DIREITO DE PREFERÊNCIA
TERRENO DE REGADIO
JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
ALTERAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR NA RÉPLICA
Sumário

I. O A. pode aproveitar a resposta à reconvenção para responder às exceções.
II. No caso em apreço, houve uma alteração da causa de pedir, que é inadmissível, desde logo, porque, da leitura da P.I., se constatar que a causa de pedir assenta no confinamento dos prédios, enquanto que na réplica se pretendeu também lançar mão da localização dos terrenos, dentro da RAN, o que nunca foi aludido na P.I.
III. Consideram-se terrenos de sequeiro os que não dispõem de qualquer sistema de rega, ou seja, de aproveitamento de águas, incluindo águas pluviais; enquanto que, os terrenos de regadio, são os que dispõem de tais sistemas que permitam o aproveitamento tanto de águas próprias como alheias

Texto Integral

Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra     

                          Proc.º n.º 758/21.3T8VIS.C1

 1. Relatório:

1.1.- AA intentou a presente acção declarativa, para exercício do direito de preferência, contra o A..., Lda., BB e CC, todos com os demais sinais identificadores constantes dos autos, pedindo que, pela sua procedência, se declare o seu direito de preferência na compra do prédio identificado nos artigos 10, 11 e 12, da petição inicial, condenando-se todos os Réus a reconhecerem tal direito; se declare a Autora substituída ao Réu comprador “ A... Ldª, na referida compra e venda, mediante o recebimento por esta, do respetivo preço e demais despesas referidas nos artigos 22º a 26º da petição inicial, no total de 85.119,67 Euros; se condene o Réu comprador a entregar à Autora o prédio objeto desta preferência, livre de ónus ou encargos e, inteiramente  desembaraçado de todas as árvores que lá plantou, de outras plantações ou obras que lá tenha efetuado; se autorize ou ordene a substituição no registo de aquisição do referido prédio, que possa ter sido efectuada a favor do primeiro Réu, pela Autora e, consequentemente, se proceda ao cancelamento das apresentações/averbamentos subsequentes ao registo da aquisição pela primeira Ré, e que teve por base a mesma, com todas as consequências legais.

Para tanto, a Autora alegou, em síntese, que é proprietária do prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial, com a área de 37.285 m2, sendo terreno de sequeiro, que tem sido destinado à cultura da vinha, a pomar e pastagem, estando actualmente adstrito em mais de 80% da sua área, à cultura de sabugueiros, o qual confronta pelo nascente, com o prédio rústico denominado “...”, constituído por pomares, videiras, sabugueiros, árvores dispersas e pastagem, inscrito na matriz rústica da mesma freguesia, sob o artº 1855 (anteriormente artº 1023) e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...2/..., inscrito em nome do segundo e terceira Ré, tendo estes, por escritura pública de compra e venda, celebrada em 28 de Dezembro de 2020, no Cartório Notarial ..., declarado vender à primeira Ré, que aceitou comprar, esse imóvel pelo preço de 80.000,00 Euros.

Acrescenta a Autora que não lhe foram dados a conhecer os elementos da referida compra e venda para poder exercer a preferência, nos termos dos artigos 1380.º 416º, 216º nº 3 e 1273º todos do CC, uma vez que ambos os prédios têm áreas inferiores à unidade de cultura para o Concelho de Tarouca, conforme foi definido na Portaria 219/2016 de 9 de Agosto, que estabelece como unidade de cultura para o local, 4 hectares (40.000 m2) e o comprador do prédio que outorgou na escritura de compra e venda não era proprietário de qualquer prédio confinante com o prédio vendido, avançando ainda que teve o cuidado de avisar a primeira Ré, por carta registada com AR, datada de 20/01/2021, para que não procedesse a quaisquer plantações ou obras no local, sob pena de as considerar de má fé, no caso de serem classificadas como eventuais benfeitorias úteis, o que o 1.º Réu não acatou tendo procedido à plantação de um pomar com mais de 1000 macieiras, ocupando quase todo o terreno e tentando deste modo prejudicar o exercício do direito de preferência da autora, devendo essa plantação considerar-se de má-fé, ainda que se entenda que pudessem ser benfeitorias úteis, devendo a mesma restituir o prédio à situação que se encontrava antes da plantação, retirando as árvores que lá plantou, dado que tal pode realizar-se sem detrimento ou perda de valor do prédio.

Seguidamente, a Autora depositou os montantes relativos ao preço da alienação e das despesas tidas com esse negócio.

                                                           ***

1.2.- Feitas as citações, só a 1.ª Ré contestou a acção, fazendo-o por excepção, onde alega que adquiriu um conjunto de prédios que sempre constituíram para os seus anteriores proprietários uma exploração familiar, o que impede o invocado direito a preferir atento o que dispõe o artigo 1381, alínea b) do CC; advogando que nos termos da Portaria aplicável para o distrito de Viseu, foi fixada a unidade de cultura para o terreno de regadio de 2,5 hectares e para o terreno de sequeiro de 4,0 hectares, sendo que os prédios em questão são de regadio e o prédio da Autora não apresenta uma área inferior à unidade de cultura; tendo impugnado ainda que esse prédio tenha mais de 80% da sua área adstrita à cultura de sabugueiros, afirmando que à Autora foi dado conhecimento do propósito de vender a Quinta (o ... e demais imóveis que lhe foram vendidos) bem como o preço e a pessoa que os pretendia adquirir.

A 1.ª Ré reconveio, para o caso de procedência da acção, alegando para o efeito que ao longo dos anos realizou benfeitorias no prédio objecto da preferência, encontrando-se o mesmo a ser explorado por parte da sociedade B... Limitada, por via de um contrato de comodato celebrado com os co-réus BB e CC, em 1 de Janeiro de 2017, sendo que, em 21 de Março de 2018 a reconvinte, outorgou com os referidos co-réus BB e CC, um contrato promessa de compra e venda, referente aos prédios que veio a adquirir, na sequência do qual entrou de imediato na posse dos referidos imóveis, neles se incluindo o prédio pretendido adquirir, tendo nele procedido à plantação de árvores de fruto, mais precisamente, macieiras, procedendo à formação e reestruturação de um pomar mecanizado naquele lugar, no qual gastou a quantia global de 19.433,86 euros (dezanove mil quatrocentos e quarenta e três euros e oitenta e seis cêntimos), implementando um acréscimo ao valor do prédio em montante claramente superior ao próprio investimento e, em valor nunca inferior a 30.000,00 euros (trinta mil euros), concretizando que a restituição do imóvel, que eventualmente possa resultar deste processo, lhe causará imensos prejuízos, nomeadamente pela não concretização da promessa de arrendamento aditada ao referido contrato de comodato, de cerca de 2000 euros mensais, actualizáveis, passados que fossem 10 anos, ou seja, a partir de 1/4/2028, sendo espectável que a promessa de arrendamento, aí já arrendamento definitivo, vigorasse pelo menos durante mais 10 anos, concluindo ter perdido, a título de lucros cessantes, não menos de 30.000,00€.

A Ré/Reconvinte pede, assim, que seja a Autora/Reconvinda condenada a pagar-lhe a quantia de 60.000,00 euros (Sessenta mil euros), a título de perda/prejuízo por lucros cessantes.

                                                           ***

1.3. - A Autora/Reconvinda replicou para impugnar a factualidade consubstanciadora das excepções alegadas pela Ré/Reconvinte e para pedir a sua condenação como litigante de má-fé, conforme melhor se colhe do teor do respectivo articulado, que aqui se dá por reproduzido por brevidade de exposição.

A Ré/Reconvinte contraditou o pedido de condenação como litigante de má-fé.

***

1.4.- Realizou-se a audiência prévia em sede da qual foi admitido o pedido reconvencional e proferido despacho saneador onde se afirmou a validade e regularidade da instância, tendo-se fixado o objecto do litígio e os temas da prova, sem qualquer reclamação das partes.

***

1.5. - Realizou-se a audiência final com observância das formalidades legais, como da respectiva acta emerge.

Após foi proferida sentença onde se decidiu:

A)- Julgar totalmente improcedente a presente acção, absolvendo-se os RR dos pedidos contra si formulados.

B)- Considerar prejudicado o conhecimento do mérito da reconvenção, por estar dependente do pedido da Autora.

C)- Custas da acção a cargo da Autora, nos termos do artigo 527.º, n.º 1 e 2 do CPC.

D)- Custas da reconvenção a cargo da 1.ª Ré, nos termos do artigo 536.º, n.º 3, primeira parte do CPC.

Notifique e registe.

                                                                       ***

1.6. – Inconformada com tal sentença dela recorreu a A. -  AA -, terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

1. A Recorrente não se conforma com a decisão proferida que julgou inteiramente improcedente a presente ação e absolveu os réus/recorridos dos pedidos formulados pela recorrente.

2. Recorre, por isso, de tal decisão, por a mesma padecer das nulidades previstas no art. 615º, nº1, alínea c) e d) do C.P.C., devendo alterar-se pontos concretos da matéria de facto que adiante se indicarão, bem como, quanto à matéria de direito aplicada ao abrigo do disposto nos arts. 638º, nº1 e 639º do C.P.C.

3. Para fundamentar a sua pretensão a Autora alegou, em síntese, que é proprietária do prédio identificado no artigo 1º da petição inicial, com a área de 37.285 m2, sendo terreno de sequeiro que tem sido destinado à cultura da vinha e pomar, estando atualmente adstrito em mais de 80% da sua área, à cultura de

sabugueiros.

4. Sucede que, o prédio descrito confronta pelo nascente, com o prédio rústico objeto desta ação de preferência, denominado “...”, inscrito na matriz rústica da mesma freguesia, sob o art.º...55 (anteriormente art.º 1023) e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...2... ..., inscrito em nome do segundo e terceira Ré, tendo estes, por escritura pública de compra e venda, celebrada no dia 28 de Dezembro de 2020, no Cartório Notarial ..., declarado vender à primeira Ré, que aceitou comprar esse imóvel pelo preço de

80.000,00 Euros.

5. Porém, à Autora não lhe foram dados a conhecer os elementos da referida compra e venda para a mesma poder exercer o seu direito de preferência relativamente ao prédio descrito.

6. Isto porque, para além de ambos os prédios terem áreas inferiores à unidade de cultura para o Concelho de Tarouca, conforme se encontra definido na Portaria 219/2016 de 9 de Agosto que estipula, como unidade de cultura para o local, 4

hectares (40.000 m2), também não era o comprador do prédio, que outorgou a escritura de compra e venda, proprietário de qualquer prédio confinante com o prédio vendido.

7. Além disso, teve a Autora o cuidado de avisar a primeira Ré, por carta registada com AR, datada de 20 de Janeiro de 2021, para que não procedesse a quaisquer plantações ou obras no local, sob pena de as considerar de má fé, no caso de serem classificadas como eventuais benfeitorias úteis, o que a primeira ré não acatou, uma vez que procedeu à plantação de um pomar com mais de 1000 macieiras, ocupando quase todo o terreno e tentando, deste modo, prejudicar o exercício do direito de preferência da autora.

8. Seguidamente, a Autora depositou, no prazo legal, a quantia de

85.119,67 Euros, referente aos montantes relativos ao preço da alienação e despesas tidas com esse negócio.

9. Apenas a 1ª Ré contestou a ação, fazendo-o por exceção e impugnação apresentando, inclusive, a respetiva reconvenção pedindo que a Autora/Reconvinda fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 60.000 Euros a título de perda/prejuízo a título de lucro cessantes.

10. A Autora/Reconvinda replicou para impugnar a factualidade consubstanciadora das exceções alegadas pela Ré/Reconvinte e para pedir a sua condenação como litigante de má fé.

11. Tendo alegado inclusive, como resposta à exceção invocada pela Ré/Reconvinte referente à inexistência do direito de preferência por parte da Autora/Reconvinda, factos consubstanciadores de uma clara exceção perentória extintiva mencionando que seu prédio não estava sujeito a quaisquer exigências de unidade de cultura, ou de natureza de cultura praticada em virtude do consagrado nos termos do art. 26º do Decreto Lei 73/2009 de 31 de Março, ratificado pelo Decreto Lei

199/2015 de 16 de Setembro por ambos os prédios, quer o prédio da Recorrente, quer o prédio objeto de preferência, estarem inscritos na Reserva Agrícola Nacional – RAN.

12. Tendo existido uma omissão de pronúncia, por parte da Ré relativamente a tais factos, uma vez que no requerimento apresentado no dia 16 de Setembro de 2021, junto aos presentes autos, a mesma não impugnou tais factos, tendo apenas impugnado os documentos juntos com a Réplica, bem como, contraditado o pedido de condenação como litigante de má fé.

13. Realizada a audiência de julgamento, com a respetiva produção de prova, veio a Meritíssima Juiz julgar inteiramente improcedente a ação, absolvendo os Réus dos pedidos contra si formulados.

14. Pretende a Recorrente, com o presente recurso que a sentença proferida pelo Tribunal a quo seja declarada nula por omissão de pronúncia, bem como, por os fundamentos constantes da mesma estarem em oposição com a decisão relativamente à

classificação do prédio da Recorrente como sendo de regadio, o que faz nos termos do artigo 615º, nº1, alíneas c) e d), do C.P.C.

15. Devendo, inclusive, existir uma alteração da matéria de facto com base na reapreciação da prova conforme de vai elencar de seguida.

16. Entende também a recorrente que não foi corretamente interpretado o disposto no art. 1380º, nº1, do C.C. havendo, deste modo, uma incorreta aplicação do direito aos factos constantes da decisão, nos termos do art- 639º, nº2, alínea b),

do C.P.C.

17. Isto porque, na sentença proferida, vem o Tribunal a quo mencionar que a Recorrente omitiu na petição inicial que os prédios em questão estivessem inseridos numa área RAN, facto esse que seria essencial e constitutivo dessa causa de pedir e

que, por ter sido invocado apenas na réplica, não tem cabimento processual, estando vedado o seu julgamento pelo tribunal.

18. Sucede que, salvo o devido respeito pela sentença proferida, tal situação não corresponde à realidade.

19. Isto porque, no momento em que a Recorrente apresentou a sua petição inicial a mesma invocou os factos respeitantes ao exercício do seu direito de preferência, nomeadamente os previstos no artigo 26º, nº2, do Decreto Lei 73/2009 de 31 de Março, ratificado pelo Decreto Lei nº 199/2015.

20. Porém, em sede de contestação/reconvenção veio o Recorrido

comprador, a título de exceção, mencionar que à Recorrente não assistia o direito de preferência previsto no artigo 1380º, nº1, do C.C., em virtude de ambos os prédios serem terrenos de regadio e, consequentemente, ser aplicada ao caso concreto a Portaria 19/2019 de 15 de Janeiro que fixa como unidade de cultura, para estes terrenos, 2,5 hectares.

21. Motivo pelo qual a Recorrente, na réplica apresentada, mais concretamente nos arts. 125º a 133º da mesma, veio invocar que o seu prédio não estava sujeito a quaisquer exigências de unidade de cultura, ou de natureza de cultura praticada, nos

termos do art. 26º do Decreto Lei 73/2009 de 31 de Março, ratificado pelo Decreto Lei 199/2015 de 16 de Setembro por ambos os prédios, quer o prédio da Recorrente, quer o prédio objeto de preferência, estarem inscritos na Reserva Agrícola Nacional – RAN.

22. Consubstanciando tal facto uma clara exceção perentória extintiva invocada pela Recorrente na Réplica apresentada, de acordo com o disposto no art. 587º, nº2 do C.C. e que teve como finalidade extinguir o efeito jurídico dos factos articulados pelo Recorrido comprador relativamente à inexistência do direito de preferência da Recorrente.

23. Sendo que, incumbia ao Recorrido comprador ter apresentado uma resposta relativamente aos factos supramencionados, apresentados pela Recorrente na sua Réplica, impugnando-os por consubstanciar factos novos de resposta a uma exceção.

24. Pelo que, e uma vez que tal circunstância não aconteceu, sempre se dirá que devem ser os mesmos admitidos por acordo, uma vez que o Recorrido comprador, no requerimento que apresentou nos presentes autos, no dia 16 de Setembro de

2021, não impugnou tais factos nem consta dos autos referentes às diligências em que interveio, qualquer resposta.

25. Isto porque, uma vez que foram invocados factos extintivos pela Recorrente, sobres os quais o Recorrido comprador não se pronunciou, admitindo-os por acordo, devia o Tribunal a quo, na sentença proferida, ter-se pronunciado sobre os mesmos e,

consequentemente, considerá-los como factos provados, o que não aconteceu.

26. Verificando-se, deste modo, uma clara omissão de pronúncia por parte do Tribunal a quo ou, subsidiariamente, se assim não se entender, um errado entendimento sobre o mérito desta questão, na sentença proferida relativamente aos factos

descritos, padecendo a mesma de uma nulidade prevista no art. 615º, nº1, alínea d), do C.P.C.

27. Sem prescindir, no final, da sentença recorrida, referente à justificação dos factos não provados escreveu a Srª Juiz: “que não se consideraram os factos novos principais, alegados em sede de réplica, relativos à integração dos terrenos em Reserva

Agrícola Nacional, por consubstanciarem uma alteração da causa de pedir desta ação, inadmissível do que dispõe o artigo 265º do CPC.”

28. A recorrente discorda inteiramente de tal decisão, uma vez que não existe qualquer alteração da causa de pedir como resulta claramente de uma boa interpretação do disposto no art. 265º do C.P.C.

29. Como escreve Abílio Neto no C.P. Civil Anotado V Edição, página 396 “Só existe alteração da causa de pedir se o autor pretende “exercer um direito novo” em relação ao inicial convolando-se de uma para outra relação material.”

30. Não é obviamente o caso presente, dado que, se mantém inteiramente a relação material contra o requerido, inicialmente o constante da p.i.

31. Igualmente, neste sentido, o Acórdão da Relação de Coimbra de 8 de Junho de 2018, constante da mesma Obra, página 398.

32. Contudo e, apesar de se ter alegado a nulidade da sentença por não ter integrado na matéria de facto a conhecer a integração dos prédios na Reserva Agrícola Nacional, importa também mencionar que a sentença recorrida, acabou por decidir ilegalmente, em termos que adiante se esclarecerá, que o julgamento da questão se encontrava vedado pelo Tribunal.

33. Ora, sem prescindir do que já se alegou na invocação da nulidade anterior, sempre se dirá que, a considerar não invocável a alegação de tais factos e daí tirar as consequências legais, constituiu pronúncia sobre a questão de que a sentença não podia pronunciar-se nos termos do citado artº 615º nº 1 d) parte final do C.P. Civil.

34. Na verdade, qualquer alteração da causa de pedir, ilegal, teria de constituir uma nulidade secundária prevista no artº 195º do C.P. Civil.

35. Mas essa nulidade secundária, teria de ser arguida até final da

audiência nos termos do artº 197º e 198º do C.P. Civil e não é do conhecimento oficioso, estabelecendo o Artº 199º do C.P. Civil, o prazo pelo qual a arguição teria de ser deduzida.

36. Ora verificando-se que às datas das audiências prévias de 18/11/21, 12/01/22, 9/11/22 e nas datas de julgamento de 6/12/23, e 24/12/23, não se encontra qualquer requerimento dos réus, sobre a nulidade que pudesse existir de invocação de uma causa de pedir ilegal.

37. Pelo que, a decisão de rejeitar a alegação relativa em que os prédios em causa fazem parte da RAN, está ferida de nulidade, nos termos atrás alegados.

38. Esse facto alegado consta expressamente do documento junto nos autos que foi admitido pela Srª Juiz e cujo valor não foi impugnado concretamente pela ré A....

39. Pelo que, o facto alegado tem que ser dado como provado e extrair-se dele as consequências legais, ou seja, a existência de um direito de preferência legal, nos termos da legislação - Dec.Lei 199/2015 de 16 de Setembro.

40. Tal disposição legal, não sujeita esse direito de preferência legal, a quaisquer exigências de unidade de cultura ou de natureza da cultura praticada.

41. Além disso, e no que concerne à classificação do terreno da Recorrente como sendo de regadio, sempre se dirá que houve, por parte do Tribunal a quo, uma errada classificação do mesmo, verificando-se uma clara nulidade, prevista no artigo

615º, nº1, alínea d) do C.P.C. em virtude de os fundamentos de facto estarem em oposição com a decisão constante da sentença proferida pelo Tribunal a quo.

42. Para o efeito, invoca o Tribunal a quo o disposto no artigo 49º do Regime Jurídico da Estruturação Fundiária, Lei nº 111/2015 de 27/08, nos seus nº 2 e 3 o seguinte:“2- Para efeitos da determinação da unidade de cultura releva a distinção

entre terrenos de regadio, de sequeiro e de floresta, categorias reconhecidas a partir das espécies vegetais desenvolvidas, bem como das características pedológicas, edáficas, hídricas, económico-agrárias e silvícolas dos terrenos, aferidas com recurso às cartas de capacidade de uso do solo.

3- Sempre que não seja possível o reconhecimento do tipo de terreno, nos termos do número anterior, deve ser atribuída a categoria de terreno de sequeiro.”

43. Isto porque, conforme refere o preceito legal invocado, para efeitos de determinação da unidade de cultura, releva a distinção entre terrenos de regadio, de sequeiro e de floresta.

44. Acontece que, na sentença proferida, o Tribunal a quo deu

como provados os seguintes factos:

“H. O prédio da autora tem a área de 37.285m2, tem sido destinado

à cultura da vinha, a pomar e horta, estando actualmente adstrito em cerca de 80% da sua área, à cultura de sabugueiros, predominante na região do Vale do Varosa, concelho de Tarouca, zona apta pelas suas características pedológicas e

económico/agrárias para a cultura do sabugueiro (9º. PI e 100º Rép.)

V. O prédio da Autora confronta com o rio, é circundado por uma levada e regos e encontra-se mecanizado com o sistema de rega gota a gota (29º a 31º Cont).

W.No prédio da Autora existe um reservatório donde é utilizada a água pelo sistema de rega gota a gota, mas apenas nos meses de Maio a Julho, com vista a evitar o forte calor existente nesses meses, com o fim de proteger a maturação dos frutos, sendo que durante todos os restantes meses não é utilizada qualquer água de rega na área plantada com sabugueiros e há cerca de 25 anos que não é utilizada água de qualquer levada.

X. Sem prejuízo do referido em K., no prédio da Autora são cultivados produtos hortícolas numa área de cerca de 1000 m2 (32º Cont).”

45. Tendo considerado como não provado o seguinte facto:

“d. Através da levada e dos regos de rega que circundam o prédio da Autora faz-se a condução e posterior irrigação diária do seu prédio usando para o efeito as águas da levada e do rio.”

46. Além disso, relativamente à cultura do sabugueiro consta da fundamentação de direito da sentença proferida pelo Tribunal a quo o seguinte “o sabugueiro, embora prefira locais húmidos e solos ricos, também se encontra em locais secos e pobres, é

resistente ao frio do Inverno e a floração não é afetada pela geada. Prospera tanto em solos ácidos como em solos muito alcalinos (…) Cultura “rústica” sem grandes exigências de rega e adubação, cultivada ainda de forma extensiva, tem tudo

para poder crescer em termos de produtividade.”

47. E ainda, “ Em concreto, a realidade apurada nesta ação convence-nos de que se trata de uma cultura com necessidades hídricas (se assim não fosse, não se justificava o investimento num sistema de irrigação), ainda que em apenas três meses no ano, tendo ficado provado que o pomar de sabugueiros da Autora está equipado com um sistema mecanizado de rega gota a gota, cuja água provém de um reservatório existente no seu prédio (…) Salvo melhor juízo, apurando-se que a Autora faz aproveitamento hidroagrícola em determinada época do ano, para garantir ou potenciar o desenvolvimento vegetativo do sabugueiro ( ainda que seja só para obter melhores níveis de produção agrícola), entendemos que o seu terreno se deve qualificar como de regadio, implicando assim a área de cultura mais reduzida, ou seja, de 2,5 hectares.”

48. O que mais não consubstancia do que um total contrassenso, com todo o devido respeito pela sentença proferida, uma vez que, por um lado, o Tribunal a quo classifica o terreno da Recorrente como sendo de regadio e, por outro, dá como

provado de que efetivamente não é utilizada água de qualquer levada para regar o prédio da mesma, bem como, de que no mesmo não é utilizada qualquer água de rega na área plantada com os sabugueiros, a não ser nos meses de Maio a Julho e,

apenas para obter melhores níveis de produção agrícola.

49. Além disso e apesar de o Tribunal a quo ter classificado o terreno da Recorrente como sendo de regadio, refere expressamente na sentença proferida, conforme se mencionou acima, que o sabugueiro é uma cultura “rústica” sem grandes

exigências de rega, consubstanciando tal circunstância um claro contrassenso.

50. Isto porque, apesar de a Recorrente regar a área plantada com os sabugueiros, a que corresponde cerca de 80% da sua área total, apenas o faz para obter melhores níveis de produção agrícola.

51. Até porque, conforme consta da fundamentação da decisão de

facto da sentença proferida, a testemunha DD, cujo depoimento foi devidamente valorado pelo Tribunal a quo “revelou ser conhecedor do modo como se cultiva o sabugueiro, bem como dos terrenos em questão, tendo deixado bem claro que a rega se faz por gota a gota por exigência da fábrica alemã que recebe as bagas, que pretende uma baga muito maior e com mais água (…)”, conforme extrato de depoimento de faixa de CD de 00:13:50 as 00:14:22:

“T:- Isso não sei, o que eu sei é que o sabugueiro é que em termos de rega, o sabugueiro é uma árvore que não necessita de rega

J:- Nem no inicio da plantação

T:- E quando uma pessoa faz rega gota a gota no sabugueiro é por

outra razão, é para exigência da fábrica alemã que pretende determinado tipo de baga que vai congelada e essa baga tem de ter muito maior quantidade de água para processo de fermentação”.

52. Significando tal circunstância que a cultura de sabugueiro não é uma cultura de regadio, uma vez que a sentença proferida revela totalmente o contrário, ou seja, que a rega realizada pela Recorrente à sua plantação de sabugueiros era única e

exclusivamente para efeitos de melhoria de produção e, consequentemente, por Exigência da fábrica alemã que recebe as bagas, que pretende uma baga muito maior e com mais água.

53. Pelo que, dúvidas não restam de que a cultura de sabugueiros é claramente uma cultura de sequeiro tal como refere, e bem, o Tribunal a quo na sentença proferida na parte em que menciona que o sabugueiro é uma cultura rústica, sem grandes exigências de rega.

54. A este respeito, veja-se a notícia constante da revista “Vida

Rural” de 14 de Setembro de 2015: “Atualmente, existem cerca de 700 hectares cultivados, por cerca de 850 agricultores, responsáveis por 3500 toneladas de baga fresca – salienta EE, diretora da Associação Flor do Sabugueiro, citando um documento da Direção Regional de Agricultura do Norte. Esta dirigente sublinha que o número tem vindo a aumentar ligeiramente. FF, agricultor em ... (...) considera que o negócio é atrativo e que pode ser uma aposta viável. O preço médio da baga fresca é de 0,375 euros por quilograma, sendo a seca de 2,10 euros. No seu conjunto, a produção de baga de sabugueiro representa um negócio entre dois milhões e 2,2 milhões de euros. O arbusto do sabugueiro encontra-se bem adaptado às condições portuguesas, pois dá-se tanto em terrenos húmidos como secos. Os pomares de FF não são regados. A rega pode melhorar a produção, segundo EE, que, contudo, diz que na região não é costume regar. A mesma dirigente associativa informa que as plantas “crescem à beira dos caminhos e estradas, à beira de algum ribeiro, são árvores lindas, não requerem grande trabalho,

embora prefira locais húmidos e solos ricos, também se encontram em locais secos e pobres. No outono faz-se a poda e não necessita de produtos químicos para produzir”. (…) Os pomares de sabugueiro não necessitam de trabalhos excecionais: “poda, um tratamento às doenças e pouco mais”, refere o mesmo agricultor de .... “

55. Pelo que, conforme se referiu e aqui se reitera, não restam dúvidas de que a cultura de sabugueiros é efetivamente uma cultura de sequeiro apenas existindo rega dos mesmos para efeito de melhoria da produção.

56. Não conferindo tal circunstância a qualidade de regadio ao prédio da Recorrente.

57. A este respeito, veja-se a notícia constante da Agrotec -Revista Técnico Científica Agrícola, de 18 de Setembro de 2018 que classifica a agricultura de regadio da seguinte forma:

“Essa agricultura passa pelo regadio, uma vez que, no clima mediterrânico, a irregularidade e imprevisibilidade da precipitação obriga necessariamente a regar para garantir o sucesso das produções agrícolas, sendo também estratégico na mitigação dos impactos das alterações climáticas e para o ambiente.”

58. O que significa que a agricultura de regadio necessita, obrigatoriamente, de ser regada para garantir o sucesso das produções agrícolas, o que não se passa na  Situação aqui em apreço.

59. Uma vez que, conforme se evidenciou no decurso das presentes alegações, o sabugueiro não é uma cultura em que tenha obrigatoriamente de existir rega para efeitos de produtividade, mas sim, única e exclusivamente para efeitos de melhoria na sua produção.

60. Isto é, a cultura do sabugueiro só é regada para efeitos de exigências da fábrica alemã e, consequentemente, para melhoria da produção do mesmo, conforme se constatou supra, existindo de igual modo sucesso na produção do sabugueiro se

o mesmo não for regado.

61. Além disso, veja-se também o Acórdão da Relação de Évora de 22 de Setembro de 1994, do BMJ, 439, pág. 672, onde se lê: “Para que um terreno possa ser classificado como de regadio, é necessário que a cultura normal e predominante do

mesmo, seja produtos hortícolas.”

62. Pelo que, e em virtude do supra alegado, dúvidas não restam de que a cultura de sabugueiro é uma cultura de sequeiro e não de regadio.

63. Além disso e, conforme já se referiu e aqui se reitera, o Tribunal

a quo deu como provado, no facto H, que o prédio da Recorrente está atualmente adstrito em cerca de 80% da sua área à cultura de sabugueiros, bem como, no facto X., de que são cultivados produtos hortícolas numa área de cerca de 1000 m2.

64. Porém, veja-se a este respeito o disposto no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15 de Janeiro de 1985, na Coletânea de Jurisprudência Ano X, Tomo I, pág. 65 que dispõe “Que a classificação dos terrenos deve ser feita em face

das culturas predominantes no momento da venda, e a partir daí é que se sabe se eles têm ou não área inferior à unidade de cultura.”

65. Também nos Acórdão da Relação de Coimbra de 10/01/1979, e Acórdãos do S.T.J. de 11/10/1979, 1/06/1983 e 12/07/1983 citados do “Arrendamento Rural “ 3ª edição, pág. 60 e seguintes do Dr. Jorge Aragão Seia, se decidiu que a natureza e a

categoria do prédio têm de ser determinadas olhando ao seu todo ou ao conjunto e atendendo às características que predomina na sua maior área e ao seu respetivo significado económico.

66. Também o Acórdão da Relação de Évora de 22/09/1984, no Boletim 439 pág. 672, decidiu que: “Para a classificação e fracionamento de terrenos rústicos para os fins e de acordo com a área de cultura fixada, para determinada região, importa

considerar, o aproveitamento efetivo e não um mero aproveitamento possível.”

67. E ainda, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22 de Maio de 2014, constante do processo 610/07.5TCGMR.G3.51: “Tendo em consideração que um

terreno se pode destinar ao mesmo tempo a culturas de seco, de árvores e de horta, o que vai determinar a sua classificação como terreno de regadio arvense é, nesta detetada generalidade de utilidades, a que dele mais exuberantemente sobressai.”

68. Também neste sentido, o Acórdão da Relação de Coimbra, de 7/02/2017, no processo vindo da Comarca de Viseu, Juízo Cível 3, onde se pode ser pode ler que: “A classificação dos terrenos como de sequeiro ou de regadio, deverá ponderar as espécies vegetais ali cultivadas, mas também as próprias características dos terrenos e da sua exploração.”

69. Inexistindo dúvidas de que a classificação dos terrenos, como de sequeiro ou de regadio se deve realizar em virtude da cultura que dele mais exuberantemente sobressai que, no caso em apreço, é a cultura de sabugueiro à qual o prédio da Recorrente está adstrito em cerca de 80% da sua área, conforme ficou provado na sentença proferida.

70. Pelo que, por todo o exposto, deve o terreno da Recorrente ser classificado como terreno de sequeiro estando, desta forma, preenchidos todos os pressupostos para o exercício do direito de preferência previsto no artigo 1380º, nº1, do C.C.

71. Uma vez que quer o prédio objeto de preferência, quer o prédio da Recorrente já teriam uma área inferior à unidade de cultura de acordo com o disposto na Portaria nº 19/2019 de 15 de Janeiro, anexo II, localizado na Região NUT II – Norte, Região NUT III – Douro que fixa como unidades de cultura 4 ha para os

terrenos de sequeiro.

72. Assim sendo e em face de todo o exposto, padece a sentença de uma nulidade no que respeita à classificação do terreno da Recorrente como sendo de regadio nos termos do art. 615º, nº1, al. c), do C.P.C., devendo essa mesma classificação realizada pelo Tribunal a quo, ser alterada para terreno de sequeiro verificando-se, deste modo, todos os pressupostos necessários para o exercício deste direito real de preferência previstos no artigo 1380º, nº1, do C.C.

73. Além disso e no que respeita à alteração da matéria de facto provada e não provada, importa mencionar o seguinte relativamente aos factos considerados provados na sentença.

74. Ora, no ponto H) nos factos considerados provados foi considerado apenas que o prédio da autora tem a área de 37.285 m2, tendo sido destinado a cultura de vinha, pomar e horta, estando atualmente adstrito em cerca de 80% da sua área à cultura de sabugueiros, que predominante na região do Vale do Varosa, concelho de Tarouca, com as características pedológicas e económicas/agrárias para a cultura de

sabugueiro.

75. Deve concretizar-se para lá constar, nomeadamente, o alegado no artº 85º da Réplica, relativamente às áreas das culturas praticadas no prédio da autora, referindo-se, aproximadamente os valores indicados nesse artº 85º.

76. Tais factos resultam provados do depoimento gravado de GG;

77. Testemunha GG (depoimento prestado na sessão de audiência de julgamento do dia 24/11/2023, gravado no ficheiro 758-21.3T8VIS_2023-11-24_11-07-59, de 00:0:00 a 00:24:07, tendo ocorrido o seu início pelas 11:07h e termo pelas 11:32h. (extrato de faixa de CD de 00:06:11 a 00:07:03)

78. E ainda do depoimento gravado do Engº HH:

79. Testemunha HH (depoimento prestado na sessão de audiência de julgamento do dia 24/11/2023, gravado no ficheiro 758-21.2T8VIS_2023-11-24_14-26-15 de 00:00:00 a 00:43:41, tendo ocorrido o seu início pelas 14,26h e termo pelas 15:09h) (extrato de faixa de CD de 00:07:58 a 00:08:20)

80. E também do depoimento gravado de II

;

81. Testemunha II (depoimento prestado na sessão de julgamento do dia 24/11/2023, gravado no ficheiro 758-21.3T8VIS_2023-11-24_11-33-02 de 00:00:00 a 00:14:58, tendo ocorrido o seu início

pelas 11:33h e termo pelas 11:48h) (extrato de faixa de CD de 00:08:09 a 00:08:53)

82. As áreas e as espécies cultivadas no prédio da autora, estão também indicadas no relatório pericial, junto aos autos, e no levantamento topográfico junto pela autora.

83. Deste modo a alínea H) deve ser retificada de modo a constar o seguinte:“  ponto H) dos factos considerados provados, deve passar a constar o seguinte: O prédio da autora tem a área de 37.285 m2, tem sido destinado a cultura da vinha, a

pomar e horta, estando atualmente adstrito de cerca de 80% da sua área à cultura do sabugueiro predominante na região do Vale do Varosa, concelho de Tarouca, zona apta pelas suas características pedológicas e económico/agrárias para a cultura

do sabugueiro, sendo aproximadamente superior a mais de 85% da área total do prédio, rondando os 30.000 m2, com vinha de cerca de 1900 m2, um pequeno pomar de macieira de 5000 m2 e uma área hortícola entre 300 e 1000 m2.

84. Deve ser retificada a alínea K) dos factos dados como provados retirando dessa matéria de facto provada a menção ao artº 4º da p.i. do prédio em causa, que não é o prédio da autora indicado no artº 4º da p.i., mas sim o prédio adquirido pela ré

Sociedade Comercial.

85. Deve igualmente ser retificado e retirado do prédio que o mesmo é destinado à cultura de sabugueiro e pomar de macieiras mais de 80% da sua área pois que tal não resulta de qualquer depoimento das testemunhas inquiridas e da prova

gravada, nem documentos juntos aos autos.

86. Pelo contrário deve acrescentar-se a esses factos provados da alínea K), que o prédio objeto de preferência estava abandonado há uns 6 ou 7 anos, como consta do depoimento gravado de GG, acima indicada, (extrato de faixa de CD de 00:20:46 a 00:21:11)

87. E do depoimento de HH, acima identificado, (extrato de faixa de CD de 00:10:50 a 00:10:53) (extrato de faixa de CD de 00:11:21 a 00:11:45)

88. E do depoimento da testemunha JJ, testemunha arrolada pela ré e funcionário da B...

89. Testemunha JJ (depoimento prestado na sessão de audiência de julgamento do dia 24 de Novembro de 2023, gravado no ficheiro 758-21.3T8VIS_2023-11-24_15-10-24, de 00:00:00 a 00:27:03, tendo ocorrido o seu inicio pelas 15:10h e termo pelas 15:37h) (extrato de faixa de CD de 00:23:12 a 00:23:37)

90. Deve assim acrescentar-se aos factos provados na alínea K),

além de retirar os factos provados já referidos, deve acrescentar-se que o prédio antes de ser objeto da preferência, se encontrava praticamente abandonado, ou muito mal cultivado. Assim, a alínea K) deve ser retificada e acrescentada de modo a que a mesma passe a ter a seguinte redação: O prédio objeto da preferência, tem a área declarada de 20.685 m2, foi essencialmente destinado a cultura de sabugueiro e

pomar de macieiras, mas nos últimos 6 ou 7 anos, encontrava-se praticamente abandonado, mal cultivado e até cheio de lixo.

91. No que respeita aos factos que a sentença não apreciou e não considerou e que devem ser considerados provados importa mencionar que a conclusão de que os prédios da autora e o prédio objeto da preferência, são terreno de sequeiro, é uma

conclusão de facto que pode extrair-se perfeitamente, nomeadamente nos pontos dados como provados nas alíneas H), I), W), X).

92. Assim deve dar-se como provado o que se encontra alegado no artº 86º da Réplica, onde se alegou todas as culturas com a exceção de cultura agrícola são culturas de sequeiro.

93. Deve igualmente dar-se como provado que os terrenos que se situam numa área seca e pouco chuvosa, e também o alegado no artº 89º da Réplica onde se alega que a cultura do sabugueiro constitui uma exploração racional e economicamente rentável.

94. A conclusão de que o prédio da autora e o prédio objeto da preferência, são térreos de sequeiro, é uma conclusão de facto e não de direito, que pode e deve extrair-se perfeitamente, nos pontos dados como provados das alíneas (H), (I), (W) e (X), reforçando as premissas de que resulta a conclusão de facto atrás referida, impõe que passem a constar da enumeração dos factos provados, o que se encontra alegado os artºs 91º, 92º, 93º e 95º, 99º e 100º.

95. Tais factos que constituíam exceção perentória extintiva alegada pela ré na sua contestação, permitiam que fossem invocados pela autora na sua Réplica.

96. Pelo que não foram contraditados de qualquer modo ou qualquer oposição com a contestação da ré contestante aos mesmos, devem ser considerados como admitidos por acordo, e assim a matéria de facto deve ser aumentada com mais as

seguintes alíneas dos factos provados.

97. CC) artº 91º As características físicas e químicas do terreno são as mais aptas para essa cultura de sabugueiro, predominantemente na região do Vale de Varosa enquanto englobadas no concelho de Tarouca.

98. Além de admitido por acordo, tal facto consta dos artigos Doutrinais citados pela autora na sua Réplica e que adiante igualmente se fará referência.

99. DD) Trata-se de variedades silvestres diretamente postas em produção, a fundamentação é a mesma do anterior.

100. EE) É uma área seca e pouco chuvosa

101. FF) - Não existe no prédio da autora qualquer aproveitamento de águas pluviais e nem recurso a águas alheias, não existe qualquer depoimento em contrário na prova gravada, e encontra-se admitido por acordo.

102. GG) O prédio da autora nunca foi servido pela água do rio, igual fundamentação.

103. HH) – A cultura de sabugueiro existente no prédio da autora

constitui uma exploração racional e economicamente rentável dadas as características do terreno, igual fundamentação.

104. De todos estes factos que atrás devem ser considerados provados e como tal não foram considerados na sentença, terá de concluir-se que os prédios são de sequeiro e não de regadio como resulta do depoimento GG,

acima indicado, (extrato de faixa de CD de 00:10:00 a 00:10:19) (extrato de faixa de CD de 00:10:30 a 00:10:38)

105. E do depoimento do professor DD

106. Testemunha DD (depoimento prestado na sessão de audiência de julgamento do dia 24 de Novembro de 2023, gravado no ficheiro 758-21.3T8VIS_2023-11-24_11-33-02, de 00:00:00 a 00:19:39, tendo ocorrido o seu inicio pelas 11:55h e termo pelas 12:15h) (extrato de faixa de CD de 00:13:45 a 00:14:22)

107. Assim deve dar-se como provado o seguinte facto: II) Quer o terreno da autora, quer o terreno objeto de preferência são terrenos de sequeiro.

108. No que respeita aos factos que devem ser considerados provados e que a sentença deu como não provados, importa mencionar que a sentença recorrida deu como não provado o seguinte facto: ““A autora notificou a primeira ré datada de

20/01/2021, para que não procedesse a quaisquer plantações ou obras no local, sob pena de as considerar de má fé, no caso de serem classificadas como eventuais benfeitorias uteis”.

109. A autora alegou na petição inicial – artº 29º - ter enviado à ré

A... Ldª uma carta datada de 20/01/2021, para que não procedesse a plantações no local, e exercer o seu direito de preferência sobre o prédio adquirido pela ré, sob pena de considerar as plantações como benfeitorias de má fé.

110. Na Réplica esclareceu este ponto, dado a negação da ré, que pode constituir uma exceção perentória a que respondeu, alegando no artº 170º da Réplica, que em 20/01/2021, informou essa ré, por carta registada com AR.

111. Acontece que por manifesto lapso não foi junto com esse articulado a prova de que a carta enviada pela autora em 20/01/2021 e cuja copia se encontra junto aos autos, foi remetida com aviso de receção e que foi entregue ao A... Ldª, em 21/10/2021.

112. Tendo a autora alegado a existência da carta registada com AR que por lapso não juntou seria expetável que a Srª Juiz do processo, salvo o devido respeito, deveria ter notificado a autora para fazer prova de que a carta foi enviada com aviso de receção, o que não aconteceu.

113. O artº 425º do C.P. Civil, permite que seja junto com a interposição de recurso e a respetiva Motivação, novos documentos, como refere Abílio Neto no “Código do Processo Civil Anotado”, V Edição, ao referir ser admissível essa junção

pág. 670.“ No caso da junção só se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª Instância”

114. Igualmente resulta a mesma Doutrina dos Acórdãos do S.T.J. de 27/06/2002, Acórdão da Relação do Porto de 16/01/2023, Acórdão da Relação de Coimbra de 14/09/2010.

115. Na verdade, por mero lapso que o documento não foi junto, quando ele existia, e se torna absolutamente necessário para invalidar a resposta constante da sentença recorrida, relativamente aos factos não provados.

116. Deve, pois, admitir-se a junção de tal documento e em consequência dá-se como provado o facto da autora ter remetido carta registada com AR, nos termos da copia da carta junto aos autos.

117. Assim, à matéria de facto provada deve acrescentar-se o seguinte: JJ) – A autora remeteu à ré A... em 20/01/2021, a carta cuja copia foi junta com a petição inicial, carta essa remetida com AR que a ré A... Ldª, recebeu em 21/01/2021.

118. Contudo, caso assim não se entenda, o que não se concede e apenas por mera hipótese académica se invoca, sempre se dirá que houve, por parte do Tribunal a quo, uma errada interpretação do artigo 1380º, nº1, do C.C.

119. Conforme se referiu e aqui se reitera, invocou o Tribunal a quo, como fundamento legal para a pretensão da Recorrente, o disposto no art. 1380º, nº1 do C.C.

120. Mencionando-se, na sentença proferida, a anotação realizada por Pires de Lima e Antunes Varela ao preceito legal invocado e, em que se enunciam como pressupostos deste direito real de preferência os seguintes:

a) Que tenha sido vendido um prédio com área inferior à unidade de cultura;

b) Que o preferente seja dono de prédio confinante com o prédio alienado;

c) Que o prédio do proprietário que se apresenta a preferir tenha área inferior à unidade de cultura;

d) Que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante.

121. Para o efeito, e em face dos factos dados como provados em A, F, G, I a M afirma o Tribunal a quo, com segurança, que estão preenchidos três dos pressupostos exigidos pelo artigo 1380º, nº1 do C.C., ou seja, que foi efetivamente vendido um

prédio rústico com área inferior à unidade de cultura, uma vez que o mesmo tem a área declarada de 20.685 m2, que a preferente e aqui Recorrente é proprietária de um prédio rústico confinante a nascente, bem como, de que a Recorrida compradora não era, à data da alienação, proprietária confinante.

122. Porém, entende o Tribunal a quo que é também exigido que o terreno do proprietário que se apresenta a preferir, no caso o terreno da Recorrente, tenha também uma área inferior à unidade de cultura, sendo certo que o prédio da mesma, que se situa na União de Freguesias ... e ..., apresenta uma área de 37.285m2.

123. Tendo o Tribunal a quo, na sentença proferida, invocado o disposto na Portaria 10/2019 de 15 de Janeiro, anexo II que fixa para o concelho de Tarouca, localizado da Região NUT II –Norte, Região NUT III – Douro, como unidade de cultura, em hectares, 2,5 ha para terreno de regadio, 4 ha para terreno de sequeiro e 4 ha para terreno de floresta.

124. Entendendo o Tribunal recorrido qualificar o prédio da Recorrente como terreno de regadio sendo que e, em virtude de tal qualificação, não estão preenchidos todos os pressupostos uma vez que o prédio da mesma tem área superior à unidade

de cultura fixada na portaria descrita isto porque, o prédio descrito apresenta uma área de 37.285 m2, ou seja, uma área superior a 2,5 ha fixada para os terrenos de regadio.

125. Além disso, é também invocado na sentença descrita o preceituado no artigo 1410º, nº1 do C.C., tendo o Tribunal a quo dado como provado no facto O. que os Recorridos vendedores não comunicaram à Recorrente o projeto ou intenção de venda do prédio objeto de preferência, nem lhe comunicaram previamente à escritura a identidade do comprador, o preço pelo qual iria ser vendido, o modo de pagamento e a data prevista para a escritura.

126. Sendo que, a escritura do prédio objeto de preferência veio a ser celebrada em 28 de Dezembro de 2020, tendo a presente ação sido proposta pela Recorrente no dia 22 de Fevereiro de 2021, ou seja, no prazo de seis meses previsto no artigo 1410º,

nº1, do C.C. tendo sido, nos 15 dias seguintes à sua propositura depositado o preço e as demais quantias, não subsistindo quaisquer dúvidas ao Tribunal a quo sobre a possibilidade de a Recorrente acionar o seu invocado direito real de aquisição.

127. Ora, em virtude do supramencionado, importa mencionar que foi única e exclusivamente em virtude do não preenchimento de um dos pressupostos previstos na anotação realizada ao artigo 1380º, nº1 do C.C. por Pires de Lima e Antunes Varela que o Tribunal a quo considerou a ação aqui em questão totalmente improcedente.

128. Isto porque, conforme se referiu e aqui se reitera, o único pressuposto, dos constantes da anotação supra descrita, que não se encontrava preenchido era o referente à área inferior à unidade de cultura do prédio da Recorrente, em virtude de o

mesmo ter sido qualificado como terreno de regadio.

129. Porém, não tem sido este o entendimento da jurisprudência maioritária relativamente aos pressupostos exigidos pelo artigo 1380º, nº1, do C.C. referente ao exercício do direito de preferência.

130. A este respeito, vejamos o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 28 de Fevereiro de 2023, processo nº 3510/21.2T8VFR.P1 “São pressupostos do direito legal de preferência previsto no artigo 1380.º, n.º 1, do CC: a) Que tenha sido vendido ou dado em cumprimento um prédio rústico; b) Que o preferente seja proprietário de um prédio rústico confinante com o prédio alienado; c) Que, pelo menos, um daqueles prédios tenha uma área inferior à unidade de cultura;

d) Que o adquirente do prédio não seja proprietário (de prédio rústico) confinante.”

131. No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15 de Dezembro de 2020, processo nº 281/13.0TBPCV.C2 “I- São pressupostos do direito legal de preferência previsto no artº. 1380º, nº 1, do C. Civil: a) Que tenha sido vendido ou dado em cumprimento um prédio rústico;

b) Que o preferente seja dono/proprietário de um prédio rústico confinante com o prédio alienado; c) Que, pelo menos, um daqueles prédios tenha uma área inferior à unidade de cultura;

d) Que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante.”

132. Também no mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18 de Maio de 2021, processo nº 178/190.0T8MBR.C1 “ I- São pressupostos do direito legal de preferência previsto no artº. 1380º, nº. 1, do C. Civil:a) Que tenha sido vendido ou dado em cumprimento um prédio rústico;b) Que o preferente seja dono/proprietário de um prédio rústico confinante com o prédio alienado;c) Que, pelo menos, um daqueles prédios tenha uma área inferior à unidade de cultura;d) Que o adquirente do prédio não seja proprietário de prédio rústico confinante.”

133. E ainda, “Como é sabido, com o direito de preferência estabelecido em tal normativo a favor dos proprietários de terrenos confinantes visou-se, no fundo, obviar aos inconvenientes derivados da exploração agrícola em áreas fragmentadas, em que predomina o minifúndio, com superfícies inferiores à unidade de cultura fixada para cada zona do país, favorecendo a recomposição de áreas rurais mínimas, por forma a maximizar, assim, a rentabilidade económica da sua exploração agrícola. Ou seja, e por outras palavras, o direito de preferência fundado na confinância de prédios (artº. 1380º do CC) insere-se num conjunto de disposições legais que têm por finalidade lutar contra a excessiva fragmentação da propriedade rústica, visando, assim, fomentar o seu emparcelamento. Numa leitura simplista daquele citado texto legal,  desacompanhada de qualquer outro elemento, resulta, por um lado, que o requisito

da área inferior à unidade de cultura passa a referir-se ostensivamente não apenas ao prédio rústico alienado mas a ambos os prédios confinantes; e, por outro, afirma-se

explicitamente que o direito de preferência em causa é um direito recíproco de prelação, que liga os titulares de todos os prédios confinantes. Passados, porém, mais de 20 anos sobre a publicação e a entrada em vigor do Cód. Civil, veio o DL nº.

348/88, de 25/10, rever o problema do emparcelamento rural em geral e aproveitar a oportunidade para modificar de novo o regime legal relacionado com os minifúndios.

Diploma esse que passou a preceituar no seu artº. 18º, nº. 1, que “Os

proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência previsto no artigo 1380.º do Código Civil, ainda que a área daqueles seja superior à unidade de cultura”.”

134. E ainda, “Normativo esse, de redação manifestamente pouco feliz, que veio, após a sua publicação, lançar alguma confusão, não apenas pelo seu texto como também pela sua relação com a acima citada norma do Cód. Civil, na doutrina e

jurisprudência, originando, sobretudo ab initio, interpretações dispares sobre os pressupostos do direito legal de preferência baseado na confinância de prédios rústicos (vide a propósito, e por todos, o prof. A. Varela, in “RLJ, Ano 127º, nº. 3849, pág.

370”). Porém, com o tempo, tais dissonâncias foram-se esbatendo, sendo hoje entendimento dominante que a preferência legal remodelada pelo citado DL nº. 348/88 continua a ser um direito recíproco de prelação, que tanto se aplica à venda de minifúndios como à alienação de prédios rústicos de área superior à unidade de cultura, e que aproveita ao mesmo tempo, quer aos donos dos minifúndios, quer aos titulares de prédios com área superior à unidade de cultura, contanto que um deles – o titular da preferência ou o obrigado à preferência -seja proprietário de um minifúndio.

Ou seja, por outras palavras, e através do apelo ao elemento teleológico e a uma interpretação restritiva do citado normativo daquele referido diploma, passou a entender-se que é de conceder o direito de preferência reciproco aos proprietários de terrenos confinantes sempre que um deles tenha área inferior à unidade de cultura, qualquer que seja a área do outro (vide, por todos, os profs. A. Varela, in “Ob. cit., n.º 3847, pág. 308 e ss”; H. Mesquita, in “Parecer publicado na CJ, ano XVI, pág. 37 e

ss”; Galvão Teles, in “Revista O Direito, ano 124, pág. 7”; e Ac.do STJ de 13.10.1993, in “CJ, Acs. do STJ, Ano I, T3 –64”). Diga-se ainda que constitui hoje entendimento pacífico não constituir pressuposto do exercício do referido direito de preferência que os prédios confinantes envolvidos no exercício de direito de preferência apesentem uma unidade ou identidade de culturas (cfr., por todos, Assento do STJ de 18/3/86, in “BMJ 355, pág.121”, hoje com valor de Ac. UJ – nos termos do estatuído no artº. 17º, nº. 2, do DL nº. 329-A/95, de 12/12).”

135. Sendo, deste modo e, por tudo o quanto se alegou acima, entendimento dominante da jurisprudência que o exercício do direito de preferência, nos termos do artigo 1380º, nº1, do C.C. depende apenas do preenchimento dos seguintes

pressupostos:

a) Que tenha sido vendido um prédio rústico;

b) Que o preferente seja proprietário de um prédio rústico

confinante com o prédio alienado;

c) Que, pelo menos, um daqueles prédios tenha área inferior à unidade de cultura;

d) Que o adquirente do prédio não seja proprietário de prédio (rústico) confinante.

136. Conforme já se mencionou no decurso das presentes alegações e, que aqui se reitera, na sentença proferida pelo Tribunal Recorrido, ficou provado a venda do prédio objeto de preferência, sendo a Recorrente proprietário de um prédio rústico confinante com o prédio alienado, bem como, de que o Recorrido comprador não era proprietário de qualquer prédio rústico confinante.

137. Porém e conforme também se mencionou e aqui se reitera, exigia o Tribunal a quo, na sentença proferida, que quer o prédio alienado, quer o prédio confinante tivessem áreas inferiores à unidade de cultura.

138. Contudo, e de acordo com todo o exposto, dúvidas não restam

acerca da desnecessidade do preenchimento de tal pressuposto, uma vez que conforme se mencionou, para exercer o direito de preferência nos termos do artigo 1380º, nº1,

do C.C. apenas é necessário que, pelo menos, um dos prédios (o prédio alienado ou o prédio confinante) tenha área inferior à unidade de cultura.

139. Além disso, conforme também se mencionou no decurso das presentes alegações, decidiu o Tribunal a quo qualificar o terreno objeto de preferência como um terreno de regadio sendo aplicável ao caso em questão a Portaria 19/2019 de 15

de Janeiro.

140. Sendo que, no âmbito da Portaria supracitada, mais especificamente no Anexo II da mesma, estão fixadas, para o concelho de Tarouca, como unidades de cultura, 2,5 ha para o terreno de regadio.

141. Conforme se constata, através de todo o exposto, o único pressuposto exigido, nos termos do art. 1380º, nº1, do C.C. referente às unidades de cultura é o de que, pelo menos, um dos prédios (o prédio alienado ou o prédio confinante) tenha

área inferior à unidade de cultura.

142. Acresce que, o Tribunal a quo, na sentença proferida, considerou como factos provados nos pontos H e K que o prédio da Recorrente tem a área de 37.285 m2 e o prédio objeto de preferência tem a área declarada de 20.685 m2.

143. Significando isto que se encontram reunidos todos os pressupostos necessários para que a Recorrente pudesse invocar o seu direito de preferência, nos termos do artigo 1380º, nº1, do C.C. uma vez que, pelo menos um dos prédios, no caso o prédio objeto de preferência, tem uma área inferior à unidade de cultura, ou seja, uma área inferior a 2,5ha conforme se encontra estipulado na Portaria supra descrita.

144. Não relevando, para o exercício do direito de preferência nos termos do preceito legal invocado que o prédio da Recorrente tenha uma área superior à unidade de cultura estabelecida na Portaria nº 19/2019.

145. A este respeito, veja-se o disposto no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18 de Maio de 2021, processo nº 178/19.0T8MBR.C1 “Adiante-se, desde já, também que dado o tipo e a natureza dos terrenos envolvidos e aqui em discussão,

e dada a sua localização (no distrito de Viseu), a área respetiva da unidade de cultura fixada para essa zona é de 2 hectares (cfr. Portaria n.º 202/70, de 21/04, ex vi artº. 53º do DL nº. 103/90, de 22/03). E quanto ao 3º. desses pressupostos legais (“Que, pelo menos, um daqueles prédios tenha uma área inferior à unidade de cultura”)? Da perscrutação da matéria factual apurada a esse respeito (cfr. pontos 2. e 5.), facilmente, a nosso ver, é de concluir que o mesmo também se mostra verificado, pois que dela ressalta que ambos os referidos prédios têm uma área inferior à unidade legal de cultura fixada (e que se cifra em 2 hectares, como acima já deixamos referenciado) para a zona em que se situam (sendo certo que, como supra deixámos plasmado, bastaria que tal sucedesse em relação apenas a um daqueles prédios confinantes envolvidos).”

146. Pelo que e, por este motivo e com todo o devido respeito existiu, por parte do Tribunal a quo, na sentença proferida, uma errada interpretação dos pressupostos do direito real de preferência previstos no artigo 1380º, nº1, do C.C.

147. Devendo, por tudo o exposto, o preceito legal invocado, bem como os pressupostos respeitantes ao mesmo, ser interpretado nos termos descritos no decurso das presentes alegações, uma vez que tem sido esse o entendimento da jurisprudência

maioritária.

148. Razão pela qual deve a ação ser julgada totalmente procedente em virtude de estarem preenchidos todos os pressupostos necessários para o exercício do direito de preferência previsto no artigo 1380º, nº1, do C.C.

149. Deste modo, e sempre com o devido respeito pela Meritissima Juiz que proferiu a sentença, deverá a mesma ser revogada, julgando-se este recurso inteiramente procedente, atendendo às nulidades invocadas, bem como, à errada interpretação do art.1380º, nº1 do C.C., e com a consequente condenação dos

réus/recorridos nos pedidos formulados pela recorrente na sua petição inicial.

Assim, farão Vossas Ex.as JUSTIÇA”

                                               ***

1.7.- Feitas as notificações a que alude o art.º 221.º, do C.P.C., responder a R. - A... LDA -, não terminando a sua motivação com conclusões, pugnando no entanto, pela improcedência do recurso.

                                               ***

1.8.- Foi proferido despacho a receber o recurso do seguinte teor:

“ Requerimento com a referência n.º 6384341, para interposição de recurso da sentença final pela Autora:

Por ser legal e tempestivo admito o recurso interposto através do requerimento em epígrafe, que é de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo - artigos 627º, n º 1, 629º, n º 1, 631º, n º 1, 633.º, n.º 1, 637º, n º 1 e 2, 638.º, n.º 1, parte final, 644.º, n.º 1 a), 645.º, n.º 1 a) e 647.º, n.º 1 todos do CPC.

Notifique.

*

Após, subam os autos ao Venerando Tribunal da Relação de Coimbra.”

                                                                       ***

            1.9.- Colhidos os vistos cumpre decidir.

                                                                       ***

2. - Fundamentação.

Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:

A. A Autora é legitima proprietária e possuidora do seguinte prédio “Terreno de cultura, ramada, vinha, pomar, sabugueiros, pastagem e lameiro, sito na Quinta ..., inscrito na matriz rustica da União de Freguesias ... e ... sob o artº 1853 (anteriormente artº 1022) e inscrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº ...44/... (1.ºPI).

B. O referido prédio encontra-se inscrito na referida Conservatória em nome da Autora pela AP. ... de 1980/01/07 (2.ºPI).

C. O referido prédio veio à propriedade e posse da Autora, por herança e doação de seus maiores há dezenas de anos (3.º PI).

D. A Autora por si e antecessores vem possuindo o referido prédio por mais de 15, 20 e 30 anos, nele plantando árvores, nomeadamente sabugueiros, colhendo os respetivos frutos, tratando da vinha e colhendo as respetivas uvas, apascentando gado no lameiro, extraindo dele todas as utilidades suscetíveis de proporcionar e suportando os respetivos encargos. (4.ºPI)

E. À vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, com a consciência de não lesar direitos de outras pessoas e a convicção de exercer um direito próprio de proprietária. (5.ºPI)

F. O prédio tinha as seguintes confrontações: Do Norte com o caminho público, do sul com o ribeiro de ..., do nascente com KK e do poente com LL (7.ºPI)

G. Mantêm-se todas as confrontações exceto as confrontações pelo nascente com KK, que foi avô dos segundos e terceiros réus, com quem o prédio pelo nascente, actualmente confronta. (8.ºPI)

H. O prédio da Autora tem a área de 37.285 m2, tem sido destinado à cultura da vinha, a pomar e horta, estando actualmente adstrito em cerca de 80% da sua área, à cultura de sabugueiros, predominante na região do Vale do Varosa, concelho de Taouca, zona apta pelas suas características pedológicas e económico/agrárias para a cultura do sabugueiro (9.º PI e 100.º Rép.).

I. No mesmo lugar da ..., existe outro prédio rustico denominado “...”, constituído por pomares, videiras, sabugueiros, árvores dispersas, pastagem, inscrito na matriz rustica da mesma freguesia, sob o artº 1855 ( anteriormente artº 1023) e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...2/... inscrito em nome do segundo e terceira Réus pela Ap. ... de 1997/09/16 (10.ºPI e certidão de registo predial junta como doc. 4)

J. Esse prédio tem as seguintes confrontações: Do norte com o caminho e MM, do sul com a Levada e rio, nascente com NN e MM e do poente com a Autora AA (11.ºPI).

K. Tal prédio tem a área declarada de 20.685 m2 e tem sido essencialmente destinado à cultura de sabugueiros e pomar de macieiras (em mais de 80% da sua área). (4.º e 12.ºPI).

Redação dada em 1.ª instância

“O prédio objeto da preferência, tem a área declarada de 20.685 m2, foi essencialmente destinado a cultura de sabugueiro e pomar de macieiras, mas nos últimos 6 ou 7 anos, encontrava-se praticamente abandonado”.

Redação dada por este Tribunal

L. O prédio da Autora confronta pelo nascente, com o prédio identificado em I, pelo poente deste (13.ºPI)

M. A confrontação estende-se por cerca de 290 metros (14.ºPI).

N. Por escritura pública de compra e venda, celebrada em 28 de Dezembro de 2020, no Cartório Notarial ... o segundo e terceira Réus declararam vender à primeira Ré que aceitou comprar, o prédio denominado “...” e identificado em I, sendo que esta não era proprietária de qualquer prédio confinante com o prédio vendido (15.º e 17.º PI).

O. Os vendedores não comunicaram à Autora, o projeto ou intenção da venda desse prédio, nem lhe comunicaram previamente à escritura a identidade do comprador, o preço pelo qual iria ser vendido o prédio, o modo de pagamento e a data prevista para a escritura (20.º e 21.ºPI).

P. O preço atribuído ao prédio descrito em I. foi de 80.000,00 Euros (22.ºPI).

Q. O IMT pago sobre este prédio, foi de 4.000,00 Euros (23.ºPI).

R. O imposto de selo pago foi de 720,71 Euros (25.ºPI).

S. O preço pago no Cartório Notarial referente à celebração da escritura foi de 398,96 Euros (26.ºPI).

T. Para além do prédio referido em I, a 1.ª Ré adquiriu dos co-Réus, através do mesmo título, outros quatro prédios rústicos, a saber: prédio rústico, sito no ..., composto por cultura, sabugueiros e pastagem, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...79; prédio rústico, sito no ..., composto por cultura com sabugueiros, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...87; prédio rústico, sito no campo ..., composto por terra de cultura, pastagem e sabugueiros, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...97 e prédio rústico, sito na ..., composto por cultura e sabugueiros, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...09 (7.º Cont)

U. Os referidos prédios adquiridos pela 1.ª Ré foram objecto de um acordo escrito denominado de contrato de comodato, outorgado em 01/01/2017, entre os 2.º e 3.ª Réus e a sociedade B... Limitada, conforme documento junto a fls. 44 verso a 45 verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (16.º Cont).

V. O prédio da Autora confronta com o rio, é circundado por uma levada e regos e encontra-se mecanizado com sistema de rega gota a gota (29.º a 31º Cont).

W. No prédio da Autora existe um reservatório donde é utilizada a água pelo sistema de rega gota a gota, mas apenas nos meses de Maio a Julho, com vista a evitar o forte calor existente nesses meses, com o fim de proteger a maturação dos frutos, sendo que durante todos os restantes meses não é utilizada qualquer água de rega na área plantada com sabugueiros e há cerca de 25 anos que não é utilizada água de qualquer levada (96.º a 98.º Rep).

X. Sem prejuízo do referido em K, no prédio da Autora são cultivados produtos hortícolas numa área de cerca de 1000m2 (32º Cont).

Y. O prédio aludido em I. encontra-se a ser explorado por parte da sociedade B... Limitada (69.º Cont).

Z. Em 21 de Março de 2018 a 1.ª Ré A... Limitada, outorgou com os referidos co-réus BB e CC, um contrato promessa de compra e venda, referente aos prédios que veio a adquirir (70.º Cont).

AA. Na sequência de tal contrato a 1.ª Ré entrou de imediato na posse dos referidos imóveis (71º Cont).

BB. Os 2.º e 3.ª Réus, enquanto promitentes vendedores, a 1.ª Ré enquanto promitente compradora e a comodatária B... Limitada, em 01.04.2018, formularam um aditamento ao referido contrato de comodato com o seguinte clausulado:

PRIMEIRA

A título gratuito, a primeira outorgante, que adquiriu a posse dos prédios supra identificados por força do contrato promessa celebrado com a terceira outorgante, entrega à segunda outorgante, os identificados prédios, autorizando-a a possuí-los e ocupá-los para granjeio e exploração agrícola ali aplicando quaisquer técnicas de uso e ocupação dos solos agrícolas, incluindo de culturas intensivas dos solos.

SEGUNDA

Consequentemente, a segunda outorgante fica desde já autorizada a realizar nos prédios rústicos, as alterações que entender convenientes e necessárias à sua adequada e necessária exploração agrícola, efectuando as obras que entender convenientes, nomeadamente, surribas, reconversões de culturas, execução de sistemas de rega e plantações, entre outras.

TERCEIRA

Este contrato tem início no dia 1 de Abril de 2018 e é celebrado pelo prazo de dez anos.

QUARTA

Findo porém o contrato de cedência gratuita no referido prazo, que se entende como necessário para apetrechar os prédios dos meios e capacidade máxima de produção, a segunda e a terceira outorgante obrigam-se a celebrar um contrato de arrendamento, pelo prazo de dez anos, prorrogável por períodos iguais, através do qual a segunda outorgante pagará à primeira outorgante, pelo arrendamento dos mesmos prédios, a quantia mensal de 2000 euros.

QUINTA

Caso o contrato de comodato cesse antes do prazo referido e/ou não se venha a outorgar o contrato de arrendamento prometido a segunda outorgante fica obrigada a restituir à primeira outorgante os prédios cedidos, livres de quaisquer pessoas e bens, garantindo porém o direito a ser indemnizada de todas as benfeitorias ou obras que comprovadamente demonstre ter realizado, independentemente do incremento patrimonial dos prédios que se venha a demonstrar ter existido ou não, podendo, também, em consequência, invocar o direito de retenção.

SEXTA

É estipulado entre as partes que a segunda outorgante não pode ceder, no todo ou em parte, onerosa ou gratuitamente e ou por qualquer outra forma onerar o imóvel cedido.

SÉTIMA

As outorgantes comprometem-se a cumprir integralmente todas as cláusulas do presente contrato de cedência gratuita, que aceitam, o qual se regulará, em tudo o que for omisso, pelas disposições em vigor na lei civil, designadamente as respeitantes ao contrato de comodato (78.º Cont)

CC. A comodatária procedeu à plantação de macieiras procedendo à formação e reestruturação de um pomar mecanizado no referido prédio (85.º Cont).

DD. Pomar este formado de acordo com os princípios mais recentes de agricultura e de cultura intensiva do solo agrícola (86.º Cont).

EE. A comodatária iniciou trabalhos de limpeza, de surriba e preparação do prédio para a surriba e posterior plantação das árvores (87.º Cont).

FF. Tendo procedido à surriba específica para a plantação do pomar que ali se encontra plantado (88.º Cont).

GG. Tendo despendido 1.771,20 euros com a contratação de uma máquina giratória para escavação e surriba do terreno (89.º Cont).

HH. Tendo despendido a quantia de 5.812,84 euros na aplicação (mão de obra e materiais) de postes e arame que sustentam o pomar (90.º Cont).

II. Tendo procedido à plantação de 1.220 árvores de fruto, nomeadamente, macieiras de qualidade Golden reinders (1200 unidades) e Golden parsi rosa (20 unidades), importadas do estrangeiro, tendo despendido 4.880 euros na sua aquisição (91.º Cont).

JJ. Despendeu 506,40 euros na aquisição das mangueiras e tubagem, acessórios e instalação de um sistema de rega de gota a gota (92.º Cont).

KK. E mais 556,63 euros na aplicação de adubos e fertilizantes (93.º Cont).

LL. E, ainda, 377,95 euros e 528,84 euros, na aquisição de tubos e uniões de suporte e sustentação das árvores (94.º Cont).

MM. Utilizou a comodatária a mão-de-obra de três dos seus trabalhadores, durante cerca de um mês e meio, para a realização de trabalhos de limpeza e plantação no prédio em causa com os quais despendeu salários, impostos e seguros (95.º e 96.º Cont).

NN. A acção de preferência foi proposta em 22/02/2021 e a Autora depositou o preço devido e as demais quantias devidas em 23/01/2021.

*

Factos não provados.

a. A Autora notificou a primeira Ré, por carta datada de 20/01/2021, para que não procedesse a quaisquer plantações ou obras no local, sob pena de as considerar de má fé, no caso de serem classificadas como eventuais benfeitorias úteis (29.ºPI).

b. Os prédios referidos em I) e em T) sempre foram amanhados directamente pelos co-réus BB e CC ou pelos seus antepossuidores (14.º Cont)

c. Os co-réus só aceitaram vender os prédios à 1.ª Ré porque a mesma aceitou adquiri-los a todos e continuar a tratá-los na sua globalidade como uma exploração agrícola tipo familiar (15.º Cont)

d. Através da levada e dos regos de rega que circundam o prédio da Autora faz-se a condução e posterior irrigação diária do seu prédio usando para o efeito as águas da levada e do rio (50.º cont).

e. Outrora, em ambos os prédios sempre foi efectuado e ainda hoje o é, com mais incidência nas épocas de inverno, a técnica de rega por limação (que consiste no encharcamento permanente das culturas do prédio - erva ou milho e outras leguminosas -, que ficam submersas em água, que provém da levada e após percorrer todo o percurso do prédio caiem no prédio vizinho ou no leito do rio. (52.º Cont).

f. Os vendedores do referido prédio e também aqui Réus, através da sua procuradora, Drª OO, fez chegar ao conhecimento da mesma o propósito dos seus filhos em vender a Quinta (... e demais imóveis vendidos à 1.ª Ré e, ainda, o preço e a pessoa que lhes pretendia adquiri-los, ou seja, o A..., Ldª. (60.º Cont).

g. Sendo que a Autora nunca mostrou interesse em adquirir a propriedade do referido prédio, nem dos demais, antes pelo contrário (61º Cont.).

h. Referindo que o preço pelo qual os Co-Réus e vendedores o pretendiam alienar era um preço elevado até porque o dela estava um pouco mal tratado e, inclusive, estava a ponderar vende-lo também, quer porque não tinha dinheiro para comprar os prédios oferecidos em venda, quer porque não podia deles tratar, quer porque precisava era, ela mesma, de realizar dinheiro (62.º Cont.).

i. Os trabalhos descritos em EE a MM foram iniciados no passado ano de 2019 e continuados durante o ano de 2020 (87.º e 88.º Cont).

j. Utilizou a comodatária a mão-de-obra de 4 homens durante um dia para instalarem e montarem o sistema de rega, a de 7 homens durante um dia para embardarem, a de 15 homens durante três dias para plantação e amarrarem as árvores, a de 7 homens durante um dia para podarem, a de 3 homens durante dois dias para aplicarem protectores, a de 3 homens durante um dia para tirarem pedra, a de 1 homem durante um dia para passar o cilindro, a de 1 homem durante um dia para triturar erva e a de 1 homem durante um dia para aplicar herbicida (95.º Cont)

k. Em salários, impostos e seguros despendeu a comodatária 5.000 euros (Cinco mil euros) (96.º Cont).

l. As melhorias efectuadas no prédio implementaram um acréscimo ao valor do prédio em montante superior ao próprio investimento e, em valor nunca inferior a 30.000,00 euros (trinta mil euros) (100.º Cont).

*

Não ficaram por provar outros factos com interesse para a decisão desta causa, não tendo o tribunal considerado o demais articulado pelas partes por corresponder a narrativa com um conteúdo jurídico ou conclusivo, duplicação de factos já considerados ou constituindo mera impugnação, ainda que motivada, sem relevo para o objecto do litígio, consignando-se, ainda, que não se consideraram os factos novos principais, alegados em sede de réplica, relativos à integração dos terrenos em Reserva Agrícola Nacional, por consubstanciarem uma alteração da causa de pedir desta acção, inadmissível por força do que dispõe o artigo 265.º do CPC. (cfr. neste sentido decidiu, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.01.2023, processo n.º 2834/18.0T8STR.E1.S1, relatado por Tibério Nunes da Silva.

                                                                       ***

     3. Motivação

É sabido que é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2, do CPC).

Constitui ainda communis opinio, de que o conceito de questões de que tribunal deve tomar conhecimento, para além de estar delimitado pelas conclusões das alegações de recurso e/ou contra-alegações às mesmas (em caso de ampliação do objeto do recurso), deve somente ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, ou seja, abrange tão somente as pretensões deduzidas em termos do pedido ou da causa de pedir ou as exceções aduzidas capazes de levar à improcedência desse pedido, delas sendo excluídos os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes, bem como matéria nova antes submetida apreciação do tribunal a quo – a não que sejam de conhecimento oficioso - (vide, por todos, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª. ed., Almedina, pág. 735.

Assim, as questões a decidir são:

A)- Saber se o recorrente alterou a causa de pedir na réplica.

B)- Saber se a sentença recorrida é nula por violação das alíneas c) e d), do n.º 1, do art.º 615.º, do C.P.C.

C)- Saber se a matéria de facto fixada em 1.ª instância deve ser alterada.

D)- Saber se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída, por acórdão, que julgue a ação procedente.

Tendo presente que são quatro as questões a decidir, por uma questão de método passemos analisar cada uma de per si.

            Porém, como questão prévia, cabe verificar se é de admitir o documento a que alude a recorrente.

                                                                       *

            Questão prévia.

            Admissibilidade ou não da junção do documento.

Refere o recorrente que alegou na petição inicial – artº 29º - ter enviado à ré

A... Ldª uma carta datada de 20/01/2021, para que não procedesse a plantações no local, e exercer o seu direito de preferência sobre o prédio adquirido pela ré, sob pena de considerar as plantações como benfeitorias de má fé. Na Réplica esclareceu este ponto, dado a negação da ré, que pode constituir uma exceção perentória a que respondeu, alegando no artº 170º da Réplica, que em 20/01/2021, informou essa ré, por carta registada com AR. Acontece que por manifesto lapso não foi junto com esse articulado a prova de que a carta enviada pela autora em 20/01/2021 e cuja copia se encontra junto aos autos, foi remetida com aviso de receção e que foi entregue ao A... Ldª, em 21/10/2021. Tendo a autora alegado a existência da carta registada com AR que por lapso não juntou seria expetável que a Srª Juiz do processo, deveria ter notificado a autora para fazer prova de que a carta foi enviada com aviso de receção, o que não aconteceu.

Assim, tal documento deve ser, agora admitido, porquanto, o artº 425º do C.P. Civil, permite que seja junto com a interposição de recurso e a respetiva Motivação, novos documentos, como refere Abílio Neto no “Código do Processo Civil Anotado”, V Edição, pág 670 “ No caso da junção só se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª Instância”, no mesmo sentido Acórdãos do S.T.J. de 27/06/2002, Acórdão da Relação do Porto de 16/01/2023, Acórdão da Relação de Coimbra de 14/09/2010.

Acresce, que só por mero lapso o documento não foi junto, quando ele existia, e se torna absolutamente necessário para invalidar a resposta constante da sentença recorrida, relativamente aos factos não provados, deve admitir-se tal documento, e por consequência dar-se como provado o facto da autora ter remetido carta registada com AR, nos termos da copia da carta junto aos autos.

Assim, sendo, à matéria de facto provada deve acrescentar-se o seguinte: JJ) – A autora remeteu à ré A... em 20/01/2021, a carta cuja copia foi junta com a petição inicial, carta essa remetida com AR que a ré A... Ldª, recebeu em 21/01/2021.

Opinião oposta tem a recorrida que pugna pela não admissão do documento, referindo, entre o mais, que o documento pretendido juntar é um aviso de receção (A/R) referente a uma missiva, desconhecendo-se se é a que a Autora juntou com a PI.

Aliás, e pese embora o referido documento tivesse sido impugnado pela Ré na contestação, a Autora deixou decorrer todo o processo, não tendo junto o alegado comprovativo, senão nesta fase processual de recurso.

Ora, o referido A/R sempre esteve na posse da Autora, não tendo esta procedido à sua junção até ao presente momento porque o não quis, não podendo, agora, socorrer-se da interposição do recurso para ver admitida a junção de tal documento, para o mesmo ser valorado pelo Tribunal de recurso e mais, para ver alterado um facto e acrescentar o mesmo como provado com a referida junção. Aliás, o A/R não tem a natureza documental suficiente para, pro si só, provar tal.

Contrariamente ao referido pela recorrente a junção do documento nesta fase não se tornou necessária em virtude do decidido em primeira instância, sendo um documento que estava na posse da Autora ab initio, sendo que a incúria na falta da sua junção apenas à Autora pode ser imputada, pelo que, deve ser considerada inadmissível a junção documental pretendida pela Autora,

            Apreciando.

Como se sabe, à questão da junção de documentos na fase de recurso se refere expressamente o artigo 651º, nº 1 do CPC, cujo teor ora se transcreve:


Artigo 651º
Junção de documentos e de pareceres

1 - As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.

E dispõe o artigo 425º para o qual remete o texto da norma acabada de transcrever:


Artigo 425º
Apresentação em momento posterior

Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
E importará ter presente, enfim, enquanto norma contendo o “princípio geral” que referencia, na dinâmica do processo, o momento da apresentação de prova por documentos, o artigo 423º do CPC:

Artigo 423º
Momento da Apresentação

1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.

2 - Se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.

3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
Da articulação lógica destes preceitos decorre – e estamos a cingir-nos à questão aqui relevante – que a junção de documentos em sede de recurso (junção que é positivamente considerada apenas a título excepcional) depende da caracterização (rectius, da alegação e da prova) pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso, valendo aqui a remessa do artigo 651º, nº 1 para o artigo 425º; o ter o julgamento da primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional, que até aí – até ao julgamento em primeira instância – se mostrava desfasada do objecto da acção ou inútil relativamente a este.

O primeiro elemento referido – a impossibilidade de apresentação anterior – legitima as partes a utilizar no recurso, juntando-os com a motivação deste, documentos cuja apresentação não tenha sido possível até esse momento (até ao julgamento em primeira instância), o que pressupõe aquilo que se refere como superveniência objectiva ou subjectiva do documento pretendido juntar (cfr. António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, 2013, p. 184.).

Ora, sendo superveniente (objectivamente superveniente) o que só ocorreu historicamente depois de um determinado momento considerado, ou (superveniência subjectiva) o que justificadamente só foi conhecido por alguém depois desse momento, vale a asserção de superveniência aqui relevante – vale, portanto, como integração positiva da facti species do nº 1 do artigo 651º do CPC – pela constatação da ocorrência da situação revelada pelo documento só posteriormente à decisão recorrida (superveniência objectiva, pressupondo esta a criação posterior do documento) ou pela justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante a sua existência ser anterior ao momento considerado, só teve lugar posteriormente, por razões que se prefigurem como atendíveis, no sentido de serem razões aptas a demonstrar a impossibilidade daquela pessoa (quer o artigo 423º, nº 3 como o artigo 425º, ambos do CPC, falam em “não [ter] sido possível”), num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido conhecimento anterior da existência do documento. Estas razões, todavia – rectius, a atendibilidade delas – pressupõem à partida a respectiva invocação e a prova da não possibilidade (da impossibilidade) de um conhecimento anterior (cfr. Recursos no Novo Código de Processo Civil, cit., p. 185)e abrem caminho, quando alegadas, à respectiva indagação.

Saliente-se que o artigo 651º, nº 1 do CPC também admite, no seu trecho final, a junção de documentos com as alegações de recurso nos casos em que o julgamento proferido em primeira instância torne necessária a consideração desse documento.

Pressupõe esta situação, todavia, a novidade da questão decisória justificativa da junção pretendida, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão, sendo que isso exclui que a decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum. Com efeito, como refere expressivamente António Santos Abrantes Geraldes, “[p]odem […] ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo”, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, cit., p. 184).

Face aos ensinamentos expostos, que advogamos, a pretensão da recorrente, quanto a esta matéria não pode ser atendida.

Por um lado, a mesma já tinha o documento em seu poder, como refere, e apenas por lapso não o juntou. Por outro, não vislumbramos que a necessidade de juntar tal documento resulte da prolação da sentença, desde logo, por ser a própria recorrente que afirma não o ter junto anteriormente por manifesto lapso.

Em consequência, recusa-se a junção do referido documento e consequentemente, ordena-se o seu desentranhamento, condenando-se a recorrente em multa que se fixa em 1 (uma) UC nos termos do artigo 423, n.º 2, do CPC e do artigo 27.º, nº 1 do Regulamento das Custas Processuais.

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Aqui chegados passemos analise propriamente do recurso.

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A)- Saber se o recorrente alterou a causa de pedir na réplica.

Na sentença recorrida escreve-se:

“Não ficaram por provar outros factos com interesse para a decisão desta causa, não tendo o tribunal considerado o demais articulado pelas partes por corresponder a narrativa com um conteúdo jurídico ou conclusivo, duplicação de factos já considerados ou constituindo mera impugnação, ainda que motivada, sem relevo para o objecto do litígio, consignando-se, ainda, que não se consideraram os factos novos principais, alegados em sede de réplica, relativos à integração dos terrenos em Reserva Agrícola Nacional, por consubstanciarem uma alteração da causa de pedir desta acção, inadmissível por força do que dispõe o artigo 265.º do CPC. (cfr. neste sentido decidiu, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.01.2023, processo n.º 2834/18.0T8STR.E1.S1, relatado por Tibério Nunes da Silva”.

Em discordância com este entendimento refere a recorrente, entre o mais, que não existe qualquer alteração da causa de pedir como resulta claramente de uma boa interpretação do disposto no art. 265º do C.P.C. (cfr. Abílio Neto no C.P. Civil Anotado V Edição, página 396 onde escreve “Só existe alteração da causa de pedir se o autor pretende “exercer um direito novo” em relação ao inicial convolando-se de uma para outra relação material”, o que não é obviamente o caso presente, dado que, se mantém inteiramente a relação material contra o requerido, inicialmente o constante da p.i., no mesmo sentido, o Acórdão da Relação de Coimbra de 8 de Junho de 2018, constante da mesma Obra, página 398.

Referindo que, tal matéria deve ser dada por assente por os RR. não terem respondido à mesma.

Opinião oposta tem a recorrida, referindo, entre o mais, que respondeu no articulado subsequente ao que lhe era possível responder, tendo apresentado resposta quanto ao documento junto pela Autora, alegadamente justificativo da inclusão do prédio na RAN, tendo-o impugnado a ele e à factualidade a ele subjacente, alegando entre outros factos a não inclusão desse prédio ou de sua parte da RAN.

Mais refere que não tendo a Autora formulado qualquer pedido de alteração ao pedido e à causa de pedir, nem tão pouco alegado a matéria tendente à suposta inclusão do prédio numa área de RAN, em sede de PI, não poderia o Tribunal conhecer de tal questão, como bem se decidiu na sentença recorrida.

Este Tribunal, no sentido, e sempre, com o objetivo, de clarificar, como é seu timbre, as questões em apreço, proferiu despacho, datado de 3/5/2024, no sentido de facultar às partes o que se lhes oferecesse, sobre a questão de saber se a matéria referente à RAN, aludida pela A/recorrente, na réplica nos art.ºs 125 e 126, se enquadrava ou não em resposta a qualquer exceção.

Em 15/5/2024 a recorrente deu entrada com requerimento, sobre tal matéria, onde refere, entre o mais, que se limitou a responder à matéria deduzida nas exceções explanadas na contestação/reconvenção apresentada pela Recorrida, o que configura uma clara exceção perentória extintiva de acordo com o disposto no artigo 587º, nº2 do C.P.Civil. Devendo, por isso, tal resposta ser considerada legítima e tempestiva, existindo um encadeamento lógico entre a segunda exceção invocada pela Recorrida e a respetiva resposta apresentada à mesma por parte da Recorrente., conforme se mencionou no decurso deste requerimento.

Por sua vez, a recorrida em 19/5/2024 fez entrar requerimento, sobre tal matéria, onde entre o mais, refere que, limitou-se a Autora, em sede de réplica, a alegar genericamente que o prédio estaria incluído numa área RAN, contrariamente ao referido na PI, onde fundamentava o alegado direito de preferência na confinância, mas fêlo

de forma genérica e não como a Lei impõe, procedendo à necessária alteração do pedido e da causa de pedir.

A alegação genérica da tal inclusão na RAN não resultou em qualquer pedido

ou alteração do pedido ou da causa de pedir e, nessa sequência, e contrariamente ao alegado pela Autora, a Ré respondeu no articulado subsequente ao que lhe era possível responder, tendo apresentado resposta quanto ao documento junto pela Autora, alegadamente justificativo da inclusão do prédio na RAN, tendo-o impugnado a ele e à factualidade a ele subjacente, alegando entre outros factos, a não inclusão desse prédio ou de sua parte da RAN.

Assim, uma coisa é fundar o pedido do reconhecimento da preferência na

confinância entre os prédios, como fez a Autora em sede de PI, outra distinta é, já no decurso do processo, alegar-se que o prédio está inserido uma zona de RAN e, sem qualquer pedido, fosse para alterar a causa de pedir, fosse para alterar o próprio pedido, pretender que tal questão seja apreciada pelo Tribunal, pelo que, a deve considerar-se que inexiste qualquer resposta às excepções por parte da Autora que lhe pudesse ver apreciada a superficialmente invocada questão da RAN, que não ocorreu, fosse em que momento fosse, qualquer alteração ou ampliação da causa de pedir e muito menos a Ré nisso acordou e/ou ainda que assim não fosse considerar-se que o alegado consubstanciava matéria nova que para ser apreciada importaria a alteração da causa de pedir, que nunca foi requerida pela Autora, nem aceite pela Ré, e nessa medida julgar-se a apelação improcedente.

Apreciando.

Antes de entrarmos, na análise propriamente dita, que consiste em saber se houve ou não, por parte da A., alteração da causa de pedir, diremos algo a respeito da réplica, mormente saber se é ou não possível responder às exceções na mesma, ainda que tal matéria não seja objecto de recurso, fazemo-lo, para melhor nos enquadrarmos na situação em apreço.

Do artº 584º do CPCivil resulta que só é admissível réplica para a A. deduzir toda a defesa quanto à matéria da reconvenção (cfr. n.º 1), servindo a réplica nas ações de simples apreciação para o autor impugnar os factos constitutivos que o réu tenha alegado e para alegar os factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pelo réu (cfr. n.º 2)”.

Assim, a réplica tratando-se de um articulado eventual, que só pode ter lugar em duas situações – quando o réu haja deduzido pedido reconvencional na contestação (n.º 1, do preceito) e nas acções de simples apreciação negativa (n.º 2, do preceito) -, constata-se, assim, que, desde a nova versão do Código de Processo Civil, introduzida pela Lei nº. 41/2013, de 26/06, “quando o réu se defenda por excepção, o autor não dispõe de articulado próprio para responder às excepções deduzidas. Daqui decorre que, nesses casos (tal como quando o réu se limita à defesa por impugnação), a etapa inicial do processo fica reduzida a dois articulados”.

Todavia, apesar da inexistência de um articulado próprio para responder às excepções deduzidas pelo réu, “sempre fica assegurado ao autor o exercício do contraditório quanto a tal matéria, mais exactamente na audiência prévia, tal como estabelece o nº. 4 do art. 3º. Só não será assim se o juiz decidir proporcionar ao autor o exercício do contraditório por escrito, caso em que determinará a notificação do autor para esse fim” (cfr. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2ª Edição, Almedina, 2017, pág. 223).

Efectivamente, conforme dispõe o nº. 4, do artº. 3º, do Cód. de Processo Civil, “às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final”.

Ou seja, em determinadas situações, em vez de aguardar pelar audiência prévia, nomeadamente quanto está em causa a invocação de excepções dotadas de alguma complexidade jurídica, pode o juiz, fundado no prescrito nos artigos 6º, nº. 2 e 547º, ambos do Cód. de Processo Civil, decidir facultar ao autor o exercício, por escrito, do contraditório, o que deve ser feito ao abrigo do poder de adequação formal, ou seja, “conceder o direito à réplica para resposta às exceções sempre que as especificidades da causa (nomeadamente, a complexidade das exceções arguidas ou a conveniência da apresentação da resposta antes da audiência prévia) o aconselhem” (Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª Edição, Almedina, pág. 608).

Assim, temos para nós, claro que a réplica, no vigente sistema processual, não se destina ao exercício do contraditório quanto às excepções invocadas pelo réu na contestação.

Contudo, nas situações em que é admissível a apresentação de réplica, para os fins indicados no artº. 584º, como supra referido, é que o autor tem o ónus de responder à matéria deduzida das excepções deduzidas pelo réu na sua contestação.

Ou seja, o A. pode aproveitar a resposta à reconvenção para responder às exceções, foi isto, precisamente, que ocorreu nos presentes autos (o A. respondeu à reconvenção bem como às exceções). Esta possibilidade é defendida por Paulo Pimenta, in Ob. cit., pág. 223, nota 510), referindo que tal parece resultar “das disposições conjugadas dos arts. 3º. 4 (a contestação não é o último articulado admissível), 572º c) e 587º 1).”.

Nesta vertente é acompanhado por Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Ob. cit., pág. 605), defenOb. cit., pág. 605.dendo que “quando haja lugar a réplica nos termos do nº. 1, o articulado deve, em homenagem ao princípio da economia processual, servir também para o autor responder às exceções arguidas. Esperar para tanto pela audiência prévia, ou pela audiência final, quando de qualquer modo o articulado vai ser apresentado, não faria sentido. Está, por isso, o autor neste caso onerado com a impugnação dos factos impeditivos, modificativos e extintivos alegados pelo réu, bem como com a resposta às exceções dilatórias que ele haja arguido na contestação, como mostram os arts. 572-c e 587-1 ; se o não fizer, os factos alegados pelo réu ter-se-ão por provados, em termos idênticos e com as mesmas exceções do art. 490º (….). O autor está, pois, nesse caso, sujeito ao ónus da impugnação (art. 505), sem prejuízo de não se poderem dar como provados, por falta de impugnação na réplica, os factos constitutivos de exceções, já negados na petição inicial”.

Neste sentido Ac. da Rel. de Lisboa, de 11/12/2019, proc.º n.º 19727/18.4TBLSB-B.L1-2, relatado por Arlindo Crua.

Face ao exposto, e, por advogarmos os ensinamentos expostos, temos para nós, ser possível à A. responder às exceções, questão que nem sequer era levantada no recurso, como já referimos.

Dito isto, passemos à questão que foi colocada no recurso, saber se houve ou não alteração à causa de pedir.

                                                           *

A sentença recorrida, defende haver alteração da causa de pedir, estribando-se no aresto do STJ, datado de 10.01.2023, acima referido.

Nesses autos, os AA., apenas assentaram o direito de preferência, no que se encontra consagrado no art.º 1091.º, do C.C. e não em qualquer outro direito, mormente no direito de preferência a que alude o art.º 126.º do DL n.º 380/99, de 22 de setembro, vindo depois na resposta às exceções deduzidas pelos RR., a invocar o direito de preferência com base neste preceito, não o tendo feito na P.I.

 Assim, nessa medida, entendeu o aresto do Supremo, “que na petição inicial o Recorrente apenas se arrogou do seu direito de preferência na qualidade de arrendatário, e, a invocação posterior dos demais direitos legais de preferência configura alteração da causa de pedir. Alteração essa que se afigura inadmissível à luz do disposto no art.º 265.º do CPC., foi esse o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, no citado aresto”.

Para melhor se aquilatar da questão, faremos algumas considerações a respeito do que se entende por causa de pedir.

Como se sabe a causa de pedir consiste na alegação de factos concretos de onde emerge o direito do autor e que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido.

De acordo com Rui Pinto, o que resulta do conceito legal enunciado no art. 581º, nº 4, do C.P.C., o qual tem por base o facto jurídico concreto, o que quer dizer que a causa petendi é constituída por factos dotados de eficácia jurídica, isto é, por factos jurídicos em cuja eficácia se encontra o efeito tutelar que o autor pede ao tribunal.

Por conseguinte, ao autor não basta formular um pedido, impondo-lhe a lei que o fundamente de facto e de direito (art.º 552º, nº 1, al. d) do C.P.C.), o mesmo é dizer, que o A. tem de indicar na petição inicial os factos constitutivos da situação jurídica que pretende fazer valer ou negar em juízo, ou integrantes do facto cuja existência ou inexistência afirma, factos esses que, alegados como fundamento do pedido (art. 581º, nº 4, do C.P.C.).

Por sua vez, escreveu o Prof. Alberto dos Reis, in “Comentário ao Código de Processo Civil”, 3º Vol., pg. 381, “a causa de pedir deve estar para com o pedido na mesma relação lógica em que, na sentença, os fundamentos hão-de estar para com a decisão. O pedido tem, como a decisão, o valor e significado duma conclusão : a causa de pedir, do mesmo modo que os fundamentos de facto da sentença, é a base, o ponto de apoio, uma das premissas em que assenta a conclusão. Isto basta para mostrar que entre a causa de pedir e o pedido deve existir o mesmo nexo lógico que entre as premissas dum silogismo e a sua conclusão”.

Ou seja, entre o pedido formulado e os factos concretos invocados deve existir uma relação, um nexo, de correspondência lógica e normativa: A causa de pedir tem de constituir o suporte lógico da pretensão deduzida.

Em suma podemos dizer que a causa de pedir consiste, no facto jurídico concreto ou no complexo de factos jurídicos concretos, realmente ocorridos, participantes, portanto, da relação material controvertida invocada pelo autor na petição inicial, dos quais procede o efeito jurídico pretendido, a pretensão por si deduzida em juízo, pelo que a relação de causa e efeito entre pedido processual e facto jurídico, outra coisa não quer dizer que não seja que a causa petendi é a causa da procedência do pedido. De outra forma dizendo, encontrando-se a configuração do pedido na exclusiva disponibilidade do autor, é imperativamente a partir deste que aquela causa tem de ser delineada.

Visto em que consiste a causa de pedir, é altura de referir algo a respeito da alteração da mesma.

                                                           *

Sobre esta matéria cabe referir que de acordo com o art.º 264.º, do C.P.C. «havendo acordo das partes, o pedido e a causa de pedir podem ser alterados ou ampliados em qualquer altura, em 1ª ou 2ª instancia, salvo se a alteração ou ampliação perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito.

Do que resultará, por contraposição ao que consta do nº 6 do art. 265º, que, havendo acordo das partes, pode o autor proceder à modificação simultânea do pedido e da causa de pedir mesmo que tal modificação conjunta implique convolação para relação jurídica diversa da inicialmente controvertida.

O legislador entende, pois, que o acordo das partes legitima a instauração de uma ação diferente da inicial, na pendência da primitiva, e admite-o na medida em que, pese embora a diversidade de objetos de uma e outra ação, haverá sempre nessas situações elementos factuais e processuais comuns a aconselharem o aproveitamento do até aí praticado em homenagem ao princípio da economia processual.

Não havendo acordo das partes para a alteração ou ampliação do pedido ou/e para a alteração ou ampliação da causa de pedir, rege já o art. 265º, que, proibindo a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir quando tais modificações impliquem convolação para uma relação jurídica diversa da controvertida (cfr. n.º 6, do preceito), admite, no entanto, tal preceito a alteração ou a ampliação da causa de pedir quando o réu confesse factos que conduzam a essa alteração e o autor os aceite, apenas exigindo, nessa circunstância, que a alteração ou ampliação seja feita no prazo de 10 dias após a aceitação pelo autor – nº 1 do art. 265º.

Torna-se, pois, fulcral para se perceber o alcance desta norma, a distinção entre, por um lado, alteração ou ampliação, e por outro, e apenas no que respeita ao pedido, entre desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo.

Como as palavras utilizadas o sugerem, a alteração implica mudança e a ampliação, não. Em termos literais, “ampliação” implicará a manutenção do pedido primitivo de que se retiram novas potencialidades, que o legislador pretendeu que se assumissem como «consequência ou desenvolvimento do pedido primitivo». O que significa que entre o pedido primitivo e o pedido que resulta da ampliação tem de haver um nexo de «consequência» ou «de mero desenvolvimento», o que implica, nas palavras de Alberto dos Reis, in Comentário ao código processo, vol III, fls. 94 que «a ampliação deva estar contida virtualmente no pedido inicial»

Há, no entanto, duas maneiras de conceber o nexo de consequência ou de desenvolvimento a que se refere (para o pedido) a norma em apreço, consoante o conceito de que se parta de causa de pedir nesta matéria de alteração do objecto.

Assim o adverte Mariana França Gouveia, in A Causa de Pedir na Acção Declarativa», 2004, p 306, fazendo notar que no instituto de alteração do objeto e da cumulação sucessiva são susceptíveis de utilização dois diferentes conceitos de causa de pedir que desembocam, um numa causa de pedir mais estreita, e outro, numa mais ampla.

Respetivamente, e como essa autora o refere, «ou se entende que a causa de pedir se identifica com a previsão da norma, ou melhor, com o acervo de factos constitutivos que compõem essa previsão; ou se entende que a causa de pedir, enquadrando todos esses factos constitutivos, se identifica com aquela que é comum ao objecto inicial e sucessivo». Concluindo: «Na primeira hipótese, só não haverá alteração da causa de pedir nos casos em que se mantêm idênticos todos os factos essenciais (…). Na segunda hipótese, a causa de pedir altera-se apenas se nenhum dos factos constitutivos das várias normas for idêntico».

E esclarece este último ponto, acrescentando: «Ou seja, se houver coincidência meramente parcial entre as previsões normativas onde se inserem os factos alegados, já não haverá alteração».

A circunstância de o legislador de 2013 (não obstante ter prescindido da possibilidade da alteração conjunta, e à partida inteiramente livre, do pedido e da causa de pedir, na réplica, por já não admitir esse articulado com essa função, porquanto, apenas está prevista para a defesa da reconvenção e para a impugnação dos factos constitutivos alegados pelo réu em acção de simples apreciação negativa (cfr. Ac. desta Relação, de 26/1/2021, proc.º n.º 5362/18.0T8CBR-B.C1, relatado por Maria Teresa Albuquerque, onde fomos segundo adjunto), ter mantido a norma do nº 6 do anterior art. 273º (que corresponde à do nº 6 do atual art. 265º), permitindo assim, como já se referiu, a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida, parece que implicará a sua adesão, pelo menos nesta matéria, ao acima referido conceito amplo de causa de pedir.

Que é aquele a que Mariana França Gouveia adere na matéria em apreço, quando procede à definição da causa de pedir através do facto principal comum a ambas as pretensões. Acrescentando: «Pretensões processuais, se houver também alteração do pedido, pretensões materiais, se houver apenas alteração da norma invocada». E mais adiante conclui: «A causa de pedir, para efeitos de cumulação sucessiva e alteração do objecto, superveniente ou não, deve ser definida como o facto principal comum às pretensões materiais alegadas originária e sucessivamente, em substituição ou em cumulação».

Aqui chegados e tendo presente os ensinamentos expostos, cabe verificar se estamos, como refere a sentença recorrida, perante uma alteração da causa de pedir, ou se pelo contrário estamos perante uma situação de não haver qualquer alteração da causa de pedir.

Seguindo o raciocínio da sentença recorrida e ao contrário, do referido pela recorrente, temos para nós, como bem é referido na decisão recorrida, houve uma alteração da causa de pedir, que é inadmissível, desde logo, porque, da leitura da P.I., se constatar que a causa de pedir assenta no confinamento dos prédios, enquanto que na réplica se pretendeu também lançar mão da localização dos terrenos, dentro da RAN, o que nunca foi aludido na P.I.

Ou seja, no caso em apreço, verificamos que a pretensão da A./recorrente, invocada na P.I., é a existência de um direito de preferência, assentando tal pretensão no disposto nos art.ºs 1380.º, 416.º, 216.º, n.º 3, e 1273.º e portaria 219/2016, (cfr. art.º 33 da P.I., onde refere “A presente ação fundamenta-se no disposto nos artºs. 1380º, 416º, 216º nº 3 e 1273º do C. Civil e Portaria 219/2016”, não tendo, em momento algum nesta peça processual (PI) aludido à RAN ( Reserva Agrícola Nacional). Apenas na réplica no art.º 125, aludindo à RAN e também nessa peça processual ao art.º 26.º do Dec. Lei 73/2009, de 31 de Março, ratificado pelo Dec. Lei 199/2015 de 16 de Setembro, segundo o qual, os proprietários de prédios rústicos incluídos numa área RAN, gozam do direito de preferência na alienação ou dação em cumprimento de prédios rústicos ou mistos confinantes.

Assim, sem mais considerandos, temos para nós, não assistir razão à recorrente, quando na conclusão 27 a 31, afirma não haver qualquer alteração à causa de pedir (cfr. Ac. do S.T.J. de 10/1/2023, supra citado, tirado num caso em tudo semelhante ao dos presentes autos), desde por se nos afigurar uma relação jurídica diversa.

Assim, pelas razões expostas, nesta vertente não assiste razão à recorrente.

                                                           *

Diga-se, a talho de foice, que como bem refere a recorrida, a matéria referente à RAN, não podia ser apreciada, por não se enquadrar na resposta à reconvenção nem a qualquer exceção.

A mesma seria uma nova causa de pedir, para sustentar o direito de preferência, em terrenos que geograficamente se encontrem dentro da área da RAN, o que não foi alegado da P.I., por isso, mesmo, como já referimos, entendeu a sentença recorrida, não poder apreciar a mesma por consistir numa ampliação à causa de pedir.

Na verdade, lendo e relendo as peças processuais, P.I., contestação/exceções, não vislumbramos que a questão da RAN, levantada pela recorrente, da réplica, possa ser entendida como resposta a qualquer exceção. É verdade que os art.º 125.º e 126.º, da réplica estruturalmente, se encontram dentro da resposta à segunda exceção invocada pela R./recorrida. Porém, não é menos verdade, que tal matéria nada tem haver com a resposta a tal exceção, que assenta na qualificação dos terrenos como de sequeiro ou de regadio.

Assim, a matéria referente à RAN nem deveria ser admitida, por não se enquadrar em qualquer resposta às exceções, como refere a recorrida.

Dito isto, passemos ao ponto seguinte.

                                                           **

B)- Saber se a sentença recorrida é nula por violação das alíneas c) e d), do n.º 1, do art.º 615.º, do C.P.C.

Muito embora o Tribunal “a quo” não tenha cumprido o n.º 1, do art.º 617.º, do C.P.C., este Tribunal, não vislumbra estar-se perante uma situação indispensável, razão pela qual, não manda baixar o processo, para que seja proferido o despacho omitido, previsto no n.º1, citado (cfr. n.º 5, do citado art.º 617.º), razão pela qual, passa, desde já, a conhecer das nulidades invocadas.

                                                           *

Segundo a recorrente a sentença recorrida é nula, por violação das alíneas c) e d), do n.º 1, do art.º 615.º, do C.P.C.

Quanto à alínea c)

A recorrente após fazer várias considerações sobre a qualificação do terreno em causa, segundo o seu ponto de vista, sublinhado é nosso, o terreno deve ser qualificado de sequeiro, e sendo assim, estão preenchidos todos os pressupostos para o exercício do direito de preferência previsto no artigo 1380º, nº1, do C.C.

Uma vez que quer o prédio objeto de preferência, que quer o prédio da Recorrente já teriam uma área inferior à unidade de cultura de acordo com o disposto na Portaria nº 19/2019 de 15 de Janeiro, anexo II, localizado na Região NUT II – Norte, Região NUT III – Douro que fixa como unidades de cultura 4 ha para os terrenos de sequeiro.

Assim sendo e em face de todo o exposto, afirma a recorrente, que a sentença padece de uma nulidade, desde logo, por ter qualificado o terreno como de regadio, por oposição entre os fundamentos e a decisão (art. 615º, nº1, al. c), do C.P.C.).

Opinião oposta tem a recorrida que refere, quanto a tal matéria, que para que se verifique a invocada nulidade da decisão por contradição entre os fundamentos e a decisão contemplada no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do C.P.C. teria de se verificar um erro de raciocínio lógico, consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la.

Ou seja, a contradição geradora de nulidade ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou, pelo menos, de sentido diferente, o que não se verifica na sentença recorrida.

Termos em que deve improceder a apontada nulidade.

Quanto à alínea d)

Refere a recorrente que na réplica invocou factos extintivos, não tendo o recorrido comprador se pronunciado sobre os mesmos, admitindo-os por acordo, pelo que, devia o Tribunal a quo, na sentença proferida, ter-se pronunciado sobre os mesmos e, consequentemente, considerá-los como factos provados, o que não aconteceu, deste modo, verifica-se uma clara omissão de pronúncia por parte do Tribunal a quo ou, subsidiariamente, se assim não se entender, um errado entendimento sobre o mérito desta questão, na sentença proferida relativamente aos factos descritos, padecendo a mesma de uma nulidade prevista no art.º 615º, nº1, alínea d), do C.P.C.

Opinião oposta tem a recorrida que refere, entre o mais, que não poderia o Tribunal recorrido apreciar tal matéria, como bem entendeu a Meritíssima Juiz, porquanto não procedeu a Autora à devida alteração do pedido e da causa de pedir.

Limitou-se a Autora, em sede de réplica, a alegar genericamente que o prédio estaria incluído numa área RAN, contrariamente ao referido na PI, onde fundamentava o alegado direito de preferência na confinância, mas fê-lo de forma genérica e não como a Lei impõe, procedendo à necessária alteração do pedido e da causa de pedir.

A alegação da tal inclusão na RAN não resultou em qualquer pedido ou alteração do pedido ou da causa de pedir.

Nessa sequência, e contrariamente ao alegado pela Autora, a Ré respondeu no articulado subsequente ao que lhe era possível responder, tendo apresentado resposta quanto ao documento junto pela Autora, alegadamente justificativo da inclusão do prédio na RAN, tendo-o impugnado a ele e à factualidade a ele subjacente, alegando entre outros fatos a não inclusão desse prédio ou de sua parte da RAN.

E, por isso, é falso o alegado pela recorrente, no sentido de que a recorrida não apresentou resposta à referida alegação, assente na junção documental efetuada pela Autora, já que o fez nos termos precisos permitidos por Lei e, ainda, em se de audiência de julgamento, aquando e nova junção pro parte da Autora de um documento que a tanto se destinava.

Por outro lado, entende a recorrida que não se verifica qualquer nulidade processual por omissão de pronuncia quanto à questão da RAN, uma vez que o Tribunal recorrido pronunciou-se quanto à questão, só não a apreciou na medida em que, como bem deixou consignado, a Autora na PI não alegou que os prédios estivessem inseridos numa área de RAN, sendo tal facto essencial e constitutivo da causa de pedir.

                                                           *

Apreciando

O nº1, do art.º 615º, do Código de Processo Civil, sendo deste diploma todos os preceitos citados sem outra referência, que consagra as “Causas de nulidade da sentença”, estabelece que é nula a sentença quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

As nulidades de decisão são vícios intrínsecos (quanto à estrutura, limites e inteligibilidade) da peça processual que é a própria decisão (trata-se, pois, de um error in procedendo), nada tendo a ver com os erros de julgamento (error in iudicando) seja em matéria de facto seja em matéria de direito.

As nulidades da sentença são vícios formais, intrínsecos de tal peça processual, taxativamente consagrados no nº1, do art. 615º, sendo tipificados vícios do silogismo judiciário, inerentes à sua formação e à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento (error in judicando) de facto ou de direito (cfr. . Cfr., entre muitos, Ac. do STJ de 1/4/2014, Processo 360/09: Sumários, Abril /2014, p1 e Ac. da RE de 3/11/2016, Processo 1070/13:dgsi.Net.)

Assim, as nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento, estes, a sindicar noutro âmbito.

Há nulidade da sentença quando a sua parte dispositiva está em contradição com as premissas efetivamente adotadas pelo juiz e não com as premissas que ele poderia ter adotado, no entender de uma das partes, mas não adotou.

Os referidos vícios respeitam “à estrutura ou aos limites da sentença. Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação), c) (oposição entre os fundamentos e a decisão). Respeitam aos seus limites os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum)” (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição Almedina, pág 735).

Trata-se de vícios que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)” (cfr. Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734).

As causas de nulidade da decisão, taxativamente enumeradas nesse artigo 615º, conforme se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/10/2017, “visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito aplicável, nada tendo a ver com qualquer de tais vícios a adequação aos princípios jurídicos aplicáveis da fundamentação utilizada para julgar a pretensão formulada: não são razões de fundo as que subjazem aos vícios imputados, sendo coisas distintas a nulidade da sentença e o erro de julgamento, que se traduz numa apreciação da questão em desconformidade com a lei. Como tal, a nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608º e 609º, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada”.

Enquanto nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto. Esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença, mas o mérito da relação material controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in judicando atacáveis em via de recurso (cfr. Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI).

Analisemos os referidos vícios que respeitam à estrutura ou aos limites da sentença:

1. O vício consagrado na al. a) reporta-se à falta de assinatura do juiz, que no caso em apreço não é posto em causa.

2. Quanto ao vício consagrado na al. b): falta de fundamentação de facto ou/e direito, que no caso em apreço não é invocada pela recorrente.

3. Quanto ao vício consagrado na al. c): os fundamentos estarem em oposição com a decisão ou ocorrer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

Nulidade invocada pela recorrente.

Sobre esta temática cumpre referir que “entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora da ineptidão da petição inicial (art. 186-2-b) (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 736-737).
A obscuridade verifica-se «quando a sentença ou parte dela, é ininteligível» e a ambiguidade, quando «a sentença ou parte dela se apresenta total ou parcialmente, com um sentido duplo» (cfr. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil, anotado, II, pg. 672).
A ambiguidade só releva se vier a redundar em obscuridade, ou seja, se for tal que não seja possível alcançar o sentido a atribuir ao passo da decisão que se diz ambíguo» (cfr. Acórdão do S,T,J, de 28.03.2000 in (Sumários, 59.º).
A contradição a que a lei impõe o efeito inquinatório da sentença, como nulidade, é a oposição entre os fundamentos e a decisão.
Porém, para que tal ocorra, não basta uma qualquer divergência inferida entre os factos provados e a solução jurídica, pois tal divergência pode consubstanciar um mero erro de julgamento (error in judicando) sem a gravidade de uma nulidade da sentença.
A oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento» (cfr. A. Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 9ª edição, pg. 56).
A contradição entre os fundamentos e a decisão prevista na alínea c) do nº 1 do artº 615, ainda nas palavras do citado autor, ainda que aludindo ao ar.º 668,do C.P.C.
revogado, cujo significado é o mesmo do actual art.º 615, sublinhado é nosso, verifica-se quando «a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente».
Lendo e relendo a sentença recorrida não vislumbramos que existe qualquer contradição entre a fundamentação e a decisão.
Na verdade, a sentença recorrida elenca os factos que entendeu provados e não provados, e aos mesmos aplicou o direito que entendeu ser de aplicar e tirou a conclusão jurídica, tendo concluído que o terreno em causa, da A., era de qualificar como de regadio.
Pode não concordar-se com a qualificação jurídica dada na sentença recorrida, não pode, quanto a nós, é dizer-se que existe contradição entre os fundamentos e a decisão.
Para haver contradição, para efeitos de nulidade de sentença, é necessário que o raciocínio lógico da sentença vai num sentido e depois se decida em sentido diametralmente oposto, o que manifestamente não é o caso. A sentença faz na fundamentação considerações a respeito da qualificação do terreno sequeiro e do terreno de regadio, e após decide.
Por outro lado, e a talho de foice, diremos que a sentença recorrida não é ambígua ou obscura, que a torne ininteligível, aliás, o que nem é invocado.
Assim, sem mais esta pretensão da recorrente não procede.

4. Quanto ao vício consagrado na al. d) : omissão ou excesso de pronúncia.

Nulidade invocada pela recorrente.

Cumpre referir, quanto à omissão de pronúncia, que “devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado” (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 737).

Sobre esta matéria refere-se no Acórdão da Rel. de Guimarães, proc.º n.º 1799/13.0TBGMR-B, Devendo o tribunal conhecer de todas as questões que lhe são submetidas (art. 608º, n.º 2 do CPC), isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção (desde que suscitada/arguida pelas partes) cuja conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade por omissão de pronúncia, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado, uma vez que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, n.º 3 do CPC) (cfr. Neste sentido Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado, 5º vol., págs. 142 e 143).

Assim, já referia Alberto dos Reis, in Alberto dos Reis, in ob. cit., 5º vol., págs. 55 e 143, impõe-se distinguir, por um lado entre “questões” e, por outro, “razões ou argumentos”. “…Uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção (…). São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar as suas pretensões”.

Apenas a não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que lhe são submetidas determina a nulidade da sentença, mas já não a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões.

Acresce que a jurisprudência é uniforme no sentido de que a nulidade por omissão de pronúncia supõe o silenciar, em absoluto, por parte do tribunal sobre qualquer questão de cognição obrigatória, isto é, que a questão tenha passado despercebida ao tribunal, já não preenchendo esta concreta nulidade a decisão sintética e escassamente fundamentada a propósito dessa questão (cfr. Acs. STJ. de 01/03/2007. Proc. 07A091; 14/11/2006, Proc. 06A1986; 20/06/2006, Proc. 06A1443, in base de dados da DGSI.).

Significa isto, que caso o tribunal se pronuncie quanto às questões que lhe foram submetidas, isto é, sobre todos os pedidos, causas de pedir e exceções que foram suscitadas, ainda que o faça genericamente, não ocorre o vício da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, mas o que poderá existir é um mero erro de julgamento, atacável em via de recurso, onde caso assista razão ao recorrente, se impõe alterar o decidido, tornando-o conforme ao direito aplicável”.

Aplicando estes ensinamentos, que advogamos, ao caso em apreço, e lendo e relendo a sentença recorrida, não vemos que assista razão à recorrente.

Na verdade, o Tribunal “a quo” tomou posição sobre o que lhe foi pedido.

Nem se diga que o tribunal, não tomou posição, no que concerne aos terrenos se enquadrem ou não na RAN, ou não deu como provados factos, que segundo a recorrente deveriam ser provados, pedindo, inclusivamente que este Tribunal adite tal matéria (questão que será analisada, à frente, quando se pronunciar sobre a alteração ou não da matéria de facto, questão levantada pela recorrente).

Na verdade o Tribunal “a quo” tomou posição sobre tal matéria, pois refere no segmento que se transcreve: “Não ficaram por provar outros factos com interesse para a decisão desta causa, não tendo o tribunal considerado o demais articulado pelas partes por corresponder a narrativa com um conteúdo jurídico ou conclusivo, duplicação de factos já considerados ou constituindo mera impugnação, ainda que motivada, sem relevo para o objecto do litígio, consignando-se, ainda, que não se consideraram os factos novos principais, alegados em sede de réplica, relativos à integração dos terrenos em Reserva Agrícola Nacional, por consubstanciarem uma alteração da causa de pedir desta acção, inadmissível por força do que dispõe o artigo 265.º do CPC. (cfr. neste sentido decidiu, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.01.2023, processo n.º 2834/18.0T8STR.E1.S1, relatado por Tibério Nunes da Silva”.

Acresce que muito embora, a recorrente afirme que os recorridos não responderam à questão da RAN levantada, nos art.ºs 125 3 126 da réplica, pelo que, tal matéria deveria ser dada como provada, tal não configura qualquer omissão de pronuncia, desde logo, por o Tribunal “a quo” ter referido que tal matéria não podia figurar nos factos provados ou não provados, por não ser possível atende-la.

Contudo, operando à leitura dos autos, verificamos, que a recorrida por requerimento datado de 16/9/2021, respondeu aos documentos apresentados pela recorrente na réplica, sobre tal matéria, impugnando os mesmos e matéria nos mesmos referida.

Também na audiência de discussão de 23/11/2023 a recorrida, respondeu à junção de documentos a cores, que no fundo eram os juntos com a réplica sem cores.

Assim, temos para nós, terem os recorridos respondido a tal matéria.

Lendo e relendo a sentença recorrida, não vislumbramos, qualquer omissão de pronuncia.

Pelo que, nesta medida, também improcede a pretensão da recorrente.

5. Quanto ao vício consagrado na al. e) : condene em quantidade superior ou objeto diverso do pedido, questão não levantada pelo recorrente.

Visto este ponto passemos ao ponto seguinte.

                                                             *

Afirma ainda a recorrente que se verifica uma nulidade secundária, aludida no art.º 195.º, do C.P.C.,

Não vislumbramos que tenha sido cometido a nulidade apontada, desde logo, por os factos vertidos nos art.ºs 125.º e 126.º da réplica, não poderem ser atendidos, por não se enquadrarem na resposta à reconvenção, nem a qualquer das exceções invocadas pelos RR. como referimos in supra. Sendo que, muito embora a sentença recorrida não refira expressamente que tal matéria não poderia ser atendida por não se enquadrar na resposta à reconvenção, nem a qualquer das exceções, o refere de forma diversa, quando diz, que a tal matéria não pode ser atendida, por consistir numa alteração à causa pedir.

Aqui chegados passemos ao ponto seguinte,

                                                           **

C)- Saber se a matéria de facto fixada em 1.ª instância deve ser alterada.

Quanto a esta matéria importa ter em consideração, que a recorrente assenta esta sua pretensão em três pontos, a saber:

i)-  Factos dados como provados que a recorrente pretende ver alterados;

ii) – Facto dado como não provado que a recorrente pretende ver como provado; e

iii)- Factos que a recorrente pretende ver como provados e que o tribunal não incluiu em tal matéria.

Assim,

Quanto ao ponto i)

Refere a recorrente que no ponto H), dos factos provados, deve constar o art.º 85.º da réplica, relativamente às áreas da cultura praticadas no prédio da A.

Assim, e tendo presente o referido pelas testemunhas GG, HH, II, deve o mesmo a ter a seguinte redação: O prédio da autora tem a área de 37.285 m2, tem sido destinado a cultura da vinha, a pomar e horta, estando atualmente adstrito de cerca de 80% da sua área à cultura do sabugueiro predominante na região do Vale do Varosa, concelho de Tarouca, zona apta pelas suas  características pedológicas e económico/agrárias para a cultura do sabugueiro, sendo aproximadamente superior a mais de 85% da área total do prédio, rondando os 30.000 m2, com vinha de cerca de 1900 m2, um pequeno pomar de macieira de 5000 m2 e uma área hortícola entre 300 e 1000 m2”.

 Refere, ainda, que o ponto K dos factos provados deve ser retificado e retirado do prédio que o mesmo é destinado à cultura de sabugueiro e pomar de macieiras mais de 80% da sua área pois que tal não resulta de qualquer depoimento das testemunhas inquiridas, nem dos documentos juntos aos autos.

Antes, e, tendo por base os depoimentos das testemunhas GG, PP e JJ, deve o mesmo passar a ter a seguinte redação: O prédio objeto da preferência, tem a área declarada de 20.685 m2, foi essencialmente destinado a cultura de sabugueiro e pomar de macieiras, mas nos últimos 6 ou 7 anos, encontrava-se praticamente abandonado, mal cultivado e até cheio de lixo”.

                                                           *

Opinião oposta tem a recorrida.

                                                           **

Quanto ao ponto ii)

Refere a recorrente que foi dado como não provado o facto vertido na al.ª a), da matéria não provada, com a redação “A Autora notificou a primeira Ré, por carta datada de 20/01/2021, para que não procedesse a quaisquer plantações ou obras no local, sob pena de as considerar de má fé, no caso de serem classificadas como eventuais benfeitorias úteis (29.ºPI)”.

 Porém, segunda a mesma, tal facto deve passar a provado, com a seguinte redação: JJA Autora notificou a primeira Ré, por carta datada de 20/01/2021, para que não procedesse a quaisquer plantações ou obras no local, sob pena de as considerar de má fé, no caso de serem classificadas como eventuais benfeitorias úteis (29.ºPI)”.

Desde logo, por ter alegado no art.º 29.º da PI ter enviado à ré A... Ldª uma carta datada de 20/01/2021, para que não procedesse a plantações no local, por ir exercer o seu direito de preferência sobre o prédio adquirido pela ré, sob pena de considerar as plantações como benfeitorias de má fé, ponto que esclareceu na réplica, face à negação da R.

 Acontece que por manifesto lapso não foi junto com esse articulado a prova de que a carta foi enviada, pela autora, em 20/01/2021 e cuja copia se encontra junto aos autos, foi remetida com aviso de receção e que foi entregue ao A... Ldª, em 21/10/2021, requerendo a junção do documento de tal envio, agora, em recurso.

                                                           *

Quanto a esta matéria refere a recorrida, que Autora pretende juntar um documento – comprovativo de AR – e com base nesta junção ver aditada à matéria de facto dada como provada o seguinte facto: “JJ) A autora remeteu à ré A... em 20/07/2021 a carta cuja cópia foi junta com a petição inicial, carta essa remetida com a AR que a ré A... Lda recebeu em 21/01/2021”.

 O documento pretendido juntar não é admissível nesta fase processual, por um lado, por outro, o documento pretendido juntar é um aviso de receção (A/R) referente a uma missiva, desconhecendo-se se é a que a Autora juntou com a PI.

                                                            **

Quanto ao ponto iii)

Refere a recorrente que deve dar-se como provado o que se encontra alegado no artº 86º da Réplica, onde se alegou todas as culturas com a exceção de cultura agrícola são culturas de sequeiro, igualmente deve dar-se como provado que os terrenos que se situam numa área seca e pouco chuvosa, e também o alegado no artº 89º da Réplica, onde se alega que a cultura do sabugueiro constitui uma exploração racional e economicamente rentável.

A conclusão de que o prédio da autora e o prédio objeto da preferência, são térreos de sequeiro, é uma conclusão de facto e não de direito, que pode e deve extrair-se perfeitamente, nos pontos dados como provados das alíneas (H), (I), (W) e (X), reforçando as premissas de que resulta a conclusão de facto atrás referida, impõe que passem a constar da enumeração dos factos provados, o que se encontra alegado os artºs 91º, 92º, 93º e 95º, 99º e 100º da réplica e porque não foram contraditados de qualquer modo ou qualquer oposição com a contestação da ré contestante aos mesmos, devem ser considerados como admitidos por acordo, e assim a matéria de facto deve ser aumentada com mais as seguintes alíneas dos factos provados.

CC) artº 91º As características físicas e químicas do terreno são as mais aptas para essa cultura de sabugueiro, predominantemente na região do Vale de Varosa enquanto englobadas no concelho de Tarouca.

DD) Trata-se de variedades silvestres diretamente postas em produção, a fundamentação é a mesma do anterior.

EE) É uma área seca e pouco chuvosa

FF) - Não existe no prédio da autora qualquer aproveitamento de águas pluviais e nem recurso a águas alheias, não existe qualquer depoimento em contrário na prova gravada, e encontra-se admitido por acordo.

GG) O prédio da autora nunca foi servido pela água do rio, igual fundamentação.

HH) – A cultura de sabugueiro existente no prédio da autora

constitui uma exploração racional e economicamente rentável dadas as características do terreno, igual fundamentação.

Mais refere que deve ser dado como provado

II) Quer o terreno da autora, quer o terreno objeto de preferência são terrenos de sequeiro.

Desde logo, tendo por base o referido pelas testemunhas GG e, DD,

                                                              *

Sobre esta matéria refere a recorrida, entre o mais, que contrariamente ao pretendido pela recorrente, a conclusão de que o prédio é de regadio e não se sequeiro, não é uma conclusão de facto, mas sim uma conclusão de direito, assente na interpretação e valoração da matéria de facto dada como provada.

Voltando ao caso em concreto, como resulta sabiamente da sentença recorrida e como vertido supra neste articulado, a aferição da natureza do prédio como sendo de sequeiro ou de regadio, tem de ser feita casuisticamente, tendo em conta as concretas culturas dos prédios em causa e, as suas necessidades hídricas.

Tendo-se apurado, como resulta da matéria de facto dada como provada e da douta fundamentação, que o prédio da Autora está quase na sua totalidade adstrito à cultura do sabugueiro e que tem implementado para uso desta cultura um sistema de rega gota-a-gota, que o prédio é ladeado por levadas e marginado por um rio, dúvidas não restam que o prédio assume a natureza de cultura de regadio.

Alega a este propósito a recorrente que tais factos deveriam ser dados como provados por terem sido admitidos por acordo, o que é claramente falso, tendo em conta que a recorrida deixou impugnada toda a matéria alegada pela recorrente não tendo aceitado nem reconhecido o que quer que seja quanto a tais fatos, quer de forma expressa quer tácita.

Não se podendo a recorrente valer do depoimento da testemunha GG para ver dada como provada tal factualidade, até porque nem a testemunha disse exatamente o que pretende a recorrente, nem da conjugação da restante prova produzida, a alteração pretendida deve proceder.

Aliás nem esta, nem nenhuma das outras testemunhas arroladas pela Autora ou pela Ré, conseguiram afirmar que a natureza do prédio era de sequeiro, ao invés de regadio, como pretende fazer crer a recorrente.

                                                              **

Apreciando.

Como se sabe, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova, o juiz aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição. 

É sabido que, frequentemente, tanto ou mais importantes que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc. (cfr. Abrantes Geraldes in “Temas Prova, II Vol. cit., p. 201) “E a verdade é que a mera gravação sonora dos depoimentos desacompanhada de outros sistemas de gravação audiovisuais, ainda que seguida de transcrição, não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância” (ibidem). “Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores” (cfr. Abrantes Geraldes in “Temas de Prova”  II Vol. cit., p. 273).

Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.

“O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado” (cfr. Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 348).

Nesta perspectiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.

Daí que conforme orientação jurisprudencial prevalecente o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e na avaliação da respectiva credibilidade tem que reconhecer-se que o tribunal a quo, pelas razões já enunciadas, está em melhor posição.

Em conclusão: mais do que uma simples divergência em relação ao decidido, é necessário que se demonstre, através dos concretos meios de prova que foram produzidos, que existiu um erro na apreciação do seu valor probatório, conclusão difícil quando os meios de prova porventura não se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo apelante ou quando também eles sejam contrariados por meios de prova de igual ou de superior valor ou credibilidade, não descurando a vertente que a prova tem de ser analisada em conjunto.

É que o tribunal de 2ª jurisdição não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exactamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova), mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os demais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si.

Sendo, portanto, um problema de aferição da razoabilidade da convicção probatória do julgador recorrido, aquele que essencialmente se coloca em sede de sindicabilidade ou fiscalização do julgamento fáctico operado pela 1ª instância, forçoso se torna concluir que, na reapreciação da matéria de facto, à Relação apenas cabe, pois, um papel residual, limitado ao controle e eventual censura dos casos mais flagrantes, como sejam aqueles em que o teor de algum ou alguns dos depoimentos prestados no tribunal a quo lhe foram indevidamente indiferentes, ou, de outro modo, eram de todo inidóneos ou ineficientes para suportar a decisão a que se chegou (cfr. cfr. Miguel Teixeira de Sousa obra citada, pág. 348).

Casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto serão, por exemplo, os de o depoimento de uma testemunha ter um sentido em absoluto dissonante ou inconciliável com o que lhe foi conferido no julgamento, de não terem sido consideradas- v.g. por distracção-determinadas declarações ou outros elementos de prova que, sendo relevantes, se apresentavam livres de qualquer inquinação, e pouco mais.

A admissibilidade da respectiva alteração por parte do Tribunal da Relação, mesmo quando exista prova gravada, funcionará assim, apenas, nos casos para os quais não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação.

Cabe ainda referir que advogamos o defendido no Ac. desta Relação de 10/7/2018, proc.º n.º 1445/16.0T8FIG.C1, relatado por Luiz José Falcão de Magalhães, do qual somos 1.º adjunto, onde refere citando o Ac. da mesma relação de 4/4/2017, proc.º n.º 516/12.6TBPCV.C1), relatado por Jorge Arcanjo «… o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância, embora exija uma avaliação da prova (e não apenas uma mera sindicância do raciocínio lógico) deve, no entanto, restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal ou por depoimento de parte é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e, na avaliação da respectiva credibilidade, tem que reconhecer que o tribunal a quo, está em melhor posição.

Por isso, se entende não bastar qualquer divergência de apreciação e valoração da prova, impondo-se a ocorrência de erro de julgamento ( cf., por ex., Ac STJ de 15/9/2010 ( proc. nº 241/05), de 1/7/2014 ( proc. nº 1825/09), em www dgsi.pt ), tanto mais que o nosso sistema é predominantemente de reponderação (…)».

Ao que acresce que o dever de fundamentação da decisão de facto, exige actualmente a indicação do processo lógico – racional que conduziu à formação da convicção do julgador, relativamente aos factos que considerou provados ou não provados, de acordo com o ónus de prova que incumbia a cada uma das partes, conforme dispõe, no que concerne à sentença, o artº 607º, nº 4 do CPC, segundo os diversos critérios legais e jurisprudenciais, tendo em conta que, na formação da convicção do julgador rege o princípio da livre apreciação das provas, excepto nos casos previstos no nº 5 do artº 607 do C.P.C.-aqueles para cuja prova seja exigida formalidade especial, os que só possam ser provados por documentos e os que estejam já provados por acordo, documento ou confissão das partes.

É este dever de fundamentação imprescindível a um processo equitativo e contraditório, salvaguardando as garantias das partes e possibilitando a sua cabal reacção, em caso de discordância em relação a esta convicção, bem como assegurando que o tribunal de recurso tem todos os elementos necessários para a apreensão e reapreciação da matéria fáctica.

Conforme referido por Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, págs. 296, 297,), “o dever de fundamentação introduzido pela reforma de 1961, reforçado em 1995 e agora transferido para a própria sentença que simultaneamente deve conter a enunciação dos factos provados e não provados e as respectivas implicações jurídicas “ exige que “se estabeleça o fio condutor entre a decisão sobre os factos provados e não provados e os meios de prova usados na aquisição da convicção, fazendo a respectiva apreciação crítica nos seus aspectos mais relevantes. Por conseguinte, quer relativamente aos factos provados, quer quanto aos factos não provados, o juiz deve justificar os motivos da sua decisão, declarando por que razão, sem perda da liberdade de julgamento garantida pela manutenção do princípio da livre apreciação das provas (…), deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos ou achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos. É na motivação que agora devem ser inequivocamente integradas as presunções judiciais e correspondentes factos instrumentais (…).

Por último, no que toca à possibilidade e limites da reapreciação da matéria de facto, não obstante se garantir um duplo grau de jurisdição, tem este de ser enquadrado com o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, previsto no artº 607 nº 5 do C. P. Civil, sendo certo que decorrendo a produção de prova perante o juiz de 1ª instância, este beneficia dos princípios da oralidade e da mediação, a que o tribunal de recurso não pode já recorrer.

De acordo com Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 347, “Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (…) estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (…) Esta apreciação baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.º 655.º, n.º1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência”.

Assim, para que a decisão da 1ª instância seja alterada haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes.

                                                           *

Sobre esta matéria escreve-se na sentença recorrida:

“A convicção do Tribunal assenta no conjunto da prova documental e testemunhal apresentada pelas partes, tendo-se ainda valorado casuisticamente as declarações prestadas pelas partes, conforme análise crítica que se passará a fazer, tendo em mente as questões de facto que se encontram controvertidas e as regras de repartição do respectivo ónus probatório.

Deste modo, a materialidade dada como assente em A a E resulta do acordo das partes quanto à sua verificação (uma vez que é manifesto, da leitura da contestação, que a Ré não põe em causa que a Autora seja proprietária do prédio inscrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº ...44/...), verificando-se, ainda, de acordo com a certidão de registo predial junta a 9 verso e 10, que esse imóvel se encontra registado a seu favor pela inscrição que se deixou consignada em B.

Relativamente às confrontações e área desse prédio, tal como provado em F e H, pese embora a 1.ª Ré não tenha impugnado especificadamente esses elementos, trata-se de uma realidade que está retratada na mesma certidão de registo predial e na caderneta predial urbana junta a fls. 9, pelo que, dúvidas não restam quanto à sua verificação.

Já no que concerne às culturas que são desenvolvidas nesse terreno ficou provado que, para além da vinha, de pomar e horta, cerca de 80% da área do prédio da Autora tem sabugueiros plantados, o que se justifica com base nos depoimentos inequívocos e sérios, no que tange a esta questão, de GG, II, QQ, DD e de HH, bem como no resultado da verificação judicial qualificada, dado que no respectivo relatório se consignou que a área de 31.72300m2 pertencente aos AA é composta na sua maioria por sabugueiros, encontrando-se essa afirmação devidamente registada fotograficamente.

A demonstração dos factos I e J, bem como a área desse prédio ínsita em K, assenta no teor da certidão do registo predial junta a fls. 11 e 11 verso dos autos, bem como no teor da escritura pública de compra e venda junta como documento 5 da petição inicial, de onde se extrai que o prédio rústico “...” viu a sua área ser rectificada para os 20.685 m2 que, assim, se deram com provados.

O destino agrícola dado a esse prédio, tal como ficou provado em K, não mereceu qualquer contestação da 1.ª Ré, resultando igualmente inequívoco do teor do relatório da verificação judicial qualificada já invocado e junto a fls. 97 a 111.

Por outro lado, demos como provada a alegada extensão de confrontação entre os dois prédios (de cerca de 290 metros), por ajuizarmos que esse elemento não foi impugnado especificadamente pela Ré (cf. facto M).

A transacção da “...” (em conjunto com outros prédios rústicos) e o preço fixado para esse negócio, tal como provado em N, P e T, assenta na escritura pública de compra e venda junta como documento 5 da petição inicial, emergindo desse documento autêntico toda essa materialidade, adiantando-se ainda que incumbia à 1.ª Ré contrariar a afirmação feita pela Autora - de que a adquirente não era proprietária de qualquer prédio confinante com o prédio vendido – o que manifestamente não fez – daí que se tenha dado como provada essa afirmação.

Quanto às despesas e impostos liquidados pela 1.ª Ré com a referida transacção, tal como discriminado em Q, R e S, a sua demonstração resulta igualmente do teor dos documentos autênticos juntos a fls. 17 a 20 dos autos.

Incumbia à 1.ª Ré desmentir a alegação exposta em O, ou seja, de que a Autora não teve conhecimento de todos os elementos essenciais da compra e venda do prédio denominado “...”, o que manifestamente não fez, dado que não foi produzida qualquer prova concludente a esse propósito, sendo certo que os próprios 2.º e 3.ª Réus, na qualidade de vendedores, não contrariaram esse desconhecimento, adiantando-se, ainda, que a própria Autora produziu prova capaz de desmentir essa alegação, porquanto se apurou que a mesma se encontra de relações cortadas, há já alguns anos, com a mãe dos 2.º e 3.º RR (a qual actuou como procuradora dos mesmos na aludida compra e venda), contexto probatório que serviu assim para desmentir a alegação que se levou aos factos não provados nas alíneas f. a h., factualidade essa que incumbia à 1.ª Ré demonstrar o que, seguramente, não fez.

A celebração de um acordo escrito denominado de “comodato” entre os 2.º e 3.º RR e a sociedade B... Limitada, tendo por objecto, além do mais, o prédio “...”, tal como ficou provado em U, assenta no documento que corporiza esse negócio, junto a fls. 44 a 45 verso, não tendo o tribunal tido qualquer dúvida quanto à efectiva realização desse convénio considerando também o depoimento sério, conciso e imparcial de HH, Engenheiro técnico de produção agrícola que apoia ambas as partes nas suas explorações (disse ter apoiado a candidatura da Autora a fundos comunitários), o qual explicou ter tido contacto com essa documentação por força do apoio técnico que presta regularmente à sociedade B... há já vários anos, relatando que se deslocou várias vezes ao terreno e revelando conhecer, profundamente, a exploração intensiva de macieiras que é realizada nesse terreno pela referida empresa (assim se justificando igualmente que tenha ficado provado o item Y).

Acolhemos, essencialmente, as conclusões vertidas no relatório de verificação judicial qualificada para dar como provada a materialidade ínsita em V, W e X, dado que nele está registado a existência de um depósito de água que serve o prédio da Autora (a fls. 103 dos autos), nele se documenta a utilização de rega gota a gota na cultura dos sabugueiros e o espaço hortícola existente nesse prédio (fls. 104) e se retrata a existência de « para extracção de água e levada para a rega do prédio dos AA», bem como a existência da referida «levada para serventia de ambos os prédios», elementos esses devidamente identificados nas fotografias juntas a fls. 107 a 109 desta acção.

Relativamente à área do prédio da Autora que é destinada ao cultivo de produtos hortícolas, tal como concretizado em X, para além das conclusões da verificação judicial qualificada, acolhemos também o teor do documento junto pela Autora a fls. 143 dos autos, o qual visou identificar, por áreas, as culturas ali realizadas, sendo certo que essa distribuição foi devidamente atestada pelas testemunhas GG, II e QQ as quais, confrontadas com esse documento particular, não tiveram qualquer dúvida ou hesitação em confirmarem que o mesmo reproduz a realidade existente naquele prédio.

Justifica-se que se tenha dado como provado que a rega gota a gota existente no prédio da Autora seja utilizada apenas nos meses de Maio a Julho, com vista a evitar o forte calor existente nesses meses, com o fim de proteger a maturação dos frutos e que durante todos os restantes meses não é utilizada qualquer água de rega na área plantada com sabugueiros e que e há cerca de 25 anos que não é utilizada água de qualquer levada, por ser essa a verdade que se extrai, novamente, dos depoimentos conhecedores e incisivos das testemunhas GG, II e DD.

Segundo o relato da primeira, antes de ter sido colocado o sistema gota a gota, a rega fazia-se com mangueiras, a partir de um poço, mas sempre nesse período de maior calor, antes da colheita da baga, adiantando que nunca viu ser utilizada a água da levada.

Já II, sobrinha da Autora e proprietária de terrenos em ..., ..., esclareceu que a rega que dão aos sabugueiros é diminuta e se restringe à altura em que o tempo está muito quente, esclarecendo que essa rega se faz a partir de uma charca existente no prédio da Autora e que a mesma nunca utilizou a água de qualquer levada, explicando que a levada do rio nunca funcionou e que aquela que atravessa os prédios em causa nos autos até à aldeia era utilizada por outros proprietários, para os seus terrenos, adiantando ainda que a água nunca faltou naquela zona.

Por fim, DD revelou ser conhecedor do modo como se cultiva o sabugueiro, bem como dos terrenos em questão, tendo deixado bem claro que a rega se faz por gota a gota por exigência da fábrica alemã que recebe as bagas, que pretende uma baga muito maior e com mais água, esclarecendo ainda que apenas uma levada ali se mantém activa, vinda de cima, de ..., destinando-se a alimentar os terrenos que estão além da ponte nova, asseverando que, nos últimos vinte anos, não serviu para alimentar o prédio da Autora.

A própria testemunha arrolada pela Ré, HH afirmou que a cultura principal de exploração do prédio da Autora, o sabugueiro, foi plantada com o objectivo de produzir intensivamente e de ganhar dinheiro, enquanto que as restantes culturas são para autoconsumo, avançando ainda que ambos os agricultores (Autora e B...) fazem o que é necessário para que as culturas tenham produção, regando se for necessário, embora o sabugueiro tenha uma vantagem sobre a macieira porque não necessita de tanta água e nunca é regado nos meses de inverno, informando que a baga é colhida em verde e mandada assim para a C... (cooperativa de produtores de ...); quanto à levada existente no local, afirmou que não era utilizada porque ambos os produtores tinham instalado o sistema de rega gota a gota.

Neste contexto probatório, dúvidas não nos restam que a rega utilizada no prédio da Autora, adstrita à cultura do sabugueiro, se limita à descrita em W (sistema gota a gota), assentando nos referidos depoimentos inclusive a contraprova segura de que os factos alegados pela 1.ª Ré, vertidos em d. dos não provados, não têm correspondência com a realidade.

A celebração do contrato promessa de compra e venda descrito em Z, que culminou no negócio objecto desta acção, assenta no teor do documento junto a fls. 46 a 46 verso dos autos, sendo certo que a possibilidade de a 1.ª Ré entrar na posse imediata dos imóveis foi prevista na cláusula 3.ª desse contrato e resulta efectivamente confirmada através do teor do aditamento feito ao contrato de comodato que havia sido celebrado pelos promitentes vendedores e a B... (corporizado no documento junto a fls. 47 e verso dos autos), bem como pelo depoimento da já mencionada testemunha HH, assim se justificando por que razão demos como provados os itens AA e BB.

Por fim, relativamente à natureza dos trabalhos realizados pela comodatária na “...” e ao custo dos mesmos, com a amplitude que ficou provada em CC a NN, acreditámos nas conclusões expostas no relatório de verificação não judicial qualificada, onde se consignou que os valores das benfeitorias estão em conformidade com os valores das faturas apresentadas no respectivo processo, concretizando-se que a maior despesa foi efectuada no terreno destacado de cor verde no caderno topográfico no qual foi necessário fazer desaibramento/despedrega e plantação completa das macieiras bem como a colocação de todo o material necessário ao seu suporte e rega.

A parte inferior do socalco, em mais de metade do terreno foram replantadas macieiras e compostos os paus e materiais de suporte já existentes. Também foi introduzido material de suporte em falta. O restante terreno não foi alvo de qualquer intervenção de requalificação até à data provavelmente pela entrada do processo em causa em tribunal; conjugado, naturalmente, com o teor das facturas juntas a fls. 48 a 51 dos autos (estas emitidas entre os meses de Janeiro e Maio de 2021), para alcançarmos os valores concretos que se aceitou corresponderem aos das despesas tidas, complementando essa prova novamente com o depoimento credível de HH, na parte em que confirmou, sem qualquer hesitação, que a B... construiu um pomar intensivo naquele prédio, com mais árvores, com sistema de rega, fazendo um investimento sério, cujo objectivo era a produção e o lucro, afirmando que o valor médio necessário para construir um pomar de raiz será de cerca de 25 mil euros por hectare, explicando ainda que a plantação mais recente, na parte de cima, junto às casas, terá sido feita há cerca de dois/três anos, e constitui um pomar mais intensivo do que o antigo porque tem mais tecnologia (p.ex. o embardamento que permite, no futuro, que seja tapado com redes), com árvores mais caras e selecionadas e narrando que, embora o pomar mais antigo também esteja bem granjeado (foi reposto, adubado e foi melhorado o sistema de rega), nessa parte do terreno o investimento foi menor.

Já no que concerne à utilização de mão de obra fornecida pela comodatária, não incluída nos trabalhos descritos em HH, tal como resultou provado em MM, acolhemos os depoimentos dos próprios funcionários da B... na parte em que declararam ter sido quem realizou essas obras de surriba e plantação no prédio adquirido pela 1.ª Ré, sem que, no entanto, se possa extrair do seu depoimento a materialidade que vinha alegada e que, por falta de prova concludente, resultou como não provada em j.

Em concreto, JJ referiu ter trabalhado naquele terreno com outros dois funcionários da B..., o RR e o SS, entre Março ou Abril de 2020, tendo arrancado os sabugueiros que ali existiam, tirado lixo e plantado as árvores de um novo pomar, moderno, com árvores importadas, sendo que, na zona onde já existia pomar se limitou a replantar árvores onde havia falhas e a substituir algum equipamento degradado.

RR confirmou as declarações da anterior testemunha, declarando que participou na plantação do pomar novo, no terreno da “...”, há cerca de 3 a 4 anos atrás, executando trabalhos de surriba e de plantação, trabalhos esses que demoraram cerca de 1 mês e meio a dois meses a concluir, no que foi secundado por SS, tendo este referido que os trabalhos de construção e de reconstrução do pomar da ... decorreram nos fins de 2019 e inícios de 2020.

Ora, de acordo com a prova testemunhal apresentada pela Ré as obras realizadas no prédio objecto desta acção teriam acontecido entre o final de 2019 e o princípio de 2020 (exactamente como vinha alegado na reconvenção), todavia, deparamo-nos com facturas de materiais destinados a essa mesma obra (com valores que a própria verificação não judicial qualificada ratifica) mas emitidas entre os meses de Janeiro de 2021 e Maio de 2021 (sendo certo que não foi apresentada qualquer justificação para que as facturas tivessem sido emitidas em datas não coincidentes com as alegadas vendas/fornecimentos, alegadamente ocorridas um ano antes).

Neste conspecto, encontra-se o julgador na dúvida quanto à data em que tais obras foram realizadas (atenta a manifesta contradição entre o depoimento das testemunhas e as datas dos documentos apresentados), pelo que essa dúvida se resolverá contra a Ré, nos termos do artigo 414.º do CPC, assim se justificando porque razão resultou não provada a materialidade que consta em i..

Idêntica conclusão se retira relativamente aos valores que a 1.ª Ré veio afirmar que a comodatária terá gasto em salários com a mão de obra que teve de utilizar no terreno, desconhecendo o julgador como é que a 1.ª Ré chegou a uma despesa de €5.000,00 a esse título, dado que, para além de não ter demonstrado que ali tenha trabalhado o número de homens que vinha alegado, uma vez que se prova que apenas três dos funcionários da B... realizaram trabalhos de limpeza e plantação nesse prédio, resulta claro dos seus depoimentos (dos mencionados JJ, RR e SS) que foram os funcionários das empresas contratadas para o efeito quem instalou e montou o sistema de rega, quem realizou o embardamento (tal como resulta do teor das facturas juntas aos autos) sendo que nada referiram quanto a trabalhos de poda, de aplicação de protectores e/ou para tirarem pedra, para passar o cilindro, para triturar erva para aplicar herbicida.

Não logrou a 1.ª Ré provar, igualmente, que os prédios referidos em I) e em U) tenham sido amanhados directamente pelos co-réus BB e CC ou pelos seus antepossuidores – daí a resposta negativa ínsita em b.-, dado que os testemunhos produzidos a este propósito contrariaram, frontalmente, essa afirmação (revelando-nos II e DD, familiares de ambos, que os co-réus residem no estrangeiro, são quadros técnicos superiores e nunca tiveram qualquer contacto com a actividade agrícola, sendo que o avô dos mesmos, anterior possuidor, pessoa muito abastada, se limitava a gerir as suas propriedades agrícolas, onde se incluía o prédio adquirido pela 1.ª Ré, contratando jornaleiros para o efeito).

A materialidade que consta do item c. não resultou igualmente provada porque ninguém se pronunciou quanto à alegada condição subjacente à venda dos prédios e, por outro lado, porque se trata de uma alegação que é contraditória com a versão exposta pela 1.ª Ré para sustentar o seu pedido reconvencional, assente no relato de que no terreno é feita uma exploração, moderna, intensiva e lucrativa, por uma outra sociedade comercial.

Foi igualmente por absoluta falta de prova de que a rega dos prédios se fizesse por limação que demos como não provada a factualidade constante da alínea e., consignando-se que, quanto a este ponto, nenhuma das testemunhas atestou tal realidade, a verificação não judicial qualificada não lhe faz referência, nem nenhum documento a retrata.

Incumbia, também, à 1.ª Ré provar que as melhorias efectuadas no prédio implementaram um acréscimo ao valor do prédio em montante superior ao próprio investimento e, em valor nunca inferior a 30.000,00 euros (trinta mil euros) – facto não provado em l.-, o que não logrou fazer dado que, para além dos valores que se apurou terem sido gastos pela comodatária no prédio (provados em GG a LL), confirmados pelo Sr. Perito na verificação não judicial qualificada, esse incremento patrimonial não foi atestado por qualquer meio probatório.

Anota-se que segundo explicou o Eng. HH o investimento que foi feito no pomar só será rentabilizado passado 10 anos, considerando ainda que em cada dez anos agrícolas há sempre dois que são de perda.

Por fim, dá-se conta que incumbia à Autora provar que dirigiu à 1.ª Ré uma notificação, datada de 20.01.2021 - consubstanciada no teor do documento 9 da petição inicial, junto a fls. 20 verso – o que não logrou fazer dado que, para além da cópia dessa missiva, não se encontra junto aos autos o respectivo talão de registo e/ou prova de recepção da mesma pelo destinatário, sendo certo que a parte contrária contestou o seu recebimento/conhecimento, no que resultou no facto não provado em a.”.

                                                           *

Da audição da prova resulta:

TT, legal represente da R. A..., refere que:

O prédio da A... tem pomar de macieira, sendo que o terreno da A. tem preferencialmente plantação de sabugueiros.

Ambos os terrenos utilizam água do rio e têm uma levada. O sabugueiro não necessita de muita água, tem de ser regado no início para não secar.

AA, A. nos presentes, em declarações refere que:

A exploração dos terrenos dos pais do BB e da CC era feita em conjunto, pois os terrenos, antes de serem dos pais do BB e da CC, eram do avô, os mesmos foram divididos entre o seu pai (pai da depoente) e a sua tia, refere, que o BB e a CC são seus primos.

Os prédios não eram explorados diretamente pelos proprietários, eram explorados pelos caseiro e jornaleiros, serem agricultados por estes.

O prédio vendido à A..., no final nos anos 90, começaram a ser mal tratado, pois nem o BB nem a CC o tratavam. 

Os caseiros e os jornaleiros não viviam exclusivamente dos terrenos.

Refere não ter relações com a mãe dos seus primos (BB e CC). E, afirma não ter sido contactada pelos seus primos sobre a venda do terrenos, adianta, ainda, que também o sr.º TT nunca lhe falou na compra ou venda do terreno.

Foi-lhe exibido o documentos a cores, junto na audiência de discussão e julgamento, de 24/11/2023, tendo referido o que era cultivado em cada zona do terreno, sendo que a cultura do sabugueiro era em muito maios quantidade (cerca de 80/85%), a parcela de horta era muito menor.

Testemunha GG. refere conhecer e ser amiga da A., e que frequenta a casa desta.

Afirma conhecer a quinta da A. a mesma tem cultura de sabugueiro, maior parte e parte dominante, uma pequena parte de vinha e uma pequena horta, foi-lhe exibido documento a cores, junto na audiência de discussão e julgamento de 24/11/2023, tendo com facilidade localizado, cada zona de cultivo, e que espécie era cultivada.

A baga colhida do sabugueiro é entregue na cooperativa.

Ao lado do terreno da A. está o terreno comprado pela A... e estava abandonado.

A plantação do sabugueiro tem rega gota a gota é regado apenas quando está muito calor. Na maior parte do ano não é regado. No terreno da A. há um poço e uma levada, que não é aproveitada, apenas a água do poço é utilizada. O sabugueiro é uma cultura de sequeiro, não deu conta de o BB e a CC tenham tratado o terreno. A A. não tem boas relações, com a mãe destes, também a mãe destes não explorava o terreno, o terreno estava mal amanhado, estava devoluto.

Foi-lhe exibido o documento junto na audiência de 24/11/2023, tendo localizado ás áreas onde cada espécie era cultivada.

Instada de novo sobre a rega do sabugueiro, afirma que a plantação do sabugueiro tem rega gota a gota, mas que na altura da colha da baga esta desligada. A baga é colhida ainda verde e entregue da cooperativa. E instada sobre a razão de referir que a cultura do sabugueiro é de sequeiro, afirma por a planta não necessitar de muita água, de grande quantidade de água. A vinha também é regada. Perguntada se o terreno da A. tem algum lameiro, refere não conhecer qualquer lameiro no terreno.

Refere que o terreno dos primos da A. esta abandonado há 6 ou 7 anos. Anda lá uma pessoa mas trata mal do terreno. Os primos da A. falam com ela, dão-se com ela, a mãe deles não.

Testemunha II, refere ser sobrinha da A.

  Conhece a quinta da A., e herdou-a do pai dela. Os terrenos não eram agricultados diretamente pelos proprietários, mas por caseiros.

O BB e a CC não trabalham o terreno. A mãe destes não se dá com a A.

O principal e a grande percentagem do cultivo no terreno da A. é o sabugueiro. O terreno tem uma pequena horta, uma pequena vinha e umas árvores de fruto.

Tem uma charca, (foi-lhe, nesta altura exibida uma foto junto ao relatório pericial, tendo a testemunha reconhecido o local e a charca). A rega do sabugueiro é apenas parte do ano, quando está mais calor, altura do verão. O terreno tem uma valada mas está inativa. Antes do sabugueiro era um lameiro. A A. não usa a água do rio, pois ali nunca faltou água.

Testemunha QQ, refere conhecer a A., ser sua amiga e frequentar a sua casa.

O terreno da A. é utilizado, para cultivo de sequeiro, maior parte, vinha e horta, poço. Foi-lhe exibido documento, a cores, junto na audiência de discussão e julgamento de 24/11/2013, sobre localizar o local de cada uma das plantações.

 Perguntada se o terreno que hoje é da A... estava tratado, refere não se lembrar se estava bem ou mal tratado.

Testemunha DD, refere ser familiar da A., dos RR. BB e CC.

O BB e a CC nunca agricultaram os terrenos. Mesmo no tempo do seu avô (da testemunha) quem cultivava os terrenos eram os caseiros.

Conhece o terreno da A. tem mais sabugueiros, que é uma árvore, que produz baga, e de sequeiro. A cultura do sabugueiro é uma cultura de sequeiro. O terreno da A, além do sabugueiro, tem uma pequena parte de horta. A A. não tem boas relações com a mãe do BB e da CC.

A A. cultiva o sabugueiro há mais de 10 anos, antes havia pereiras e macieiras. Já na altura do pomar de pereiras e macieiras havia rega gota a gota. Com a plantação do sabugueiro não sabe se a rega gota a gota existente foi ou não aproveitada. O sabugueiro não necessita de rega gota a gota. Se tem rega gota a gota e por exigência da fábrica alemã, para a baga ser maior e mais carnuda. Só por essa exigência terá rega gota a gota. No terreno da A. há duas levadas, uma não funciona, há mais de 20 anos, a outra alimenta os terrenos da .... A água ali utilizada por essa levada é pouca, a levada vem do rio.

Refere ainda que o sabugueiro em termos de rega é uma árvore que não necessita de rega, nem no início da plantação. Quer o terreno da autora, quer o terreno objeto de preferência, são terrenos de sequeiro.

Testemunha HH, refere conhecer quer a A. quer os RR.

O prédio do posto (prédio da R. A...) sublinhado é nosso, é composto por macieiras, sendo que antes também tinha sabugueiros. O terreno da A. é composto por sabugueiros, vinha e árvores de fruto, a maior parte é sabugueiro. Não sabe se o terreno da A. tem lameiros, No mesmo há muitos anos havia um pomar de macieiras. O terreno que hoje é da A... em tempos não era bem tratado e antes de ser vendido tinha sabugueiros e um pomar de macieiras. A sociedade B..., do sr.º UU, começou no terreno que hoje é da A... com um contrato de comodato, passados 2 ou 3 anos começou a tratar do terreno como arrendatário, numa altura em que o mesmo já era da A.... A partir dai o terreno tem vida, querendo dizer, que passou a ser tratado, sublinhado é nosso, passando a ter rega gota a gota. Este prédio manteve a plantação antiga, tendo a parte dos sabugueiros sido substituída por pomar de macieira. No terreno da A. a cultura mais intensiva, (principal) era o sabugueiro, com intensivo quer dizer com maior rendimento económico. A A. rega os sabugueiros, se tiverem necessidade não sabe se a rega é feita de gota a gota. O investimento feito pelo UU no terreno é um investimento a sério. O pomar novo foi plantado com macieiras que vieram de França, sendo um investimento de 25.000€ por ha, o investimento no pomar de macieiras antigo foi menor. Ambos os pomares têm rega gota a gota. Na agricultura de 10 em 10 anos há sempre 2 anos maus. O investimento feito é amortizado ao fim de 10 anos. O pomar novo em média produz 50/60 toneladas. Ao lado dos terrenos há um rio e a água é abundante, enquanto o rio não secar. Os sabugueiros necessitam de menos água que as macieiras. Se a terra estiver húmida e chover de vez enquanto os sabugueiros mantêm-se.

Refere que a B... fez a plantação há cerca de 3 anos, só daqui a 7 anos irá colher dividendos.

Os sabugueiros de inverno não necessitam de ser regados, mas se forem produz mais. Foi-lhe exibido o documento junto na audiência de julgamento de 24/11/2023, e localizou ás áreas das respetivas plantações. Havia uma levada que levava a água de uns terrenos para os outros, no terreno da A... essa água é aproveitada na rega gota a gota.

Conhece a sr.º VV, mãe do BB e da CC, não tratava o terreno, que hoje é da A....

 Testemunha JJ.

Refere que trabalha para a B.... E que a A... e da mesma família. A B... é do sr.º UU, filho do sr.º TT, da A.... O prédio da A... confronta com o rio, em algumas zonas é mais baixo que o rio. Começou a trabalhar na frutico em 2018, na apanha da fruta. Nessa altura o terreno tinha uma parte de sabugueiros e outra de macieira, depois foi remodelado, os sabugueiros foram arrancados e colocadas macieiras. Antes da plantação tiraram o lixo, que havia na parte de cima do terreno, para preparar o terreno, que estava abandonado.

A água era tirada do rio com um motor que bombeava a água para o terreno. O terreno da A... é contiguo com o terreno de uma senhora, que não conhece, referindo-se ao terreno da .... Esse terreno fica a poente do terreno da A.... O terreno da senhora ao lado da casa tem horta, e o mesmo tem também arvores de fruto e sabugueiros.

No terreno da A... foi plantado um pomar no local dos sabugueiros com macieiras que vieram de França. No local onde já havia macieiras, foram colocadas algumas macieiras e também foi colocada rega de gota a gota.

Havia uma levada ao meio do terreno que também levava a água para os terrenos dos vizinhos. O terreno explorado pela B... utiliza essa água na rega gota a gota.

Instado se o terreno da senhora é regado, refere que nos sabugueiros há mangueiras, mas não sabe se é ou não regado. Este terreno estava um pouco desleixado.

Testemunha RR, refere trabalhar para a frutico.

Afirma que a frutipo se dedica à produção de maçã, tem várias quintas, onde produz a mação. Conhece a ... onde trabalha desde à cerca de 7 anos. Tinha uma zona de sabugueiros, na parte de cima, e do meio para baixo um pomar, tinha uma açude ao meio, que levava a água, que vinha de uma represa do rio. A maior parte das vezes a água é constante. Na parte de cima, onde estavam os sabugueiros, fizeram uma plantação nova de macieira, cortaram os sabugueiros, rotearam a terra e fizeram a plantação de macieiras, provindas do estrangeiro, isto talvez à cerca de 3 ou 4 anos, antes da data da audiência. Na plantação de macieiras existentes, replantaram algumas, repararam os arames e alguns paus que se encontravam partidos. Na preparação da parte nova, incluindo a plantação andaram cerca de 2 meses. O pomar tem rega gota a gota, a água é puxada por um motor do rio. A rega gota a gota já existia, no pomar existente, antes da nova plantação. O prédio vizinho tem uma vala a meio. Tem sabugueiros e algumas árvores de fruta. Neste prédio (prédio vizinho) hoje as culturas existentes são as mesmas que havia. Este prédio tem também uma açude, o a plantação de sabugueiros tem mangueiras de rega de gota a gota e tem vegetação verde.

Testemunha SS.

Trabalha para a frutico há 5 ou 6 anos e conhece os donos da A..., por serem os donos da frutico.

A B... dedica-se a trabalhos agrícolas de pomares. É tratorista, mas faz os trabalhos que forem necessários. O WW (dono da B...) sublinhado é nosso, é que manda fazer os trabalhos.

Trabalhou na Quinta ... a tirar o lixo, mangueiras e a fazer a replantação. Na parte de cima tiraram os sabugueiros e plantaram macieiras. A parte de baixo já tinha sistema de rega de gota a gota. A captação da água é feita por motor da levada. Esta está perto do rio. Uma levada passa ao fundo do terreno e outra a meio. O terreno vizinho do lado direito tem uma casa, tem sabugueiros, e algumas árvores de fruto. A cultura do terreno é a mesma, e tem sistema de rega gota a gota, pelo menos, tem lá as mangueiras desse sistema de rega. Não sabe se são ou não utilizadas. A lavada da água primeiro passa pelo terreno vizinho só depois passa para o terreno onde andou a fazer a plantação.

Na plantação nova andaram cerca de 2 meses, antes da colocação das macieiras, tiraram os sabugueiros, sendo que a preparação das terras foi feita por outra empresa. A nova plantação foi feita em finais de 2019 princípios de 2020.

A instància do mandatário da A. refere que as macieiras que vieram de França foram todas plantadas na .... Na quinta do ... não houve escavações, que se lembre.

Testemunha XX,

Refere que antes de se reformar trabalhou para a A., pensa que trabalhou para ela entre 1984 a 1990. Trabalhou na Quinta ..., onde há pereiras, sabugueiros e uma casa. As plantações (sabugueiros) estão na parte debaixo da casa. O prédio da A., na parte debaixo, confronta com o rio. A separar as culturas há uma levada. A água vem da açude e passa pouco mais ou menos a meio do terreno. A levada é de todos os consortes. Usou a água para regar as plantações da A., no terreno havia ainda um poço, na parte de cima, que deitava ainda água para a levada. Durante 6 anos andou sempre e só a trabalhar para a A. A açude está no rio.

Refere conhecer o terreno do R. e que a levada também serve esse terreno.

Quando trabalhou para a A. já lá estava a levada. A A. no início explicou-lhe como deveria ser feita a rega. Por vezes passa pela estrada e os terrenos da A. estão um pouco pior que antes. Os terrenos do R., agora, estão num jardim.

O terreno da A. tinha pereiras na parte de cima da levada na outra parte havia sabugueiros. Para regar usava a água da levada.

Instado pelo mandatário da A., refere que no terreno desta há pereiros, sabugueiros, um pouco de vinha e uma horta. A levada passa ao cimo dos sabugueiros.

Aqui chegados, cabe apreciar se assiste razão à recorrente, na sua pretensão de ver alterada a matéria de facto fixada em 1.ª instância.

                                                           *

Quanto ao ponto i), supra.

Neste como referido, in supra, pretende a recorrente que os factos provados vertidos em H) e K), passem a ter a seguinte redação:

H “O prédio da autora tem a área de 37.285 m2, tem sido destinado a cultura da vinha, a pomar e horta, estando atualmente adstrito de cerca de 80% da sua área à cultura do sabugueiro predominante na região do Vale do Varosa, concelho de Tarouca, zona apta pelas suas  características pedológicas e económico/agrárias para a cultura do sabugueiro, sendo aproximadamente superior a mais de 85% da área total do prédio, rondando os 30.000 m2, com vinha de cerca de 1900 m2, um pequeno pomar de macieira de 5000 m2 e uma área hortícola entre 300 e 1000 m2”.

K “O prédio objeto da preferência, tem a área declarada de 20.685 m2, foi essencialmente destinado a cultura de sabugueiro e pomar de macieiras, mas nos últimos 6 ou 7 anos, encontrava-se praticamente abandonado, mal cultivado e até cheio de lixo”.

Apreciando.

Saber se os factos provados aludidos nas alíneas H) e    devem ser alterados.

Quanto ao facto H.

Neste o que a recorrente pretende é ver constar as áreas da vinha com cerca de 1.900m2, de um pequeno pomar de macieira com cerca de 5000 m2 e uma área hortícola entre 300 e 1000 m2.

Da audição da prova resulta, designadamente das testemunhas GG, II e QQ resulta que a grande parte da cultura é sabugueiro, existindo pequenas áreas de vinha, de macieira e de horta, mas coisa pequena. O que também resulta do relatório pericial, onde se refere que a área do terreno da A. é de 31.723 00 m2, composto na sua maioria por sabugueiros. No entanto, existem 7 bardos em rama de videiras, tendo estes em médio 100 metros de comprimento. Existem ainda 2 bardos de macieiras, além de uma pequena horta

Nesta medida, não vislumbramos, qualquer efeito útil, de fazer constar na citada alínea, as áreas pretendidas pela recorrente. Aliás, nem as testemunhas aludiram às mesmas em concreto.

Assim, tal matéria é inócua, para a aplicação do direito, desde logo, por a área preponderante de cerca de 80% ser de sabugueiros, o que consta da citada alínea H).

Pelo exposto, e, nesta medida, não vislumbramos, razão para  alterar a redação da alínea H), dada pelo Tribunal “a quo”, até, porque seria inócuo aditar as áreas das outras culturas.

Nesta medida improcede a pretensão da recorrente.

Quanto à alínea K).

Segundo a recorrente a redação desta alínea deve ser alterada.

Da audição da prova designadamente das testemunhas Maria de Fátima Roçado, que afirma que o terreno comprado pela A... estava abandonado, II que refere o BB e a CC não trabalhavam o terreno, HH que refere que o terreno que hoje é da A... estava mal tratado e JJ que afirma que antes da plantação tiraram o lixo, que havia na parte de cima do terreno, referindo-se ao terreno que hoje é da A..., também a A. AA, em declarações, refere que os prédios vendidos à A..., no final nos anos 90, começaram a ser mal tratados, pois nem o BB nem a CC os tratavam. 

Da conjugação destes depoimentos, que nos mereceram credibilidade, assiste razão, pelo menos, parcialmente à recorrente e por essa razão a redação da alínea K), passa a ser a incluída a negrito e a etálico do lugar respetivo.

Em tal redação, excluímos e até cheio de lixo, por tal matéria não ficar suficientemente provada, até por a testemunha aludir à parte de cima do terreno e excluímos também o praticamente abandonado, por a testemunha II ter referido que o BB e a CC não trabalham o terreno e a testemunha HH ser muito clara, ao referir que o terreno que hoje é da A... estava mal tratado, o que também foi confirmada pela A. AA.

                                                                       *

Quanto ao ponto ii), supra.

Neste como referido in supra, a recorrente pretende que a alínea a), da matéria não provada, passe a provada como jj), com a seguinte redação: “A Autora notificou a primeira Ré, por carta datada de 20/01/2021, para que não procedesse a quaisquer plantações ou obras no local, sob pena de as considerar de má fé, no caso de serem classificadas como eventuais benfeitorias úteis (29.ºPI)”.

Quanto a esta questão, diga-se, desde já, que não assiste razão à recorrente, por duas razões.

A primeira, por a recorrente assentar a sua pretensão, na junção de um documento A/R, nesta fase processual (fase de recurso), preensão não acolhida, como referido em supra, aquando da análise da questão prévia – admissibilidade de documento.

A segunda, por nenhuma prova ter sido feita nesse sentido, até por o documento não constar dos autos e não poder ser confirmado ou infirmado.

Face ao exposto, como já referimos esta sua pretensão, improcede.

                                                           *

Quanto ao ponto iii), supra

Segundo a recorrente, devem constar dos provados, os que alude nos art.ºs 97, 99, 100, 101, 102 e 103, da conclusão, desde logo, por invocados na réplica e não contestados pelos RR., até por os mesmos, não se mostrarem contrariados na contestação.

Quanto a esta matéria, diga-se desde já, que não assiste razão à recorrente, até por tal matéria, ter sido impugnada pelos recorridos, no requerimento entrado em 16/9/2021, onde refere atento o alegado impugnativo devem improceder os argumentos e excepções alegadas pela Autora/reconvinda assentes nos documentos juntos em sede de réplica, quando tomaram posição sobre o documento junto pela mesma, por um lado e por outro, não ser possível aos RR. impugnarem tal matéria.

Assim, nesta vertente não assiste razão à recorrente.

Acresce que tais factos de uma forma ou de outra já se encontram aludidos na matéria de facto, referente à matéria factual, pertinente para a qualificação dos terrenos em causa, como de sequeiro ou de regadio


*

Mais refere a recorrente, que deve ser dado como provado o constante da conclusão 107, como ponto II, com a redação “Quer o terreno da autora, quer o terreno objeto de preferência são terrenos de sequeiro”, desde logo, tendo por base o referido pelas testemunhas GG e, DD,

Diga-se, desde já, que também nesta vertente não assiste razão à recorrente, por tal matéria ser conclusiva e ser uma conclusão, que cabe tirar ao tribunal da matéria provada.

Assim, sem mais, também esta pretensão tem de improceder.

Aqui chegados passemos ao ponto seguinte.


**

D)- Saber se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída, por acórdão, que julgue a ação procedente.

A matéria a ter presente para aplicação do direito é a fixada em 1.ª instância, com a alteração feita por este Tribunal.

No caso em apreço estamos no domínio de uma ação de preferência, o que não é posto em causa.

Assim, cabe verificar se os pressupostos para a procedência da preferência se encontram ou não verificados.

Entendeu-se, na sentença recorrida, não estarem preenchidos tais pressupostos.

A mesma para o efeito, assenta, desde logo, em dois pontos, a saber:

i)- Estarmos perante um terreno regadio; e

ii)- Não estarem verificados os requisitos exigidos pelo art.º 1380.º, do C.C.

Quanto ao ponto i)

A sentença recorrida, qualifica o terreno da A. como de regadio, por entender que muito embora, seja cultivado em cerca de 80% da área total, com sabugueiro, cultura predominante, e não ficarem dúvidas que se trata de uma espécie vegetal que se desenvolve sem exigir grandes cuidados e que poderá ser encontrada em solos secos e pobres, é incontestável que se trata de uma planta que prefere solos húmidos junto de linhas de água sendo vulgar nas sebes e margens de cursos de água de Portugal continental (cfr. In Agrotec Revista Técnico-científica agrícola, artigo de 18 de Fevereiro de 2020 disponível online em http://www.agrotec.pt/noticias/a-cultura-do-sabugueiro/), entendeu, contudo, face aos factos provados, como não podia deixar de ser, que se trata de uma cultura com necessidades hídricas (se assim não fosse, não se justificava o investimento num sistema de irrigação), ainda que em apenas três meses no ano, tendo ficado provado que o pomar de sabugueiros da Autora está equipado com um sistema mecanizado de rega gota a gota, cuja água provém de um reservatório existente no seu prédio.

E continua, a desenvolver o seu raciocínio, para que a cultura do sabugueiro se fizesse em “sequeiro” o prédio rústico em questão não deveria dispor de qualquer sistema de rega ou de aproveitamento de águas (cfr. neste sentido Neste sentido, o Acórdão do STJ de 24.05.2011, processo 380/07.7TCSNT.L1.S1, relatado por Lopes do Rego), o que, como sabemos, não acontece, estando a cultura predominante também sujeita a rega.

Acresce que tendo-se apurado que a A. faz aproveitamento hidroagrícola em determinada época do ano, para garantir ou potenciar o desenvolvimento vegetativo do sabugueiro (ainda que seja para obter melhores níveis de produção agrícola), o mesmo tem de ser qualificado como regadio, cita para tanto o Ac. do S.T.J. de  17.12.2015, proc.º n.º 285/1999.E2.S1, relatado por Tomé Gomes), em cujo sumário se refere: que a classificação de prédios rústicos como terrenos de sequeiro ou terrenos de regadio e destes como terrenos de cultura arvense ou hortícola, para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 1376.º do CC e do artigo 1.º da Portaria n.º 202/70, de 21/04, deve ser feita não só em função das espécies vegetais ali cultivadas, mas também com apelo ao conjunto das características pedológicas, edáficas, ecológicas e económico-agrárias dos terrenos e da respetiva exploração.

Consideram-se terrenos de sequeiro os que não dispõem de qualquer sistema de rega, ou seja, de aproveitamento de águas, incluindo águas pluviais; enquanto que os terrenos de regadio são os que dispõem de tais sistemas que permitam o aproveitamento tanto de águas próprias como alheias. A cultura arvense diz respeito a cultura de herbáceas anuais ou vivazes, integradas ou não em rotações, excluindo, pois, as culturas arbustivas, arbóreas e florestais. A cultura hortícola tem por objeto legumes e hortícolas, normalmente em pequena dimensão, intensiva e com baixo grau de sazonalidade, requerendo, assim, mais abundância de recursos hídricos do que a cultura arvense. Para tais efeitos, deve-se atender à cultura predominante que se pratica em determinado terreno no momento em que ocorram os atos ou negócios jurídicos da sua divisão ou fracionamento, que não ao da sua maior aptidão natural.

O apuramento das culturas efetivamente exploradas constitui matéria de facto, mas a respetiva classificação como cultura de regadio, arvense ou hortícola, traduz-se já num juízo de valor de base económica, pelo que o erro nesta qualificação é passível de sindicância em sede de revista, com fundamento em violação ou omissão dos critérios legalmente estabelecidos”.

 Contra este entendimento insurge-se a recorrente, que citando vária jurisprudência, afirma estarmos perante terreno sequeiro, desde logo, por a qualificação em terreno sequeiro ou terreno regadio, assentar na cultura que dele mais exuberantemente sobressai, sendo no caso em apreço, a cultura de sabugueiro à qual o prédio da A./recorrente está adstrito em cerca de 80% da sua área, como ficou provado na sentença recorrida, devendo por isso ser qualificado como terreno de sequeiro.

Por sua vez a recorrida pugna pela manutenção da qualificação da sentença recorrida (terreno regadio), referindo, para tanto, que se trata de uma cultura com necessidades hídricas (se assim não fosse, não se justificava o investimento num sistema de irrigação), ainda que em apenas três meses no ano, tendo ficado provado que o pomar de sabugueiros da Autora está equipado com um sistema mecanizado de rega gota a gota, cuja água provém de um reservatório existente no seu prédio.

que não pode a recorrente omitir a natureza hídrica que possui o seu prédio e tanto assim é que possui o sistema de rega de gota-a-gota instalado e em funcionamento.

Não colhendo a alegação da recorrente de que tal sistema só está instalado para aumentar a produção e que não seria o suficiente para classificar o prédio como sendo de regadio.

Está amplamente assente na jurisprudência que os terrenos de sequeiro são os que não dispõem de qualquer sistema de rega, ou seja, de aproveitamento de águas, incluindo das pluviais, já os terrenos de regadio são os que dispõem de tais sistemas de aproveitamento de águas próprias e alheias, citando o Ac. do STJ de 17.12.2015 proferido no processo 285/1999.E2.S1 e relatado por Tomé Gomes, acórdão, também citado na sentença recorrida.

Apreciando.

Diga-se, desde já, que advogamos o entendimento, espelhado na sentença recorrida. Temos para nós, seguindo o entendimento da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. por todos, Acs, de 17/12/2015, proc.º n.º 285/1999.E1.S1, relatado por Tomé Gomes, e de 24/5/2011, proc.º n.º 380/07.7TCSNT.L1.S1, relatado por Lopes do Rego), de que se consideram terrenos de sequeiro os que não dispõem de qualquer sistema de rega, ou seja, de aproveitamento de águas, incluindo águas pluviais; enquanto que, os terrenos de regadio, são os que dispõem de tais sistemas que permitam o aproveitamento tanto de águas próprias como alheias, entendimento por nós já defendido no Ac. desta Relação de 7/2/2017, onde fomos relator, proc.º n.º 133/04.4TBRSD.C1, e não vemos razão para o alterar.

Em suma, podemos dizer que o regadio é um regime que genericamente descreve as áreas agrícolas em que é utilizada a prática da irrigação, ou seja, o fornecimento controlado de água com a finalidade de favorecer o crescimento de plantas e melhorar a produção.

Assim, face aos factos provados, como supra referidos, nesta vertente não assiste razão à recorrente.

Visto este ponto passemos ao ponto ii)

Quanto ao ponto ii)

A sentença recorrida, socorrendo-se, da anotação feita ao art.º 1380.º, do C.C., por Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. III (Artigos 1251.º a 1575.º) 2.ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1987, Pág.272-275, enunciou os pressupostos do direito real de preferência como sejam:

a) que tenha sido vendido um prédio com área inferior à unidade de cultura;

b) que o preferente seja dono de prédio confinante com o prédio alienado;

c) que o prédio do proprietário que se apresenta a preferir tenha área inferior à unidade de cultura;

d) que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante.

Entendendo que face aos factos aludidos em A, F, G, I a M, estavam apenas preenchidos três deles, ser vendido um prédio rústico com uma área inferior à unidade de cultura, dado que o prédio denominado “...” tem a área declarada de 20.685 m2 (a área deste prédio é inferior a 2,5 ha pelo que é indiferente a sua qualificação como de sequeiro ou regadio), a preferente, ora Autora, é proprietária de um prédio rústico confinante a nascente (por cerca de 290 metros), com o prédio alienado, sendo certo que a 1.ª Ré, adquirente, não era, à data da alienação, proprietária confinante.

Porém, refere a sentença recorrida, que se exige, ainda, que o terreno do proprietário que se apresenta a preferir tenha também área inferior à unidade de cultura sendo certo que o prédio da Autora se situa na União de Freguesias ... e ..., e que apresenta uma área de 37.285 m2, tem sido destinado à cultura da vinha, a pomar e horta, estando actualmente adstrito, em cerca de 80% da sua área, à cultura de sabugueiros (cfr. factos A e H).

Ora, apurando-se que a Autora faz aproveitamento hidroagrícola em determinada época do ano, para garantir ou potenciar o desenvolvimento vegetativo do sabugueiro (ainda que seja para obter melhores níveis de produção agrícola), entendeu-se, na mesma, que o seu terreno se deve qualificar como de regadio, o que advogados, pelas razões aludidas em i), implicando assim a área da unidade de cultura mais reduzida, ou seja, de 2,5 hectares.

Estribando-se no Ac. do S.T.J. de 13.12.2022, proc.º n.º 769/17.3T8LRS.L1.S1 relatado por Luís Espirito Santo, entendeu que o artigo 1380.º, n.º 1 do CC exige que o prédio do proprietário que se apresenta a preferir tenha área inferior à unidade de cultura, até por o art.º 18.º, do D.L. n.º 384/88 de 25 de Outubro, nomeadamente o seu o artigo 18.º, n.º 1, ter sido revogado pela Lei nº 111/2015, de 27 de Agosto, pelo que, dúvidas não subsistem, refere, quanto à necessidade de analisar os actuais pressupostos legais do exercício do direito de preferência entre proprietários de terrenos confinantes apenas à luz do artigo 1380.º do CC, o que não se verifica dado que o prédio da Autora tem uma área superior a 3 hectares, não se verificando o enunciado pressuposto legal para que tal direito de preferência lhe possa ser reconhecido.

Contra tal entendimento se insurge a recorrente, e estribando-se em vária jurisprudência, refere que, basta que, pelo menos, um daqueles prédios tenha uma área inferior à unidade de cultura.

Por sua vez a recorrida, advoga o entendimento espelhado na sentença recorrida, ancorando esse seu entendimento em Pires de Lima e no Ac. do S.T.J. de 13.12.2022, proc.º n.º 769/17.3T8LRS.L1.S1 relatado por Luís Espirito Santo.

Apreciando.

Diga-se, desde já, que advogamos o entendimento defendido na sentença recorrida.

Antes da revogação do D.L. n.º 384/88, de 25 de Outubro, pela Lei 111/2015, de 27 de agosto, e em particular o seu art.º 18.º, que dispunha no n.º 1 “Os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência previsto no artigo 1380.º do Código Civil, ainda que a área daqueles seja superior à unidade de cultura”, assim, o direito de preferência podia ser exercido pelos proprietários de terrenos confinantes ainda que a área dos terrenos fosse superior à unidade de cultura, face ao n.º 1, do art.º 18.º, revogado.

A Lei 111/2015, que revogou o D.L. n.º 384/88, citado, que alude ao direito de preferência no art.º 21.º, não contem qualquer número ou alínea, com redação igual ou semelhante, à tida no n.º 1, do citado art.º 18.º, do D.L. n.º 384/88, entretanto revogado.

Assim, a questão em apreço, quanto a nós tem de ser analisada, sem qualquer dúvida, pelo art.º 1380.º, n.º 1, do C.C.,

O mesmo dispõe: “Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante” têm direito de preferência.

 Da sua leitura resulta, desde logo, para a sua verificação serem necessários vários requisitos:  a) - que o preferente seja dono de prédio confinante com o prédio alienado (o que se verifica); b) que o prédio do proprietário que se apresenta a preferir tenha área inferior à unidade de cultura (o que não se verifica, como atrás exposto); c) que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante (o que se verifica) e d) que tenha sido vendido um prédio com área inferior à unidade de cultura (o que se verifica).

Vemos assim, que falta um pressuposto para poder vigar a preferência, precisamente a unidade de cultura, pois o terreno da preferente tem área superior à unidade de cultura (cfr. neste sentido o Ac.s do S.T.J. de 13.12.2022, proc.º n.º 769/17.3T8LRS.L1.S, supra citado e de 17/10/2019, proc.º n.º 295/16.8T8VRS.E1.S2, relatado por Raimundo Queirós e de 14 Janeiro 2021, proc.º n.º 892/18.7T8BJA.E1.S1, relatado por Rosa Tching).


***

4.- Decisão


Pelo exposto decide, por acórdão:

a)- Não admitir a junção do documento, condenando-se a recorrente em multa que se fixa em 1 (uma) UC nos termos do artigo 423, n.º 2, do CPC e do artigo 27.º, nº 1 do Regulamento das Custas Processuais.

b)-Julgar parcialmente procedente o recurso da matéria de facto como supra referido.

c) – No mais julgar o recurso improcedente e manter a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Coimbra, 10/7/2024

Pires Robalo (relator)

Luís Manuel Carvalho Ricardo (adjunto)

Teresa Albuquerque (adjunta)