadeira na direção da mãe, foi aí que percebeu que a vida entre eles não era realmente normal.
Nessa ocasião, em data que não conseguiu indicar, A meteu-se à frente da mãe “e a cadeira bateu na mesa”.
Esta factualidade não foi referida nos factos provados, porque não vem inserida na acusação e nunca o poderia ser devido à indeterminação da data da sua ocorrência, sob pena de melindrar a defesa do Arguido. Apenas serviu como introdução do depoimento prestado por A e para prova de que as discussões eram habituais entre o casal.
As discussões ocorriam devido a questões insignificantes e por causa do dinheiro. O Arguido chamou-me, várias vezes e ao longo do tempo, de “burra”, e disse-lhe “não vais chegar a lado nenhum”.
À minha mãe chamou, várias vezes e ao longo do tempo, de “analfabeta”, “burra” e “puta” – afirmou A.
Também assistiu o Arguido a desferir soco na cabeça de sua mãe e apertão no pescoço, nas mencionadas ocasiões.
Houve um episódio que a marcou muito, quando tinha apenas 9 anos de idade, em que o Arguido após a ter ido buscar à escola e porque fez uma birra de criança, levou-a para o interior de uma loja, pertença da empresa dele, e amarrou-a a uma cadeira com fita cola, tampando-lhe a boca com o mesmo material.
Sofreu ainda, pelas mãos do arguido, puxões de orelhas e palmadas no rabo, com frequência.
A dada altura emagreceu muito tendo chegado a pesar apenas 35 kg, quando já era adolescente, e não transitou uma vez de ano escolar, tudo devido à alteração do seu sistema nervoso porque não conseguia viver naquele ambiente de sua casa.
Desde o início de 2022 que é seguida por um psicólogo.
Ainda ouviu o Arguido dizer que as matava a todas, quando já cá moravam, em Sesimbra, disse.
Por vezes, o Arguido tirava-lhes fotografias, a si e à sua irmã, mas nunca notou que tivesse intenção sexual e as imagens não tinham esse cariz, pois estavam tapadas, vestidas, e o Arguido nunca as confrontou com tais fotografias.
Ora e pegando neste último trecho do depoimento de A, conclui-se que prestou depoimento objetivo e imparcial, não desfavorecendo o Arguido para além do que realmente aconteceu e presenciou. (sublinhado nosso)
Por fim, A ainda confirmou os factos acusatórios ocorridos em Sesimbra, quando já a sua mãe se encontrava separada do Arguido; mas vivendo com muito medo e sempre trancadas, com receio de que o Arguido lhes cortasse a luz como este uma vez lhes referiu.
Os militares da GNR, C e I confirmaram os factos provados em que teve intervenção esta força militar de segurança, sendo que antes não conheciam os intervenientes processuais, arguido e ofendidas. Os GNR agiram simplesmente no exercício das suas funções profissionais, o que lhes conferiu imparcialidade.
Estes factos ocorreram junto à casa de morada da assistente, em Sesimbra, tendo sido chamados ao local por F, como afirmaram, devido a importunações à porta de sua casa praticadas pelo Arguido, concretamente por pretender entrar na residência da vítima sem autorização desta.
E a propósito destes episódios declarou com pormenor, a F, o sucedido; dizendo que o Arguido de uma dessas vezes tentou entrar pela porta afirmando que a Assistente iria abrir a porta a bem ou iria abrir a porta a mal. Como não tendo a vítima aberto a porta, o Arguido tentou entrar por uma janela, pela qual só não entrou por ter grades de segurança. E nesta ocasião ameaçou-as dizendo: “vou matar as três” “esperem que eu já volto”, referindo-se à Assistente e às enteadas, A e R.
A partir deste momento entrou em pânico e não conseguiu dormir durante três meses até que veio aos serviços do Ministério Público, falar com uma Procuradora, e a partir desse momento descansou mais.
Outra ocorrência, também em Sesimbra e com ida ao local da GNR, que chamou, foi quando se verificou um problema na canalização da habitação onde residia e teve de chamar uma empresa para proceder à reparação. Só que quando essa empresa chegou ao local o Arguido encontrava-se presente na rua da morada da Assistente, junto à casa onde aquela morava, e disse para aos funcionários da mesma empresa para se irem embora.
Nessa altura o arguido não a injuriou e/ou ameaçou, afirmou a Assistente. F ainda confirmou o conteúdo do facto provado dezassete.
Ora, perante esta parte das declarações de F vemos que, apesar do seu estado emocional muito alterado (quase sempre chorando) durante a audiência de julgamento, vemos que foi isenta, não incriminando o arguido para além do que verdadeiramente sucedeu. (sublinhado nosso).
Mais disse a declarante com relevância, nomeadamente para apuramento da motivação do arguido, que consistiu na obtenção de dinheiro para aplicar na sua empresa, pagar aos empregados e as rendas, advindo do fruto do trabalho efetuado pela Assistente.
A Assistente declarou que trabalhava muitas horas, de dia e de noite, sendo que decorreu das suas declarações que o seu trabalho na altura ainda podia não ser bem visto pela sociedade, dado que era Astróloga. Mas ganhava muito dinheiro e em casa, nomeadamente através de consultas pelo telefone através do qual comunicava com as suas clientes, aconselhando-as. Se houvesse dinheiro para a Assistente entregar ao Arguido o relacionamento entre ambos se mantinha bem, mas se não existisse dinheiro oriundo da atividade da assistente estava tudo mal, como declarou.
Resultou das declarações da Assistente, F, que a vivência em comum do casal sempre foi pautada por inúmeras discussões entre o casal, facto que levou, a que o casal, ao longo dos anos tivesse períodos em que se separou, voltando posteriormente a reatar a relação entre ambos, e passando novamente a residir juntos, sendo que o motivo dessas discussões foi a existência de “amantes” ou relações extraconjugais da parte do arguido, no início quando ainda moravam no Barreiro; e por causa do dinheiro.
A Assistente também declarou que uma dessas separações ocorreu na altura em que soube que estava grávida do filho D, tendo o arguido L saído de casa, tendo regressado apenas duas semanas após o nascimento do menor; e só o tendo perfilhado no decorrer de Processo Judicial, sendo que aqui ainda disse que o Arguido nem a foi visitar à maternidade.
As testemunhas filho mais velho e nora da Assistente, presenciaram pouco, mas alguns factos, em virtude de frequentarem a casa onde foi morando F, com os filhos e o Arguido. Presenciaram discussões e a nora uma das situações acima descritas ocorridas em Sesimbra, quando o Arguido pretendeu entrar na habitação da Assistente sem o consentimento desta.
As restantes testemunhas, nomeadamente as testemunhas indicadas pela defesa não presenciaram agressões, físicas e/ou verbais praticadas pelo Arguido sobre os Ofendidos e Assistente.
Ora, considerando que toda factualidade incriminatória e descrita na acusação se verificou entre quatro paredes, isto é, na (s) casa(s) de morada da família ou ocorreram fora de casa, mas sem a presença de terceiros ao núcleo familiar, é natural que as referidas testemunhas nada tenham visto de relevante para a imputação dos crimes em apreço ao Arguido.
(…)
O estado emocional e de saúde mental descrito nos pedidos de indemnização civil, adveio dos depoimentos das lesadas, as quais, reitera-se choraram durante o julgamento, relevando este facto por si só, para a além do afirmado pelas mesmas e já atrás mencionado, os danos não patrimoniais/morais causados pela conduta do Demandado.»
Atento o teor da motivação da decisão de facto consignada na sentença ora recorrida, entendemos que o Tribunal a quo, em observância do determinado por este Tribunal da Relação, no acórdão proferido em 12/07/2023, fundamentou suficientemente a decisão tomada de dar como assentes os factos respeitantes à atuação do arguido para com a assistente F e as ofendidas/demandantes R e A, enunciando as provas que serviram de suporte à convicção alicerçada e procedendo ao respetivo exame crítico, mormente, explicitando as razões pelas quais lhe mereceram credibilidade e, por isso, valorou, as declarações da assistente F e das ofendidas/demandantes R e A, as quais, na parte que relataram os atos praticados pelo arguido/recorrente contra si, não foram contraditadas por qualquer outra prova produzida de sentido divergente.
Ademais, não poderá olvidar-se que, conforme vem sendo entendimento constante da jurisprudência, a atribuição de credibilidade, ou não, a prova testemunhal ou por declarações, assenta numa opção do julgador na base da imediação e da oralidade, decidindo de acordo com a livre convicção, que o tribunal de recurso só poderá censurar, se for contrária às regras da experiência comum e lógica[4].
A fundamentação explicitada pelo Tribunal a quo é esclarecedora do raciocínio seguido para atingir a convicção que formou, observando a exigência prevista no artigo 374º, n.º 2, do CPP e permitindo ao arguido, ora recorrente, exercer, plenamente, o contraditório e o direito de defesa (cf. artigo 32º, n.º 1, da CRP), como os exerceu, como resulta clarividente em face dos fundamentos aduzidos no recurso que interpôs.
Nestes termos, conclui-se pela inexistência dos apontados fundamentos de nulidade da sentença, não tendo sido, neste âmbito, violadas as normais legais e/ou constitucionais indicadas pelo recorrente, pelo que, nesta vertente, improcede o recurso.


2.3.2. Da violação das garantias de defesa do arguido
Sustenta o arguido/recorrente ter existido violação das suas garantias de defesa (artigo 32º da CRP), por não terem sido concretizadas datas e horas, ou períodos do dia (ou da noite), da prática dos factos, o que lhe dificultou o exercício do contraditório. Por essa razão, entende o recorrente que os factos em causa nunca poderiam relevar para “a descoberta da verdade e boa decisão da causa, como o foram”.
O Ministério Público pronuncia-se no sentido de não assistir razão ao recorrente.
Apreciando:
Constitui entendimento consolidado, na jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, que as imputações genéricas, sem qualquer concretização dos factos em que se traduziu a atuação do agente e do tempo, modo e lugar em que acontecerem, por não permitirem o pleno exercício do contraditório e, portanto, do direito de defesa, constitucionalmente consagrado (cf. artigo 32º, n.ºs 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa), não podem servir de suporte à qualificação da conduta do agente e, como tal, à sua condenação penal[5].
As imputações genéricas só podem assumir relevância jurídico-penal, para efeitos de condenação criminal, se forem concretizadas em factos, sendo irrelevantes ou inócuas as imputações genéricas que não encontram no texto da decisão aquele limiar indispensável de concretização, pelo que, das duas uma, ou essa concretização é feita ou não podem essas imputações ser consideradas na decisão condenatória[6].
Especificamente, em relação ao crime de violência doméstica, quando estão em causa condutas reiteradas, que se prolongaram no tempo, ao longo de anos, conforme se decidiu no Ac. da RP, de 20/04/2016[7] é decisiva «a conexão temporal que liga os vários momentos da conduta do agente», não podendo haver unificação da atuação desenvolvida, se existirem hiatos temporais significativos entre as condutas pelo mesmo perpetradas. Como é evidente, este aspeto assume relevância, designadamente, para efeitos de contagem do prazo de prescrição do procedimento criminal[8].
É certo que situações existirão em que a reiteração das condutas criminosas ao longo de anos é de tal forma persistente que se revelará quase como uma prática habitual, não permitindo concretizar, com o mínimo de precisão, a localização temporal dessas condutas. Contudo, sendo essa a situação, tem de haver a especificação dos concretos atos praticados e a contextualização de alguns deles, para que seja possível ao arguido, o pleno exercício do contraditório.
O que está em causa nesta exigência de definição concreta da matéria que é imputada ao arguido relaciona-se, precisamente, com o direito ao exercício do contraditório, o qual só pode ser plenamente assegurado se o arguido souber quais os factos concretos de que é acusado para que deles se possa defender.
Nesse sentido, como se escreve no Acórdão desta Relação de Évora, de 26/10/2021[9] «mais importante do que a indicação circunstancial temporal dos factos – que, muitas vezes, é impossível ou muito difícil de determinar –, importa assegurar que os mesmos têm uma definição concreta suficientemente segura para que o arguido deles se possa proteger, seja pela evidente compreensão da materialidade que os envolve, seja, até, pela localização espacial.»
Resumindo o que se deixa exposto, conforme se refere no Acórdão da RP, de 24/11/2021 [10] «I - As imputações conclusivas, genéricas, abrangentes e difusas, sem qualquer especificação das condutas em que se concretizou o mau trato físico e/ou psíquico, com menção do tempo e lugar em que tal aconteceu, por não serem passíveis de um efetivo contraditório e, portanto, do direito de defesa constitucionalmente consagrado, devem ter-se como não escritas, não podendo servir de suporte à qualificação da conduta do agente.
II - Contudo, relativamente ao momento e lugar da prática do crime não tem necessariamente de se reportar a uma concreta data e sitio; o direito ao contraditório, à defesa e ao processo equitativo fica assegurado quando, na impossibilidade da datação de todas as condutas ofensivas, integradoras dos maus tratos, se fixarem apenas balizas temporais da sua verificação.
III - Resulta da experiência comum, haver comportamentos humanos, sancionados penalmente, em relação aos quais não é possível (ou humanamente exigível) a concretização, quanto ao dia e à hora, de todos os atos que os integram; relativamente a comportamentos reiterados que se vão prolongando ao longo dos anos não é exigível de ninguém, sequer a vítima, que fixe/memorize o dia e o lugar concretos em que ocorreu cada um dos comportamentos ofensivos do agente.
IV - Ainda assim, a descrição fáctica sempre terá que ter alguma concretização, de forma a que seja possível localizar as imputações no tempo e no espaço com suficiente precisão, ainda que por referência apenas ao ano, a algum momento festivo, a algum acontecimento, com mais ou menos significado; a solução terá de ser encontrada caso a caso, o que passará por ponderar se a factualidade descrita tem a densidade suficiente para permitir uma defesa eficaz por parte do arguido, ao nível do exercício do seu direito ao contraditório.»
Neste quadro, analisemos, então, a questão suscitada pelo recorrente:
Como decorre da matéria factual dada como provada nos pontos 1 e 5 a vivência em comum do casal, constituído pelos ora arguido/recorrente e assistente F, prolongou-se por cerca de 14 anos – desde data não concretamente apurada de 2005 até 25/12/2019 –, tendo existido alguns períodos de separação ao longo desses anos.
Relativamente aos factos imputados ao arguido/recorrente perpetrados contra a assistente F, conquanto em relação a alguns desses factos seja referido terem sido praticados, por diversas vezes, ao longo da vivência em comum do casal (cf. pontos 7 e 10), visa-se, através desses pontos enquadrar os comportamentos adiante descritos, existindo referência à localização espácio temporal da ocorrência de alguns deles (cf. pontos 11 e 12) e tanto basta para que se considere existir suficiente concretização dos factos em causa para permitir ao arguido, ora recorrente, o pleno exercício do contraditório.
No concernente aos factos cuja prática é imputada ao arguido, tendo como ofendida R, filha da ofendida:
Foi dado como provado no ponto 3 que R nasceu em 20 de fevereiro de 1992, constando esta mesma data da acusação, deduzida pelo Ministério Público.
Resulta da motivação da decisão de facto exarada na sentença recorrida que R era ainda criança quando a sua mãe, ora assistente e o arguido passaram a viver juntos.
Analisada a certidão do assento de nascimento de R junto a fls. 45 dos autos, verifica-se que nasceu em 1999 e não em 1992, como incorretamente se deu como provado no ponto 3.
Tendo sido comunicada ao arguido, em observância do disposto no artigo 424º, n.º 3, do CPP, a alteração desse concreto facto, o qual se mostra provado por documento autêntico, impõe-se proceder à modificação do ponto 3. dos factos provados, em conformidade, nos termos previstos no artigo 431º, al. a), do CPP.
Donde, passará a constar do ponto 3, o ano de 1999 referente ao nascimento de R.
Nessa decorrência, tendo R atingido a maioridade em 20/02/2017, tem de ser modificada a redação do ponto 22, na menção feita a “menores”, passando a constar «(…) aproveitou-se do facto da menor A e da R se encontrarem a dormir (…).»
Posto isto, atentemos nos factos dados como provados cuja prática é imputada ao arguido, tendo como ofendida R.
8. Ao longo dos diversos anos de vivência do casal, o arguido L, por diversas vezes agrediu a filha desta, de nome R;
18. Por diversas vezes, o arguido L agrediu a ofendida R, desferindo-lhe chapadas na cara, tendo a última agressão ocorrido, em data não concretamente apurada do ano de 2018, residindo na altura em Sesimbra;
19. Tais agressões à ofendida R ocorriam, principalmente, quando na sequência de discussões entre o arguido e a ofendida F aquela intervinha para defender a mãe, acabando o arguido por a agredir com chapadas, e acabando por a trancar no quarto;
21. Frequentemente, o arguido dirigindo-se aos menores R e A chamava-lhes “burros” e dizia-lhes “que nunca iriam ser nada na vida”;
Os atos de agressão, física – desferindo-lhe “chapadas” na cara – e verbal/psicológica – trancando-a no quarto, apelidando-a de “burra” e dizendo-lhe que “nunca iria ser nada na vida – que, na sentença recorrida, foram dados como provados terem sido praticados pelo arguido, tendo como ofendida a demandante R, terão ocorrido no decurso do período de 12/13 anos, com interregnos temporais não apurados, em que o casal esteve separado.
Consta do ponto 18 da matéria factual provada que a última agressão, com bofetadas, ocorreu em data não apurada do ano de 2018, tendo, nessa altura R, 18/19 anos de idade.
Estando em causa uma conduta que terá assumido caráter de reiteração e ainda que seja referido que tais «agressões à ofendida R ocorriam, principalmente, quando na sequência de discussões entre o arguido e a ofendida F aquela intervinha para defender a mãe, acabando o arguido por a agredir com chapadas, e acabando por a trancar no quarto», dada a extensão do período temporal ao longo do qual terão ocorrido, cerca de 12/13 anos e não sendo feita menção a qualquer episódio, circunstanciado e temporalmente localizado, afigura-se-nos, estarmos perante imputações que revestem caráter genérico, não sendo permitindo uma defesa eficaz por parte do arguido, ao nível do exercício do seu direito ao contraditório. Acresce que, no quadro genericamente descrito, não pode ser descartada a eventualidade de algumas das condutas imputadas ao arguido relativamente à ofendida/demandante R, não serem passíveis de unificação e, nessa situação, poder ter ocorrido a prescrição do procedimento criminal em relação a alguns desses factos.
Importa notar que, de acordo com o que foi dado como provado no ponto 18, a última vez em que o arguido agrediu a ofendida R com bofetadas a mesma já tinha 18/19 anos de idade e, nessa situação, na ausência de factualidade provada que permita considerar a esma ofendida como “pessoa particularmente indefesa”, nos termos previstos na alínea d), do n.º 1, do artigo 152º, do CP, essa atuação nunca poderia integrar o crime de violência doméstica p. e p. na referenciada disposição legal.
Na decorrência do que vem exposto, dada a extensão temporal do período em que terão ocorrido os factos imputados ao arguido tendo como ofendida R, descritos nos pontos 8, 18, 19 e 21 e relevando para a decisão da causa, apenas aqueles que ocorreram durante a menoridade daquela, tendo completado 18 anos de idade, em 20/02/2017, não sendo feitas outras referências, mais circunstanciadas e, sobretudo, temporalmente localizadas, pelo menos, com definição de uma baliza temporal mais restrita, reconhecemos assistir razão ao recorrente quando propugna que as imputações mencionadas nos enunciados pontos da matéria de facto provada – nos mesmos termos que já constavam da acusação –, são genéricas, por não serem passíveis de um efetivo contraditório e, portanto, não permitirem ao arguido, o exercício pleno do direito de defesa, constitucionalmente consagrado no artigo 32º, n.º 1, da CRP.
Donde, não podendo aquelas imputações genéricas servir de suporte à qualificação das condutas do agente/arguido, ora recorrente, tendo como ofendida R, devem ser tidas como não escritas.
Termos em que, pelas razões explicitadas, se consideram não escritos os pontos 8, 18, 19 e 21 da matéria factual provada.
Nessa decorrência, fica sem sustentação a factualidade vertida no ponto 26, referente ao dolo reportado à atuação objetiva descrita no ponto 21, agora considerado como não escrito, pelo que, idêntica solução deve ser adotada no que tange ao ponto 26.
No tocante aos factos dados como provados cuja prática é imputada ao arguido, tendo como ofendida A, constantes dos pontos 20 e 21, diremos o seguinte:
- Relativamente ao ponto 21, pelos supra fundamentos expostos a propósito da ofendida R, residindo a única diferença na circunstância de a ofendida A, ser menor, ao longo de toda a vivência em comum da sua mãe com o arguido, tendo nascido a 20/09/2003, têm de considerar-se como não escrito o ponto 21 e bem assim como o ponto 26.
Já no que tange à factualidade dada como provada no ponto 20 – Em data não concretamente apurada, mas na altura em que residiam no Pinhal Novo, por causa de uma birra que a menor A fez, o arguido L, amarrou-a a uma cadeira, colou-lhe fita cola na boca, deixando-a ali bastante tempo –, tratando-se de um facto individualizado e que se mostra circunstanciado, quanto ao modo e lugar em que ocorreu, entendemos não constituir uma imputação genérica, mostrando-se suficientemente concretizado para permitir ao arguido, o pleno exercício do contraditório, não se verificando, neste conspecto, a violação 32º, n.ºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa.
Ainda assim, decidimos proceder a uma alteração não substancial dos factos dados como provados na sentença recorrida, com referência ao enunciado ponto 20, precisando a localização temporal da ocorrência desses factos, a qual foi comunicada ao arguido/recorrente, em observância do disposto no artigo 424º, n.º 3, do CPP.
Tal como decorre da motivação da decisão de facto exarada na sentença recorrida, a ofendida A, no depoimento prestado, na audiência de julgamento, afirmou terem os factos em apreço acontecido quando tinha 9 anos de idade.
O depoimento da ofendida A mereceu credibilidade ao Tribunal a quo, pelas razões que explicitou e tendo-se procedido à audição da gravação desse depoimento, não vislumbramos existirem quaisquer razões objetivas para pôr em causa essa atribuição de credibilidade, antes pelo contrário, atento o modo como a ofendida/demandante relatou os factos, denotando grande assertividade, consistência, coerência, objetividade e deixando transparecer grande emoção e sofrimento ao recordar os acontecimentos, sendo o seu relato, em alguns momentos entrecortado pelo choro, mormente ao relatar a factualidade descrita no ponto 20, referindo ser esse um episódio a marcou imenso e marca até hoje.
No que tange ao período de tempo durante o qual a menor A ficou “amarrada” à cadeira, com fita cola colada na boca, o segmento “durante muito tempo” constante da parte final do ponto 20 da matéria de facto provada, é tal como assinala o arguido conclusiva.
Neste conspecto, conquanto a ofendida/demandante A, nas declarações prestadas, haja estimado o tempo durante qual ficou “amarrada”, em “para aí uma hora”, referindo ter o arguido/recorrente lhe tirado fotos e gravado a situação, decidimos não ser de efetuar a alteração do segmento da matéria de facto em apreço e fazer menção ao período de tempo referenciado pela ofendida A, considerando que a perceção da vítima relativamente ao período de tempo em que ficou amarrada à cadeira e com a boca colada com fita cola, poderá não ser exata ou aproximada, o que é perfeitamente compreensível, à luz das regras da experiência comum e da normalidade da vida, tendo em conta a idade da ofendida, à data da ocorrência – 9 anos – e a natureza profundamente traumática do acontecimento vivenciado.
Donde, deve ser dado como não escrito o segmento final do ponto 20 da matéria de facto provada, ou seja, “durante muito tempo”.
Nestes termos, sem prejuízo do acabado de decidir, dando-se como não escritos os assinados pontos da matéria de facto provada – quais sejam, os pontos 8, 18, 19, a parte final do ponto 20, 21 e 26 –, entendemos que a narração dos demais factos imputados ao arguido, no libelo acusatório e que vieram a ser dados como provados, designadamente, no referente à sua localização temporal, circunstâncias e contexto em que tiveram lugar, é de molde a permitir ao arguido/recorrente exercer, plenamente, o contraditório e o direito de defesa (cf. artigo 32º, n.º 1, da CRP).

2.3.3. Da impugnação da matéria de facto dada como provada
Impugna o recorrente a matéria de facto provada sob os pontos 7, 8, 18, 20, 23 e 29 a 36.
Considera o recorrente que os enunciados factos foram incorretamente julgados, por não ter sido feita prova, na audiência de julgamento, que permitisse, sem margem para dúvidas, decidir nesse sentido. Na ótica do recorrente, em face da prova produzida e especificada, impunha-se que tais factos fossem dados como não provados.
Neste âmbito, invoca, ainda, o recorrente, a verificação dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, da contradição insanável da fundamentação (entre factos provados e factos não provados e respetiva fundamentação) e entre esta e a decisão e do erro notório na apreciação da prova (cf. artigo 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c), do CPP).
O Ministério Público defende ter o Tribunal a quo valorado corretamente a prova e não se verificarem quaisquer dos apontados vícios decisórios e, como tal, dever a matéria de facto fixada na 1.ª instância ser mantida.
Apreciando:
O recorrente impugna a matéria de facto provada sob os pontos especificados, invocando o erro na apreciação e valoração da prova produzida e os vícios decisórios previstos no artigo 410º, n.º 2, do CPP.
Como é sabido, a impugnação da matéria de facto, em sede recursiva, pode fazer-se por duas vias, sendo uma de âmbito mais restrito, mediante a invocação dos vícios previstos no artigo 410º, n.º 2, do CPP – a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) O erro notório na apreciação da prova –; e a outra através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º, n.ºs 3, 4 e 6, do CPP.
Como decorre do n.º 2 do artigo 410º do CPP, os vícios nele enunciados terão de ser evidentes e passíveis de deteção através do mero exame do texto da decisão recorrida (sem possibilidade de recurso a outros elementos constantes do processo, mesmo que resultem do julgamento), por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
A impugnação ampla da matéria de facto a que alude o artigo 412º, n.º 3, do CPP, visa a correção do erro de julgamento, com a reapreciação, pelo Tribunal da Relação, da prova gravada na 1.ª instância.
Assim e, diversamente do que sucede quando são invocados os vícios do artigo 410º, n.º 2, do CPP, essa reapreciação não se restringe ao texto da decisão recorrida, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada/gravada) produzida em audiência, dentro dos limites fornecidos pelo recorrente, no cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 412º do CPP, sem prejuízo de o tribunal de recurso, poder ouvir outras passagens que não as indicadas (n.º 6 do artigo 412º do CPP).
O erro de julgamento ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova produzida, deveria ter sido considerado provado.
Neste domínio, importa reter alguns aspetos fundamentais, reiteradamente afirmados pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores e que se passam a referir:
O erro de julgamento não pode ser confundido com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida e a convicção que o tribunal formou. Neste âmbito vigora o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, estabelecido no artigo 127º do Código de Processo Penal, de acordo com o qual a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
A impugnação ampla da matéria de facto, em sede de recurso, não visa a realização de um segundo e novo julgamento, com base na audição de gravações e na reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos, que serviram de fundamento à decisão recorrida, como se esta não existisse. O que se visa é uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos pontos de facto que o recorrente especifique como incorretamente julgados, cabendo ao tribunal de recurso confrontar o juízo que sobre esses concretos pontos foi realizado pelo tribunal recorrido com a sua própria convicção, determinada pela valoração autónoma das provas que o recorrente indique nas conclusões da motivação[11].
Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos da matéria de facto impugnados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando, especificadamente, os meios de prova enunciados nessa decisão e as concretas provas indicadas pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa da proferida.
A ausência de imediação determina que o tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida e não apenas se a permitirem (cf. al. b) do n.º 3, do artigo 412º do CPP).
A decisão do recurso sobre a matéria de facto não pode ignorar, antes tem de respeitar o princípio da livre apreciação da prova do julgador, estabelecido no artigo 127º do Código de Processo Penal e a sua relação com os princípios da imediação e a oralidade, sobretudo quando tem de se debruçar sobre a valoração da prova por declarações e/ou testemunhal, efetuada na 1.ª instância.
Outro aspeto a salientar é que a atribuição de credibilidade, ou não, à prova testemunhal ou por declarações, assenta numa opção do julgador na base da imediação e da oralidade, decidindo de acordo com a livre convicção, que o tribunal de recurso só poderá censurar se for contrária às regras da experiência comum e lógica[12].
Nada impede que a convicção do julgador se possa alicerçar no depoimento de uma única testemunha, mesmo que se trate do(a) ofendido(a), nas declarações do assistente ou do demandante, desde que devidamente explicitadas, pelo julgador, na motivação da decisão de facto, as razões do seu convencimento[13].
Conforme supra referimos, neste âmbito, o tribunal de recurso limita-se a aferir do processo de motivação e de conformidade com as regras legais de apreciação de prova e a só pode determinar a alteração da matéria de facto fixada se concluir que os elementos de prova indicados pelo recorrente impõem uma decisão diversa e não se apenas permitem uma outra decisão.
Consequentemente, a crítica à convicção do tribunal a quo sustentada na livre apreciação da prova e nas regras da experiência não pode ter sucesso se se alicerçar apenas na diferente convicção do recorrente sobre a prova produzida.
Não pode admitir-se que haja uma inversão de papéis do juiz e do recorrente, em termos de a convicção pessoal deste último se poder afirmar ou sobrepor à convicção formada pelo julgador, logo que esta se mostre alicerçada nas provas produzidas, respeitando os princípios e as normas legais do direito probatório e que seja devidamente fundamentada.
Relativamente à livre apreciação da prova, conforme bem refere o Prof. Germano Marques da Silva[14], deve ser entendida como «valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objetivar a apreciação, requisito necessário para uma efetiva motivação da decisão.»
Existirá violação do princípio da livre apreciação da prova se, na apreciação da prova e nas ilações extraídas, o julgador não respeitar os princípios em que se consubstancia o direito probatório e as regras da experiência comum, da lógica e de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório.
Como se faz notar no Acórdão do STJ de 17/03/2004[15] «Para avaliar da racionalidade e da não arbitrariedade (ou impressionismo) da convicção sobre os factos, há que apreciar, de um lado, a fundamentação da decisão quanto à matéria de facto (os fundamentos da convicção), e de outro, a natureza das provas produzidas e dos meios, modos ou processos intelectuais, utilizados e inferidos das regras da experiência comum para a obtenção de determinada conclusão.».
O princípio in dubio pro reo, que é decorrência do princípio constitucional da presunção da inocência consagrado no artigo 32º, n.º 2 da CRP, constitui um limite normativo do princípio da livre apreciação da prova, na medida em que impõe orientação vinculativa para os casos de dúvida sobre a veracidade dos factos, ou seja, impõe ao julgador que, quando confrontado com a dúvida, razoável e fundada, em matéria de prova, resolva tal dúvida em sentido favorável ao arguido.
Tecidas estas considerações gerais, passamos a apreciar, em concreto, os diversos pontos da matéria de facto provada objeto de impugnação pelo recorrente e a fundamentação pelo mesmo aduzida, para propugnar deverem esses factos ser dados como não provados.
Relativamente aos pontos 7 e 29 a 36 da matéria factual provada:
Sustenta o recorrente ter a assistente F, nas declarações prestadas, na audiência de julgamento, negado que o arguido lhe chamasse nomes, afirmado não fazer qualquer medicação, deixado de ter medo do arguido e ser hoje uma pessoa feliz, transcrevendo, na motivação do recurso, os excertos da gravação das declarações da assistente de que se socorre para estribar o alegado.
Propugna, por isso, o recorrente que deviam ser dados por não provados os factos constantes dos pontos 7 e 29 a 36.
Vejamos:
Tendo-se procedido à audição da gravação das declarações prestadas pela assistente F, fazendo-se uso da faculdade prevista no n.º 6 do artigo 412º do CPP, constata-se que, com a ressalva da parte em que a assistente afirmou não tomar medicação – referindo terem-lhe sido prescritos medicamentos e explicando as razões pelas quais não os tomou –, todos os excertos das declarações da assistente transcritos pelo recorrente, se mostram incompletos e totalmente descontextualizados, a ponto de, em alguns dos segmentos, as declarações da assistente serem de sentido contrário ao que é referido pelo recorrente.
O acabado de referir resulta exuberantemente demonstrado, com referência ao ponto 7 matéria factual provada, convocando o recorrente um excerto das declarações da assistente em que a mesma se referia a uma fase inicial do relacionamento, tendo a assistente confirmado, mais adiante, que, durante a vivência em comum do casal, o arguido/recorrente, por diversas vezes, lhe chamou nomes – referindo ter esse comportamento se agravado, após o falecimento da sua mãe – dizendo-lhe “és uma retornada”, “vai para a tua terra”, “não vales nada”, “bruxa”, “burra”, “és uma analfabeta”, “filha da …” (a assistente não completou este epíteto).
A e R, nas suas declarações, corroboraram terem presenciado/ouvido o arguido/recorrente a chamar a sua mãe, ora assistente, de burra, analfabeta, filha da puta.
Em face das declarações da assistente F e dos depoimentos de A e R, sendo-lhes atribuída credibilidade, pelas razões explicitadas, mostra-se absolutamente sustentada a convicção formada pelo Tribunal a quo, dando como provado ter o arguido, durante a vivência em comum do casal e por diversas vezes, chamado a ora assistente de “burra” e “analfabeta”.
Já no referente ao epíteto “puta”, da prova produzida, concretamente, das declarações da assistente e dos depoimentos de A e de R, não resulta que o arguido o tivesse dirigido à assistente F, mas antes que a apelidou de “filha da puta”.
Por conseguinte, com referência ao ponto 7 da matéria factual provada, impõe-se a sua modificação, em termos de passar a constar do elenco dos factos não provados que o arguido chamasse “puta” à assistente F.
No tocante aos factos dados como provados nos pontos 29 a 36, respeitantes ao estado psíquico e emocional vivenciado pela assistente F, em consequência das apuradas condutas do arguido/recorrente, manifesta o recorrente que as declarações prestadas pela assistente foram contrárias ao que foi dado como provado sob os enunciados pontos.
Também nesta parte, conforme supra se referiu, os excertos das declarações da assistente, transcritos pelo recorrente, estão incompletos e surgem descontextualizados, a ponto de, em alguns dos segmentos, as declarações da assistente serem de sentido contrário ao que é referido pelo recorrente.
A afirmação da assistente de que chegou a uma altura em que deixou de ter medo “entre aspas” do arguido, estando em Sesimbra, foi pela mesma justificada, do seguinte modo: “(…) tinha o aparelho – referindo-se ao botão de pânico –, além do aparelho, fui arranjar uma casa junto à GNR, mesmo encostada à GNR, por essa razão, por esse motivo, para me sentir mais segura. Ali, ao menos, eu sentia-me segura, apesar da renda que eu estou a pagar ser um bocadinho mais elevada do que se calhar pagasse lá em cima, mas ali eu sentia-me mais segura porque tenho a GNR a um segundo da minha casa. Ele sabe onde é que é. Eu sentia-me mais segura, mas eu já disse no fim disto tudo eu tenho medo porque ele já fez mal a muita gente e todas as pessoas se calaram. Eu tenho medo pelo que pode vir a acontecer: Não é ele, é ele arranjar outras pessoas.
A assistente foi perentória ao afirmar continuar a sentir medo do arguido, referindo “Neste momento vivo com medo. Tenho mais medo de quando sair deste tribunal do que quando vim (…)”.
No atinente a não tomar medicação a assistente F referiu ter-se tratado de uma decisão sua, o que justificou: “Na altura deram-me para fazer medicação, mas é assim: Se eu tinha duas meninas a meu encargo e tinha despesas, se eu fiquei sem nada, se eu fosse fazer medicação, eu não podia fazer a minha vida normal e quem é que ia sustentar as minhas filhas? (…).”
Por último, a afirmação feita pela assistente de ser hoje uma pessoa feliz, surge por comparação ao tempo em que viveu com o arguido, referindo: “Eu hoje sou uma pessoa feliz, sou pobre mas sou livre” (…) “Sou feliz no aspeto de não ter que tar a trabalhar, não ter que tar com uma pessoa por obrigação e estar a ser maltratada, explorada (…).”
Em face do exposto, resulta claro que o recorrente distorce o sentido das declarações prestadas pela assistente, fazendo referência a alguns excertos descontextualizados, omitindo a sequência do relatado pela assistente a esse propósito.
O recorrente critica a apreciação/valoração da prova feita pelo Tribunal a quo, que o levou a dar como provados os factos respeitantes às condutas empreendidas contra a assistente F e as filhas desta, particularmente, contra a ofendida A, manifestando não deverem as declarações da assistente F e os depoimentos de A e R serem valoradas, designadamente, em confronto com o depoimento do menor D, que negou ter o arguido/recorrente, seu pai, perpetrado qualquer ato de agressão, física ou verbal, contra si.
Acontece que o Tribunal a quo atribuiu credibilidade às declarações da assistente F e aos depoimentos de A e R, no relato que, respetivamente, fizeram da atuação do arguido para consigo e para com a sua mãe, ora assistente, sendo certo que as declarações prestadas pelo menor D, filho do arguido e da assistente, em nada contrariaram, nessa parte, o que foi por aquelas relatado.
E não se descortinando, no juízo alcançado pelo tribunal recorrido, subjacente à tomada de decisão quanto à atribuição de credibilidade às declarações da assistente e aos depoimentos de A e R, nos termos sobreditos, qualquer afronta às regras da experiência comum e da lógica racional, passível de poder constituir violação do princípio da livre apreciação da prova, estabelecido no artigo 127º do CPP, não pode esta Relação censurar esse juízo.
Por conseguinte, no referente à matéria factual dada como provada no ponto 7, com a ressalva do segmento “puta” – que passará a constar do elenco dos factos não provados conforme supra decidido – e nos pontos 29 a 36, concluímos não existir qualquer erro de julgamento, pelo que, deve manter-se inalterada.
No que tange aos pontos 8 e 18 dos factos provados – alegando o recorrente existir contradição entre esses factos e aqueles que haviam sido dados como não provados nos pontos 3. a 5., na anterior sentença da 1.ª instância, cuja nulidade por falta de fundamentação foi declarada por Acórdão desta Relação proferido em 12/07/2023 –, tendo-se decidido dá-los como não escritos, nos termos sobreditos, mostra-se prejudicado o conhecimento da respetiva impugnação.
No tocante ao ponto 20 da matéria factual provada:
Sustenta o recorrente que o depoimento de R, ao referir ter o arguido amarrado o seu irmão, D, a uma cadeira e não ter conhecimento de que tal acontecesse com mais alguém, impunha que fosse dada como não provada a factualidade constante do ponto 20.
Não assiste qualquer razão ao recorrente.
A matéria factual em apreço foi dada como provada com base nas declarações da ofendida/demandante A, que relatou esse acontecimento, com grande precisão e assertividade (“E um episódio que me marcou imenso e marca até hoje, foi uma vez que eu saí da escola e ele tinha uma loja, que era onde metia a minha mãe a trabalhar, mais isolada. E eu saí da escola e a loja era ali perto e ele – referindo-se ao ora arguido/recorrente – veio-me buscar e eu fiz uma birra, tinha para aí nove anos, queria ir para casa. E ele disse não vamos para casa. Chegámos à loja e meteu-me numa cadeira, agarrada com fita cola, fita cola por todo o lado, e na boca. E eu fiquei p’ra aí uma hora e ele ainda tirou fotos e gravou a situação”), merecendo inteira credibilidade ao Tribunal a quo. E tendo esta Relação procedido à audição, na íntegra, do depoimento, consideremos não existirem quaisquer razões objetivas para pôr em causa essa atribuição de credibilidade, muito pelo contrário, a voz embargada e o choro da ofendida, ao recordar esse episódio, não deixam qualquer reserva sobre a veracidade do que relatou.
O depoimento de R de modo algum abala as declarações da ofendida/demandante A, tendo esta afirmado estar sozinha com o arguido, quando este a amarrou à cadeira e lhe colocou fita cola na boca, nas circunstâncias que descreveu, o que, não é, de modo algum, contraditado pelo depoimento de R, ao afirmar ter visto o arguido a amarrar o seu irmão D a uma cadeira e não ter conhecimento de que tivesse amarrado mais alguém.
A assistente F, nas declarações prestadas relatou que a filha A, que, na altura frequentava o 6º ano de escolaridade, em 2014, estando a viver em Pinhal Novo, numa determinada ocasião, quando a depoente regressou ao “escritoriozinho” onde atendia os telefonemas das pessoas que a contatavam, localizado próximo da escola que as filhas frequentavam, viu a filha A a chorar, tendo-lhe a mesma contado que o ora arguido/recorrente a amarrou a uma cadeira e lhe tapou a boca com fita cola, constatando a assistente, a existência de marcas nos braços da A. Esclareceu a assistente que, nessa ocasião, a A disse-lhe que queria fazer queixa à polícia, mas a assistente convenceu-a a que não o fizesse.
Concluímos, assim, inexistir erro de julgamento, por parte do Tribunal a quo, ao dar como provado o ponto 20, com a redação resultante da alteração não substancial dos factos a que se procedeu e comunicada ao arguido e com a eliminação do segmento “deixando-a ali durante muito tempo”.
A redação do ponto 20 da matéria de facto provada passa, pois, a ser a seguinte: «Em data não concretamente apurada, mas na altura em que residiam no Pinhal Novo, tendo a menor A 9 anos de idade, por causa de uma birra que a menor A fez, o arguido L, amarrou-a a uma cadeira e colou-lhe fita cola na boca»
No tocante ao ponto 23 da matéria factual provada:
Alega o recorrente que, as declarações da assistente F – ao reconhecer que também discutia com o arguido e que a muitas coisas não se calava – e o depoimento do ofendido D – tendo referido que os pais, ora arguido e assistente, às vezes, chamavam nomes um ao outro e que viu/ouviu o pai a chamar “vidente” e “burra” à mãe e esta, “uma vez ou outra” a chamar “filho da puta” ao pai –, impunha que houvesse uma valoração da prova a favor do arguido, em respeito pelo princípio da presunção de inocência, ou, pelo menos, uma desvalorização da sua conduta, posto que a assistente teve idêntica conduta para consigo.
Manifesta o recorrente que o Tribunal a quo fez “tábua rasa” das contradições “entre a prova provada e não provada”, desvalorizando a conduta da assistente e as mentiras que dela emergem, ignorando o depoimento isento e equidistante do ofendido D.
Considera o recorrente ser evidente a existência de dúvida, a qual deveria ter sido valorada a seu favor, por imposição do princípio in dubio pro reo, que foi violado, acarretando a nulidade da sentença recorrida.
Vejamos:
A matéria factual vertida no ponto 23 reporta-se aos elementos subjetivos, designadamente, ao dolo, com que o arguido atuou, ao dirigir à ora assistente F as expressões e “ameaças” que resultaram provadas.
É sabido que, exceto nos casos em que haja confissão, a prova do dolo, enquanto elemento subjetivo, que pertence ao foro íntimo do sujeito, terá de fazer-se a partir da análise da conduta pelo mesmo assumida e do contexto da ação desenvolvida, cabendo ao julgador, socorrendo-se, nomeadamente, das regras da experiência comum, daquilo que constituiu o princípio da normalidade da vida, retirar desse contexto, por recurso a ilações e inferências, a intenção pelo mesmo revelada e subjacente à atuação. Foi essa a operação efetuada pelo Tribunal a quo, em termos que não merecem censura.
Refira-se que mesmo na hipótese de a assistente poder ter dirigido alguns epítetos ao arguido, nas discussões havidas, tal não levaria a afastar a existência do dolo, por parte do arguido, nos termos dados como provados.
A verificar-se uma tal situação, só se a assistente tivesse agido em “pé de igualdade” para com o arguido – o que, de todo, não aconteceu, tendo em conta a dinâmica da relacionamento do casal, descritos pela assistente e pelas ofendidas A e R –, se poderia equacionar, em sede de decisão de direito, se deveria haver desvalorização da atuação do arguido/recorrente por forma a não poder integrar o crime de violência doméstica.
Importa referir que o ofendido D deixou transparecer grande contenção no seu depoimento (a cuja audição integral procedemos), evidenciando pretender distanciar-se da situação, não entrando em pormenores, respondendo a diversas questões que lhe foram colocadas com “não me recordo” e procurando “aligeirar” alguns dos atos perpetrados pelo seu pai, ora arguido/recorrente, contra si, designadamente, apelidando de “toques com os pés”, que o pai lhe dava, para que saísse debaixo da mesa, sendo esses atos qualificados de pontapés pela assistente e por A e R.
Em face do exposto, deve manter-se inalterado o ponto 23 da matéria factual provada.

2.3.4. Não assiste razão ao recorrente no tocante à invocada violação do princípio da presunção da inocência/in dubio pro reo.
Explicitando:
Alega o recorrente que os depoimentos dos ofendidos são contraditórios entre si, pelo que, subsiste a dúvida sobre a realidade dos factos dados por provados, qual teria de ser resolvida em sentido favorável ao arguido, o que não aconteceu, com a consequente violação, pelo tribunal a quo, do princípio in dubio pro reo.
Tal como supra referimos, o princípio in dubio pro reo é decorrência do princípio da presunção da inocência consagrado no artigo 32º, n.º 2 da CRP e constitui um limite normativo do princípio da livre apreciação da prova, na medida em que impõe orientação vinculativa para os casos de dúvida sobre a veracidade dos factos, ou seja, impõe ao julgador que, quando confrontado com a dúvida, razoável e fundada, em matéria de prova, a resolva em sentido favorável ao arguido.
Segundo o entendimento jurisprudencial pacificamente aceite, o tribunal de recurso apenas pode censurar o não uso do princípio in dubio pro reo se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e que, perante essa dúvida, optou por decidir em sentido desfavorável ao arguido[16].
Numa outra vertente, a violação do princípio in dubio pro reo verificar-se-á, quando, no âmbito da impugnação ampla da matéria de facto, resulte demonstrado, o erro na apreciação da prova produzida, em termos de se concluir que o julgador, ao condenar o arguido, com base na prova a que atendeu e na valoração a que procedeu, contrariou as regras da experiência comum, quando, deveria ter chegado a um estado de dúvida insanável e, por isso, deveria ter decidido a favor do arguido[17].
No caso dos autos, tal como resulta da motivação da decisão de facto exarada na sentença recorrida e pelas razões que enunciou, o Tribunal a quo, fez uso do princípio in dubio pro reo, relativamente aos factos por que o arguido/recorrente foi acusado, tendo como ofendido D.
No que tange à demais factualidade provada e especificamente àquela que se mantém inalterada, não ocorre qualquer fundamento válido para que fosse aplicado o princípio in dubio pro reo.
Por conseguinte, não foi violado o enunciado princípio.

2.3.5. Invoca o recorrente a existência de contradição insanável da fundamentação (factos provados e não provados e respetiva motivação) e entre esta e a decisão, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova.
Vejamos:
Constitui jurisprudência consolidada dos nossos Tribunais Superiores e tal decorre do n.º 2 do artigo 410º, que os vícios decisórios nele previstos e ora invocados pelo recorrente, têm que resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo admissível o recurso a elementos estranhos à decisão recorrida, para fundamentar a impugnação, ainda que constem dos autos e mesmo que tenham resultado do próprio julgamento.
Assim:
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, prevista na al. b) do n.º 2 do artigo 410º do CPP, ocorre quando os factos provados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem – absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou de dispensa da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. – e isto, porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda, porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência.
Conforme vem sendo reiteradamente afirmado na jurisprudência, a insuficiência para decisão da matéria de facto provada não se confunde com a insuficiência da prova para os factos que erradamente foram dados como provados. «Na primeira critica-se o Tribunal por não ter indagado e conhecido os factos que podia e devia, tendo em vista a decisão justa a proferir de harmonia com o objeto do processo; na segunda censura-se a errada apreciação da prova levada a cabo pelo Tribunal: teriam sido dados como provados factos sem prova para tal.[18]».
O vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 410º do CPP, ocorre quando, seguindo uma linha de raciocínio lógico, tendo por base o texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, se conclua pela existência de oposição insanável entre os factos provados, entre estes e os não provados, entre a fundamentação probatória da matéria de facto ou, ainda, entre a fundamentação e a decisão, em termos de a fundamentação justificar decisão oposta, ou não justificar a decisão[19].
O erro notório na apreciação da prova, a que alude a alínea c), do n.º 2, do artigo 410º do CPP ocorre quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar, arbitrária, de todo insustentável, e as regras da experiência comum. Tem de ser um erro patente, evidente, percetível por um qualquer cidadão.
Nas palavras dos Cons. Simas Santos e Leal-Henriques[20], existe erro notório na apreciação da prova quando ocorre «falha grosseira e ostensiva na análise da prova, percetível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou (…).
Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios, ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das legis artis.».
Como se refere no Acórdão do STJ de 22/04/2020[21] «Trata-se de um vício do raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão, erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de particular exercício mental. Para ocorrer este vício, as provas evidenciadas pela simples leitura do texto da decisão têm que revelar claramente um sentido e a decisão recorrida extrair ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica provada ou excluindo dela algum facto essencial.[22]»
Tendo em conta os contornos dos enunciados vícios decisórios, lida a sentença recorrida, há que concluir que a mesma não enferma de nenhum deles.
Aliás, como resulta da motivação de recurso, o recorrente não situa os apontados vícios no texto da sentença agora recorrida.
Para sustentar a existência de contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão, o recorrente fá-lo, reportando-se à anterior sentença da 1.ª instância, proferida em 24/01/2024, a qual foi declarada nula, por acórdão desta Relação, prolatado em 12/07/2023, por falta de fundamentação da decisão de facto, quanto ao exame crítico das provas.
Confrontando a sentença cuja nulidade foi declarada com a sentença ora recorrida, constata-se, tal como refere o recorrente, ter o Tribunal a quo, na primeira sentença, dado como não provados factos – sob os pontos 3, 4 e 5 – que na sentença objeto do presente recurso foram dados por provados – sob os pontos 8 e 18 –.
Os factos em causa respeitam à atuação do arguido/recorrente tendo como ofendida R.
Sucede que os enunciados pontos da matéria de facto provada foram dados como não escritos, nos termos sobreditos.
Assim sendo, fica prejudicada a apreciação da questão sobre quais as consequências a extrair da assinalada modificação da decisão de facto efetuada pelo Tribunal a quo, sendo certo que não integraria o vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, posto que este terá de ser aferido com referência ao texto da concreta decisão posta em crise, não podendo ser convocados quaisquer elementos estranhos à mesma, designadamente, a sentença anteriormente proferida.
No atinente ao invocado erro notório na apreciação da prova, tendo em conta a fundamentação expendida pelo recorrente para sustentar a existência de tal erro, convocando a prova produzida na audiência de julgamento, resulta claro pretender impugnar a matéria de facto dada como provada nos pontos especificados, por erro de julgamento, na apreciação/valoração da prova, nos termos previstos no artigo 412º, n.º 3, do CPP, evidenciando o recorrente confundir estas duas situações, perfeitamente distintas e com pressupostos diferenciados.
Tendo-se conhecido da impugnação ampla da decisão de facto, nos termos sobreditos, sempre se dirá que lida a motivação da decisão de facto exarada na sentença recorrida e tendo em conta os contornos do erro notório na apreciação da prova, acima definidos, entendemos que a sentença recorrida não enferma de tal vício, enquanto erro grosseiro, ostensivo e apreensível pela generalidade das pessoas, mediante a simples leitura da decisão.
Por último, quanto à invocada insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, sem prejuízo do supra decidido, no referente aos pontos considerados não escritos com as consequências a extrair em sede de decisão de direito, relativamente ao crime de violência doméstica por que o arguido/recorrente vem acusado tendo como ofendida/demandante R e ao pedido de indemnização civil por esta deduzido, lida a sentença recorrida, perante os factos que foram dados como provados, considerando o respetivo enquadramento jurídico-penal, concluímos que a matéria de facto apurada, que foi dada como provada, é bastante para a decisão de direito proferida.
E assim sendo, há que concluir que o acórdão recorrido não enferma do apontado vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada.

2.3.6. Da qualificação jurídica dos factos
Antes de mais, importa tecer algumas considerações jurídicas sobre o crime de violência doméstica, por cuja prática o arguido/recorrente vem acusado e foi condenado na 1.ª instância.
De harmonia com o disposto no artigo 152º, n.º 1, do Código Penal, na redação dada pela Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro e na parte que releva para o caso dos autos, pratica o crime de violência doméstica «Quem de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade ou e ofensas sexuais:
(…)
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
(…)
d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite;
(…)
De acordo com o estatuído na al. a) do n.º 2 do artigo 152º do Código Penal, o crime será agravado, se o agente: «Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima»
Em relação ao bem jurídico protegido por esta incriminação, sendo a questão controvertida na doutrina e na jurisprudência, acolhemos a posição que vem sendo maioritariamente defendida, no sentido de que é a saúde física, psíquica ou emocional, que pode ser afetada por toda uma multiplicidade de comportamentos que atinjam a dignidade da pessoa humana, da vítima, individualmente considerada, enquanto sujeito de qualquer das relações previstas no nº. 1 do artigo 152º do Código Penal[23].
O tipo objetivo do ilícito preenche-se com a ação de infligir maus tratos físicos ou psíquicos à vítima, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais.
Como se decidiu no Acórdão da RE, de 09/01/2018[24], no crime de violência doméstica, «A descrição típica esgota-se na inflição de maus tratos físicos ou psíquicos por agente que se encontre com a vítima numa das relações mencionadas no preceito legal, ainda que se reconheça que o fundamento da ilicitude ou da sua agravação, subjacente à incriminação, se encontra na afetação da dignidade humana, decorrente da conjugação dos atos típicos ali previstos com a especial situação em que, reciprocamente, se encontram a vítima e o agente.»
Com a redação dada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, ao artigo 152º do Código Penal, introduzindo-se no corpo do n.º 1 o segmento «de modo reiterado ou não», foi ultrapassada a querela que se vinha suscitando de saber se para integrar o conceito de «maus tratos» bastava a prática de um só ato, ou se era necessária a reiteração de condutas. Perante a atual redação do enunciado preceito legal, é isento de dúvidas que poderá bastar só uma conduta ou ato para que possa ser preenchido o crime de violência doméstica.
A dificuldade está em delimitar os casos em que a conduta é subsumível ao crime de violência doméstica, daqueles em que integra outros tipos de crime, tais como a ofensa à integridade física, a injúria, a ameaça, a coação, a perturbação da vida privada, entre outros.
Como se faz notar no Acórdão da RP de 13/06/2018[25], a solução está no conceito de «maus tratos», sejam eles físicos ou psíquicos.
Tal como refere Catarina Fernandes[26], os maus tratos físicos podem «traduzir-se em ações muito diversas, incluindo bofetadas, murros, pontapés, beliscões, empurrões, abanões, puxões de cabelo, mordeduras, compressões de partes do corpo com as mãos ou objetos, traumatismos com objetos, queimaduras, intoxicações, ingestão ou inalação forçadas, derramamento de líquidos, imersão da vítima ou de partes do seu corpo. Podem também decorrer da omissão de cuidados indispensáveis à vida, saúde e bem-estar da vítima (relativamente a vítimas dependentes ou indefesas, nomeadamente em razão da idade ou do estado de saúde) (…)»
«Os maus tratos psíquicos são mais difíceis de caraterizar, porque se pode traduzir numa multiplicidade de comportamentos ativos e omissivos, verbais e não verbais, dirigidos, direta ou indiretamente à vitima, que atingem e prejudicam o seu bem-estar psicológico, nomeadamente ameaçar, insultar, humilhar, vexar, desmoralizar, culpabilizar, atemorizar, intimidar, criticar, desprezar, rejeitar, ignorar, discriminar, manipular e exercer chantagem emocional sobre a vítima (…)»
Decisivo para que tais comportamentos possam integrar o conceito de maus tratos passível de preencher o tipo objetivo do crime de violência doméstica é que revistam intensidade ou gravidade bastante para poder justificar a sua autonomização relativamente aos ilícitos que as condutas individualmente consideradas possam integrar[27].
Dito de outro modo, o comportamento tem de assumir uma dimensão ou intensidade bastante para poder lesar o bem jurídico protegido, ofendendo a saúde física, psíquica ou emocional da vítima, de modo incompatível com a sua dignidade pessoal, enquanto sujeito compreendido no elenco definido nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 152º do Código Penal.
Na apreciação do(s) comportamento(s) assumido(s) pelo agente, em termos de se poder decidir se configura(m) «maus tratos», haverá que proceder à avaliação da “situação ambiente” e que ter em conta a “imagem global do facto”[28].
Como se escreve no Acórdão desta Relação de Évora, de 24/02/2015[29], «Sendo hoje inequívoco que a tutela da violência doméstica se projecta não apenas sobre casos de reiteração ou habitualidade de comportamentos violentos, mas também potencialmente aplicável a uma conduta violenta, não é qualquer acção isolada de violência exercida no âmbito doméstico que poderá ser qualificada como de maus tratos com vista ao preenchimento do tipo. Importa, nesses casos, descortinar se a conduta do agente, pelo seu carácter violento ou pela sua configuração global de desrespeito pela pessoa da vítima ou de desejo de prevalência de dominação sobre a mesma, é susceptível de ser classificada como “maus tratos”.»
Deste modo, configurando o crime de violência doméstica um tipo em que condutas contra a integridade física, contra a honra e consideração, contra a liberdade e autodeterminação sexual encontram proteção, como bem se decidiu no Ac. da RC de 12/04/2018[30], «a questão de saber se as condutas violadoras encontram adequação, designadamente, nos tipos legais de ofensa à integridade física, injúria, ameaças, exige um juízo sobre a intensidade da violação de todos ou cada um dos bens em causa, quer pela sua reiteração, quer em função da gravidade da ofensa, quer pela conjugação de ambas de modo a aferir se ocorreu uma violação especial dos direitos do parceiro a demandar resposta que já não se compadece com a aplicação das normas penais tipificadoras das condutas (per se), as quais, não fosse a natureza e carga da violação, constituiriam punição adequada.»
Quanto ao tipo subjetivo de ilícito, exige-se o dolo (o conhecimento e vontade de praticar o facto), em qualquer das suas formas (direto, necessário ou eventual).
Atentas as considerações jurídicas expendidas e baixando ao caso dos autos:
Tendo sido dados como não escritos os factos que constavam dos pontos 8, 18, 19 e 21, da matéria factual dada como provada na sentença recorrida, bem assim como dos pontos 26, referente ao dolo reportado à atuação objetiva descrita no ponto 21, resulta clarividente a inexistência de suporte factual provado que permita imputar ao arguido/recorrente a prática do crime de violência doméstica, por que vinha acusado, com relação à ofendida R.
Impõe-se, assim, a absolvição do arguido, da prática do crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, al. d) e n.º 2, al. a), do Código Penal, por que foi acusado e condenado em 1.ª instância, tendo como ofendida R.
No referente às condutas empreendidas pelo arguido/recorrente para com a assistente F e para com a filha desta, então menor, A, que resultaram apuradas, mostra-se correta a sua subsunção jurídica dos factos ao crime de violência doméstica, nos termos decididos na sentença recorrida, não tendo a modificação da decisão de facto a que se procedeu nos termos sobreditos qualquer repercussão neste âmbito.
Importa fazer notar que a atuação do arguido descrita no ponto 20, amarrando a ofendida A, uma criança com 9 anos de idade, a uma cadeira, atando-lhe a boca com fita cola, só por si, independentemente, do maior ou menor período de tempo em que a vítima foi mantida nessa situação, reveste gravidade e intensidade de tal modo acentuadas, que integram o conceito de maus tratos, supra definido, lesando o bem jurídico protegido, posto que é de molde a ofender a saúde física, psíquica e emocional da vítima, totalmente indefesa, de modo incompatível com a sua dignidade pessoal, enquanto filha da sua companheira, com quem o arguido vivia em união de facto, preenchendo o tipo legal do crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, al. d) e n.º 2, al. a), do Código Penal.
Deve, pois, manter-se a condenação do arguido, ora recorrente, pela prática, em concurso efetivo, dos dois crimes de violência doméstica, sendo um, p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, al. b) e n.º 2, al. a), do Código Penal, tendo como ofendida a ora assistente F e o outro p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, al. d) e n.º 2, al. a), do Código Penal, tendo como ofendida A.


2.3.7. Da medida das penas
O recorrente insurge-se contra a medida concreta das penas parcelares fixadas na 1.ª instância, reputando-as de desadequadas e desproporcionadas, sendo primário, estando inserido “pessoal e profissionalmente” e não resultando comprovadas quaisquer lesões/sequelas físicas nas ofendidas.
Neste enfoque, invoca o recorrente terem sido violados, na determinação da medida das penas, os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade.
O Ministério Público pugna pela manutenção da dosimetria das penas aplicadas ao arguido/recorrente, na 1.ª instância.
Em face da supra decidida absolvição do arguido/recorrente, relativamente ao crime de violência doméstica tendo como ofendida R, cingir-nos-emos, obviamente, à apreciação da questão em apreço, no tocante às penas parcelares que lhe foram aplicadas pelos crimes de violência doméstica praticados, tendo como ofendidas a assistente F e a menor A.
Apreciemos, então:
Os enunciados crimes são abstratamente puníveis com pena de prisão de dois a cinco anos (cf. artigo 152º, n.º 2, do CP).
A concretização da pena, dentro da correspondente moldura legal, obedece aos critérios definidos nos artigos 40º, n.º 1 e n.º 2 e 71º do Código Penal.
Nos termos do disposto no artigo 40º do CP, a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração social do agente (n.º 1) e em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (n.º 2).
E em conformidade com o estatuído no artigo 70º do CP a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (n.º 1) e nessa determinação o tribunal deve atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, as circunstâncias elencadas nas alíneas a) a f) do n.º 2 do mesmo artigo.
A função primordial da pena consiste, assim, na proteção de bens jurídicos, ou seja, na prevenção dos comportamentos danosos dos bens jurídicos, sem prejuízo da prevenção especial positiva e tem sempre, como limite a culpa do agente.
Culpa e prevenção são, pois, os dois termos do binómio com o auxílio do qual se construirá a medida da pena.
A culpa jurídico-penal vem traduzir-se num juízo de censura, que funciona, ao mesmo tempo, como um fundamento e limite inultrapassável da medida da pena[31], sendo tal princípio expressamente afirmado no n.º 2 do art.º 40º do CP.
Com recurso à prevenção geral procurou dar-se satisfação à necessidade comunitária da punição do caso concreto, tendo-se em consideração, de igual modo a premência da tutela dos respetivos bens jurídicos.
Com o recurso à vertente da prevenção especial almeja-se responder às exigências de socialização do agente, com vista à sua integração na comunidade.
Assim, atribui-se à culpa a função única de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena, à prevenção geral a função de fornecer uma moldura de prevenção – cujo limite máximo é dado pela medida ótima da tutela dos bens jurídicos, dentro do que é considerado pela culpa, e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências de defesa do ordenamento jurídico – e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exato da pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização do agente.
O Tribunal a quo fundamentou do seguinte modo a determinação da medida concreta das penas parcelares de prisão aplicadas ao ora recorrente:
«(…)
Há que considerar no caso concreto:
- O alarme social elevadíssimo neste tipo de crime, tão cometido no nosso país;
- O grau de ilicitude do facto, que se considera (…) médio quanto à Ofendida/Assistente e alto quanto à A, face ao modo de execução dos crimes e quantidade de episódios em relação a cada uma das vítimas;
- O motivo torpe da atuação delituosa do Arguido;
- A intensidade do dolo que se considera elevada, pois o Arguido atuou com dolo direto;
- O facto de o Arguido estar inserido profissionalmente e ter o seu filho menor de idade, o D, a residir consigo, o qual depende economicamente de si;
- Ser o Arguido primário.
Atendendo a todas as circunstâncias atrás expendidas, considero adequado aplicar ao arguido as seguintes penas parcelares:
- (…)
- 2 anos e 3 meses de prisão, quanto ao crime cometido contra Fernanda;
- 2 anos e 5 meses de prisão, quanto à conduta criminal contra a A.»
Entendemos ter o Tribunal a quo ponderado corretamente os elementos a que atendeu, na determinação da medida concreta das penas a aplicar ao arguido, por cada um dos crimes praticados, tendo como ofendidas a ora assistente F e a então menor A, designadamente, o grau de ilicitude dos factos – tendo em conta o modo de execução dos mesmos, o contexto em que ocorreram e a sua gravidade –, a intensidade do dolo com que atuou e as suas condições pessoais.
As exigências de prevenção geral, mostram-se prementes, dada a frequência com que vêm sendo praticados crimes da natureza da daqueles em causa nos autos, sendo, relativamente ao crime de violência doméstica, por todos conhecidas as consequências trágicas que lhe estão associadas, ao ponto de, frequentemente, culminarem na morte da(s) vítima(s).
No referente às exigências de prevenção especial, não se evidenciando em que termos foram consideradas pelo Tribunal a quo, entendemos revelaram-se acentuadas, já que, não obstante o arguido/recorrente ser primário, a personalidade pelo mesmo evidenciada, ao cometer os factos apurados, avultando as caraterísticas da violência, agressividade, irascibilidade, egocentrismo, falta de empatia pelo outro e dificuldade de controlar os impulsos, potenciam o sério risco de reiteração da conduta criminosa, noutras relações que o arguido mantenha ou venha a manter.
Na ponderação de todas as enunciadas circunstâncias a atender na determinação da medida da pena, entendemos que as penas concretas de prisão aplicadas ao arguido pelos crimes de violência doméstica perpetrados tendo como ofendidas a ora assistente F e a então menor A, dentro da moldura penal abstrata que lhes corresponde – 2 a 5 anos –, não se mostram desadequadas, nem desproporcionadas, antes pelo contrário, se pecam é por defeito, tendo em conta as necessidades de prevenção que no caso de fazem sentir, nos termos sobreditos, não ultrapassando, de modo algum, a medida culpa do arguido.
Não existe, por isso, fundamento para a redução das penas parcelares aplicadas na 1.ª instância.
No atinente à pena única:
Tendo o arguido/recorrente sido absolvido do crime de violência doméstica por cuja prática foi condenado na 1.ª instância, no tocante à ofendida R, há que reformular o cúmulo jurídico de penas.
Assim:
O artigo 77º do Código Penal, estabelecendo as regras da punição do concurso de crimes, dispõe:
«1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias, tratando-se depena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes
Sobre o modo como devem operar os critérios definidos no citado n.º 1 do artigo 77º do CP, diz o Prof. Figueiredo Dias[32]:
«Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)».
Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão ou o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.
Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização ou de inserção, ou de repúdio pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade que deve ser ponderado.
A moldura penal abstrata correspondente ao concurso de crimes é de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses a 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão.
Ponderando, em conjunto, a gravidade dos factos e a personalidade do recorrente neles refletida, sendo elevada a ilicitude global dos factos e revelando o arguido, pela forma como atuou, uma personalidade onde avultam caraterísticas de agressividade, irascibilidade, egocentrismo, falta de empatia pelo outro e dificuldade de controlar os impulsos, potenciando o risco de reiteração futura de comportamentos de idêntica natureza, entendemos justa e adequada a pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.
A enunciada pena única é suspensa na respetiva execução, conforme decidido na sentença recorrida, sendo o período de suspensão agora fixado em 3 (três) anos e 6 (seis) meses.
Quanto ao dever a que ficou subordinada a suspensão da execução da pena de prisão, qual seja, o de pagamento às vítimas F e A, das quantias, respetivamente, de €1.500,00 e de €1.200,00, quantias estas arbitradas ao abrigo do disposto nos artigos 82º-A do CPP e 5º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 104/2009, de 14 de setembro, na redação dada pela Lei n.º 121/2015, de 01 de setembro, não pode manter-se o assim decidido.
Com efeito, tendo as vítimas deduzido pedido de indemnização civil, falece um dos pressupostos para que lhes pudesse ser arbitrada, oficiosamente, pelo tribunal, compensação ao abrigo do disposto no artigo 82º-A do CPP.
Como se refere no Acórdão da RC de 27/09/2023[33] «Dado o carácter subsidiário da reparação oficiosa da vítima, se esta deduzir pedido de indemnização a reparação é feita no âmbito do pedido formulado, cessando a aplicação do disposto no referido artigo 82.º-A do C.P.P. (…)
Tendo a indemnização arbitrada nos termos do artigo 21.º, nºs 1 e 2, da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, o caráter de instituto subsidiário do pedido de indemnização civil formulado pelo lesado, conforme decorre do n.º 1, não é admissível o arbitramento cumulativo de indemnizações, no âmbito de um e outro instituto, como resulta do n.º 3 do artigo 82.º-A do C.P.P.»
Deve, pois, ser revogada a sentença recorrida, na parte em que decidiu, arbitrar compensação às vítimas ao abrigo do disposto no artigo 82º-A do CPP e subordinar a suspensão da execução da pena de prisão, ao pagamento às vítimas do montante da compensação, a esse título, arbitrada.

2.3.8. No referente aos pedidos de indemnização civil
Pugna o recorrente pela redução dos montantes indemnizatórios fixados na 1.ª instância, que reputa de excessivos.
Vejamos:
Tendo o arguido/recorrente sido absolvido do crime de violência doméstica que lhe foi imputado com referência à ofendida/demandante R, nos termos sobreditos, conquanto se mostre provado ter a mesma sofrido danos não patrimoniais, em consequência dos factos praticados pelo arguido/demandado, contra a sua mãe, ora assistente e a sua irmã A, sendo a demandante R, menor à data da ocorrência de alguns desses factos – contando 5/6 anos de idade à época em que a sua mãe e arguido iniciaram a vivência em comum e atingido a maioridade em 20/02/2017 –, havendo sido exposta a contexto de violência doméstica, do qual resultaram também para si marcas psíquico emocionais, situação que viria a ser tutelada, pela Lei n.º 57/2021, de 16 de agosto[34], a qual entrou em vigor a 17/08/2021, data esta posterior à prática pelo arguido/demandado dos factos em causa, não estão reunidos os pressupostos para que o arguido/demandado possa ser condenado no pedido de indemnização civil deduzido pela demandante R, nos termos previstos no artigo 377º, n.º 1, do CPP.
Por conseguinte, tem o arguido/demandado de ser absolvido do pedido de indemnização civil formulado pela demandante R.
Quanto aos pedidos cíveis deduzidos pelas demandantes F e A, decidiu o Tribunal a quo fixar os montantes indemnizatórios a atribuir a cada uma das demandantes, por danos não patrimoniais sofridos, no valor pelas mesmas peticionados, ou seja, respetivamente, em €10.000,00 (dez mil euros) e em €5.000,00 (cinco mil euros).
Estão em causa danos não patrimoniais, indemnizáveis à luz do disposto no artigo 496º, n.º 1, do Código Civil, o qual dispõe que «Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito».
O critério para a fixação do montante da indemnização por danos não patrimoniais é a equidade (cf. artigo 496º, n.º 4, do C. Civil), «assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso»[35], havendo que atender, ainda, aos fatores referidos no artigo 494º, para que remete o n.º 4 do artigo 496º, ambos do Código Civil, quais sejam, o grau de culpa do agente e a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
Não poderá também perder-se de vista, na determinação do valor da indemnização por danos não patrimoniais, os montantes indemnizatórios que, em casos semelhantes, vêm sendo fixados pela jurisprudência, de modo a contribuir para uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cf. artigo 8º, n.º 3, do C. Civil) e a não pôr em causa os princípios da igualdade e da proporcionalidade[36].
É consabido ser impossível indemnizar os danos não patrimoniais em toda a sua extensão, tanto mais que os mesmos, pela sua própria natureza, não são dimensionáveis. Todavia, há que procurar compensar, de algum modo, pecuniariamente, os danos não patrimoniais sofridos pela demandante e resultantes da conduta do arguido/demandado.
Neste domínio, vem sendo reiteradamente afirmado na jurisprudência do STJ que o valor da indemnização a arbitrar a por danos não patrimoniais não deve ser meramente simbólico, deve antes ter um alcance significativo, em face da gravidade dos danos sofridos, por forma a que possa ter uma efetiva e real função compensatória[37].
Por último, há que referir que secundamos o entendimento que vem sendo acolhido na jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, a propósito da intervenção, neste âmbito, do tribunal de recurso, no sentido de que quando esteja em causa a fixação de um valor indemnizatório, com recurso à equidade, como é o caso da indemnização por danos não patrimoniais, o tribunal ad quem deve limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal a quo, ao fixar o valor indemnizatório, afronte, manifestamente, «as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida»[38], ou seja, o tribunal de recurso não deve alterar o valor fixado «senão em caso de não utilização dos critérios habituais da jurisprudência para a fixação deste tipo de danos ou de manifesta desrazoabilidade, aferindo se a decisão adotada se conforma com os princípios da igualdade e proporcionalidade, com vista a alcançar uma solução razoável[39]
Tendo presentes estas considerações, no caso dos autos, de acordo com enunciados critérios, considerando, designadamente, a gravidade e reiteração das condutas do arguido/demandado ao longo do tempo em que perduraram, no que tange à demandante F e a atuação empreendida pelo arguido/demandado contra a demandante A, mormente, a descrita no ponto 20 da matéria factual provada [tendo a mesma 9 anos de idade, por causa de uma birra que fez, o arguido/demandado, amarrou-a a uma cadeira e colou-lhe fita cola na boca] e os consequentes danos sofridos pelas demandantes F e A [descritos nos pontos 29 a 36 e 37 a 42], o grau de culpa do arguido/demandado [que é elevado, tendo agido com dolo direto], exercendo o arguido/demandado e a demandante F atividades profissionais por conta própria [o arguido na área dos gradeamentos e grandes de ferro e a demandante como astróloga], não se tendo apurado o valor dos rendimentos que respetivamente auferem e sendo a demandante A estudante, entendemos que os montantes indemnizatórios fixados pelo Tribunal a quo, por danos não patrimoniais, a cujo pagamento às demandantes F e A condenou o demandado, ora recorrente, mostram-se equilibrados e equitativos, pelo que se decide mantê-los.

*
O recurso é, pois, parcialmente procedente.


3. DECISÃO
Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem esta Secção Criminal (2ª Subsecção) deste Tribunal da Relação de Évora em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido L e, em consequência, decidem:

a) Modificar a decisão de facto proferida em 1.ª instância, nos termos sobreditos, tendo-se por não escritos os pontos 8, 18, 19, a parte final do ponto 20, 21 e 26 da matéria factual dada por provada na sentença recorrida; aditando-se ao ponto 20 dos factos provados que a menor A tinha 9 anos de idade e passando a constar do elenco dos factos não provados que o arguido chamasse “puta” à assistente F.

b) Absolver o arguido da prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, al. d) e n.º 2, al. a), do Código Penal, tendo como ofendida R;

c) Na decorrência da absolvição enunciada em b), reformular o cúmulo jurídico de penas, condenando-se o arguido na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;

d) Mantendo-se a suspensão da execução da pena de prisão, decidida na sentença recorrida, fixa-se o período de suspensão em 3 (três) anos e 6 (seis) meses;

e) Revogar a sentença recorrida, na parte em que se decidiu arbitrar compensação às vítimas ao abrigo do disposto nos artigos 82º-A do CPP e 5º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 104/2009, de 14 de setembro, na redação dada pela Lei n.º 121/2015, de 01 de setembro e subordinar a suspensão da execução da pena de prisão, ao pagamento às vítimas dos montantes arbitrados a esse título;

f) Absolver o arguido/demandado do pedido de indemnização civil deduzido pela demandante R;

g) No mais, confirmar a sentença recorrida.

Sem tributação.
Notifique.

Évora, 10 de setembro de 2024
Fátima Bernardes
Fernando Pina
Carlos de Campos Lobo

__________________________________________________
[1] Proferido no processo n.º 1670/07.4TAFUN-A.L1-5, in www.dgsi.pt
[2] In CJ-STJ, III, tomo 2, pág. 254.
[3] Cf., entre outros, Ac. do STJ de 13/02/2008, proc. 07P472 e de 22/04/2009, proc. n.º 303/06.0GEVFX.S1 e Ac. da RL de 02/10/2018, proc. n.º 36/14.4JBLSB.L1-5, in www.dgsi.pt.
[4] Cf., entre outros, Ac. da RC de 18/01/2017 e de 17/05/2017, respetivamente, proferidos nos procs. n.º 112/15.6GAPNC.C1 e n.º 430/15.3PAPNI.C1 e Ac. da RL de 18/01/2017, proc. n.º 1050/14.5PFCSC.L1-3, todos acessíveis in www.dgsi.pt.
[5] Cf., entre muitos outros, Ac. do STJ de 12/07/2008, proc. 07P3861, Ac. da RE de 22/11/2018, proc. n.º 526/16.4 GFSTB.E1, Acórdãos da RP de 17/06/2020, proc. n.º 2541/19.7JAPRT.P1 e de 08/09/2020, proc. n.º 672/19.2GBAMT.P1, in www.dgsi.pt.
[6] Neste sentido, cf., entre outros, Acórdãos da RE de 01/10/2013, proc. n.º 948/11.7PBSTR.E1 e de 12/09/2011, proc. n.º 331/08.1GCSTB.E1, Ac. da RG de 05/07/2021, proc. n.º 2/20.0GEBRG.G1, Ac. da RP de 15/06/2016, proc. n.º 1170/14.6TAVFR.P1, in www.dgsi.pt.
[7] Proferido no proc. n.º 342/14.8GBSTS.P1, in www.dgsi.pt.
[8] Cf. Ac. da RC de 09/10/2019, proc. n.º 170/18.1GCPBL.C1, in https://www.direitoemdia.pt/
[9] Proferido no proc. n.º 514/19.9PBBJA.E1, em que a ora Relatora foi Adjunta.
[10] Proferido no proc. n.º 304/20.6PAVLG.P1, in www.dgsi.pt.
[11] Cf., por todos, Acórdãos do STJ de 23/05/2007, proc. 07P1498 e de 03/07/2008, proc. 08P1312, in www.dgsi.pt.
[12] Cf., entre outros, Acórdãos da RC de 18/01/2017 e de 17/05/2017, respetivamente, proferidos nos procs. 112/15.6GAPNC.C1 e 430/15.3PAPNI.C1 e Ac. da RL de 18/01/2017, proc. 1050/14.5PFCSC.L1-3, in www.dgsi.pt.
[13] Idem.
[14] In Curso de Processo Penal, II, Lisboa, Verbo, 1993, pág. 111.
[15] Proferido no proc.03P2612, in www.dgsi.pt.
[16] Cf., entre outros, Ac. da RE de 02/02/2016, proc. n.º 114/13.7TARMR.E1 e Ac. da R.C. de 03/06/2015, proc. n.º 12/14.7GBRST.C1, in www.dgsi.pt.
[17] Neste sentido, cf., entre outros, Acórdão desta Relação de Guimarães, de 06/02/2017, proferido no proc. n.º 1802/14.6TAGMR.G1, in www.dgsi.pt.
[18] Cf. Ac. da RL de 18/07/2013, proc. n.º 1/05.2JFLSB.L1-3, in www.dgsi.pt.
[19] Cf., entre outros, Ac. do STJ de 24/02/2016, proc. n.º 502/08.0GEALR.E1.S1, in www.dgsi.pt.
[20] In Recursos em Processo Penal, 7ª edição, 2008, Editora Rei dos Livros, pág. 77.
[21] Proferido no proc. n.º 68/18.3SWLSB.S1, cujo sumário se encontra publicado no Boletim de Sumários – STJ, 2020, págs. 294 e 295, acessível em https://www.stj.pt.
[22]
[23] Neste sentido, cf., entre outros, na doutrina, Américo Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, 2ª Edição, Coimbra Editora, 2012, págs. 511 e 512, Nuno Brandão, A tutela especial reforçada da violência doméstica, in Rev. Julgar, nº. 12, - especial -, 2010, págs. 15 e 16 e Catarina Sá Gomes, in O Crime de Maus Tratos Físicos e Psíquicos infligidos ao cônjuge ou ao convivente em condições análogas às dos cônjuges, AAFDL, 2004, p. 59; e na jurisprudência, entre outros, Ac. do STJ de 02/07/2008, proc. n.º 07P3861; Acórdãos da RP de 06/02/2013, proc. 2167/10.0PAVNG.P1 e de 10/07/2014, proc. 413/11.2GBAMT.P1 e Ac. da RL de 23/04/2015, proc. 469/13.3PBAMD.L1-9, todos acessíveis in www.dgsi.pt.
[24] Sumariado na CJ, Ano 2018, T. 1, pág. 317.
[25] Proferido no proc. n.º 189/17.0GCOVR.P1, acessível in www.dgsi.pt.
[26] Violência Doméstica implicações sociológicas, psicológicas e jurídicas do fenómeno, Manual Multidisciplinar”, Centro de Estudos Judiciários, páginas 93 e 94, citando Teresa Magalhães, Violência e Abuso – Respostas Simples para Questões Complexas, Estado da Arte, Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2010 e seguindo de perto a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores.
[27] Neste sentido, cf., entre outros, Ac. da RP de 11/01/2014, in CJ, 2014, Tomo I, pág. 326 e Ac. da RG de 10/07/2014, proc. 591/11.0PBGMR, in www.dgsi.pt.
[28] Cf. Nuno Brandão, in ob. cit., pág. 19 e Ac. da RC de 12/04/2018, proc. 3/17.6GCIDN.C1, in www.dgsi.pt.
[29] Proferido no processo 921/13.OPBFAR, in www.dgsi.pt
[30] Proferido no proc. 135/16.8GASRE.C1, in www.dgsi.pt.
[31] Cf. Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – Das Consequências Jurídicas do Crime, Parte Geral, Aequitas-Editorial Notícias, 1993, pág. 215.
[32] In Direito Penal Português, cit., págs. 291 e 292.
[33] Proferido no proc. n.º 18/23.5GCGRD.C1, in www.dgsi.pt.
[34] Diploma que aditou a al. e) ao n.º 1 do artigo 152º do Código Penal, passando a incriminação a abranger/tutelar os menores expostos a contextos de violência doméstica que sejam filhos do agressor e/ou de alguma das pessoas referidas nas alíneas a), b) e c), ainda que com ele não coabitem e concomitantemente, aditou ao artigo 67º-A nº 1 a) do CPP, a subalínea iii), deixando expresso que os menores – “criança ou jovem até aos 18 anos” – são considerados vítimas de crime, sejam eles vítimas diretas, quer sejam vítimas indiretas: “incluindo os que sofreram maus tratos relacionados com a exposição a contextos de violência doméstica”.
[35] Cf. Ac. do STJ de 29/06/2017, proc. 976/12.5TBBCL.G1.S1, in www.dgsi.pt.
[36] Cf., entre outros, Ac. do STJ de 12/11/2020, proc. n.º 14697/16.6T8LSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.
[37] Cf., entre outros, Ac. do STJ de 10/10/2018, proc. n.º 1082/13.0GAFAF.G1.S1, in www.dgsi.pt.
[38] Cf. Ac. do STJ de 21/11/2018, proc. n.º 1377/13.3JAPRT.P1.S1 e no mesmo sentido também Ac. da RG. de 15/02/2018, proc. 3037/15.1T8VCT.G1, acessíveis in www.dgsi.pt.
[39] Cf. Ac. do STJ de 07/10/2021, proc. 2031/17.2T8PNF.P1,S1, in www.dgsi.pt.