INCOMPETÊNCIA MATERIAL
REMESSA DOS AUTOS AO TRIBUNAL COMPETENTE
OPOSIÇÃO JUSTIFICADA
DIMINUIÇÃO DAS GARANTIAS DE DEFESA
Sumário

I. Para que o tribunal indefira o pedido do autor de remessa dos autos para o Tribunal competente, basta que o réu invoque alguma razão plausível para se opor à remessa, sem carecer de a especificar em pormenor, desde que mostre não se tratar de um caso de oposição arbitrária.
II. Considera-se justificada a oposição se da remessa do processo puder advir prejuízo para a defesa do réu, nomeadamente vendo-se este impedido de alegar novos factos, invocar excepções ou deduzir reconvenção na nova acção, já não se considera oposição justificada a alegação genérica, por remissão para o preceito da lei da jurisdição competente ou a pronúncia de direito sobre questões já apreciadas, sem concretizar os novos argumentos a ponderar.

Texto Integral

Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra


Proc.º n.º 29/21.5T8NLS.C1

1.- Relatório


 1.1.- A..., S.A., sociedade comercial anónima, pessoa colectiva com o número único de identificação fiscal e de matrícula ...48, com sede na E.N. n.º ...6 ao Km 106, 100, ... ..., vem intentar contra AA, casado, motorista, contribuinte n.º ...75, portador do cartão de cidadão n.º ..., válido até 27/03/2021, residente na Rua ..., ... ..., pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia global de € 22.364,70 (vinte e dois mil e trezentos e sessenta e quatro euros e setenta cêntimos), acrescida de juros à taxa legal, a contar da citação, bem como nas custas, tudo com as legais consequências.

Invocando factos que segunda a A., fazem proceder a sua pretensão.


***

1.2. – Citado apresentou o R. contestação, onde se defende por exceção, referindo que a Petição Inicial é inepta e por impugnação, formula pedido reconvencional e pede a condenação da R. como litigante de má fé,  termina a sua peça processual, pedindo:

a)- Procedência da exceção alegada.

b)- Caso assim não se entenda, deve a presente acção ser julgada não provada e improcedente.

c)- Condenaçãoda A. em multa e indemnização ao Réu, por litigar de má-fé.

d)- Ser procedente o pedido reconvencional.


***

1.3. – Respondeu a A. terminando a sua peça orocessual réplica, com o seguinte:

a)-Ser julgada improcedente a excepção dilatória de ineptidão da petição inicial.

b)- Ser julgada improcedente a reconvenção.

 c)- Ser julgada improcedente a invocada litigância de má fé.


***

1.4. – Em 27/9/2021 foi proferido entre o mais onde se refere:

“ Antevendo-se a incompetência material deste tribunal para conhecer desta ação, sendo antes competentes os juízos do trabalho, notifique as partes para, querendo, pronunciarem-se sobre tal questão no prazo de dez dias – art. 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil”.


*

Notificadas as partes respondeu a A., por requerimento entrado em 11/10/2021, onde entre o mais refere, que não se verifica a exceção dilatória de incompetência deste tribunal em razão da matéria, devendo os autos prosseguir os seus trâmites legais para apreciação do mérito da causa junto deste tribunal, tudo com as legais consequências.

***

1.5. – Em 20/6/2022 foi proferido despacho, onde se refere para o que importa:

“(…)

A incompetência em razão da matéria constitui uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso (até ao despacho saneador), que tem por consequência a absolvição do réu da instância [arts. 96.º, al. a) e 97.º, n.º 1 e 2 e 99.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil].

Atento o exposto, julgando este juízo incompetente em razão da matéria (sendo-o para tanto os juízos do trabalho), absolvo o réu da instância.

Custas pela autora – art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC.

Fixo em €27.364,70 o valor processual, por representar a expressão pecuniária da utilidade económica da causa – art. 297.º, n.º 1 do CPC.

Notifique”


***

1.6. – Em 6/9/2022 a A. apresentou requerimento do seguinte teor:

A..., S.A., autora nos autos à margem referenciados, notificada do despacho que antecede, vem requerer a V. Exa se digne ordenar a remessa dos presentes autos para o tribunal competente, designadamente, para o Juízo de Trabalho ..., com as legais consequências, aproveitando-se os articulados e as taxas de justiça apresentadas nos autos.


***

1.7. – Em 14/9/2022 o R. apresentou requerimento, de oposição, referindo o que se transcreve, para melhor se poder aquilatar das razões da oposição. Mormente onde assenta para a sua justificação:

 “1) Existe impedimento legal do Tribunal do Trabalho ... para receber e tramitar o processo.

2) O tribunal do trabalho é um tribunal de competência especializada.

3) A tramitação processual está regulada e obedece às regras constantes do Código de processo do Trabalho, que se passa a designar apenas por CPT.

4) Por sua vez, o artigo 549.º do Código Processo Civil, aplicável por força do artigo 1º do CPT, dispõe que: “1. Os processos especiais regulam-se pelas disposições que lhes são próprias e pelas disposições gerais e comuns; em tudo o que não estiver prevenido numas e noutras, observa-se o que se acha estabelecido para o processo comum”.

5) O artigo 1º nº. 3 do CPT prevê expressamente que: “3 – As normas subsidiárias não se aplicam quando forem incompatíveis com a índole do processo regulado neste código.”

6) Caso o processo venha a ser remetido para o Tribunal do Trabalho ..., ocorrerá a repetição da causa, com violação do caso julgado, por identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir.

7) Os termos do processo são fixados na lei e não deixados ao critério do julgador, para que ele os possa adaptar às conveniências do caso.

8) Trata-se do Princípio da Legalidade dos atos processuais, que é do conhecimento oficioso

Sem prescindir,

9) A pretensão da Autora, caso fosse deferida, constituiria violação das mais elementares garantias de defesa do Réu.

10) A simples remessa dos articulados para o Tribunal do Trabalho obstaria que o Réu pudesse apresentar nova contestação. E, consequentemente, invocar novos meios de defesa que o simples decurso do tempo lhe proporciona, nomeadamente a prescrição e a caducidade do direito da Autora.

11) Cujos institutos não se verificavam de forma plena aquando da instauração do presente processo e que, agora, salvo melhor opinião, estão preenchidos.

12) Acresce que há circunstâncias específicas que interessam e aproveitam à defesa do Réu, nomeadamente quanto ao dolo, que este só poderia invocar caso fosse permitido apresentar contestação no foro laboral e que não se verificam no processo comum.

13) A remessa do processo para o tribunal do trabalho, nos termos requeridos, obstaria ainda que o Réu invocasse outras especificidades do CPT, nomeadamente o disposto nos artigos 28.º deste diploma.

14) Dispõe o artigo 1.º do Código Processo Civil: 4. “o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.”

15) O Juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o principio do contraditório, …”,

16) Por sua vez, o artigo 4º do mesmo diploma dispõe que: “O tribunal deve assegurar ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdade, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou sanções processuais”.

Finalmente,

17) A Recorrente instaurou acção declarativa de condenação no tribunal cível, enquadrando a mesma no instituto da responsabilidade civil, nos termos dos artigos 483.º e ss. do CC e demandou o Réu no pagamento de indemnização civil.

Por outro lado,

18) Ao configurar a causa de pedir como o fez, e bem assim, ao apresentar pedido no Tribunal Cível, a Recorrente tentou obter ganho de causa na jurisdição cível, obstando à aplicação de legislação do foro laboral.

19) A qual, não só lhe era adversa, como inviabilizava a pretensão, nomeadamente pela aplicação dos institutos da prescrição e caducidade.

Porém,

20) Uma vez decretada a incompetência absoluta do Tribunal Cível, o deferimento da pretensão da Autora nos termos agora peticionados, impediria o Réu de apresentar a sua defesa com fundamento na legislação laboral aplicável.

21) O que teria um efeito perverso para o Réu.

22) Pois, a declaração de incompetência absoluta do Tribunal Cível traduzir-se-ia no coarctar das garantias de defesa do Réu no âmbito da legislação laboral, nomeadamente no que respeita à caducidade e dolo, independentemente do regime de arguição e conhecimento de cada uma das excepções.

23) Por tudo isto, está justificada a Oposição do Réu à pretensão da Autora.

TERMOS EM QUE e nos demais de direito que V.ª Ex.ª doutamente suprirá, deve ser julgada justificada a oposição do Réu á remessa do processo ao tribunal em que a ação deveria ter sido proposta, julgando-se consequentemente como improcedente o requerimento da Autora para esse efeito, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 99.º do Código de Processo Civil.


***

1.8. – Em 29/9/2022 a A. respondeu à oposição, referindo o que se transcreve, para melhor se aquilatar na razão invocada para a falta de justificação da oposição:

“De acordo com o disposto no art. 99.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC)

“se a incompetência (absoluta) for decretada depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se desde que o autor requeira, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, a remessa do processo ao tribunal em que a ação deveria ter sido proposta, não oferecendo o réu oposição justificada”.

Presidem a esta norma objetivos de economia e celeridade processuais, mas não

de forma absoluta. A lei deixa cair aqueles desideratos quando haja oposição justificada

do réu à remessa dos autos ao tribunal competente.

Salvo o devido respeito opinião contrária, não deverá proceder a oposição apresentada pelo réu à remessa dos autos ao tribunal julgado competente, porquanto tal oposição não se mostra justificada.

Com pertinência para a interpretação da norma legal em apreço, vejamos o

Acórdão da RC de 20.04.2016, Fernando Monteiro, P. 1229/12.4TBLRA-F.C1,

www.dgsi.pt/: “Como resulta da norma em análise e do art. 278.º, n.º 1, a), da mesma

lei, a instância extingue-se e não continua no tribunal competente, no qual se inicia uma

nova. Se a instância se extingue e apenas são aproveitados os articulados, o direito do

autor não chega a ser conhecido e declarado, ao contrário do que procura defender o

recorrido. Se apenas são aproveitados os articulados, não são aproveitados os restantes

atos praticados na execução, pelas partes ou pelo tribunal. Neste contexto, e na base de

um erro do autor, devemos concluir que a remessa do processo não pode prejudicar o

réu. Ora, o réu só não será prejudicado se, não tendo utilizado certo meio de defesa na

ação anterior, puder fazê-lo na nova ação. Por conseguinte, obstará à remessa dos autos

uma oposição do réu que expresse querer apresentar uma contestação diferente da

apresentada”

Ora, não se verifica qualquer impedimento legal do “Tribunal do Trabalho de

...” para receber e tramitar o presente processo.

É certo que a tramitação processual dos processos laborais está regulada e obedece

às regras constantes do Código de Processo do Trabalho.

Contudo, o pedido de remessa dos presentes autos para o tribunal considerado o

competente implica apenas o aproveitamento dos articulados apresentados nos presentes

autos, sendo certo que, após a concretização daquela remessa sempre restará e competirá

ao tribunal competente, nos termos do disposto no artigo 27º do Cód. Proc. Trabalho, “sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.” Mais devendo o juiz, “até à audiência final:

a) Mandar intervir na ação qualquer pessoa e determinar a realização dos atos

necessários ao suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação;

b) Convidar as partes a completar e a corrigir os articulados, quando no decurso do

processo reconheça que deixaram de ser articulados factos que podem interessar à

decisão da causa, sem prejuízo de tais factos ficarem sujeitos às regras gerais sobre

contraditoriedade e prova.”

Claramente, não existirá, com a remessa peticionada, qualquer “repetição da

causa, com violação do caso julgado, por identidade de sujeitos, pedido e causa de

pedir.”

Diz o réu que a remessa dos articulados para o “Tribunal do Trabalho” obstaria a

que pudesse apresentar nova contestação e invocar novos meios de defesa, nomeadamente

a prescrição e caducidade do direito da autora (exceções estas, que o réu aqui não

concretizou), “cujos institutos não se verificavam de forma plena aquando a instauração

do presente processo e que agora, salvo melhor opinião, estão preenchidos.”

Ora, todos os factos essenciais, relativamente aos quais o réu poderia deduzir a

respetiva impugnação concreta e individualizada, estão espelhados no articulado inicial

da autora.

A autora não deduziu posteriormente outros factos.

O próprio réu admite que a pretendida invocação de uma prescrição e caducidade

apenas lhe seria agora proporcionada pelo decurso do tempo, pelo que, ao que dá a

entender, não se verificariam as supostas exceções à data em que foi citado para os

presentes autos.

Não pode, por isso, colher a argumentação do réu quando diz que não pôde

debruçar-se sobre circunstâncias específicas que interessam e aproveitam à sua defesa e

que só poderia invocar caso fosse permitido apresentar contestação do foro laboral.

Se o réu não se debruçou sobre esse suposto circunstancialismo, foi porque não

quis e não porque estivesse impedido de o fazer.

Por outro lado, o próprio réu nos artigos 20º, 21º, 42º, 44º, 46º, 48º, 61º da sua

contestação enquadra a relação material em causa nos autos no seio de discussão de uma

relação laboral, defendendo que a pretensão da autora não pode, por isso, proceder,

entendendo o réu que a relação laboral sobrepõe-se à mera responsabilidade civil.

Era, por isso, perfeitamente cognoscível para o réu, tanto que o indiciou nos

referidos artigos, a questão da competência material do tribunal para o conhecimento dos

presentes autos.

Perante a configuração da petição inicial, o réu defendeu que a autora só poderia

obter a sua responsabilização no seio da relação laboral (como de resto, assim o entendeu

igualmente este tribunal).

Não restou dúvidas a este tribunal que a autora pretendia fazer valer o direito de

indemnização resultante do incumprimento/cumprimento defeituoso do contrato de trabalho por parte do réu e este também entendeu, conforme referido, que a autora só por essa via o poderia demandar.

Portanto, se apenas considerarmos o teor da petição inicial (única peça nos autos

quando o réu foi citado para a ação), a invocação de “circunstâncias específicas” na

contestação já era exigível/pertinente para o réu em nome do princípio da concentração

da sua defesa naquela peça processual.

O que o réu não fez.

E acaso se verificasse alguma exceção de prescrição e caducidade do direito da autora (exceções aquelas, que o réu já veio dizer que não se verificavam quando foi citado e que a sua verificação só se mostraria concretizada pelo decurso do tempo), a quando a citação do réu, então, também considerando o teor da petição inicial e própria fundamentação do réu, a invocação das mesmas já era exigível/pertinente para o réu em nome do supra referido princípio

O que o réu não fez.

A autora não pretendeu obstar à aplicação de legislação do foro laboral.

Assim, não pode concluir-se que a remessa dos presentes autos ao tribunal competente traga algum prejuízo ao réu, uma vez que o réu, na sua contestação, atenta a forma como a autora configurou a ação (apontada pelo próprio tribunal), dispunha de todos os meios de defesa e utilizou todos os meios de defesa que já lhe seriam de igual forma assegurados se a ação tivesse sido intentada no tribunal competente.

E, de resto, a defesa aduzida pelo réu não pode ser ampliada no novo tribunal, uma

vez que, não há questões que só neste tribunal possam assumir relevância.

Não há, por isso, qualquer diminuição das garantias de defesa e contraditório do

réu.

Termos em que, deverá este tribunal considerar que não é fundamentada a

oposição oferecida pelo réu à remessa peticionada pela autora, devendo ordenar-se aquela remessa nos termos solicitados, com as legais consequências.


***

1.9. – Em 14/2/2024 foi proferido despacho, a referir entre o mais, o seguinte:

“(…)

Destarte, cremos que o Réu mostrou que a sua oposição não é arbitrária, antes fundada em razões plausíveis, pelo que se decide indeferir o pedido deduzido pelo Autora e em consequência não se determina a remessa da Ação para o Tribunal de Trabalho, nos termos do disposto no artigo 99º, n.º 2 do Código de Processo Civil.

Custas do incidente a cargo da Autora, cuja taxa de justiça se fixa no mínimo legal.

Notifique.”


***

1.10. – Inconformada com tal decisão dela recorreu a A., terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

I– Vem o presente recurso interposto do despacho proferido nos autos e datado de 14/02/2024, que entendeu que, descartando a verificação da possibilidade de violação de caso julgado por repetição da causa, “foi o argumento de impedir o prejuízo para a efetiva defesa do réu que justificou a redação final do artigo 99º, n.º 2 do Código de Processo Civil, o qual deverá ser interpretado no sentido que o Réu pode opôs-se justificando o seu prejuízo para a defesa de forma a que haja uma harmonização entre o direito de defesa e o princípio da economia processual. Isto é, será injustificada se, na contestação, o réu utilizou todos os meios que lhe seriam proporcionados se a ação tivesse sido proposta no tribunal competente, devendo por isso obstar à remessa dos autos qualquer invocação feita pelo réu no sentido de pretender apresentar uma contestação não totalmente coincidente com a já apresentada, nomeadamente se não tiver alegado certos factos em sua defesa na ação anterior ou se não tiver alegado uma exceção e puder agora invocá-la. (…) Cremos que os fundamentos em presença e considerando a diferente natureza das matérias apreciadas não têm que ser explicitados em detalhe e que, na sua análise, assista razão na sua invocação, pois que não será este tribunal que terá de apreciar acerca da viabilidade de procedência de matéria excecional que se queira vir a deduzir. Destarte, cremos que o Réu mostrou que a sua oposição não é arbitrária, antes fundada em razões plausíveis, pelo que se decide indeferir o pedido deduzido pelo Autora

e em consequência não se determina a remessa da Ação para o Tribunal de Trabalho,

nos termos do disposto no artigo 99º, n.º 2 do Código de Processo Civil.”

II – Ora, declarada a incompetência material do tribunal judicial onde a ação foi instaurada, o autor pode requerer e remessa para o tribunal competente, nos termos do art. 99º, nº 2, do CPC, sendo que, ainda que não se exija o acordo do réu, tal remessa só deverá ser recusada se se verificar, segundo um juízo de verosimilhança, que a sua oposição é justificada, porquanto a remessa do processo ao tribunal em que a ação deveria ter sido proposta seja suscetível de prejudicar o réu.

III - A remessa é apta a prejudicar o réu nas seguintes situações: a) quando determina uma restrição das garantias do réu; b) a defesa já deduzida não tenha contemplado a alegação de questões próprias e específicas da jurisdição do tribunal competente ou outras questões que só nesta assumam pertinência; c) r réu não tenha utilizado todos os meios de defesa que lhe seriam proporcionados se a ação tivesse sido proposta no tribunal competente; d) a defesa se tenha centrado na invocação da exceção de incompetência absoluta, atenta a evidência desta, com um justificável menor desenvolvimento das demais questões; e) a defesa apresentada careça de ser ampliada no novo tribunal.

IV – Nada disto se verifica ou verificou nos presentes autos.

V - Ainda que não se requeira uma comprovação segura, detalhada e cabal das razões ou dos motivos invocados para justificar a oposição à remessa do processo ao tribunal materialmente competente, devem ser invocados motivos concretos para justificar a oposição e os mesmos devem ser verosímeis, o que também não se verificou nos presentes autos.

VI – O explanado supra e melhor desenvolvido em sede de alegações deveria ter

conduzido a um outro desfecho nos presentes autos, como seja, o da conclusão que a

oposição apresentada pelo réu/recorrido não é justificada e, como tal, determinando-se a remessa dos autos para o tribunal competente.

VII – Ao não ter decidido assim, violou o tribunal a quo o disposto no artigo 99º, n.º 2 do CPC.

Termos em que, deve o presente recurso merecer provimento em toda a sua

extensão, com as legais consequências, devendo a decisão recorrida e proferida pelo

tribunal a quo, datada de 14/02/2024, ser alterada em conformidade, devendo julgar-se

não justificada a oposição do réu/recorrido e determinar-se a remessa dos autos ao tribunal competente, com as legais consequências.

Assim decidindo, farão V. Exas.

Justiça!”


***

1.11.- Feitas as notificações a que alude o art.º 221.º, do C.P.C. não houve resposta.

***

1.12. – Foi proferido despacho a receber o recurso do seguinte teor:

“ Recurso apresentado pela Autora A..., SA apresentado a 29.02.2024, colocando em crise a Decisão proferida 14.02.2024:

Por ter para tanto legitimidade (cfr. artigo 629º, n.º1 do CPC), estar em tempo (cfr. artigo 638º, n.º1 do CPC) e na forma legal o ter apresentado (cfr. artigo 639 do CPC), tratando-se de decisão impugnável (cfr. artigo 629), admite-se o recurso interposto, o qual é de apelação, a subir imediatamente e nos próprios autos (cfr. artigo 644º, n.º1, alínea a), 645º, n.º1 alínea a) do CPC), com efeito meramente devolutivo (cfr. artigo 647º, n.º1 do CPC).

Subam os autos ao Tribunal da Relação de Coimbra.

Notifique.”


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1.13. – Com dispensa de vistos cumpre decidir.

2.- Fundamentação

Com interesse para a decisão, são os factos constantes do relatório supra.

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3.- Motivação


É sabido que é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2, do CPC).

Constitui ainda communis opinio, de que o conceito de questões de que tribunal deve tomar conhecimento, para além de estar delimitado pelas conclusões das alegações de recurso e/ou contra-alegações às mesmas (em caso de ampliação do objeto do recurso), deve somente ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, ou seja, abrange tão somente as pretensões deduzidas em termos do pedido ou da causa de pedir ou as exceções aduzidas capazes de levar à improcedência desse pedido, delas sendo excluídos os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes, bem como matéria nova antes submetida apreciação do tribunal a quo – a não que sejam de conhecimento oficioso - (vide, por todos, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª. ed., Almedina, pág. 735.

Calcorreando as conclusões das alegações do recurso, verificamos que a questão a decidir consiste em saber – se a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por acórdão, onde se decida, julgar a oposição infundada e determinar-se a remessa dos autos ao tribunal competente, com as legais consequências.

A questão que temos entre mãos coloca-nos, em saber se a oposição apresentada pelo R., e, aludida em 1.7 é ou não justificada, sendo que o A. na sua resposta a tal pretensão, entende não ser justificada, pelas razões aludidas em 1.8.

Por sua vez a decisão recorrida, entendeu, assistir razão ao R., por ter invocado,  razões que justificam a oposição, estribando-se, em vária jurisprudência, designadamente no Acórdão desta Relação,  de 12 de fevereiro de 2015, no âmbito do processo n.º 141591/13.3YIPRT.A.C1, e no Ac. da Rel. do Porto, de 01.06.2015, no âmbito do processo n.º 1327/11.1TBAMT-B.P1, no qual também estava em causa a remessa de uma ação que deu entrada na Instância Central Cível para o Tribunal de Trabalho.

Apreciando.

A questão em apreço coloca-se, em torno da interpretação de um particular trecho do artigo 99º, nº 2 do CPC, que assinalaremos na transcrição que se segue de toda a disposição:

Artigo 99º

Efeito da incompetência absoluta

1 – A verificação da incompetência absoluta implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar.

2 – Se a incompetência for decretada depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se desde que o autor requeira, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, a remessa do processo ao tribunal em que a ação deveria ter sido proposta, não oferecendo o réu oposição justificada.

3 – Não se aplica o disposto no número anterior nos casos de violação de pacto privativo de jurisdição e de preterição do tribunal arbitral.

Este normativo corresponde ao artigo 105º do Código de Processo Civil, revogado, onde se preceituava com a epígrafe - Efeito da incompetência absoluta:

1 – A verificação da incompetência absoluta implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar.

2 – Se a incompetência só for decretada depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se desde que, estando as partes de acordo sobre o aproveitamento, o autor requeira a remessa do processo ao tribunal em que a acção deveria ter sido proposta.

Comparando as duas redações, do n.º 2, a atual e a anterior, resulta, desde logo, que no regime anterior, era necessário, o acordo das partes, enquanto que no regime atual, o que releva é a oposição ser justificada, ou não.

 Assim, a inexistência de acordo é irrelevante, pois basta, o tribunal determinar, decidir, que a oposição é injustificada, para proceder à remessa.

 A respeito desta matéria, escrevem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in C.P.C., em anotando ao artigo 99º, no que para o que importa:

“[…]

O nº 2 constitui manifestação do princípio da economia processual, na vertente da economia de atos e formalidades.

Decretada a incompetência depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se se o autor requerer a remessa do processo para o tribunal competente e o réu não se opuser de modo justificado.

No correspondente nº 2 do artigo 105º do CPC de 1965, o aproveitamento dos articulados só se fazia mediante o acordo de autor e réu. O Anteprojecto da Comissão contentava-se com o requerimento do autor, apresentado dentro dos 30 dias posteriores ao trânsito em julgado da decisão, ao qual o réu não se podia opor. O Projecto da Comissão reduziu o prazo para 10 dias e a Proposta de Lei admitiu a oposição do réu, acolhendo parecer do Conselho Superior da Magistratura e da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, com o que se fixou a redacção deste número. Essa oposição tem de ser justificada, o que se harmoniza com o direito de defesa e o princípio da economia processual: será injustificada se, na contestação, o réu utilizou todos os meios que lhe seriam proporcionados se a acção tivesse sido proposta no tribunal competente; é discutível se continuará a sê-lo se o réu não utilizou todos esses meios, embora os pudesse utilizar, sendo certo que, a ser assim, o réu gozará, até 01/09/2014, da protecção concedida pela norma transitória do artigo 3º, a) da Lei 41/2013, de 26 de Junho.

Sublinhe-se que, por este meio, o autor evita a inutilização do processo, mas não obvia à absolvição do réu da instância – o que, no atual código, decorre inequivocamente da alusão ao trânsito em julgado da decisão sobre a incompetência absoluta –, pelo que no tribunal competente se inicia uma nova instância. Assim, aproveitam-se apenas os articulados e os atos processuais que eles impliquem (citação do réu, notificações, eventual despacho liminar ou pré-saneador), mas não os restantes atos praticados pelas partes ou pelo tribunal, nomeadamente as provas produzidas (sem prejuízo do artigo 421º), os despachos eventualmente proferidos (por exemplo, sobre o valor da acção) ou a tramitação de qualquer incidente […].

[…]” (ênfase no original, sublinhado acrescentado)” (cfr. a este propósito Ac. desta Relação de 29 de janeiro de 2015, proc.º n.º 141592/13.1YIPRT-A.C1, relatado por Teles Pereira.

Podemos dizer, assim, que o que releva, como aliás resulta do n.º 2, do citado art.º 99.º, é a justificação ou não da oposição (cfr. entre outros Ac. da Rel. do Porto de 1 de junho de 2015, proc.º n.º 1327/11.1TBAMT-B.P1, relatado por Alberto Ruço, Ac. Rel. de Guimarães, de 23 Novembro 2017, proc.º n.º 2089/16.1T8GRM.G1, relatado por Alcides Rodrigues, Ac.s Rel. do Porto, de  8/9/2020, proc.º n.º 2125/19.0T8AVR-A.P1, relatado por Fernanda Almeida, de 19 Março 2018, proc.º n.º  92/16.0T8AMT.P1, relatado por Ana Paula Amorim),

Aqui chegados, cabe apurar se a oposição apresentada pelo Réu é ou não justificada.

Temos para nós, que a justificação da oposição à remessa tem de ser vista caso a caso, analisando os argumentos invocados pelo opositor e pelo requerente do envio, e, com base nessa análise, decidir pela remessa ou não, assim, considera-se justificada a oposição se da remessa do processo puder advir prejuízo para a defesa do réu, nomeadamente vendo-se este impedido de alegar novos factos, invocar excepções ou deduzir reconvenção na nova acção, já não se considera oposição justificada a alegação genérica, por remissão para o preceito da lei da jurisdição competente ou a pronúncia de direito sobre questões já apreciadas, sem concretizar os novos argumentos a ponderar.

A respeito desta matéria, entendeu-se na Relação do Porto, no Ac. de 1 de junho de 2015, proc.º n.º 1327/11.1TBAT-B.P1, relatado por Alberto Ruço, que para  que o tribunal indefira o pedido do autor basta que o réu invoque alguma razão plausível para se opor à remessa, sem carecer de a especificar em pormenor, desde que mostre não se tratar de um caso de oposição arbitrária e foi também este o entendimento da decisão recorrida, estribando-se, alias, no mesmo.

Atendo ao exposto, temos para nós, assistir razão à decisão recorrida.

Na verdade, o oponente, refere, desde logo, que a simples remessa dos articulados para o Tribunal do Trabalho obstaria a que pudesse apresentar nova contestação, e, consequentemente, invocar novos meios de defesa que o simples decurso do tempo lhe proporciona, nomeadamente a prescrição e a caducidade do direito da Autora. Cujos institutos não se verificavam de forma plena aquando da instauração do presente processo e que, agora, salvo melhor opinião, estão preenchidos. Ao que acresce, haver circunstâncias específicas que interessam e aproveitam à defesa do Réu, nomeadamente quanto ao dolo, que este só poderia invocar caso fosse permitido apresentar contestação no foro laboral e que não se verificam no processo comum.

Atenta a matéria invocada, pelo oponente, a efetivar-se o reenvio pretendido, poderia diminuir a defesa do mesmo, tanto mais que, como bem se refere na decisão recorrida, segmento que aqui transcrevemos, por com ele concordarmos:  “Cremos que os fundamentos em presença e considerando a diferente natureza das matérias apreciadas não têm que ser explicitados em detalhe e que, na sua análise, assista razão na sua invocação, pois que não será este tribunal que terá de apreciar acerca da viabilidade de procedência de matéria excecional que se queira vir a deduzir.

Destarte, cremos que o Réu mostrou que a sua oposição não é arbitrária, antes fundada em razões plausíveis, pelo que se decide indeferir o pedido deduzido pelo Autora e em consequência não se determina a remessa da Ação para o Tribunal de Trabalho, nos termos do disposto no artigo 99º, n.º 2 do Código de Processo Civil”.

Face ao exposto, sem mais considerandos, não vislumbramos razão, para alterar a decisão recorrida.


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4. Decisão


Pelo exposto, decide-se, por acórdão, julgar o recurso improcedente e manter a decisão recorrida, nos seus termos.

Custas pela recorrente.

Coimbra, 10/7/2024

Pires Robalo (relator)

Cristina Neves (adjunta)

António Fernando Marques da Silva (adjunto)

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