CONDUÇÃO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
PRISÃO EFECTIVA
CUMPRIMENTO EM ESTABELECIMENTO PRISIONAL
Sumário

Tendo o arguido sido já condenado 6 vezes pela prática de crimes de condução de veículo em estado de embriaguez (condenações em penas de multa e em penas de prisão - efetivas e suspensas na sua execução -), pelo cometimento de um novo crime de condução em estado de embriaguez, levado a cabo com assinalável grau de ilicitude, a pena de prisão em que o arguido é condenado deve ser cumprida em estabelecimento prisional (e não substituída pela medida de permanência na habitação).

Texto Integral



ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


1. RELATÓRIO

A – Decisão Recorrida

No processo abreviado nº 823/23.2GELLE, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Local Criminal de Loulé, Juiz 1, após julgamento, nos termos da acusação do MP, foi o arguido J condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, por um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelos Artsº 292 nº1 e 69 nº1 al. a), ambos do C. Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 1 (um) ano e 8 (oito) meses.

B – Recurso

Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido, tendo concluído as respectivas motivações da seguinte forma (transcrição):

1. No âmbito dos presentes autos o arguido foi condenado na pena de 10 (dez) meses de prisão.
2. Considera o arguido, ora recorrente, com o devido respeito e salvo melhor opinião, que na determinação da medida da pena, não foram atendidas de forma adequada as circunstâncias a favor do arguido, tendo sido valorizadas de forma muito mais significativa as circunstâncias que militam a seu desfavor, nomeadamente os registos constantes no seu certificado de registo criminal.
3. Apesar do arguido ter vários antecedentes criminais, a verdade é que a maior parte das condenações se referem a factos de há alguns anos.
4. O arguido confessou os factos integralmente e sem reservas.
5. O arguido não foi interveniente em qualquer acidente de viação.
6. Conforme consta no relatório social do arguido junto aos autos o arguido encontra-se familiar, social e profissionalmente bem integrado.
7. Atualmente encontra-se a trabalhar como pedreiro, auferindo 1000 euros líquidos mensais.
8. O arguido tem um filho com 15 anos, que precisa da ajuda e apoio do pai, sendo que se o arguido for preso, perderá o emprego e não poderá dar ao filho a ajuda que ele necessita.
9. O arguido reconhece a sua problemática aditiva e encontra-se atualmente em acompanhamento na ETET do Sotavento em Olhão, está a desvincular-se gradualmente dos consumos em excesso de bebidas alcoólicas.
10. Por tudo o exposto, essencialmente devido à suas atuais condições pessoais, estando o arguido familiar, social e profissionalmente integrado e a fazer tratamento para se curar da sua problemática aditiva, entende o arguido e requer a V. Exas. que a pena de prisão em que o arguido foi condenado, seja substituída pela medida de permanência na sua habitação com pulseira electrónica, com permissão para se deslocar no horário de trabalho.
Nestes termos e nos demais de direito, com o douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por outra que condene o arguido em pena de prisão substituída pela medida de permanência na sua habitação com pulseira electrónica, com permissão para se deslocar no horário de trabalho.

C – Resposta ao Recurso

O M.P., junto do tribunal recorrido, respondeu ao recurso, manifestando-se pela sua improcedência, apesar de não ter apresentado conclusões.

D – Tramitação subsequente

Aqui recebidos, foram os autos com vista ao Exmº Procurador-Geral Adjunto, que pugnou pela improcedência do recurso.
Cumprido o disposto no Artº 417, nº 2, do CPP, não foi apresentada resposta.
Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

A – Objecto do recurso

De acordo com o disposto no Artº 412 do CPP e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. I-A de 28/12/95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/" HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/"www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria), o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Na verdade e apesar de o recorrente delimitar, com as conclusões que extrai das suas motivações de recurso, o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, este, contudo, como se afirma no citado aresto de fixação de jurisprudência, deve apreciar oficiosamente da eventual existência dos vícios previstos no nº2 do Artº 410 do CPP, mesmo que o recurso se atenha a questões de direito.
As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem, assim, da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no nº 2 do Artº 410 do CPP, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no nº1 do Artº 379 do mesmo diploma legal.
In casu e cotejando a decisão em crise, não se vislumbra qualquer uma dessas situações, seja pela via da nulidade, seja ainda, pelos vícios referidos no nº2 do Artº 410 do CPP, os quais, recorde-se, têm de resultar da decisão recorrida considerada na sua globalidade, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum, sem possibilidade de recurso a quaisquer elementos que lhe sejam estranhos, ainda que constem dos autos.
Efectivamente, do seu exame, não ocorre qualquer falha na avaliação da prova feita pelo Tribunal a quo, revelando-se a mesma como coerente com as regras de experiência comum e conforme à prova produzida, na medida em que os factos assumidos como provados são suporte bastante para a decisão a que se chegou, não se detectando incompatibilidade entre eles e os factos dados como não provados ou entre a fundamentação e a decisão.
Assim sendo, considera-se definitivamente fixada a decisão proferida pela 1ª Instância sobre a matéria de facto.
Também não se verifica a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada (Artº 410 nº3 do CPP).
Posto isto, inexistindo qualquer questão merecedora de aferição oficiosa, o objecto do recurso cinge-se às conclusões do recorrente, onde peticiona que a pena de prisão que lhe foi aplicada seja cumprida em regime de permanência na habitação, com autorização para se ausentar por motivos profissionais.

B – Apreciação

Definidas as questões a tratar, importa considerar o que se mostra fixado, em termos factuais, pela instância recorrida.
Aí, foi dado como provado e não provado, o seguinte (transcrição):

2. Fundamentação de facto
Os factos provados com interesse para a boa decisão da causa, excluindo-se as considerações jurídicas e os juízos conclusivos, são os seguintes:
1) Em 07 de dezembro de 2023, pelas 20:53 horas, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula (…..), na Estrada Nacional 125, ao Km 81,9, no sentido Faro-Boliqueime, quando foi abordado e fiscalizado por uma patrulha da Guarda Nacional Republicana.
2) O arguido exercia a condução do referido veículo com uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 2,375 g/l, correspondente à taxa de álcool no sangue de 2,50 g/l, deduzido o erro máximo admissível.
3) O arguido sabia que era portador de uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20 g/l e, ainda assim, quis conduzir o veículo na via pública nas condições descritas.
4) O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Mais se provou, relativamente às condições pessoais do arguido, que:
5) Confessou os factos constantes da acusação.
6) Tem os seguintes antecedentes criminais:
6.1) Foi condenado, por sentença transitada em julgado no dia 22-10-2003, no âmbito do processo comum n.º 120/02.7GDABF, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Albufeira, na pena 100 dias de multa, à razão diária de €5,00 Euros, pela prática, no dia 06-03-2002, de um crime de condução sem habilitação legal, pena declarada extinta, pelo cumprimento, no dia 01-06-2004.
6.2) Foi condenado, por sentença transitada em julgado no dia 30-05-2005, no âmbito do processo abreviado n.º 1390/03.9GTABF, do 2.º Juízo de Competência Criminal de Loulé, na pena única de 260 dias de multa, à razão diária de €2,50 Euros, na pena única de 12 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, com regime de prova, e na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 3 meses e 15 dias, pela prática, no dia 12-12-2003, de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de desobediência simples, no dia 19-12-2003, de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de desobediência simples, no dia 03-03-2004, de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de desobediência simples, no dia 21-03-2004, de um crime de condução em estado de embriaguez, e no dia 22-03-2004, de um crime de desobediência simples, penas declaradas extintas, pelo cumprimento, nos dias 06-10-2009, 07-10-2009 e 06-05-2005, respetivamente.
6.3) Foi condenado, por sentença transitada em julgado no dia 17-11-2005, no âmbito do processo comum n.º 116/03.1GDABF, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Albufeira, na pena de 11 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, pela prática, no dia 24-02-2003, de dois crimes de condução sem habilitação legal, de um crime de condução em estado de embriaguez e de um crime de desobediência simples, pena declarada extinta, pelo cumprimento, no dia 04-02-2008.
6.4) Foi condenado, por sentença transitada em julgado no dia 23-12-2009, no âmbito do processo abreviado n.º 423/09.0PAOLH, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Olhão, na pena de 6 meses de prisão, substituída por 180 horas de trabalho a favor da comunidade, pela prática, no dia 09-04-2009, de um crime de condução sem habilitação legal, pena declarada extinta, pelo cumprimento, no dia 22-01-2013.
6.5) Foi condenado, por sentença transitada em julgado no dia 24-12-2010, no âmbito do processo abreviado n.º 722/06.2GTABF, do 2.º Juízo Local Criminal de Loulé, na pena de 3 meses de prisão, pela prática, no dia 28-06-2006, de um crime de condução sem habilitação legal, pena declarada extinta, por prescrição, no dia 08-02-2015.
6.6) Foi condenado, por sentença transitada em julgado no dia 06-01-2010, no âmbito do processo sumário n.º 145/09.1GTABF, do 2.º Juízo de Competência Criminal de Loulé, na pena de 36 períodos de prisão por dias livres, pela prática, no dia 20-05-2009, de um crime de condução sem habilitação legal, pena declarada extinta, pelo cumprimento, no dia 24-10-2010.
6.7) Foi condenado, por sentença transitada em julgado no dia 29-03-2010, no âmbito do processo abreviado n.º 596/03.5GELSB, do 2.º Juízo de Competência Criminal de Loulé, na pena única de 233 dias de multa, à razão diária de €4,00 Euros, pela prática, no dia 22-09-2003, de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de desobediência simples.
6.7)1. O procedimento criminal pelo crime de desobediência foi declarado extinto por descriminalização e desfeito o cúmulo jurídico, tendo o arguido sido condenado na pena parcelar de 180 dias de multa, à razão diária de €4,00 Euros.
6.7)2. A pena foi declarada extinta, pelo cumprimento de 120 dias de prisão subsidiária, no dia 02-08-2011.
6.8) Foi condenado, por sentença transitada em julgado no dia 21-04-2010, no âmbito do processo comum n.º 528/03.0GBABF, do 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Albufeira, na pena de 80 dias de multa, à razão diária de €5,00 Euros, pela prática, no dia 22-02-2003, de um crime de condução sem habilitação legal, pena declarada extinta, pelo cumprimento, no dia 23-09-2011.
6.9) Foi condenado, por sentença transitada em julgado no dia 27-04-2010, no âmbito do processo comum n.º 520/05.0GBLLE, do 2.º Juízo de Competência Criminal de Loulé, na pena de 180 dias de multa, à razão diária de €2,50 Euros, pela prática, no dia 28-04-2005, de um crime de condução sem habilitação legal, pena declarada extinta, por prescrição, no dia 27-04-2014.
6.10) Foi condenado, por sentença transitada em julgado no dia 24-08-2010, no âmbito do processo sumário n.º 280/10.3GDABF, do 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Albufeira, na pena única de 4 meses e 15 dias de prisão e na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 5 meses, pela prática, no dia 08-07-2010, de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de condução em estado de embriaguez, penas declaradas extintas, pelo cumprimento, nos dias 06-04-2011 e 13-03-2012, respetivamente.
6.11) Foi condenado, por sentença transitada em julgado no dia 23-12-2010, no âmbito do processo sumário n.º 148/07.0GTABF, do 1.º Juízo de Competência Criminal de Loulé, na pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, com regime de prova, pela prática, no dia 31-01-2007, de um crime de condução sem habilitação legal, pena declarada extinta, pelo cumprimento, no dia 23-12-2012.
6.12) Foi condenado, por sentença transitada em julgado no dia 17-11-2010, no âmbito do processo sumário n.º 497/10.0GDABF, do 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Albufeira, na pena de 5 meses de prisão, pela prática, no dia 07-10-2010, de um crime de condução sem habilitação legal, pena declarada extinta, pelo cumprimento, no dia 10-04-2012, mas com efeitos a partir da libertação do arguido no dia 23-02-2012.
6.13) Foi condenado, por sentença transitada em julgado no dia 07-05-2013, no âmbito do processo abreviado n.º 225/04.0GELSB, do 1.º Juízo Local Criminal de Loulé, na pena única de 250 dias de multa, à razão diária de €3,00 Euros, pela prática, nos dias 21-03-2004 e 22-03-2004, de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de desobediência simples.
6.13)1. O procedimento criminal pelo crime de desobediência foi declarado extinto por descriminalização e desfeito o cúmulo jurídico, tendo o arguido sido condenado na pena parcelar de 200 dias de multa, à razão diária de €3,00 Euros.
6.13)2. A pena foi declarada extinta, pelo cumprimento, no dia 26-03-2019.
6.14) Foi condenado, por sentença transitada em julgado no dia 12-06-2015, no âmbito do processo sumário n.º 89/14.5GTABF, do 2.º Juízo Local Criminal de Loulé, na pena única de 42 períodos de prisão por dias livres e na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 6 meses, pela prática, no dia 13-03-2014, de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de condução em estado de embriaguez, penas declaradas extintas, pelo cumprimento, nos dias 11-11-2016, mas com efeitos a partir da libertação do arguido no dia 30-10-2016, e 13-05-2016, respetivamente.
6.15) Foi condenado, por sentença transitada em julgado no dia 11-07-2018, no âmbito do processo abreviado n.º 1114/17.3GBABF, do 1.º Juízo Local Criminal de Albufeira, na pena de 6 meses de prisão e na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 10 meses, pela prática, no dia 23-06-2017, de um crime de condução em estado de embriaguez, penas declaradas extintas, pelo cumprimento, nos dias 12-04-2019, mas com efeitos a partir da libertação do arguido no dia 03-04-2019, e 03-02-2020, respetivamente.
6.16) Foi condenado, por acórdão transitado em julgado no dia 01-02-2022, no âmbito do processo comum n.º 1404/19.0GBABF, do 4.º Juízo Central Criminal de Portimão, na pena única de 3 anos e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual, com regime de prova especialmente dirigido para a problemática do consumo de álcool, e na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 18 meses, pela prática, no dia 15-07-2019, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, um crime de uso e porte de arma sob influência de álcool, um crime de detenção de arma proibida, um crime de injúria agravada e de um crime de ofensa à integridade física qualificada, tendo a pena acessória sido declarada extinta, pelo cumprimento, no dia 13-12-2023, com efeitos desde 15-08-2023.
7) Tem 52 anos de idade.
8) Tem dois filhos, com 34, 24 e 15 anos de idade.
9) Trabalha na construção civil, como pintor, em tempo parcial, por conta própria, e recebe, mensalmente, cerca de €1.000,00 Euros.
10) Vive com a sua companheira e com o filho de 15 anos de idade.
11) A sua companheira presta serviços de limpeza, e aufere, mensalmente, cerca de €800,00 Euros.
12) O agregado familiar do arguido vive em casa cedida por familiares e paga, a título de despesas domésticas o valor mensal aproximado de €200,00 Euros, pelo fornecimento de eletricidade, de água e de gás.
13) De habilitações literárias, tem o 4.º ano de escolaridade.
14) Encontra-se a ser acompanhado pela Equipa Técnica Especializada de Tratamento do Sotavento para tratamento da sua dependência do álcool, no âmbito da suspensão da pena de prisão na qual foi condenado no processo n.º 1404/19.0GBABF.
*
Com interesse para a boa decisão da causa inexistem factos não provados.

Estabelecida a base factual pela sentença em análise, importa apreciar da bondade do peticionado pelo recorrente.

B.1. Do cumprimento da pena de prisão

Solicita o recorrente, que a pena de prisão em que foi condenado seja cumprida em regime de permanência na habitação, com permissão para se ausentar para a sua actividade profissional, tendo em conta a antiguidade dos seus antecedentes criminais, a sua confissão dos factos, a circunstância de não ter sido interveniente em acidente de viação e a sua integração social e familiar, designadamente, por ter um filho de 15 anos, que precisa da sua ajuda, sendo certo que se for preso perderá o emprego e a possibilidade de o apoiar.
O recorrente não impugna a medida da pena em que foi aplicada, nem a circunstância de a mesma ser de prisão efectiva, mas apenas o seu modo de cumprimento, solicitando que possa ser efectuado em regime de permanência na habitação.
Em relação a esta concreta matéria, escreveu-se na decisão recorrida (transcrição):

Nos termos do n.º1 artigo 43.º do Código Penal “sempre que o Tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância: a) a pena de prisão efetiva não superior a dois anos”.
Atento o já exposto, o Tribunal considera, em face do acentuado desvio da sua personalidade manifestado na ausência da consciencialização da censura dos seus comportamentos e na interiorização das anteriores condenações, que as particulares e relevantes exigências de prevenção especial e geral do presente caso apenas se coadunam com a execução da pena de prisão em estabelecimento prisional, onde o arguido será melhor auxiliado e acompanhado no seu processo de ressocialização e reeducação para o Direito.

Como se vê, na decisão sobre esta particular matéria, o tribunal recorrido remeteu o fundamento da sua decisão para o que atrás havia escrito sobre a necessidade de aplicar ao arguido uma pena de prisão efectiva.
Respigue-se o que ali se plasmou (transcrição):

No que concerne às necessidades de prevenção especial, estas assumem uma considerável relevância em virtude do facto de o arguido registar a prática de trinta e quatro crimes, sendo seis por condução em estado de embriaguez entre 2003 e 2019 e dezassete por condução sem habilitação legal entre 2002 e 2014. Ou seja, desde 2002 até à presente data, o arguido praticou, que se saiba, vinte e três crimes rodoviários.
Ademais, resulta do seu certificado de registo criminal, que o arguido praticou o crime em apreço nos presentes autos já depois de ter sido condenado em duas penas de prisão suspensas na sua execução e em três penas de prisão efetivas pela prática, precisamente, de crimes de condução em estado de embriaguez. Ainda assim, volvidos cerca de quatro anos e oito meses desde que lhe foi concedida liberdade definitiva – no dia 03-04-2019 - no âmbito da última pena de prisão efetiva na qual foi condenado pela prática de crime idêntico, o arguido praticou o presente crime, que corresponde ao sétimo crime praticado por condução em estado de embriaguez e, no total, ao vigésimo quarto crime praticado no âmbito rodoviário.
Além do referido, e não obstante os últimos factos criminosos conhecidos idênticos terem ocorrido no dia 15-07-2019, constata-se que o arguido praticou os presentes factos no decurso da suspensão da pena de prisão na qual foi condenado no processo n.º 1404/19.0GBABF, pela prática, entre outros, de um crime de condução em estado de embriaguez e que, volvidos cerca de um ano e dez meses do trânsito em julgado da referida pena - no qual se encontra a ser acompanhado pela DGRSP no âmbito do regime de prova aí imposto, especialmente vocacionado para a problemática do consumo de álcool - o arguido voltou a praticar um crime de condução em estado de embriaguez.
No mais, decorre do seu certificado de registo criminal que praticou o crime aqui em apreciação decorridos, apenas, três meses do término da pena acessória na qual foi condenado no âmbito do referido processo n.º 1404/19.0GBABF.
Tendo em conta o exposto, é possível concluir que o arguido apresenta consideráveis dificuldades em adequar o seu comportamento com o Direito, mantendo uma atitude de desprezo pela ordem jurídica e pelas anteriores condenações sofridas em penas de multa e em penas de prisão, efetivas e suspensas na sua execução, demonstrando que, mesmo depois de ter estado privado três vezes da sua liberdade pela prática de crimes de condução em estado de embriaguez, não se consciencializou do desvalor jurídico e social da sua conduta, da gravidade da mesma e da necessidade de se reintegrar na sociedade com a adoção de comportamentos socialmente responsáveis, tendo voltado à prática do mesmo crime pelo qual já havia sido condenado seis vezes. Ademais, fê-lo no decurso de uma suspensão de uma pena de três anos e oito meses de prisão, precisamente, pela prática, entre outros, de um crime de condução em estado de embriaguez, o que evidencia o referido desprezo pela ordem jurídica e pelas censuras penais que tem sofrido.

Pouco mais há a dizer, face à inevitabilidade do decidido.
Apenas mais duas ou três notas em remate do que ali se escreveu.
A ilicitude dos factos é muito elevada, atento o facto de o arguido conduzir um veículo ligeiro de passageiros, às 20.53, na Estrada Nacional 125, que é reconhecida como uma das mais movimentadas do País e que tem uma das mais altas taxas de sinistralidade.
A taxa de alcoolemia apresentada pelo arguido é elevadíssima (2,375, já descontado o erro máximo admissível), quase o dobro da prevista como ilícito criminal, sendo certo que a partir de 0,50, já a mesma é sancionada a título de contra-ordenação.
O dolo é directo, sendo a confissão dos factos pouco relevante, tendo em conta que se trata de uma situação de flagrante delito.
E, decisivamente, para o conteúdo do decidido pelo tribunal recorrido, relevou o extensíssimo passado criminal do arguido, que, ininterruptamente, desde 2002, tem praticado crimes, 23 de natureza rodoviária e outros 11 de diferente natureza!
Ao longo desses anos, o arguido foi condenado em penas de multa, prisão substituída por multa, prisão suspensa na sua execução e penas de prisão efectiva, mas, mau grado estas sucessivas oportunidades que foram sendo concedidas ao ora recorrente para que arrepiasse caminho no cometimento de ilícitos cujas razões de prevenção geral são por demais conhecidas atento o nível de sinistralidade que continua a grassar pelas nossas estradas, o arguido voltou a cometer o crime dos autos, apenas quatro anos e oito meses desde que lhe foi concedida liberdade definitiva (03/04/19), no âmbito da última pena de prisão efectiva na qual foi condenado pela prática de crime idêntico e no decurso da suspensão da pena de prisão na qual foi condenado no processo n.º 1404/19.0GBABF, pela prática, entre outros, de um crime de condução em estado de embriaguez e volvidos cerca de um ano e dez meses do trânsito em julgado da referida pena e apenas três meses do término da pena acessória em que aí foi condenado.
Trata-se do sétimo crime praticado por condução em estado de embriaguez e, no total, o vigésimo quarto crime praticado no âmbito rodoviário, o que é bem relevador da total, absoluta e olímpica indiferença com que o arguido encara as suas condenações por crimes similares, ainda que pelos mesmos já tenha sofrido penas de prisão efectiva.
É assim claro que o arguido não interiorizou o desvalor da sua conduta, sendo evidente que o ora recorrente demonstra ter uma personalidade desfasada e insensível ao cumprimento das normas comunitárias e aos fins das penas, agindo, na prática, com um sentimento de impunidade, tornando-se claro que as condenações que lhe foram impostas não serviram para o desincentivar da prática de futuros crimes.
Tendo em conta esta situação de censurável repetição criminosa, o que agrava a sua culpa, o tribunal recorrido não poderia deixar de lhe aplicar uma pena de prisão efectiva a cumprir em regime prisional, valorando-se, como não poderia deixar de ser, as fortíssimas exigências de prevenção geral e especial que no caso concorrem, pelo que a mesma em nada se mostra desadequada ou desproporcional com a medida de culpa revelada pelo arguido.
Importa ainda ter em conta que a alegada integração familiar e social do arguido não foi suficiente para uma lamentável repetição criminosa, o valor de alcoolemia apresentado é muitíssimo elevado e a confissão dos factos por parte do arguido é, como se disse, pouco relevante, tendo em conta que se trata de uma situação de flagrante delito.
O passado criminal do ora recorrente a que atrás se fez referência, torna inviável a configuração de um juízo de prognose favorável, pois a sua persistência no cometimento de crimes demonstra, à saciedade, que aquelas condenações nenhum efeito dissuasor tiveram na sua personalidade, nem o demoveram de continuar a praticar ilícitos.
As necessidades de prevenção especial são assinalavelmente elevadas e demandam, da parte do sistema de justiça, uma resposta adequada e proporcional a esta conduta repetidamente delitiva, não se configurando qualquer cenário de prognose favorável que justifique o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, na medida em que tal pressupõe um juízo de prognose favorável à aplicação deste regime, de modo a realizar, de forma adequada e suficiente, as finalidades da execução da pena de prisão.
Ora, a resposta a esta questão só pode ser negativa, tendo em conta que o arguido não se abstém de consumir bebidas alcoólicas, não sendo possível concluir que o recorrente interiorize que deverá adoptar uma conduta conforme com o direito, sendo-lhe possível continuar tais consumos na sua habitação, cuja aquisição poderá ser efectuada por intermédio de terceiros que poderão fazer-lhe chegar os mesmos à sua residência, mantendo a sua síndrome de dependência e, quando restituído à liberdade, não se irá abster de conduzir após a ingestão de bebidas alcoólicas, reiterando a conduta criminosa.
Na verdade, ao cumprir a pena de prisão em regime de permanência na habitação o mesmo teria fácil acesso a bebidas alcoólicas, ao contrário do cumprimento em um estabelecimento prisional, onde as visitas são controladas, podendo ali manter o tratamento que tem vindo a ser sujeito com mais sucesso.
Torna-se assim manifesto que só pelo cumprimento da pena em regime prisional é que se asseguram, com suficiência, as finalidades punitivas e se acautelam, de forma adequada, as exigências de prevenção, geral e especial, que no caso concorrem.
Se nem o anterior cumprimento de penas efectivas de prisão o demoveu da prática de crimes, como acreditar que a sua aplicação em regime de permanência na habitação, vai atingir esse desiderato?
Em conclusão, não merecendo a pena aplicada pelo tribunal recorrido a censura que lhe é assacada pelo recorrente, o recurso terá de improceder.

3. DECISÃO

Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso e em consequência, manter, na íntegra, a sentença recorrida.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça, atendendo ao trabalho e complexidade das questões suscitadas, em 3 UC, ao abrigo do disposto nos Arts 513 nº 1 e 514 nº 1, ambos do CPP e 8 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa.
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Consigna-se, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 94 nº2 do CPP, que a presente decisão foi elaborada pelo relator e integralmente revista pelos signatários.

Évora, 10 de setembro de 2024
Renato Barroso
Maria José Cortes
Filipa Costa Lourenço