COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
FACTOS PRATICADOS A BORDO DE EMBARCAÇÃO EM ALTO MAR
Sumário

I - Estando em causa a prática do crime de tráfico de estupefacientes, a lei penal portuguesa é também aplicável a factos cometidos fora do território nacional, quando praticados a bordo de navio contra o qual Portugal tenha sido autorizado a tomar as medidas previstas no artigo 17º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988.
II - Se a embarcação onde se encontravam os produtos estupefacientes não tinha qualquer pavilhão/nacionalidade, não teria de ser solicitado qualquer tipo de autorização ao país da bandeira para a tomada de específicas medidas, mormente as referidas no artigo 17º, nº 4, da dita Convenção (ter acesso ao navio; inspecionar o navio; e, se se descobrirem provas de envolvimento no tráfico ilícito, adotar medidas adequadas em relação ao navio, às pessoas e à carga que se encontrem a bordo).
III - É, pois, possível o exercício da jurisdição penal portuguesa em relação a cidadãos estrangeiros no caso de embarcações sem nacionalidade, mesmo que intercetadas em alto mar, devido ao facto de o nº 2 do artigo 17º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988 as equiparar às embarcações que arvoram o pavilhão do Estado que faz a abordagem, visita e pratica os atos de autoridade a bordo.
IV - A jurisdição territorial portuguesa estende-se àquele tipo de embarcações, e, por isso, é de concluir pela competência internacional dos tribunais portugueses para tratar e julgar esse tipo de crimes e, bem assim, pela legalidade e legitimidade da atuação das autoridades portuguesas.

Texto Integral




I – RELATÓRIO

1 – Após julgamento em processo comum com intervenção do Tribunal Coletivo foi proferido Acórdão no qual foi exarada a seguinte decisão:
a) Condenar os arguidos K, M, L e S, pela prática, em coautoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à Tabela I-C anexa a esse diploma legal e Portaria n.º 94/96, de 26 de março, conjugado com o artigo 26.º do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão, cada um.
(…)
Inconformados com a decisão vieram os arguidos interpor o presente recurso, apresentando as seguintes transcritas conclusões:
A
I
O Tribunal a quo, despiu as suas vestes de entidade que julga e vestiu vestes de “Legislador” pretendendo criar a sua “Legislação” sobre o Direito dos Mares!!!
II
Ao invés de decidir como decidiu, num total atropelo pelos mais elementares princípios do Direito Internacional, aquilo que o Tribunal a quo deveria ter feito era solicitar, através dos mecanismos próprios, que o Estado Português solicitasse esclarecimentos junto do Tribunal Internacional do Mar ou do Tribunal de Justiça Internacional.
III
A competência para apreciar o cumprimento ou incumprimento da CNUDM é do Tribunal Internacional do Mar ou caso assim não se entenda do Tribunal Internacional de Justiça.
IV
Assim, ao decidir como decidiu tomando posição sobre matérias que não podia nem deveria apreciar o Tribunal a quo violou os artigos 286º, 287º e 288º da CNUDM, os artigos 8º e 9º do C.P.P., bem como o artigo 40º do Decreto Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto.
V
Encontra-se, assim, o Acórdão proferido ferido de Nulidade, nos termos dos artigos 424º e 379º, n.º1, alínea c), do C.P.P.
VI
O Venerando Tribunal da Relação de Évora deve solicitar às Autoridades Portuguesas competentes que solicitem junto do Tribunal Internacional do Mar ou Tribunal Internacional de Justiça que venham esclarecer se, à luz da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas e da Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito do Mar é lícito concluir ao abrigo do Artigo 17º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas:
c) Que pode um Estado Outorgante da Convenção iniciar perseguição e intercetar, na ZEE de outro Estado Outorgante, uma embarcação sem bandeira por suspeitas da prática de um crime de tráfico de Estupefacientes.
d) Em caso afirmativo, se essa perseguição pode ser levada a cabo por lanchas sem qualquer identificação do Estado perseguidor.
B
VII
O Acórdão proferido pelo Tribunal a quo padece do vício de Omissão de Pronúncia, artigo 379º, n.º1, alínea c) do C.P.P.
VIII
Os Recorrentes na sua CONTESTAÇÃO invocaram, nomeadamente, o seguinte:
“10º - O Arguido K nasceu a 10/04/1992, é natural e nacional de Marrocos e reside em Tânger; Marrocos;
11º - O Arguido M, nasceu a 20/12/1980, é natural de Tânger, e de nacionalidade Marroquina, residente em C. (….), Málaga, Espanha;
12º - O Arguido L, nascido a 09/15/1998, é natural e nacional de Espanha, residente em C. (…..), Algeciras, Cádis, Espanha;
13º - O Arguido S, nasceu em 06/11/1997, natural e nacional de Espanha, residente em C. (…..), Sevilha, Espanha.
14º - Os Arguidos não têm qualquer ligação familiar ou outro a Portugal.
15º - A Zona Económica Exclusiva Portuguesa situa-se, em linha reta, a uma distância de cádis de 46,1 milhas náuticas (Vide doc.1)
16º - As coordenadas 36º19`00.0”N 6º44`00.0”W situam-se a cerca de 19,5 milhas náuticas de Cádis, e 32,1 milhas náuticas fora da zona Económica Exclusiva de Portugal (Vide docs. 2 e 3);
17º - As coordenadas 36º19`00.0”N 6º44`00.0”W situam-se em águas territoriais do Reino de Espanha (Vide doc.4)
18º - A Zona Económica Exclusiva Portuguesa dista da Costa de Marrocos a uma distância de 75,4 milhas náuticas (Vide doc.5)
19º - As coordenadas latitude 35º39'N e longitude 006º36'W situam-se a cerca de 28,6 milhas náuticas de Arzila, e 46,8 milhas náuticas fora da Zona Económica Exclusiva de Portugal (Vide docs. 6 e 7)
20º - As coordenadas latitude 35º39'N e longitude 006º36'W situam-se em águas territoriais do Reino de Marrocos (Vide docs. 6 a 8)
21º - Os Arguidos nunca foram visualizados em águas territoriais sob o domínio ou controle do Estado Português.
22º - Os Arguidos nunca estiveram ou pretenderam entrar em Portugal ou em águas sob a sua jurisdição.

59º - Sendo certo que sempre serão inconstitucionais os artigos 4º e 5º do Código penal, 49º do Decreto lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, quando interpretados no sentido que:
“Podem os Tribunais Portugueses julgar cidadãos estrangeiros, que se encontravam a navegar fora da Zona Económica Exclusiva Portuguesa e aí foram abordados e detidos.”
Tal interpretação viola os artigos 2º, 5º, 8º, 18º, 20º, 32º e 203º, todos da Constituição da República Portuguesa.
60º - Estipula o Artigo 110º da Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito do mar que:
1. Salvo nos casos em que os actos de ingerência são baseados em poderes conferidos por tratados, um navio de guerra que encontre no alto mar um navio estrangeiro que não goze de completa imunidade em conformidade com os artigos 95º. e 96º. não terá o direito de visita, a menos que exista motivo razoável para suspeitar que:
a) O navio se dedica à pirataria;
b) O navio se dedica ao tráfico de escravos;
c) O navio é utilizado para efectuar transmissões não autorizadas e o Estado de bandeira do navio de guerra tem jurisdição nos termos do artigo 109º.;
d) O navio não tem nacionalidade; ou
e) O navio tem, na realidade, a mesma nacionalidade que o navio de guerra, embora arvore uma bandeira estrangeira ou se recuse a içar a sua bandeira.
2. Nos casos previstos no nº 1, o navio de guerra pode proceder à verificação dos documentos que autorizem o uso da bandeira. Para isso, pode enviar uma embarcação ao navio suspeito, sob o comando de um oficial. Se, após a verificação dos documentos, as suspeitas persistirem, pode proceder a bordo do navio a um exame ulterior, que deverá ser efectuado com toda a consideração possível.
3. Se as suspeitas se revelarem infundadas e o navio visitado não tiver cometido qualquer acto que as justifique, esse navio deve ser indemnizado por qualquer perda ou dano que possa ter sofrido.
4. Estas disposições aplicam-se, mutatis mutandis, às aeronaves militares.
5. Estas disposições aplicam-se também a quaisquer outros navios ou aeronaves devidamente autorizados que tragam sinais claros e sejam identificáveis como navios e aeronaves ao serviço de um Governo.”
61º - Nos termos da Convenção o Direito de Visita a qualquer embarcação apenas pode ser levada a cabo por navios de guerra.
62º - Igualmente, o Artigo 17º da Convenção das Nações Unidas Contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, estipula que a abordagem em alto mar a qualquer embarcação apenas pode ser efetuada por navios de guerra!!!
63º - Como se refere nos nºs 10 e 11:
“10 - As medidas adoptadas nos termos do n.º 4 do presente artigo só são aplicáveis por navios de guerra ou aeronaves militares ou quaisquer outros navios ou aeronaves devidamente assinalados e indentificáveis como navios ou aeronaves ao serviço de um governo e autorizados para esse fim.
11 - Qualquer medida adoptada nos termos do presente artigo terá devidamente em conta a necessidade de não interferir nos direitos e obrigações dos Estados costeiros ou no exercício da respectiva competência, de acordo com o direito internacional do mar, nem de afectar esses direitos, obrigações ou competências.
64º - Ora, no caso sub judice, a abordagem aos Arguidos foi efetuada através da Polícia Marítima no uso de uma lancha rápida não identificável.
65º - Conforme resulta dos respetivos autos a operação foi levada a cabo pela Polícia Marítima, conforme resulta do auto de notícia de fls.3 dos autos: “2 – Em face do avistamento, foram imediatamente ativados os mecanismos operacionais da Autoridade de Polícia Marítima, concretamente do Comando de Faro daquele OPC, no sentido de efetuarem uma deslocação ao local com vista à abordagem da embarcação visada.
3 – Nessa conformidade, às 20H25 do dia 07/03/2023, nas coordenadas de latitude 35º 39´N e longitude 006º 36´W, a cerca de 100 milhas náuticas a sul/ sueste do Guadiana (cerca de 29 milhas náuticas de território marroquino – cidade de Arzila), sem a claridade do dia e aproveitando que a embarcação se encontrava à deriva sem motores em funcionamento, os meios operacionais envolvidos lograram proceder à sua efetiva abordagem. A embarcação, com pelo menos 12 metros de comprimento e três motores de 300cv da marca Yamaha não dispunha de qualquer identificação ou inscrição.”
66º - Nos termos do Decreto lei n.º 248/95, de 21 de setembro:
9.É criada, na estrutura do Sistema da Autoridade Marítima (SAM), a Polícia Marítima (PM).
10.A PM é uma força policial armada e uniformizada, dotada de competência especializada nas áreas e matérias legalmente atribuídas ao SAM e à AMN, composta por militares da Armada e agentes militarizados.
11.À PM compete ainda, em colaboração com as demais forças policiais, garantir a segurança e os direitos dos cidadãos.
12.O pessoal da PM rege-se pelo Estatuto do Pessoal da Polícia Marítima, anexo ao presente diploma e do qual faz parte integrante.
67º - Refere o artigo 2º do referido Decreto Lei:
“1 - Ao pessoal da PM compete garantir e fiscalizar o cumprimento da lei nas áreas de jurisdição do sistema de autoridade marítima, com vista, nomeadamente, a preservar a regularidade das actividades marítimas e a segurança e os direitos dos cidadãos.
2 - O pessoal da PM é considerado órgão de polícia criminal para efeitos de aplicação da legislação processual penal, sendo os inspectores, subinspectores e chefes considerados, no âmbito das suas competências, autoridades de polícia criminal.
68º - Nos termos do artigo 55º do C.P.P.:
“1 – Compete aos órgãos de polícia criminal coadjuvar as autoridades judiciárias com vista á realização das finalidades do processo.
2 – Compete em especial aos órgãos de polícia criminal, mesmo por iniciativa própria, colher notícia dos crimes e impedir quanto possível as suas consequências, descobrir os seus agentes e levar a cabo os actos necessários e urgentes destinados a assegurar os meios de prova.”

69º - Mais estabelece o artigo 56º do C.P.P. que:
“Nos limites do disposto no n.º1 do artigo anterior, os órgãos de polícia criminal actuam, no processo, sob a direcção das autoridades judiciárias e na sua dependência funcional.”
70º - Não restam, portanto, quaisquer dúvidas de que nos termos legais e constitucionais a Polícia Marítima é um Órgão de polícia Criminal.
71º - Acontece, porém, que no caso sub judice não estamos perante uma intervenção no âmbito de uma medida de polícia.
72º - Estipula o Artigo 272º da Constituição da República Portuguesa que: 1 – A polícia tem por funções defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos.
2– As medidas de polícia são as previstas na lei, não devendo ser utilizadas para além do estritamente necessário.
3– A prevenção dos crimes, incluindo a dos crimes contra a segurança do Estado, só pode fazer-se com observância das regras gerais sobre polícia e com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
4– A lei fixa o regime das forças de segurança, sendo a organização de cada uma delas única para todo o território nacional.
73º - No caso Sub judice, como resulta à evidência, não estamos perante uma operação levada a cabo para garantir a segurança interna dos direitos dos cidadãos.
74º - Não estamos sequer perante uma operação levada a cabo em águas territoriais portuguesas.
75º - Não restam, portanto, quaisquer dúvidas que a Polícia Marítima não poderia levar a cabo a operação que levou, porquanto, a sua atuação está única e exclusivamente, conforme resulta da Constituição da República Portuguesa, sujeita a garantir a Segurança Interna dos cidadãos.
76º - Ora, no caso sub judice, não só a referida embarcação não tinha qualquer relação com o território nacional, como no seu interior não se encontrava qualquer cidadão nacional, nem a embarcação saiu de Portugal ou se destinava a dar entrada em território nacional.
77º - É, portanto, evidente a ilegalidade da operação levada a cabo pelas Autoridades Portuguesas, consubstanciando esta busca e detenção, nos termos do Artigo 126º do C.P.P, verdadeira prova proibida.
78º - Sendo certo que, sempre serão inconstitucionais os artigos 55º, 174º, 175º, 176º, 255º e 257º todos do Código de Processo Penal quando interpretados no sentido que:
“No âmbito de um processo criminal, de natureza civil, pode a abordagem a uma embarcação e detenção dos arguidos ser efetuada pela Polícia Marítima fora de águas territoriais portuguesas, nomeadamente, fora da Zona Económica Exclusiva de Portugal.”
Ou no sentido que:
“Pode a Polícia Marítima abordar e perseguir uma embarcação civil, no âmbito da investigação de um processo crime, a pedido da Polícia Judiciária, fora de águas territoriais portuguesas.”
Tais interpretações violam os artigos 2º, 272º da Constituição da República Portuguesa.
Inconstitucionalidade, que desde já se invoca.

88º - Ora, no caso sub judice, conforme resulta do auto de notícia de fls. 3 e seguintes, pelas 14 horas, do dia 07/03/2023 teve início uma operação com vista a “dissuadir a presença de embarcações em atividades ilícitas relacionadas com o narcotráfico”.
89º - Resulta, igualmente, do auto de noticia de fls. 66 e seguintes que: “No decurso da operação, cerca das 16h30, foi detetado nas coordenadas GPS Latitude N36º19´e Longitude W006º44´(atum WGS84), a presença de uma lancha rápida suspeita, transportando carga indeterminada no seu interior, que ao se aperceber da presença dos meios da autoridade no local, encetou fuga a alta velocidade.”
90º - Resulta, portanto que o avistamento da embarcação no caso Sub Judice pelas 16h30 passou a ser “suspeita”, não sendo detetada a prática de qualquer crime…

92º - Apenas no dia 08/03/2023, pelas 06:55, folhas 37 dos autos é remetido um email para faro.diap@tribunais.org.pt informando que foram detidos os aqui arguidos em virtude de se encontrarem na posse de haxixe.

121º - Ora, no caso Sub Judice não só não foi prestada qualquer informação aquando das diligências de detenção e busca levadas a cabo aos Arguidos como não lhes foi sequer facultada a carta de direitos fundamentais.
122º - Sendo certo que os Arguidos K e M, apenas tiveram alguma informação em língua que compreendem aquando da presença perante o Senhor Juiz de Instrução Criminal.”

IX
Analisado o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo não constatamos no mesmo que o douto Tribunal se tenha pronunciado sobre as concretas questões acima suscitadas.

X
Assim, o Acórdão encontra-se ferido de nulidade, nos termos do artigo 379º, n.º1, alínea c) do C.P.P.

C
XI
O Tribunal a quo deveria ter dado como provados os seguintes factos invocados pelos Arguidos na sua contestação:
15º - A Zona Económica Exclusiva Portuguesa situa-se, em linha reta, a uma distância de cádis de 46,1 milhas náuticas (Vide doc.1)
16º - As coordenadas 36º19`00.0”N 6º44`00.0”W situam-se a cerca de 19,5 milhas náuticas de Cádis, e 32,1 milhas náuticas fora da zona Económica Exclusiva de Portugal (Vide docs. 2 e 3);
17º - As coordenadas 36º19`00.0”N 6º44`00.0”W situam-se em águas territoriais do Reino de Espanha (Vide doc.4)
18º - A Zona Económica Exclusiva Portuguesa dista da Costa de Marrocos a uma distância de 75,4 milhas náuticas (Vide doc.5)
19º - As coordenadas latitude 35º39'N e longitude 006º36'W situam-se a cerca de 28,6 milhas náuticas de Arzila, e 46,8 milhas náuticas fora da Zona Económica Exclusiva de Portugal (Vide docs. 6 e 7)
20º - As coordenadas latitude 35º39'N e longitude 006º36'W situam-se em águas territoriais do Reino de Marrocos (Vide docs. 6 a 8)
XII
A prova dos referidos factos resulta da documentação junta com a contestação, a que cada um dos artigos faz referência, e ainda com a informação do Instituto Hidrográfico de fls.913 e 914, e a respetiva representação gráfica que daí resulta.

XIII
Entendem os Recorrentes que com enorme relevo para a boa decisão da causa resultaram, ainda, provados os seguintes factos:
A coordenação e operação de perseguição e detenção dos arguidos foi efetuada pela Polícia Marítima.
A perseguição á embarcação onde seguiam os Arguidos foi efetuada com recurso a uma lancha semirrígida sem qualquer elemento identificativo.
Os referidos factos são essenciais para a boa decisão da causa, nomeadamente, para efeitos de enquadramento no disposto no artigo 14º da Lei n.º 34/2006, de 28 de julho. E, ainda, em função do alegado pelos Recorrentes nos artigos 60º a 78º da sua contestação e acima citados.
XIV
A prova destes factos resulta do depoimento da testemunha C, agente da Polícia Marítima, cujo depoimento se encontra gravado no sistema existente no tribunal ficheiro de origem: Diligencia_90-23.8JAFAR_2024-04-30_17-01-36, ouvido no dia 30/04/2024, pelas 17:01:36, passagens 00:00:03 a 00:00:27; 00:00:55 a 00:01:20; 00:08:42 a 00:09:45.
D

XV
O Tribunal a quo deu como provado que:

3.No dia 07 de março de 2023, pelas 16 horas e 30 minutos, a cerca de 60 milhas náuticas a Sueste do Guadiana e cerca de 25 milhas náuticas de Cádis, nas coordenadas latitude 36º 19´N e longitude 006º 44´W, na embarcação semirrígida, com doze metros de comprimento, sem qualquer identificação ou inscrição, com três motores de fora de bordo, de 300HP V6, da marca Yamaha, os arguidos K, M, L e S detinham e transportavam 106 (cento e seis) fardos de canábis (resina)…

4.Pelas 20 horas e 25 minutos desse mesmo dia, os arguidos foram abordados e intercetados pelas autoridades nacionais a cerca de 100 milhas náuticas a Sul/Sueste do Guadiana e da Barra de Faro, nas coordenadas latitude 35º 39´N e longitude 006º 36´W, na posse do estupefaciente referido em 1.º, e conduzidos ao Porto de Faro.

Igualmente, deveria ter dado como provado que:
15º - A Zona Económica Exclusiva Portuguesa situa-se, em linha reta, a uma distância de cádis de 46,1 milhas náuticas (Vide doc.1)
16º - As coordenadas 36º19`00.0”N 6º44`00.0”W situam-se a cerca de 19,5 milhas náuticas de Cádis, e 32,1 milhas náuticas fora da zona Económica Exclusiva de Portugal (Vide docs. 2 e 3);
17º - As coordenadas 36º19`00.0”N 6º44`00.0”W situam-se em águas territoriais do Reino de Espanha (Vide doc.4)
18º - A Zona Económica Exclusiva Portuguesa dista da Costa de Marrocos a uma distância de 75,4 milhas náuticas (Vide doc.5)
19º - As coordenadas latitude 35º39'N e longitude 006º36'W situam-se a cerca de 28,6 milhas náuticas de Arzila, e 46,8 milhas náuticas fora da Zona Económica Exclusiva de Portugal (Vide docs. 6 e 7)
20º - As coordenadas latitude 35º39'N e longitude 006º36'W situam-se em águas territoriais do Reino de Marrocos (Vide docs. 6 a 8)

XVI
Nenhum dos Recorrentes é cidadão Português, nem tinha aqui a sua residência, nem nenhum dos atos de tráfico de estupefacientes foi praticado em Portugal, pelo que, os Tribunais Portugueses não são territorialmente competentes para julgar os presentes autos, nem a Lei penal portuguesa é aplicável.
XVII
No âmbito dos presentes autos, em sede de recurso das medidas de coação aplicadas aos Arguidos foi sustentada a legalidade da detenção com fundamento no facto de se ter considerado que os mesmos foram detidos na ZEE de Portugal!!!
XVIII
Os Arguidos conseguiram demonstrar que nunca estiveram sequer em águas territoriais sob o domínio de Portugal e que a Polícia Marítima, usou de deslealdade, pretendendo transmitir a ideia que a operação decorreu em águas consideradas Zona Económica Exclusiva de Portugal.
XIX
As Autoridades portuguesas omitiram ao Reino de Marrocos que tinham detido os cidadãos Marroquinos na Zona Económica Exclusiva daquele país, nem as coordenadas da abordagem indicaram!!!
XX
As Autoridades Portuguesas omitiram das Autoridades Espanholas que tinham iniciado a perseguição a cidadãos Espanhóis em águas da Zona Contígua de Espanha e que os mesmos foram detidos na Zona Económica Exclusiva de Marrocos!!!
XXI
Nas informações que prestaram as Autoridades Portuguesas nunca referem os exatos locais onde avistaram a embarcação e, muito menos, onde a mesma foi intercetada, limitando-se, falsamente, a afirmar:
“No dia 07/03/2023, cerca das 16h30, a Força Aérea Portuguesa localizou uma embarcação do tipo semirrigida, no mar, ao largo de Faro. Cerca das 20h25, os meios operacionais envolvidos, sem a claridade do dia e aproveitando o facto da embarcação se encontrar á deriva, sem motores em funcionamento, procederam á abordagem da mesma.”
XXII
A testemunha C, cujo depoimento se encontra gravado no sistema existente no tribunal, ficheiro de origem: Diligencia_90-23.8JAFAR_2024-04-30_17-01-36, ouvido no dia 30/04/2024, pelas 17:01:36, afirmou que a detenção dos arguidos decorreu na sequência de uma perseguição de mais de 15 minutos, passagens 00:02:49 a 00:04:10.
XXIII
O direito de visita não está previsto em matéria de combate e repressão ao tráfico de estupefacientes e foi este, e não outro, o fundamento de abordagem da embarcação.
XXIV
Ao contrário do defendido pelo Tribunal a quo, no caso sub judcie não tem qualquer aplicação a Lei n.º 34/2006, de 28 de julho. O referido diploma legal: “Determina a extensão das zonas marítimas sob soberania ou jurisdição nacional e os poderes que o Estado Português nelas exerce, bem como os poderes exercidos no alto mar”
XXV
No caso sub judice nenhum dos factos foi praticado nas águas interiores, no mar territorial, na zona contígua, na zona económica exclusiva ou na plataforma continental Portuguesas.
XXVI
No caso sub judice, ao contrário do defendido pelo Tribunal a quo, não tem aplicação o artigo 18º da Lei n.º 34/2006, de 28 de julho, não só não estávamos perante a presença de qualquer navio, como a embarcação onde se encontravam os Arguidos não se encontrava em alto mar, mas sim na Zona Económica Exclusiva de Marrocos.
XXVII
O alto mar é constituído por todas as partes do mar que não integram a zona económica exclusiva, o mar territorial, as águas interiores dos Estados ou as águas arquipelágicas de um Estado arquipelágico.
https://diariodarepublica.pt/dr/lexionario/termo/alto-mar
XXVIII
Temos, portanto, que não existem quaisquer dúvidas que “… a embarcação é avistada pela Força Aérea Portuguesa no limite entre a zona contígua espanhola e a ZEE espanhola e abordada pela Polícia Marítima na ZEE marroquina.”, e como referiu a testemunha C, “a perseguição talvez tenha mais de… dez, quinze minutos.”
XXIX
A Perseguição iniciou-se quando a embarcação onde se encontravam os Arguidos se encontrava completamente fora de águas interiores, águas arquipelágicas, mar territorial ou na zona contígua do Estado perseguidor.
XXX
No caso Sub Judice as Autoridades Portuguesas não se certificaram de que a lancha onde se encontravam os Arguidos se encontrava dentro dos limites do mar territorial, na zona contígua, na zona económica exclusiva ou na plataforma continental do Estado Português.
XXXI
Não foi utilizado qualquer navio de guerra, nomeadamente, qualquer corveta, toda a perseguição foi efetuada por embarcação semirrígida sem qualquer identificação.
XXXII
O Tribunal Intenacional do Direito do Mar, decidiu no processo M/V "SAIGA" (N.º 2) (São Vicente e Granadinas c. Guiné), acórdão, TIDM 1999, p. 59, n.º 146, que:
“… as condições para o exercício do direito de perseguição previsto no artigo 111.º da Convenção são cumulativas; cada um deles tem de estar satisfeito para que a prossecução seja legítima nos termos da Convenção."
XXXIII
Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou os artigos 4º e 17º da Convenção das Nações Unidas Contra o Tráfico de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, os artigos 29º, 108º, 109º, 110º, 111º Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do mar, de 10 de Dezembro de 1982., os artigos 2º, 3º, 16º, 18º, 19º e 20º da Lei n.º 34/2006, de 28 de julho, os artigos 4º e 5º do Código penal, e o artigo 49º do Decreto lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.
Contudo, mesmo que assim não se entenda, o que não se concede e por mero dever de patrocínio se coloca, à cautela ainda diremos o seguinte:

E
XXXIV
Nos termos da CNUDM o Direito de Visita ou perseguição a qualquer embarcação apenas pode ser levada a cabo por navios de guerra.
XXXV
Igualmente, o Artigo 17º da Convenção das Nações Unidas Contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, estipula que a abordagem em alto mar a qualquer embarcação apenas pode ser efetuada por navios de guerra!!!
XXXVI
No caso sub judice, a abordagem aos Arguidos foi efetuada através da Polícia Marítima no uso de uma lancha rápida não identificável.
XXXVII
Acresce que, nos termos legais e constitucionais a Polícia Marítima é um Órgão de polícia Criminal.
XXXVIII
A Polícia Marítima não poderia deslocar-se à Zona Económica Exclusiva de Marrocos para levar a cabo a operação que levou, porquanto, a sua atuação está única e exclusivamente, conforme resulta da Constituição da República Portuguesa, sujeita a garantir a Segurança Interna dos cidadãos.
XXXIX
No caso Sub judice, não só, a referida embarcação não tinha qualquer relação com o território nacional, como no seu interior não se encontrava qualquer cidadão nacional, nem a embarcação saiu de Portugal ou se destinava a dar entrada em território nacional.
XL
O Tribunal a quo violou os artigos 1º, 2º do Decreto lei n.º 248/95, de 21 de setembro, bem como os artigos 55º, 56º do Código de Processo penal e 272º da Constituição da República Portuguesa.
XLI
É, portanto, evidente a ilegalidade da operação levada a cabo pelas Autoridades Portuguesas, consubstanciando esta busca e detenção, nos termos do Artigo 126º do C.P.P, verdadeira prova proibida.
XLII
Sendo certo que, sempre serão inconstitucionais os artigos 55º, 174º, 175º, 176º, 255º e 257º todos do Código de Processo Penal quando interpretados no sentido que:
“No âmbito de um processo criminal, de natureza civil, pode a abordagem a uma embarcação e detenção dos arguidos ser efetuada pela Polícia Marítima fora de águas territoriais portuguesas, nomeadamente, fora da Zona Económica Exclusiva de Portugal.”
Ou no sentido que:
“Pode a Polícia Marítima abordar e perseguir uma embarcação civil, no âmbito da investigação de um processo crime, a pedido da Polícia Judiciária, fora de águas territoriais portuguesas.”
Tais interpretações violam os artigos 2º, 272º da Constituição da República Portuguesa.
Inconstitucionalidade, que desde já se invoca.
XLIII
Os Arguidos deveriam ter sido absolvidos do crime pelo qual foram condenados, pelo que ao decidir como decidiu o tribunal a quo violou os artigos 21º, n.º1, do Decreto Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.
Contudo, mesmo que assim não se entenda, o que mais uma vez não se concede e por mero dever de patrocínio se invoca, ainda diremos o seguinte:

F
XLIV
Ponderado, todo o circunstancialismo em que ocorreram os factos em apreço nos pressentes autos, por um lado, e ao facto dos arguidos, cidadãos estrangeiros, se encontrarem em prisão preventiva há cerca de 18 (dezoito) meses, deveria a pena aplicada ter sido suspensa na sua execução, tudo nos termos dos artigos 40º, 50º, 71º, 72º e 73º do C.P.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. mui doutamente suprirão deve o presente Recurso obter provimento. Assim decidindo farão V. Exas. a almejada
JUSTIÇA

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Por despacho de 3 de julho de 2024 foi recebido o recurso.
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O M.P. na primeira instância respondeu ao recurso interposto propugnando pela sua improcedência.
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O Sr. PGA junto desta Relação emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso apresentado pelos arguidos.
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Foi cumprido o disposto no art.º 417º, nº 2 do CPP, tendo os arguidos respondido pugnando como no recurso que apresentaram.
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Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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II - O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente. Só estas o tribunal ad quem deve apreciar art.ºs 403º e 412º nº 1 CPP[1] sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – art.º 410º nº 2 CPP.
Questões a decidir:
(i) Incompetência dos Tribunais Portugueses.
- Questão prejudicial a suscitar junto do Tribunal Internacional do Direito do Mar.
- erro de julgamento incidente sobre factos necessários para conhecer da exceção da incompetência.
(ii) Inconstitucionalidade da interpretação das normas do Tratado do Direito do Mar e da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, espelhada na conclusão segundo a qual a atuação das autoridades portuguesas é legal e legítima
(iii) Omissão de pronúncia;
(iv) Nulidade a prova obtida, como consequência da incompetência das autoridades portuguesas na atuação que descrevem a propósito e para fundamentar a questão (ii).
(v) Suspensão da execução da pena de prisão.
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III.
É do seguinte teor a decisão de facto constante do Acórdão recorrido:
II – FUNDAMENTAÇÃO
A) Factos provados:
1.No dia 07 de março de 2023, pelas 16 horas e 30 minutos, a cerca de 60 milhas náuticas a Sueste do Guadiana e cerca de 25 milhas náuticas de Cádis, nas coordenadas latitude 36º 19´N e longitude 006º 44´W, na embarcação semirrígida, com doze metros de comprimento, sem qualquer identificação ou inscrição, com três motores de fora de bordo, de 300HP V6, da marca Yamaha, os arguidos K, M, L e S detinham e transportavam 106 (cento e seis) fardos de canábis (resina), compostos da seguinte forma:
- 7260 placas de canábis (resina) com o peso líquido de 706.640,00 gramas, com um grau de pureza de 33,1% de THC, correspondente a 4677956 doses;
- 6600 placas de canábis (resina), com o peso líquido de 641.234,00 gramas, com um grau de pureza de 34,4% de THC, correspondente a 4411689 doses;
- 3960 placas de canábis (resina) com o peso líquido de 383.501,000 gramas, com um grau de pureza de 28,8% de THC, correspondente a 2208965 doses;
- 3300 placas de canábis (resina) com o peso líquido de 317.471,000 gramas, com um grau de pureza de 32,7% de THC, correspondente a 2076260 doses;
- 2640 placas de canábis (resina) com o peso líquido de 257.475,00 gramas, com um grau de pureza de 33.9% de THC, correspondente a 1745680 doses;
- 2640 placas de canábis (resina) com o peso líquido de 257.126,000 gramas, com um grau de pureza de 33,9% de THC, correspondente a 1743314 doses;
- 2640 placas de canábis (resina) com o peso líquido de 257.823,000 gramas, com um grau de pureza de 27,0% de THC, correspondente a 1392244 doses;
- 1320 placas de canábis (resina) com o peso líquido de 128.665,000 gramas, com um grau de pureza de 33,3% de THC, correspondente a 856908 doses;
- 1650 placas de canábis (resina) com o peso líquido de 145.436,000 gramas, com um grau de pureza de 34,2% de THC, correspondente a 994782 doses;
- 990 placas de canábis (resina) com o peso líquido de 96.082,000 gramas, com um grau de pureza de 33,5% de THC, correspondente a 643749 doses;
- 900 placas de canábis (resina) com o peso líquido de 87.794,000 gramas, com um grau de pureza de 31,8% de THC, correspondente a 558369 doses;
- 360 placas de canábis (resina) com o peso líquido de 17.928,000 gramas, com um grau de pureza de 36.8% de THC, correspondente a 131950 doses;
- 150 placas de canábis (resina) com o peso líquido de 14.507,000 gramas, com um grau de pureza de 6,9% de THC, correspondente a 20019 doses;
-180 placas de canábis (resina) com o peso líquido de 16.956,00 gramas, com um grau de pureza de 33,3% de THC, correspondente a 112926 doses;
- 220 placas de canábis (resina) com o peso líquido de 10.959,000 gramas, com um grau de pureza de 36,5% de THC, correspondente a 80000 doses;
- 440 placas de canábis (resina) com o peso líquido de 22.020,000 gramas, com um grau de pureza de 36,3% de THC, correspondente a 159865 doses, e
- 300 placas de canábis (resina) com o peso líquido de 14.953,00 gramas, com um grau de pureza de 38,1% de THC, correspondente a 113941 doses.
2.Pelas 20 horas e 25 minutos desse mesmo dia, os arguidos foram abordados e intercetados pelas autoridades nacionais a cerca de 100 milhas náuticas a Sul/Sueste do Guadiana e da Barra de Faro, nas coordenadas latitude 35º 39´N e longitude 006º 36´W, na posse do estupefaciente referido em 1.º, e conduzidos ao Porto de Faro.
3.Mais detinham os arguidos, no interior da embarcação, os seguintes objetos:
-Um (1) Radar/GSP/Multifunções, da marca Garmin GMR 18 HD;
-Uma (1) Agulha/bússola, da marca Plastimo Offshore 105;
-Cinco (5) jerricans, com cerca de 25 litros de combustível cada;
-Um (1) telefone satélite da marca lridium, com o IMEI 300115060594950, e respetiva bateria, que continha inserido o cartão SIM da marca Iridium número 8988169326004148874, e o respetivo cartão de suporte;
-Um (1) telefone satélite da marca lnmarsat, com o IMEI 354006110578001, e respetiva bateria, que continha inserido o cartão SIM da marca lsatPhone número 898709922416960080;
-Um (1) localizador GPS da marca Saved by Spot, modelo SPOT TRACE, cor preta, com o número 02929-14-04303;
-Um (1) telemóvel da marca Nokia, modelo RM-1134, de cores azul e preto, com IMEI 356012088320531, e com respetiva bateria, que continha inserido o cartão SIM da operadora INWI com o número 892120270010220485
-Um (1) telemóvel da marca Nokia, modelo TA-1203 cor cinzento e preto, com IMEI 353161111954015, e com respetiva bateria, que continha inserido o cartão SIM da operadora Vodafone com o número 34568552200216949;
-Um (1) telemóvel da marca Apple, modelo lphone, de cor cinzento escuro, com o IMEI 354891098137114, que continha inserido o cartão nano SIM da operadora Vodafone com o número 3456892220043035;
-Um (1) telemóvel da marca Apple, modelo lphone, de cor cinzento escuro, IMEI 356701086811232, com capa de proteção transparente, que continha inserido o cartão nano SIM da operadora Vodafone, com o número 34569152200059065;
-Um (1) telemóvel da marca Redmi, de cor azul escuro, sem indicação visível do IMEI, com capa de proteção de cor azul, que continha inserido o cartão nano SIM da operadora VODAFONE com o número 34564532200449371, e o cartão nano SIM da operadora INWI, com o número 892120270010220121, e - Um (1) cartão SIM da operadora VODAFONE com o número 34561652200151364 e um cartão com códigos de carregamento da operadora INWI;
-Um (1) telemóvel da marca Nokia, modelo RM-1134, de cores cinzento e preto, com IMEI 354896084775025, e com respetiva bateria, que continha inserido o cartão SIM da operadora Maroc Telecom, com o número 1444890066;
-Um (1) telemóvel da marca Nokia, modelo TA-1203, de cor preto, com IMEI 353161111926310, e com respetiva bateria, que continha inserido o cartão SIM da operadora INWR, com o número 892120270003731289 FX.05.
4.Os arguidos L e S traziam ainda consigo, no interior de uma bolsa térmica, os seguintes bens e valores:
-Seis (6) notas de valor facial de 20,00 euros, oito (8) notas de valor facial de 10,00 euros, perfazendo um total de 200,00 euros;
-Uma (1) nota de valor facial 200 (duzentos) pesos uruguaios;
-Um (1) telemóvel smartphone, da marca Apple, modelo Iphone 8, de cor preta, com um cartão nano SIM inserido, da operadora Vodafone com a inscrição 34568222200532949;
-Um (1) suporte de cartão SIM com o número 34568222200532949, e
-Documentos de identificação dos arguidos L e S.
5.O arguido M tinha na sua posse vinte seis (26) notas do BCE de valor facial de 10,00 euros, perfazendo um total de 260,00 euros.
6.Os telemóveis e demais equipamentos indicados em 3 - com exceção do telemóvel I-Phone cinza escuro sem capa de proteção e do telemóvel Redmi de cor azul -, os telefones satélite e os cartões telefónicos - com exceção dos que se encontravam no telemóvel I-Phone cinza escuro sem capa de proteção e no telemóvel Redmi de cor azul - que se encontravam na embarcação destinavam-se a ser usados pelos arguidos para receber e efetuar contactos telefónicos e para determinar a rota da embarcação com vista a concretizar o transporte da cannabis.
7.Os arguidos iriam receber a quantia de € 10.000,00 cada um no momento da entrega dos fardos na cidade de Cádis.
8.Os arguidos previram e quiseram agir da forma descrita.
9.Atuaram os arguidos de comum acordo e em conjugação de esforços e vontades, com o propósito de deterem e transportarem a dita quantidade de canábis, substância cuja natureza, características, composição e efeitos conheciam, bem sabendo que a detenção e transporte desse produto estupefaciente (canábis) lhes era vedada por lei, uma vez que não estavam autorizados para o efeito.
10.Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Das condições pessoais e antecedentes criminais dos arguidos
11.À data dos factos subjacentes ao processo (março/2023), L integrava o agregado familiar do pai, o qual englobava mais quatro elementos: madrasta, filho desta menor de idade (cerca de 14 anos), irmã germana de 22 anos de idade e irmão consanguíneo de 7 anos de idade; o grupo familiar residia na morada dos autos, correspondente a apartamento de tipologia T4, propriedade do pai (por herança) e caracterizado como detendo adequadas condições de habitabilidade.
12.A dinâmica relacional do núcleo familiar em causa caracteriza-se como normativa, em termos psicoafectivos, sendo que o arguido permaneceu junto do pai, aquando da rutura marital dos progenitores, ocorrida quando tinha cerca de 13 anos de idade e sem referência a relevante conflitualidade.
13.L mantém contacto regular com a mãe, residente próximo, e tem atualmente uma relação de namoro, gratificante em termos afetivos.
14.O arguido indicou habilitações literárias ao nível de 9 anos de escolaridade, concluídos com cerca de 16 anos de idade, não tendo prosseguido os estudos por ausência de motivação.
15.Devido a dificuldades em integrar o mercado de trabalho (por motivos de escassa oferta de emprego), L apenas viria a iniciar atividade laboral com cerca de 22 anos de idade, junto do pai, que se dedicava (juntamente com a companheira) à exploração comercial de estabelecimento de produtos de mercearia.
16.Assim, à data dos factos subjacentes ao processo, o arguido trabalhava, havia cerca de 2 anos e sem contrato de trabalho, com o pai, sendo que apenas nesse ínterim o volume de vendas viria a possibilitar a integração de mais um colaborador.
17.Ao nível económico, à data dos factos, o arguido auferia, semanalmente, de receitas variáveis (dependente do volume de vendas), numa média mensal estimada em cerca de 750 ou 800 Euros.
18.Sem referência a situações de endividamento, L contribuía para a economia doméstica (sem imposição do pai), mediante a aquisição de alimentos e/ou pagamento de alguma despesa de manutenção da habitação; quer o arguido, quer a família, movimentavam-se num quadro económico equilibrado (compatível com a satisfação das necessidades), sendo que a irmã germana desenvolvia a mesma atividade, mas em parceria como o respetivo namorado, numa outra carrinha ambulante.
19.Ao nível social, não foram mencionadas ou detetadas, eventuais referências estigmatizantes ou comportamentos de risco (nomeadamente ao nível do consumo de substâncias psicoativas), sendo indicado círculo de convivência maioritariamente restrito a 2 ou 3 amigos/ex-colegas de escola.
20.L denota adequada atitude crítica relativamente ao bem jurídico em causa.
21.Em meio prisional, o arguido tem registado um comportamento coadunante com as normas vigentes no mesmo, tendo se disponibilizado para ocupação laboral e frequência de Curso da língua portuguesa para estrangeiros.
22.L tem usufruído do apoio da família, traduzido nas visitas regulares da família e namorada.
23.K, de nacionalidade marroquina e de 31 anos de idade, integrava a família de origem; trata-se de família numerosa, 14 irmãos, que mantêm grande proximidade; não tem família própria.
24.Lê e escreve com muita dificuldade, tendo apenas frequentado a escola islâmica.
25.Trabalha desde os 15 anos de idade, inicialmente na agricultura e na construção civil, e há 6 anos como cozinheiro.
26.A situação económica do agregado é descrita como de grande precaridade, referindo que entrega parte do seu rendimento do trabalho, no valor de 150 Euros, para as despesas comuns do agregado.
27.Tem mantido no E.P. de Faro um comportamento conforme às regras institucionais.
28.Denota compreender e aceitar a intervenção do sistema de justiça e mostra vontade em manter de futuro um comportamento adequado.
29.Em período anterior aos factos em apreço M, de 33 anos de idade, vivia em Espanha com uma companheira espanhola há cerca de 3 anos, mantendo com a mesma um relacionamento referido como positivo, não obstante a companheira desconhece a sua situação de reclusão.
30.O casal residia num apartamento arrendado, em Málaga, descrito como detentor de adequadas condições de habitabilidade.
31.Natural de Marrocos e o mais velho de uma fratria de quatro elementos, o seu processo de desenvolvimento foi normativo e afetivamente adequado, integrado no agregado de origem constituído pelo próprio, pais e irmãos.
32.A vicissitude mais significativa e negativamente marcante foi a precariedade económica, atenta a falta de emprego e problemas de saúde dos progenitores; praticamente ninguém trabalhava, mantendo uma pequena horta e algumas aves para subsistência.
33.M frequentou 1 ano do sistema de ensino regular e 15 anos do ensino religioso, islâmico, pelo que que apresenta profundos défices de qualificações.
34.No seu país de origem trabalhou de forma ocasional em oficinas auto e, em Málaga trabalhava como ajudante de mecânica numa oficina.
35.No EP encontra-se a frequentar aulas de português, mas está laboralmente inativo.
36.A situação económica no período que antecedeu a sua reclusão era caraterizada por constrangimentos.
37.Pagavam 600€ de renda de casa, a companheira era empregada de limpezas, e M recebia 800€ mensais, sendo que enviava aproximadamente 200€/mês para a família, em Marrocos.
38. M evidencia um adequado entendimento relativamente ao atual contacto com o sistema de justiça, denotando uma postura colaborante.
39.Em meio prisional o arguido tem mantido uma conduta ajustada ao normativo disciplinar vigente, não apresentando qualquer sanção.
40.S é natural de Espanha, país onde nasceu e viveu até à data da sua reclusão à ordem deste processo.
41.Inicialmente recluso no EP de Faro, foi transferido definitivamente para o EP do Linhó em 05.12.2023, na sequência de um incidente disciplinar, ainda em averiguação, estando em regime fechado (secção de segurança).
42.O arguido é natural de Cádis, Espanha, meio comunitário onde decorreu o seu processo de socialização, junto dos pais e três irmãos mais novos.
43.Da sua infância não ressaltam situações anómalas, tendo crescido no seio de uma dinâmica familiar sem factos dignos de registo.
44.A subsistência familiar era garantida pela atividade laboral dos pais, o pai no ramo da restauração e a mãe como cabeleireira.
45.O percurso escolar foi iniciado em idade própria, tendo progredido até aos 15 anos de idade, altura em que optou por integrar o mercado de trabalho, junto do progenitor, o qual tinha aberto um bar em nome próprio.
46.Tem um percurso laboral indiferenciado, mesmo após o estabelecimento do pai ter fechado atividade.
47.Trabalhou igualmente na área da restauração e na construção civil, nomeadamente como pedreiro.
48.Conheceu a atual companheira há cerca de 6 anos, tendo iniciado vivência de união de facto nessa altura; o casal transferiu-se para Sevilha, para uma casa arrendada na morada em epígrafe, por se situar próxima dos familiares da companheira.
49.Desta união de facto nasceram duas filhas, atualmente com 6 anos e ano e meio, sendo para junto deste agregado familiar que perspetiva poder voltar e reorganizar a sua vida.
50.A companheira subsiste como empregada de limpezas e do apoio económico dos seus familiares e as crianças encontram-se integradas em equipamentos infantis.
51.No meio comunitário goza de uma imagem social positiva, e do apreço dos vizinhos, os quais estão cientes da sua situação de reclusão e perguntam por ele.
52.No EP de Faro S manteve uma postura adaptada ao quadro normativo; encontrava-se inativo, era considerado um recluso pacato e beneficiava do regime de visitas intimas com a companheira, que se deslocava ao EP de Faro uma vez por mês.
53.A transferência para a secção de Segurança do EP Linhó prendeu-se com uma situação de agressão a outro recluso, da qual se demarca, estando a situação a ser alvo de averiguações através do sistema de câmaras de vigilância.
54.Em termos futuros S pretende retornar a Espanha, para junto da sua família constituída e tirar a carta de marinheiro (de 2 meses de duração e custo 600€), a fim de poder trabalhar com o pai, o qual atualmente é contramestre, a laborar na travessia de turistas entre o continente e as ilhas baleares.
55.O arguido aparenta intimidação pela intervenção da Justiça e evidencia consciência da gravidade da sua situação.
56.Apresenta-se como um indivíduo educado e com um relacionamento interpessoal assertivo e respeitador e a privação de liberdade tem sido sentida com sofrimento e pesar, nomeadamente pelo afastamento relativamente aos seus familiares próximos, nomeadamente a companheira e as filhas.
57.Mantém o apoio de todos os seus familiares, os quais já o vieram visitar, e são mantidos contactos telefónicos regulares e ainda contactos por videoconferência, através do sistema webex, disponibilizado no EP.
58.Nenhum dos arguidos tem antecedentes criminais em Portugal.
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2. Factos Não Provados
Não se provou:
1.Que os arguidos fossem proceder à venda do estupefaciente que transportavam.
2.Que os arguidos destinassem os objetos identificados em 3 e 4 dos factos provados a serem usados na venda da cannabis.
3.Que o dinheiro que os arguidos traziam consigo destinava-se a ser utilizado em combustível e alimentação durante o transporte e venda do canábis e regressar ao país de origem.
4.Que os telemóveis Apple cinza escuro, sem capa, Redmi azul e os que estavam na posse dos arguidos S e L se destinassem a ser utilizados na operação de transporte da cannabis.
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Todos os demais factos que constam da acusação e que não constam dos factos provados ou não provados foram deliberadamente excluídos por conterem matéria de direito, expressões conclusivas ou não terem qualquer relevância para a decisão a proferir.
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Antes de mais, cumpre analisar as nulidades de prova suscitadas em sede de contestação.
1. Da falta de promoção do processo pelo Ministério Público

Alegam os arguidos que nos presentes autos os órgãos de Polícia Criminal, Polícia Marítima e Polícia Judiciária levaram a cabo uma operação fora de águas territoriais portuguesas, sem qualquer promoção do Ministério Público, sem que o Ministério Público, titular da ação penal tenha tido intervenção na referida operação, ou sequer que lhe tenha sido comunicada, o que apenas veio a acontecer pelas 6h55 do dia 8 de março de 2023.
Vejamos então as normas constantes do Código de Processo Penal:
Dispõe o artigo 241.º que o Ministério Público adquire notícia do crime por conhecimento próprio, por intermédio dos órgãos de polícia criminal ou mediante denúncia, nos termos dos artigos seguintes, sendo que a denúncia é obrigatória para os órgãos de polícia criminal relativamente a qualquer crime de que tenham conhecimento – artigo 242.º, n.º 1, al.a).
Nos termos do artigo 243.º sempre que uma autoridade judiciária, um órgão de polícia criminal ou outra entidade policial presenciarem qualquer crime de denúncia obrigatória, levantam ou mandam levantar auto de notícia, onde se mencionem: a) Os factos que constituem o crime; b) O dia, a hora, o local e as circunstâncias em que o crime foi cometido; c) Tudo o que puderem averiguar acerca da identificação dos agentes e dos ofendidos, bem como os meios de prova conhecidos, nomeadamente as testemunhas que puderem depor sobre os factos. Mais determina que o auto de notícia é assinado pela entidade que o levantou e pela que o mandou levantar e é obrigatoriamente remetido ao Ministério Público no mais curto prazo, que não pode exceder 10 dias, e vale como denúncia.

De acordo com o artigo 248.º os órgãos de polícia criminal que tiverem notícia de um crime, por conhecimento próprio ou mediante denúncia, transmitem-na ao Ministério Público no mais curto prazo, que não pode exceder 10 dias.
Dos autos decorre que no âmbito de uma operação conjunta levada a cabo pela Força Aérea, Marinha e Polícia Marítima com vista a dissuadir a presença de embarcações em atividades ilícitas relacionadas com narcotráfico, a Polícia Marítima, que é um órgão de polícia criminal (nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 248/95 de 21 de Setembro, o Estatuto do Pessoal da Polícia Marítima (EPPM), os agentes da Polícia Marítima são órgãos de polícia criminal para efeitos de aplicação da legislação processual penal, sendo os inspetores, subinspetores e chefes autoridades de polícia criminal, assim como os órgãos de comando da PM, como tal definidos e que cumprimento das suas competências de polícia, fiscalizam o cumprimento da lei nas áreas de jurisdição do SAM (Sistema da Autoridade Marítima), preservam a regularidade das atividades marítimas, e garantem a segurança e os direitos dos cidadãos) quando que teve a notícia do eventual transporte de fardos de haxixe via marítima (pelas 20h25 – vide fls. 174), adotou as medidas cautelares de polícia admissíveis e comunicou à Polícia Judiciária (órgão de polícia criminal competente por via do artigo 7.º, n.º 3, al.i) da Lei 49/2008, de 27.8 – vide fls.2, pelas 22h05), que por sua vez deslocou os seus agentes ao Porto de Faro, onde pelas 5h00 do dia 8 de março (fls. 3), foi feita a detenção em flagrante delito (após a confirmação do teste rápido fls.10) e que, de imediato comunicou ao Ministério Público – Diap de Faro (fls. 37 e artigo 264.º, n.º 2 do CPP), às autoridades marroquinas (fls. 33) e às autoridades espanholas (fls.35), tendo, assim, dado origem ao inquérito cuja direção a partir desse momento passou a ser do Ministério Público.
Salvo melhor entendimento, não se vislumbra qualquer nulidade, muito menos a falta de promoção do inquérito pelo Ministério Público prevista no artigo 119.º, al.b) do Código de Processo Penal.

2. Da nulidade da busca à embarcação
Alegam os arguidos que a busca à embarcação decorreu sem qualquer conhecimento ou autorização do titular da ação penal, em violação do disposto no artigo 174.º do Código de Processo Penal e 191.º do Código Penal.
Não restam dúvidas que a direção do inquérito compete ao Ministério Público, assistido pelos órgãos de polícia criminal – cfr. artigo 55.º, 263.º e 264.º, todos do CPP – e só o Ministério Público ou o juiz de instrução criminal podem determinar a realização de buscas – cfr. artigo 174.º n. º3 do CPP.
Todavia, estipula do o artigo 249.º do CPP que:
“1 - Compete aos órgãos de polícia criminal, mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária competente para procederem a investigações, praticar os atos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova.
2 - Compete-lhes, nomeadamente, nos termos do número anterior:
a) Proceder a exames dos vestígios do crime, em especial às diligências previstas no n.º 2 do artigo 171.º, e no artigo 173.º, assegurando a integridade dos animais e a manutenção do estado das coisas, dos objetos e dos lugares;
b) Colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição;
c) Proceder a apreensões no decurso de revistas ou buscas ou em caso de urgência ou perigo na demora, bem como adotar as medidas cautelares necessárias à conservação da integridade dos animais e à conservação ou manutenção das coisas e dos objetos apreendidos.
3 - Mesmo após a intervenção da autoridade judiciária, cabe aos órgãos de polícia criminal assegurar novos meios de prova de que tiverem conhecimento, sem prejuízo de deverem dar deles notícia imediata àquela autoridade.
Estabelece o artigo 251.º do mesmo diploma legal que:
“ 1 - Para além dos casos previstos no n.º 5 do artigo 174.º, os órgãos de polícia criminal podem proceder, sem prévia autorização da autoridade judiciária:
a) À revista de suspeitos em caso de fuga iminente ou de detenção e a buscas no lugar em que se encontrarem, salvo tratando-se de busca domiciliária, sempre que tiverem fundada razão para crer que neles se ocultam objetos relacionados com o crime, suscetíveis de servirem a prova e que de outra forma poderiam perder-se;
b)À revista de pessoas que tenham de participar ou pretendam assistir a qualquer ato processual ou que, na qualidade de suspeitos, devam ser conduzidos a posto policial, sempre que houver razões para crer que ocultam armas ou outros objetos com os quais possam praticar atos de violência.
2 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 174.º
Estas normas legais preveem, expressamente, a possibilidade de os órgãos de polícia criminal poderem atuar a título cautelar e urgente mesmo antes de ser dado conhecimento ao Ministério Público da notícia do crime e de esta autoridade judiciária determinar a realização de buscas.
Dada a necessidade imperiosa de se conservar a prova ( mais concretamente a droga que os arguidos traziam consigo no dia e hora em que foram abordados pela polícia marítima) e impedir a continuação da atividade criminosa ( designadamente impedindo que o produto estupefaciente pudesse chegar a terra e ser disseminado pela população, com as consequências nefastas que isso acarreta para a saúde pública), a atuação das entidade policiais na busca à embarcação em que os arguidos circulavam foi lícita nos termos do disposto no artigo 251.º do CPP.
Por fim, há que assinalar, tal como já fora referido em sede de decisão instrutória, que a busca realizada a título cautelar pela entidade policial não era uma busca domiciliária, que os arguidos foram detidos em flagrante delito e que existiam indícios fortes de que a embarcação em causa possuía droga no seu interior (o que, previamente, foi atestado pela operação conjunta da Força Aérea, Marinha e Polícia Marítima que atuaram de forma concertada e no âmbito das suas competências funcionais), resultando, igualmente, claro que, caso não tivesse existido, uma atuação célere naquele momento, esses elementos probatórios não seriam conservados. E, por fim, tal como referido em sede de decisão instrutória, mal se compreenderia que as entidades policiais, avistando uma embarcação carregada de produtos estupefacientes nada fizessem para acautelar, de imediato, a sua preservação, não só para efeitos probatórios como também por uma questão de segurança e saúde pública.
Por conseguinte, não se verifica qualquer nulidade quanto à busca à embarcação.

3. Da falta de intérprete e de defensor
Alegam os arguidos que, atenta a sua nacionalidade, não falam nem percebem a língua portuguesa, que foram abordados, manietados e conduzidos para Faro sem que lhes fosse dada uma explicação, justificação ou informados de quaisquer dos seus direitos, pois aquando das diligências levadas a cabo pela Polícia Marítima e pela Polícia Judiciária não esteve presente qualquer intérprete nem lhes foi nomeado defensor, em clara violação da Diretiva 2013/13/EU e da Diretiva 2013/48/EU, do artigo 64.º, n.º 1 e 92.º, n.º 2 do 2 do CPP, o que constitui nulidade nos termos do artigo 120.º, n.º 2, al.c) e 119.º, al.c), respetivamente, ambas do CPP e que, consequentemente, determinam a nulidade de todos os atos subsequentes.
Relativamente a esta questão, foi a mesma sobejamente analisada e tratada em sede de decisão instrutória, a cuja fundamentação aderimos e que passamos a transcrever:
“(…) não vislumbramos qualquer incumprimento das referidas diretivas comunitárias nem do Código de Processo Penal. Neste sentido, refira-se que os artigos 3.º e 4.º das Diretivas 2013/13/EU estabelecem, efetivamente que os suspeitos de uma infração penal devem receber prontamente informações sobre os seus direitos processuais, designadamente, para o que aqui nos interessa, o direito de assistência a advogado, o direito a aconselhamento jurídico gratuito e o direito à interpretação e tradução, bem como o direito ao silêncio, devendo ainda ser facultada a Carda dos Direito Fundamentais da União Europeia. Por seu turno, o artigo 3.º da Diretiva 2013/48/EU prevê que os Estados Membros devem assegurar que os suspeitos e acusados tenham direito de acesso a um advogado em tempo útil e de forma a permitir-lhes exercer de forma efetiva os seus direitos, devendo esse acesso ocorrer sem demoras justificadas. O nosso Código Penal prevê no seu artigo 64.º a obrigatoriedade de assistência de defensor a) Nos interrogatórios de arguido detido ou preso; b) Nos interrogatórios feitos por autoridade judiciária; c) No debate instrutório e na audiência; d) Em qualquer ato processual, à exceção da constituição de arguido, sempre que o arguido for cego, surdo, mudo, analfabeto, desconhecedor da língua portuguesa, menor de 21 anos, ou se suscitar a questão da sua inimputabilidade ou da sua imputabilidade diminuída. No que se reporta, à alegada falta de defensor nas diligências realizadas pelos órgãos de polícia criminal competentes, dúvidas não podem existir de que o direito a ser assistido por defensor é um direito fundamental que não pode ser coartado (artigo 20.º n. º2 e 32.º n. º3 da CRP). Quanto aos atos de constituição de arguidos, o próprio artigo 64.º do CPP prevê que a mesma possa ocorrer sem a presença do defensor (vide n. º1 al. d) da referida norma legal) pelo que, nesse ato processual, nenhuma questão se coloca quanto à eventual presença ou não dos defensores dos arguidos. No que concerne às buscas (cautelares) realizadas pelo órgão de polícia criminal competente, cuja validade é indiscutível, conforme já se assinalou supra, considerando que, no momento, em que estas foram efetuadas, não tinham ainda sido ainda os então suspeitos constituídos como arguidos, não se mostrava essencial que nas mesmas os arguidos estivessem assistidos pelos seus defensores, na medida em que nessa altura estes não tinham sequer o estatuto de arguidos, mas apenas de suspeitos, salientando-se, por outro lado, que as buscas e apreensões efetuadas pela polícia na embarcação dos arguidos não enquadram a noção de um ato judicial nos termos em que se encontra descrito no artigo 92.º n.º2 do CPP – neste sentido, veja-se o Ac. do TRL de 15-06-2021, relativo ao processo n.º 5/19.8ZCLSB-C.L1-9, disponível em www.dgsi.pt. De resto, compulsados os autos, não se pode afirmar que a nomeação de defensor aos arguidos tenha sido protelada de forma injustificada por parte do órgão de polícia criminal e pelo Ministério Público de forma a não respeitar aquilo que se encontra prescrito no artigo 3.º da Diretiva 2013/48/EU. Com efeito, se atendermos ao despacho de fls. 55 proferido pelo titular do inquérito, que foi proferido, logo no dia seguinte ao da detenção dos arguidos, constatamos que a primeira diligência que foi por si determinada foi, precisamente, a nomeação de defensores oficiosos e intérpretes aos arguidos. Quanto à falta de intérprete no momento em que o órgão de polícia criminal procedeu à realização de buscas e procedeu à apreensão do produto estupefaciente, acrescente-se ainda para além daquilo que já se expôs quanto à obrigatoriedade de estar presente o defensor que tem total aplicação nesta sede ( vide o já citado Ac. do TRL de 15-06-2021, relativo ao processo n.º 5/19.8ZCLSB-C.L1-9, disponível em www.dgsi.pt), cumpre ainda assinalar que a arguição desta nulidade se afigura extemporânea, já não sendo possível invocá-la nesta fase do processo. Efetivamente, sendo a nulidade em causa sanável nos termos do disposto do artigo 120.º n. º2 c) e 121.º do CPP, a mesma deveria ter sido arguida até ao termo das diligências efetuadas pelo órgão de polícia criminal, no primeiro interrogatório dos arguidos detidos ou, no prazo de 10 dias após essa diligência processual (cfr. Ac. do STJ de 14-12-2016, referente ao processo n.º 303/14.7JELSB.E1. S1 e Ac. do TRC de 14-01-2009, ambos disponíveis em www.dgsi.pt). Por fim, não é de mais sublinhar que, mais uma vez, o Ministério Público no despacho de fls. 55 determinou que fossem nomeados intérpretes aos arguidos e que no primeiro interrogatório dos mesmos, esses intérpretes compareceram ( no mesmo dia) pelo que os arguidos tiveram a oportunidade de se inteirar, na sua totalidade, dos factos que lhe eram imputados e da prova que se encontrava nos autos na sua língua nativa de modo a poderem, caso assim entendessem, prestar declarações e refutar os elementos indiciários recolhidos nestes autos”.
Donde, improcedem igualmente as invocadas nulidades.
Posto isto.

No que concerne aos factos provados o Tribunal a convicção do Tribunal decorre essencialmente da confissão dos arguidos, que esclareceram ao Tribunal terem sido contactados para efetuar um transporte de haxixe com destino a Cádis, que iriam receber € 10,000,00 cada um por esse transporte, e que o aceitaram fazer devido a dificuldades económicas, esclarecendo ainda que apenas se conheceram no dia em que embarcaram, que várias pessoas ajudaram a colocar os fardos na embarcação e sobre que objetos tinham na sua posse nessas circunstâncias e quais se encontravam na embarcação para auxiliar ao transporte. Os arguidos apresentaram, todavia, versões contraditórias quanto à motivação para terem voltado a rumar no sentido de Marrocos e não de Cádis. O arguido K referiu que decidiram voltar para trás porque estavam como medo e com frio; o arguido M referiu que estavam com medo e que falaram com a pessoa que os deixou na embarcação em Tânger a qual lhes disse para voltarem para trás, sendo que foi essa pessoa que lhes telefonou para o telefone que estava no barco, mas não sabe quem atendeu; o arguido L referiu que a determinada altura ficaram com medo de que na aproximação a Cádis aparecesse um barco da polícia, não se recordando quem disse que deveriam voltar para trás, sendo que não sabia o que fazer quando chegassem novamente a Tânger, porque tinha muito medo; mais referiu que estavam a navegar quando foram abordados embora desconhecesse em que sentido; por fim, o arguido S referiu que quando iam para Cádis, quatro a cinco horas antes de serem abordados, viram um barco da polícia espanhola e, em conjunto, decidiram voltar para trás, e iam deixar a lancha com os fardos em Marrocos novamente, sendo que nunca teve a impressão de estarem a ser perseguidos e estavam parados no momento em que foram abordados porque estavam a decidir onde deixar a lancha. Ora, salvo melhor entendimento, não se coaduna com as regras da experiência que, quatro pessoas que aceitam fazer um transporte de mais de três mil quilos de cannabis, que estão próximo de chegar ao seu destino, onde vão receber € 10.000,00 cada, por medo, decidam regressar a Marrocos. Não se mostra igualmente verosímil que as pessoas que os encarregaram do transporte, por misericórdia, os tenham mandado regressar. A única explicação razoável para o regresso a Marrocos foi efetivamente os arguidos se terem apercebido do meio aéreo da força aérea, o que explica a trajetória de fuga acompanhada pelas lanchas da marinha e da polícia marítima, conforme mapa das rotas das embarcações junto em audiência de julgamento. Sem prejuízo, os arguidos confessaram a operação de transporte de cannabis e os seus contornos.
As declarações confessórias dos arguidos foram conjugadas com o teor da comunicação da notícia do crime, constante a fls. 2, do auto de notícia e detenção de fls. 3 a 9, dos autos de teste rápido, pesagem e apreensão de fls. 10 e 11, do relatório de fls.39 a 47 e do auto de notícia de fls. 174. Foram ainda valorados os depoimentos das testemunhas J e T, inspetores da Polícia Judiciária, tendo o primeiro referido estar no Porto de Faro aquando da chegada dos arguidos para os receber e assegurar a realização de todos os atos processuais, e o segundo referido ter elaborado o auto de notícia de fls. 3 de acordo com a informação recolhida por todos os intervenientes e formalizado a detenção dos arguidos.
Foi também valorado o depoimento da testemunha O, Segundo Comandante Regional da Polícia Marítima do Algarve, que esclareceu tratar-se de uma ação de rotina que é levada a cabo pela Marinha, Polícia Marítima e Força Aérea em colaboração, no decurso da qual foi avistada e abordada uma embarcação suspeita de ter estupefaciente, confirmando o teor do auto de notícia de fls. 174. Esclareceu que avistada a embarcação pela Força Aérea quem dá a ordem de abordagem é o coordenador da operação [centro de operações da Polícia Marítima] e que nesse momento dá conhecimento do local onde se encontra a embarcação para que as lanchas da Polícia Marítima e da Marinha se possam dirigir àquela. O depoimento desta testemunha foi conjugado com o documento exibido pela mesma em audiência de julgamento e que retrata a rota da embarcação e das lanchas da PM e da Marinha, e cuja junção aos autos foi ordenada pelo Tribunal – referência citius 132443927.
A testemunha C, agente da Polícia Marítima referiu que se encontrava a bordo da embarcação da Polícia Marítima, identificada por “Fénix” e não caracterizada e que lhe foi dada ordem para ir ao encontro de uma embarcação, tendo-lhe sido para o efeito indicadas as coordenadas registadas pela Força Aérea que avistara a embarcação e que ao longo de todo o caminho foi indicando o trajeto pois era noite, não tinham radar, nem visualizavam a embarcação. Mais referiu que foi acompanhado de uma embarcação da Marinha onde seguiam fuzileiros e que quando chegaram à embarcação suspeita a mesma encetou a fuga, tendo sido efetuada uma perseguição de 10 a 15 minutos, sendo que ia recebendo a informação que a embarcação suspeita estava em movimento para sul. Esclareceu igualmente que as coordenadas do local da abordagem foram dadas pelo meio aéreo, e que por via das manobras realizadas um dos motores da embarcação suspeita parou. Não obstante, esclareceu, que depois de retirada alguma carga, a embarcação não precisou de reboque para o Porto de Faro.
No que respeita à localização da embarcação aquando do seu avistamento e da sua abordagem e interceção, para além do teor do auto de notícia de fls. 174, do teor do documento junto em audiência [referência citius 132443927] foram ainda considerados os documentos de fls. 736 a 744, 769 a 786, de fls. 892 a 896, juntos a cores em audiência de julgamento, as informações do Instituto Hidrográfico de fls. 910 verso a 914, a informação do Comando Loca de Faro da Polícia Marítima de fls. 922 e 923, as informações da Polícia Judiciária de fls. 966 e 976 e a informação da Força Aérea de fls. 986, das quais decorre de forma inequívoca como foram obtidas as coordenadas indicadas pela Força Aérea Portuguesa no momento do avistamento e no momento da abordagem à embarcação onde seguiam os arguidos e os mapas gráficos correspondentes à localização no mar de tais coordenadas.
Relativamente à quantidade e qualidade do estupefaciente apreendido foi tido em consideração o exame pericial de fls. 427 a 434.
No que respeita aos demais objetos apreendidos foram tidos em consideração o auto de apreensão de fls. 18 e respetiva reportagem fotográfica de fls. 19 e 20, o auto de apreensão de fls. 27/28 e 29 e respetiva reportagem fotográfica de fls. 30, o auto de apreensão de fls. 147 e os autos de exame e avaliação de fls. 171 e 265 a 268.
Quanto ao destino dos telemóveis e demais equipamentos apreendidos na embarcação, decorre das próprias declarações dos arguidos que já se encontravam na embarcação e se destinavam a ser usados no transporte, com exceção dos seus telefones pessoais e quantias monetárias que traziam consigo. Com efeito, os arguidos iam receber 10.000,00 em Cádis, teriam meios para regressar a casa e comprar alimentação, levavam combustível na embarcação, não iam comprar comida em alto mar e existiam vários telemóveis no barco, pelo que não há razões para pôr em causa as declarações dos arguidos.
No que respeita ao conhecimento e vontade dos arguidos, decorre da confissão dos mesmos, que de forma inequívoca relevaram saber que iriam fazer um transporte de droga via mar mediante a promessa de uma contrapartida de € 10.000,00.
Por fim, no que respeita às condições pessoais e antecedentes criminais dos arguidos, foram tidos em consideração os relatórios sociais de fls. 982, 988, 1004 e 1010 e os certificados de registo criminal de fls. 936, 937, 940 e 943.
*
4. Enquadramento Jurídico Penal
Aos arguidos é imputada a prática, em coautoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à Tabela I-C anexa a esse diploma legal e Portaria n.º 94/96, de 26 de março, conjugado com o artigo 26.º do Código Penal.
Antes de mais, cumpre apreciar a questão da incompetência da intervenção das autoridades policiais portuguesas e dos Tribunais Portugueses para o julgamento dos arguidos, suscitada pelos arguidos.
Nos autos resultou provado que no dia 07 de março de 2023, pelas 16 horas e 30 minutos, a cerca de 60 milhas náuticas a Sueste do Guadiana e cerca de 25 milhas náuticas de Cádis, nas coordenadas latitude 36º 19´N e longitude 006º 44´W, os arguidos foram avistados a bordo de uma embarcação semirrígida, com doze metros de comprimento, sem qualquer identificação ou inscrição, com três motores de fora de bordo, de 300HP V6, da marca Yamaha, e que pelas 20 horas e 25 minutos desse mesmo dia, os arguidos foram abordados e intercetados pelas autoridades nacionais a cerca de 100 milhas náuticas a Sul/Sueste do Guadiana e da Barra de Faro, nas coordenadas latitude 35º 39´N e longitude 006º 36´W, e, confirmando-se a posse de 106 fardos contendo cannabis, foram conduzidos ao Porto de Faro.
Do documento de fls. 769 a 786 e, em consonância com o disposto nos artigos 3.º, 33.º, 55.º e 57.º da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), que Portugal, Espanha e Marrocos reclamaram como largura do seu Mar Territorial 12 milhas náutica, da sua Zona Contígua 24 milhas náuticas e da sua Zona Económica Exclusiva 200 milhas náuticas, sendo que os três países empregam sistemas de linhas base retas ao longo ou em parte da costa.
Não havendo qualquer fundamento para pôr em causa a informação do Instituto Hidrográfico de fls.913 e 914, e a respetiva representação gráfica que daí resulta e que é consentânea com a imagem de fls. 7 junta ao auto de notícia e com o mapa da rota das lanchas junto em audiência [referência 132443927], não restam dúvidas que a embarcação é avistada pela Força Aérea Portuguesa no limite entre a zona contígua espanhola e a ZEE espanhola e abordada pela Polícia Marítima na ZEE marroquina.
Assistindo inteira razão aos arguidos quanto à localização da embarcação, cremos que não lhes assiste razão quanto à consequência que daí extraem.
No que concerne ao avistamento da embarcação em águas espanholas.
Nos termos do disposto no artigo 17º da Convenção das Nações Unidas contra o tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº 29/91, de 06/09, e ratificada por Decreto do Presidente da República n.º 45/91, de 06/09, com a epígrafe de "Tráfico ilícito por mar”:
«1 - As Partes cooperam o mais amplamente possível para eliminar o tráfico ilícito por mar, em conformidade com o direito internacional do mar.
2-A Parte que tenha motivos razoáveis para suspeitar que um navio com o seu pavilhão, ou sem qualquer pavilhão ou matrícula, é utilizado para o tráfico ilícito, pode solicitar auxílio às outras Partes a fim de pôr termo a essa utilização. As Partes assim solicitadas prestam essa assistência no limite dos meios de que dispõem.
3-A Parte que tenha motivos razoáveis para suspeitar que um navio no uso da liberdade de navegação de acordo com o direito internacional e que arvore o pavilhão ou tenha matricula de uma outra Parte é utilizado para o tráfico ilícito, pode notificar desse facto o Estado do pavilhão e solicitar a confirmação da matrícula; se esta for confirmada, pode solicitar ao Estado do pavilhão autorização para adotar as medidas adequadas em relação a esse navio.
4-De acordo com o n.° 3 ou com os tratados em visor entre as Partes ou com qualquer outro acordo ou protocolo por elas celebrado, o Estado do pavilhão pode autorizar o Estado requerente a, inter alia:
a)Ter acesso ao navio:
b)Inspecionar o navio:
c)Se se descobrirem provas de envolvimento no tráfico ilícito, adotar medidas adequadas em relação ao navio, às pessoas e à carga que se encontrem a bordo. (…)
9-As Partes devem considerar a possibilidade de celebrar acordos ou protocolos bilaterais ou regionais com vista a dar aplicação às disposições do presente artigo ou a reforçar a sua eficácia.
10-As medidas adotadas nos termos do n.° 4 do presente artigo só são aplicáveis por navios de guerra ou aeronaves militares ou quaisquer outros navios ou aeronaves devidamente assinalados e identificáveis como navios ou aeronaves ao serviço de um governo e autorizados para esse fím. (…)»
Ao abrigo deste mecanismo internacional foi celebrado o Tratado entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha para a Repressão do Tráfico ilícito de Droga no Mar, aprovado para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 9/2000, de 28/01 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 2/2000, de 28/01 em que as partes contratantes se obrigam a prestar-se mutuamente a mais ampla cooperação possível com vista à eliminação do tráfico ilícito por mar de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, em conformidade com o direito internacional do mar.
Dispõe o artigo 4.º do referido tratado, com a epígrafe “Direitos das Partes” que:
“1 — No caso de suspeita fundada da prática de alguma das infrações referidas no artigo 1.º, cada Parte reconhece à outra um direito de representação que legitima a intervenção dos seus navios de guerra ou aeronaves militares ou outros navios ou aeronaves com sinais exteriores bem visíveis ou identificáveis de que estão ao serviço do Estado e devidamente habilitados para o efeito sobre os navios do outro Estado que se encontrem a operar fora das suas águas territoriais.
2 — No exercício do direito de representação a que se refere o n.º 1, os navios ou aeronaves oficiais poderão perseguir, parar e abordar o navio, verificar os documentos, interrogar as pessoas que se encontrem a bordo e, se existirem fundadas suspeitas de infracção, inspeccionar o navio e, se constatada, proceder à apreensão da droga, à detenção das pessoas presumivelmente infractoras e à condução do navio para o porto mais próximo ou mais adequado à sua imobilização, até à sua eventual devolução. (…)
Dispõe o artigo 5.º, com a epígrafe “Intervenção” que:
“1 — Sempre que existirem fundadas suspeitas de que um navio se está a dedicar ao tráfico ilícito, comunicar-se-á esse facto ao Estado do pavilhão, o qual responderá, no mais breve prazo possível, que não deverá, em princípio, exceder as quatro horas seguintes à receção do pedido, transmitindo as informações de que dispuser a respeito desse navio.
2— Se essas informações confirmarem as suspeitas do Estado interveniente, poder-se-á efetuar uma intervenção a bordo, praticando-se os atos previstos no artigo 4.º. Se a intervenção não for iminente, comunicar-se-á a intenção de a iniciar à autoridade competente do Estado do pavilhão, a qual responderá, na medida do possível, num prazo máximo de quatro horas seguintes à receção do pedido, autorizando-a ou recusando-a.
3— Se, porém, em função das circunstâncias, não for possível obter essa autorização prévia em tempo útil, poder-se-ão praticar os atos previstos no artigo 4.º após o que o comandante do navio ou da aeronave oficial comunicará imediatamente a sua atuação à autoridade competente do Estado do pavilhão. (…)
Por fim, dispõe o artigo 8.º, com a epígrafe “Autoridades competentes” que:
“1- Sem prejuízo das atribuições genéricas dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros de ambas as Partes, as comunicações previstas no presente Tratado decorrem, em regra, entre Ministérios da Justiça.
2-Em caso de especial urgência, as autoridades competentes do Estado de intervenção podem dirigir-se diretamente ao Ministério da Justiça do Estado do pavilhão ou às autoridades competentes indicadas por este Ministério.
3-As Partes designam, por troca de notas, oficiais de ligação e as autoridades competentes para os fins do presente Tratado».
Por conseguinte, a Força Aérea Portuguesa, que se encontrava numa operação conjunta com a Marinha e a Polícia Marítima no sentido da repressão do tráfico de estupefacientes por mar, avistou uma embarcação suspeita (face aos fardos que transportava) a navegar a 25 milhas náuticas de Cádis e suscitou a intervenção da Marinha e da Polícia Marítimas Portuguesas, intervenção essa legitimada pelos referidos normativos legais.
Sucede que desde o avistamento até à abordagem a embarcação esteve em movimento e retornou no sentido de Marrocos (vide mapa da rota das embarcações suspeita, da Polícia Marítima e dos Fuzileiros – referência citius 132443927 – mapa 7), já no momento em que as embarcações da Polícia Marítima e da Marinha vão no seu encalce e, no momento da interceção, já se encontram na Zona Económica Exclusiva Marroquina, como efetivamente, desde o início afirmaram os arguidos.
A ZEE surge na Convenção do Direito do Mar como um espaço marítimo no qual se aplica um regime específico (cfr. art. 55.º).
A ZEE surge no seguimento dos esforços desenvolvidos desde o final da Segunda Grande Guerra, no sentido da extensão da autoridade dos Estados sobre vastos espaços marítimos junto às suas costas. Este movimento fundou-se na consciencialização das novas potencialidades e dos novos riscos resultantes, quer do progresso tecnológico — designadamente a possibilidade do aproveitamento económico dos recursos naturais do leito e do subsolo do mar e o perigo da exaustão dos recursos vivos —, quer do aumento do número das potências marítimas, em resultado da descolonização.
Historicamente, a ZEE representa um compromisso entre Estados costeiros, desejosos de assumir o controlo da conservação e do aproveitamento dos recursos naturais junto às suas costas, e outros Estados, principalmente interessados em ver assegurados uma ampla liberdade de navegação.
Nos planos político-económico e político-jurídico, é um conceito que condensa a repartição dos benefícios resultantes da utilização do mar numa determinada faixa. A premência dos interesses subjacentes à discussão do conceito de ZEE na CNUDM III determinou que numerosos Estados costeiros reivindicassem ZEE's com base apenas nos consensos mínimos verificados no seio daquela Conferência, contribuindo, desse modo, para a formação de uma nova regra consuetudinária: a permissão de estabelecer uma ZEE adjacente ao mar territorial, com uma largura máxima de 200 milhas, em que seja reservado ao Estado costeiro o aproveitamento económico do mar, respetivo leito e subsolo e a camada aérea sobrejacente, exceto enquanto via de comunicação. Muitos outros Estados reagiram às limitações que o estabelecimento destas ZEE's implicou para os seus interesses e no sentido de assegurar uma posição negocial forte, alargando as suas ZEEP's.
A CDM (adotada pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar III) já depois da criação de várias ZEE's prevê a ZEE como um espaço marítimo adjacente ao mar territorial do Estado costeiro, submetido a um regime específico tendente a estabelecer uma relação equilibrada entre os poderes do Estado costeiro e os dos outros Estados no mesmo espaço.
A ZEE, nos termos da CDM, abrange o mar, o respetivo leito e o seu subsolo e a camada aérea sobrejacente numa faixa adjacente ao mar territorial que não se estenderá além de 200 milhas marítimas das A ZEE, nos termos da CDM, abrange o mar, o respetivo leito e o seu subsolo e a camada aérea sobrejacente numa faixa adjacente ao mar territorial que não se estenderá além de 200 milhas marítimas das linhas de base a partir das quais se mede a largura do mar territorial.
Os poderes do Estado costeiro na sua ZEE analisam-se fundamentalmente em direitos de soberania para fins de exploração e aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais e no que se refere a outras atividades com vista à exploração e aproveitamento da zona para fins económicos e em jurisdição referente à colocação e utilização de ilhas artificiais, instalações e estruturas, à investigação científica marinha e à proteção e preservação do meio marinho. O alcance sistemático desta distinção parece residir na amplitude dos poderes reconhecidos ao Estado costeiro: no caso dos direitos de soberania, este goza de uma competência exclusiva e sem mais restrições do que aquelas expressamente previstas; no tocante à jurisdição, verifica-se a remissão para regimes especiais em que a competência do Estado costeiro só existe nos precisos termos em que esteja prevista.
A estrutura dos poderes do Estado costeiro no âmbito das suas jurisdições funcionais indicia uma ideia de complementaridade entre estas e os direitos soberanos: o aproveitamento económico da ZEE pelo Estado costeiro deve ser apoiado pela necessária informação e por uma efetiva capacidade de defesa. Os outros Estados gozam na ZEE de um Estado costeiro das liberdades de navegação e sobrevoo e de colocação de cabos e duetos submarinos, bem como de outros usos do mar internacionalmente lícitos relacionados com estas liberdades, i.e., podem exercer todas as atividades ligadas às comunicações internacionais. O regime específico da ZEE procura assegurar uma repartição das utilidades do mar nessa zona — enquanto reservatório de riquezas, deve aproveitar principalmente ao Estado costeiro; enquanto via de comunicação, mantém-se aberto a todos os Estados — prevendo um sistema de distribuição de competências estruturado na base de «direitos de soberania» e de «liberdades» e coordenado a partir de regras de boa conduta (consideração recíproca dos direitos e deveres de outros Estados) e de regimes especiais respeitantes a certos atividades (i. e. os casos de jurisdição referidos no art. 56/1 b da CDM). Por isso, diversamente do que acontece no mar territorial ou no alto mar em que o direito aplicável a cada caso depende do próprio espaço (jurisdição territorial) ou da nacionalidade das pessoas (jurisdição pessoal), respetivamente, na ZEE o facto determinante da competência dos Estados é a atividade concretamente desenvolvida (jurisdição funcional).
Os poderes atribuídos aos Estados costeiros e aos outros Estados no espaço marítimo correspondente à ZEE cobrem todos os aspetos do seu aproveitamento económico designadamente enquanto reservatório de riquezas e vias de comunicação. Quanto às utilizações com outros fins, nomeadamente militares ou outros igualmente não previstos, há que integrar o regime específico da ZEE recorrendo à equidade e considerando a importância dos interesses em causa para as partes e para o conjunto de comunidade internacional.
No que respeita aos deveres do Estado costeiro correlativos dos novos poderes, há que distinguir as obrigações gerais de respeitar as liberdades dos outros Estados, de deveres especiais em matéria de acesso aos recursos, uma vez que as primeiras, ao contrário das segundas, encontram perfeita correspondência nos modelos consuetudinários. Com efeito, no domínio da definição das condições de acesso de embarcações estrangeiras para pescar na sua ZEE, a prática dos Estados costeiros, sem deixar de reconhecer obrigações de carácter geral referentes à conservação dos recursos vivos do mar e à respetiva utilização ótima, tem-se orientado pelos respetivos interesses nacionais não se sentindo vinculada por quaisquer regras especiais relativas a determinado tipo de Estado.
A ZEE é, do ponto de vista dogmático, um espaço marítimo de jurisdição funcional, essencialmente distinto do mar territorial e do alto mar, subordinada a um regime jurídico que representa o quadro de acomodação de várias utilizações do mar ordenado à repartição dos respetivos benefícios entre o Estado costeiro e os outros Estados. Os poderes e deveres de cada Estado na ZEE, embora estruturalmente idênticos àqueles que são exercidos no mar territorial ou no alto mar, conexionam-se com determinadas atividades que têm de coexistir no mesmo espaço, e em resultado dessa necessidade de acomodação recíproca, ficam sujeitos a uma particular forma de compressão.
Neste sentido, A Zona Económica Exclusiva: um novo conceito no direito internacional do mar, Pedro Machete, artigo publicado e acessível através do seguinte link https://journals.ucp.pt/index.php/direitoejustica/article/download/10758/10401.
A repressão do tráfico de droga por mar obedece a dois regimes bem distintos no direito do mar, cujos pressupostos gerais são estabelecidos pela CNUDM, na sua vocação de “Constituição dos Oceanos”. Em primeiro lugar, há o regime aplicável nas águas territoriais, sobressaindo, quanto ao mar territorial, o disposto no artigo 27.º da CNUDM. Dentro das águas territoriais, a jurisdição do Estado do pavilhão cede, dando-se prevalência à jurisdição do Estado costeiro. Em segundo lugar, para lá do limite exterior do mar territorial, o regime que governa é o do alto mar, constante dos artigos 108.º e 110.º da CNUDM, onde impera a jurisdição do Estado do pavilhão.
Ultrapassada a fronteira do mar territorial, em matéria de tráfico de droga a bordo de embarcações estrangeiras o conceito de zona económica exclusiva não tem qualquer expressão. Por força do n.º 2 do artigo 108.º da CNUDM, toda a área da ZEE é governada pelo regime dos crimes internacionais praticados no alto mar, aspeto que concorre para a afirmação comum de que na área da ZEE é aplicável um regime de natureza híbrida, que tanto favorece a jurisdição do Estado costeiro (disposições da ZEE), como a jurisdição do
Estado do pavilhão (disposições do alto mar), consoante a matéria de que se trate, por exemplo, respetivamente, aproveitamento económico de recursos ou repressão de crimes marítimos. Assim, para efeitos de repressão do tráfico de droga a bordo de embarcações estrangeiras o alto mar começa ultrapassado o limite exterior do mar territorial, facto que convoca a aplicação em exclusivo das regras de jurisdição extraterritorial.
Nos termos do artigo 108.º da CNUDM, todos os Estados devem cooperar para a repressão do tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas praticado por navios no alto mar com violação das convenções internacionais.
Por outro lado, o artigo 110.º da mesma convenção dispõe que o direito de visita e de verificação do pavilhão da embarcação estrangeira pode ser exercido em relação a um navio em relação ao qual exista motivo razoável para suspeitar que o “navio não tem nacionalidade”. O conceito de navio sem nacionalidade materializa-se numa de três situações: a) o navio não arvora qualquer pavilhão nem tem qualquer registo, ou o que reclama é inválido; b) o navio exibe sinais exteriores de possuir nacionalidade (pavilhão), mas questionado o Estado em causa, a nacionalidade é refutada; c) nos termos do n.º 2 do artigo 29.º da CNUDM, o navio navega sob a bandeira de dois ou mais Estados, utilizando-as segundo as suas conveniências.
Sem prejuízo da notificação aos Estados da nacionalidade dos suspeitos detidos, a interpretação comum é a de que um navio sem nacionalidade pode ser apresado por qualquer Estado e não goza de proteção de ninguém. Ou seja, qualquer Estado pode estender a sua jurisdição a um navio sem nacionalidade, mas esta intenção deve estar desejavelmente expressa no direito interno ou, se não, pelo menos assimilada a prática das autoridades com poderes de ação no mar e dos tribunais. No caso do tráfico de droga, o exercício da jurisdição sobre navios sem nacionalidade está facilitado pela Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias
Psicotrópicas, assinada em Viena em 1988 (aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 21/91, de 6 de setembro) e a prática seguida pelos Estados.
A importância desta convenção está patenteada no facto de congregar 191 partes, entre elas a União Europeia, ou seja, quase todos os Estados do Mundo. Esta convenção desenvolve o princípio da cooperação estabelecido no artigo 108.º, n.º 1 da CNUDM e tem o importante efeito de atenuar as consequências negativas da omissão do tráfico de droga no artigo 110.º da CNUDM, relativamente ao direito de visita em alto mar, bem como da exclusividade de jurisdição do Estado da bandeira. A este respeito são fundamentais o artigo 17.º sobre o tráfico ilícito por mar e o artigo 4.º sobre o âmbito da jurisdição penal.
Note-se que o artigo 17.º só tem relevo no alto mar, atendendo a que no mar territorial prevalece o regime do artigo 27.º da CNUDM que, no n.º 1, al. d) atribui a jurisdição ao Estado costeiro.
Decorre do artigo 17.º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas (Resolução da Assembleia da República n.º 21/91, de 6 de setembro), que as partes cooperam o mais amplamente possível para eliminar o tráfico ilícito por mar, em conformidade com o direito internacional do mar; que a parte que tenha motivos razoáveis para suspeitar que um navio com o seu pavilhão, ou sem qualquer pavilhão ou matrícula, é utilizado para o tráfico ilícito, pode solicitar o auxílio às outras partes para pôr fim a essa utilização; que de acordo com os tratados em vigor ou acordo ou protocolo celebrado entre as partes, o Estado do Pavilhão pode autorizar o Estado requerente a ter acesso ao navio, inspecionar o navio e se se descobrirem provas de envolvimento no tráfico ilícito, a adotar medidas adequadas em relação ao navio, às pessoas e à carga que se encontra a bordo.
Por via deste preceito ultrapassa-se a ideia de jurisdição exclusiva do Estado do pavilhão, permitindo-se sob certas condições, a sua representação a bordo por outros Estados e uma eventual renúncia ao exercício da jurisdição penal (n.º 3, 4 e 6), focando-se sobretudo em fixar um procedimento que viabiliza o exercício da “jurisdição de polícia” – poderes de fiscalização (reconhecimento, abordagem e visita) – por outros Estados em representação do Estado do pavilhão e, subtilmente, deixa também aberta a possibilidade de, estando dois Estados (o interveniente e o do pavilhão) habilitados pelo direito interno ao exercício subsequente da ação penal, o Estado do pavilhão renunciar à sua jurisdição contenciosa (competência judicativa) preferencial (n.º 4 e 6). O que é confirmado pelo artigo 4.º, n.º 1, b), ii) da mesma Convenção.
Relevante, para o caso concreto, é que o n.º 2 do artigo 17.º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas equipara os navios sem qualquer pavilhão aos navios que arvoram bandeira, encorajando os Estados a estenderem a sua jurisdição às embarcações sem nacionalidade.
Em Portugal não encontramos um quadro legal ou regulamentar que aplique internamente o disposto no artigo 17.º da referida convenção, todavia a Lei n.º 34/2006, de 28 de julho determina a extensão das zonas marítimas sob soberania ou jurisdição nacional e os poderes que o Estado Português nelas exerce, bem como os poderes exercidos no alto mar. Este pode ser exercido quando, relativamente a navios estrangeiros, o Estado Português “tiver jurisdição em conformidade com o direito internacional (artigo 18.º, al. b). Em conjunto com o artigo 3.º da mesma lei, que remete para uma interpretação conforme com o disposto na CNUDM, este acervo normativo confere jurisdição às autoridades portuguesas para visitarem embarcações sem nacionalidade e embarcações estrangeiras envolvidas no tráfico de droga, neste último caso, mediante autorização do Estado do Pavilhão nos termos que forem fixados por via bilateral ou multilateral. Os artigos 19.º e 20.º da Lei n.º 34/2006 regulam, depois, o procedimento da visita a bordo e o apresamento do navio, no demais aplicando-se as normas constantes do Decreto Lei n.º 15/93, de 22.01 e o regime geral do processo penal (artigo 51.º do Dec. Lei 15/93).
No que toca ao exercício da jurisdição penal em matéria de tráfico de droga, as opções do legislador português estão expressas nos artigos 48.º e 49.º do Decreto Lei n.º 15/93, de 22.01. Do artigo 48.º resulta a aplicação subsidiária do disposto no artigo 4.º (jurisdição territorial) e no artigo 5.º (jurisdição extraterritorial) do Código Penal.
Com efeito, nos termos do n.º 2 do artigo 5.º do Código Penal, a lei penal portuguesa é ainda aplicável a factos cometidos fora do território nacional que o Estado Português se tenha obrigado a julgar por tratado ou convenção internacional.
E, nos termos do artigo 49.º, al. b) do Decreto Lei 15/93, de 22.01 a lei penal portuguesa é aplicável a factos cometidos fora do território nacional quando praticados a bordo de navio contra o qual Portugal tenha sido autorizado a tomar as medidas previstas no artigo 17.º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988.
Em suma, está facilitado o exercício da jurisdição penal em relação a cidadãos estrangeiros no caso de embarcações sem nacionalidade, mesmo que intercetadas em alto mar (cujas regras são aplicáveis à ZEE) devido ao facto de o n.º 2 do artigo 17.º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988 as equiparar às embarcações que arvoram o pavilhão do Estado que faz a abordagem, visita e pratica os atos de autoridade a bordo.
Parece poder estender-se a jurisdição territorial àquele tipo de embarcações, no nosso caso constante da alínea b) do artigo 4.º do Código Penal, ou considerar-se que o agente se encontra em Portugal para os efeitos da alínea a) do artigo 49.º do Decreto Lei n.º 15/93, de 22.01. A interpretação é confortada pelo facto de os artigos 18.º a 20.º da Lei n.º 34/2006 atribuírem indiretamente, mandato às autoridades portuguesas para procederem à visita de embarcações sem nacionalidade e praticarem os atos necessários subsequentes.
Neste sentido, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 23 de abril de 2020 e de 26 de outubro de 2021 (ambos no proc.18/20.7JELSB e disponíveis em texto integral no site www.dgsi.pt) e Marta Chantal Ribeiro “A repressão do tráfico de droga a bordo de embarcações estrangeiras no alto mar: subsídios para a interpretação do dever de resposta sem demora do Estado do pavilhão à luz do direito internacional”, RMP, 176, outubro a dezembro 2023.
Por fim, e no que respeita ao caso concreto decorre de fls. 33 e 35 dos autos que, logo no dia 8 de março de 2023, pelas 6h51 foi comunicada a detenção dos arguidos às autoridades marroquinas e espanholas, que mantiveram a colaboração com o Estado Português como decorre de fls. 180 a 183 e 192 a 199, sem nunca terem colocado em causa o procedimento das autoridades portuguesas ou reclamado a sua jurisdição policial e contenciosa.
Pelo exposto, improcede a invocada incompetência dos tribunais portugueses e a inaplicabilidade da lei portuguesa, bem como a invalidade dos meios de prova obtidos através da intervenção da Polícia Marítima invocadas (pontos I e II da contestação).
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B - Analisando e decidindo
(i) Da incompetência dos tribunais portugueses:
Os arguidos vêm, novamente, suscitar a questão da incompetência dos tribunais portugueses. E diz-se novamente pois que a suscitaram nos recursos que individualmente apresentaram a propósito da medida de coação que lhes foi aplicada, donde retiravam diversas conclusões, no Requerimento de abertura da Instrução, o que motivou que no respetivo despacho dela tivesse conhecido o TIC, e na contestação, facto que motivou que o tribunal de julgamento sobre a mesma se pronunciasse no Acórdão final.
O conhecimento da questão em causa, no entanto, não viola o princípio e exceção de direito material do caso julgado uma vez que após a realização de diligências probatórias, concretamente solicitação de informações ao Instituto Hidrográfico, ofício de 21-11-2023, se apurou que ao contrário do que havia sido decidido na fase de Inquérito e Instrução, a embarcação onde os arguidos se encontravam não foi vislumbrada pela Força Aérea Portuguesa em águas integrantes a Zona Económica Exclusiva, ZEE, Portuguesa mas sim no limite das águas territoriais e ZEE do Reino de Espanha.
Não obstante esta circunstância a atuação das autoridades Portuguesas é legal, legítima e não coloca em causa a Competência dos Tribunais Portugueses, como de resto bem se decidiu no Acórdão sob sindicância.
Mas, antes de avançarmos para o conhecimento concreto desta questão necessário se torna tomar posição sobre duas sub-questões que os arguidos acabam por suscitar e incidentes sobre a existência de uma questão prejudicial que deveria ter sido colocada ao Tribunal Internacional do Mar e outra relacionada com a impugnação da matéria de facto que entendem que o tribunal deveria ter considerado provada para conhecimento desta questão da Incompetência Internacional dos Tribunais Portugueses.

- Questão da prejudicialidade
É ponto assente que o processo penal é suficiente para conhecer e analisar da legalidade de todo e qualquer questão necessária ao conhecimento do mérito da acusação ou defesa, independentemente da jurisdição, interna ou internacional, a que eventualmente caiba o conhecimento e decisão quando autonomamente colocadas em juízo. É o denominado princípio da suficiência, vigente e consagrado no ordenamento jurídico português, assente no pressuposto da essencialidade da imposição de apertados limites à possibilidade de suspensão do processo penal para decisão de questões suscetíveis de autónoma apreciação judicial, de modo a preservar outros dois princípios essenciais que com ele coexistem, a saber, os da concentração processual e da continuidade do processo penal (Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, págs. 163/183), e ainda o princípio constitucional da realização do julgamento penal no mais curto prazo, obrigação e direito que integram o direito a um processo justo e equitativo, sempre com respeito pelas garantias de defesa (artigo 32.º, n.º 2 da C.R.P.).
Este princípio encontra-se consagrado de forma expressa no art.º 7.º do CPP, o qual, sob a epígrafe suficiência do processo penal dispõe:
1 - O processo penal é promovido independentemente de qualquer outro e nele se resolvem todas as questões que interessarem à decisão da causa.
2 - Quando, para se conhecer da existência de um crime, for necessário julgar qualquer questão não penal que não possa ser convenientemente resolvida no processo penal, pode o tribunal suspender o processo para que se decida esta questão no tribunal competente.
3 - A suspensão pode ser requerida, após a acusação ou o requerimento para abertura da instrução, pelo Ministério Público, pelo assistente ou pelo arguido, ou ser ordenada oficiosamente pelo tribunal. A suspensão não pode, porém, prejudicar a realização de diligências urgentes de prova.
4 - O tribunal marca o prazo da suspensão, que pode ser prorrogado até um ano se a demora na decisão não for imputável ao assistente ou ao arguido. O Ministério Público pode sempre intervir no processo não penal para promover o seu rápido andamento e informar o tribunal penal. Esgotado o prazo sem que a questão prejudicial tenha sido resolvida, ou se a acção não tiver sido proposta no prazo máximo de um mês, a questão é decidida no processo penal.
Da análise da norma em causa verifica-se sem qualquer dificuldade de interpretação que I. Em matéria de devolução de questões prejudiciais para processo não penal, o legislador optou por um regime de discricionariedade juridicamente vinculada.
II. O critério legal que vincula esse poder discricionário assenta cumulativamente nos requisitos da «necessidade» e na «conveniência», exigindo ainda a autonomia e a anterioridade da questão prejudicial relativamente à questão prejudicada.
a) A «necessidade» reporta-se aos elementos do tipo legal de crime e pressupõe a indispensabilidade de conhecimento da questão dita prejudicial em termos tais que a questão penal não poderá sequer ser decidida sem a prévia decisão da questão prejudicial;
b) A «conveniência» deverá resultar de razões de natureza subjectiva ou processual, como seja a decisão por um tribunal de competência específica ou a utilização de uma determinada tramitação ou forma processual dificilmente compatível com a prevista para o processo penal;
c) A «autonomia» relativamente à questão prejudicada traduz-se em a questão prejudicial poder ser tratada como questão juridicamente autónoma, susceptível de constituir objecto de um processo específico;
d) A sua «anterioridade» relativamente à questão prejudicada significa que a questão prejudicial deve ser pré-existente relativamente ao evento hipoteticamente consubstanciador da responsabilidade criminal (pré-existente do ponto de vista fáctico; a natureza prévia do ponto de vista jurídico, aquilo a que a doutrina chama a antecedência lógico-jurídica, está abrangida na necessidade do conhecimento da questão prévia) Acórdão do TRC, de 23-05-2012, Processo n.º 387/08.7TATMR.C1, in www.dgs.pt.
Ora, o Tribunal a quo entendeu que dispunha de elementos probatórios suficientes para conhecer a questão, reconhecendo inclusivamente que os arguidos tinham razão quando afirmaram ao longo do processo que, mesmo de acordo com as próprias informações constantes dos autos, não foram avistados nem detidos em águas integrantes da ZEE portuguesa. Isto está afirmado de forma cristalina no Acórdão recorrido e apenas este facto justificou e possibilitou que o Tribunal de primeira instância conhecesse novamente da questão, já amplamente decidida anteriormente mas com fundamento em facto diverso, logo sem preenchimento dos pressupostos do caso julgado.
A discordância dos arguidos relativamente ao decidido sobre a competência dos tribunais portugueses respeita apenas à interpretação sobre os poderes das autoridades portuguesas e consequente competência para realizar visita na embarcação em causa fora das águas territoriais portuguesas.
Ora, salvo o devido respeito pela tese dos arguidos, a divergência de interpretação dos arguidos relativamente ao Tribunal a quo, e a tese que preconizam sobre a interpretação das normas que consideram aplicáveis ao caso, não constitui pressuposto fundante e justificativo do recurso ao mecanismo que aludem, com a necessária suspensão do processo, por mais que tal circunstância fosse do agrado dos arguidos que veriam o tempo passar a seu favor.
Para que o tribunal suspenda o processo penal e suscite a resolução pelo tribunal com competência específica, no caso um tribunal internacional, é necessário que este mesmo tribunal tenha necessidade da resolução da questão por parte dessa entidade judicial, o que manifestamente não é o caso, pois que o tribunal a quo, à semelhança aliás de inúmera jurisprudência sobre a competência Internacional dos Tribunais Portugueses, alguma das quais citada na decisão, não sentiu essa necessidade, o que merece a nossa inteira concordância pelo que necessariamente torna inútil apreciar se é conveniente suscitar o conhecimento de tal questão pelo referido Tribunal Internacional.
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Dos factos erradamente julgados
Defendem os arguidos que o tribunal a quo deveria ter julgados provados factos 15º, 16º, 17º, 18º, 19º e 20º alegados em sede de contestação, necessários para a prova da questão da Incompetência que suscitaram.
Se analisarmos com atenção os factos que os arguidos entendem que devem ser considerados provados para conhecimento da questão da (In)Competência Internacional dos Tribunais Portugueses eles não revestem autonomia, com exceção da lancha que alegam foi usada pelas autoridades portuguesas, face ao facto considerado provado pelo tribunal a quo, que assim o considerou com base em prova documental, nomeadamente fotografias e as Informações fornecidas pelo Instituto Hidrográfico, relativamente não apenas ao local onde a lancha onde se encontravam os arguidos se encontrava quando avistada pela Força Aérea Portuguesa mas também acima de tudo no local exato e sua inserção na ZEE de Marrocos, no que de forma expressa se reconhece razão aos arguidos (Nos autos resultou provado que no dia 07 de março de 2023, pelas 16 horas e 30 minutos, a cerca de 60 milhas náuticas a Sueste do Guadiana e cerca de 25 milhas náuticas de Cádis, nas coordenadas latitude 36º 19´N e longitude 006º 44´W, os arguidos foram avistados a bordo de uma embarcação semirrígida, com doze metros de comprimento, sem qualquer identificação ou inscrição, com três motores de fora de bordo, de 300HP V6, da marca Yamaha, e que pelas 20 horas e 25 minutos desse mesmo dia, os arguidos foram abordados e intercetados pelas autoridades nacionais a cerca de 100 milhas náuticas a Sul/Sueste do Guadiana e da Barra de Faro, nas coordenadas latitude 35º 39´N e longitude 006º 36´W, e, confirmando-se a posse de 106 fardos contendo cannabis, foram conduzidos ao Porto de Faro.
Do documento de fls. 769 a 786 e, em consonância com o disposto nos artigos 3.º, 33.º, 55.º e 57.º da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), que Portugal, Espanha e Marrocos reclamaram como largura do seu Mar Territorial 12 milhas náutica, da sua Zona Contígua 24 milhas náuticas e da sua Zona Económica Exclusiva 200 milhas náuticas, sendo que os três países empregam sistemas de linhas base retas ao longo ou em parte da costa.
Não havendo qualquer fundamento para pôr em causa a informação do Instituto Hidrográfico de fls.913 e 914, e a respetiva representação gráfica que daí resulta e que é consentânea com a imagem de fls. 7 junta ao auto de notícia e com o mapa da rota das lanchas junto em audiência [referência 132443927], não restam dúvidas que a embarcação é avistada pela Força Aérea Portuguesa no limite entre a zona contígua espanhola e a ZEE espanhola e abordada pela Polícia Marítima na ZEE marroquina.
Assistindo inteira razão aos arguidos quanto à localização da embarcação, cremos que não lhes assiste razão quanto à consequência que daí extraem).
No que respeita à embarcação que alegam foi usada para perseguir a embarcação onde os arguidos se encontravam, resulta dos autos que a mesma estava a ser usada pelas autoridades marítimas e pela marinha, mais concretamente por fuzileiros, e que a mesma estava devidamente identificada, não tendo qualquer razão os arguidos. Ademais, esta questão acaba por não revestir utilidade para a decisão da causa como aliás se alcança da análise da decisão proferida sobre a questão principal – a da competência internacional dos tribunais portugueses.
Assim, e quanto a esta questão tem-se a mesma por resolvida por inutilidade no seu conhecimento mais aprofundado que o constante da decisão recorrida.
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Analisemos agora a decisão proferida pelo Tribunal a quo que de seguida se transcreve de novo a fim de permitir a sua análise e sindicância de forma mais simples. Assim, justificou o tribunal a quo a Competência Internacional dos Tribunais Portugueses da seguinte forma:
Antes de mais, cumpre apreciar a questão da incompetência da intervenção das autoridades policiais portuguesas e dos Tribunais Portugueses para o julgamento dos arguidos, suscitada pelos arguidos.
Nos autos resultou provado que no dia 07 de março de 2023, pelas 16 horas e 30 minutos, a cerca de 60 milhas náuticas a Sueste do Guadiana e cerca de 25 milhas náuticas de Cádis, nas coordenadas latitude 36º 19´N e longitude 006º 44´W, os arguidos foram avistados a bordo de uma embarcação semirrígida, com doze metros de comprimento, sem qualquer identificação ou inscrição, com três motores de fora de bordo, de 300HP V6, da marca Yamaha, e que pelas 20 horas e 25 minutos desse mesmo dia, os arguidos foram abordados e intercetados pelas autoridades nacionais a cerca de 100 milhas náuticas a Sul/Sueste do Guadiana e da Barra de Faro, nas coordenadas latitude 35º 39´N e longitude 006º 36´W, e, confirmando-se a posse de 106 fardos contendo cannabis, foram conduzidos ao Porto de Faro.
Do documento de fls. 769 a 786 e, em consonância com o disposto nos artigos 3.º, 33.º, 55.º e 57.º da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), que Portugal, Espanha e Marrocos reclamaram como largura do seu Mar Territorial 12 milhas náutica, da sua Zona Contígua 24 milhas náuticas e da sua Zona Económica Exclusiva 200 milhas náuticas, sendo que os três países empregam sistemas de linhas base retas ao longo ou em parte da costa.
Não havendo qualquer fundamento para pôr em causa a informação do Instituto Hidrográfico de fls.913 e 914, e a respetiva representação gráfica que daí resulta e que é consentânea com a imagem de fls. 7 junta ao auto de notícia e com o mapa da rota das lanchas junto em audiência [referência 132443927], não restam dúvidas que a embarcação é avistada pela Força Aérea Portuguesa no limite entre a zona contígua espanhola e a ZEE espanhola e abordada pela Polícia Marítima na ZEE marroquina.
Assistindo inteira razão aos arguidos quanto à localização da embarcação, cremos que não lhes assiste razão quanto à consequência que daí extraem.
No que concerne ao avistamento da embarcação em águas espanholas.
Nos termos do disposto no artigo 17º da Convenção das Nações Unidas contra o tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº 29/91, de 06/09, e ratificada por Decreto do Presidente da República n.º 45/91, de 06/09, com a epígrafe de "Tráfico ilícito por mar”:
«1 - As Partes cooperam o mais amplamente possível para eliminar o tráfico ilícito por mar, em conformidade com o direito internacional do mar.
2-A Parte que tenha motivos razoáveis para suspeitar que um navio com o seu pavilhão, ou sem qualquer pavilhão ou matrícula, é utilizado para o tráfico ilícito, pode solicitar auxílio às outras Partes a fim de pôr termo a essa utilização. As Partes assim solicitadas prestam essa assistência no limite dos meios de que dispõem.
3-A Parte que tenha motivos razoáveis para suspeitar que um navio no uso da liberdade de navegação de acordo com o direito internacional e que arvore o pavilhão ou tenha matricula de uma outra Parte é utilizado para o tráfico ilícito, pode notificar desse facto o Estado do pavilhão e solicitar a confirmação da matrícula; se esta for confirmada, pode solicitar ao Estado do pavilhão autorização para adotar as medidas adequadas em relação a esse navio.
4-De acordo com o n.° 3 ou com os tratados em visor entre as Partes ou com qualquer outro acordo ou protocolo por elas celebrado, o Estado do pavilhão pode autorizar o Estado requerente a, inter alia:
a)Ter acesso ao navio:
b)Inspecionar o navio:
c)Se se descobrirem provas de envolvimento no tráfico ilícito, adotar medidas adequadas em relação ao navio, às pessoas e à carga que se encontrem a bordo. (…)
9-As Partes devem considerar a possibilidade de celebrar acordos ou protocolos bilaterais ou regionais com vista a dar aplicação às disposições do presente artigo ou a reforçar a sua eficácia.
10-As medidas adotadas nos termos do n.° 4 do presente artigo só são aplicáveis por navios de guerra ou aeronaves militares ou quaisquer outros navios ou aeronaves devidamente assinalados e identificáveis como navios ou aeronaves ao serviço de um governo e autorizados para esse fím. (…)»
Ao abrigo deste mecanismo internacional foi celebrado o Tratado entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha para a Repressão do Tráfico ilícito de Droga no Mar, aprovado para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 9/2000, de 28/01 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 2/2000, de 28/01 em que as partes contratantes se obrigam a prestar-se mutuamente a mais ampla cooperação possível com vista à eliminação do tráfico ilícito por mar de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, em conformidade com o direito internacional do mar.
Dispõe o artigo 4.º do referido tratado, com a epígrafe “Direitos das Partes” que:
“1 — No caso de suspeita fundada da prática de alguma das infrações referidas no artigo 1.º, cada Parte reconhece à outra um direito de representação que legitima a intervenção dos seus navios de guerra ou aeronaves militares ou outros navios ou aeronaves com sinais exteriores bem visíveis ou identificáveis de que estão ao serviço do Estado e devidamente habilitados para o efeito sobre os navios do outro Estado que se encontrem a operar fora das suas águas territoriais.
2 — No exercício do direito de representação a que se refere o n.º 1, os navios ou aeronaves oficiais poderão perseguir, parar e abordar o navio, verificar os documentos, interrogar as pessoas que se encontrem a bordo e, se existirem fundadas suspeitas de infracção, inspeccionar o navio e, se constatada, proceder à apreensão da droga, à detenção das pessoas presumivelmente infractoras e à condução do navio para o porto mais próximo ou mais adequado à sua imobilização, até à sua eventual devolução. (…)
Dispõe o artigo 5.º, com a epígrafe “Intervenção” que:
“1 — Sempre que existirem fundadas suspeitas de que um navio se está a dedicar ao tráfico ilícito, comunicar-se-á esse facto ao Estado do pavilhão, o qual responderá, no mais breve prazo possível, que não deverá, em princípio, exceder as quatro horas seguintes à receção do pedido, transmitindo as informações de que dispuser a respeito desse navio.
2— Se essas informações confirmarem as suspeitas do Estado interveniente, poder-se-á efetuar uma intervenção a bordo, praticando-se os atos previstos no artigo 4.º. Se a intervenção não for iminente, comunicar-se-á a intenção de a iniciar à autoridade competente do Estado do pavilhão, a qual responderá, na medida do possível, num prazo máximo de quatro horas seguintes à receção do pedido, autorizando-a ou recusando-a.
3— Se, porém, em função das circunstâncias, não for possível obter essa autorização prévia em tempo útil, poder-se-ão praticar os atos previstos no artigo 4.º após o que o comandante do navio ou da aeronave oficial comunicará imediatamente a sua atuação à autoridade competente do Estado do pavilhão. (…)
Por fim, dispõe o artigo 8.º, com a epígrafe “Autoridades competentes” que:
“1- Sem prejuízo das atribuições genéricas dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros de ambas as Partes, as comunicações previstas no presente Tratado decorrem, em regra, entre Ministérios da Justiça.
2-Em caso de especial urgência, as autoridades competentes do Estado de intervenção podem dirigir-se diretamente ao Ministério da Justiça do Estado do pavilhão ou às autoridades competentes indicadas por este Ministério.
3-As Partes designam, por troca de notas, oficiais de ligação e as autoridades competentes para os fins do presente Tratado».
Por conseguinte, a Força Aérea Portuguesa, que se encontrava numa operação conjunta com a Marinha e a Polícia Marítima no sentido da repressão do tráfico de estupefacientes por mar, avistou uma embarcação suspeita (face aos fardos que transportava) a navegar a 25 milhas náuticas de Cádis e suscitou a intervenção da Marinha e da Polícia Marítimas Portuguesas, intervenção essa legitimada pelos referidos normativos legais.
Sucede que desde o avistamento até à abordagem a embarcação esteve em movimento e retornou no sentido de Marrocos (vide mapa da rota das embarcações suspeita, da Polícia Marítima e dos Fuzileiros – referência citius 132443927 – mapa 7), já no momento em que as embarcações da Polícia Marítima e da Marinha vão no seu encalce e, no momento da interceção, já se encontram na Zona Económica Exclusiva Marroquina, como efetivamente, desde o início afirmaram os arguidos.
A ZEE surge na Convenção do Direito do Mar como um espaço marítimo no qual se aplica um regime específico (cfr. art. 55.º).
A ZEE surge no seguimento dos esforços desenvolvidos desde o final da Segunda Grande Guerra, no sentido da extensão da autoridade dos Estados sobre vastos espaços marítimos junto às suas costas. Este movimento fundou-se na consciencialização das novas potencialidades e dos novos riscos resultantes, quer do progresso tecnológico — designadamente a possibilidade do aproveitamento económico dos recursos naturais do leito e do subsolo do mar e o perigo da exaustão dos recursos vivos —, quer do aumento do número das potências marítimas, em resultado da descolonização.
Historicamente, a ZEE representa um compromisso entre Estados costeiros, desejosos de assumir o controlo da conservação e do aproveitamento dos recursos naturais junto às suas costas, e outros Estados, principalmente interessados em ver assegurados uma ampla liberdade de navegação.
Nos planos político-económico e político-jurídico, é um conceito que condensa a repartição dos benefícios resultantes da utilização do mar numa determinada faixa. A premência dos interesses subjacentes à discussão do conceito de ZEE na CNUDM III determinou que numerosos Estados costeiros reivindicassem ZEE's com base apenas nos consensos mínimos verificados no seio daquela Conferência, contribuindo, desse modo, para a formação de uma nova regra consuetudinária: a permissão de estabelecer uma ZEE adjacente ao mar territorial, com uma largura máxima de 200 milhas, em que seja reservado ao Estado costeiro o aproveitamento económico do mar, respetivo leito e subsolo e a camada aérea sobrejacente, exceto enquanto via de comunicação. Muitos outros Estados reagiram às limitações que o estabelecimento destas ZEE's implicou para os seus interesses e no sentido de assegurar uma posição negocial forte, alargando as suas ZEEP's.
A CDM (adotada pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar III) já depois da criação de várias ZEE's prevê a ZEE como um espaço marítimo adjacente ao mar territorial do Estado costeiro, submetido a um regime específico tendente a estabelecer uma relação equilibrada entre os poderes do Estado costeiro e os dos outros Estados no mesmo espaço.
A ZEE, nos termos da CDM, abrange o mar, o respetivo leito e o seu subsolo e a camada aérea sobrejacente numa faixa adjacente ao mar territorial que não se estenderá além de 200 milhas marítimas das A ZEE, nos termos da CDM, abrange o mar, o respetivo leito e o seu subsolo e a camada aérea sobrejacente numa faixa adjacente ao mar territorial que não se estenderá além de 200 milhas marítimas das linhas de base a partir das quais se mede a largura do mar territorial.
Os poderes do Estado costeiro na sua ZEE analisam-se fundamentalmente em direitos de soberania para fins de exploração e aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais e no que se refere a outras atividades com vista à exploração e aproveitamento da zona para fins económicos e em jurisdição referente à colocação e utilização de ilhas artificiais, instalações e estruturas, à investigação científica marinha e à proteção e preservação do meio marinho. O alcance sistemático desta distinção parece residir na amplitude dos poderes reconhecidos ao Estado costeiro: no caso dos direitos de soberania, este goza de uma competência exclusiva e sem mais restrições do que aquelas expressamente previstas; no tocante à jurisdição, verifica-se a remissão para regimes especiais em que a competência do Estado costeiro só existe nos precisos termos em que esteja prevista.
A estrutura dos poderes do Estado costeiro no âmbito das suas jurisdições funcionais indicia uma ideia de complementaridade entre estas e os direitos soberanos: o aproveitamento económico da ZEE pelo Estado costeiro deve ser apoiado pela necessária informação e por uma efetiva capacidade de defesa. Os outros Estados gozam na ZEE de um Estado costeiro das liberdades de navegação e sobrevoo e de colocação de cabos e duetos submarinos, bem como de outros usos do mar internacionalmente lícitos relacionados com estas liberdades, i.e., podem exercer todas as atividades ligadas às comunicações internacionais. O regime específico da ZEE procura assegurar uma repartição das utilidades do mar nessa zona — enquanto reservatório de riquezas, deve aproveitar principalmente ao Estado costeiro; enquanto via de comunicação, mantém-se aberto a todos os Estados — prevendo um sistema de distribuição de competências estruturado na base de «direitos de soberania» e de «liberdades» e coordenado a partir de regras de boa conduta (consideração recíproca dos direitos e deveres de outros Estados) e de regimes especiais respeitantes a certos atividades (i. e. os casos de jurisdição referidos no art. 56/1 b da CDM). Por isso, diversamente do que acontece no mar territorial ou no alto mar em que o direito aplicável a cada caso depende do próprio espaço (jurisdição territorial) ou da nacionalidade das pessoas (jurisdição pessoal), respetivamente, na ZEE o facto determinante da competência dos Estados é a atividade concretamente desenvolvida (jurisdição funcional).
Os poderes atribuídos aos Estados costeiros e aos outros Estados no espaço marítimo correspondente à ZEE cobrem todos os aspetos do seu aproveitamento económico designadamente enquanto reservatório de riquezas e vias de comunicação. Quanto às utilizações com outros fins, nomeadamente militares ou outros igualmente não previstos, há que integrar o regime específico da ZEE recorrendo à equidade e considerando a importância dos interesses em causa para as partes e para o conjunto de comunidade internacional.
No que respeita aos deveres do Estado costeiro correlativos dos novos poderes, há que distinguir as obrigações gerais de respeitar as liberdades dos outros Estados, de deveres especiais em matéria de acesso aos recursos, uma vez que as primeiras, ao contrário das segundas, encontram perfeita correspondência nos modelos consuetudinários. Com efeito, no domínio da definição das condições de acesso de embarcações estrangeiras para pescar na sua ZEE, a prática dos Estados costeiros, sem deixar de reconhecer obrigações de carácter geral referentes à conservação dos recursos vivos do mar e à respetiva utilização ótima, tem-se orientado pelos respetivos interesses nacionais não se sentindo vinculada por quaisquer regras especiais relativas a determinado tipo de Estado.
A ZEE é, do ponto de vista dogmático, um espaço marítimo de jurisdição funcional, essencialmente distinto do mar territorial e do alto mar, subordinada a um regime jurídico que representa o quadro de acomodação de várias utilizações do mar ordenado à repartição dos respetivos benefícios entre o Estado costeiro e os outros Estados. Os poderes e deveres de cada Estado na ZEE, embora estruturalmente idênticos àqueles que são exercidos no mar territorial ou no alto mar, conexionam-se com determinadas atividades que têm de coexistir no mesmo espaço, e em resultado dessa necessidade de acomodação recíproca, ficam sujeitos a uma particular forma de compressão.
Neste sentido, A Zona Económica Exclusiva: um novo conceito no direito internacional do mar, Pedro Machete, artigo publicado e acessível através do seguinte link https://journals.ucp.pt/index.php/direitoejustica/article/download/10758/10401.
A repressão do tráfico de droga por mar obedece a dois regimes bem distintos no direito do mar, cujos pressupostos gerais são estabelecidos pela CNUDM, na sua vocação de “Constituição dos Oceanos”. Em primeiro lugar, há o regime aplicável nas águas territoriais, sobressaindo, quanto ao mar territorial, o disposto no artigo 27.º da CNUDM. Dentro das águas territoriais, a jurisdição do Estado do pavilhão cede, dando-se prevalência à jurisdição do Estado costeiro. Em segundo lugar, para lá do limite exterior do mar territorial, o regime que governa é o do alto mar, constante dos artigos 108.º e 110.º da CNUDM, onde impera a jurisdição do Estado do pavilhão.
Ultrapassada a fronteira do mar territorial, em matéria de tráfico de droga a bordo de embarcações estrangeiras o conceito de zona económica exclusiva não tem qualquer expressão. Por força do n.º 2 do artigo 108.º da CNUDM, toda a área da ZEE é governada pelo regime dos crimes internacionais praticados no alto mar, aspeto que concorre para a afirmação comum de que na área da ZEE é aplicável um regime de natureza híbrida, que tanto favorece a jurisdição do Estado costeiro (disposições da ZEE), como a jurisdição do
Estado do pavilhão (disposições do alto mar), consoante a matéria de que se trate, por exemplo, respetivamente, aproveitamento económico de recursos ou repressão de crimes marítimos. Assim, para efeitos de repressão do tráfico de droga a bordo de embarcações estrangeiras o alto mar começa ultrapassado o limite exterior do mar territorial, facto que convoca a aplicação em exclusivo das regras de jurisdição extraterritorial.
Nos termos do artigo 108.º da CNUDM, todos os Estados devem cooperar para a repressão do tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas praticado por navios no alto mar com violação das convenções internacionais.
Por outro lado, o artigo 110.º da mesma convenção dispõe que o direito de visita e de verificação do pavilhão da embarcação estrangeira pode ser exercido em relação a um navio em relação ao qual exista motivo razoável para suspeitar que o “navio não tem nacionalidade”. O conceito de navio sem nacionalidade materializa-se numa de três situações: a) o navio não arvora qualquer pavilhão nem tem qualquer registo, ou o que reclama é inválido; b) o navio exibe sinais exteriores de possuir nacionalidade (pavilhão), mas questionado o Estado em causa, a nacionalidade é refutada; c) nos termos do n.º 2 do artigo 29.º da CNUDM, o navio navega sob a bandeira de dois ou mais Estados, utilizando-as segundo as suas conveniências.
Sem prejuízo da notificação aos Estados da nacionalidade dos suspeitos detidos, a interpretação comum é a de que um navio sem nacionalidade pode ser apresado por qualquer Estado e não goza de proteção de ninguém. Ou seja, qualquer Estado pode estender a sua jurisdição a um navio sem nacionalidade, mas esta intenção deve estar desejavelmente expressa no direito interno ou, se não, pelo menos assimilada a prática das autoridades com poderes de ação no mar e dos tribunais. No caso do tráfico de droga, o exercício da jurisdição sobre navios sem nacionalidade está facilitado pela Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias
Psicotrópicas, assinada em Viena em 1988 (aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 21/91, de 6 de setembro) e a prática seguida pelos Estados.
A importância desta convenção está patenteada no facto de congregar 191 partes, entre elas a União Europeia, ou seja, quase todos os Estados do Mundo. Esta convenção desenvolve o princípio da cooperação estabelecido no artigo 108.º, n.º 1 da CNUDM e tem o importante efeito de atenuar as consequências negativas da omissão do tráfico de droga no artigo 110.º da CNUDM, relativamente ao direito de visita em alto mar, bem como da exclusividade de jurisdição do Estado da bandeira. A este respeito são fundamentais o artigo 17.º sobre o tráfico ilícito por mar e o artigo 4.º sobre o âmbito da jurisdição penal.
Note-se que o artigo 17.º só tem relevo no alto mar, atendendo a que no mar territorial prevalece o regime do artigo 27.º da CNUDM que, no n.º 1, al.d) atribui a jurisdição ao Estado costeiro.
Decorre do artigo 17.º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas (Resolução da Assembleia da República n.º 21/91, de 6 de setembro), que as partes cooperam o mais amplamente possível para eliminar o tráfico ilícito por mar, em conformidade com o direito internacional do mar; que a parte que tenha motivos razoáveis para suspeitar que um navio com o seu pavilhão, ou sem qualquer pavilhão ou matrícula, é utilizado para o tráfico ilícito, pode solicitar o auxílio às outras partes para pôr fim a essa utilização; que de acordo com os tratados em vigor ou acordo ou protocolo celebrado entre as partes, o Estado do Pavilhão pode autorizar o Estado requerente a ter acesso ao navio, inspecionar o navio e se se descobrirem provas de envolvimento no tráfico ilícito, a adotar medidas adequadas em relação ao navio, às pessoas e à carga que se encontra a bordo.
Por via deste preceito ultrapassa-se a ideia de jurisdição exclusiva do Estado do pavilhão, permitindo-se sob certas condições, a sua representação a bordo por outros Estados e uma eventual renúncia ao exercício da jurisdição penal (n.º 3, 4 e 6), focandose sobretudo em fixar um procedimento que viabiliza o exercício da “jurisdição de polícia” – poderes de fiscalização (reconhecimento, abordagem e visita) – por outros Estados em representação do Estado do pavilhão e, subtilmente, deixa também aberta a possibilidade de, estando dois Estados (o interveniente e o do pavilhão) habilitados pelo direito interno ao exercício subsequente da ação penal, o Estado do pavilhão renunciar à sua jurisdição contenciosa (competência judicativa) preferencial (n.º 4 e 6). O que é confirmado pelo artigo 4.º, n.º 1, b), ii) da mesma Convenção.
Relevante, para o caso concreto, é que o n.º 2 do artigo 17.º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas equipara os navios sem qualquer pavilhão aos navios que arvoram bandeira, encorajando os Estados a estenderem a sua jurisdição às embarcações sem nacionalidade.
Em Portugal não encontramos um quadro legal ou regulamentar que aplique internamente o disposto no artigo 17.º da referida convenção, todavia a Lei n.º 34/2006, de 28 de julho determina a extensão das zonas marítimas sob soberania ou jurisdição nacional e os poderes que o Estado Português nelas exerce, bem como os poderes exercidos no alto mar. Este pode ser exercido quando, relativamente a navios estrangeiros, o Estado Português “tiver jurisdição em conformidade com o direito internacional (artigo 18.º, al.b). Em conjunto com o artigo 3.º da mesma lei, que remete para uma interpretação conforme com o disposto na CNUDM, este acervo normativo confere jurisdição às autoridades portuguesas para visitarem embarcações sem nacionalidade e embarcações estrangeiras envolvidas no tráfico de droga, neste último caso, mediante autorização do Estado do Pavilhão nos termos que forem fixados por via bilateral ou multilateral. Os artigos 19.º e 20.º da Lei n.º 34/2006 regulam, depois, o procedimento da visita a bordo e o apresamento do navio, no demais aplicando-se as normas constantes do Decreto Lei n.º 15/93, de 22.01 e o regime geral do processo penal (artigo 51.º do Dec. Lei 15/93).
No que toca ao exercício da jurisdição penal em matéria de tráfico de droga, as opções do legislador português estão expressas nos artigos 48.º e 49.º do Decreto Lei n.º
15/93,de 22.01. Do artigo 48.º resulta a aplicação subsidiária do disposto no artigo 4.º (jurisdição territorial) e no artigo 5.º (jurisdição extraterritorial) do Código Penal.
Com efeito, nos termos do n.º 2 do artigo 5.º do Código Penal, a lei penal portuguesa é ainda aplicável a factos cometidos fora do território nacional que o Estado Português se tenha obrigado a julgar por tratado ou convenção internacional.
E, nos termos do artigo 49.º, al.b) do Decreto Lei 15/93, de 22.01 a lei penal portuguesa é aplicável a factos cometidos fora do território nacional quando praticados a bordo de navio contra o qual Portugal tenha sido autorizado a tomar as medidas previstas no artigo 17.º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de
Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988.
Em suma, está facilitado o exercício da jurisdição penal em relação a cidadãos estrangeiros no caso de embarcações sem nacionalidade, mesmo que intercetadas em alto mar (cujas regras são aplicáveis à ZEE) devido ao facto de o n.º 2 do artigo 17.º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988 as equiparar às embarcações que arvoram o pavilhão do Estado que faz a abordagem, visita e pratica os atos de autoridade a bordo.
Parece poder estender-se a jurisdição territorial àquele tipo de embarcações, no nosso caso constante da alínea b) do artigo 4.º do Código Penal, ou considerar-se que o agente se encontra em Portugal para os efeitos da alínea a) do artigo 49.º do Decreto Lei n.º 15/93, de 22.01. A interpretação é confortada pelo facto de os artigos 18.º a 20.º da Lein.º 34/2006 atribuírem indiretamente, mandato às autoridades portuguesas para procederem à visita de embarcações sem nacionalidade e praticarem os atos necessários subsequentes.
Neste sentido, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 23 de abril de 2020 e de 26 de outubro de 2021 (ambos no proc.18/20.7 JELSB e disponíveis em texto integral no site www.dgsi.pt) e Marta Chantal Ribeiro “A repressão do tráfico de droga a bordo de embarcações estrangeiras no alto mar: subsídios para a interpretação do dever de resposta sem demora do Estado do pavilhão à luz do direito internacional”, RMP, 176, outubro a dezembro 2023.
Por fim, e no que respeita ao caso concreto decorre de fls. 33 e 35 dos autos que, logo no dia 8 de março de 2023, pelas 6h51 foi comunicada a detenção dos arguidos às autoridades marroquinas e espanholas, que mantiveram a colaboração com o Estado Português como decorre de fls. 180 a 183 e 192 a 199, sem nunca terem colocado em causa o procedimento das autoridades portuguesas ou reclamado a sua jurisdição policial e contenciosa.
Pelo exposto, improcede a invocada incompetência dos tribunais portugueses e a inaplicabilidade da lei portuguesa, bem como a invalidade dos meios de prova obtidos através da intervenção da Polícia Marítima invocadas (pontos I e II da contestação).
A leitura e aplicação das normas legais de Fonte Internacional e Interna invocadas pelo tribunal a quo não merece qualquer censura por parte deste Tribunal de Recurso.
Cremos que o raciocínio dos arguidos parte de um erro inicial respeitante à deteção da embarcação onde se encontravam e início da perseguição. Resulta à saciedade dos autos que a embarcação onde se encontravam os arguidos foi avistada pela Força Aérea Portuguesa no limite entre a zona contígua espanhola e a ZEE espanhola sendo certo que por força do Tratado celebrado entre O Reino de Espanha e a República Portuguesa a vigilância por autoridades Portuguesas mesmo em águas territoriais espanholas, lato sensu, aqui incluindo a ZEE, é legal e legítima. Após este avistamento e tendo levantado suspeitas à Força Aérea, são acionados os meios legais policiais portugueses nos termos bem explicitados no Acórdão recorrido e na resposta do MP, tendo a embarcação iniciado fuga em direção a Marrocos, o que determinou que as autoridades portuguesas tivessem realizado o Direito de Visita já em águas pertencentes à ZEE marroquina. Caso a tese dos arguidos fosse procedente estava encontrado o mecanismo para que todo o esforço desenvolvido pela Comunidade Internacional estivesse votado ao fracasso pois que mesmo em caso de perseguição e assim que alguma embarcação, sem pavilhão como era o caso, entrasse na ZEE de país terceiro, neste caso a Portugal e Espanha, não pudesse ser realizado o Direito de Visita e a detenção dos arguidos e produto Estupefaciente. Assim, em primeiro lugar e em síntese, a intervenção da Força Aérea e sua articulação com a Marinha e a Polícia Marítima é legal mesmo em águas espanholas, atento o Tratado entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha para a Repressão do Tráfico Ilícito de Droga no Mar, devidamente interpretado e referido na decisão recorrida.
A perseguição da embarcação em Alto mar e o direito de visita são legais porquanto a embarcação não tinha nacionalidade e iniciou fuga, tendo as autoridades, em cumprimento da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, com respeito igualmente pela Convenção sobre o Direito do Mar, convenção que deve ser interpretada em conjugação com a Convenção das Nações Unidas e ainda com as normas de direito Interno nos exatos termos constantes da decisão recorrida e na resposta do MP que se subscreve, transcrevendo-se de seguida, fazendo parte integrante do presente acórdão:
2ª Primeiramente, no que tange à interpretação efetuada pelo Tribunal a quo às Convenções Internacionais sobre o Direito do Mar, há a considerar que os arguidos foram avistados pela força aérea no dia 7 de Março de 2023, cerca das 16H30, a cerca de 60 milhas náuticas a Sueste do Guadiana e cerca de 25 milhas náuticas de Cádis, nas coordenadas latitude 36º 19´N e longitude 006º 44´W, a bordo de uma embarcação semirrígida, sem qualquer identificação ou inscrição, com três motores fora de bordo.
3ª Seguidamente, cerca das 20H25 desse mesmo dia, os arguidos foram abordados pelas autoridades nacionais (Marinha e Polícia Marítima) a cerca de 100 milhas náuticas a Sul/Sueste do Guadiana e da Barra de Faro, nas coordenadas latitude 35º 39´N e longitude 006º 36´W, e, confirmando-se a posse de 106 fardos contendo cannabis, foram conduzidos ao Porto de Faro.
4ª Posto isto, é linear, em função da documentação constante dos autos, que a dita embarcação foi avistada pela Força Aérea no limite entre a zona contígua espanhola e a ZEE espanhola e abordada pela Polícia Marítima na ZEE marroquina.
5ª Ora, tal como doutamente fundamentado pelo Tribunal a quo, por referência ao art.º 17º da Convenção das Nações Unidas contra o tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, conjugado com o Tratado entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha para a Repressão do Tráfico ilícito de Droga no Mar, aprovado para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 9/2000, de 28/01 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 2/2000, de 28/01, a Força Aérea Portuguesa, que se encontrava numa operação conjunta com a Marinha e a Polícia Marítima para repressão ao tráfico de estupefacientes por mar, avistou uma embarcação suspeita (face aos fardos que transportava), a navegar a 25 milhas náuticas de Cádis e suscitou a intervenção da Marinha e da Polícia Marítimas Portuguesas, intervenção essa legitimada pelos referidos normativos legais.
6ª Aconteceu, porém, que, desde o avistamento até à abordagem, a embarcação esteve em movimento e retornou no sentido de Marrocos, já no momento em que as embarcações da Polícia Marítima e da Marinha vão no seu encalce e, no momento da interceção, já se encontravam na Zona Económica Exclusiva Marroquina.
7ª Porém, a Zona Económica Exclusiva de Marrocos surge na Convenção do Direito do Mar como um espaço marítimo no qual se aplica um regime específico (cfr. art. 55.º).
8ª Ora, a ZEE, nos termos da CDM, abrange o mar, o respetivo leito e o seu subsolo e a camada aérea sobrejacente numa faixa adjacente ao mar territorial que não se estenderá além de 200 milhas marítimas das linhas de base a partir das quais se mede a largura do mar territorial.
9ª Porém, os poderes do Estado costeiro na sua ZEE consubstanciam-se fundamentalmente em direitos de soberania para fins de exploração e aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais e no que se refere a outras atividades com vista à exploração e aproveitamento da zona para fins económicos e em jurisdição referente à colocação e utilização de ilhas artificiais, instalações e estruturas, à investigação científica marinha e à proteção e preservação do meio marinho.
10ª Ora, como doutamente fundamentado pelo Tribunal a quo, no contexto da repressão ao tráfico de estupefacientes, obedece-se a dois regimes distintos no direito do mar, cujos pressupostos gerais são estabelecidos pela CNUDM, cujo primeiro estabelece o regime aplicável às águas territoriais, sobressaindo relativamente ao mar territorial o disposto no art.º 27º, em que dentro das águas territoriais, a jurisdição do Estado do pavilhão cede, dando-se prevalência à jurisdição do Estado Costeiro; no segundo, para lá do limite exterior do mar territorial, o regime que impõe é o do alto mar, constante dos artigos 108.º e 110.º da CNUDM, onde impera a jurisdição do Estado do pavilhão. 11ª Para além da fronteira do mar territorial, em matéria de tráfico de estupefacientes a bordo de embarcações estrangeiras, o conceito de zona económica exclusiva não tem qualquer expressão, pois, por força do n.º 2 do artigo 108.º da CNUDM, toda a área da ZEE é governada pelo regime dos crimes internacionais praticados no alto mar, aspeto que concorre para a afirmação comum de que na área da ZEE é aplicável um regime de natureza híbrida, que tanto favorece a jurisdição do Estado costeiro (disposições da ZEE), como a jurisdição do Estado do pavilhão (disposições do alto mar). 12ª Nestes termos, para efeitos de repressão do tráfico de estupefacientes a bordo de embarcações estrangeiras o alto mar começa ultrapassado o limite exterior do mar territorial, facto que convoca a aplicação em exclusivo das regras de jurisdição extraterritorial.
13ª Ora, nos termos do artigo 108.º da CNUDM, todos os Estados devem cooperar para a repressão do tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas praticado por navios no alto mar com violação das convenções internacionais.
14ª Por outro lado, o artigo 110.º da mesma convenção dispõe que o direito de visita e de verificação do pavilhão da embarcação estrangeira pode ser exercido em relação a um navio em relação ao qual exista motivo razoável para suspeitar que o “navio não tem nacionalidade”, nomeadamente no caso de a embarcação não arvorar pavilhão.
15ª Neste contexto de tráfico de estupefacientes, o exercício da jurisdição sobre navios sem nacionalidade está facilitado pela Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, assinada em Viena em 1988 (aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 21/91, de 6 de setembro).
16ª Com efeito, esta convenção desenvolve o princípio da cooperação estabelecido no artigo 108.º, n.º 1 da CNUDM e tem o importante efeito de atenuar as consequências negativas da omissão do tráfico de estupefacientes no artigo 110.º da CNUDM, relativamente ao direito de visita em alto mar, bem como da exclusividade de jurisdição do Estado da bandeira. A este respeito são fundamentais o artigo 17.º sobre o tráfico ilícito por mar e o artigo 4.º sobre o âmbito da jurisdição penal. Note-se que o artigo 17.º só tem relevo no alto mar, atendendo a que no mar territorial prevalece o regime do artigo 27.º da CNUDM que, no n.º 1, al.d) atribui a jurisdição ao Estado costeiro.
17ª Decorre do artigo 17.º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas (Resolução da Assembleia da República n.º 21/91, de 6 de setembro), que as partes cooperam o mais amplamente possível para eliminar o tráfico ilícito por mar, em conformidade com o direito internacional do mar; que a parte que tenha motivos razoáveis para suspeitar que um navio com o seu pavilhão, ou sem qualquer pavilhão ou matrícula, é utilizado para o tráfico ilícito, pode solicitar o auxílio às outras partes para pôr fim a essa utilização; que de acordo com os tratados em vigor ou acordo ou protocolo celebrado entre as partes, o Estado do Pavilhão pode autorizar o Estado requerente a ter acesso ao navio, inspecionar o navio e se se descobrirem provas de envolvimento no tráfico ilícito, a adotar medidas adequadas em relação ao navio, às pessoas e à carga que se encontra a bordo. Por via deste preceito ultrapassa-se a ideia de jurisdição exclusiva do Estado do pavilhão, permitindo-se sob certas condições, a sua representação a bordo por outros Estados e uma eventual renúncia ao exercício da jurisdição penal (n.º 3, 4 e 6), focando-se sobretudo em fixar um procedimento que viabiliza o exercício da “jurisdição de polícia” – poderes de fiscalização (reconhecimento, abordagem e visita) – por outros Estados em representação do Estado do pavilhão e, subtilmente, deixa também aberta a possibilidade de, estando dois Estados (o interveniente e o do pavilhão) habilitados pelo direito interno ao exercício subsequente da ação penal, o Estado do pavilhão renunciar à sua jurisdição contenciosa (competência judicativa) preferencial (n.º 4 e 6).
18ª Tal circunstância é confirmada pelo artigo 4.º, n.º 1, b), ii) da mesma Convenção. Relevante, para o caso concreto, é que o n.º 2 do artigo 17.º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas equipara os navios sem qualquer pavilhão aos navios que arvoram bandeira, encorajando os Estados a estenderem a sua jurisdição às embarcações sem nacionalidade.
19ª Acontece que em Portugal não encontramos um quadro legal ou regulamentar que aplique internamente o disposto no artigo 17.º da referida convenção, todavia a Lei n.º 34/2006, de 28 de Julho determina a extensão das zonas marítimas sob soberania ou jurisdição nacional e os poderes que o Estado Português nelas exerce, bem como os poderes exercidos no alto mar. Este pode ser exercido quando, relativamente a navios estrangeiros, o Estado Português “tiver jurisdição em conformidade com o direito internacional (artigo 18.º, al. b). Em conjunto com o artigo 3.º da mesma lei, que remete para uma interpretação conforme com o disposto na CNUDM, este acervo normativo confere jurisdição às autoridades portuguesas para visitarem embarcações sem nacionalidade e embarcações estrangeiras envolvidas no tráfico de estupefacientes, neste último caso, mediante autorização do Estado do Pavilhão nos termos que forem fixados por via bilateral ou multilateral. Os artigos 19.º e 20.º da Lei n.º 34/2006 regulam, depois, o procedimento da visita a bordo e o apresamento do navio, no demais aplicando-se as normas constantes do Decreto Lei n.º 15/93, de 22.01 e o regime geral do processo penal (artigo 51.º do Dec. Lei 15/93).
20ª No que toca ao exercício da jurisdição penal em matéria de tráfico de estupefacientes, as opções do legislador português estão expressas nos artigos 48.º e 49.º do Decreto Lei n.º 15/93, de 22.01. Do artigo 48.º resulta a aplicação subsidiária do disposto no artigo 4.º (jurisdição territorial) e no artigo 5.º (jurisdição extraterritorial) do Código Penal. Com efeito, nos termos do n.º 2 do artigo 5.º do Código Penal, a lei penal portuguesa é ainda aplicável a factos cometidos fora do território nacional que o Estado Português se tenha obrigado a julgar por tratado ou convenção internacional. E, nos termos do artigo 49.º, al. b) do Decreto Lei 15/93, de 22.01 a lei penal portuguesa é aplicável a factos cometidos fora do território nacional quando praticados a bordo de navio contra o qual Portugal tenha sido autorizado a tomar as medidas previstas no artigo 17.º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988.
21ª Concomitantemente, está facilitado o exercício da jurisdição penal em relação a cidadãos estrangeiros no caso de embarcações sem nacionalidade, mesmo que intercetadas em alto mar (cujas regras são aplicáveis à ZEE) devido ao facto de o n.º 2 do artigo 17.º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988 as equiparar às embarcações que arvoram o pavilhão do Estado que faz a abordagem, visita e pratica os atos de autoridade a bordo. Parece poder estender-se a jurisdição territorial àquele tipo de embarcações, no nosso caso constante da alínea b) do artigo 4.º do Código Penal, ou considerar-se que o agente se encontra em Portugal para os efeitos da alínea a) do artigo 49.º do Decreto Lei n.º 15/93, de 22.01.
22ª Ora, tal como assertivamente apontado pelo Tribunal a quo, a interpretação é confortada pelo facto de os artigos 18.º a 20.º da Lei n.º 34/2006 atribuírem indiretamente, mandato às autoridades portuguesas para procederem à visita de embarcações sem nacionalidade e praticarem os atos necessários subsequentes.
23ª Por fim, e no que respeita ao caso concreto, decorre de fls. 33 e 35 dos autos que, logo no dia 8 de março de 2023, pelas 6h51 foi comunicada a detenção dos arguidos às autoridades marroquinas e espanholas, que mantiveram a colaboração com o Estado Português, como decorre de fls. 180 a 183 e 192 a 199, sem nunca terem colocado em causa o procedimento das autoridades portuguesas ou reclamado a sua jurisdição policial e contenciosa.
24ª Deste modo, tal como considerado pelo Tribunal a quo, inexiste qualquer incompetência dos tribunais portugueses e/ou a inaplicabilidade da lei portuguesa, bem como a invalidade dos meios de prova obtidos através da intervenção da Polícia Marítima invocadas.
25ª Em consequência, o Tribunal a quo tomou posição sobre matérias que podia e deveria de apreciar, inexistindo qualquer violação dos artigos 286º, 287º e 288º da CNUDM, bem como os artigos 8º e 9º do Código de Processo Penal, como, ainda, o artigo 40º do Dec.-Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto.
26ª Em função da legítima competência jurisdicional do Tribunal a quo para conhecimento dos factos em apreço, inexiste qualquer violação dos artigos 55º, 174º, 175º, 176º, 255 e 257º do Código de Processo Penal nem, tão pouco, qualquer inconstitucionalidade na interpretação desses comandos legais.
27ª Na sua interpretação sobre os comandos processuais e aos instrumentos convencionais, o Tribunal a quo pronunciou-se e rebateu, fundamentadamente, todos os aspetos invocados pelos ora recorrentes em sede de acórdão, inexistindo, por isso, qualquer violação do art.º 379º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal.
Uma palavra apenas relativa à questão suscitada pelos arguidos incidente sobre a embarcação usada pelas autoridades marítimas e a marinha operadas por fuzileiros navais (v. fls. 83 do email/auto de notícia junto os autos no dia 08-03-2023, com a Refª 11058130) para realização da perseguição, direito de visita e posterior detenção por parte das autoridades portuguesas; ao contrário da leitura realizada pelos arguidos, que defendem que estes factos apenas poderiam ter sido legalmente realizados por navio de guerra, o art.º 17.º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas permite que 10 - As medidas adoptadas nos termos do n.º 4 do presente artigo só são aplicáveis por navios de guerra ou aeronaves militares ou quaisquer outros navios ou aeronaves devidamente assinalados e indentificáveis como navios ou aeronaves ao serviço de um governo e autorizados para esse fim.
Como dos autos consta a abordagem em mar foi realizada pelas autoridades marítimas e pela marinha, concretamente por fuzileiros navais devidamente identificados; por outro lado, é necessário ter sempre presente que a embarcação não tinha nacionalidade, ou seja, não tinha pavilhão, como já abordado.
Face ao exposto concluímos pela competência, legalidade e legitimidade das autoridades portuguesas para realizar a perseguição em águas espanholas, territoriais e ZZE, alto mar e ZZE marroquina, o direito de visita e detenção dos arguidos e produto estupefaciente existente na embarcação, sendo aplicável a lei nacional, como aliás decidido de forma clara e elucidativa por este Tribunal da Relação de Évora, no Apenso D - 90/23.8JAFAR-D.E1, Relator Carlos Campos Lobo, em 12/07/2023, Exubera com imediata clareza que o ilícito aqui em presença é o de tráfico de estupefacientes, sendo que por força do que reza a alínea b) do artigo 49º do DL nº 15/93 de 22 de janeiro, alterado em último pela Lei n.º 9/2023, de 3 de março, a lei penal portuguesa é ainda aplicável a factos cometidos fora do território nacional (...) quando praticados a bordo de navio contra o qual Portugal tenha sido autorizado a tomar as medidas previstas no artigo 17.º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988.
In casu, e tal como emerge do despacho em sindicância, a embarcação não tinha qualquer pavilhão/nacionalidade, pelo que não teria de ser solicitado qualquer tipo de autorização ao país da bandeira que existisse, para a tomada de específicas medidas mormente as referidas no artigo 17º, nº 4 da dita Convenção, ou seja, a) Ter acesso ao navio; b) Inspecionar o navio; c) Se se descobrirem provas de envolvimento no tráfico ilícito, adotar medidas adequadas em relação ao navio, às pessoas e à carga que se encontrem a bordo.
Parece obviamente seguro que o que aqui se fez foi, apenas e só, agir a coberto do artigo 17º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988, sendo que se retira do preâmbulo do dito DL 15/93, de 22 de janeiro, foi intento deste diploma adaptar a lei nacional às exigências dos tratados internacionais de que Portugal é parte.
E, nesta senda, impõe-se privar aqueles que se dedicam ao tráfico de estupefacientes do produto das suas atividades criminosas, suprimindo, deste modo, o seu móbil ou incentivo principal e evitando, do mesmo passo, que a utilização de fortunas ilicitamente acumuladas permita a organizações criminosas transnacionais invadir, contaminar e corromper as estruturas do Estado, as atividades comerciais e financeiras legítimas e a sociedade a todos os seus níveis; ainda, adotar medidas adequadas ao controlo e fiscalização dos precursores, produtos químicos e solventes, substâncias utilizáveis no fabrico de estupefacientes e de psicotrópicos e que, pela facilidade de obtenção e disponibilidade no mercado corrente, têm conduzido ao aumento do fabrico clandestino de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, e por fim reforçar e complementar as medidas previstas na Convenção sobre Estupefacientes de 1961, modificada pelo Protocolo de 1972, e na Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971, colmatando brechas e potenciando os meios jurídicos de cooperação internacional em matéria penal.
Ademais, em perfeita consonância se mostra a normação inserta no artigo 49º do DL nº 15/93 de 22 de janeiro com o plasmado no artigo 5º, nº 2 do CPenal, segundo a qual a lei penal portuguesa é ainda aplicável a factos cometidos fora do território nacional que o Estado Português se tenha obrigado a julgar por tratado ou convenção internacional.
Note-se, igualmente, o que dispõe a alínea k) do nº 2 do artigo 6º do DL nº 43/2002, de 2 de março de onde desponta a atribuição a autoridade nacional (Autoridade Marítima Nacional), dependente do órgão de soberania Governo, para prevenção e repressão da criminalidade, nomeadamente no que concerne ao combate ao narcotráfico com vista a assegurar o cumprimento da lei nos espaços marítimos sob jurisdição nacional, no âmbito dos parâmetros de atuação permitidos pelo direito internacional e demais legislação em vigor.
Termos em que improcedem as questões suscitadas.
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(ii) Inconstitucionalidade da interpretação das normas da Convenção sobre o Direito do Mar e da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, espelhada na conclusão segundo a qual a atuação das autoridades portuguesas é legal e legítima.
Os arguidos invocam diversas inconstitucionalidades que defendem incidem sobre a interpretação e aplicação das normas de direito internacional, concretamente o art.º 17.º da CNUTIESP e CDM.
Contudo, analisada a peça processual não vislumbramos nem alcançamos quais as normas ou princípios constitucionais violados. O direito Convencional é direito vigente na ordem jurídica interna atenta a cláusula de receção automática consagrada no art.º 8.º, n.º 2 da CRP. A interpretação que se encontra vertida na decisão recorrida não se mostra em colisão com qualquer norma ou princípio constitucional, nem tão pouco os arguidos concretizam a lesão da nossa lei fundamental.
Assim, e sem necessidade de maiores considerandos, analisada a decisão recorrida, que se subscreve na íntegra, concluímos pela constitucionalidade da interpretação e aplicação concreta das normas nela referidas, de origem internacional e ou nacional, improcedendo assim esta questão.
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iii) Da omissão de pronúncia:
Ensina Germano Marques da Silva (in “Curso de Processo Penal III, 2ª edição Verbo 2000”) “a omissão de pronúncia é um vício que resulta da violação da lei quanto ao exercício do poder jurisdicional. Trata-se de um vício quanto aos limites desse exercício”; Sendo pacífico o entendimento na jurisprudência de que a omissão de pronúncia se verifica quanto o juiz deixa de proferir decisão sobre questões que lhe foram submetidas pelos sujeitos processuais ou de que deva conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir.

E no mesmo sentido deste entendimento a doutrina esclarece que “o julgador não tem de analisar todas as questões jurídicas que cada uma das partes invoque em abono das suas posições, embora lhe incumba resolver todas as questões suscitadas pelas partes (…)” (in Antunes Varela, J.Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição Coimbra Editora, 1985).

Assim, só constituirá omissão de pronúncia a falta de conhecimento e decisão de questões suscitadas pelos arguidos ou demais sujeitos processuais ou de questões de que o tribunal tenha que conhecer oficiosamente como sejam as respeitantes ao preenchimento dos elementos constitutivos dos ilícitos imputados aos arguidos ou dos pressupostos da responsabilidade civil, ou ainda para a determinação da pena concreta.
Questões e não argumentos ou razões alegados pelos sujeitos processuais para estruturar, fundamentar e defender o que invocam. Como nos continua a ensinar o Prof. Alberto dos Reis, através da sua obra, a propósito da nulidade de sentença por omissão de pronúncia, que “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.”
A atividade de julgar compreende a decisão das questões nos termos sobreditos e não a pronúncia detalhada e circunstanciada sobre os argumentos invocados para suporte da decisão que reclamam ou sobre todos os documentos que estão nos autos. Este dever de análise e valoração dos documentos, e restante prova, insere-se na valoração crítica da prova e respetiva fundamentação. Os documentos são meios de prova, e como tal devem ser apreciados, não são questões colocadas pelos intervenientes.
Tal como os argumentos de que os recorrentes lançam mão para convencer o tribunal a decidir determinada questão no sentido que entendem dever ser decidida, não constituem nem consubstanciam a questão em si, como se disse.
Cientes do conteúdo normativo da questão em causa, é tempo agora de voltar ao caso concreto. Os arguidos defendem que o tribunal a quo não se pronunciou sobre os factos alegados na sua contestação, que identifica, e que não enquadrou nem nos factos provados nem nos não provados.
Se é exato o afirmado pelos arguidos no que respeita à não alusão aos factos alegados na contestação, já as consequências que daí pretendem retirar não se subsumem à nulidade invocada.
Na verdade, como já dissemos, a nulidade referida apenas se verifica quando a atividade do tribunal seja omissa relativamente a questões suscitadas, não abarcando os factos ou argumentos invocados para defesa das questões suscitadas pelos arguidos. Até porque o legislador não exige, veja-se o que se dispõe nos art.ºs 374.º e 379.º do CPP, que o tribunal se pronuncie sobre os factos alegados pelos arguidos, antes exigindo que se pronuncie sobre as questões suscitadas. As questões, obviamente, têm que ser consubstanciadas em factos, mas a não pronuncia sobre um determinado facto alegado não torna a decisão nula por omissão de pronúncia, embora possa tornar insuficiente a matéria de facto para a decisão de direito encontrada (al. c) do art.º 410.º do CPP), o que não é o caso.
Termos em que improcede a questão suscitada.

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(iv) Nulidade a prova obtida, como consequência da incompetência das autoridades portuguesas na atuação que descrevem a propósito e para fundamentar a questão (ii).
Esta questão estava intimamente relacionada com a defendida incompetência internacional dos tribunais portugueses, sendo uma consequência daquela. Tendo-se concluído pela competência internacional dos tribunais portugueses e pela legalidade e legitimidade da atuação das autoridades portuguesas está necessariamente prejudicado o seu conhecimento.
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(v) Suspensão da execução da pena de prisão.
Finalmente pugnam os arguidos pela suspensão da pena de 5 anos em que foram condenados, invocando para tanto as suas personalidades, sua inserção social e familiar, bem como pela circunstância de a mera ameaça da prisão realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Olhando para o acórdão recorrido vemos que o tribunal a quo justificou a opção pelo cumprimento efetivo da pena de prisão que fixou aos arguidos, nos seguintes termos:
6. Da execução da pena de prisão
No caso, tendo em conta a concreta pena aplicada, apenas será de considerar a possibilidade da suspensão da execução da pena de prisão.
Dispõe o artigo 50º, nº 1 do Código Penal que:
“1. O Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às consequências deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
O instituto da suspensão de execução da pena traça um sistema punitivo que arranca do pensamento fundamental de que as penas devem sempre ser executadas com um sentido pedagógico e de ressocialização.
Assim, a suspensão da execução da pena depende de dois pressupostos: (1) um pressuposto formal relativo à medida concreta da pena de prisão e (2) um pressuposto material, relativo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto que permitam ou não um juízo de prognose favorável em relação ao comportamento futuro do delinquente: se a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão constituem avisos suficientes para o afastamento definitivo da criminalidade – Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05 de Março de 1997, no processo n.º 1335/96.
Como reação de conteúdo pedagógico e reeducativo, a suspensão da execução da pena só deve ser decretada quando o tribunal concluir, face às circunstâncias indicadas no n.º 1 do artigo 50.º do Código Penal, ser essa medida adequada a afastar o agente da criminalidade.
Nesse juízo de prognose favorável deve atender-se à personalidade do arguido, às suas condições de vida, à conduta anterior e posterior ao facto punível e às circunstâncias deste, ou seja, devem ser valoradas todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido.
Sendo favorável esse juízo de prognose deverá, então, o tribunal decidir se a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção geral do crime.
No caso concreto o tribunal não descura que a atuação dos arguidos foi propiciada pela precariedade dos respetivos rendimentos, sendo que nenhum deles tem antecedentes criminais. Todavia, sendo todos responsáveis pela totalidade da droga transportada, o transporte internacional de tão grande quantidade de estupefaciente, por via marítima, e a gravidade que lhe está inerente, não permite ao tribunal suspender a execução das respetivas penas de prisão.
Para além de que, as condições económicas de cada um na atualidade não se alteraram, o que faz seriamente duvidar que, no futuro, perante uma aflição económica, não voltem a praticar factos da mesma natureza.
Assim, em relação a agentes que, contra a promessa do pagamento de €10.000 cada um, aceitaram transportar 106 fardos de haxixe, desde Marrocos e com intenção da entregar esse produto a indivíduo não identificado em Cádis, são prementes as necessidades de prevenção geral – pois banalizar a suspensão da execução da pena de prisão nos casos de prática do crime de tráfico de estupefacientes na formulação base do art.º 21.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, constituirá, seguramente, um estímulo para os traficantes e redundará num enfraquecimento da confiança da comunidade na validade das normas jurídicas que a prática do crime veio pôr em crise - o que aliado à ausência de “razões muito ponderosas” que afastem essas exigências, justifica que se afaste a hipótese de suspensão da execução das penas de 5 anos de prisão.
Deste modo, já não se pode concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, nomeadamente ao nível da prevenção especial, pelo que os arguidos deverão cumprir pena de prisão efetiva.
Nos termos do art.º 50.°, n.º 1, do Código Penal, sempre que o arguido seja condenado em pena de prisão não superior a cinco anos o tribunal determina que a execução da mesma fique suspensa se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Da leitura atenta da norma transcrita conclui-se que a suspensão da execução da pena de prisão tem subjacente um juízo de prognose favorável relativo ao comportamento do agente, atendendo à sua personalidade e às circunstâncias do facto.
Todavia, este não é o único especto a ponderar uma vez que como igualmente se refere no normativo transcrito há que atender às “finalidades da punição”, o que significa que a suspensão da execução da pena de prisão deve mostrar-se também adequada e suficiente à realização das finalidades da punição em termos de prevenção geral, ou seja, à defesa do ordenamento jurídico que o caso concreto requer. Sob pena se a norma violada perder eficácia e força na sua vertente preventiva!
Como elucidativamente se escreve no Acórdão do STJ de 18/06/2015[2]: «A suspensão da pena tem um sentido pedagógico e reeducativo, sentido norteado, por sua vez, pelo desiderato de afastar, tendo em conta as concretas condições do caso, o delinquente da senda do crime.
(…)
De um lado, cumpre assegurar que a suspensão da execução da pena de prisão não colida com as finalidades da punição. Numa perspetiva de prevenção especial, deverá mesmo favorecer a reinserção social do condenado.
Por outro lado, tendo em conta as necessidades de prevenção geral, importa que a comunidade não encare, no caso, a suspensão, como sinal de impunidade, retirando toda a sua confiança ao sistema repressivo penal. (…)»
A pena, «em caso algum, deverá pôr em causa o limite inferior constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. A pena não pode questionar a crença da comunidade na validade da norma violada e, por essa via, o sentimento de confiança e segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais.»
Se estes fins de defesa do ordenamento jurídico forem postos em causa pela suspensão da execução da prisão, ela não deverá ser decretada, ainda que o tribunal conclua por um prognóstico favorável ao arguido, no que concerne à eficácia desta pena de substituição para o afastar da prática de novos crimes. «A suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime». Estão aqui em questão «exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da sociabilização em liberdade que ilumina o instituto em análise.[3]»
Na sequência do exposto mantém-se igualmente esta parte da decisão recorrida.
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IV - Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes nesta Relação de Évora, em:
Julgar NÃO PROVIDO o recurso interposto por K, M, L e S e, em consequência, mantém-se o Acórdão proferido nos seus precisos termos.
Custas pelos arguidos fixando-se em 4,5 UC’s a taxa de justiça.

Évora, 10 de setembro de 2024

Processado e revisto pela relatora (art.º 94º, nº 2 do CPP).

Maria Perquilhas
Maria José Cortes
António Condesso

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[1] Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respectivamente, nos BMJ 451° - 279 e 453° - 338, e na Col Acs. do STJ, Ano VII, Tomo 1, pág. 247 o Ac do STJ de 3/2/99 (in BMJ nº 484, pág. 271); o Ac do STJ de 25/6/98 (in BMJ nº 478, pág. 242); o Ac do STJ de 13/5/98 (in BMJ nº 477, pág. 263);
SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES, in Recursos em Processo Penal, p. 48; SILVA, GERMANO MARQUES DA 2ª edição, 2000 Curso de Processo Penal”, vol. III, p. 335;
RODRIGUES, JOSÉ NARCISO DA CUNHA, (1988), p. 387 “Recursos”, Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal”, p. 387 DOS REIS, ALBERTO, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pp. -3
[2] Proferido no proc. 270/09.9GBVVD, in www.dgsi.pt.
[3] Cf. Prof. Figueiredo Dias, in ob. cit., pág. 344.