PERDA DE INSTRUMENTO DO CRIME
INSTRUMENTO DO CRIME
PERIGOSIDADE
VEÍCULO AUTOMÓVEL
Sumário

I - Para poder ser declarado perdido a favor do Estado um veículo automóvel utilizado na prática de dois crimes de furto, nos termos do disposto no artigo 109º, nº 1, do Código Penal, exige-se a perigosidade desse veículo, cumulativamente com a sua utilização na prática dos crimes em causa.
II - Essa perigosidade do veículo automóvel não se presume, exigindo, isso sim, uma prognose que deve assentar em factos concretamente apurados pelo tribunal.
III - Não basta afirmar-se, genericamente, que quem utiliza um veículo automóvel para a prática de dois crimes de furto pode voltar a fazê-lo, sendo necessária a formulação de um juízo, concreto e fundamentado, de que esse veículo, já utilizado para a prática desses crimes, venha a sê-lo de novo, quer pelo mesmo agente, quer por terceiros.

Texto Integral



ACORDAM OS JUÍZES, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:


I. RELATÓRIO


A –
Nos presentes autos de Processo Comum Colectivo, que com o nº 249/23.8GCLGS, correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Central Criminal de Portimão – Juiz 4, o Ministério Público deduziu acusação, contra os arguidos:
- N (…..), actualmente em prisão preventiva à ordem dos presentes autos no Estabelecimento Prisional de Silves e;
- V (…..),
imputando-lhes a prática em co-autoria material de:
- Um crime de furto qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 1, alínea b), ambos do Código Penal e;
- Um crime de furto qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 2, alínea e), ambos do Código Penal.

Realizado o julgamento, veio a ser proferido pertinente Acórdão, no qual se decidiu:
1. Condenar os arguidos N e V pela prática, em co-autoria, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 14º, nº 1, 26º, 203º, nº 1 e 204º, nº 1, alínea b), todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) de prisão para cada um deles (factos na Praia do Zavial);
2. Condenar os arguidos N e V pela prática, em co-autoria, de um crime de furto qualificado, ilícito previsto e punido pelos artigos 14º, nº 1, 26º, 203º, nº 1 e 204º, nº 2, al. e), todos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão para cada um deles (factos na Praia das Cabanas Velhas);
3. E, em sede de cúmulo jurídico, condenar cada um dos arguidos na pena única de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão;
4. (…)
5. Declarar a perda a favor do Estado do veículo de marca “Fiat”, modelo “Tipo” e matrícula (…..), da tesoura “alterada” e dos dois pares de luvas;
(…)

Inconformado com este Acórdão condenatório, o arguido N, do mesmo interpôs recurso, extraindo das respectivas motivações as seguintes (transcritas) conclusões:

1. O recorrente foi detido no dia 16 de agosto de 2023, pelas 19:30h. No dia 18 de agosto de 2023, foi preso preventivamente. Aquela decisão, sendo discutível, foi racional, ponderada e proporcional, em face da inexistência de contato do recorrente e coarguido com o território nacional.
2. Ou seja, estes arguidos, estão presos há 10 meses e foram condenados a 4 anos de prisão, por terem furtado duas viaturas, retirando do seu interior bens no valor global de 750.00€.
3. Nenhum deles tem registo criminal.
4. Admitiram ambos de forma livre integral e sem reservas.
5. Inexistem nos autos indícios de que os arguidos se dediquem à prática de crimes para sobreviver.
6. A ausência de informação ou de contatos com a realidade portuguesa não pode ser distorcida em função dos valores e dos princípios que norteiam a aplicação da lei e da justiça aos nacionais.
7. Não se pode depreender pura e simplesmente que os arguidos vão fugir.
Porque não têm nada em Portugal.
8. Não se pode depreender que os arguidos vão continuar a praticar crimes porque não têm trabalho conhecido.
9. Os arguidos fizeram prova que têm trabalho, condições de subsistência e apoio familiar.
10. O tempo passado em reclusão é um lapso temporal mais do que suficiente, para que os arguidos pusessem ter feito um exame de consciência, no sentido de não praticar mais crime.
11. Não será que passar quase um ano preso preventivamente num país estranho, sem qualquer elo de ligação. Nada! Nem um familiar, amigo ou conhecido, um motivo por excelência para demover qualquer pessoa de praticar mais crime.
12. Especialmente se essa pessoa tiver trabalho, e família de suporte.
13. Na aplicação da pena preventiva, evidentemente que pesou na mente de quem a decretou a existência de mais inquéritos que pudessem ser apensados. Esta eventualidade pesou!
14. Seria, então, expetável a condensação e anexação de eventuais futuros processos, que pudesse de alguma forma sustentar a existência de uma rede criminosa que se dedicasse a este tipo de ilícitos, com ou sem recurso a violência.
15. Mas na verdade, sucedeu o inverso. Acabou por sucumbir um processo por falta de interesse de interesse do queixoso, precisamente aquela queixa que deu origem ao processo.
16. Como nos outros dois factos, os envolvidos, apesar de constantemente notificados para o efeito, através de redes de cooperação judiciária internacional, os queixosos não manifestaram o interesse de ser indemnizados, e por isso não apresentaram pedido cível.
17. Do que falamos nestas três situações, de modo inegável é de falta de interesse em agir por parte dos ofendidos, o que naturalmente retira alguma carga de gravidade aos ilícitos.
18. A situação é tanto mais chocante quando nos apercebemos que a primeira diligência processual nos autos foi a pesquisa de dados para uma eventual suspensão provisória de processo, que pelos termos explanados na sentença culminou numa pena de 4 anos de prisão efetiva.
19. Durante o tempo de reclusão preventiva, o comportamento disciplinar do recorrente foi imaculado, sem o mínimo registo.
Não obstante estes factos;
20. A pena aplicada é arrasadora. É uma lâmina cortante, em face daquele que o estilo da corte, em casos análogos. E tanto assim é que o Sr. Magistrado do MP, promoveu em sede de alegações, precisamente o contrário:
A. Defendendo a suspensão da execução da pena.
21. Promoveu assim o Sr. Ilustre Representante do MP em sede de Alegações. – Gravação de 02-05-2024, com início às 14:53 e conclusão às 14:58 Duração integral de 00:05:20. Deve ser iniciada a audição a partir das 14.56 em diante. (promoção que se transcreve literalmente, atento o facto da mesma promoção sintetizar em alguns minutos aquilo que a defesa entende ser a aplicação da justiça ao caso concreto.
“Relativamente à pena que o MP entende que deve ser aplicada aos arguidos, teremos que ter em conta o seguinte. Por aquilo que é possível apurar. Os arguidos não têm ambos registo criminal. Em sede de estabelecimento prisional, o arguido N apresenta um bom comportamento, mas não frequenta a escola nem exerce funções laborais. Antes de ser preso residia em Espanha e fazia alguns trabalhos na área da construção civil, segundo o próprio e trabalhou também no restaurante da irmã. Estas informações resultam naturalmente do relatório social. Daquilo que foi dito pelos próprios arguidos às técnicas de reinserção social. (…) O arguido V trabalharia numa panificadora e residia também em Espanha. Dito isto, e repito, daquilo que foi possível apurar, os arguidos estariam integrados social e profissionalmente, não registando antecedentes criminais. Tendo em conta que a maior parte dos objetos que foram subtraídos foram recuperados, e entregues às pessoas que foram vítimas dos furtos, entende o MP que aos mesmos deverá ser aplicada a pena de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
Deverá ser decretada a perda do valor dos bens que não foram recuperados, nomeadamente do dinheiro, a favor do Estado.
E relativamente ao veículo automóvel, consideramos que em face da pena que o MP pediu não haveria uma proporcionalidade na sua declaração de perda a favor do Estado, não porque a esposa do arguido usasse a viatura, porque se o fizesse praticava um crime, condução com falta de habilitação legal, não porque ela levasse a criança à escola, mas porque como se viu em face do valor dos objetos subtraídos, em face deles terem sido recuperados numa ponderação de um juízo de adequação e proporcionalidade não seria proporcional da declaração de perda a favor do Estado.
Este é o entendimento do MP, Vossas Excelências farão justiça.,”
Exmos. Srs. Desembargadores.,
Entendemos, sinceramente como o fez o próprio encarregue da acusação pública, que Vossas Excelências revogando a decisão aplicada, substituindo-a por outra que suspenda a execução da pena de prisão, e que ordene a devolução da viatura ao seu coproprietário, farão Justiça.
É o que pedimos.


Igualmente inconformado com este Acórdão condenatório, o arguido V, do mesmo interpôs recurso, extraindo das respectivas motivações as seguintes (transcritas) conclusões:

1. O recorrente foi detido no dia 16 de agosto de 2023, pelas 19:30h. No dia 18 de agosto de 2023, foi preso preventivamente. Aquela decisão, sendo discutível, foi racional, ponderada e proporcional, em face da inexistência de contato do recorrente e coarguido com o território nacional.
2. Ou seja, estes arguidos, estão presos há 10 meses e foram condenados a 4 anos de prisão, por terem furtado duas viaturas, retirando do seu interior bens no valor global de 750.00€.
3. Nenhum deles tem registo criminal.
4. Admitiram ambos de forma livre integral e sem reservas.
5. Inexistem nos autos indícios de que os arguidos se dediquem à prática de crimes para sobreviver.
6. A ausência de informação ou de contatos com a realidade portuguesa não pode ser distorcida em função dos valores e dos princípios que norteiam a aplicação da lei e da justiça aos nacionais.
7. Não se pode depreender pura e simplesmente que os arguidos vão fugir.
Porque não têm nada em Portugal.
8. Não se pode depreender que os arguidos vão continuar a praticar crimes porque não têm trabalho conhecido.
9. Os arguidos fizeram prova que têm trabalho, condições de subsistência e apoio familiar.
10. O tempo passado em reclusão é um lapso temporal mais do que suficiente, para que os arguidos pusessem ter feito um exame de consciência, no sentido de não praticar mais crime.
11. Não será que passar quase um ano preso preventivamente num país estranho, sem qualquer elo de ligação. Nada! Nem um familiar, amigo ou conhecido, um motivo por excelência para demover qualquer pessoa de praticar mais crime.
12. Especialmente se essa pessoa tiver trabalho, mulher e uma filha?
13. Na aplicação da pena preventiva, evidentemente que pesou na mente de quem a decretou a existência de mais inquéritos que pudessem ser apensados. Esta eventualidade pesou!
14. Seria, então, expetável a condensação e anexação de eventuais futuros processos, que pudesse de alguma forma sustentar a existência de uma rede criminosa que se dedicasse a este tipo de ilícitos, com ou sem recurso a violência.
15. Mas na verdade, sucedeu o inverso. Acabou por sucumbir um processo por falta de interesse de interesse do queixoso, precisamente aquela queixa que deu origem ao processo.
16. Como nos outros dois factos, os envolvidos, apesar de constantemente notificados para o efeito, através de redes de cooperação judiciária internacional, os queixosos não manifestaram o interesse de ser indemnizados, e por isso não apresentaram pedido cível.
17. Do que falamos nestas três situações, de modo inegável é de falta de interesse em agir por parte dos ofendidos, o que naturalmente retira alguma carga de gravidade aos ilícitos.
18. A situação é tanto mais chocante quando nos apercebemos que a primeira diligência processual nos autos foi a pesquisa de dados para uma eventual suspensão provisória de processo, que pelos termos explanados na sentença culminou numa pena de 4 anos de prisão efetiva.
19. Durante o tempo de reclusão preventiva, o comportamento disciplinar do recorrente foi imaculado, sem o mínimo registo.
Não obstante estes factos;
20. A pena aplicada é arrasadora. É uma lâmina cortante, em face daquele que o estilo da corte, em casos análogos. E tanto assim é que o Sr. Magistrado do MP, promoveu em sede de alegações, precisamente o contrário:
A. Defendendo a suspensão da execução da pena.
B. Mas sobretudo, em face da prova produzida, a entrega do carro à sua legítima proprietária, ou seja à esposa do arguido V – ora recorrente.
21. Promoveu assim o Sr. Ilustre representante do MP., Cfr. Passagens 14:55 - 14:58 – em sede de Alegações. – Gravação de 02.05.2024, com início às 14:53 e conclusão às 14:58. Duração integral de 00:05:20. Deve ser iniciada a audição a partir das 14.56 em diante. (promoção que se transcreve literalmente, atento o facto da mesma promoção sintetizar em alguns minutos aquilo que a defesa entende ser a aplicação da justiça ao caso concreto.
“Relativamente à pena que o MP entende que deve ser aplicada aos arguidos, teremos que ter em conta o seguinte. Por aquilo que é possível apurar. Os arguidos não têm ambos registo criminal. Em sede de estabelecimento prisional, o arguido N apresenta um bom comportamento, mas não frequenta a escola nem exerce funções laborais. Antes de ser preso residia em Espanha e fazia alguns trabalhos na área da construção civil, segundo o próprio e trabalhou também no restaurante da irmã. Estas informações resultam naturalmente do relatório social. Daquilo que foi dito pelos próprios arguidos às técnicas de reinserção social. (…) O arguido V trabalharia numa panificadora e residia também em Espanha. Dito isto, e repito, daquilo que foi possível apurar, os arguidos estariam integrados social e profissionalmente, não registando antecedentes criminais. Tendo em conta que a maior parte dos objetos que foram subtraídos foram recuperados, e entregues às pessoas que foram vítimas dos furtos, entende o MP que aos mesmos deverá ser aplicada a pena de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
Deverá ser decretada a perda do valor dos bens que não foram recuperados, nomeadamente do dinheiro, a favor do Estado.
E relativamente ao veículo automóvel, consideramos que em face da pena que o MP pediu não haveria uma proporcionalidade na sua declaração de perda a favor do Estado, não porque a esposa do arguido usasse a viatura, porque se o fizesse praticava um crime, condução com falta de habilitação legal, não porque ela levasse a criança à escola, mas porque como se viu em face do valor dos objetos subtraídos, em face deles terem sido recuperados numa ponderação de um juízo de adequação e proporcionalidade não seria proporcional da declaração de perda a favor do Estado.
Este é o entendimento do MP, Vossas Excelências farão justiça.,”
Exmos. Srs. Desembargadores.,
Entendemos, sinceramente como o fez o próprio encarregue da acusação pública, que Vossas Excelências revogando a decisão aplicada, substituindo-a por outra que suspenda a execução da pena de prisão, e que ordene a devolução da viatura ao seu coproprietário, farão justiça.
É o que pedimos.

Notificado nos termos do disposto no artigo 411º, nº 6, do Código de Processo Penal, para os efeitos do disposto no artigo 413º, do mesmo diploma legal, o Ministério Público, pronunciou-se no sentido da procedência do recurso interposto, concluindo por seu turno respectivamente (transcrição):

1. Os arguidos N e V insurgem-se contra o Acórdão condenatório proferido nos presentes autos, alegando, em síntese, o seguinte:
a) Em face das suas condições pessoais, deveriam ter sido condenados numa pena de prisão suspensa na sua execução;
b) Deverá ser ordenada a devolução da viatura automóvel à sua co-proprietária [arguido V].
2. Atentemos nos seguintes pontos seguros que se mostra possível extrair da matéria de facto provada e da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento:
- Os arguidos não têm antecedentes criminais;
- Residiam em Espanha onde se encontravam inseridos no mercado laboral (embora, por último, o arguido V se encontrasse em situação de desemprego);
- Os dois furtos ocorreram no mesmo dia (16-08-2023), em período temporal inferior a duas horas (entre as 17h05 e as 18h50);
- O valor dos objectos/dinheiro subtraído situa-se, respectivamente, nos €555,00 (furto ocorrido no parque de estacionamento da Praia do Zavial) e €229,00 (furto ocorrido no parque de estacionamento da Praia das Cabanas Velhas);
- A esmagadora maioria dos objectos foi recuperado (por acção da G.N.R.) e entregue aos seus legítimos proprietários;
- Os arguidos admitiram grande parte da prática dos factos.
3. De facto, o acórdão sob recurso dá como provada factualidade relativa à inserção social e familiar dos arguidos N e V, com base na prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento. Todavia, em sede de fundamentação, parece entrar em contradição (artigo 410º, nº 2, alínea b), do Código de Processo Penal) ao manifestar uma certa desconfiança sobre a veracidade de tais factos, nomeadamente, ao referir-se aparentemente (porque parece ser mas não é?) os arguidos encontram-se minimamente (o que seria necessário, in casu, para ser mais do que o mínimo?) inseridos social e familiarmente e, salvo o devido respeito, tal dúvida parece-nos ter, no nosso modesto entendimento, como consequência, o juízo de prognose negativo formulado relativamente à suspensão da execução da pena de prisão.
4. Não se ignora que, as condutas praticadas pelos arguidos são adequadas a criar reflexos negativos na esfera patrimonial dos concretos ofendidos e, pela repetição do comportamento ilícito, uma reacção negativa disseminada na comunidade, em particular, de periculosidade quantos aos bens patrimoniais das pessoas. Todavia, o facto de, por um lado, significarem valores monetários de relativa pequena relevância, quer por crime, que no conjunto dos crimes de furto qualificado e, por outro lado, por apenas em uma das circunstâncias estar em causa um local habitado, não se verificou em concreto, afectação de outros bens jurídicos pessoais.
5. Em face do exposto, as condutas dos arguidos N e V situam-se no plano da média criminalidade, sendo que, as exigências de prevenção geral encontram-se também, igualmente, num plano médio de intensidade e, por conseguinte, às mesmas não obsta a suspensão da execução da pena de prisão.
6. À luz do preceituado no artigo 71º, nºs 1 e 2, do Código Penal, considera-se, em parte coincidentemente com o explanado no acórdão sob recurso, como circunstâncias agravantes as seguintes:
- Os danos causados no automóvel e na autocaravana, de valores não concretamente apurados, pois foram partidos os vidros do automóvel e da autocaravana;
- A devassa do interior da autocaravana inerente à escolha do que seria de levar ou de deixar, com acesso a bens de pessoas que ali pernoitavam;
- O dolo directo com que os arguidos agiram em ambas as situações;
- A motivação para a prática dos factos: o enriquecimento fácil à custa do património alheio.
7. Sendo que, relevam como circunstâncias atenuantes, as seguintes:
- A inserção social, familiar e profissional dos arguidos (não desconsiderando a actual situação do arguido N) e a existência de rectaguarda familiar;
- A ausência de antecedentes criminais;
- A confissão em grande parte da prática dos factos (o que denota, em grande parte, um juízo de auto-censura).
8. Acresce ainda que, considerando os factos na sua globalidade e respectiva gravidade e a circunstância de terem ocorrido durante um curto período temporal, não se pode concluir, sem mais, que na génese dos mesmos esteja uma tendência da personalidade dos arguidos, tudo apontando, pelo menos por ora, para uma mera pluriocasionalidade.
9. Em jeito de síntese: o juízo de auto-censura de que os arguidos foram capazes de fazer em relação às suas condutas, a ausência de antecedentes criminais e a sua inserção social, permite considerar que a censura do facto e a ameaça de prisão serão suficientes para afastar aqueles da prática de futuros crimes, motivo pelo qual, afigura-se-nos justo e adequado que aos mesmos seja aplicada uma pena de prisão suspensa na sua execução, a qual, em face do disposto no artigo 409º, nº 1, do Código de Processo Penal, não poderá ser superior à pena de 3 anos e 9 meses aplicada pelo Tribunal «a quo».
10. Pelo exposto, afigura-se-nos que, nesta parte, o Acórdão sob recurso fez uma incorrecta interpretação dos artigos 40º, 50º e 71º, todos do Código Penal.
11. Um veículo automóvel quando utilizado como meio de agressão a uma pessoa reveste-se de meio particularmente perigoso, mas já não quando foi o meio utilizado para a prática de dois crimes de furto e transporte dos objectos e valores subtraídos, tanto mais que, está em causa uma utilização episódica (dois furtos praticados no mesmo dia e no espaço temporal de cerca de duas horas).
12. Acresce ainda que, conforme se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19-08-2016:
"Uma vez que o risco intrínseco à circulação dos veículos automóveis não se confunde com o risco da sua utilização de forma penalmente ilícita e que o veículo em causa não tem particularidades que o coloquem à margem do quadro legal e regulamentar que a condiciona, a perigosidade do veículo apenas poderia resultar no caso presente de o mesmo oferecer sério risco de ser utilizado para o cometimento de novos factos ilícitos típicos.
Dado que o risco sério de utilização na prática de novos crimes não se presume, nem se confunde com a mera possibilidade de tal vir a acontecer no futuro, e que não resulta dos autos verificarem-se especiais circunstâncias que fundem prognose séria de tal vir a suceder, o tribunal a quo incorreu em erro de direito ao declarar perdido a favor do Estado o veículo automóvel."
13. De resto e, se como pugnamos, os arguidos vierem a ser condenados em penas de prisão suspensas na sua execução e, bem ainda, se atentarmos na utilização episódica e no valor dos objectos furtados quando comparado com o valor de aquisição do veículo (€11.290,00), salvo o devido respeito, parece evidente a desproporcionalidade existe com a declaração de perdimento.
14. Pelo exposto, nesta parte, afigura-se-nos que, salvo melhor entendimento, o Tribunal «a quo» não efectuou um correcto entendimento do artigo 109º, nº 1, do Código Penal, motivo pelo qual, deverá o veículo automóvel em causa ser devolvido ao seu legítimo proprietário.
15. Termos em que, deverá ser julgado procedente o recurso e, em consequência, os arguidos deverão ser condenados numa pena de prisão suspensa na sua execução e, bem ainda, deverá ser determinada a devolução da viatura automóvel ao seu legítimo proprietário.
Contudo, V. Exas. farão como sempre Justiça.


Neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da procedência dos recursos interpostos, conforme resulta dos autos.

Cumprido que se mostra o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, os arguidos não apresentaram qualquer resposta.
Procedeu-se a exame preliminar.
Cumpridos os vistos legais, e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

B -

No Acórdão recorrido consta o seguinte (transcrição):

Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos:
1. Os arguidos acordaram, entre si, deslocarem-se no veículo automóvel, marca Fiat, modelo Tipo, com a matrícula (…..), a parques de estacionamento nas imediações de zonas de praia, nos municípios de Aljezur e Vila do Bispo, com o intuito de se apoderarem de objectos que se encontrassem no interior de veículos automóveis que aí estivessem aparcados.
2. Na execução do plano previamente delineado, no dia 16-08-2023, no período compreendido entre as 17:05h e as 17:25h, os arguidos dirigiram-se ao parque de estacionamento da Praia do Zavial, concelho de Vila do Bispo.
3. Aí chegados, os arguidos abeiraram-se do veículo automóvel, marca Mercedes, modelo E220 CDI, com a matrícula (…..), pertença de T e, enquanto o arguido V permaneceu junto ao veículo a vigiar as imediações, o arguido N, de forma não concretamente apurada, partiu o vidro da porta dianteira direita, acedendo, desta forma, ao seu interior, de onde retirou os seguintes bens, objectos e valores:
3.1. Uma bolsa, de cor castanha, da marca Guess, pertença de Franziska Scheuringer, no valor de 40,00€ (quarenta euros);
3.2. Uma mochila de praia, de cor azul com desenhos de limão, pertença de F, no valor de 30,00€ (trinta euros);
3.3. Uma bolsa de cor vermelha, da marca Romme Bridge Canasta, contendo no seu interior dois baralhos de cartas, pertença de F e de valor não concretamente apurado;
3.4. Um e-book reader de cor vermelha, de marca Tolino, no valor de 200,00€ (duzentos euros);
3.5. Diversos documentos pessoais, bilhete de identidade, cartão de saúde, cartões bancários e carta de condução pertença de F;
3.6. Um par de óculos de sol, pertença de F, no valor de 15,00€ (quinze euros);
3.7. Uma chave do veículo automóvel marca Mercedes, modelo E220 CDI, com a matrícula (…..), no valor aproximado de 200,00€ (duzentos euros);
3.8. Uma nota de 50,00€ (cinquenta euros);
3.9. Duas notas de 10,00€ (dez euros);
4. Acto contínuo, os arguidos abandonaram o local no veículo de matrícula (…..) conduzido pelo arguido V, levando com eles os identificados bens, fazendo-o seus, no valor global de 555,00€ (quinhentos e cinquenta e cinco euros).
5. Os bens melhor identificados nos pontos 3.1 a 3.7. foram abandonados pelos arguidos no Ecoponto de papelão, sito no Largo da Igreja da Raposeira, em Vila do Bispo e recuperados pelo Núcleo de Investigação Criminal de Portimão, no mesmo dia, pelas 21:00h.
6. Os arguidos agiram, em comunhão de esforços e intentos, com o propósito concretizado de se apoderarem e integrarem na sua esfera patrimonial os objectos, bens e valores que se encontravam no interior do identificado veículo automóvel, o que fizeram, sem o consentimento e contra a vontade dos seus legítimos proprietários, o que quiseram.
7. Ainda, na execução do plano previamente delineado, no dia 16-08-2023, pelas 18:50h, os arguidos dirigiram-se ao parque de estacionamento da Praia das Cabanas Velhas, concelho de Vila do Bispo.
8. Aí chegados, o arguido N abeirou-se da Autocaravana, marca Weinsberg, modelo K250L, com a matrícula (…..), alugada por B e L, onde estes pernoitavam, e, de forma não concretamente apurada, partiu o vidro da janela lateral esquerda e trepou-a, logrando, desta forma, aceder ao seu interior, de onde subtraiu os seguintes bens:
8.1. Uma mochila de cor preta marca “The North Face”;
8.2. Um Ipad de cor cinzenta, com capa de cor azul, da marca Apple, modelo 1566 e com o nº de série DMPP3HUAG5VJ;
8.3. Um carregador (power bank), marca “Hayward” e respectivos cabos;
8.4. Uns airpods, da marca Apple (3 génération), no valor de 189,00€ (cento e oitenta e nove euros);
8.5. Um porta-moedas, de cor verde, contendo no seu interior 35,00€ (trinta e cinco euros) em notas e 5,00€ (cinco euros) em moedas:
8.6. Um power bank, de cor preto, da marca Hayward;
8.7. Uma caixa de cor azul, contendo no seu interior dois auriculares, sem fios;
8.8. Um livro intitulado “Noveau Lyon”;
8.9. Uma caixa de espelho prateada;
8.10. Diversos produtos de higiene;
8.11. Uma caixa de cor amarela, contendo no seu interior um par de óculos graduados, da marca Marc Jobs;
9. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido V permaneceu junto ao veículo automóvel, melhor identificado em 1., a vigiar as imediações, por forma a evitar que fossem visualizados e identificados.
10. De seguida, os arguidos abandonaram o local, no veículo de matrícula (…..) conduzido pelo arguido V, levando com eles os referidos bens, objectos e valores, fazendo-o seus, no valor global de 229,00€ (duzentos e vinte e nove euros).
11. Os arguidos agiram, em comunhão de esforços e intentos, com o propósito concretizado de se apoderarem e integrarem na sua esfera patrimonial os objectos, bens e valores que se encontravam no interior da identificada autocaravana, bem sabendo que os ofendidos aí residiam e não se coibindo para lograrem os seus intentos de entrarem naquele espaço, daquela forma, que fizeram, sem o consentimento e contra a vontade dos seus legítimos proprietários, o que quiseram.
12. No dia 16-08-2023, cerca das 19:30h, os arguidos detinham na sua posse, no interior do veículo automóvel, marca Fiat, modelo Tipo, com a matrícula (…..), para além dos descritos em 8., os seguintes bens e objectos, que não lhes pertenciam:
12.1. Debaixo do cinzeiro e na consola junto ao manipulo das mudanças (frente):
12.1.1. 60,00€ (sessenta euros) em notas;
12.2. Na consola da parte de trás do veículo:
12.2.1. 38,60€ (trinta e oito euros e sessenta cêntimos) em moedas;
12.3. No banco de trás do veículo (passageiros) e dentro de uma (1) mochila de cor preta e de marca “The North Face”:
12.3.1. Uma (1) bolsa de cor castanha e transparente, contendo no seu interior um par de fones com fios;
12.4. No banco de trás do veículo (passageiros):
12.4.1. Uma (1) carteira de marca “Porche Design” e de cor preta tendo no seu interior 60,00€ (sessenta euros) em notas;
12.5. No interior do porta bagagens do veículo:
12.5.1. Uma (1) coluna de música, de marca Merlin e de cor preta;
12.5.2. Um (1) Power Bank de marca Charmast e de cor preto;
12.5.3. Sacos com diversos tipos de vestuário, calçado e produtos de higiene;
12.5.4. Uma (1) caixa de cor preta, contendo no seu interior um par de óculos de marca Holbrook;
12.5.5. Uma (1) caixa, contendo no seu interior um carregador (IPHONE) 2.4 de cor branco e uma (1) pulseira dourada com pedras de cor verde e uma (1) pulseira dourada com pedras de cor de rosa;
12.5.6. Uma bolsa de cor preta de marca Paisen, contendo no seu interior um (1) cavaquinho da marca Paisen e um par de cordas e várias palhetas;
12.5.7. Uma (1) bolsa de cor preta de marca Misako contendo no seu interior três (3) embalagens de medicação.
13. Ainda nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, indicadas em 12., o arguido N trazia consigo 1 (uma) nota de 10,00€ (dez euros) e 1 (uma) nota de 5,00€ (cinco euros);
14. Ainda nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, indicadas em 12., o arguido V trazia consigo 10 (dez) notas de 50,00€ (cinquenta euros) e 6 (seis) notas de 20,00€ (vinte euros) e 1 (uma) nota emitida de 10,00€ (dez euros), no valor global de 630,00€ (seiscentos e trinta euros).
15. Agiram os arguidos de forma livre, voluntária, e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
- Mais se provou:
16. O arguido V tem o 10º de escolaridade, é casado, tem uma filha de 14 anos que vive com os avós na Roménia e a esposa trabalha na Roménia.
17. Em Espanha o arguido V trabalhava na panificação, auferia o salário mensal de 1.080€, e ocupava um dos quartos de um apartamento em Madrid que era partilhado por várias pessoas, entre as quais o arguido N, seu cunhado.
18. O arguido N tem o 12º de escolaridade, um curso de mecânico auto e não tem filhos.
19. Em Espanha o arguido N trabalhou num restaurante com a irmã em Ronda; depois passou a viver em Madrid onde ocupava um dos quartos de um apartamento em Madrid que era partilhado por várias pessoas, entre as quais o arguido V, e estava desempregado.
20. Os dois arguidos dispõem de apoio familiar na Roménia.
21. Nenhum dos arguidos dispõe de laços familiares ou sociais em Portugal.
22. O contrato de compra e venda do veículo automóvel de marca Fiat, modelo Tipo, com a matrícula (…..) foi celebrado com o arguido V no dia 21-10-2021 pelo preço de 11.290€
23. Do certificado do registo criminal do arguido V nada consta.
24. Do certificado do registo criminal do arguido N nada consta.

Factos não provados:
Não se provaram os seguintes factos da acusação:
a) Que os arguidos tivessem concretamente utilizado na prática dos factos os seguintes objectos:
13.1.1. Uma (1) tesoura em alumínio prateada;
13.1.2. Um (1) par de luvas de cor pretas;
13.1.3. Um (1) par de luvas de cor pretas de marca KMT tools;
13.2. Um (1) telemóvel de marca XIOMI de modelo Redmi M1906G7G, com o IMEI1863337040568844/02 IMEI2 863337043068842/02, nº de serie 26042/KOUF00988, pertencente ao arguido V;
13.3. Um (1) telemóvel de marca SAMSUNG de modelo G990B, com o IMEI1 350928/50/297276/1, IMEI2 352801/30/2977276/0 pertencente ao arguido N.
b) que os arguidos tivessem subtraído duas bolsas da marca Guess no valor aproximado de 200,00€;
c) que a mochila de praia pertença de F tivesse o valor aproximado de 100,00€;
d) que a chave do veículo mercedes tivesse o valor aproximado de 350,00€;
e) que a Autocaravana, marca Weinsberg, modelo K250L, com a matrícula (…..), fosse pertença de B e L.

Motivação:
O Tribunal formou a sua convicção sobre os factos considerados provados e não provados com base na análise crítica e conjugada da prova testemunhal, bem como, pericial e documental que se especificará, segundo as regras da experiência e a livre convicção, nos termos do artigo 127º, do Código de Processo Penal.
Enunciemos as razões da nossa convicção.
Quanto aos factos provados:
Os arguidos prestaram declarações onde admitiram grande parte dos factos.
O arguido N admitiu que partiu o vidro da janela do Mercedes e do seu interior retirou os bens, bem como, admitiu que forçou a janela da autocaravana, por esta acedeu ao seu interior e daí retirou os bens; admitiu que se deslocou com o co-arguido V, que vieram no carro deste; que os dois estavam sempre juntos; que o V ficou sempre próximo quando ele acedeu aos veículos assaltados.
O arguido N tentou deixar de fora a intervenção do co-arguido V, seu cunhado, à guisa de protecção, mas sem qualquer verosimilhança.
Por sua vez, o arguido V começou por dizer, sobre os factos imputados, que os «reconhecia», que tinham tirado e levado os bens; que esteve sempre próximo do co-arguido N quando este «assaltou» os veículos; admitiu que vieram os dois de Espanha no seu carro (o “Fiat Tipo” de matrícula …..) e entraram em Portugal por Badajoz.
O arguido V acabou por reconhecer que sabia o que ia acontecer, que ficara junto dos veículos que foram assaltados, que era ele quem conduzia o Fiat, aliás pertença sua, veículo no qual colocaram os bens subtraídos e saíram dos locais.
As evidências levaram a que o arguido V titubeasse … nas declarações que vinha a fazer sobre a sua não intervenção …
Doutra banda, referiu que haviam entrado em Portugal 4 ou 5 dias antes (já o co-arguido disse que entraram 3 ou 4 dias antes), vindos de Espanha, por Badajoz, os dois, no referido veículo e andavam a passear. Porém, nenhuma das duas praias se situa (ou bordeja) com a Nacional 125, isto é, não são locais onde se possa, por acaso, “tropeçar”. É preciso conhecê-las, ou procurá-las, para a elas aceder, a que acresce que em nenhuma existe qualquer Hotel ou similar.
Considerando, doutro ponto de vista, que as praias do Zavial e das Cabanas Velhas não dispõem de transportes públicos, nem frequentes, nem próximos, era imperioso, também de acordo com as regras da normalidade da vida, que existisse um meio à disposição dos arguidos para, uma vez concretizados os assaltos que, relembre-se, ocorriam nos parques de estacionamento, saírem dali com rapidez, e esse meio consistiu na utilização do automóvel sempre conduzido pelo arguido V.
Assim, a “coincidência” de às duas praias terem acedido os dois, com o mesmo veículo, de em ambas terem ocorrido assaltos a veículos, de os dois saberem o que fazia o outro, de terem saído os dois no veículo conduzido pelo arguido V, tudo revela, de acordo com as regras de experiência comum, a existência de um acordo entre ambos para o efeito e com divisão de tarefas, ou seja, o arguido N a aceder ao interior dos veículos e o arguido V a permanecer, perto deste, a olhar, a vigiar, para alertar se alguém surgisse, e, caso tanto não ocorresse, a sair dali a conduzir o Fiat com o co-arguido e as coisas retiradas no seu interior.
Tudo o exposto ainda se torna mais pacífico com base nas declarações prestadas pelos militares da GNR L e G, que o fizeram de modo isento e coerente.
Assim, existia a notícia de outro assalto, no dia anterior, e eles dispunham de informação da matrícula do veículo utilizado pelos assaltantes (cf. fls. 9-11), matrícula que correspondia ao veículo onde seguiam os arguidos, com o qual se cruzaram no dia 16-08-2023 e, partir daí passaram a seguir.
Nesse seguimento, após paragem breve junto ao ecoponto da Raposeira, o veículo onde seguiam os arguidos foi até à Praia das Cabanas Velhas, onde parou a marcha.
Assim, a testemunha G que, além do mais presenciou o “despejo” no Ecoponto no Largo da Raposeira, cf. auto de apreensão a fls. 62 e relatório fotográfico a fls. 63, ou seja, as coisas subtraídas no furto realizado na Praia do Zavial;
Assim, a testemunha L que, nessa sequência, viu os dois arguidos na Praia das Cabanas Velhas; o arguido N a dirigir-se para a autocaravana, seguindo-se um barulho de algo a quebrar; o arguido V a olhar em volta, com o porta bagagens aberto a disfarçar; e, de seguida, o arguido N vindo da autocaravana a entrar no Fiat para o banco de trás; acto contínuo, o arguido V a pôr em marcha o Fiat para saírem dali, vindo depois a ser intercetados, com os objectos retirados da autocaravana na sua posse, cf. auto de apreensão de fls. 56 e s. e relatório fotográfico a fls. 66 e s., máxime a fls. a fls. 67 onde se verifica o vidro quebrado da janela autocaravana e os restos da tranca da mesma, ou seja, o “resultado” da entrada forçada através da janela para o interior da autocaravana.
Depoimentos estes que, mesmo sem as declarações dos arguidos, firmariam os factos relativos aos furtos e quem os levou a cabo.
Tiveram-se ainda em conta os autos de apreensão de fls. 52-53 (V) e de fls. 54-55 (N) que se referem às quantias em dinheiro que cada um deles tinha consigo naquela ocasião.
Assim, do conjunto da prova produzida decorre, sem margem para qualquer dúvida, a prática dos factos em co-autoria por banda dos arguidos N e V.
Acrescem ainda as declarações prestadas pelas testemunhas B e F de modo isento.
O primeiro esclareceu que estrava em Portugal na companhia de L há cerca de 2 ou 3 dias, que a autocaravana era alugada, que pernoitavam na mesma e deu ainda nota, se necessário fosse, das coisas retiradas do interior daquela, especificando que a deixara fechada e quando à mesma acedeu verificou os danos e restos de coisas partidas no chão, cf. fotografias a fls. 67.
Em conjugação com as declarações que prestou haverá ainda que atentar na factura/recibo de fls. 36 (AirPods de 3ª geração adquiridos em 18-01-2023), no teor do auto de reconhecimento de objectos a fls. 160-161 e no termo de entrega a fls. 162.
A segunda, F, esclareceu que se deslocara com o pai o irmão até à Praia do Zavial. Ali chegados, estacionaram o carro (cf. fls. 163-164) e foram ver a praia. Quando voltaram aperceberam-se do carro arrombado, com o vidro partido. Esclareceu ainda os bens que foram retirados e os valores.
Em conjugação com as declarações que prestou haverá ainda que atentar no teor do auto de reconhecimento de objectos a fls. 153-154 e do termo de entrega a fls. 155.
Logo, a partir dos factos provados de natureza objectiva e do conjunto de razões que os sustentam podemos, porque a tanto nada obsta, inferir de acordo com as regras de experiência, que os arguidos agiram, em comunhão de esforços e intentos, com o propósito concretizado de se apoderarem e integrarem na sua esfera patrimonial os objectos, bens e valores que se encontravam no interior do automóvel mercedes e da autocaravana, sem o consentimento e contra a vontade dos seus legítimos proprietários, o que quiseram e conseguiram.
Estas as razões para os factos provados sob os nºs. 1 a 15.
Prestaram ainda declarações as testemunhas de defesa O, A e Z que são familiares dos arguidos.
Todas revelaram espanto com a situação dos arguidos e afirmaram que estão dispostas a ajudá-los.
Assim, da conjugação das declarações dos arguidos com os depoimentos das testemunhas O, A e Z e com o teor dos relatórios sociais de fls. 495 e s. e 497 e s., firmaram-se os factos nºs 16 a 21.
A ausência de antecedentes criminais (pelo menos em Portugal) relativamente aos arguidos estriba-se na análise dos respectivos certificados do registo criminal juntos a fls. 500-503.
Por fim, pertencer o veículo da marca Fiat, modelo Tipo, com a matrícula (…..) ao arguido V é o que se alcança com base na análise do contrato de compra e venda junto a fls. 466 em conjugação com o certificado de matrícula a fls. 140.
Quanto à matéria de facto dada como não provada a mesma foi assim considerada por ausência de prova que impusesse distinto resultado, assim a alínea a), ou pelo sentido da prova produzida, assim as alíneas b) a e).
(…)

Da avaliação da aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão:
Prescreve o artigo 50º, nº 1, do Código Penal:
«O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
A norma impõe um dever ao Tribunal de aquilatar da possibilidade de suspender a execução da pena de prisão concretamente fixada em quantum inferior ou igual a 5 anos de prisão, quando norteado pelos pressupostos que a mesma oferece (personalidade do agente, condições de vida deste, conduta anterior e posterior ao crime, etc.) concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição que, como já referido supra, consistem na protecção de bens jurídicos e, quando possível, na reintegração do agente, cf. artigo 40º, nº 1, do Código Penal.
Ponderando.
Os arguidos têm nesta data 38 e 50 anos de idade e apesar de estarem aparentemente minimamente inseridos social e familiarmente, mas fora do território nacional, não se abstiveram de se deslocar ao nosso país para praticarem os factos sub judice, de fazerem essa opção, o que exaspera as exigências de prevenção especial.
Doutra banda, a prática de dois crimes de furto qualificado no mesmo dia revela uma energia criminosa intensa e a sua distinta localização afasta a possibilidade de se poder considerar tal actuação como se fosse “de mera ocasião”.
Assim, neste circunstancialismo não se vê como (e em quê) se possa sustentar a possibilidade de firmar um juízo de prognose favorável no sentido de a censura do facto e a ameaça do cumprimento da pena de prisão constituírem motivação bastante para os arguidos se afastarem da criminalidade.
Opõem-se à opção pela suspensão da execução, também, as exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.
Em conformidade, entende o Tribunal Colectivo que a simples ameaça de execução da pena de prisão não se revela suficiente para afastar os arguidos da prática de novos crimes.
Termos em que não se suspende a execução das penas acima fixadas.

Dos objectos apreendidos:
(…)
Do veículo automóvel de matrícula (…..).
O Ministério Público também requereu a perda do veículo automóvel de matrícula (…..) por ter servido a prática dos crimes de furto qualificado, cf. o ponto V do despacho de encerramento do inquérito a fls. 313 e s., máxime, fls. 317v.-318.
Dos factos provados infere-se que o referido automóvel pode incluir-se nos comummente designados instrumenta sceleris, ou seja, nos objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para prática de factos ilícitos típicos, cf. o artigo 109º, nº 1, do Código Penal.
A utilização do automóvel, no plano gizado pelos arguidos, foi fundamental para poderem ir de praia em praia, quando muito bem lhes aprouvesse, chegarem aos respectivos parques de estacionamento, estroncarem os veículos, subtraírem o que lhes interessasse e saírem dali de forma rápida e eficaz.
A importância de disporem desse meio de transporte é ainda reforçada quando, como já se referiu, as praias do Zavial e das Cabanas Velhas não dispõem de transportes públicos, nem frequentes, nem próximos, e era necessário que existisse um meio à disposição dos arguidos para, uma vez concretizados os assaltos que ocorriam nos parques de estacionamento, saírem dali com rapidez, e esse meio consistiu na utilização do automóvel de matrícula (…..) conduzido pelo arguido V e de sua propriedade deste, onde aliás foram apreendidos os bens retirados do interior da Autocaravana que estava estacionada no parque da Praia das Cabanas Velhas.
Afigura-se-nos, pelo exposto, essencial, in casu, a utilização do veículo no modo como os arguidos se predispuseram a desenvolver a actividade de locupletação de bens sitos no interior de veículos estacionados nos Parques das aludidas praias e rematamos com esta cristalina conclusão: sem o veículo, os arguidos não podiam levar a cabo os furtos pelo modo como estes ocorreram.
Acresce, provindo os arguidos de Espanha, realizando essa viagem no aludido automóvel, não estando em causa qualquer espécie de “furtos de ocasião” e pertencendo o veículo ao arguido V, que sempre o conduziu, entendemos que existem as condições para que seja formulado um juízo de perigosidade quanto à utilização futura do automóvel em factos idênticos aos que comprovadamente ocorreram.
Em conformidade, declara-se a perda a favor do Estado do veículo de marca “Fiat”, modelo “tipo” e matrícula (…..), nos termos do artigo 109º, nº 1, do Código Penal.
(…)


II – FUNDAMENTAÇÃO

1 - Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, as cominadas como nulidade da sentença, artigo 379º, nº 1 e, nº 2, do mesmo Código e, as nulidades que não devam considerar-se sanadas, artigos 410º, nº 3 e, 119º, nº 1, do mesmo diploma legal, a este propósito cfr. ainda o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 19-10-1995, publicado no D.R. I-A Série, de 28-12-1995 e, entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25-06-1998, B.M.J. nº 478, pág. 242 e de 03-02-1999, B.M.J. nº 484, pág. 271 e, bem assim Simas Santos e Leal-Henriques, em “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 7ª edição, pág. 71 a 82).

No caso em apreço, atendendo às conclusões, as questões que se suscitam são as seguintes:

- Impugnação do Acórdão proferido relativamente à matéria de direito, quanto à suspensão da execução das penas, nos termos do artigo 50º, do Código Penal.
- Impugnação do Acórdão proferido relativamente à matéria de direito, quanto à declaração de perda a favor do Estado do veículo de marca “Fiat”, modelo “Tipo” e matrícula (…..), nos termos do artigo 109º, nº 1, do Código Penal.

A alteração da factualidade assente na 1ª instância poderá ocorrer pela verificação de algum destes vícios a que aludem as alíneas do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal, a saber: a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; e c) o erro notório na apreciação da prova – cfr. ainda artigo 431º, do citado diploma –, verificação que, como acima se deixou editado, se nos impõe oficiosamente.
Em comum aos três vícios, terá o vício que inquina a sentença ou o Acórdão em crise que resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugadamente com as regras da experiência comum.
Quer isto significar que não é possível o apelo a elementos estranhos à decisão, como por exemplo quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento, só sendo de ter em conta os vícios intrínsecos da própria decisão, considerada como peça autónoma – cfr. Maia Gonçalves, “Código de Processo Penal Anotado”, Almedina, 16ª ed., pág. 871, Simas Santos e Leal-Henriques, “Recursos em Processo Penal”.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (vício a que alude a alínea a), do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal), ocorrerá, como ensina Simas Santos e Leal-Henriques, obra e local citados, quando exista “lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, isto é, quando se chega à conclusão de que com os factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato nessa matéria que é preciso preencher.
Porventura, melhor dizendo, só se poderá falar em tal vício quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito e quando o tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final”.
A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (vício a que alude a alínea b), do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal), consiste na “incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão.
Ou seja: há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente.”, cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, obra e local mencionados.
O erro notório na apreciação da prova (vício a que alude a alínea c), do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal), constituiu uma “falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável.
Ou, dito de outro modo, há tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.” – cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, obra citada.
Ora, do texto da decisão recorrida, como se vê da transcrição supra, a mesma apreciou os factos aportados na acusação e bem assim aqueles que resultaram da discussão da causa em audiência de julgamento.
Então do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum, não se perfila a existência de qualquer um dos vícios elencados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Investigada que foi a materialidade sob julgamento, não se vê, por isso, que a matéria de facto provada e não provada seja insuficiente para fundamentar a solução de direito atingida, não se vê que se haja deixado de investigar toda a matéria de facto com relevo para a decisão final, como não se vê qualquer inultrapassável incompatibilidade entre os factos provados ou entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão, e de igual modo não se detecta na decisão recorrida, por si e com recurso às regras de experiência, qualquer falha ostensiva na análise da prova ou qualquer juízo ilógico ou arbitrário.
De igual modo, conforme supra, referido, do texto de tal decisão não se detecta qualquer violação do “favor rei”, na medida em que se não verifica, nem demonstra, que o tribunal de julgamento haja resolvido qualquer dúvida contra os arguidos.
Por outro lado, a decisão recorrida, como já se afirmou, não deixa de expor, de forma clara e lógica, os motivos que fundamentaram a decisão sobre a matéria de facto, com exame criterioso, das provas que abonaram a decisão, tudo com respeito do disposto no artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal.
A decisão recorrida está elaborada de forma equilibrada, lógica e fundamentada.
O Tribunal “a quo” decidiu segundo a sua livre convicção e explicou-a de forma objectiva e motivada e, portanto, capaz de se impor aos outros.
Em consequência, mantém-se e, sedimentada se mostra, a factualidade assente pelo Tribunal “a quo”, não se vislumbrando na decisão recorrida vício ou nulidade cujo conhecimento oficiosamente ou a requerimento se imponha a este Tribunal “ad quem”.

*
- Da impugnação do Acórdão proferido relativamente à matéria de direito, nos termos do disposto no artigo 50º, do Código Penal, por não suspensão da execução das penas de prisão.

A suspensão da execução da pena de prisão é uma pena de substituição cujo cumprimento é feito em liberdade e pressupõe a prévia determinação da pena de prisão, em lugar da qual é aplicada e executada.
Para além do pressuposto formal de que a medida da pena imposta ao agente não seja superior a cinco anos de prisão, a suspensão da execução da pena de prisão tem como pressuposto material a formulação de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento daquele, em que o tribunal conclua que, atenta a sua personalidade, as condições de vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as respectivas circunstâncias, a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artigo 50º, nº 1 do Código Penal).
O juízo de prognose favorável reporta-se ao momento em que a decisão é tomada e pressupõe a valoração conjunta de todos os elementos que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do agente, no sentido de que irá sentir a condenação como uma solene advertência, ficando o eventual cometimento de novos crimes prevenido com a ameaça da prisão, daí se extraindo, ou não, que a sua socialização em liberdade é viável.
Levando-se em linha de conta que a finalidade político-criminal visada com o instituto da suspensão da execução da pena reside no “afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novo crimes”, sendo, pois, decisivo “o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização traduzida na «prevenção da reincidência»”. Cf. Jorge de Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2ª reimp., 2009, §§ 519, pág.343.
Os critérios, que devem presidir à suspensão da execução da pena de prisão, são os estabelecidos pelo artigo 50º do Código Penal, o qual, sob a epígrafe «Pressupostos e duração», estatui:
1 – O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às circunstâncias da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simple4s censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 – O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3 – Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.
4 – A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5 – O período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão”.
O pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão é pois que a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos.
E o pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o Tribunal conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Como referido subjacente à decisão de suspensão da execução da pena está um juízo de prognose favorável sobre o futuro comportamento do arguido, ou seja, quando se possa prever que o mesmo não cometerá futuros crimes.
Como é sabido, não são considerações de culpa que interferem na decisão que agora nos ocupa, mas apenas razões ligadas às finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização, estas acentuadamente tidas em conta no instituto em análise, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral, ligadas à necessidade de correspondência às expectativas da comunidade na manutenção da validade das normas violadas.
A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes, e não qualquer correcção ou melhora das concepções daquele sobre a vida e o mundo.
Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o “conteúdo mínimo” da ideia de socialização, traduzida na “prevenção da reincidência” (Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, ed. 1993, págs. 343 e 344).
Como bem esclarece este ilustre professor (ob. citada, pág. 344), “apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime (...). Estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise”.
Revertendo ao caso dos autos, analisando o certificado de registo criminal dos arguidos, constata-se que os mesmos não têm qualquer antecedente da prática de crimes.
Como expressou o tribunal “a quo”: “Os arguidos têm nesta data 38 e 50 anos de idade e apesar de estarem aparentemente minimamente inseridos social e familiarmente, mas fora do território nacional, não se abstiveram de se deslocar ao nosso país para praticarem os factos sub judice, de fazerem essa opção, o que exaspera as exigências de prevenção especial.
Doutra banda, a prática de dois crimes de furto qualificado no mesmo dia revela uma energia criminosa intensa e a sua distinta localização afasta a possibilidade de se poder considerar tal actuação como se fosse “de mera ocasião”.
Assim, neste circunstancialismo não se vê como (e em quê) se possa sustentar a possibilidade de firmar um juízo de prognose favorável no sentido de a censura do facto e a ameaça do cumprimento da pena de prisão constituírem motivação bastante para os arguidos se afastarem da criminalidade.
Opõem-se à opção pela suspensão da execução, também, as exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.
Em conformidade, entende o Tribunal Colectivo que a simples ameaça de execução da pena de prisão não se revela suficiente para afastar os arguidos da prática de novos crimes.”.
Cumpre afirmar que não se partilha do entendimento adoptado pelo Tribunal “a quo”.
Dos autos e dos factos provados, resulta que os arguidos se encontram inseridos social e familiarmente, dentro do quadro actual da emigração para obtenção de melhores condições de vida no país de acolhimento e da precariedade dos tempos actuais, não resultou provado que a prática deste tipo de factos fosse a actividade normal dos arguidos, não resultando pois, dos autos, relevantes exigências de prevenção especial relativamente a cada um dos arguidos, para além das normais neste tipo de crimes.
Assim, dos factos provados é possível concluir existirem fundamentos que justificam como razoável um juízo de prognose positiva no sentido de que a censura do facto e a ameaça da prisão serem suficientes para realizarem de forma adequada as finalidades da punição.
Então porque da matéria de facto dada como assente é possível extrair um juízo de prognose positiva relativamente ao comportamento dos arguidos N e V, no sentido de que a ameaça das penas de prisão mostra-se adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição, resulta que a substituição das penas de prisão aplicadas pela pena de substituição não privativa da liberdade, de suspensão de execução da pena, nos termos do disposto no artigo 50º, do Código Penal, realiza de forma adequada e suficiente as finalidades das penas a que os arguidos se mostram condenados.
Assim, julgam-se procedentes nesta parte os recursos interpostos pelos arguidos N e V, revogando-se o Acórdão recorrido e determinando-se a suspensão da execução das penas de prisão a que os arguidos se encontram condenados, nos termos do disposto no artigo 50º, nº 1 e nº 5, do Código Penal, pelo período de 2 (dois) anos.

- Da impugnação do Acórdão proferido relativamente à matéria de direito, quanto à declaração de perda a favor do Estado do veículo de marca “Fiat”, modelo “Tipo” e matrícula (…..), nos termos do artigo 109º, nº 1, do Código Penal (recurso do arguido V).

A este propósito diz o recorrente V que não se verificam os requisitos da declaração de perda do veículo, porquanto, em face do valor dos objetos subtraídos, em face deles terem sido recuperados, e numa ponderação de um juízo de adequação e proporcionalidade, não seria proporcional a declaração de perda a favor do Estado.
Resulta do disposto no artigo 109º, do Código Penal, que a perda a favor do Estado de veículo ou outro bem que tiver servido para a prática de um facto ilícito típico, como se verifica no caso presente, apenas é declarada quando pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, o bem em causa puser em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecer sério risco de ser utilizado para o cometimento de novos factos ilícitos típicos.
Ora, apesar de identificar corretamente aquele critério legal, o tribunal recorrido acabou por decidir a perda do veículo automóvel de marca “Fiat”, modelo “Tipo” e matrícula (…..), a favor do Estado apenas com fundamento em ter sido o veículo essencial para a prática dos crimes, designadamente para a deslocação a Portugal, às praias e para as fugas, sem verificar do preenchimento do critério material acolhido naquele preceito legal, ou seja, da respetiva perigosidade em função da sua natureza intrínseca ou por oferecer sério risco de ser utilizado para o cometimento de novos factos ilícitos típicos.
Ora, uma vez que o risco intrínseco à circulação dos veículos automóveis não se confunde com o risco da sua utilização de forma penalmente ilícita e que o veículo em causa não tem particularidades que o coloquem à margem do quadro legal e regulamentar que a condiciona, a perigosidade do veículo apenas poderia resultar no caso presente de o mesmo oferecer sério risco de ser utilizado para o cometimento de novos factos ilícitos típicos.
Porém, uma vez que o sério risco de utilização na prática de novos crimes não se presume, nem se confunde com a mera possibilidade de tal vir a acontecer no futuro, e que não resulta dos autos verificarem-se especiais circunstâncias que fundem prognose séria de o veículo automóvel vir a ser utilizado para a prática de novos crimes, impõe-se concluir que o Tribunal “a quo” incorreu em erro de direito ao declarar perdido a favor do Estado o veículo automóvel de marca “Fiat”, modelo “Tipo” e matrícula (…..), sem que se verifique o requisito material estabelecido no artigo 109º do Código Penal, podendo ver-se argumentação um pouco mais desenvolvida no Ac. TRE de 07-04-2015 (rel. António Latas, www.dgsi.pt), a propósito de caso idêntico ao presente.
Concluímos, assim, que a decisão objeto do recurso não se pode manter, impondo-se a sua revogação.
Assim sendo, assiste razão ao recorrente, pelo que, se impõe revogar o Acórdão recorrido, na parte em que declarou a perda a favor do Estado do referenciado veículo automóvel, que, se substitui por outra, determinando-se a restituição do mesmo veículo ao arguido V ou a quem este confira poderes para proceder ao respetivo levantamento.

Por tudo o exposto, procedem na sua globalidade os recursos interpostos pelos arguidos N e V.

Sem custas, atenta a procedência dos recursos interpostos pelos arguidos N e V - artigo 513º, nº 1 do Código de Processo Penal.

III - DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:
- Julgar procedentes os recursos interpostos pelos arguidos N e V, revogando-se o Acórdão recorrido, determinando-se:
- A suspensão da execução das penas de prisão - de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão - a que os arguidos N e V se encontram condenados, nos termos do disposto no artigo 50º, nº 1, do Código Penal, pelo período de tempo de 2 (dois) anos.
- A restituição do veículo de marca “Fiat”, modelo “Tipo” e matrícula (…..), ao arguido V ou a quem este confira poderes para proceder ao respetivo levantamento.
Sem custas, atenta a procedência dos recursos.
Passe os competentes mandados de libertação dos arguidos.

Certifica-se, para os efeitos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal, que o presente Acórdão foi pelo relator elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto pelos signatários.

Évora, 10-09-2024
Fernando Pina
Renato Barroso
Beatriz Marques Borges