TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
DETENÇÃO DE ESTUPEFACIENTE
QUANTIDADE ELEVADA
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
Sumário

I - Dando-se como provado, na sentença recorrida, que as 5440 doses de canábis detidas pelo arguido (detenção confessada pelo mesmo) se destinavam exclusivamente ao consumo próprio do arguido, tal sentença enferma do vício do erro notório na apreciação da prova.
II - A detenção daquela elevada quantidade de canábis, logicamente, não tinha como intuito “assegurar o consumo do arguido durante um longo período de tempo”. O entendimento contrário (constante da sentença recorrida), segundo o qual o arguido destinava toda a canábis a consumo próprio, assenta numa apreciação manifestamente destituída de lógica e de razoabilidade, contrariando as regras da experiência comum.
III - Como a sentença recorrida contém todos os elementos necessários para correção do vício decisório em causa, e face à confissão integral e sem reservas do arguido dos factos constantes da acusação (1 a 4), cumpre conduzir o facto nº 5 da sentença (que o produto fosse para consumo próprio do arguido durante longo período) para a alínea a) dos “não provados”, sendo aliás de salientar que tal matéria não constava da acusação.
IV - Perante a matéria de facto provada, e face à detenção das 5440 doses de canábis em causa, fica afastada a possibilidade de os factos serem subsumidos ao consumo e, designadamente, ao tipo de crime de consumo de estupefacientes p. e p. pelo artigo 40º, nº 2, do D.L. nº 15/93, de 22/01.
V - Como o arguido “detinha” todo aquele produto estupefaciente e conhecia as características de tal produto, designadamente a sua natureza estupefaciente, sabendo ainda ser essa detenção um ato proibido criminalmente, está preenchido o tipo legal do crime de tráfico de menor gravidade (artigo 25º, nº 1, do D.L. nº 15/93, de 22/01), pelo qual o arguido foi acusado.

Texto Integral




Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
1. Da decisão
No Processo Comum Singular n.º 28/22.0GAADV.E1, do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, Juízo de Competência Genérica de Almodôvar, relativo ao arguido M[1], foi realizado julgamento e a final decidido:
“Em decorrência do exposto, julga-se a acusação pública procedente por provada e, em consequência, decide-se:
A) Absolver o arguido M da prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1 e 25.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01;
B) Absolver o arguido M da prática de um crime de Consumo e determinar o seu encaminhamento para a comissão para a dissuasão da toxicodependência, cfr. art. 40.º, n.º 3 e 4 do DL 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela I-C, ao disposto no art. 2.º, n.º 2 da Lei 30/2000, de 29 de Novembro e no art. 9.º da Portaria 94/96, de 26 de Março e respectiva tabela anexa;
C) Declarar perdido a favor do Estado e ordenar a destruição do produto estupefaciente apreendido nos presentes autos, cfr. art. 109.º, n.º 1 do Código Penal e art. 35.º, n.º 2 e 62.º, n.º 6 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro;
D) Declarar extinto o Termo de Identidade e Residência prestado pelo arguido M, cfr. 214.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Penal.”.

2. Do recurso
2.1. Das conclusões do Ministério Público
Inconformado com a decisão o MP interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):
“i. O Ministério Público não se conformando com a sentença (ref.ª nº 34307095, de 21.03.2024, vem da mesma interpor recurso.
ii. Nos presentes autos, o Ministério Público deduziu acusação na forma de processo comum contra o arguido M pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 25.º, n.º 1, alínea a), por referência ao artigo 21.º, do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
iii. Na sentença recorrida, datada de 21.03.2024, foi o arguido absolvido, nos termos do artigo 40.º, n.º 3 e 4 do DL 15/93, de 22 de Janeiro alterado pela Lei n.º 55/2023, de 08/09.
iv. Não concordamos com os pontos 5 e 8 da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida:
“Factos Provados:
(…)
5. O arguido detinha tais plantas com o intuito de assegurar o seu próprio consumo durante um longo período de tempo;
8. Do relatório final de diligências consta que «Não se apurou que o arguido se dedique ao tráfico de estupefacientes», bem como que: «O arguido tinha em seu poder e plantadas por si, 113 plantas de Cannabis, não só o cultivo de tais substâncias constituem crime, como é de esperar que tais quantidades de plantas venham a ultrapassar em muito a estabelecida dose diária.
Ainda assim, não se verificou que o arguido se dedicasse ao tráfico de tais produtos na modalidade de venda ou cedência, pelo que é convicção deste Núcleo que o arguido seja um mero consumidor deste tipo de estupefaciente»; (…)”
vi. Não concordamos com o teor do ponto 5 dos factos provados uma vez que nas declarações do arguido em audiência de discussão e julgamento, entre os 00:09:56 e os 00:10:38 minutos, este assumiu ter sido ele que plantou a canábis na sua horta e tal facto, relativo ao cultivo, foi omitido no ponto 5 dos factos dados como provados.
vii. Assim, e em conformidade com o confessado pelo arguido, no ponto 5 dos factos provados deveria constar acrescentado o seguinte sublinhado:
5. O arguido plantou e detinha tais plantas com o intuito de assegurar o seu próprio consumo durante um longo período de tempo.
viii. Acresce que, a sentença recorrida colocou no ponto 8 dos factos provados a transcrição da conclusão constante no relatório final de diligências da GNR, pese embora tal não se reconduza a um facto, mas a uma mera convicção/conjectura do OPC, a qual não pode figurar num facto provado de uma sentença.
ix. Por outro lado, tal transcrição da conclusão do relatório da GNR parece ter servido de suporte exclusivo para corroborar a versão do arguido de que o produto estupefaciente se destinava exclusivamente ao seu próprio consumo, tendo sido omitida na fundamentação da motivação da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida a razão da sua convicção na veracidade da versão do arguido, uma vez que, de acordo com as regras de experiência comum, é pouco plausível que o arguido tivesse o trabalho de cultivar 113 plantas de canábis, no interior de duas estufas artesanais, correspondentes a 1484,639 gramas de Canábis, com 18,1% de grau de pureza, o que corresponde a 5440 doses, para o consumo exclusivo de uma só pessoa.
x. Vide, no mesmo sentido, da necessidade da análise pelo Julgador das circunstâncias que ladeiam os factos, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo 28/17.1GEMFR.L1-3 de 26-09-2018
“III - O peso e qualidade da substância detida, a natureza, quantidade e expressão económica dos instrumentos e de outros objectos utilizados, o nível do consumo diário do agente, os valores da situação económica, designadamente quanto aos rendimentos recebidos de forma lícita, constituem os elementos que devem ser analisados de uma forma conjugada, à luz de regras de experiencia comum e podem permitir uma conclusão lógica da intenção do agente ao deter o estupefaciente.”
xi. Nos presentes autos, a desproporcionalidade entre o elevado número de doses para um só consumidor, conjugada com o facto de o arguido não trabalhar e não ter rendimentos (cfr. factos provados 9 a 12) suscita dúvidas acerca do verdadeiro propósito da plantação e da razoabilidade de se dar como provado, sem mais, na sentença recorrida que o produto estupefaciente apreendido se destinava exclusivamente ao consumo do arguido, sem uma fundamentação sólida na convicção da matéria de facto que a suporte, aparentando basear-se somente na mera conjectura formulada pelo OPC no citado relatório final de diligências:
“(…) A afirmação feita pelo arguido de que destinava as plantas encontradas apenas ao seu consumo é corroborada pelo relatório final de diligências, concretamente a fls. 81, tendo sido também essa a conclusão ali retirada após a investigação. (…)”
xii. A sentença recorrida é ainda omissa quanto à presunção constante do n.º 3 do artigo 40.º do DL 15/93, de 22 de Janeiro, alterado pela Lei n.º 55/2023, de 08/09, não tendo elencado fundamentos que a permitissem afastar no caso concreto:
3 - A aquisição e a detenção das plantas, substâncias ou preparações referidas no n.º 1 que exceda a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias constitui indício de que o propósito pode não ser o de consumo.
xiii. Foi a elevada quantidade de plantas/doses cultivadas pelo arguido que justificou fosse deduzida acusação contra o arguido pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade (cfr. n.º 3 do artigo 40.º do DL 15/93, de 22 de Janeiro alterado pela Lei n.º 55/2023, de 08/09 a contrario), qualificação jurídica essa que entendemos que não devia ter sido alterada na sentença recorrida, ainda para mais, tendo o arguido confessado os factos livre, integralmente e sem reservas, nos termos do artigo 344.º do Código de Processo Penal:
“(…) A prova dos factos dados como assentes sob os n.º 1 a 4 resultou directamente das declarações do arguido prestadas em sede de audiência, no âmbito das quais o mesmo procedeu à sua confissão integral e sem reservas, de forma livre e sem que a ela tivesse sido coagido. Assim, conforme decorre da aplicação do disposto no art. 344.º, n.º 1 e 2, al. a) do Código de Processo Penal (CPP), foram os factos em causa dados como assentes.
xiv. A sentença recorrida omitiu na fundamentação de direito, o cultivo, a que se refere o n.º 1 do artigo 40.º do DL 15/93, de 22 de Janeiro o que levou à consequente (errada) absolvição do arguido.
“(…) Também os factos consignados como assentes sob os n.º 5 e 7 resultaram das declarações prestadas pelo arguido, o qual explicou que, nas estufas encontradas na propriedade, fez um jardim com produtos hortícolas para seu consumo. Entre tais produtos encontravam-se as plantas em causa nos autos para autoconsumo, com o intuito de lhe durarem para toda a temporada. (…)” Negrito e sublinhado nosso.
xv. Não concordamos com a interpretação que consta na sentença recorrida de que os factos provados se enquadram nos n.ºs 3 e 4 do artigo 40.º, do DL 15/93, de 22 de Janeiro alterados pela Lei n.º 55/2023, de 08/09..
xvi. Na audiência de discussão e julgamento, o arguido confessou, entre os 00:09:56 e os 00:10:38 minutos, que foi ele quem plantou as 113 plantas apreendidas (cannabis), pelo que, estamos perante a conduta ilícita típica prevista no n.º 1 do artigo 40.º, do DL 15/93, de 22 de Janeiro: “quem, para o seu consumo, cultivar plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas i a iv é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 30 dias”, razão pela qual, não poderia ter sido o arguido absolvido.
xvii. A sentença recorrida omitiu na sua fundamentação de direito a parte da conduta do arguido respeitante ao “cultivo”, tendo limitado a sua análise à “detenção”, o que levou a uma errada aplicação da lei ao caso concreto e deixado impune uma conduta que não foi descriminalizada pelo legislador na Lei n.º 55/2023, de 08/09.
xviii. Permanece portanto, actual, o entendimento do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Processo 1989/07-1, de 18-11-2007.
xix. Pelo exposto, se o arguido cultivou as 113 plantas de canábis, este tem de ser condenado pelo crime previsto no n.º 1 do artigo 40.º, do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, o qual é aplicável mesmo que a finalidade da plantação seja o consumo próprio do agente.
xx. Em síntese, entendemos que a sentença recorrida deveria ter condenado o arguido pelo crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 25.º, n.º 1, alínea a), por referência ao artigo 21.º, do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro atenta a sua confissão livre integral e sem reservas ou, pelo menos, deveria ter sido o arguido condenado pelo crime de cultivo para consumo, previsto e punido pelo n.º 1 do artigo 40.º, do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, cuja redacção quanto ao cultivo, não foi alterada pela Lei n.º 55/2023, de 08/09.
Do pedido
Nestes termos, deve ser dado provimento ao Recurso interposto, alterando-se a sentença recorrida, devendo o arguido condenado pelo crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 25.º, n.º 1, alínea a), por referência ao artigo 21.º, do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro ou, pelo menos, pelo crime de cultivo para consumo previsto e punido pelo no n.º 1 do artigo 40.º, do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, fazendo-se, desta forma, a desejada e costumada Justiça.”.

2.2. Das contra-alegações do arguido
Respondeu o arguido defendendo o acerto da decisão recorrida, quanto às questões suscitadas pelo MP.

2.3. Do Parecer do MP em 2.ª instância
Na Relação o Exma. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer com o seguinte teor (transcrição):
“(…) Apreciando
O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação (Cfr. entre outros, os acórdãos do STJ de 19-6-96 e de 24-3- 1999 e ainda Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).

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A nossa Ex.ma Colega defende e, no nosso modesto parecer, muito bem que com base na factualidade dada como provada, nunca o arguido podia ser absolvido.
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Como a Ex.ma Colega expõe no ponto XX das conclusões, o arguido deveria ser condenado “… pelo crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 25.º, n.º 1, alínea a), por referência ao artigo 21.º, do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro atenta a sua confissão livre integral e sem reservas ou, pelo menos, deveria ter sido o arguido condenado pelo crime de cultivo para consumo, previsto e punido pelo n.º 1 do artigo 40.º, do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, cuja redacção quanto ao cultivo, não foi alterada pela Lei n.º 55/2023, de 08/09…”.
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Estabelece o art. 410 n.º 2 do CPP que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova.
Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento[2].
A verdadeira “pedra de toque” é a decisão recorrida, em si mesma.
O “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis[3] .
Nessa esteira, referência para o Ac. Rel de Évora de 11.07.2006, onde se consagra que:” O erro notório na apreciação da prova é um vício da decisão (art.º 410º, n.º 2, al.ª c), do CPP) e existirá e será relevante quando um homem médio, perante o que consta da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência, facilmente se dá conta que o tribunal violou as regras da experiência comum na apreciação que fez da provas ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou contraditórios.
Sendo um vício da decisão, ele terá que resultar do texto da mesma, apreciada na sua globalidade, no seu todo, não podendo fundar-se no teor de uma participação existente no processo[4]“.
O erro notório na apreciação da prova, vício da decisão previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, verifica-se quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum. Porém, o vício, terá de constar do teor da própria decisão de facto, não da motivação dessa decisão, ou da fundamentação de direito[5].
Sobre esta matéria convirá também referenciar o Ac. do STJ de 27.06.2007, relator Henriques Gaspar onde se consagra: “… erro notório na apreciação da prova, a que se refere a motivação do recorrente, constitui uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou quando traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável e, por isso, incorrecta e, que em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio”.
A incongruência há-de resultar de uma descoordenação factual patente que a decisão imediatamente revele, por incompatibilidade no espaço, de tempo, ou de circunstâncias entre os factos, seja natural e no domínio das correlações imediatamente físicas, ou verificável no plano da realidade das coisas, apreciada não por simples projecções de probabilidade, mas segundo as regras da “experiência comum”[6].
Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente.
No fundo, é um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido.
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Respiga-se da sentença ora posta em crise os seguintes factos dados como provados:
1. No dia 22-08-2022, pelas 15:30, em Monte Ginjões, o arguido detinha 113 plantas de canábis, no interior de duas estufas artesanais, na sua propriedade;
2. As referidas plantas correspondem 1484,639 gramas de Canábis, com 18,1% de grau de pureza, o que corresponde a 5440 doses;
3. O arguido sabia que detinha o referido produto, bem como a sua natureza estupefaciente e que a sua detenção era proibida e punida por lei penal;
4. O arguido M agiu livre, deliberada e conscientemente bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal, tendo capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento.
Mais se provou que:
5. O arguido detinha tais plantas com o intuito de assegurar o seu próprio consumo durante um longo período de tempo “.
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Com base nesta factualidade dada como provada, nunca o arguido podia ser absolvido.
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Vale isto por dizer, que cumpria ao Tribunal “a quo”, analisar os factos objetivos, articulá-los de acordo com um critério lógico e, com auxílio das regras da experiência comum, realizar as inferências que lhe permitissem chegar a uma decisão justa e equilibrada.
O que não logrou alcançar.
Ocorre, de forma manifesta, o apontado vício a que alude o disposto no artº 410 nº 2 alínea c) do CPP.
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A “talhe de foice” sempre se dirá que pese embora o CPP não contenha normas específicas reguladoras da prova por presunção, a mesma é pacificamente aceite como um meio legítimo para chegar ao facto probando a partir da prova de outros factos que a ele conduzem com segurança, o que deverá ser feito sempre com auxílio das regras da lógica e da experiência comum.
A prova por presunção é legítima, realizando-se por ilação que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (artigos 349.º e 351.º do Código Civil).
Assim tem sido reconhecido por várias instâncias superiores, designadamente pelo Tribunal Constitucional[7].
No âmbito da apreciação da prova em processo penal, durante muito tempo, foram escassas na doutrina e jurisprudência portuguesas as referências à possibilidade de recurso a presunções judiciais, embora a sua utilização nos tribunais fosse uma prática comum. Nos tempos mais recentes registam-se algumas abordagens teóricas da prova denominada de “indireta”, “indiciária”, “circunstancial” ou “por presunções”, procurando-se definir os critérios que devem presidir à sua utilização de forma a que esta seja compatível com o princípio da presunção de inocência (cfr. Euclides Dâmaso Simões, em «Prova indiciária», na Revista Julgar, n.º 2, 2007, pág. 203 e ss., José Santos Cabral em «Prova indiciária e as novas formas de criminalidade», na Revista Julgar, n.º 17, 2012, pág. 13, Marta Sofia Neto Morais Pinto, em «A prova indiciária no processo penal, na Revista do Ministério Público, n.º 128, Out.-Dez. 2011, pp. 185-222, Luís Campos, em «A corrupção e a sua dificuldade probatória – o crime de recebimento indevido de vantagem», na Revista do Ministério Público, n.º 137, Jan.-Mar. 2014, pp. 132 e ss., André Lamas Leite, em “Nótulas sobre o crime de administração danosa”, na Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Ano IX – 2012, pág. 56, e na jurisprudência, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12-09-2007, de 6-10-2010 e de 7-4-2011, todos acessíveis em www.dgsi.pt).
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A respeito da prova indireta, citamos na doutrina recente Susana Aires de Sousa que, a tal respeito, escreveu que «a prova indireta de um facto consiste em dar esse facto como provado sem que sobre ele exista qualquer meio (direto) de prova. O “factum probandum” presume-se e dá-se como provado. Sendo o facto presumido contrário ao arguido, é dever do juiz objetivar o juízo de inferência por si realizado, superando, por essa via, a presunção de inocência de que é titular um arguido em processo penal (…) Na medida em que o facto conhecido (base da presunção) não prova mas antes indicia o facto presumido, a convicção probatória do julgador, admitida pelo artigo 127.º está sujeita ao dever acrescido de fundamentação nos termos do artigo 374.º, n.º 2.”[8].
É, pois, através da motivação que o julgador torna clara a razão pela qual se convenceu da verificação dos factos que teve por provados através do juízo de inferência lógica, para além de qualquer dúvida razoável, legitimando desse modo a sua decisão.
Salvo sempre melhor entendimento resulta, à saciedade, que da conjugação de todos elementos factuais vazados nos autos permitiam concluir, com segurança, que um conjunto tão alargado de plantas (113) detidas pelo arguido não se enquadravam, de todo em todo, no conceito de “consumo próprio”[9] [10].
Ora, salvo o máximo e devido respeito, o Tribunal “a quo” olvidou todos estes ensinamentos e avançou para a pura e simples absolvição do arguido.
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O que nunca podia acontecer.
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A justa integração jurídico-penal da conduta do arguido face à factualidade dada como provada.
A esse respeito respiga-se o Ac. Relação de Lisboa de 26.09.2018, relator João Lee Ferreira onde se consagra: “…IV- Integra o cometimento de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade dos artigos 21º nº 1 e 25º al. a) do Decreto- Lei nº 15/03 de 22/1, a conduta de quem, apesar de não lhe ser conhecido nenhum acto concreto de venda ou cedência a outra pessoa, deteve e cultivou cannabis em folhas ou sumidades durante um período de tempo de cerca de oito meses, com um total apreendido de 981 plantas de cannabis e o peso líquido total de 3.045,4 gramas, contendo percentagens de tetrahidrocanabinol (adiante designado apenas por THC) entre 1,5% e 14,6 %, mediante a utilização em armazém, de um complexo equipamento e de todos os materiais necessários….”.
Relevante, em nosso entendimento, para o caso em apreço nos presentes autos, o Ac. Relação de Évora de 07.06.2022, relatora Ana Bacelar em cujo sumário consta: “… O Arguido cultivou e detinha em seu poder 9455,994 gramas de folhas/sumidades de canábis, suscetíveis de serem divididos em 5011 (cinco mil e onze) doses. Neste contexto, é absolutamente irrazoável idear que o Arguido produziu para seu consumo exclusivo a quantidade de droga acabada de mencionar. Desde logo, porque o tempo que o Arguido demoraria a consumir tal quantidade de canábis retirar-lhe-ia qualquer propriedade estupefaciente…”. (…)
Recorde-se que, no caso dos presentes autos, o LPC referiu que a quantidade de canábis que o arguido detinha na sua posse correspondia a ”… 5440 doses com 18,1% de grau de pureza…”.
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No caso dos presentes autos, o arguido detinha uma quantidade de plantas de canábis que lhe permitiam realizar 5440 doses, o que é, de todo em todo, incompaginável com a noção de “consumo individual”, pelo que, seguindo com a merecida e devida vénia as judiciosas palavras da Ilustre Desembargadora desta Relação Ana Bacelar “é absolutamente irrazoável idear que o arguido produziu para ser exclusivo consumo”.
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Nesta conformidade, o arguido devia ter sido condenado pela prática como autor material e na forma consumada de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade atentas as disposições conjugadas dos artsº 21 nº 1 e 25 alínea a) com referência à Tabela I-C, anexa ao Dec-Lei 15/93 de 22.01.
Nesta conformidade e atento tudo o que se deixou exposto deverão Vossas Excelências, Juízes Desembargadores, dar provimento ao recurso apresentado pelo MºPº e revogar a sentença proferida na 1ª instância. (…)”.

2.4. Da tramitação subsequente
Foi observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos teve lugar a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Objeto do recurso
De acordo com o disposto no artigo 412.º do CPP e atenta a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95 o objeto do recurso define-se pelas conclusões apresentadas pelo recorrente na respetiva motivação, sem prejuízo de serem apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

2. Questões a examinar
Analisadas as conclusões de recurso as questões a conhecer são as seguintes:
2.1. Impugnação dos factos dados como provados nos pontos 5. e 8.;
2.2. Se ocorreu erro de julgamento quanto ao direito aplicado por via da procedência da impugnação da matéria de facto.

3. Apreciação
3.1. Da decisão recorrida
Definidas as questões a tratar, importa considerar o que se mostra decidido pela instância recorrida.

3.1.1. Factos provados na 1.ª Instância
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição):
“1. No dia 22-08-2022, pelas 15:30, em Monte Ginjões, o arguido detinha 113 plantas de canábis, no interior de duas estufas artesanais, na sua propriedade;
2. As referidas plantas correspondem 1484,639 gramas de Canábis, com 18,1% de grau de pureza, o que corresponde a 5440 doses;
3. O arguido sabia que detinha o referido produto, bem como a sua natureza estupefaciente e que a sua detenção era proibida e punida por lei penal;
4. O arguido M agiu livre, deliberada e conscientemente bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal, tendo capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento.
5. O arguido detinha tais plantas com o intuito de assegurar o seu próprio consumo durante um longo período de tempo;
6. O arguido deu o seu consentimento à busca domiciliária no âmbito deste processo;
7. Cessou o consumo após a fiscalização que deu início a este processo;
8. Do relatório final de diligências consta que «Não se apurou que o arguido se dedique ao tráfico de estupefacientes», bem como que: «O arguido tinha em seu poder e plantadas por si, 113 plantas de Cannabis, não só o cultivo de tais substâncias constituem crime, como é de esperar que tais quantidades de plantas venham a ultrapassar em muito a estabelecida dose diária.
Ainda assim, não se verificou que o arguido se dedicasse ao tráfico de tais produtos na modalidade de venda ou cedência, pelo que é convicção deste Núcleo que o arguido seja um mero consumidor deste tipo de estupefaciente»;
9. O arguido vive sozinho e não paga renda;
10. Não tem rendimento próprio, tendo perdido os seus investimentos em criptomoeda;
11. Vive com a ajuda da família, a qual suporta as suas despesas mensais;
12. Tem cerca de € 300,00 de despesa mensal fixa;
13. É licenciado;
14. Não tem quaisquer condenações averbadas no seu certificado de registo criminal.”.

3.1.2. Factos não provados na 1.ª instância
O Tribunal a quo considerou não se terem provado quaisquer outros factos com interesse para a causa.

3.1.3. Da fundamentação da convicção pelo Tribunal recorrido
O Tribunal motivou a factualidade provada e não provada pela seguinte forma:
“O Tribunal fundou a sua convicção sobre os factos dados como provados e não provados na análise crítica do conjunto da prova produzida e carreada para os autos.
Os referidos elementos foram valorados de acordo com as regras da experiência comum e da normalidade e por referência ao princípio da livre convicção do julgador, nos termos do preceituado no art. 127.º do Código de Processo Penal (CPP).
Concretamente,
A prova dos factos dados como assentes sob os n.º 1 a 4 resultou directamente das declarações do arguido prestadas em sede de audiência, no âmbito das quais o mesmo procedeu à sua confissão integral e sem reservas, de forma livre e sem que a ela tivesse sido coagido. Assim, conforme decorre da aplicação do disposto no art. 344.º, n.º 1 e 2, al. a) do Código de Processo Penal (CPP), foram os factos em causa dados como assentes.
Confissão essa que encontra suporte nos demais elementos carreados para os autos, designadamente, no Exame Pericial junto a fls. 98, no auto de notícia de fls. 15 a 16; no consentimento prestado pelo próprio a fls. 17; no auto de apreensão e suporte fotográfico de fls. 26 a 34; bem como no relatório final de diligências de fls. 80 a 82.
Também os factos consignados como assentes sob os n.º 5 e 7 resultaram das declarações prestadas pelo arguido, o qual explicou que, nas estufas encontradas na propriedade, fez um jardim com produtos hortícolas para seu consumo. Entre tais produtos encontravam-se as plantas em causa nos autos para autoconsumo, com o intuito de lhe durarem para toda a temporada. Adiantou, ainda, que após a fiscalização e a apreensão das plantas parou o consumo.
A afirmação feita pelo arguido de que destinava as plantas encontradas apenas ao seu consumo é corroborada pelo relatório final de diligências, concretamente a fls. 81, tendo sido também essa a conclusão ali retirada após a investigação.
Os factos dados como assentes sob os n.º 6 e 8 resultaram da análise do consentimento junto aos autos a fls. 17 e no relatório final de diligências de fls. 80 a 82.
Quanto às condições pessoais do arguido, descritas sob os n.º 9 a 13, as mesmas foram dadas como assentes com base nas declarações por si prestadas, não constando dos autos quaisquer elementos que as infirmem.
Por fim, o facto n.º 14 foi dado como provado através da análise do Certificado de Registo Criminal actualizado do arguido, junto aos autos na presente data.”.

3.1.4. Da fundamentação de direito pelo Tribunal recorrido
O Tribunal a quo fundamentou de direito pela seguinte forma:
“Apurada a factualidade relevante, importa proceder ao seu enquadramento jurídico-penal.
Dispõe o art. 21.º, n.º 1 do DL 15/93, de 22 de Janeiro (Lei da Droga) que «quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos».
Por sua vez, dispõe o art. 25.º, al. a) do mesmo diploma que «se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI.»
O bem jurídico protegido com a incriminação das condutas previstas nos artigos referidos, seja na sua vertente comum, seja no tipo previsto no art. 25.º, e também no art. 40.º, é a saúde pública ( ), mas também a vida, integridade física, a liberdade e o património.
Trata-se de um crime de perigo abstracto, ou seja, a lei basta-se com a aptidão genérica de determinadas condutas para constituírem um perigo para os bens jurídicos que se visa proteger. A tradução prática destas considerações é que o perigo não é um elemento do tipo do ilícito, mas um fundamento da sua punição, o que determina que não seja necessário demonstrar, no caso concreto, que esse perigo efectivamente se verifica. É desta característica que decorre a punição da mera detenção de produtos estupefacientes sem que tenha de se verificar a sua concreta venda ou cedência.
O tipo objectivo é o mesmo em ambos os casos, preenchendo-se quando o agente tenha praticado actos de cultivo, aquisição, venda, distribuição, cedência, transporte ou simples detenção de produtos estupefacientes proibidos constantes nas tabelas anexas ao DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, sem que se encontre autorizado a fazê-lo.
Assim, a distinção entre o ilícito típico previsto em sede do art. 21.º e do ilícito típico previsto no art. 25.º baseia-se apenas no grau de ilicitude da actuação em causa, que é menor neste último caso. A referida redução da ilicitude pode verificar-se seja pela qualidade das substâncias em causa, seja pela sua quantidade, ou mesmo pelos meios utilizados no seu cometimento.
Da redacção do art. 21.º, n.º 1 ressalta, ainda como elemento do tipo objectivo, um requisito negativo que consiste no não preenchimento dos predicados referentes ao art. 40.º do mesmo diploma legal, ou seja, que os produtos cultivados, adquiridos ou detidos não se destinem ao consumo do agente. E para que considerasse aplicável o disposto no art. 40.º, teria de se ter como provado que o agente destinasse todo o produto que detinha consigo ao seu próprio consumo.
Nas palavras de FERNANDO GAMA LOBO: «O consumo para o tipo em análise, prende-se com o fim em vista e não com a conduta material do agente, sendo que para além do consumo em sentido próprio é igualmente punido o cultivo, a aquisição e a detenção com tal fim. É este destino específico que o agente dá ou dará à droga que traça o perfil do crime. Sendo outro o fim, não há lugar à aplicação deste artigo.»( )
Ou seja, para que se verificasse a aplicabilidade daquele artigo, teria de se encontrar reflectido em sede da factualidade dada como assente que o arguido destinava os produtos ao seu consumo pessoal. O que se verifica pelos factos mencionados sob os n.º 5 e 8.
Quanto ao tipo subjectivo, em todos os casos, seja por referência aos crimes de tráfico de estupefacientes previstos nos artigos 21.º e 25.º, seja por referência ao crime de consumo previsto no art. 40.º do DL 15/93, de 22 de Janeiro, o mesmo é doloso e admite qualquer das modalidades previstas no art. 14.º do Código Penal.
*
Assim, antes de avançar para a ponderação sobre a subsunção da conduta do arguido ao crime de tráfico de menor gravidade previsto em sede do art. 25.º, al. a) do DL 15/93, de 22 de Janeiro, cumpre necessariamente verificar se está preenchido o requisito negativo de a mesma não ser enquadrável no disposto no art. 40.º do mesmo diploma legal.
Dispõe tal artigo, na sua redacção actual – por efeito do disposto no art. 2.º, n.º 4 do Código Penal, já que a mesma é mais favorável ao arguido do que a redacção vigente à data dos factos – que: «1 - Quem, para o seu consumo, cultivar plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas i a iv é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 30 dias; 3 - A aquisição e a detenção das plantas, substâncias ou preparações referidas no n.º 1 que exceda a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias constitui indício de que o propósito pode não ser o de consumo; 4 - No caso de aquisição ou detenção das substâncias referidas no n.º 1 que exceda a quantidade prevista no número anterior e desde que fique demonstrado que tal aquisição ou detenção se destinam exclusivamente ao consumo próprio, a autoridade judiciária competente determina, consoante a fase do processo, o seu arquivamento, a não pronúncia ou a absolvição e o encaminhamento para comissão para a dissuasão da toxicodependência; 5 - No caso do n.º 1, o agente pode ser dispensado de pena.»
Da actual redacção de tal preceito resulta, não só, que a detenção de substâncias previstas nas tabelas I a IV em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual no período de 10 dias apenas constitui indício de que o propósito pode não ser de consumo, como ficando demonstrado o exclusivo intuito de consumo, devem os agentes ser absolvidos da prática de crime, sendo encaminhados para a comissão para a dissuasão da toxicodependência; como que os casos que sejam enquadrados no n.º 1, pelo cultivo de plantas, pode haver lugar à dispensa de pena.
No caso vertente, olhando aos factos vertidos sob os n.º 1 a 8 resulta que, as plantas em causa são de canábis e, por isso, compreendidas na tabela I-C da Lei da Droga. Mais resulta que, embora o arguido tivesse na sua posse produto estupefaciente em quantidade superior às doses necessárias para o consumo pelo período de 10 dias, conhecendo as suas características, o mesmo destinava-se apenas ao seu próprio consumo.
Assim, uma vez que a subsunção da conduta do arguido só deve ser efectuada por referência ao disposto nos artigos 21.º e 25.º do DL 15/93, de 22/01 quando não seja enquadrável no disposto no art. 40.º, e atendendo à letra do preceito transcrito, cumpre convolar tal crime num crime de Consumo, p.e.p. pelo art. 40.º, n.º 3 do DL 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela I-C.
E, por referência ao tipo de crime em causa, resulta dos factos provados n.º 1, 2, 5 e 8 que se encontra preenchido o tipo objectivo do crime em causa, já que o arguido detinha plantas previstas na tabela I-C, para o seu próprio consumo, e sem estar autorizado para o efeito, em quantidade superior à necessária para o consumo pelo período de 10 dias – com referência ao disposto no art. 2.º, n.º 2 da Lei 30/2000, de 29 de Novembro e no art. 9.º da Portaria 94/96, de 26 de Março e respectiva tabela anexa.
Quanto ao tipo subjectivo, o seu preenchimento ressalta da factualidade dada como assente sob os n.º 3 e 4.
Assim, verificando-se o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime, e sem que se tenham demonstrado quaisquer circunstâncias que excluam a ilicitude ou a culpa, importa concluir que o arguido M cometeu um crime de Consumo, p.e.p. pelo art. 40.º, n.º 3 e 4 do DL 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela I-C, por referência à tabela I-C, ao disposto no art. 2.º, n.º 2 da Lei 30/2000, de 29 de Novembro e no art. 9.º da Portaria 94/96, de 26 de Março e respectiva tabela anexa.
Do que resulta, atendendo à sua actual redacção, a necessária absolvição do arguido da prática de um crime de Tráfico de Estupefacientes de Menor Gravidade e da prática de um crime de Consumo, e o seu encaminhamento para a comissão para a dissuasão da toxicodependência.
*
a) Do Destino dos Bens Apreendidos:
Conforme resulta do auto de apreensão, de fls. 26, foram apreendidos nestes autos 113 pés de plantas de canábis.
Dispõe o art. 109.º do CP que «são declarados perdidos a favor do Estado os instrumentos de facto ilícito típico, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, considerando-se instrumentos de facto ilícito típico todos os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a sua prática (…)».
Este instituto da perda de instrumentos e vantagens ou produtos do crime tem fins restaurativos e não punitivos. Ou seja, através da ablação da disponibilidade dos objectos, produtos ou vantagens obtidos por via do comportamento criminoso, visa-se apenas que o agente seja colocado na situação em que estaria se não fosse a prática do facto ilícito típico.
Por seu turno, dispõe o art. 35.º, n.º 2, 39.º, n.º 3 e 62.º, n.º 6 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01 que as substâncias previstas nas tabelas I a IV, como é o caso dos autos, são sempre declaradas perdidas a favor do Estado e ordenada a sua destruição, incluindo da amostra cofre. O que significa que, mesmo nos casos em que exista absolvição dos arguidos, há lugar à perda e destruição das substâncias apreendidas.
Assim, declara-se perdido a favor do Estado o produto estupefaciente apreendido nos presentes autos, e ordena-se a sua destruição, nos termos dos arts. 35.º, n.º 2 e 3, 39.º, n.º 3 e 62.º, n.º 6 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01.

V. Estatuto Coactivo:
Conforme disposto no art. 376.º, n.º 1 do CPP, na sentença absolutória é declarada a extinção de quaisquer medidas de coacção a que o arguido se encontre sujeito.
Nestes autos, apesar do seu encaminhamento para a comissão para a dissuasão da toxicodependência a sentença tem valor absolutório, pelo que se extinguem as medidas de coacção nos termos referidos.
Nos presentes autos, o Arguidos foi apenas sujeito a Termo de Identidade e Residência (TIR), conforme previsto em sede do art. 196.º do CPP.
Em decorrência da sua absolvição da prática do crime de que vinha acusado, determina-se a extinção do Termo de Identidade e Residência prestado pelo arguido.”.

3.2. Da apreciação do recurso interposto pelo Ministério Público
Das conclusões de recurso apresentadas pelo MP resulta ter este impugnado a matéria de facto e o direito aplicado e embora não indique nas conclusões o normativo legal na qual fundamentou a sindicância dos factos provados, no corpo da motivação indica expressamente o artigo 410.º do CPP[11]. Depois, em segunda instância, o Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de, na sua ótica, a sentença encontrar-se afetada pelo vício do erro notório na apreciação da prova (artigo 410.º, n.º 2, alínea c) do CPP).
Em todo o caso, embora a norma assinalada não tenha sido expressamente referenciada nas conclusões de recurso, nesta sede recursória, o conhecimento dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2 do CPP é sempre oficioso.
Assim, sem prejuízo dos argumentos concretos utilizados na peça apresentada pelo MP em 1.ª instância, cumpre em primeiro lugar determinar se a sentença recorrida padece, ou não, do vício do “erro notório na apreciação da prova” (artigo 410.º, n.º 2, alínea c) do CPP), relativamente ao único facto efetivamente relevante para a decisão da causa e questionado no recurso, ou seja, o dado como provado sob o ponto 5.: “O arguido detinha tais plantas com o intuito de assegurar o seu próprio consumo durante um longo período de tempo;”.
E é evidente a existência do apontado vício, porquanto contraria todas as regras da lógica e da experiência (cf. corpo do n.º 2 do artigo 410.º do CPP) ter o Julgador em 1.ª instância dado como provado que a canábis se destinava a exclusivo consumo do arguido (ponto 5.) quando estamos perante 5440 doses (ponto 4), considerando que à razão de uma por dia levariam cerca de quinze anos a serem consumidas, ou na melhor das hipóteses, sete anos e meio se o fossem duas vezes por dia.
É notória a ilogicidade de se dar como provado que o arguido fosse consumir todas aquelas doses, nem que fosse pelo simples facto de que quando fosse “consumir” as “últimas “doses” face à sua quantidade tão elevada e à dezena ou mesmo dúzia de anos que as levaria a consumir elas já teriam perdidos todas as suas propriedades estupefacientes. É que a canábis depois de colhida, seca e curada mesmo armazenada corretamente em ambiente fresco, escuro e em recipiente hermético, não manterá as suas máximas propriedades por muito mais de um ano.
Um homem médio, perante os factos dados como provados (pontos 5. e 2.) conjugada com as regras da experiência dá-se facilmente conta ter o tribunal em 1.ª instância violado as regras da experiência comum na apreciação que fez da prova, pois baseou-se em juízo ilógico e contraditório.
Como esse vício resulta da simples leitura da sentença, ou seja, dos factos dados como provados em 1., 2. e 5. em concatenação com o referido na motivação relativo ao facto de o arguido ter confessado integralmente e sem reservas a materialidade constante dos pontos 1. a 4., verifica-se uma distorção de ordem lógica entre o facto dado como provado em 1. e 2. e o assente em 5., violadora das mais elementares regras da experiência comum.
A detenção daquela elevada quantidade de canábis, logicamente, não tinha como intuito o de “assegurar o consumo do arguido durante um longo período de tempo”. O entendimento contrário (constante da sentença recorrida), segundo o qual o arguido destinava toda a canábis a consumo próprio, assenta numa apreciação manifestamente destituída de lógica e de razoabilidade, perante a observação do cidadão comum.
Em resumo: o juízo probatório feito na sentença resulta de um erro notório na apreciação de prova (artigo 410.º, n.º 2, alínea c) do CPP).
Como a sentença recorrida contém todos os elementos necessários para correção do vício decisório em causa, e face à confissão integral e sem reservas do arguido dos factos constantes da acusação (1. a 4.), cumpre conduzir o facto n.º 5 da sentença (o produto fosse para consumo próprio do arguido durante longo período) para a alínea a) dos “não provados”, sendo aliás de salientar que tal matéria não constava da acusação.
Por outro lado, também o “cultivo”/”plantação” não foi matéria plasmada na acusação e daí não ser de aditar tal materialidade aos factos provados, como peticionado pelo MP[12].
Em consequência da declaração da existência do apontado vício ocorre necessariamente a necessidade de modificar o direito aplicado.
Antes, todavia, de passar a apreciar a segunda questão suscitada pelo MP, relativa ao erro de julgamento quanto ao direito aplicado cumprirá apreciar, ainda quanto à impugnação da matéria de facto, o peticionado pelo MP que pugna pela eliminação do ponto 8. dos factos assentes.
Quanto a este ponto, também, assiste inteira razão ao recorrente porquanto o facto n.º 8 configura uma mera opinião/suposição do OPC tratando-se de matéria conclusiva a ser expurgada da sentença.
Em consequência determina-se a eliminação do ponto 8. dos factos dados como provados que, aliás tal como o ponto 5., não constava da acusação pública.

3.2.2. Impugnação do direito aplicado (artigo 412.º, n.º 2 do CPP)
Perante a matéria de facto provada, com a alteração e eliminação decidida, e face à detenção das 5440 doses fica afastada a possibilidade de se subsumir os factos tão só ao consumo e designadamente ao tipo de crime de consumo de estupefacientes (artigo 40.º, n.º 2 do DL n.º 15/93, de 22/01).
Depois e embora não seja conhecido qualquer ato concreto de venda ou cedência a outra pessoa o facto é que o arguido detinha aquelas 5440 doses, e esse ato de “detenção” integra, a prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade dos artigos 21.º, n.º 1 e 25.º alínea a) do DL n.º 15/03 de 22-01.
Como o arguido “detinha” todo aquele produto estupefaciente e conhecia as características do produto, designadamente a sua natureza estupefaciente, sabendo tratar-se tal detenção de um ato proibido criminalmente está preenchido o tipo legal de tráfico de menor gravidade (artigo 25.º, n.º 1 do DL n.º 15/93, de 22/01), pelo qual o arguido foi acusado.
Face à conclusão alcançada torna-se necessário determinar a medida da pena a aplicar ao arguido.
Na determinação da medida da pena, atento o disposto no artigo 71.º, n.º 1 do CP o Tribunal está vinculado a critérios definidos em função da culpa do agente e de exigências de prevenção.
Na determinação concreta da pena o Tribunal deve atender a todas as circunstâncias que possam ser consideradas a favor ou contra o agente, entre as quais se encontram as referidas, de forma não taxativa, nas alíneas a) a f) do n.º 2 do artigo 71.º do CP.
Como elementos de referência, na determinação da medida da pena, temos o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e as respetivas consequências.
Depois nos termos do n.º 1 do artigo 40.º do CP, a aplicação de uma pena visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do autor do crime na sociedade, não podendo, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa (n.º 2).
Na situação em apreço temos que:
- As necessidades de prevenção geral são elevadas, dada a acentuada censura social da comunidade perante o perigo decorrente para a saúde pública verificado pela disseminação de produto estupefaciente;
- A intensidade do dolo é elevada, pois o arguido quis praticar os factos (deter a canábis) agindo com dolo direto;
- A canábis é considerada uma “droga leve”;
- A quantidade de plantas de canábis (113) detidas pelo arguido, correspondentes a 1484,639 gramas de Canábis, com 18,1% de grau de pureza equivalia a 5440 doses de produto estupefaciente;
- A confissão integral e sem reservas do arguido;
- A ausência de antecedentes criminais do arguido;
- A ausência de inserção profissional (O arguido vive sozinho e não paga renda; Não tem rendimento próprio, tendo perdido os seus investimentos em criptomoeda; É licenciado);
- O arguido tem apoio familiar (vive com a ajuda da família, a qual suporta as suas despesas mensais; Tem cerca de 300 € de despesa mensal fixa);
Assim, dentro de uma moldura penal prevista no artigo 25.º, alínea a) de prisão de um a cinco anos, cujo o ponto médio se situa em três anos, entende-se ser ajustada a aplicação de uma pena de dois anos e seis meses de prisão, ou seja, distante do limite mínimo em dezoito meses e afastada do ponto médio em seis meses, designadamente, tendo em consideração as elevadas exigências de prevenção geral, o dolo elevado e a alta quantidade de canábis (droga leve), mas por outro a confissão integral e sem reservas do arguido (embora de pouca relevância no caso face à apreensão realizada), a ausência de antecedentes criminais, ser licenciado e a família prestar-lhe apoios económico suportando as suas despesas.
Encontrada a medida da pena cumpre agora determinar se a execução da pena de prisão dois anos e seis meses deve ou não ficar suspensa.
A suspensão da execução da pena de prisão é uma pena de substituição e como resulta do artigo 50.º, n.º 1 do CP a sua aplicação assenta em dois pressupostos: um formal – a sanção aplicada tem de ser em de medida não superior a cinco anos – e um material – concluir-se, face à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
As finalidades da punição são, como se extrai do artigo 40.º, n.º 1 do CP, a proteção de bens jurídicos e a integração do agente na sociedade.
Como decorre do sumário do Acórdão do STJ de 09-01-2002 [13] a suspensão da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido condenado.
A decisão de suspender a execução de uma pena tem sempre por base uma prognose social favorável ao agente, baseada num risco prudente, tendo o Julgador de ajuizar sobre a personalidade do agente, sobre as condições da sua vida, sobre a sua conduta anterior e posterior à prática do crime e sobre o circunstancialismo envolvente da infração, concluindo por um prognóstico favorável relativo ao comportamento do delinquente, no sentido de a simples censura do facto e a ameaça da pena – acompanhadas ou não da imposição de deveres e (ou) regras de conduta serem bastantes para afastar o arguido da prática de crimes.
Na formulação deste juízo é considerada não só a personalidade e as circunstâncias do facto, como as condições de vida do agente e a sua conduta anterior e posterior ao facto. A lei torna deste modo claro que, na formulação do aludido prognóstico, o tribunal reporta-se ao momento da decisão e não ao momento da prática do facto.
Por isso, circunstâncias posteriores ao facto, embora tenham sido já tomadas em consideração em sede de medida de pena devem ser atendidas. O arguido ao confessar integralmente e sem reservas os factos revelou alguma autocensura.
Por outro lado, o arguido solteiro e natural da Dinamarca tem à data 38 anos e embora desempregado e tendo perdido os seus investimentos em criptomoedas é licenciado e conta com o apoio económico dos pais.
Tendo presente as circunstâncias em que o crime ocorreu, o carácter primário da delinquência e o apoio económico por parte da família de que dispõe, não se pode afirmar estar-se perante alguém com propensão para desrespeitar as regras vigentes, quando além do mais não é conhecido que a canábis detida pelo arguido tenha chegado às ruas.
A envolvência no presente processo, acredita-se, não será esquecido pelo arguido e leva-nos a concluir pelo afastamento, no futuro, da prática de novos crimes, porquanto este dispõe de apoio económico por parte da família e estudos (licenciatura) que lhe permitirão organizar a sua economia doméstica, designadamente através de inserção profissional. Depois o comportamento do agente ao ter dado consentimento à busca domiciliária no âmbito deste processo e ao ter cessado o consumo após a fiscalização que deu início a este processo (cf. pontos 6. e 7. dos factos dados como provados), também sustentam o juízo de prognose favorável.
A execução da pena imposta fica, pois, suspensa pelo período de dois anos e seis meses, acompanhada de regime de prova a delinear pela Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.
Em conformidade julga-se procedente o recurso do Ministério Público.

III. DECISÃO
Nestes termos e com os fundamentos expostos:
1. Concede-se parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e em consequência, reconhecendo-se o vício do erro notório na apreciação da prova determina-se a condução do facto dado como provado em 5. à alínea a) dos não provados (com exceção do segmento “detinha tais plantas” por ser coincidente com o teor do facto 1.) e elimina-se o ponto 8. dos factos dados como provados na sentença recorrida por se tratar de matéria conclusiva e irrelevante.
2. Em consequência do decidido revoga-se a sentença recorrida e condena-se o arguido pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punível pelos artigos 21.º, n.º 1 e 25.º, alínea a) do DL n.º 15/93, de 22/01, na pena de dois anos e seis meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo, acompanhada de regime de prova a delinear pela Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.
3. Mantém-se a declaração de perdimento a favor do Estado, bem como a destruição do produto estupefaciente apreendido (artigo 109.º, n.º 1 do CP e artigo 35.º, n.º 2 e 62.º, n.º 6 do DL n.º 15/93, de 22-01);
4. Revoga-se a declaração de extinção do Termo de Identidade e Residência prestado pelo arguido M, devendo ser mantido até à extinção da pena (artigo 214.º, n.º 1, alínea d) do CPP).
5. Sem custas.

Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 94.º, n.º 2 do CPP consigna-se que o presente Acórdão foi elaborado pela relatora e integralmente revisto pelas signatárias.

Évora, 10 de setembro de 2024.

Beatriz Marques Borges
Maria José Cortes
Filipa Costa Lourenço
__________________________________________________

[1] Filho de (……).

[2] Cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, Lisboa, Rei dos Livros, 6.ª ed.

[3] Cf., por todos, Simas Santos e Leal-Henriques, in ob. loc. cit., pag. 80.

[4] Relator Alberto Borges, disponível em www.dgsi.pt 4 Ac.do S.T.J. de 02.02.2011, relator Maia Costa, disponível em www.dgsi.pt

[5] Ac.do S.T.J. de 02.02.2011, relator Maia Costa, disponível em www.dgsi.pt

[6] Sobre estes vícios de conhecimento oficioso, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, Lisboa, Rei dos Livros 5.ª edição, pag, 61 e segs.

[7] Neste sentido, por todos, Ac. Tribunal Constitucional de 12.08.2015, procº 391/2015, relator João Cura Mariano, onde se consagra: Na verdade, a utilização de presunção judicial permite que perante um ou mais factos conhecidos, por um procedimento lógico de indução, se adquira ou se admita a realidade de um facto não diretamente demonstrado, na convicção, apoiada nas regras da ciência, da experiência ou da normalidade da vida, de que certos factos são a consequência de outros. E é no valor da credibilidade do id quod e na consistência da conexão causal entre o que se conhece e o que não se apurou de uma forma direta que está o fundamento racional da presunção, residindo na medida desse valor e dessa consistência a maior ou menor validade da inferência efetuada.

No âmbito da apreciação da prova em processo penal, durante muito tempo, foram escassas na doutrina e jurisprudência portuguesas as referências à possibilidade de recurso a presunções judiciais, embora a sua utilização nos tribunais fosse uma prática comum. Nos tempos mais recentes registam-se algumas abordagens teóricas da prova denominada de “indireta”, “indiciária”, “circunstancial” ou “por presunções”, procurando-se definir os critérios que devem presidir à sua utilização de forma a que esta seja compatível com o princípio da presunção de inocência (cfr. Euclides Dâmaso Simões, em «Prova indiciária», na Revista Julgar, n.º 2, 2007, pág. 203 e ss., José Santos Cabral em «Prova indiciária e as novas formas de criminalidade», na Revista Julgar, n.º 17, 2012, pág. 13, Marta Sofia Neto Morais Pinto, em «A prova indiciária no processo penal, na Revista do Ministério Público, n.º 128, Out.-Dez. 2011, pp. 185-222, Luís Campos, em «A corrupção e a sua dificuldade probatória – o crime de recebimento indevido de vantagem», na Revista do Ministério Público, n.º 137, Jan.-Mar. 2014, pp. 132 e ss., André Lamas Leite, em “Nótulas sobre o crime de administração danosa”, na Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Ano IX – 2012, pág. 56, e na jurisprudência, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12-09-2007, de 6-10-2010 e de 7-4-2011, todos acessíveis em www.dgsi.pt).

[8] Disponível em SusanaAiresdeSousaEstudosGermanoMarquesSilva.pdf ou Estudos em honra do Professor Germano Marques da Silva, UCE, Lisboa, vol. IV, pags. 2272

[9] A manutenção de tais plantas exige um trabalho aturado de rega e tratamento que se apresentavam viçosas e bem desenvolvidas em manifesto contraste com a secura reinante nas imediações o que é bem perceptível na reportagem fotográfica junta aos autos.

[10] Neste tipo de casos importava que o MP fizesse constar da acusação do peso global das plantas de molde a que o julgador tivesse também presente este elemento quantitativo que no caso ascendia a quase 20 quilos (18,364g amostra-cofre e 1.484,656 g de remanescente).

[11] O MP ao impugnar o facto 5. chega a aludir às declarações prestadas pelo arguido em julgamento, mas a verdade é que não impugnou tal factualidade nos termos do artigo 412.º do CPP, pois não fez qualquer transcrição do por ele dito nessa sede nas conclusões ou sequer nas motivações de recurso.

[12] Em vii. das conclusões apresentadas pelo MP este peticiona que “Assim, e em conformidade com o confessado pelo arguido, no ponto 5 dos factos provados deveria constar acrescentado o seguinte sublinhado: 5. O arguido plantou e detinha tais plantas com o intuito de assegurar o seu próprio consumo durante um longo período de tempo.”

[13] Relatado por Franco de Sá, no processo n.º 3026/01 – 3.ª secção disponível para consulta em: www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/criminal/criminal2002.pdf.